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História da arte Professoras Autoras Lisa Minari Hargreaves Maria Gorei Vieira Vulcão

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História da arte

Professoras Autoras Lisa Minari Hargreaves Maria Goretti Vieira Vulcão

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APRESENTAÇÃO

Você já pensou em qual será a primeira pergunta que seus alunos do ensi-no fundamental farão quando você se apresentar como o “professor de arte”? O que será que aqueles olhos atentos, ainda sem muita intimidade, poderiam esconder?

Essa pergunta sempre me lembra de uma amiga professora chamada Mara que em sua primeira entrevista, na primeira escola que poderia lhe dar o pri-meiro emprego, no primeiro encontro com seus possíveis primeiros alunos, sob o olhar atento de sua primeira supervisora, passou por uma situação no mínimo intrigante. A sala de aula estava repleta de crianças da pré-escola ani-madas com a primeira aula de artes do semestre, até que uma pequena criatu-ra, carregando um sabonete molhado, cheio de espuma, se aproximou, puxou seu jaleco e perguntou de baixo para cima:

– Ô Tiiii... a! Por que o sabão é verde e a espuma é branca?A situação exigia conhecimento, habilidade e rapidez. Mas depois de um

longo silêncio, Mara respondeu com um sorriso sem graça:– Há provavelmente uma reação química onde as moléculas de água di-

luem a matéria com a qual é feito o sabão, e com a fricção, e a temperatura... De repente ela interrompeu seu discurso e, depois de um longo suspiro,

Mara sentenciou por entre dentes:– Querida, a tia vai pesquisar melhor sobre esse assunto e no nosso próxi-

mo encontro eu poderei te dar uma resposta mais completa, tá certo? Agora vamos brincar de massinha?

A sala de aula nos reserva surpresas, por isso algumas questões conceitu-ais devem ser devidamente esclarecidas antes que tenhamos que enfrentar nossos doces pupilos, que adoram transitar por entre nossas “pequenas” con-tradições.

Transitar por essas “pequenas” contradições é o nosso convite para inicio de viagem...

Sejam Bem Vindos!

DADOS DA DISCIPLINA

EMENTA

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Arte das civilizações antigas; Arte das civilizações orientais; Arte da anti-guidade clássica greco-romana; Arte medieval cristã: arte paleo-cristã, estilos bizantinos, romântico e gótico.

OBJETIVOS Compreender possíveis razões do surgimento das primeiras imagens fei-

tas pelo homem (pinturas e esculturas);Refletir sobre os processos de organização do homem da Pré-História até

o fim da Idade Média por meio do estudo das imagens produzidas nesse pe-ríodo.

Analisar organização sócio-política e cultural do homem da Pré-História a Idade Média, através da iconografia produzida nesse período, o culto, o cole-tivo e a individualização.

UNIDADE 1: PARA QUE SERVE UMA HISTÓRIA DA ARTE?1.1. O PALEOLÍTICO – A IDADE DA PEDRA LASCADA1.2. O NEOLÍTICO – A IDADE DA PEDRA POLIDAUNIDADE 2: MAS O QUE É CIVILIZAÇÃO?2.1. UM OLHAR SOBRE A ARTE NO EGITO UNIDADE 3 MAS ENTÃO O QUE É BELO?3.1. UM OLHAR SOBRE A ARTE NA GRÉCIAUNIDADE 4: O GRANDE IMPÉRIO DA ANTIGUIDADE4.1. UM OLHAR SOBRE A ARTE EM ROMAUNIDADE 5: NASCIMENTO DO CRISTIANISMO5.1. UM OLHAR PARA A ARTE MEDIEVAL5.2. ARTE BIZANTINA5.3. A ARTE ROMÂNICA 5.4. A ARTE GÓTICA

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Debruçarmos-nos sobre os diversos conceitos acerca da arte e suas pos-síveis funções não é tarefa muito fácil no ambiente consumista e pragmático criado pelos valores da sociedade burguesa.

“A poesia é indispensável. Se eu ao menos soubesse para quê...” O parado-xal epigrama de Jean Cocteau demonstra que esses temas já ocuparam muitas mentes em inúmeros tratados de estética que buscavam, num primeiro mo-mento, definir um conceito preciso sobre o tema, sem muitas vezes conside-rar as múltiplas ligações simbólicas que se estabelecem quando nos coloca-mos diante de uma obra de arte ou de uma imagem.

Minha amiga Ariadne, com seu adorável e eficiente raciocínio “cartesiano”, especializado em problemas sobre a Receita Federal via SERPRO, me ligou outro dia entusiasmada me convidando para visitar uma nova exposição de arte contemporânea no Centro Cultural Banco do Brasil:

– Visitando a exposição na sua companhia, eu fi-nalmente vou poder dizer se gosto ou não de “arte contemporânea”, você me explica tudo e eu vou entender. Não quero parecer grosseira, mas, por enquanto, não entendo nada daquela parafernália, acho tudo muito esquisito e desnecessário. E mais, não levaria “aquilo” para enfeitar minha casa nem morta!

Nesse breve diálogo, encontramos algumas das questões mais comuns relacionadas à arte que mui-to nos interessam. É certo que minha amiga “Dinha” sabe reconhecer muitas “obras de arte” e artistas, tais como Guernica de Picasso, Mona Lisa de Leonardo da Vinci, os afrescos da Capela Sistina de Miche-langelo, Salvador Dali, Monet e Frida Kahlo. Todas essas obras e seus autores são amplamente reconhe-cidos e admirados sem que nos preocupemos com uma definição precisa sobre o conceito de arte.

Sem pensar muito admitimos que em nossa cul-tura desenvolvemos uma “noção” que privilegia de-terminadas “manifestações” diante das quais nosso sentimento é freqüentemente de admiração. Defi-Figura 01 - Marcel Duchamp. A Fonte, Ready Made, 1917.

UNIDADE 1 MAS PARA QUE SERVE

UMA HISTÓRIA DA ARTE?

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nimos também locais apropriados onde a arte pode se “manifestar”, como museus, galerias, salas de concerto, cinemas, teatros.

Mas, e se o filme for uma dessas “banalidades comerciais”? Se a música for a “boquinha da garrafa”, ou se o artista for um certo Marcel Duchamp, com seu mictório de louça igual a tantos outros (Ver Figura 01) ?

Talvez minha amiga “Dinha” não se dê conta do “poder” do discurso sobre o objeto artístico proferido por críticos, historiadores da arte, peritos e cura-dores, que do alto de sua incontestável autoridade são capazes de movimen-tar milhões que causariam inveja nos maiores sonegadores da Previdência.

Para Jorge Coli, “o importante é termos em mente que o estatuto da arte não parte de uma definição abstrata, lógica ou teórica, do conceito, mas de atribuições feitas por instrumentos de nossa cultura, dignificando os objetos sobre os quais ela recai” (COLI, 2000, p.11).

Evidentemente que os discursos artísticos não são e não podem ser limi-tados pela atuação desses instrumentos culturais. Nos últimos anos muito se tem discutido sobre a historiografia da arte e a reformulação de suas bases epistemológicas, debate impulsionado pela necessidade de uma revisão crí-tica sobre as regras, a natureza e o método que problematizam e viabilizam a relação entre o sujeito e o objeto a ser pesquisado.

As indagações sobre os procedimentos metodológicos a serem utilizados na discussão sobre arte foram inauguradas em 1555, por Giorgio Vasari, em sua obra Vida dos Artistas – As Vidas dos melhores pintores, escultores e ar-quitetos. Sua obra se configura como a primeira dedicada à história da arte, na qual ele constrói uma obra bibliográfica sobre a Renascença Italiana e seus artistas, baseando seu texto em premissas antropocêntricas, típicas desse pe-ríodo, que destacam o papel social dos artistas. Vasari buscou em seu texto estabelecer um novo status para a Arte e para os Artistas, desenvolvendo pro-cessos de legitimação em busca de sua imortalidade.

Os fundamentos para o estudo da história da arte foram estabelecidos no século 18 por Johann Winckelmann, que foi o primeiro estudioso a aplicar, de forma sistemática, categorias de estilo à história da arte. Nesse período, os es-tudiosos da arte buscavam, sobretudo, analisar épocas em que determinados “estilos estéticos” predominavam e identificá-los como “movimentos”. Esses fundamentos estavam normalmente associados às áreas mais tradicionais da arte como a pintura, a escultura e a arquitetura.

Ao estudarmos antropologia cultural, vimos que “os comportamentos so-ciais são produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura” (LARAIA, 2001). Nossa cultura depende de um aprendizado, e a arte registra as idéias e os ideais das diferentes culturas. Nela encontramos elementos simbólicos que podem ampliar nossa percep-ção sobre a história do homem e do mundo, além de caracterizar-se como fonte histórica não-escrita, ou seja, registro da atividade humana que não utiliza a escrita, como por exemplo pinturas, esculturas, vestimentas, armas, músicas, discos, filmes, fotografias etc.

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Todos nós, da pessoa mais humilde ao fino milionário, do analfabeto ao intelectual, construímos diariamente a história brasileira e mundial. Todos somos produtores de história, visto que ela se desenvolve em todo lugar por onde atuamos. A história é uma criação da humana sem fronteiras, como nos lembra o poeta Ferreira Gullar:

“A história humana não se desenrola apenas nos campos de batalha e nos gabintes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogos, nos prostíbulos, nos colé-gios, nas usinas, nos namoros de esquina. Disso eu quis fazer a minha poesia. Dessa matéria humilde e humilhada, dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser uma traição à vida, e só é justo cantar se o nosso canto arrasta as pessoas e as coisas que não têm voz” (Ferreira Gullar, Vanguarda e desenvolvimento)

Diante da diversidade de agentes e de interesses que integram nossa his-tória, podemos concluir que não há uma “verdade histórica absoluta”, pois, em cada época, ela vai sendo construída por diversas vozes, empenhadas em questionar o seu próprio passado, acumulando interpretações sobre os mes-mos fatos, deixando que o tempo haja sobre suas particularidades.

Nossos desejos, nossos planos e nossa perspectiva de futuro estão inscri-tos no que fazemos no presente. Nossa percepção do presente põe ordem no futuro, construímos egocentricamente nossa “idéia” de tempo em torno de nós mesmos, embora não tenhamos a menor idéia do que nos reserva o futuro. A sensação de progressão temporal, de duração, é construída pela or-dem seqüencial das lembranças e a sua representação deve-se à memória. A passagem do tempo é, portanto, uma abstração proporcionada por diferentes sensações que se sobrepõem. Talvez os relógios “escorridos” de Salvador Dali (Ver Figura 02) procurem revelar a fluidificação temporal que permeia o tem-po onírico do qual a arte também se apropria.

Figura 02 – Salvador Dali. A Persistência da Memória, 1931.

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Definir o tempo não é mesmo tarefa fácil. De acordo com os cientistas, a terra teve sua origem entre 3 e 5 bilhões de anos atrás. No entanto, é a divisão do tempo geológico em eras que nos dá uma noção linear do tempo de for-mação do planeta e das alterações ocorridas em sua fauna e flora ao longo do tempo. Essa é uma das concepções de tempo desenvolvidas pela humanidade ao longo da história em um momento em que o racionalismo científico se afirmava como a base de reflexão para o funcionamento do universo.

Antes da palavra escrita não era possível organizar e sistematizar o conhe-cimento humano. Assim, as concepções de tempo nas sociedades primitivas, antigas e medievais eram vagas e flutuantes, marcadas, sobretudo por come-morações religiosas, feiras, festas relacionadas com a colheita. A “conquista do tempo” veio com o desenvolvimento da escrita, da máquina de impressão de Gutenberg, que permitiu a criação de uma memória. O conhecimento se tornou independente do tempo, pois a história criada cientificamente permi-tia agora que os atos humanos do passado, organizados em uma seqüência temporal, fossem compartilhados em diferentes lugares e em épocas distintas.

O tempo cronológico, bem representado pela ampulheta, é um tempo se-qüencial onde o passado, o presente e o futuro se relacionam em uma ordem linear total e absoluta, onde cada acontecimento é mensurável, previsível e irreversível sob todos os pontos de vista.

Essa não é a perspectiva temporal da arte. Por exemplo, para o sociólogo Pierre Francastel

É pelo tempo concebido não como uma sucessão de instantes idênticos, mas como a ligação sempre viva nas memórias individuais e coletivas, que os lugares figurativos comunicam e se ordenam em séries significativas. Como os lugares figurativos, o tempo figurativo é descontínuo. (1973, p. 58)

Seguindo essa visão, o historiador deve tratar as obras de arte como ob-jetos de civilização, que devem ser decifrados, confrontados tanto com suas fontes de origem, por vezes difíceis de reconstruir, quanto com seus próprios modos de apreciação. Não podemos conhecer uma obra de arte sem possuir um mínimo de conhecimento histórico e técnico sobre ela.

E mesmo sabendo que somente alguns de seus elementos marcarão o nosso percurso, devemos nos lembrar que historiadores, críticos, curadores e estudiosos classificam os períodos, estilos ou movimentos artísticos para facilitar o entendimento das produções artísticas.

Com o surgimento da tecnologia da informação e seu sistema de conecti-vidade aberto, responsável pela introdução de novos instrumentos e ambien-tes de convivência em nosso cotidiano, ocorre uma nova e importante trans-formação na nossa concepção de tempo. De acordo com Manuel Castells, o estabelecimento de uma nova relação com o tempo “sob o paradigma da tecnologia da informação, delineado pelas práticas sociais, é um dos funda-mentos de nossa nova sociedade, irremediavelmente ligada ao surgimento do espaço de fluxos”.

Essa revolução está em marcha, nosso curso de ensino a distancia é um reflexo dessas novas relações. Aqui neste ambiente, estamos reinventando o

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tempo na história, o tempo fragmentado da sociedade em rede. Nela o conhe-cimento é armazenado em códigos eletrônicos, pois ele foi liberado das limi-tações físicas do espaço. Pessoas distantes fisicamente podem construir um texto coletivo e instantaneamente, em tempo real. Um tempo on-line, onde a interatividade permite ações simultâneas e mútuas, onde há quase uma con-comitância na emissão e recepção das informações.

Essas reflexões revelam-nos não só a natureza e o vigor das mudanças em curso, mas também o alcance do instrumento que estamos utilizando e aprimorando. Nosso aprendizado dependerá de nossa inquietude e curiosi-dade, por isso devemos nos dedicar à construção de um amplo repertório de imagens e informações acessível na rede e sujeito a “transposições, desloca-mentos, superposições, rapidez e dinamismo” (PICCININI, 2004:76) que estimulam interações.

1.1. O Paleolítico - A Idade da Pedra LascadaÉ nos últimos estágios do período Paleolítico (Paleolítico Superior), ini-

ciado há cerca de trinta e cinco mil anos, que encontramos as primeiras pro-duções visuais conhecidas. Esse período marca o final da última Era Glacial, onde o clima, na Europa do Norte, assemelhava-se ao clima atual do Alasca. Grandes herbívoros, renas e felinos habitavam as planícies e os vales percorri-dos pelos nossos ancestrais. Esses homens abrigavam-se em cavernas ou sob rochas salientes que se tornaram, com o tempo, as habitações temporárias dos primeiros grupos humanos nômades, empenhados na caça e na colheita esporádica de frutas. Segundo o sociólogo Arnold Hauser:

“Sabemos que era a arte dos caçadores primitivos, homens que viviam num nível econômico improdutivo e parasitário, tendo de coletar ou capturar seu alimento em vez de produzi-lo eles próprios; homens que, segundo tudo leva a crer, ainda viviam no estágio do individualismo primitivo, de acordo com padrões sociais instáveis, quase inteiramente desorganizados, em peque-nas hordas isoladas, que não acreditavam em deuses, nem na existência de um mundo e de uma vida para além da morte.” (HAUSER, 2003, p. 4)

É nesse contexto que parecem surgir as primeiras manifestações visuais ocidentais, fruto da elaboração de homens que “adquiriram” um nome clas-sificatório relacionado à localidade geográfica que os abrigava (como, por exemplo, no caso dos aurinhacenses e os madalenianos) e na qual deixaram vestígios e “marcas” entre as quais, é fundamental ressaltar, desenhos, pintu-ras e artefatos. Segundo o historiador da arte Ernst Gombrich, para tentar en-tender a produção desse período é necessário voltar nosso olhar para “Tudo o que realmente precisamos é ser profundamente honestos e examinar se em nosso íntimo não se conserva algo de ‘primitivo’. Em vez de começarmos pela Era Glacial, comecemos por nós mesmos”. (GOMBRICH, 1999, p. 40)

A idéia de mergulhar numa experiência que ainda hoje pertence ao nosso repertório cultural e comportamental parece, segundo o autor, nos aproximar da produção do Paleolítico, que se organizava em volta da experiência mági-ca. A estranha sensação que freqüentemente sentimos em perfurar os olhos

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de um retrato (seja ele uma pintura ou uma fotografia), ou em rasgar a ima-gem de uma pessoa conhecida, parece contribuir com idéia de que “Subsiste algures a sensação de que o que se faz ao retrato é infligido à pessoa que ele representa” (GOMBRICH, 1999, p. 40).

A este respeito é importante ressaltar que, em diferentes lugares, feiticei-ros, bruxos e pajés, recorrem, ainda hoje, à magia como prática ritualística nas dinâmicas sociais do grupo, tornando-a importante elemento constitutivo na formação cultural e comportamental do indivíduo. A utilização de imagens ou bonecos moldados a partir de diferentes matérias, como substitutivos do ser real pode ser percebida, por exemplo, nos rituais voodoo praticados nas Antilhas ou nas fogueiras do dia de Guy Fawkes (5 de novembro) da Grã-Bre-tanha. Nessas ocasiões o artefato antropomorfo substitui a pessoa real “adqui-rindo” suas qualidades e características peculiares. Durante o processo, o gru-po (como no caso do Dia de Guy Fawkes) ou o feiticeiro (como no caso da cerimônia voodoo) adquire um amplo poder de ação sobre o indivíduo a ser atingido, que é identificado, durante o ritual, na imagem ou no artefato. Fu-rar, golpear, queimar as representações do indivíduo seriam, portanto, ações direcionadas à pessoa real que passaria a sofrer as conseqüências desses atos.

Segundo Gombrich e Hauser, a produção do Paleolítico estava fortemen-te conectada aos rituais mágicos, onde a imagem tinha um papel principal na concretização do desejo de dominação por parte do homem sobre a natureza. Para Hauser:

As pinturas faziam parte do aparato técnico dessa magia; eram a ‘arma-dilha’ onde a caça tinha que cair, ou melhor, eram a armadilha com o ani-mal já capturado – pois o desenho era, ao mesmo tempo, a representação e a coisa representada, o desejo e a realização do desenho. O caçador e o pintor do período Paleolítico pensavam estar na posse da própria coisa na pintura, pensavam ter adquirido poder sobre o objeto por meio do retrato do objeto. Acreditavam que o animal verdadeiro realmente sofria a morte do animal re-tratado na pintura. A representação pictórica nada mais era, a seus olhos, do que a antecipação do efeito desejado; o evento real tinha de se seguir inevita-velmente à ação mágica da representação, ou melhor dizendo, aquele estava implícito nesta, uma vez que estavam separados um do outro apenas pelos meios supostamente irreais do espaço e do tempo. (HAUSER, 2003, p. 4)

Nesse contexto, é importante frisar que, para o homem do Paleolítico, a imagem não era uma simples representação do animal, mas o próprio animal carregado de todas as suas características e peculiaridades, ser admirado e te-mido, fonte imprescindível de sobrevivência. A este respeito lembramos as palavras do filósofo e escritor Fischer: “Não se tratava na pintura Paleolítica de um prazer estético da criação; a coisa era mais profunda e mais séria, mais aterradora do que tal prazer: era matéria de vida ou de morte, de subsistência ou extinção para a coletividade.” (FISCHER, 1973, p. 184).

As primeiras representações visuais da “nossa” história ocidental, além de estabelecerem uma conexão íntima entre caça e magia, pareciam estabelecer

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uma forte relação entre semelhança pictórica e poder de ação sobre o ani-mal representado (para Fischer a semelhança era uma “obrigação mágica”). Desta forma, explica-se, talvez, a maneira (que hoje definimos de naturalista) de pintar e de desenhar os animais por parte do homem do Paleolítico. No contexto do ritual, a semelhança entre o animal real e sua representação era fundamental para o sucesso da caçada, e isso parece ser evidente, segundo Hauser, no fato de que essas pinturas eram freqüentemente representadas com o corpo transpassado por lanças e flechas, ou eram alvejadas com essas armas logo após sua conclusão, em suma, uma verdadeira “matança em efí-gie”. (HAUSER, 2003, p. 7)

Apesar das tentativas de se categorizar essas primeiras produções, nosso conhecimento a seu respeito ainda é precário, por isso torna-se difícil orga-nizar as pinturas e os desenhos do Paleolítico em estilos definidos. Conhe-cemos, porém, os temas preferidos pelos primeiros pintores que viviam na Europa do norte cerca de trinta e cinco mil anos atrás. Foi com a retratação de animais quais bisões, mamutes, renas, veados, touros, cavalos, cabras-sel-vagens que os pintores do Paleolítico aprimoraram sua capacidade de expres-sar-se por imagens na tentativa de criar a idéia de movimento, de ritmo, de espaço, e sugerir a narrativa dos eventos.

“Ainda hoje, ao olharmos os artefatos pré-históricos, oriundos de con-textos de vida inimagináveis por nós, somos tocados por um sentido de har-monia, pela concepção e realização inteligente do trabalho e pela beleza e íntima verdade de formas tão apropriadas quanto significativas.” (OSTRO-WER,1996, p. 282)

Analisando o processo criativo e a produção visual Paleolítica, é possível perceber que os pintores desse período adotavam diferentes maneira de pin-tar e de desenhar. Em muitas grutas da França e da Espanha próximas dos Pirineus e habitadas por seres humanos entre 30 e 17 mil anos atrás, obser-vam-se representações de animais que revelam a utilização, por parte do pin-tor, de técnicas diversas (Ver Figura 03). Nesse contexto, observa-se o uso da técnica da pontuação, que consistia no uso de uma série de pontos coloridos para realizar o contorno de uma figura; da técnica da pontuação esfumaçada, onde a cor passava de um ponto a outro seguinte criando uma sensação de continuidade linear; e da técnica da pura linearidade, que revelava a utilização da linha contínua na realização do contorno e das silhuetas das figuras. Essas diferentes maneiras de pintar e de representar o mundo são definidas, hoje, como exemplos de Arte perigordiana, devido ao fato de terem sido encontra-das, em sua grande maioria, nas cavernas pertencentes ao Departamento de Périgord, na França.

No final do período da produção perigordiana (17 mil anos atrás), foram realizados inúmeros exemplos de pinturas sobre pedra chamadas também de pinturas rupestres (do latim rupes = pedra). As mais famosas pertencem à gruta de Lascaux, na França, e datam de, pelo menos, 17 mil anos atrás. Em vista da utilização de técnicas diferentes é possível pensar que os desenhos e

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as pinturas de Lascaux não foram obras de um único indivíduo ou grupo de indivíduos e que, provavel-mente, foram realizados em períodos sucessivos.

É interessante notar que as pinturas e os dese-nhos mais recentes revelam, na composição, uma profusão maior de detalhes. As figuras, que apresen-tam um surpreendente senso de articulação entre si, transmitem a idéia de movimento, criando, na parede, uma imagem dinâmica (Figura 04). Consta-tamos, nessas produções visuais, a freqüente repre-sentação do volume, do espaço tridimensional e do escorço, tornando a representação da figura cada vez mais parecida com sua forma real.

A partir desse momento inicia-se o Período mag-daleniano (nome originado do sítio arqueológico de La Madeleine, na França), durante o qual foi produ-zido outro grande ciclo de pinturas pré-históricas: o da gruta e Altamira na Espanha. É principalmente na Espanha que, por volta de 10 mil a. C. começamos a perceber a presença do ser humano nas pinturas (que agora são realizadas, em sua maioria, nas encos-tas rochosas de desfiladeiros). Os caçadores juntam-se aos animais em cenas de caça, onde grupos de in-divíduos são representados visualmente em maneira

linear, simplificada, privada de detalhes, mas que expressa a vitalidade do mo-vimento e a energia da ação humana perante a natureza.

Segundo o sociólogo Hauser, os pintores e desenhistas do Paleolítico eram caçadores profissionais, já que suas pinturas revelavam um profundo conhe-cimento anatômico dos animais. Se, como supomos anteriormente, existia uma relação entre a representação do animal e o processo mágico, então pa-

Figura 03 – Entrada da caverna de Lascaux, França.

Figura 04 – Pinturas Rupestres na gruta de Lacaux, França. Por H.W. E Anthony Janson.

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rece possível que os indivíduos que produziam estas imagens fossem consi-derados como pessoas dotadas de poderes mágicos e venerados como tais. Em seus estudos, Hauser aponta para a aquisição de um status que acarretava diversos privilégios, entre os quais uma parcial isenção das tarefas cotidianas.

O aprimoramento constante das técnicas e a diversificação da capacidade de representação atestam que as pinturas não eram elaboradas por diletantes, mas por especialistas treinados que passaram boa parte da vida aprendendo e pra-ticando a tarefa de pintar e desenhar (seria isso um “dom” ou uma capacidade adquirida por meio da prática?). Parece que esses “artistas” (ou como quer que fossem chamados, afirma Hauser) constituíam uma classe profissional; os mui-tos esboços e desenhos “corrigidos” parecem apontar para uma atividade edu-cativa que envolvia escolas, professores, alunos e tendências e tradições locais. Segundo Hauser, o artista-mago parece ter sido “o primeiro representante da especialização e da divisão de trabalho.” (HAUSER, 2003, p. 19). Por possuir qualidades e dotes fora do comum, o artista-mago parece ter sido o precursor da classe sacerdotal, detentora não somente de aptidões e conhecimentos espe-ciais, mas também de um poder que o isentava das tarefas comuns.

A sociedade que legitima o papel do artista-mago e se articula em volta dele e de suas atividades parece, segundo Hauser, poder “se dar o luxo” de manter especialistas (afinal, o artista-mago contribuía muito pouco a nível “prático” na sustentação da comunidade) e denota, ao mesmo tempo, uma possível abundância em relação aos meios de subsistência e, portanto, um certo alívio no que diz respeito à angústia originada pela busca de alimentos.

As pinturas do Paleolítico encontram-se, em sua maioria, em cavernas sub-terrâneas, portanto, às escuras. Os arqueólogos descobriram que os artistas-magos pintavam com a ajuda de pequenas lâmpadas de pedra cheias de banha ou de tutano. O contorno das figuras era talhado na pedra ou desenhado por meio de finas linhas de tintas sopradas na parede com um caniço oco. A tinta era obtida a partir da utilização do ocre, um mineral que podia ser socado até virar pó, produzindo, desta maneira, pigmentos vermelhos, amarelos e marrons. A cor preta parece que era obtida a partir do pó de carvão vegetal e era utilizada, freqüentemente, como linha demarcadora dos contornos das figuras.

Segundo estudos recentes, parece que os artistas costumavam esfregar com as mãos os pigmentos nas paredes das cavernas, chegando a um resul-tado parecido com o que hoje é obtido quando usamos a técnica do pastel (gradação de tons suave e delicada). Parece, porém, que em outras ocasiões os pigmentos eram misturados a alguma forma de fluido aderente (veículo) e aplicados com pincéis feitos de cerdas ou caniços.

No que diz respeito à produção visual do Paleolítico, é importante lembrar a presença das mãos em negativo (Ver Figura 05). Após obter o pigmento co-lorido a partir da trituração dos minerais, os artistas os sopravam, por meio de um canudo, sobre a mão apoiada na parede da caverna. A região em volta da mão ficava colorida e a parte coberta, não. Dessa maneira, obtinha-se uma silhueta da mão, como num filme em negativo. Desconhecemos a razão da

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produção deste tipo de pintura, mas uma coisa parece clara: existia a necessi-dade de testemunhar a presença do indivíduo por meio de marcas específicas. Mesmo não sabendo o objetivo desse gesto, visível até hoje nas paredes das cavernas, percebemos sua importância na tentativa da compreensão de uma história da visualidade e de seu contexto.

Figura 05 – Mãos em negativo. Caverna de Lascaux, França.

Existem muitas coisas que nos deixam confusos a respeito das pinturas das cavernas. Por que estão localizadas em locais tão inacessíveis? E por que trans-mitem uma sensação tão maravilhosa de vida? O ato de “matar” não poderia ter sido praticado com a mesma eficácia em imagens menos realistas?Talvez as pinturas madalenianas das cavernas sejam a fase final de um desen-volvimento que começou como simples magia para matar, mas que mudou de significado quando os animais começaram a escassear (aparentemente as grandes manadas dirigiram-se para o norte quando o clima da Europa Central ficou mais quente). Se foi assim, o objetivo central das pinturas de Lascaux e de Altamira pode não ter sido de “matar”, mas de “criar” animais – aumentar seu número. Será que os madalenianos tinham que praticar sua magia propiciatória de fertilidade nas entranhas da Terra por pensarem que ela fosse uma coisa viva de cujo útero surgem todas as outras formas de vida? Isso ajudaria a explicar o

PARA REFLETIR

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admirável realismo dessas imagens, pois um artista que acredita estar realmen-te “criando” um animal tem maiores probabilidades de lutar por essa qualidade do que outro que simplesmente produza uma imagem para ser morta. Algumas das pinturas das cavernas dão-nos até mesmo uma indicação da origem dessa magia de fertilidade: a forma de um animal freqüentemente parece ter sido sugerida pela formação natural da rocha, de forma que seu corpo coincida com uma saliência ou que seu contorno seja um veio ou uma fenda. Um caçador da Idade da Pedra, com a mente repleta de pensamentos sobre as grandes caça-das das quais dependia para sobreviver, muito provavelmente reconheceria tais animais entre as superfícies rochosas de sua caverna e atribuiria um profundo significado à sua descoberta (JANSON,1996, p. 16).

Além das pinturas e dos desenhos em grandes proporções encontrados nas cavernas, os homens do Paleolítico criaram pequenas esculturas, em sua maio-ria do tamanho de uma mão. Não sabemos se quem produziu esses artefatos eram os mesmos homens que pintavam os animais nas paredes rochosas, ou se eram indivíduos (ou grupos) que se dedicavam exclusivamente a esculpir figu-ras na pedra; tampouco conhecemos seu status social ou o objetivo pelo qual executavam tais artefatos encontrados nas cavernas ou nos seus arredores. Per-cebemos, porém, na maioria desse tipo de produção, a tendência em reproduzir uma temática recorrente: a figura feminina e seus atributos físicos.

Segundo Janson, essas esculturas devem sua origem a semelhanças casu-ais. Os seixos coletados pelos homens, e nos quais era enxergada uma qua-lidade representacional “mágica”, parecem ter inspirado as peças que, num período posterior, tornaram-se cada vez mais trabalhadas e detalhadas, mas que continuavam refletindo um certo aproveitamento da estrutura original

da pedra coletada. Os trabalhos de escultura do Paleolítico Superior

revelam a ausência da figura masculina. Nesse tipo de produção, predominavam as figuras femininas, com a cabeça surgindo como prolongamento do pescoço, seios volumosos, ventre proeminente e grandes ná-degas. A retratação “exagerada” dos atributos femi-ninos destinados à reprodução (ventre e órgãos ge-nitais) e à amamentação (seios) induz a pensar que essas pequenas estátuas fossem relacionadas ao culto da fertilidade, fundamental para a sobrevivência do grupo. Dentre os trabalhos de escultura mais conhe-cidos deste período, destacam-se a Vênus de Willen-dorf (Figura 06) e a Vênus de Savignano.

Figura 06 – Vênus de Willendorf – Paleolítico, Museu de História Natural, Viena.Lascaux, França.

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1.2. O NEOLÍTICO – A IDADE DA PEDRA POLIDA

Aproximativamente entre 10.000 e 5.000 a.C., o período Paleolítico che-gou ao fim. Os homens começaram as primeiras tentativas de domesticar animais e cultivar cereais, atividades consideradas revolucionárias na história humana. O homem do Paleolítico era basicamente um caçador nômade, cole-tor esporádico de alimentos, sempre à mercê de forças que ele não compreen-dia e não controlava. Tendo conseguido garantir sua provisão de alimentos, os homens estabeleceram-se em comunidades permanentes nas aldeias; uma nova organização coletiva e a crescente disciplina voltada para suas atividades passaram a fazer parte de sua vida.

Para Janson há uma diferença básica entre o Paleolítico e o Neolítico, e ela se refere sobretudo à produção dos artefatos. Embora o homem ainda utilizasse a pedra como recurso para a produção de seus principais utensílios e armas, a nova maneira de organizar sua vida possibilitou um grande número de ha-bilidades e invenções, como: a cerâmica, a tecelagem e a fiação, e os métodos básicos de construção arquitetônica. Os artefatos de pedra adquiriram um re-quinte técnico cada vez maior, sofrendo um aumento de produção no âmbito da comunidade. No que diz respeito à pintura, diferentes mudanças de repre-sentação caracterizaram a produção visual deste período que inaugura um tipo de retratação geométrica e abstrata, revelando, freqüentemente, uma função principalmente decorativa. As inovações no Neolítico referem-se a:

Instrumentos de pedra – aperfeiçoamento de uma série de instrumentos feitos com pedra polida quais facas, machados, foices, enxadas e moinhos de pedra.

Cerâmica – a necessidade de cozinhar e armazenar alimentos levou o ho-mem a criar recipientes que suportassem o calor do fogo e pudessem conter líquidos. Desenvolveu-se, então, a técnica de aquecer a argila no fogo, nascen-do daí a arte do ceramista e os primeiros vasos cerâmicos.

Tecelagem – durante o Paleolítico as roupas eram feitas principalmente de pele de animal (couro). No neolítico, o homem começou a fiar e tecer as primeiras vestimentas de linho, lã e algodão.

É importante lembrar que já no final do Paleolítico encontramos as três formas básicas de representação desenvolvida: a imitativa, a informativa e a decorativa, em outras palavras, a semelhança naturalista, o sinal pictográfico e o ornamento abstrato.Hauser afirma que as formas de transição entre naturalismo e geometrismo correspondem a fases intermediárias que levam de uma economia de explo-ração para uma economia de produção.

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Casas e aldeias – utilizando materiais como madeira, barro e pedra, o ho-mem passou a construir, sistematicamente, suas casas. O interesse pela cons-trução de moradias fixas está ligado ao processo de sedentarização das aldeias agrícolas. A vida social tornou-se mais complexa com o aumento da divisão do trabalho e o aperfeiçoamento de novas funções.

Vida espiritual – a vida do homem passou a refletir novas preocupações sociais como: a variação do tempo durante o ano, a fertilidade das sementes e do solo, a saúde e a reprodução do rebanho, o controle dos excedentes (so-bras) de alimentos etc. Por meio de ritos mágicos religiosos, invocavam a pro-teção de “forças sobrenaturais” para ajudar na resolução destas preocupações.

O grande círculo de pedras em Stonehenge (Figura 07), no sul da Ingla-terra, é o mais bem preservado entre os vários monumentos megalíticos, ou “de grandes pedras”. Aparentemente sua função era religiosa e sua construção o reflexo de um tipo de fé que, segundo Janson, literalmente “move as monta-nhas”. A inteira estrutura é voltada para o ponto exato em que o sol se levanta no dia mais longo do ano, o que leva a crer que o lugar servisse como espaço de adoração ao sol.

Figura 07 - Stonehenge – Wiltshire, Grã-Bretanha

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O fato de considerar Stonehenge como um exemplo de arquitetura é uma questão de definição, talvez seria importante substituir a idéia vigente de arquitetura (interior fechado que participa de nossas ações e vivências co-tidianas) para pensar na definição criada pelos gregos. Janson a este respeito é muito claro: “Para eles [os gregos] ‘arquitetura’ significava algo mais que a ‘textura’ convencional (isto é, construção ou edificação), uma estrutura di-ferenciada daquele de tipo exclusivamente prático e cotidiano, em termo de escala, ordem, permanência ou suntuosidade de propósitos. Um grego cer-tamente chamaria Stonehenge de arquitetura. E, para nós, também não seria difícil fazer o mesmo, se compreendemos que, para definir ou articular o es-paço, não é necessário fechá-lo. Se a arquitetura é ‘a arte de adaptar o espaço às necessidades e aspirações humanas’, então Stonehenge faz mais do que pre-encher esses requisitos.” ( JANSON, 1996, p. 18)

A Idade dos Metais é o último período da Pré-história e caracteriza-se pelo processo de fundição dos metais: cobre, bronze e ferro. O desenvolvimento da metalurgia representa um enorme progresso tecnológico por uma razão básica: certos materiais, embora duros como a pedra, têm a vantagem de ser modelados da forma que se desejar, durante o processo de fusão. Assim era possível fazer com o metal toda uma série de instrumentos e objetos como: panelas, vasos, enxadas, machados, pregos, agulhas, facas e espadas.

Algumas Considerações Sobre A Produção Visual do Período Neolítico Por Arnold Hauser:“A visão mágica do mundo monista vê a realidade na forma de uma tessitura simples, de uma seqüência contínua e coerente; o animismo, porém, é dualista, forma seu conhecimento e suas crenças num sistema de dois mundos. A magia é sensualista e atém-se ao concreto; o animismo é espiritualista e tende para a abstração. No primeiro caso o pensamento centra-se na vida deste mundo; no segundo, a preocupação dominante é a vida no outro mundo. Essa é a principal razão por que a arte paleolítica reproduz as coisas com exatidão e realidade, ao passo que a arte neolítica opõe um supermundo estilizado e idealizado à realidade empírica corrente. Mas isso constitui o começo do processo de intelectualização e racionalização em arte: a substituição das representações e formas concretas por sinais e símbolos, abstrações e abreviações, tipos gerais e signos convencionais; a supressão de fenômenos e experiências diretamente vivenciados por pensamento e interpretação, acentuação e exagero, distorção e desnaturalização. A obra de arte deixa de ser puramente a representação de um objeto material par tornar-se a de uma idéia, não meramente uma reminis-cência, mas também uma visão; por outras palavras, os elementos não senso-

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SAIBA MAIS

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riais e conceptuais da imaginação do artista substitui os elementos sensíveis e irracionais. E desse modo a pintura é gradualmente convertida numa linguagem simbólica pictográfica, a profusão pictórica é reduzida a uma espécie de taqui-grafia não-pictórica ou quase não-pictórica. Em última análise, a mudança neolítica de estilo é determinada por dois fatores: primeiro, pela transição de uma economia parasitária, puramente consump-tiva, dos caçadores coletores, para a economia produtiva e construtiva dos criadores de gado e cultivadores da terra; segundo, pela substituição da con-cepção monista, dominada pela magia, por uma filosofia dualista de animismo, ou seja, por uma concepção duma representação de mundo que é intrinseca-mente dependente do novo tipo de economia. (...) O camponês do neolítico já não precisa dos sentidos aguçados do caçador; sua sensibilidade e dotes de observação declinam; outros talentos – sobretudo o dom de abstração e o pensamento racional – adquirem maior importância tanto em seus métodos de produção, quanto em sua arte formalista, estritamente concentrada e esti-lizadora. A diferença mais fundamental entre essa arte e o naturalismo é que ela representa a realidade como uma confrontação de dois mundos, não como uma representação de completa homogeneidade. Com seu irrefreável anseio formalista, rechaça a aparência normal das coisas; deixa de ser imitadora para ser antagonista da natureza; não promove uma continuação da realidade, mas opõe-se-lhe com um modelo autônomo de sua própria criação.” (HAUSER, 1996, p. 13,14,15)

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Outro dia minha mãe assistia na televisão ao show da banda Cannibal Corpse, uma banda norte-americana de death metal formada na década de oitenta. Minha mãe mantinha os olhos fixos na imagem da tv, respiração sus-pensa e boca levemente aberta. O som ensurdecedor das guitarras invadia a sala a agressividade movimentada das imagens provocava uma sutil dilatação das pupilas da espectadora petrificada. Os jovens cantores agitavam freneti-camente suas fartas cabeleiras acompanhados por uma platéia ensandecida que parecia completamente entregue e hipnotizada pela voz rouca e grave do vocalista George Fisher.

Minha mãe, sempre tão agitada e falante, estava muda e catatônica.– Mas o que é isso? Que música é essa? Balbuciou enfim a velha senhora.– Aquele rapaz vai engolir o microfone. Isso não é música de gente civiliza-

da. Essa gente não tem a menor noção do que é música e civilidade. Essas fra-ses mórbidas falando de morte, violência e terror apavoram qualquer cristão!

Embora eu tenha entendido perfeitamente o significado que minha mãe atribuiu ao comportamento dos jovens roqueiros, aqui em nosso estudo o vocábulo civilização, derivado do latim Civita, que designa cidade, e civile (civil), o seu habitante, terá um sentido um pouco diferente, embora no ra-ciocínio superficial de minha mãe o som do Cannibal Corpse seja o resulta-do de um surto psicótico-social que promove a desagregação do ser humano consigo e com seu meio.

Para nós pesquisadores da arte, comprometidos com uma visão mais de-mocrática sobre “diversidade cultural”, o conceito de civilização passa pela existência das primeiras cidades, ou melhor, é um estágio da cultura humana, onde percebemos a existência de uma organização política mais complexa, principalmente se comparada à das sociedades primitivas analisada no capí-tulo anterior. Essa complexidade é marcada, sobretudo, pelo surgimento do Estado (dirigido por um governo que normalmente possui soberania reco-nhecida e legitimada tanto pela população interna, como por outras civiliza-ções).

“Desde que o mundo é mundo existem pobres e ricos”, dizem os filósofos de plantão, que fazem dos bares, janelas e calçadas o seu púlpito. Considera-mos o aparecimento das classes sociais um dos acontecimentos marcantes do surgimento das civilizações. A revolução neolítica e seu desenvolvimento agrícola fixam as comunidades à terra e o aprimoramento técnico faz crescer

UNIDADE 2 MAS O QUE É CIVILIZAÇÃO?

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a produção de cereais, frutas e artesanato. A produção de excedente (sobras) de produtos passa a ser armazenada e as comunidades passam a desenvolver trocas comerciais.

Aqueles que conseguiam armazenar maior quantidade de artigos passaram a fazer o registro de peso de seus artigos, desenvolvendo a escrita, a numeração e o calendário. As diferenças entre ricos e pobres facilitou o surgimento do Es-tado que em um primeiro momento passou a garantir a “propriedade privada” dos bens, além de atuar na administração e na defesa militar das cidades.

A região do planeta onde foram encontrados registros das primeiras cida-des é chamada de crescente fértil e corresponde à região do nordeste da Áfri-ca, às terras do corredor mediterrâneo e à região da Mesopotâmia (egípcios, babilônios, assírios, fenícios, hebreus, persas). Entretanto encontraremos ci-vilizações estruturalmente semelhantes na Índia, na China e na América pré-colombiana. É preciso lembrar que, por se tratarem de civilizações de econo-mia agrícola, essas comunidades eram formadas por camponeses submetidos a um regime de servidão coletiva, garantida por um Estado representado pela figura de um imperador, rei ou faraó, que se apropriava do excedente agrícola e recolhia tributos para a manutenção de sua “corte”. A servidão coletiva era a forma de “pagamento” ao rei pelo uso das terras.

Esses Estados (governos) são chamados de Estados Teocráticos, ou seja, o soberano é também o sacerdote ou líder religioso que governa segundo o desejo de uma divindade.

Como não teremos muito tempo para nos dedicarmos ao estudo deta-lhado de todas as civilizações mencionadas, escolhemos nos aprofundar um pouco mais no estudo de duas regiões (Egito e Mesopotâmia) onde encon-traremos em diferentes períodos civilizações cuja produção artística e cientí-fica tem grande influência sobre a cultura ocidental.

A civilização egípcia se desenvolveu durante mais de três mil anos no ári-do nordeste da África, em uma estreita faixa de terra fértil ao longo do rio Nilo. As enchentes do rio asseguravam a alta produtividade da terra, que era complementada pela construção de engenhosos canais de irrigação que leva-vam a água a regiões mais distantes.

Mesmo oscilando períodos de grande poder político e decadência, os egípcios desenvolveram a matemática, a astronomia, a medicina, a engenha-ria hidráulica e se dedicaram à construção de grandes monumentos arqui-tetônicos que comprovam a amplitude de seu conhecimento científico e a complexidade de sua cultura.

A sociedade egípcia era estratificada, existiam diversas camadas sociais. No posto mais alto estava o faraó, que concentrava o poder político e era visto como um deus vivo de autoridade absoluta. Ele estava rodeado por nobres, sacerdotes e escribas que participavam, cada um de sua maneira, da administração do Estado.

Os egípcios eram politeístas, ou seja, adoravam diversos deuses, dentre os quais se destacam os cultos a Amon-Rá, Osíris, Ísis e Hórus. Eles acreditavam

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na vida após a morte, por isso criaram técnicas de conservação do corpo dos mortos, conhecidas como mumificação, que tentavam garantir sua utilização após a absolvição divina. Os corpos dos nobres eram guardados em sarcó-fagos, dentro de túmulos e acompanhados de alimentos, roupas, jóias e um exemplar do Livro dos Mortos.

Os deuses egípcios eram antropozoomorfos (Figura 08), ou seja, possu-íam características físicas humanas e de animais. Esse era o caso de Anúbis, filho de Seth e Nefti, mestre dos cemitérios, patrono dos embalsamamentos, que possuía corpo de homem e cabeça de chacal.

2.1. A ARTE EGÍPCIA

No Egito Antigo gravação e pintura em relevo freqüentemente aparecem jun-tas. Seja na produção visual do Antigo Império (4000-2050 a.C.), do Médio Im-pério (2050-1550 a.C.) ou do Novo Império (1550-1075), a pintura fazia parte dos baixos-relevos que revestiam as paredes de edifícios destinados ao uso públi-co ou que ocupavam o espaço ritualístico e religioso como, por exemplo, no caso das tumbas, ilustrando cenas que glorificavam o faraó ou os deuses.

Uma das técnicas mais importantes utilizada pelos egípcios na pintura so-bre paredes era a técnica do “falso afresco” (que os italianos denominaram de fresco secco). Essa técnica previa a utilização da têmpera aplicada à argamassa já seca, ao contrário do que aconteceu, mais tarde, com a verdadeira pintura a fresco (buon fresco), onde a têmpera era aplicada sobre a argamassa úmida.

No decorrer de 3000 anos, a civilização egípcia pouco modificou suas técnicas e seus rígidos cânones de representação da figura humana. As-

Figura 08 – Pintura do túmulo de Sennedjen, Tebas. Podemos ver o deus Anúbis, guardião das necrópoles, com seu corpo homem e cabeça de chacal, junto ao defunto já mumificado.

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sim, pode-se pensar que o artista egípcio obedecia a cânones estabeleci-dos e expressava, sobretudo, a sensibilidade de uma era e não sua visão particular e individual de mundo.

A respeito do cânone figurativo egípcio, o historiador da arte Magalhães ex-plica que, acima de tudo, o artista egípcio dividia o mundo visível em formas bidimensionais, que eram depois reunidas de modo a apresentar o tema de ma-neira claramente reconhecível. A figura humana, por exemplo, era o produto de dois pontos de vista diferentes, o frontal e o lateral. Retratavam-se os olhos, as orelhas e a parte superior do corpo virada para frente, enquanto a cabeça, os quadris e os membros eram retratados de perfil (Lei da Frontalidade).

A representação por inteiro da figura humana organizava-se segundo a chamada “regra de proporção”, um rígido quadriculado com dezoito uni-dades de igual tamanho que garantia a repetição da forma ideal egípcia em quaisquer escala e posição. Esse sistema estabelecia as distâncias exatas entre as partes do corpo e as proporções corretas de representação. Por meio desse recurso, os artistas desenhavam o quadriculado na superfície de trabalho e então ajustavam ali dentro a figura que pretendiam desenhar, padronizando-a segundo as tendências.

Na composição, as figuras eram em geral distribuídas simetricamente, e um grupo de figuras era muitas vezes contrabalançado por outro grupo, re-presentado como uma imagem espelhada. Na produção visual egípcia, a linha inferior de cada tira desenhada agia como uma linha de base em que se apoiavam as figuras. A distância dos pés até esta linha determinava a pro-fundidade da figura em relação ao pano de fundo, criando uma sensação de “espaço visual” no suporte bidimensional.

Outras regras eram aplicadas rigorosamente na produção visual egípcia, como a de pintar a tez do rosto masculino mais escura e a do feminino mais clara. Segundo Magalhães, esta distinção provavelmente se referia ao fato de que homens trabalhavam ao ar livre, enquanto as mulheres passavam a maior parte do tempo em lugares fechados, cuidando de assuntos domésticos. En-contra-se uma correlação semelhante na tendência em pintar as mulheres com as pernas juntas e os homens com as pernas separadas, podendo indicar que os homens eram mais ativos, enquanto as mulheres desempenhavam um papel mais passivo na sociedade egípcia.

Seguem abaixo os cânones de representação egípcia:• Regra de Proporção;• Lei da Frontalidade;• Hierarquia Visual;• Simetria;• Profundidade Seqüencial.

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Na representação da figura humana, é importante lembrar que o tamanho da figura determinava sua importância na sociedade (hierarquia visual). Por isso, na produção egípcia a mulher é geralmente representada de um tamanho menor em respeito ao marido, da mesma forma que os súditos aparecem visu-almente inferiores se comparados com o faraó.

“A vida selvagem nos brejos de papiros e o gato de caça de Nebamun são mostrados com muita minúcia, mas a cena é idealizada. O nobre está de pé em seu barco, segurando na mão direta três aves que acabou de abater e na esquer-da uma espécie de bumerangue. É acompanhado pela esposa, que segura um buquê e usa um traje complexo, com um cone perfumado na cabeça. Entre as pernas, a pequena figura apanha na água uma flor de loto (a composição é um exemplo de como de convencionava determinar as dimensões das figuras con-forme a hierarquia social e familiar). Na origem, a obra era parte de uma obra maior que também incluía cenas de pesca.” (BECKETT, 1997, p. 12)

Na Figura 09 é possível distinguir algumas das características da pintura egípcia como, por exemplo, a utilização da Lei da Frontalidade, da hierarquia vi-sual e da profundidade seqüencial (um plano visual após outro em seqüência).

A escultura egípcia seguia, a princípio, os cânones elaborados na pintura. A rigidez quase formal que transpirava das formas “cúbicas”, entalhadas na pe-dra, denotava a necessidade de preservar ad eternum a forma humana. A hie-

Figura 09 – Cena de caça a aves selvagens, Tumba de Nebamun, Tebas, Egito, 14000 a.C., 81cm de altura.

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rarquia visual mantida como modelo representativo revelava a posição social e familiar de cada indivíduo retratado, e a expressão que emanava do corpo e do rosto mostrava um distanciamento material que revelava o espírito divi-no da personalidade representada. As figuras eram geralmente representadas de frente ou de perfil da maneira mais clara e objetiva possível, inicialmente apoiadas de costas a um suporte de pedra (a mesma pedra usada para esculpir as figuras) e, mais tarde, chegando a distanciar-se do suporte e dando espaço a movimentos articulados.

“No grupo de faraó Miquerinos e sua rainha (Figura 10) o artista deve ter começado por delinear os planos frontal e lateral nas superfícies de um bloco retangular, em seguida, trabalhado para dentro, até que esses planos se encon-traram. Só desse modo ele poderia ter obtido figuras de uma firmeza e imobili-dade tridimensionais tão intensas. Que magnífico recipiente para a moradia do Ka! [a ‘alma’]. Ambas estão com o pé esquerdo para diante, e todavia nada leva a pensar em um movimento para frente. O grupo também apresenta uma compa-ração interessante entre a beleza feminina e a masculina segundo a concepção de um excelente escultor, que não apenas soube contrastar a estrutura de dois corpos, mas também enfatizar as formas suaves e salientes da rainha através de um vestido leve e ajustado ao corpo.” ( JANSON, 1996, p. 25)

Figura 10 – Faraó Miquerinos e sua Esposa. Gizé. C.2500 a.C. Ardósia, 1,42cm. Museu de Belas Artes, Boston, EUA. caça a aves selvagens, Tumba de Nebamun, Tebas, Egito, 14000 a.C., 81cm de altura.

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2.1.2. A ARQUITETURA NO ANTIGO IMPÉRIO

Há ainda muito para se aprender sobre a origem e o significado das sepul-turas egípcias. Em seu estudo, Janson deixa claro que o culto da imortalidade relacionado à construção e à manutenção de grandes e suntuosas tumbas era uma prática acessível a uma elite privilegiada, enquanto a maioria da popula-ção recorria a um tipo de tumba bem mais modesta.

As sepulturas foram se modificando no decorrer do tempo, demonstran-do, assim, a versatilidade da arquitetura sacra egípcia.

A mastaba (Ver Figuras 11 e 12) representava a forma “original” e padro-nizada dessas sepulturas e consistia em um túmulo de forma trapezoidal re-coberto de tijolos ou pedra, onde acima era localizada uma câmara mortuária que ficava abaixo do solo e que ligava-se à mastaba por meio de um poço. No interior da mastaba havia uma capela para as ofertas do ka e um cubículo se-creto para a estátua do morto. As mastabas reais tornaram-se cada vez maio-res e mais imponentes, e logo se transformaram em pirâmides.

Figura 11 – Mastaba Egípcia

Figura 12 – Mastaba Egípcia – interior

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O distrito funerário de Zoser (templos e outras edificações interligadas onde aconteciam grandes celebrações durante e após a vida do faraó) (Ver Figura 13) foi criado por Imhotep, o primeiro arquiteto do qual conhecemos o nome e que trouxe diversas inovações no campo da construção, como a substituição da antiga estrutura de tijolos de argila, madeira, junco e outros materiais leves por um suporte de pedra talhada.

Para Janson, o ponto culminante do desenvolvimento das pirâmides acon-teceu na Quarta Dinastia. As pirâmides de Micerinos (c. 2470 a. C.), Qué-fren (c. 2500 a. C.) e Quéops (2530 a. C.), conhecidas como o complexo das grandes pirâmides de Gizé (Ver Figura 14), revelam uma forma de elaboração diferente, que dispensa os degraus e introduz paredes lisas e cobertas por um revestimento exterior cuidadosamente polido de pedra branca. (hoje visível somente na ponta das pirâmides).

Figura 13 – Pirâmide de degraus, monumento funerário do rei Djoser (Zoser). C. 2500 a.C. Construída por seu arquiteto Imhotep, em Sakkrah.

Figura 14 – Pirâmides de Miquerinos (c. 2470 a.C), Quefren (c. 2500 a.C) e Quéops (c. 2530a.C).

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A Pirâmide de degraus“Observando o desenho abaixo, é possível entender melhor a transformação que a arquitetura funerária egípcia sofreu no decorrer do tempo. A pirâmide de Djoser tem seis degraus e atinge a altura de cerca de 60 metros, equivalente à de um prédio de 20 andares. A base da pirâmide é retangular, medindo 125 metros na direção leste/oeste e 110 metros na direção norte/sul, totalizando uma área de 13750 m². Segundo o parecer dos especialistas, parece que o mo-numento sofreu modificações no decorrer de sua construção e algumas delas são claramente perceptíveis. O núcleo do monumento é uma estrutura de pedra em forma de caixa quadrada, com 63 metros de lado e oito de altura (1).

Em seguida essa base foi ampliada com mais quatro metros de cada lado. Mais tarde, na face leste (na ilustração à esquerda), houve um acréscimo de cerca de oito metros e 53 centímetros. Finalmente, foram ampliados cada um dos lados em mais três metros, aproximadamente, e foi transformada a base no primeiro estágio de uma pirâmide de quatro degraus (2). Nessa etapa a pirâmide alcan-çou 43 metros de altura. Numa última fase a pirâmide foi ampliada nas direções norte e oeste e a altura aumentada com o acréscimo de mais dois degraus, alcançando os 60 metros (3). Por baixo da pirâmide há uma câmara mortuária e um conjunto de passagens e pequenas câmaras usadas para armazenar o equipamento funerário e para o sepultamento dos membros da família real. De tais galerias subterrâneas foram desenterrados, por exemplo, milhares de belíssimos pratos, travessas e vasos de alabastro, xisto, cristal de quartzo e de diversas outras pedras. No

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Figura 15 – Gráfico demonstrativo das fases de construção da pirâmide de degraus.

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interior da maioria de tais vasilhames não foi encontrada comida ou qualquer outra substância. Ao que parece, bastava a presença do recipiente e a recitação de uma fórmula mágica pelos sacerdotes para que se assegurasse ao rei um suprimento constante daquilo que eventualmente deveria estar contido nos vasos. A câmara mortuária está centralizada no fundo de um poço (4) de sete metros de lado e que atinge a profundidade de 28 metros. A câmara em si (5), um compartimento de aproximadamente dois metros e 97 centímetros por um metro e 67 centímetros, foi construída inteiramente com o granito rosa de Assuã. A altura da câmara é de um metro e 67 centímetros, e em seu teto foi feita uma abertura para permitir a descida do corpo do faraó durante o funeral. Após a colocação do corpo em seu lugar, tal abertura foi obstruída com um tampão de granito de quase dois metros de comprimento e pesando cerca de três toneladas, e todo o restante do poço foi entulhado com pedras. No inte-rior da câmara foi encontrado um cadáver, mas não há prova de que o corpo tenha pertencido ao faraó Djoser. No lado leste da pirâmide foram cavados no solo onze poços (6) até a profun-didade de cerca de 32 metros. Do fundo de cada poço sai um corredor que passa por baixo da estrutura da pirâmide. No fim de um desses corredores os arqueólogos encontraram dois ataúdes de alabastro, um dos quais continha a múmia de um menino. Era forrado com seis camadas de madeira, cada uma das quais com espessura de menos de um quarto de polegada. Tais camadas estavam unidas por meio de pequenas cavilhas de madeira e alguns vestígios sugerem que originalmente eram revestidas de ouro. Em alguns dos demais corredores foram achados pedestais de pedra calcária destinados a ataúdes similares. Torna-se óbvio que os poços e corredores eram túmulos, muito pro-vavelmente destinados a membros da família real. O templo mortuário, destinado à prática do culto funerário do rei, era uma grande construção retangular erigida junto à face norte do degrau inferior da pirâmide, e nele se penetrava através de um umbral aberto na sua parede leste. Essa entrada não tinha porta, mas na parede de pedra, ao lado direito do umbral, foi esculpida a imitação de uma porta aberta, na medida exata da aber-tura. Passada a entrada um longo corredor levava a dois pátios ao ar livre, de um dos quais uma escada descia em direção aos subterrâneos da pirâmide. Em cada pátio havia três passagens que abriam para uma larga galeria. Outros dois cômodos a oeste dos pátios, cada um com um tanque de pedra no piso, e um santuário completavam as dependências do templo.” Disponível em < http://antigoegito.tripod.com/degraus.htm >. Acesso em 30/05/2010.

A ARTE PARA A ETERNIDADEPor Ernst Gombrich“Todos sabem que o Egito é a terra das pirâmides, essas montanhas de pedra

PARA REFLETIR

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2.1.3. O NOVO IMPÉRIO

No estudo da arte egípcia é importante lembrar das mudanças ocorridas no decorrer do Novo Império. A arte produzida nesse momento abrange uma vasta gama de estilos e técnicas. Continua mantendo os cânones clássicos, mas, ao mesmo tempo, introduz elementos mais criativos e delicados. Para Janson parece ser quase impossível fazer uma síntese em termos de amostra-gem representativa. O que cabe ressaltar é que o desenvolvimento do culto de Aton, representado pelo disco do sol, por parte de Amenofis 4 (mais tarde Akhenaton), trouxe mudanças no que diz respeito à representação da figu-ra humana na pintura e na escultura. Akhenaton introduziu um novo ideal de beleza, onde a personalidade do retratado se sobressai à concepção ideal (cânone preestabelecido). Os traços são enfatizados para revelar as caracterís-ticas interiores e a obra do artista torna-se cada vez mais fiel ao que pode ser enxergado através do olhar sensível, do que ao método conceitual.

As cenas familiares e íntimas passam a construir o repertório icono-gráfico da produção da época, como mostra o detalhe de talha dourada e pintada (Figura 16) proveniente do trono encontrado no túmulo de Tu-

que se erguem no longínquo da história como marcos desgastados pelas intempéries. Por mais remotas e misteriosas que pareçam, elas nos revelam muito da sua história. Falam-nos de uma terá que estava tão perfeitamente organizada que foi capaz de empilhar esses gigantescos morros tumulares durante a vida de um único monarca, e falam-nos de reis que eram tão ricos e poderosos que puderam forçar milhares e milhares de trabalhadores ou escravos a labutar para eles, ano após ano, a cortar pedras nas canteiras, a arrastá-las ao local da construção e a deslocá-las com recursos sumaria-mente primitivos até o túmulo ficar pronto para receber o faraó. Nenhum povo teria suportado semelhante gasto e passado por tantas dificuldades se tratasse da criação de um mero monumento. Sabemos, porém, que as pirâmides tinham, de fato, importância prática aos olhos dos reis e seus sú-ditos. O faraó era considerado um ser divino que exercia completo domínio sobre seu povo e que, ao partir deste mundo, voltava para junto dos deuses dos quais viera. As pirâmides, erguendo-se em direção ao céu, ajudá-lo-iam provavelmente a realizar essa ascensão. Em todo caso, elas preservariam seu corpo sagrado da decomposição. Pois os egípcios acreditavam que o corpo tinha que ser preservado a fim de que a alma pudesse continuar vivendo no além. Por isso impediam a desintegração do cadáver, graças a um elaborado método de embalsamar e enfaixar em tiras de pano. Era para a múmia do rei que a pirâmide fora erguida, e seu corpo ficava depositado justamente no centro da gigantesca montanha de pedra, num pétreo esquife. Em toda a volta da câmara funerária eram escritos fórmulas mágicas e encantamentos para ajudá-lo em sua jornada para o outro mundo.” (GOMBRICH, 1999)

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tankhamon (sucessor de Akhenaton). Essas imagens revelam um “lado mais humano” do faraó. A representação artística encurta parcialmente o distanciamento criado anteriormente pelos artistas do Novo Império, mostrando momentos inéditos para os fiéis.

A este respeito Gombrich (1999:68) escreve: “Algumas de suas obras ain-da têm o estilo moderno da religião de Aton, em especial o encosto do trono real, o qual mostra o rei e a rainha num idílio doméstico. Ele está sentado numa atitude que poderia ter escandalizado os rígidos conservadores do seu tempo, quase refestelado pelos padrões egípcios. A esposa não é menor do que ele, e gentilmente coloca a mão no ombro do reio, enquanto o deus-Sol, outra vez, estende suas mãos numa benção a ambos”.

Figura 16 – Tutankhamon e sua esposa, c. 1330 a.C.

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Talvez um dos conceitos mais freqüentemente associados à arte para a maioria das pessoas seja o conceito de beleza. A sensação de prazer que temos quando apreciamos uma música, uma pintura, uma dança ou uma fotografia é uma sensação que muitos filósofos identificam como sendo o prazer do belo.

Observando uma obra de arte, podemos até distinguir as sensações pro-vocadas por sua cor, suas linhas e formas harmoniosas. Temos a impressão de que quem a concebeu sabia equilibrar formas, explorar significados e tex-turas, conceber o prazer do belo. Temos a certeza então de que, quando um objeto, uma música ou uma cena despertam essa sensação de prazer, essa emoção, temos uma autêntica manifestação artística.

Ao longo de nossa vida vamos desenvolvendo uma forma peculiar e pes-soal de apreciar esteticamente o mundo que nos envolve, pois a estética, vista como um ramo da filosofia, tem como objeto de estudo a natureza do belo e dos fundamentos da arte. Neste caso, a estética estuda o julgamento e a per-cepção do que é considerado belo.

A beleza decididamente não é um valor universal. O que é belo para uma pessoa pode não ser para outra, na mesma cidade, no mesmo quarteirão, na mesma casa. Algo que emociona alguém em um determinado dia pode parecer uma banalidade no dia seguinte. O prazer do belo pode depender do nosso estado de espírito. O desafio é descobrir as causas e a origem desse prazer, perceber nosso gosto, isto é, com que beleza nos iden-tificamos cultural e emocionalmente.

Na Tailândia existe um grupo chamado Karen, vinda provavelmente do norte da Ásia há muito tem-po. Em um dos grupos que compõem a nação Ka-ren, conhecido como “Karen do pescoço comprido”, quando uma menina atinge a idade de cinco anos, as mulheres da comunidade colocam argolas de bronze em volta do pescoço da garota. À medida que a me-nina cresce, as argolas vão se multiplicando e o resul-tado é que elas parecem ter o pescoço mais comprido que o normal, por isso são conhecidas como “mulhe-res girafas” (Ver Figura 17) .

Figura 17 – Imagem de uma mulher na nação Karen.

UNIDADE 3 MAS ENTÃO O QUE É BELO?

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Para nós ocidentais, esse bizarro hábito de “esticar” o pescoço das mulhe-res em busca de ideal de beleza que só tem valor dentro daquele grupo parece um absurdo, quase uma agressão contra as mulheres.

Ora, antes de nos precipitar julgando os padrões de beleza dos Karen, de-vemos nos lembrar de nossas torturas diárias no alto de um sapato de saltos, as visitas mensais à depiladora para arrancar dolorosamente os pelos das per-nas, das sobrancelhas, das axilas, do púbis e até do bigode. O que diriam elas, “as pescoçudas”, de nossas aplicações de botox, de nossas peças de silicone, nossa fissura por exercícios físicos e outras esquisitices mais?

A beleza é um conceito cultural, mutável, uma percepção individual pau-tada no que é agradável aos sentidos. Essa percepção foi construída, na civili-zação ocidental, de maneira complexa, e reúne influências que muito podem nos surpreender.

Uma das maiores influências na construção de nosso conceito de beleza encontra sustentação na beleza ideal clássica da Grécia Antiga. Os gregos in-troduziram o nu na arte e essa característica enfatiza a busca pelas proporções ideais das estátuas que representavam o equilíbrio, a racionalidade e a perfei-ção do corpo e da mente. A arte grega buscava então expressar um ideal de beleza, de formas perfeitas nas quais predominavam a harmonia, a simetria, o equilíbrio e a proporcionalidade.

A Relatividade da BelezaEu tenho uma amiga chamada Raquel que eu admiro muito, pois quando ela não se sentiu mais feliz com sua profissão, sem hesitar voltou para o banco da universidade, para enfim fazer o curso que gostava, mesmo sabendo que parte considerável de sua renda estaria comprometida com a mensalidade do novo curso. Raquel é daquelas mulheres dinâmicas, de alto astral, com “cabelinho nas ventas”, cheia de coragem e de estilo próprio.Ela me contou que outro dia estava tranqüilamente passeando no Shopping, subindo a escada rolante, usando seus característicos óculos tipo “abelhão”, suas roupas colantes e coloridas, estilo “perua despojada”, quando no sentido contrário ao dela, uma moça tipo “patricinha” olhou-a de cima a baixo. A moça, inconformada com o que via, subiu de novo a escada rolante e, postando-se diante de Raquel, exclamou num grito:– Você é ridícula e feia!Tomada de surpresa, Raquel permaneceu em silêncio, mas assim que decidiu retrucar a “quase agressão”, observou que a moça estava transtornada e tra-zia na expressão as marcas de um dia infeliz.Raquel calou-se, então, ela estava tão satisfeita consigo mesma, tão segura de sua beleza, de seu estilo de vestir e de viver, que resolveu não discutir com aquela desconhecida uma questão tão polêmica.

PARA REFLETIR

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O filósofo Platão (c. 429-347 a.C.) considerava as artes imitativas como a pintura, a música, a poesia e o teatro, um grande erro. Segundo ele, elas não teriam uma finalidade prática, presente somente nas artes não-imitativas, como a arte da guerra ou a de fazer sapatos, por exemplo. Na República de Platão, em que ele descreve uma forma de organização ideal do Estado, não há lugar para as artes imitativas. Ele também as condenava por razões morais. A arte causaria o enfraquecimento moral do indivíduo ao estimular emoções como a auto-piedade, a compaixão, aumentando a emotividade e diminuin-do a capacidade racional, considerada a capacidade superior do ser humano, dentro da visão grega.

Além de tudo, Platão julgava que as artes imitativas estavam duplamente afastadas da realidade. Para ele, o nosso mundo é uma imitação tosca, um si-mulacro, de um mundo ideal superior, o mundo das idéias ou das Realidades Supremas. Para explicar, ele fez uma analogia entre o nosso mundo e uma caverna. Imagine que alguém vivesse por toda a vida dentro de uma caverna, olhando para o fundo dela, vendo apenas as sombras projetadas pelo sol do que se encontra ao lado de fora. Essa pessoa tomaria as sombras como sendo a realidade, sem saber que se tratam apenas das sombras do que se encontra fora da caverna. Assim, para ele, o nosso mundo, o mundo dos sentidos, é apenas uma sombra de uma realidade superior, que é o mundo das Idéias Eternas. Sendo o mundo apenas um simulacro da verdade, e a arte, um simu-lacro desse mundo, a arte seria um simulacro de um simulacro, afastando-se duplamente da realidade. (Projeto Escola e Cidadania para Todos/São Paulo: Editora do Brasil, 2005)

Por amor à sabedoria, os antigos gregos interpretaram racionalmente a re-alidade, com o uso sistemático da razão humana para compreender o mundo, diferente das interpretações oferecidas pelas lendas, mitos ou crenças religio-sas. Assim nasceu a filosofia, filos significa amor, e sofia quer dizer sabedoria.

A herança cultural deixada pelos gregos é imensa, além da filosofia pode-mos mencionar a democracia, o teatro, os jogos olímpicos, muitas palavras de nosso vocabulário têm origem grega, além das bases da matemática e da física desenvolvidas por Tales e Pitágoras.

A Academia original, Akademia ou Hekademeia, era inicialmente um parque público situado a noroeste de Atenas e dedicado a um lendário herói ateniense da guerra de Tróia, Akademos ou Hekademos. Qualquer cidadão ateniense podia comprar um terreno no parque, assim Platão comprou uma pequena propriedade na área e, em torno de 387 a.C., abriu uma escola for-mada por uma biblioteca, um jardim e sua própria residência. Nessa escola professava-se um ensino informal, através de lições e diálogos entre os mes-tres e os alunos, onde se reuniam contribuições de diversos campos do saber como a filosofia, a matemática, a música, a astronomia e a legislação.

As mais conhecidas academias gregas foram a Antiga Academia, criada por Platão, que teve entre seus mestres, além de seu fundador, o matemático Eudóxio de Cnido, e como discípulos, entre outros, Aristóteles, Xenócrates e Espeusipo; a chamada Academia do Meio, fundada pelo filósofo platônico

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grego Arcesilaus, e a Nova Academia, fundada pelo filósofo cético grego Car-neades. Essa tradição, que deu origem a todas as academias e universidades de ensino superior do Ocidente, foi interrompida com o seu fechamento pelo imperador romano Justiniano em 529 d.C.

3.1. UM OLHAR SOBRE A ARTE NA GRÉCIA

AS CIDADES-ESTADOSObservando o recortado território grego, percebemos a presença marcante do mar e das montanhas. Essas barreiras naturais podem ter dificultado a formação de um único Estado grego. Prevaleceu na administração política grega a formação de Cidades-estados, ou seja, cidades (polis) que, apesar de incluírem área rural e urbana, funcionavam como verdadeiros Estados independentes. Dentre as Cidades-estados podemos citar Messênia, Corinto, Tebas, Megara, Erétria, Argos, Olímpia, Esparta e Atenas.No entanto, antes do auge do poder das Cidades-estados, a principais fontes para o estudo da história da Grécia, além das escavações arqueológicas, são os poemas de Homero, a Ilíada e a Odisséia. A história da Grécia Antiga é longa e complexa, por isso, para facilitar sua compreensão, os historiadores a dividiram em quatro períodos: Homérico, Arcaico, Clássico e Helenístico. O período Arcaico marca o enriquecimento das Cidades-estados e a expansão da civilização grega por diversas regiões do litoral mediterrâneo e do Mar Negro. O período Clássico é marcado pelo esplendor da cultura grega no mundo antigo. Apesar de ter elaborado o primeiro modelo de democracia, a sociedade grega era escravista, o trabalho produtivo era considerado desprezível pelo homem livre.

“Uns nascem para ser escravos para que os homens livres possam gozar de um modo mais nobre de vida”. (Aristóteles)Historicamente o período arcaico vai de meados do século 7 a. C. até a época das Guerras Pérsicas, no século 5 a. C. Inicia, então, o período clássico, que vai até o final da Guerra do Peloponeso no século 4 a. C. Nesse período, é importante ressaltar o século de Péricles – ou século de ouro – (século 5 a. C.) momento de intensa produção intelectual e artística. No final do século 5 a. C., com a tomada de poder de Alexandre, começa o período helenístico, acarretando diversas mudanças na estrutura social e política e, também, na produção artística da época.

SAIBA MAIS

PARA REFLETIR

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O surgimento da civilização grega abrange mais ou menos quatrocentos anos, de 1100 a.C. até 700 a.C. A partir de 800 a.C., concomitantemente ao crescimento das cidades e à expansão territorial, percebe-se uma dedicação especial à produ-ção arquitetônica, pictórica e escultórica. No que diz respeito à pintura, esse perí-odo testemunhou o desenvolvimento de um estilo chamado “geométrico” e que aparenta ser o estilo pictórico mais antigo na produção visual grega.

Na Atena clássica, a posição social e econômica dos pintores e escultores persistiu quase sem alterações como era nas idades heróicas e homéricas, ape-sar da enorme importância que as obras de arte vieram a adquirir na exibição de poder da vitoriosa cidade que lhe servia de teto. A arte ainda era conside-rada uma simples profissão manual, e o artista um vulgar artesão que não par-ticipava no valor espiritual do conhecimento ou da educação. Ainda era mal pago, sem domicílio certo e levava uma vida errante; era pois um forasteiro, alguém estranho à cidade que o empregava. (HAUSER, 2003, p. 117).

Na Grécia, como aconteceu em outras civilizações, a pintura apareceu como elemento decorativo da arquitetura. As métopas dos templos, as pare-des das diferentes construções apresentavam, freqüentemente, grandes pai-néis pintados por artistas geralmente anônimos, mas foi na cerâmica que a pintura encontrou sua grande forma de realização.

É possível observar ricos exemplos de pinturas nas tigelas, nos vasos e nos re-cipientes de formas variadas que eram utilizados no dia a dia, no comércio e nos rituais, sugerindo que, para os gregos, o objeto podia exercer diferentes funções simultaneamente. Além de conter vinho, azeite e outros tipos de mantimentos, as cerâmicas tornavam-se os suportes da produção visual da época fundamentando, visualmente, histórias, lendas e mitos; construindo e enriquecendo de maneira “concreta” a cultura visual pertencente a este preciso período histórico.

No começo a cerâmica apresentava um tipo de decoração abstrata que continha triângulos, formas xadrez e círculos concêntricos. Por volta de 800 a.C., as figuras humanas e de animais começaram a ser introduzidas na pintu-ra seguindo uma concepção formal geométrica, isto é, uma maneira de retra-tação mais “simples” e esquemática (Ver Figura 18).

Nosso espécime do cemitério de Dipylon, em Atenas, pertence a um grupo de vasos muito grandes usados como monumentos dos túmulos; seu fundo tem orifícios através dos quais as oferendas líquidas podiam filtrar-se até o mor-to, embaixo. Na parte principal do recipiente vemos o morto, que jaz em câmara ardente, ladeado por figuras com os braços erguidos em um gesto de lamentação e um cortejo fúnebre de carruagens e guerreiros a pé. O que há de admirável nessa cena é o fato de ela não ter nenhuma referência à vida após a morte; seu propósito é exclusivamente comemorativo. Aqui jaz um homem digno, é o que ela nos diz, que foi pranteado por muitos e teve funerais esplêndidos. Será, então, que os gregos não tinham uma concepção da eternidade? Tinham,

Figura 18 - Vaso de Dipylon, 1,08m. Século VIII a.C. Museu Metro-politano de Arte, Nova Iorque.

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mas para eles o domínio dos mortos era uma região sem cores e vagamente definida, onde as almas, ou ‘sombras’ levavam uma existência insignificante e passiva, sem fazerem quaisquer exigências aos vivos. ( JANSON, 1996, p. 47).

O estilo arcaico surgiu por volta do século 7 a. C., estimulado pelas rela-ções comercias com o Egito e o Oriente próximo. O geometrismo, que pre-dominava largamente nas pinturas e nas esculturas, deu espaço a um tipo de representação mais fiel ao modelo “real”, revelando um maior movimento, mais riqueza de detalhes e uma predileção pela retratação da figura humana que era pintada, assim como todas as figuras da “cena”, de preto, destacando-se nitidamente do fundo de argila ferruginoso. (Lembramos que, freqüente-mente, as figuras apresentavam as linhas principais de construção formal inci-sas no vaso). Os artefatos em argila deste período retratavam principalmente episódios mitológicos, povoados de deuses, deusas e heróis.

3.1.1. PERÍODO CLÁSSICO

O ateniense Exéquias, que viveu por volta de 535 a. C., assinou pelo me-nos duas peças de cerâmica (fato raro na época, já que a pintura dos vasos era considerada uma arte menor), em que aparecem figuras negras. Nesse con-texto, é importante lembrar que Exéquias passou a dar ênfase a um tipo de re-presentação figurativa onde, segundo Beckett (1997, p. 17), tentava mostrar o mundo tal como ele era (Figura 19).

Os primeiros vasos de figuras vermelhas foram elaborados na segunda me-tade do século 6 a.C. por um discípulo de Exéquias, parecendo quase um “nega-tivo” das pinturas com figuras negras. As formas humanas, animais e de objetos de cor vermelha destacavam-se do fundo preto que era pintado em volta das figuras (Ver Figura 20). Utilizando esta nova técnica, os pintores não apenas obtinham o escorço das figuras, mas também representavam profundidade de espaço e características psicológicas em seus modelos. A representação das fi-guras adquiriu uma configuração dinâmica, mais articulada e complexa, pro-pondo temas mitológicos, bélicos, mas também de clara conotação intimista.

Figura 19 – Aquiles e Ájax jogando damas. Exéquias (cerca de 540 a.C.). Ânfora com figuras negras, 61 cm. Museu gregoriano-etrusco, Roma.

Figura 20 – Palas Atena. Ânfora, c. 480 a. C.

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A pintura grega de vasos está, caracteristicamente, preocupada em con-tar histórias, e muitos vasos trazem imagens de episódios relatados por Ho-mero na Ilíada e na Odisséia, obras escritas no século 8 a. C. Vasos ornados com narrativas datam de tempos anteriores a Homero, chegam ao período clássico grego (que sucedeu o período arcaico por volta de 480 a. C.) e al-cançam até épocas bem posteriores. A menos que vejamos imagens e vaso como um todo, não podemos apreciar por completo a pintura cerâmica gre-ga. Uma figura-chave na Odisséia, Palas Atena, a deusa protetora da cidade de Atenas, aparece numa ânfora confeccionada em cerca de 480 a. C. pelo artista anônimo que os estudiosos denominaram de pintor de Berlim. A curva negra e brilhante da ânfora cria a impressão de que a deusa afasta-se do nosso olhar, ao mesmo tempo em que nos possibilita vislumbrá-la em sua solene doçura. Palas Atena estende uma jarra de vinho para Heracles, que está na outra face da ânfora; ambas as figuras mantêm intacta sua pri-vacidade, mas ainda assim se comunicam. É uma obra maravilhosamente contida, tão simples quanto complexa. Essa ânfora é um exemplo da técnica das figuras vermelhas que foi elaborada por volta de 530 a. C. e sucedeu a cerâmica das figuras negras. (BECKETT, 1997, p.17).

No período clássico, o pintor mais importante foi Polignoto (475-450 a.C.) que, segundo Plínio, deu vida e caráter à pintura. Infelizmente, sua produção não chegou aos dias atuais. Desse mesmo período, temos outras produções pic-tóricas que podem ser contempladas e apreciadas atualmente.

3.1.2 PERÍODO HELENÍSTICO

A cultura helenística prevaleceu no Mediterrâneo até bem depois de o Império romano tornar-se a potência dominante. Após a morte de Alexan-dre, seu Império foi dividido entre seus generais, que instauraram uma série de Estados independentes onde prevaleceu um tipo de cultura cosmopolita, fruto da miscigenação entre oriente e ocidente. Nesse contexto, desenvolveu um amor à “arte pela arte”, onde a influência oriental estimulou a produção de um tipo de arte mais decorativa e suntuosa e onde os elementos religiosos passaram em segundo plano.

Desenvolveram, nesse período, pinturas de jardins (primeiras paisagens), de naturezas mortas, retratos e cenas da vida cotidiana. Plínio comentou que, graças à “popularidade” da arte, encontravam-se pinturas não somente nos palácios, mas também nas barbearias e nas sapatarias. Os artistas dessa época tinham uma forte preocupação em retratar de maneira extremamente fiel o mundo real, tendendo a descrever cenas dramáticas e violentas tornando o contato visual, por parte do público, impactante (Ver Figuras 21 e 22).

A maneira com que os gregos representavam o corpo humano influenciou diretamente a produção romana e a de toda arte ocidental posterior. As pri-meiras estátuas gregas, como a do Curo ou Kouros (moço, em grego antigo) (Figura 23), do século 7 a. C., baseavam-se no sistema do quadriculado egíp-cio. Apresentavam uma configuração simétrica (simetria central) e uma posi-

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ção frontal e estática (no máximo um leve deslocamento do pé para frente), onde o peso era simetricamente distribuído sobre as duas pernas. A expres-são do rosto não denunciava particulares emoções, tornando o Curo a repre-sentação “universal” do homem jovem e não de um homem jovem específico.

Aos poucos as linhas, e de conseqüência as formas, suavizaram-se, como é possível perceber no Rapaz de Crítio de 480 a.C. (Figura 24), mos-trando uma tentativa de movimento e articulação dos membros. Em vez de olhar para sua frente, o modelo tem a cabeça ligeiramente voltada para o lado, o peso do corpo descansa sobre uma perna, que assume uma postura mais afastada do eixo central de simetria. A musculatura do corpo começa a ser ligeiramente evidenciada, assim como a expressão facial, revelando a possibi-lidade de retratar o indivíduo e suas características peculiares.

É importante lembrar que, nesse período, tornou-se necessária a utiliza-ção de materiais diferentes do mármore e de outros tipos de pedras utilizados até então. A articulação dos membros das estátuas (braços e pernas esticados, deslocamento de postura do eixo central, torções do busto, etc.) elaborada na tentativa de superar a rigidez das estátuas arcaicas acarretou a possibilidade de quebra dos membros por excesso de peso e falta de sustentação. Recorreu-se, então, ao uso do metal, principalmente do bronze, pois este material permitia ao escultor criar estátuas que expressassem melhor o movimento. O Zeus de Artemísio (470 a. C.) é um exemplo disso (Figura 25). Embora seu tronco reflita imobilidade, seus membros passam a idéia de vigorosa atividade.

Miron, em sua obra Discóbolo (450 a.C.) (Ver Figura 26), continuou tra-balhando com a articulação dos membros e a imobilidade do tronco, repre-sentado em posição de torção. Sua obra (originalmente em bronze) mostra a tensão da musculatura no momento que antecede o lance do disco, revelando uma posição corporal impossível, mas visualmente harmônica e equilibrada, sustentada pelo pequeno tronco posto estrategicamente atrás do atleta.

Figura 21 – O Rapto de Perséfone (340 a.C.). Complexo funerário de Filipe 2, Grécia.

Figura 23 – Kouros, mármo-res, 1,86 m, 600 a.C. Museu Metropolitano de NY.

Figura 22 – A Batalha de Isso ou a Batalha de Alexandre contra os Persas (80 a.C). Cópia romana encon-trada em Pompéia em mosaico de um pintura helenística. Museu de Nápoles.

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Policleto, no intuito de traduzir da maneira mais natural possível a idéia de movimento, elaborou o Dorífo-ro (Figura 27), uma estátua que re-presenta um homem caminhando e pronto para dar mais um passo, apre-sentando uma alternância de mem-bros tensos e relaxados. Este tipo de representação segue o princípio do contraposto (ou princípio de Policle-to), em que o peso do corpo se apóia numa das pernas e o corpo segue esse alinhamento, dando a ilusão de uma figura surpreendida em movimento.

Por volta do século 4 a.C. (perío-do helenístico), a escultura começou a apresentar traços particularmente característicos. O crescente naturalis-mo influenciou não somente a repre-sentação da idade e da personalidade do retratado, mas também das emo-ções e do estado de espírito de um

Figura 24 – Efebo (Rapaz de Crítio), 1, 86cm. Museu de Atenas.

Figura 25 – Zeus de Artemísio, 2,09m, 470 a.C.,. Museu Arqueológico de Atenas. / Figura 26 – Discóbolo de Mirón, 1,25 m. Cópia romana em mármore. O original grego data de c. 450 a.C. Museu Nacional de Roma. / Figura 27 – Doríforo de Policleto, 1,99 m. Cópia romana em mármore. O original grego data de c. 440 a.C. Museu Nacional de Nápoles.

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determinado momento. Uma outra característica da escultura deste período foi a representação, em forma humana, de conceitos e sentimentos, como a paz, a vitória, o amor, a liberdade, etc. Outra inovação se deu no surgimento do nu feminino já que, no período arcaico e clássico, as figuras das mulheres eram retratadas sempre vestidas (Ver Figuras 28, 29 e 30). Praxiteles foi um dos grandes escultores desse período.

O grande desafio – e a grande conquista – da escultura do período hele-nístico foi a representação não de uma figura apenas, mas de grupos de figuras que mantivessem a sugestão de mobilidade e fossem bonitos de todos os ân-gulos que pudessem ser observados. Assim é o grupo formado pelo soldado gálata que acaba de matar sua mulher e está pronto para suicidar-se. Esse con-junto da segunda metade do século 3 a. C. foi esculpido para um monumento de guerra, construído em Pergamo. É importante notar que esse grupo revela ao observador, além da beleza, uma carga de dramaticidade de qualquer lado que seja visto: o soldado olha para trás de forma desafiadora e está pronto a enterrar a espada em seu pescoço, enquanto segura por um braço o corpo inerte de sua mulher, que escorrega para o chão. O outro braço, já sem vida, contrasta com a perna tensa do marido, ao lado do qual ele pende. O sentido dramático é conseguido justamente pelo contraste: vida e morte, nu e vesti-do, mulher e homem, força e debilidade. (PROENÇA, 2000, p. 35)

Na mesma época em que a sociedade grega entrou em decadência, surgiu uma nova potência no mar Mediterrâneo: Roma.

A península itálica fica ao sul do continente europeu, tem um formato que parece uma bota e está mergulhada no meio do mar Mediterrâneo. Como os gregos, os romanos construíram uma sociedade de base escravista.

Considerados como um bem material, a grande maioria dos escravos eram prisioneiros de guerra que desempenhavam as mais diversas atividades. Os patrícios constituíam a classe dominante, e os plebeus eram homens livres que se dedicavam ao comércio, ao artesanato e às atividades agrícolas.

Donos de um enorme senso prático e grande organização social e militar, os romanos souberam absorver de seu contato com diversos povos, principal-

Figura 28 – Vitória de Samotrá-cia, 2,75 m, c. 190 a.C. Museu do Louvre, Paris

Figura 29 – O Soldado Gálata e sua Mulher, 2,11 m. Cópia romana em mármore. O original grego data da primeira metade do século 3 a.C. Museu Nacional Delle Terme, Roma.

Os Artistas mais conhecidos na Grécia Antiga foram:FÍDIAS (500- 432 a.C.), o mais conhecido e célebre escultor ateniense, su-pervisor da estatuária do Parthenon e o primeiro artista a usar drapeados para mostrar o corpo.POLICLETO (450- 420 a.C.), rival de Fídia, compilou um livro sobre propor-ção; seu trabalho mais conhecido é a imponente estátua de Hera em Argos, em ouro e marfim.PRAXÍTELES (ativo em meados do século 4 a. C.), escultor ateniense célebre pelo primeiro nu integral da estátua de Afrodite. Introduziu, no decorrer de seu trabalho, um conceito mais sensual, mais natural da beleza do corpo.

VOCÊ SABIA?

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Figura 30 – Vênus de Millo, 2,03 m, c. 130 a.C. A Vênus de Millo é uma famosa estátua grega. Ela representa a deusa grega Afrodite, do amor sexual e da beleza física, tendo ficado mais conhecida pelo seu nome romano, Vênus. Acredita-se ser obra de Alexandros de Antioquia e não de Praxíteles.

AS ORDENS ARQUITETÔNICASPor Antony Janson

“As realizações gregas em ar-quiteturas têm sido identifica-das, desde os tempos romanos antigos, com a criação de três ordens arquitetônicas clássicas: a dórica, a jônica e a coríntia. Dentre elas, a dórica pode muito bem ser considerada a ordem básica, sendo mais anti-ga e mais exatamente definida do que a jônica; a coríntia é uma variante da última. O que pretendemos dizer por ‘ordem

arquitetônica’? O termo só é utilizado com relação à arquitetura grega (e tudo que dela provém), com propriedade, pois nenhum dos outros sistemas arquitetônicos que conhecemos já produziu qualquer coisa comparável. Tal-vez o modo mais simples de esclarecer o caráter único das ordens gregas seja este: não existe o que se possa chamar de ‘templo egípcio’ ou ‘igreja gótica’ – os edifícios considerados isoladamente, por mais coisas em comum que possam ter, são tão diversificados que não podemos extrair deles um tipo generalizado – ao passo que o ‘templo dórico’ é uma entidade real, que se forma inevitavelmente em nossa mente ao examinarmos os monumentos. Essa abstração não é, naturalmente, um ideal que sirva de parâmetro para avaliarmos o grau de perfeição de um determinado templo dórico; significa, simplesmente, que os elementos dos quais um templo dórico é composto são extraordinariamente constantes quanto ao número, espécie e relação exis-tente entre eles. Todos os templos dóricos pertencem à mesma família clara-mente identificável; mostram uma consistência interna e um ajuste mútuo das partes que lhes conferem uma característica única de inteireza e unidade or-gânica.” (JANSON, 1996, p. 52 e 53)Na arquitetura grega, o tipo de coluna determinava a ordem (“estilo”) do tem-plo, que apresentava ca-racterísticas arquitetônicas próprias e inconfundíveis.

SAIBA MAIS

Figura 31 – Coluna Dórico, coluna Jônico e coluna Coríntio.

Figura 32 – Parthernon, de Ictino (447-432 a.C.). Acrópole de Atenas. Exemplo de Templo Dórico

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mente dos gregos, fortes elementos culturais que foram difundidos em suas conquistas, por todo o mundo antigo.

No período imperial, fase de maior expansão territorial e militar dos ro-manos, seu domínio se estendia da Inglaterra ao Egito no norte da África, da Espanha ao sul a Rússia. O contato com terras estrangeiras trouxe até Roma, capital política do império, as riquezas extraídas dos países dominados, uma grande quantidade de homens transformados em escravos, mas acima de tudo permitiram que os romanos absorvessem e desenvolvessem a culturas de outros povos.

A cultura grega foi sem dúvida a mais significativa influência sobre a forma-ção da cultura dos romanos, e foram eles os responsáveis pela difusão de uma “arte que inspirou vários movimentos artísticos da Idade Moderna, incluindo o Renascimento. Por ser considerada um modelo, essa arte – com seus critérios e princípios – foi chamada de clássica, e pela importância que teve, acabou disse-minando pelo mundo seu ideal de beleza, que começou a ser considerado como universal”. (COSTA, 1999, p. 25)

As conquistas militares ofereceram mão-de-obra e riquezas, além de desenvolverem entre os romanos um “estilo de vida” luxuoso, requintado e exótico, muito diferente daquele vivido pelos primeiros grupos de ro-manos que conquistaram a península itálica, cuja principal atividade era a agricultura e a criação de animais. Com o desenvolvimento do comércio, sustentado por diversos portos no mar Mediterrâneo, Roma tornou-se uma das maiores cidades do mundo antigo, com cerca de 1.200.000 habi-tantes no século 2 d. C.

As investigações arqueológicas realizadas nas últimas décadas revelam que as cidades romanas estavam organizadas em torno de duas avenidas (principais e travessas): uma no sentido norte-sul, outra leste-oeste, e uma praça (fórum) na intersecção. Os edifícios públicos agrupavam-se geralmente em torno do fórum, e as avenidas principais se prolongavam até a zona ru-ral, criando uma infra-estrutura de circulação que facilitava o saneamento, o abastecimento e a distribuição de água (Ver Figura 33).

A partir dos romanos e da influência dos etruscos, povo conquistado pelos romanos, conhecidos por serem grandes construtores, o abastecimento de

UNIDADE 4 O GRANDE IMPÉRIO DA ANTIGUIDADE

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água passou a ser essencial com a construção de aquedutos que levavam água fresca para fontes públicas (onde cidadãos comuns obtinham água), banhos públicos e casas da elite, que pagava por esse privilégio.

Na política, mais heranças, pois quando no império romano o momento era de crise, desemprego na zona rural, cidades repletas de desocupados, escassez de todo tipo, o imperador criou a política “pão e circo”, para que o povo se acalmasse e não se revoltasse diante das dificuldades. A elite roma-na patrocinava comida gratuita e diversão, pois quase todos os dias ocor-riam lutas de gladiadores, espetáculos de acrobacias e corridas de cavalos, que lotavam arenas e estádios, sendo o mais conhecido deles o Coliseu de Roma. O povo carente esquecia momentaneamente seus problemas, dimi-nuindo as chances de revolta.

O primeiro e maior imperador romano foi Otávio Augusto. Durante o seu governo, iniciado em 29 a.C., foram promovidas várias reformas sociais e ad-ministrativas que implantaram um Estado baseado na ordem e na hierarquia, fazendo com que Roma vivesse um período de grande esplendor econômico, militar e cultural.

Otávio Augusto fundou bibliotecas públicas e foi um grande protetor e incentivador da arte de poetas como Virgílio, Horácio e Ovídio, do grande historiador de Roma Tito Lívio e do arquiteto Vitrúvio, cuja obra em 10 vo-lumes “De Architectura” constitui o único tratado clássico preservado até os nossos dias e que serviu de inspiração para os artistas renascentistas.

Figura 33 – Planejamento urbanístico da cidade de Roma.

Você reconhece o traçado urbanístico apresentado na Figura 33? Ele conti-nua sendo utilizado em nossa organização urbanística.

PROBLEMATIZANDO

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Após a morte do grande Otávio Augusto em 14 d. C., muitos imperado-res ocuparam o trono romano, mas lentamente o império foi sendo corroído por uma crise que o tornou vulnerável à invasão estrangeira. Os enormes gas-tos públicos que davam sustentação à estrutura administrativa e militar do império exigiam aumentos de impostos cada vez maiores. O comércio que já não tinha fôlego para ampliar seus negócios, voltava-se para as atividades agrícolas, dando início a um lento e progressivo movimento de ruralização da sociedade romana, ou seja, a população deixava as cidades e se estabelecia no campo com medo da violência das pilhagens e rebeliões.

O exército passou a ser composto em sua maioria por estrangeiros mer-cenários, mantidos a peso de ouro. As rebeliões, envolvendo não só os po-vos dominados, mas também as camadas mais pobres da população romana, tornaram-se cada vez mais freqüentes.

Para tentar reverter esse processo, após a morte do imperador Teodósio, o império foi dividido em duas partes, de um lado o Império Romano do Oci-dente, com sede em Roma, e do outro, o Império Romano do Oriente, com sede em Constantinopla.

4.1 UM OLHAR SOBRE A ARTE EM ROMA

A maioria dos exemplos de pinturas romanas (Ver Figuras 34, 35) é en-contrada em cidades como Herculano, Pompéia (localizadas ao redor do Vesúvio, no sul da Itália) e, naturalmente, em Roma, atual capital da Itália. Além das pinturas, os mosaicos (Ver Figura 38) fazem parte da produção ar-tística romana que se espalhou, no decorrer do tempo, pela bacia do mediter-râneo, da Síria e da África do Norte até a península Ibérica.

A pintura romana é, por tradição, dividida em quatro estilos sucessivos:• Primeiro estilo ou estilo pompeiano (fins do século 2 a início do século 1

a.C.): Imitações pintadas de fachadas de muro de mármore colorido. Eram freqüentemente embelezadas com relevos em gesso pintado, ou estuques, e instauravam uma estreita relação com a arquitetura (herança grega).

• Segundo estilo (século 1 a.C.): Utilização da perspectiva, do trompe l’oeil, na retratação de paisagens nas paredes das casas.

“Fundadores do maior império de todos os tempos, os romanos acrescen-taram talentos gerenciais: organização e eficiência. A arte romana é menos idealizada e intelectual que a arte grega; é mais secular e funcional. Enquanto os gregos brilhavam na inovação, o forte dos romanos era a administração. Por onde quer que marchassem, seus generais traziam a influência civilizado-ra da lei e os benefícios práticos de estradas, pontes, instalações sanitárias e aquedutos.” (STRIKCLAND, 1999, p. 16)

PARA REFLETIR

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• Terceiro estilo (fins do século 1 a.C. a meados do século 1 d. C.): A re-tratação das paisagens se torna cada vez mais sofisticada e ornamental. A atenção voltou-se para os detalhes que compunham cenas bucólicas.

• Quarto estilo ou estilo Fantástico (30 d.C. a 79 d. C.): Utilização de elemen-tos decorativos exóticos e originais pertencentes ao espaço vivencial do coti-diano e ao espaço teatral. No século 16, estas decorações foram chamadas de “grotescas” e empregadas largamente na pintura da Renascença. No que diz respeito ao quarto estilo, é

importante ressaltar a vasta produção de pinturas eróticas encontradas, principal-mente em Pompéia (Figuras 36 e 37).

A pintura de retratos foi muito de-senvolvida na época romana, mas por causa do suporte extremamente pere-cível (madeira), pouco são os retratos que chegaram até nós. Famosos são o de El-Fayyum (ou El-Faiyum) (Figura 38), uma série de retratos funerários que eram colocados sobre o rosto do morto sepultado nas areias áridas do deserto (Figuras 39, 40 e 41).

Figura 34 – Pintura romana encontrada em Pompéia. Autor desconhecido.

Figura 35 - Pintura romana encontrada em Pompéia. Autor desconhecido.

Figura 36 – Pintura erótica sobre parede. Encontradas em Pompéia. Autoria desconhecida.

Figura 37 - Pintura erótica sobre parede. En-contradas em Pompéia. Autoria desconhecida.

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As esculturas romanas refletiam o temperamento prático e realista de seus idealizadores. Ao entrar em contato com a cultura grega, os escultores roma-nos sofreram uma forte influência das concepções helenísticas, mas, diferente dos gregos, os romanos procuraram elaborar um tipo de retratação fiel das pessoas, e não um ideal de beleza humana típico da produção clássica grega.

A produção escultórica romana tornou-se um importante instrumento de manutenção do poder vigente. A temática proposta revelava a necessidade de traduzir e enfatizar plasticamente a liderança de generais e imperadores, sempre presentes nas praças e nos edifícios públicos em forma de bustos (herança da pro-dução de antigas máscaras mortuárias feitas em cera) e estátuas (Ver figura 42).

Figura 38 – Retrato funerário de ho-mem (Século II d. C.). Encáustica sobre papel, 33 x 18 cm. El-Fayyum, Egito. Museu Metropolitano de Nova Iorque.

Figura 39 – Retrato funerário de jovem senhora. Encáustica sobre papel. Autoria desconhecida.

Figura 40 – Retrato funerário de jovem senhora. Encáustica sobre papel. Autoria desconhecida.

Figura 41 – Retrato funerário de jovem senhora. Encáustica sobre papel. Autoria desconhecida.

Figura 42: Augusto de Primaporta. c. 20 a.C. Museus do Vaticano, Roma.

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Para os romanos era importante encontrar uma forma de mostrar publica-mente os cortejos comemorativos, as batalhas e as conquistas. Nesse contex-to, foi elaborado o relevo narrativo, uma forma de escultura conectada a um determinado monumento ou elemento arquitetônico, que “contava visual-mente” os acontecimentos mais importantes relativos à expansão territorial. Foi assim que arcos, colunas e altares tornaram-se, freqüentemente, o suporte para a divulgação das façanhas romanas fora e dentro do território italiano.

4.1.2 ARQUITETURA GREGA

Os arquitetos romanos inspiraram-se nas formas gregas, mas desenvolveram novas técnicas de construção, como, por exemplo, o arco (invenção etrusca), que abrange uma distância maior que o sistema grego de pilares e dintel (dois postes verticais que suportam uma trave horizontal) e que suporta uma maior quantidade de peso.

A utilização do concreto permitiu projetos mais flexíveis, como o teto abo-badado e imensas áreas circulares fechadas por uma cúpula. Os romanos desen-volveram a basílica, um edifício de planta retangular com abside semicircular (parte do edifício localizada ao lado oposto da entrada), utilizado como ponto de encontro e imitado, mais tarde, pelas igrejas cristãs da época medieval.

A produção artísticaPor Arnold Hauser“Quem quer que apelasse para o público, que o informasse a respeito de questões importantes, ávido por pleitear sua causa ou conquistar adeptos para seus interesses, recorria sabidamente à pintura e à escultura. O gene-ral vitorioso, em seu desfile triunfal ia rodeado por cartazes que exibiam suas façanhas bélicas, mencionavam as cidades conquistadas e retratavam a humilhação do inimigo aos olhos do povo extasiado. (...) A predileção dos romanos pela pintura revela, além do prazer pelo anedótico e do interesse na documentação e nos testemunhos oculares, uma espécie de desejo insa-ciável, primitivo e pueril por vistas e ilustrações.Todas estas representações são páginas de um livro ilustrado para adultos – por vezes, como no caso das espirais de Trajano, ‘o desenrolar de um livro de ilustrações’, cujo intuito é transmitir a impressão de continuidade dos acontecimentos e produzir o mesmo efeito que esperamos de um filme. A demanda que essa produção pretendia satisfazer era, sem dúvida, primária, rudimentar e essencialmen-te não-artística. Querer experimentar tudo pessoalmente, ver tudo com os próprios olhos, como se a tudo se assistisse, é um tanto ingênuo; é uma con-cepção primitiva que rejeita como de segunda mão tudo o que seja descrito na forma transposta, a qual, para uma época mais requintada, constitui, na verdade, a própria essência da arte.” (HAUSER, 2003, p. 110).

SAIBA MAIS

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Os romanos elaboraram também a abóbada cilíndrica, um importante ele-mento arquitetônico composto por um arco estreito, formando um teto em semi-cilindro e a abóbada de arestas, formada por duas abóbadas cilíndricas, da mesma atura, em interseção de modo a formar um ângulo reto.

Na antiga Roma, a planta da casa romana era rigorosamente retangular, a porta de entrada, que ficava em um dos lados menores do retângulo, conduzia ao átrio, um vão central que possuía uma abertura central no teto. Essa abertura permitia a entrada de luz e da água das chuvas, que era coletada num tanque (impluvio). Em linha reta em relação à porta de entrada, perto do átrio, loca-lizava-se o tablino, o aposento principal da casa. Os quartos eram dispostos ao longo das paredes, abrindo-se para o átrio central. Com o tempo, por causa da influencia grega, foi introduzido o peristílio, um espaço delimitado por colunas que os romanos acomodaram ao lado do átrio. Confira as diferenças apresenta-das por Carol Strickland entre a arquitetura grega e a romana:

O ColiseuPor A. anson

VOCÊ SABIA?

Figura 43 – O Coliseu como era na época romana. Figura 44 – O Coliseu, 80d. C, como é hoje.

GREGA ROMANA

ESTRUTURA Templo para glorificar os deusesPrédios cívicos em honra do Impé-

rio

PAREDES De blocos de pedras Concreto e fachada ornamental

FORMAS TÍPICAS Retângulo, linhas retas Círculos, linhas curvas

SISTEMA DE SUPORTE Pilar e dintel Arco redondo, abóbadas

ESTILO DE COLUNA Dórica e jônica Coríntia

ESCULTURA Deuses e deusas idealizadosSeres humanos realísticos, autorida-

des idealizadas

PINTURAFiguras estilizadas e flutuando no

espaçoImagens realísticas com perspectiva

TEMAS DA ARTE Mitologia Líderes cívicos, triunfo militar

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“O Coliseum, um enorme anfiteatro no centro da velha cidade, que podia acomodar cinqüenta mil espectadores, continua sendo uma das maiores construções do mundo. Sua estrutura principal é construída com uma espé-cie de concreto, e trata-se de uma obra-prima de engenharia e planejamento eficiente, com quilômetros de galerias abobadadas para assegurar o fluxo regular do tráfego em toda a volta da arena. O arco, a abóbada de berço e a abóbada de aresta são utilizados. O exterior, monumental e cheio de dignida-de, reflete as subdivisões do interior, mas é revestido e enfatizado por pedra lapidada. Há um equilíbrio muito bom entre as partes integrantes verticais e horizontais que compõem a interminável série de arcos. A reverência para com a arquitetura grega é ainda visível no uso de meias-colunas e pilastras que refletem as ordens gregas; estruturalmente, estas se tornaram meros espectros – o edifício continuaria em pé caso fossem removidas – mas este-ticamente são importantes, pois através delas a enorme fachada adquire sua relação com a escala humana.” (completar referencia) (Janson: 1973, p. 98)

O PanteãoPor A. Janson“As mesmas inovações em engenharia e materiais permitiram que os roma-nos também criassem enormes espaços cobertos. Dentre deles, o mais bem preservado é o Panteão, um templo circular e enorme, dedicado, como o próprio nome diz, a todos os deuses. O pórtico, originalmente preenchido por um átrio com colunatas que obstruíam a visão que agora temos das pa-redes circulares, parece a entrada comum de um templo romano típico. Ainda mais empolgante, então, é a vista que temos ao passar pelos majestosos por-tais, quando o grande espaço abobadado abre-se diante de nós num repente dramático. A partir da pesada sobriedade da parede externa, pode-se deduzir que não foi fácil para o arquiteto resolver os problemas de engenharia ligados á sustentação do imenso hemisfério de um domo. Do lado de fora, nada faz pressupor a leveza e elegância do interior; as fotos não conseguem reprodu-zir isso com fidelidade. O altar que vai do piso à abertura do domo (chamada de óculo ou olho) é exatamente a mesma do diâmetro do domo, o que con-fere um perfeito equilíbrio às proporções. O peso do domo concentra-se nas oito sólidas subdivisões da parede; entre elas, com colunas à frente, existem nichos ousadamente cavados na espessura maciça do concreto, e estes, em-bora independentes entre si, produzem o efeito de espaço aberto por trás dos suportes, dando-nos a impressão de que as paredes são menos espessas e o domo muito mais leve do que na realidade é. Os painéis de mármore multicolorido e o os paralelepípedos ainda são essencialmente como antes, mas em sua forma original, o domo era dourado, para assemelhar-se à cúpula dourada do céu.” (JANSON, 1973, p. 122)

SAIBA MAIS

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Os gregos foram os primeiros a se preocupar em definir o que é a arte e a dis-correr sobre as emoções que a revelam. Nas Unidades anteriores que essas emo-ções estão geralmente ligadas a um conceito de beleza, inter-relacionado com o meio social, com a cultura, com o ambiente no qual a obra de arte foi produzida. Por outro lado, a obra de arte conecta-se com o meio social, a maturidade e a cul-tura do espectador que absorve essa emoção de forma sutil e pessoal.

Vamos “aprendendo”, durante a vida, a reconhecer a emoção emanada de sons, cores, movimentos, expressões, palavras. Observamos que em muitas sociedades antigas, como no Egito, essas emoções tinham origem na religião. É possível imaginar a emoção de um egípcio diante do palácio ou do túmulo do representante de Deus na terra, materializado na figura do faraó.

Um quadro como A Anunciação, de Fra Angélico (Figura 49), com uma virgem Maria recolhida e amável, pode provocar uma grande explosão de be-leza em um devoto cristão. No entanto, para um agnóstico, a beleza do quadro pode estar no conteúdo histórico que a peça incorpora, ou na composição formal e conceitual elaborada em um determinado estilo artístico.

UNIDADE 5 O NASCIMENTO DO CRISTIANISMO

Figura 49 – Fra Angélico. A Anunciação, Afresco, 1430. Museu de São Marco, Florença.

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Como podemos notar, as emoções reveladas pelo contato com as obras de arte podem ter diferentes origens, e os gregos, com sua observação sis-temática sobre o mundo e sobre a humanidade, foram os primeiros a deixar registros a respeito da consciência que tinham sobre a emoção da beleza. Eles foram os criadores da estética – ciência que estuda o belo –, e talvez por isso tenham nos deixado traços culturais tão marcantes e visíveis até hoje. Depois dos gregos, nós passamos a nos preocupar em observar e questionar a percep-ção da beleza, em definir a arte partindo da intenção de criar a beleza.

Se a emoção estética é extraída de nossa cultura, e é vivenciada individu-al e socialmente como prazer, satisfação, muitos grupos sociais passaram a eleger e a determinar os critérios para a avaliação estética. Esses princípios buscavam construir um padrão, um gosto comum e oficial, que deveria servir de inspiração a todos os artistas.

Evidentemente que esse padrão é mutável, pois, à medida que as socieda-des vão se transformando, a estética muda, se atualiza. Gombrich afirma, por exemplo, que determinada forma de expressão, depois de muito divulgada, acaba perdendo sua força expressiva, e isso exige que ela se modifique e que novos recursos de expressão sejam descobertos.

A arte medieval é, portanto, um mergulho na emoção religiosa em busca da expressão de uma estética religiosa, divina, que nos revela os valores, a beleza de um tempo em um espaço.

Para facilitar o estudo e a compreensão mais esquemática dos acontecimen-tos desse período, os historiadores consideram que a Idade Média teve início com a desintegração do Império Romano do Ocidente, no século 5 (476 d. C), e teria terminado com a queda de Constantinopla no século 15 (1453 d. C).

É importante lembrar que a Europa Ocidental vivia um momento de gran-de crise já a partir do século 3. O Estado, representado pelo que restava do Império Romano do Ocidente, não conseguia dar segurança aos campone-ses, obrigando-os a buscar proteção nos proprietários de terras que, em troca, davam-lhes trabalho de servidão.

Não é a toa que observamos em filmes e livros sobre o período medieval enormes castelos com altas muralhas de pedras, torres com pequenas abertu-ras, rodeadas por um fosso cheio de água, pontes suspensas que dificultavam a penetração de inimigos durante uma batalha. Os senhores feudais, além de se preocuparem com a proteção de sua residência, seu patrimônio e sua fa-mília, tinham também que abrigar, dentro do castelo, seus vassalos e servos.

Para ser um cavaleiro era necessário iniciar um aprendizado que começava aos 7 anos, quando o menino tornava-se pagem do nobre. Durante cinco ou seis anos aprendia o código de conduta dos cavaleiros, e em seguida passava a escudeiro. Nesse momento aprendia a manejar as armas e a andar a cavalo, e por volta de 20 anos era armado cavaleiro.

A economia medieval era profundamente agrícola. Uma produção agrícola rudimentar, muitas vezes de subsistência, realizada nos domínios dos feudos – grandes propriedades dos nobres –, ou por membros do alto clero – parte do clero que reunia bispos, abades e cônegos, vindos de famílias da nobreza.

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Quase não havia escravos, pois a manutenção da escravidão era muito onerosa e as famílias servis eram responsáveis por sua própria subsistência. O servo era o agricultor que, para cultivar uma parcela da terra do nobre, era obrigado a trabalhar gratuitamente nas reservas senhoriais. Além da corvéia, o servo era obrigado a pagar outras tachas e impostos como a talha (percen-tagem sobre os produtos explorados), a banalidade (taxa sobre a utilização do moinho), a gamela (imposto sobre o sal) e o dízimo (imposto pago à Igreja).

O comércio limitou enormemente seu alcance, passando a atender um privilegiado e pequeno grupo de senhores feudais. O artesanato continuou uma atividade importante, realizada, sobretudo, por camponeses ou por resi-dentes das pequenas vilas.

A partir do século 12, surgiram as corporações de ofício e as guildas, que eram associações de operários, artesãos, negociantes e artistas, que visavam regulamen-tar o processo produtivo artesanal, agregando pessoas que exerciam o mesmo ofí-cio. As corporações de ofício desenvolveram um rígido sistema de controle sobre o trabalho dos artesãos, determinando preço, qualidade, quantidade de produção, margem de lucro, aprendizado e hierarquia de trabalho.

A arte, a literatura, a música e a filosofia tiveram um grande desenvolvi-mento, sendo que a produção artística da época foi marcada pela mistura de elementos romanos, germânicos e cristãos.

Na música, predominou a música religiosa – o canto gregoriano, ou canto-chão, além das canções populares, divulgada pelos trovadores, que buscavam glorificar as façanhas heróicas de grandes cavaleiros.

Vimos que o Imperador Constantino 1º dividiu o Império e se converteu ao cristianismo. Mas o que significa exatamente essa mudança?

O erudito era considerado o guardião da sabedoria, e o ensino era tarefa desempenhada pela Igreja, consistindo basicamente no conhecimento das “sete artes”, divididas em gramática, retórica, lógica, aritmética, geometria, astronomia e música.As universidades surgiram a partir do século 12, reunindo profissionais do sa-ber da mesma forma que os artesãos nas corporações de ofício, estabelecen-do locais próprios para o ensino, onde o conhecimento estivesse protegido das rigorosas leis estabelecidas pelas relações feudais. Os historiadores afirmam que a primeira universidade foi a de Bolonha, na Itália, em seguida foram criadas as Universidades de Paris, Oxford, Cambridge, Valência, Salamanca e Coimbra. A Universidade de Paris tornou-se a metrópole universitária da cristandade, o centro filosófico e teológico do mundo, servindo de modelo para outras uni-versidades. Mais adiante, abrigaria a semente do futuro seminário protestante.

VOCÊ SABIA?

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Mesmo que individualmente não assumamos oficialmente uma religião específica, a maioria dos brasileiros conhece a história de Jesus de Nazaré. Sabemos, por exemplo, que ele foi um judeu que nasceu em Belém, na Judéia, durante o domínio do imperador romano Otávio Augusto, e que desenvolveu um novo credo com características monoteístas, ou seja, o culto a apenas uma única divindade.

A religião do Império romano era politeísta, eles adoravam uma grande quantidade de deuses, a maioria deles importados da religião grega e rebatiza-dos com nomes latinos. A doutrina do cristianismo se opôs imediatamente ao tradicional culto romano aos deuses e aos imperadores, encontrando grande repercussão entre os pobres e escravos.

Após a morte de Jesus Cristo, os discípulos por ele escolhidos começaram a divulgar seus ensinamentos dispersando-se por várias regiões do Império romano. Inicialmente sua doutrina foi combatida com violência e brutalida-de, e muitos pesquisadores afirmam que diversos cristãos perderam a vida em sangrentos espetáculos nas arenas romanas.

Devido às constantes perseguições romanas, os primeiros cristãos enter-ravam seus mortos em profundas galerias denominadas catacumbas (Ver Figura 45). Os mártires eram, porém, sepultados em locais maiores, que re-ceberam em seu teto e em suas paredes as primeiras pinturas dos anônimos artistas cristãos (Ver Figura 46).

Figura 45 – Catacumbas de Siracusa. Figura 46 – Teto pintado da catacumba de SS. Pedro e Marcelino - Roma

Curiosos Caminhos da FéHá alguns anos um querido amigo, também professor, me convidou para acompanhá-lo numa viagem por Minas Gerais. Geraldo era professor de História e planejávamos montar um projeto de conteúdo interdisciplinar na escola onde trabalhávamos integrando o estudo da economia canavieira do

PARA REFLETIR

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período colonial, da geografia de Minas Gerais e das pinturas rupestres do período pré-colombiano naquela região. Além da preocupação em arquitetar novas estratégias de aprendizagem para nossos alunos, é claro que também estávamos interessados em “piruar” pelas montanhas e cavernas de Minas. O professor de geografia não pôde nos acompanhar em nossa aventura, e nós ficamos incumbidos de planejar uma excursão com os alunos. Visitamos a caverna do “Rei do Mato”, em Sete Lagoas, a Gruta de Maquiné, na por-ção central do estado, Lagoa Santa, Cordisburgo e Matozinhos. A região do Circuito das Grutas é o berço da paleontologia brasileira, tendo sido lá encontrado e identificado o “Homem de Lagoa Santa”, um dos mais antigos ancestrais humanos nas Américas. Dormimos em barracas de camping, fizemos longas caminhadas pela Serra do Cipó, bebemos pinga com mel para suportar o frio e cantamos canções do Beto Guedes, Flávio Venturini e Milton Nascimento ao lado de muitas fo-gueirinhas. Foi uma experiência muito rica, pois chegávamos às fazendas sem conhecer ninguém e éramos acolhidos com muita hospitalidade e gentileza.O povo da roça dorme cedo, e quatro horas da tarde as crianças já estavam de pijamas e cabelos penteados, sentadas umas ao lado das outras, esperando para ouvir nossas histórias. Quando já tínhamos contado todas as histórias verídicas, a gente começava a inventar um monte de outras aventuras. Eles nunca tinham certeza se a gente estava falando a verdade ou não, mas isso realmente não era importante.O contato direto com essas pessoas simples, dentro do ambiente delas, nos re-velou muitos detalhes sobre seus hábitos, seus medos, suas crenças, seus valores e sua forma peculiar de ver o mundo. São pessoas de princípios morais rígidos, grande senso de solidariedade e uma solene e inabalável religiosidade cristã. Foi difícil abandonar aquele ambiente sem supérfluos, mas que nos demonstrou de forma inequívoca o quanto a vida pode ser simplesmente feliz. Voltamos para casa cansados e silenciosos, quase deprimidos, até que Geraldo teve a idéia de conhecer uma última caverna em uma cidade de nome curioso: Vazante, uma cidadezinha muito simpática perto de Paracatu e Patos de Minas. A caverna de Vazante é um lugar de peregrinação, pois há uma “imagem” de nossa senhora esculpida na rocha. Todos os anos os peregrinos se reúnem em uma grande festa que movimenta a cidade com barraquinhas de comidas, bingos, pro-cissão, anjinhos, ladainhas, vigílias etc. Vem gente de todo lugar e a caverna recebe um grande número de visitantes que a consideram um lugar sagrado.As cavernas que havíamos visitado eram cavernas famosas que tinham infra-estrutura como banheiros, iluminação interior, lojas de suvenir, entre outras coisas. A caverna de Vazante era diferente, tínhamos que levar lanternas, sa-patos especiais e um cantil com água potável, pois havia morcegos, insetos e ratos silvestres, tudo muito perigoso...O geólogo responsável pela gruta nos pediu para evitarmos as fendas escuras e o cocô dos morcegos no chão da caverna, e nos distanciar demais da saída.

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Munidos de lanternas e coragem fomos visitar a grande caverna. Ela é enor-me e linda, realmente nem precisamos ir muito longe para nos deliciar com uma beleza natural imponente e impressionante. Fomos passando de galeria em galeria, o silêncio é uma das principais atrações em uma caverna, por isso desfrutamos de sensações bem diferentes do nosso cotidiano, até que um burburinho foi invadindo lentamente as galerias e ecoando pelas rochas. A conversa barulhenta dos nossos companheiros de visita não nos inco-modou, pois já estávamos pensando em ir embora, até que o Geraldo me chamou atenção para uma passagem bem estreita:– Vamos entrar por aqui, deve ter um salão enorme do outro lado!Meu amigo Geraldo é muito criativo, e como eu, estava embriagado pelas histórias fantásticas que tínhamos ouvido e contado nos últimos dias. Ar-rastando-me pelo chão, mergulhei pela fenda com uma sensação estranha. Arrastei-me pelo chão e perdi um pouco o contato com a minha lanterna. Quando levantei o corpo senti uma mão que puxava minha camisa e aos poucos me agarrava pela cintura.Senti um frio percorrer meu corpo e, paralisada, não consegui sequer gritar, até que uma voz fina e rouca soou bem perto do meu ouvido:– Filha, deixa eu ficar com você que eu não tô enxergado nada!A velha senhora quase me matou de susto, mas eu não tinha energia nem para reclamar. Ainda bem que estava escuro, senão certamente ela também teria se assustado com minha palidez.Quando eu arrumei a lanterna e ela pôde ver melhor a caverna, ela se animou e começou a gritar, sempre agarrada na minha camisa:– Linda, linda, a caverna de Nossa Senhora da Lapa!Os olhos miúdos brilhavam à luz da lanterna, a voz transbordava de emoção. De repente a velhinha se jogou no chão e começou a recolher a camada de terra que cobria o chão da caverna. Ela colocou a terra em uma sacola de pano e depois pegou um punhado daquela terra e encheu a boca. Depois de engolir a primeira porção me disse entusiasmada:– Filha, come! Pode comer, que ela é milagrosa, cura qualquer mal!De novo eu não conseguia falar, só pensava no cocô do morcego, nas baratas, em rochas venenosas, sei lá mais o quê. Antes que eu recriminasse desespe-radamente a atitude da mulher, eu me lembrei dos meus amigos da fazenda, seus credos e sua fé inabalável. Será que minha argumentação era suficiente? Ela faria alguma diferença? Que direito eu tinha de questionar uma vivência tão pessoal e profunda?Diante de todas essas questões incômodas, decidi me calar e, segurando sua mão, apenas sugerir que voltássemos para a entrada da caverna, pois poderí-amos nos perder.

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5.1 UM OLHAR PARA A ARTE MEDIEVAL

Como vimos, à medida que o império se deteriorava, e os novos cultos exigiam, o Imperador Constantino converteu-se, liberando o culto cristão em todos os domínios romanos por meio do Edito de Milão. O cristianismo pas-sou a ser a religião oficial do Império Bizantino.

A pintura cristã, especialmente na primeira época, limitava-se à represen-tação de símbolos utilizados, como numa espécie de código secreto, pelos primeiros cristãos.• A cruz – símbolo do sacrifício de Cristo.• A palmeira – símbolo do martírio.• A âncora – símbolo da salvação.• O peixe – símbolo que representava Jesus.

A esse respeito é importante lembrar que a palavra peixe, em grego, era “ichtys”, e que estas eram também as iniciais da frase: Iesus Christos, Theou Yios Soter, isto é, “Jesus Cristo, Filho de Deus Salvador”.

Com o tempo, a pintura cristã começou a incorporar cenas do Antigo e Novo Testamento, tendo, porém, como tema preferido, a representação de Jesus Cristo como Bom Pastor. Jesus era representado como um jovem, sem barba e com cabelos curtos, vestido em trajes simples de clara influência ro-mana. A mãe do Cristo era representada em maneira diferente da atual, sua aparência lembrava a de uma matrona romana vestida de maneira simples. O véu e a auréola (elementos simbólicos que remetem à castidade e à santidade) seriam introduzidos mais tarde.

Com a oficialização da religião cristã (em 391 a. C. por obra do Impera-dor Constantino) começaram a surgir os primeiros templos cristãos. Esses templos conservaram por fora as características das construções romanas destinadas à administração e à justiça, mas, internamente, abrigavam espaços amplos e paredes ornamentadas com pinturas e mosaicos que retratavam os mistérios da fé aos novos cristãos. Surgiram, desta maneira, as basílicas cons-truídas com elementos arquitetônicos fruto da herança grega e romana, como o arco, as colunas de ordens diferentes, o altar e o abside.

“A primitiva arte cristã, durante os primeiros dois ou três séculos de sua existên-cia, foi mero prolongamento ou mesmo uma variante da arte romana tardia. Tão grande é a semelhança entre a obra pagã tardia e a obra cristã primiti-va, que a mudança decisiva de estilo deve ter ocorrido entre as era clássica e pós-clássica, não entre as idades pagã e cristã. Nas obras do período final do Império, sobretudo as do período de Constantino, as características essenciais da primitiva arte cristã já se deixam prenunciar – o impulso para a espiritua-lização e abstração, a preferência por formas planas, incorpóreas, diáfanas, a exigência de frontalidade, solenidade hierarquia a indiferença pela vida orgâ-nica de carne e sangue, a falta de interesse pelo característico, pelo individual, pela espécie. Em suma, há a mesma vontade não-clássica de representar mais o

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espiritual do que o sensível, tal como se encontra nas pinturas das catacumbas, nos mosaicos das igrejas romanas e nos mais antigos manuscritos clássicos. O curso de desenvolvimento vai desde ilustrações circunstanciais de uma situação nos últimos tempos clássicos até um conciso registro de fatos dos últimos tempos pagãos e, finalmente a símbolos esquemáticos como o de um selo, na primitiva arte cristã.” (HAUSER, 2003, p.125).

Quando o imperador Diocleciano dividiu o império em dois, separando o Oriente do Ocidente, teve início o colapso final da parte oeste. No século 5, o império do Ocidente sucumbiu aos bárbaros germânicos. No Oriente, em Bizâncio, emergiu lentamente um novo império cristão que duraria mil anos e, com ele, uma nova forma de arte, nascida do cristianismo.

A cidade de Constantinopla recebeu esse nome em homenagem a Cons-tantino I, que a adotou, a partir de 330 d. C., como a “Nova Roma”. A nova capital do império romano tinha sido criada pelos gregos e chamava-se Bizân-cio, hoje é a capital da Turquia e chama-se Istambul.

A localização da nova capital na fronteira entre o continente europeu e a Ásia, exatamente na passagem entre o mar Egeu e o mar Negro, transformou essa importante cidade em um local privilegiado comercial e militarmente.

Apesar dos esforços de Constantino, as medidas não impediram a lenta deca-dência do império e as invasões “bárbaras” passaram a ser cada vez mais freqüen-tes, até que o império começou a encolher, principalmente sua metade ocidental.

A palavra “bárbaro” é de origem grega e significa “não grego”. Para os gre-gos, todos aqueles que não tinham o grego como língua materna eram cha-mados de bárbaros. Ora, se os romanos em quase tudo copiavam os gregos, em Roma, essa expressão passou a ser usada com o sentido de “não-romano”, portanto, “não-civilizado”.

Os chamados “bárbaros” podiam ser bem distintos entre si, essa designa-ção poderia envolver tanto o povo huno, de origem oriental, quanto germâ-nicos, celtas, godos, anglos, francos, suevos, lombardos, vândalos, visigodos e alamanos, entre outros. Normalmente esses povos eram nômades, vivendo de pilhagens, por isso eram tão desprezados pelos romanos.

Os primeiros grupos bárbaros entraram pacificamente no império ro-mano e foram assimilando a cultura local. Mas, à medida que os problemas sociais e econômicos do império foram se agravando, esse processo foi se tornando mais violento.

De todos os reinos bárbaros que foram se formando na Europa Ociden-tal, o mais importante foi o reino dos Francos, que se estabeleceu na Gália, hoje território francês. No século 8, com o imperador Carlos Magno, os francos expandiram seus domínios criando um poderoso império, mas que não chegava perto do poder militar e cultural daquilo que tinha sido o Im-pério Romano de Augusto.

No natal do ano 800, o bárbaro e imperador franco, Carlos Magno, foi coroado Imperador do Novo Império Romano do Ocidente. No entanto,

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após sua morte o império foi dividido em três partes. Aos poucos o poder político dos reis ia se diluindo nas mãos de condes, marqueses e funcionários da monarquia que passaram a estabelecer novas regras que se aplicavam à po-pulação sob a sua jurisprudência. Esse processo foi reforçado pela gradativa ruralização da sociedade romana.

O trabalho dos escravos deixou de render para os escravistas os lucros de antigamente. Manter escravos converteu-se em coisa muito cara, pois a pro-dutividade deles continuava tão baixa quanto antes. Até os grandes latifun-diários começaram a dividir com mais freqüência as suas terras em pequenos lotes para dá-los em arrendamento a pequenos arrendatários, os colonos. (DIAKOV e KOVALEV, 1976, p. 354)

Veremos a seguir que, enquanto todas essas transformações se processavam a partir das invasões dos povos bárbaros à Europa ocidental, na parte oriental do antigo Império Romano o processo se desenrolou de forma bem diferente.

5.2 ARTE BIZANTINA

O império Bizantino atingiu seu maior esplendor durante o governo do impe-rador Justiniano 1º, entre os anos de 527 e 565. Justiniano promoveu importantes mudanças, como a codificação das leis baseada no Direito Romano, e vislumbrou na aliança com a Igreja Cristã o suporte perfeito para o seu governo.

Desta forma, a produção artística de Bizâncio, profundamente ligada ao cristianismo, tinha um importante objetivo: expressar a autoridade suprema e absoluta do imperador considerado pelo povo um ser sagrado, um represen-tante de Deus na terra, com poderes temporais e espirituais.

A Igreja cristã havia desenvolvido, naquela região, uma grande estrutura administrativa, e durante muitos anos se envolveu em uma profunda contro-vérsia que dividia as Igrejas no Ocidente e no Oriente, a respeito do uso de pinturas e entalhes na vida religiosa.

O imperador Leão 3º acabou decretando a ilegalidade da representação de qualquer imagem de Cristo, da Virgem e de santos em forma humana. Por mais de um século, o decreto do imperador justificou a destruição sistemática das imagens religiosas de forma humana. Essas ações eram executadas por lideran-ças militares conhecidas como iconoclastas – os destruidores de imagens.

Muitos artistas bizantinos foram obrigados a fugir para o ocidente, mas as-sim que a Lei foi revogada em 843, as imagens humanas retornaram às Igrejas, reforçando ainda mais o seu caráter magestoso, cujo objetivo era exprimir poder e riqueza. Assim, a arte bizantina se colocou a serviço do imperador, impondo aos artistas uma série de regras estabelecidas para que a Igreja Cristã atuasse como suporte do Estado, mais ou menos como aconteceu no Egito antigo.

A palavra ícone, em grego, significa imagem. Os ícones bizantinos eram qua-dros que representavam figuras sagradas como o Cristo, a Virgem, os apóstolos,

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mártires e santos (Ver Figura 47). Eram venerados nas igrejas, mas não era raro encontrá-los nos oratórios familiares, já que se tornaram muito populares entre os gregos, balcânicos, eslavos e asiáticos, mantendo-se por muito tempo como expressão artística religiosa. Os ícones eram pintados utilizando a técnica da encáustica ou da têmpera e, para tornar a pintura mais rica, era aplicada no fun-do da superfície (metal ou madeira) uma camada dourada.

As características formais dos ícones retomavam a rigidez egípcia e a cons-trução simétrica central. A utilização da frontalidade permitia uma “leitura” mais fácil e abrangente dos corpos e dos rostos pintados, proporcionando uma identificação do espectador com a imagem e uma compreensão mais cla-ra da mensagem implícita na obra proposta.

Como as pinturas, os ícones foram importantes meios de comunicação e de afirmação do poder temporal e secular da época, revelaram também a sensibilidade criativa de um momento que estabeleceu rígidas regras, não so-mente para a vida comunitária, mas, também, para a representação de um processo imaginário necessário na busca de uma identidade espiritual coleti-va. Seguem abaixo as principais técnicas utilizadas no período:• Técnica da têmpera: Esta técnica consiste em misturar os pigmentos a

uma goma orgânica para facilitar a fixação das cores à superfície do su-porte. A substância mais comumente usada é a gema do ovo, que torna as cores mais brilhantes e luminosas.

Figura 47 – Nossa Senhora da Misericórdia. Atribuído a André Rublev. Moscou, Rússia.

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• Técnica da encáustica: Já os antigos gregos utilizavam esta técnica para cobrir suas esculturas em mármore. O processo consiste em diluir os pig-mentos em cera derretida e aquecida no momento de sua aplicação. Esta técnica torna a pintura semi-fosca.

5.2.1 OS MOSAICOS

Uma das mais importantes formas de expressão, o mosaico surgiu durante os séculos 5 e 6 em Bizâncio, e na cidade italiana de Ravena. Os mosaicos eram produzidos para impulsionar a propagação da nova religião oficial, o cristianismo. O tema, portanto, era essencialmente religioso, mostrando Cristo como mestre e senhor (Cristo Majestade).

Uma nova linguagem figurativa, elaborada a partir das linhas e da ausência de profundidade de espaço, surgiu em Bizâncio. As figuras eram rigidamente fron-tais (pois a postura rígida da figura leva o espectador a uma atitude de respeito e veneração) e simétricas, enquanto os traços do rosto eram o resultado de uma codificação abstrata que se repetia em cada figura retratada (Ver Figura 48).

A utilização do claro-escuro foi, aos poucos, desaparecendo, e as imagens perderam seu volume. Para reproduzir os detalhes anatômicos ou os preguea-dos das vestes eram utilizadas linhas e outros sinais gráficos cada vez mais sim-plificados. Foram simplificados, também, os fundos arquitetônicos, o espaço do céu foi substituído por uma superfície dourada que se tornou o esplendoroso símbolo da luz divina. Símbolos como a auréola (herança oriental) foram uti-

Figura 48 – Basílica de Santa Sofia, Istambul (532-537 a.C)

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lizados na representação do imperador, ressaltando sua conotação sagrada. A representação do Cristo tornou-se a representação de um rei (Cristo Majesta-de), adotando as características das personalidades imperiais da época estabe-lecendo, desta maneira, uma relação entre o poder temporal e o poder secular.

5.3 A ARTE ROMÂNICA

A apreciação da arte medieval sofreu a influência de um tipo de pensa-mento enraizado na concepção clássica. A produção que não seguia os câno-nes clássicos era considerada de pouco valor, quase inclassificável. Esta atitu-de, sustentada pela idéia de que a Idade Média seria uma “Idade das Trevas” foi apoiada, por muito tempo, por diferentes teóricos da arte. Atualmente, embora ainda haja teóricos que retomem esse tipo de definição, a tendência é considerar a produção medieval como o fruto de uma conjuntura histórica e social específica, elaborada a partir das vivências coletivas e individuais de pessoas que participaram ativamente do processo de criação. É, portanto, im-portante ressaltar que, conhecer a arte medieval torna-se fundamental para compreender melhor o processo criativo que envolve, também, nossa produ-ção atual, já que conectar-se ao passado (qualquer que seja) nos fornece os instrumentos para enxergar melhor o futuro.

Os homens que primeiro conceberam a história da arte como uma evolução de estilos partiram da convicção de que a arte, ao longo de sua evolução, já havia atingido um clímax sem paralelo: a arte grega, da época de Péricles à de Ale-xandre, o Grande. Dão a esse estilo o nome de Clássico (isto é, perfeito). Tudo que veio antes foi chamado de Arcaico – ainda antigo e preso à tradição, mas empenhando-se na direção certa. O estilo que veio em seguida ao apogeu não mereceu um nome especial, uma vez que não possuía qualidades positivas pró-prias, sendo simplesmente um eco ou decadência da arte clássica. Os primeiros historiadores da arte medieval observaram um modelo semelhante: para eles o grande clímax foi o estilo Gótico (no entanto, o termo foi inventado por apre-ciadores da arte clássica, e com ele pretendia-se indicar que a arte medieval era obra dos Godos, ou Bárbaros). Essa arte floresceu do século 13 ao século 15. Para tudo que ainda não fosse gótico criaram o termo “Românico” e, ao fazê-lo, pensavam principalmente na arquitetura: as igrejas pré-góticas, observaram, eram de arco pleno, sólidas e pesadas, muito semelhantes ao antigo estilo ro-mano da construção, em oposição aos arcos ogivais e à majestosa luminosidade das esculturas góticas. (JANSON, 1996, p.116)

As igrejas românicas eram concebidas para abrigar as multidões que che-gavam para visitar os relicários constituídos por roupas e ossos de santos, ou pedaços da Santa Cruz trazidos pelos cruzados. A planta era em forma de cruz (cruciforme) com a longa nave central (corredor central) atravessada hori-zontalmente por um transepto (nave menor) mais curto e que simbolizava o

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corpo de Cristo na cruz (Ver Figuras 50 e 51). As amplas arcadas permitiam a circulação dos peregrinos e fiéis que lotavam as igrejas nos dias da função.

A utilização na construção do teto da abóbada de berço (semicírculo – chamado também de arco pleno – prolongado lateralmente pelas paredes) implicava em duas desvantagens fundamentais: a dificuldade em sustentar o excesso de peso do teto de pedra maciça e a pouca luminosidade que resulta-va das janelas estreitas (era impossível pensar em grandes aberturas, que po-deriam enfraquecer as paredes, aumentando o risco de desabamento). Esses problemas foram resolvidos com o desenvolvimento da abóbada de arestas que consistia na intersecção de duas abóbadas de berço apoiadas sobre pila-res (Ver figuras 52 e 53). Esse tipo de aresta trouxe uma maior sustentabilida-de e estabilidade à estrutura da igreja românica que, com o tempo, adquiriu mais “leveza” e luminosidade.

Figura 50: Planta de St.-Sernin Figura 51: St.-Sernin Toulouse c. 1080-1120

Figura 52: Interior de S. Ambrogio, Milão Figura 53: Nave e capela-mor de St.-Sernin de Toulouse

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A parte externa da igreja românica era despojada, com exceção dos relevos esculturais localizados em volta do portal principal (prática inau-gurada na França). Visto que a maioria dos fiéis era analfabeta, as es-culturas, assim como as pinturas no interior da igreja, tinham a função de ensinar a doutrina religiosa, contando histórias gravadas na pedra. As esculturas ficavam concentradas no tímpano (espaço semicircular entre o arco e o dintel, viga horizontal) da porta central e representavam cenas da ascensão de Cristo ao trono celestial, cenas do juízo final, ou episódios do Antigo e Novo testamento.

Essas igrejas românicas são, de acordo com a influente posição de seus construtores, imponentes expressões de poder irrestrito e recursos ilimi-tados. Foram denominadas ‘fortalezas de Deus’ e são, de fato, tão amplas, sólidas e maciças quanto as fortalezas e os castelos da época. Foram er-guidas, no entanto, não apenas para servir aos fiéis, como também para a maior glória de Deus e, à semelhança dos edifícios sagrados do Oriente antigo e ao contrário de qualquer arquitetura de épocas subseqüentes, até certo ponto, serviram como símbolo de poder e autoridade supremos. (HAUSER, 2000, p. 186)

O rápido desenvolvimento das esculturas românicas reflete o crescimento do fervor religioso entre a população leiga. O poder de capturar a atenção dos fiéis, embora muitas vezes criticada por São Bernardo de Clairvaux, que via nas estátuas a tentação iconólatra de “ler no mármore, e não nos livros”, im-pulsionou a produção escultórica relacionada, principalmente, à construção das igrejas (Ver Figuras 54, 55 e 56).

Figura 51: St.-Sernin Toulouse c. 1080-1120

Figura 53: Nave e capela-mor de St.-Sernin de Toulouse

Figura 54: Lado oriental do portal sul, St.-Pierre, Moissac

Figura 55: Rei David, c. 1180-90 Figura 56: Juizo Final, Catedral de Autun, c. 1130-35

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As características desta produção são muito bem descritas por Hauser: “A dissolução vertical da parede e o expressionismo da figura dão, entre-

tanto, sinais inequívocos de uma tendência para uma perspectiva mais dinâ-mica. Nos exageros pelos quais são obtidos os efeitos - o deslocamento das proporções naturais, as ampliações excessivas das partes mais expressivas do rosto e do corpo, em especial os olhos e as mãos, a gesticulação hiperbólica, as reverências ostensivamente profundas, os braços jogados para o alto, as per-nas cruzadas como se esboçassem passos de dança. (2000, p. 190)

Para Gombrich (1995, p. 176), os ensinamentos da Igreja sobre o objeti-vo último de nossa vida terrena foram consubstanciados nas esculturas dos pórticos das igrejas. Essas imagens perduraram no espírito das pessoas ain-da mais poderosamente do que as palavras do sermão do pregador. François Villon, poeta francês que viveu no final da idade média, descreveu esse efeito em comoventes versos dedicados à sua mãe:

Sou uma pobre e velha mulher,Muito ignorante, que nem sabe ler.

Mostraram-me na igreja da minha terraUm paraíso com harpas pintadas

E o inferno onde fervem almas danadas,um enche-me de júbilo, o outro me aterra...

A pintura românica desenvolveu-se principalmente nas decorações murais de grandes proporções localizadas no interior das igrejas. A técnica do afresco era largamente utilizada pelos pintores - na maioria anônimos - que utilizavam como modelo para as próprias pinturas ilustrações de livros religiosos (Ver Figura 57). É importante lembrar que nessa época era grande, nos conventos, a produção de manuscritos decorados à mão que retratavam cenas da história sagrada.

Figura 57 – São João Evangelista, do evangeliário do Abade Wedricus.

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As características principais das pinturas românicas foram a deformação e o colorismo. Para os pintores da época, deformar a figura traduzia os sen-timentos religiosos e a interpretação mística da realidade. Deformar (por exemplo, aumentar) uma parte do corpo significava valorizar sua importância e seu papel na prática religiosa. Percebemos isso, por exemplo, no tamanho exagerado das mãos de Cristo no ato de abençoar, ou na representação dos seus olhos enormes, que para os códigos visuais da época significava intensa vida espiritual. Como na arte egípcia, existia, na representação das figuras, uma hierarquia visual, isto é, uma relação entre tamanho e importância social ou religiosa. Frontalidade e rigidez faziam parte da pintura românica, que res-saltava o posicionamento estático das figuras como característica marcante de sua produção.

5.4 A ARTE GÓTICA

Segundo Janson (1996, p. 131): “A pintura Gótica chegou ao apogeu cria-tivo entre 1300 e 1350 na Itália central. Por volta de 1400 tornou-se a arte mais importante ao norte dos Alpes. Assim, ao examinarmos a época gótica como um todo, deparamo-nos com uma mudança gradual de ênfase, da ar-quitetura para a pintura ou, talvez, do caráter arquitetônico para o pictórico”.

Os artistas góticos, embora ainda sofrendo a influência de um tipo de re-presentação inspirada nos cânones bizantinos, pareciam querer desafiar a bi-dimensionalidade da tela, propondo uma busca espacial tridimensional que abria novas possibilidades representativas. A retratação do castelo ou da cida-de, como pano de fundo das cenas religiosas, mostrava o interesse em instau-rar um diálogo entre o espaço vivencial conhecido e, portanto, identificável, e o espaço do imaginário coletivo, permeando a cena de uma realidade quase tangível, porque reconhecível (Ver Figura 58).

Figura 58 – Entrada de Crito em Jerusalém. Giotto.

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O espaço explorado na tela pelos artistas góticos estimulava o olhar do espectador, capturando sua atenção e exercitando uma função pedagógica (de ensinar) típica das obras desse período. As histórias bíblicas eram trans-formadas pelos hábeis pintores em recortes que capturavam uma ação ainda iconograficamente presa ao passado, mas lançada, por meio dos traços cada vez menos rígidos e esquemáticos, para um futuro imagético mais dinâmico.

A representação da cidade como ponto de partida para uma reflexão so-bre um espaço de múltipla utilização coletiva impulsionou um olhar mais “mundano” a respeito de uma realidade que trazia lentas, mas profundas, mudanças. O olhar unidirecional do frontalismo bizantino se movimentou em outras direções, começando a mostrar maneiras diferentes de percepção e apreensão do mundo. As atividades, os episódios e as histórias retratadas de-nunciavam a necessidade de mostrar atos e atitudes humanas inseridas num contexto social que adquiria uma importância cada vez maior. O papel do indivíduo e sua “autonomia” foram traduzidos nos corpos e nos rostos, que, representados em pose que desafiavam as convenções das épocas anteriores, mostravam possibilidades inusitadas. Um bom exemplo pode ser a figura re-tratada de costas para o espectador, pintada por Giotto (Figura 59).

Inicia, assim, o lento caminho rumo à flexibilização representativa do in-divíduo e de seu mundo. Nesse contexto, a retratação da profundidade, esse incrível recurso que possibilitou a penetração simbólica da tela e do espaço, parece ter estimulado a busca por um tipo de pintura e escultura que, mes-mo ainda ancorada aos cânones antigos, impulsionou um percurso artístico inovador que encontrará no Renascimento seu momento de expressão mais intensa e profunda (Figuras 60, 61 e 62).

Figura 59 – A Lamentação de Cristo. C. 1305, Fresco. Cappella Dell’Arena. Pádua, Itália.

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Figura 60 – Virgem em Magestade, Duccio. Museu da Catedral de Siena.

Figura 61 – Virgem em Magestade, Cimabue. Figura 62 – Virgem em Magestade, Giotto.

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5.4.1. A ARQUITETURA GÓTICA

A Catedral de Chartres (Figura 63) é a alma visível da Idade Média. Cons-truída para abrigar o véu da Virgem, doado à cidade pelo neto de Carlos Mag-no – Carlos, o Calvo – em 876, é uma obra de arte multimídia. Os vitrais (Figura 64), a mais intacta coleção de janelas medievais do mundo, ocupam uma área total de 8.800 metros. Ilustrando passagens da Bíblia, as vidas dos santos e até mesmo o artesanato tradicional da França, os vitrais são gigantes-cos manuscritos iluminados (STRIKCLAND, 1999, p. 29).

Figura 63 – Catedral de Chartres, França. Figura 64 – Vitrais da Catedral de Chartres.

A Escultura nas Catedrais“A simetria e a clareza substituíram o movimento frenético e as multidões: as figuras não são mais emaranhadas entre si, mas eretas e independentes, de modo que se visualiza muito melhor o conjunto a grande distância. Em vez de serem tratadas essencialmente como relevos esculpidos, são verdadeiras estátuas, cada qual com seu próprio eixo; pelo menos em teoria poderiam ser destacadas das colunas que lhes servem de suporte. Aparentemente esse primeiro passo (desde o fim da Antiguidade Clássica), no sentido de fazer ressurgir a escultura monumental independente, só poderia ser dado através do ‘empréstimo’ da forma cilíndrica das colunas onde estão colocadas as figuras. Esse método faz com que pareçam presas a uma certa atmosfera de imobilidade, e, no entanto, as suas cabeças já possuem uma suavidade humana que evidencia a busca por um maior realismo.” (Janson, 1996, p. 141).Escultura elaborada a partir de figuras rígidas, desproporcionalmente longas para o desenvolvimento de um estilo mais natural. A Visitação representa tanto Maria como sua parenta Elizabeth apoiadas em uma das pernas, com a parte superior do corpo ligeiramente voltada uma para a outra. Elizabeth, mais velha, tem a face enrugada, revelando profundo caráter, e o drapeado é trabalhado com mais imaginação. (Strickland, 1999, p. 29)

SAIBA MAIS

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“O auge do desenvolvimento artístico da Idade Média, rivalizando com as ma-ravilhas da Grécia e da Roma da antiguidade, foi a catedral gótica. De fato, essas “Bíblia de pedra” superaram até mesmo a arquitetura clássica em termo de ou-sadia tecnológica. Entre 1200 e 1500, os construtores medievais ergueram essas estruturas eleboradíssimas, com interiores atingindo uma altura sem preceden-tes no mundo da arquitetura. O que tornou possível a catedral gótica foram dois desenvolvimentos da engenharia: abóbada com traves e suportes externos cha-mados arcobotante e contraforte. A aplicação desses pontos de apoio nos locais necessários permitiu trocar as paredes grossas com janelas estreitas por paredes estreitas com janelas enormes com vitrais inundando de luz o interior. (...) Além da qualidade de treliça das paredes das catedrais (um efeito de “renda petrifica-da” como as descreveu o escritor William Faulkner), a verticalidade caracteriza a arquitetura gótica. Os construtores usavam o arco pontudo que aumenta tanto a ilusão como a realidade de altura. Os arquitetos competiam entre si para realizar as mais altas naves (em Amiens, a nave atinge a altura de 47 metros) Quando a ambição ultrapassava a tecnologia e a nave despencava, o que não era difícil de acontecer, os fervorosos fiéis a reconstruíam. (...) Edificações tão complexas le-vavam literalmente séculos para serem construídas - a Catedral de Colônia levou seis séculos -, o que explica por que algumas parecem uma miscelânea de estilos sucessivos.” (STRICKLAND, 1999, p. 28)

A partir do texto de Strickland, é possível perceber como certas mudanças no campo arquitetônico influenciaram a passagem do estilo românico para o góti-co. É importante lembrar, porém, que essas transformações não foram bruscas e repentinas, ocorreram gradativamente no decorrer do tempo e do espaço, mani-festando-se não somente na construção de “novas” igrejas mas, também, na con-cepção de um tipo de pintura que buscava (principalmente no período tardio) resgatar uma forma de retratação mais dinâmica e expressiva. Após a descoberta dos textos de Aristóteles, o corpo deixou de ser desprezado e passou a ser perce-bido como o templo da alma. Essa importante mudança influenciou a maneira de representá-lo; os artistas começaram, então, a retratar a figura humana com mais naturalidade, cuidando de detalhes anatômicos e psicológicos que começavam a mostrar uma maneira diferente de enxergar o ser e seu contexto.

Esquema Trickland

Figura 64 – Vitrais da Catedral de Chartres.

ROMÂNICO GÓTICOÊNFASE Horizontal Vertical

ELEVAÇÃO Altura modesta Altíssima

PLANTA Múltiplas unidades Espaço unificado, inteiro

TRAÇO PRINCIPAL Arco redondo Arco pontudo

SISTEMA DE SUPORTE Pilastras, paredes Contraforte externo

ENGENHARIA Abóbadas em cilindro e de aresta Abóbadas com arestas e traves

AMBIENTE Escuro, solene Leve, claro

EXTERIOR Simples, severo Ricamente decorado com esculturas

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Chegamos ao final da primeira etapa de nossa viagem, mas lembrando que a viagem não acabou! A história da arte continua acompanhando nosso caminho como possível percurso de reflexão e questionamento, apontando para a necessidade cultural atemporal. Começamos nossa viagem no Paleo-lítico olhando para as pinturas rupestres, passamos pelas pirâmides egípcias, nos aproximamos das catedrais da Idade Média. Nossa próxima etapa será mergulharmos nas questões políticas que impulsionaram os artistas do Re-nascimento...

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECKETT, W. História da pintura. São Paulo: Editora Ática, 1997.FISHER, H. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1973.FRANCASTEL, P. A realidade figurativa. Rio de Janeiro: Perspectiva, 1973.GOMBRICH, E.H. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1999. HAUSER, H. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003.JANSON, H.; A. Iniciação a história da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1999.OSTROWER, F. Acaso e criação artística. Rio de Janeiro: Campus, 1995.

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