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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA CAMPUS IV – CABO FRIO CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA DISCIPLINA: HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA I PROFESSOR: CARLOS LEONARDO BAHIENSE ALUNO: DANIEL SANTANNA LIMA MATRÍCULA: 052170160 Proposta de trabalho: Resumo da obra “Maldita Guerra – Nova História da Guerra do Paraguai”, de Francisco Doratioto. O livro de Doratioto propõe-se no início a desmistificar a idéia criada pela historiografia revisionista que tende a acusar o imperialismo britânico de ser o principal agente deflagrador da Guerra do Paraguai. Ainda na introdução cita uma peculiaridade interessante deste conflito, apontando que geralmente na história das guerras travadas até então, o agressor saía-se vitorioso, resultado contrário ao da Guerra do Paraguai, onde Solano López foi derrotado e morto pelos aliados. Durante o primeiro capítulo intitulado “Tempestade no Prata”, Doratioto contextualiza a região platina com suas respectivas tensões e contradições políticas, além de traçar um histórico da vida política paraguaia, apontando como uma das suas principais características o “isolacionismo político” imposto pelas tradicionais ditaduras sob as quais vivera aquela nação. A partir de então traz à tona todo o contexto diplomático platino no início da segunda metade do séc. XIX,

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Atividade acadêmica apresentada como avaliação para a disciplina de História Contemporânea I

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Page 1: História Contemporânea I - P2

UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA

CAMPUS IV – CABO FRIO

CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA

DISCIPLINA: HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA I

PROFESSOR: CARLOS LEONARDO BAHIENSE

ALUNO: DANIEL SANTANNA LIMA

MATRÍCULA: 052170160

Proposta de trabalho: Resumo da obra “Maldita Guerra – Nova História da Guerra do

Paraguai”, de Francisco Doratioto.

O livro de Doratioto propõe-se no início a desmistificar a idéia criada pela

historiografia revisionista que tende a acusar o imperialismo britânico de ser o principal

agente deflagrador da Guerra do Paraguai. Ainda na introdução cita uma peculiaridade

interessante deste conflito, apontando que geralmente na história das guerras travadas até

então, o agressor saía-se vitorioso, resultado contrário ao da Guerra do Paraguai, onde Solano

López foi derrotado e morto pelos aliados. Durante o primeiro capítulo intitulado

“Tempestade no Prata”, Doratioto contextualiza a região platina com suas respectivas tensões

e contradições políticas, além de traçar um histórico da vida política paraguaia, apontando

como uma das suas principais características o “isolacionismo político” imposto pelas

tradicionais ditaduras sob as quais vivera aquela nação. A partir de então traz à tona todo o

contexto diplomático platino no início da segunda metade do séc. XIX, fazendo alusão

inclusive à “Questão Christie”, episódio chave da crise diplomática entre o Império do Brasil

e o Império Britânico. Seguindo o raciocínio, Doratioto mostra a crise brasileira com o

Uruguai no tocante aos maus-tratos aplicados aos súditos brasileiros em território uruguaio,

além de apontar também o conflito interno uruguaio entre o partido da situação (blanco),

liderado pelo presidente Berro, e os opositores colorados representados principalmente pela

figura do caudilho Venâncio Flores, conflito esse que acabou por ocasionar uma guerra civil.

Enquanto isso, no território argentino o líder portenho Bartolomé Mitre busca a manutenção

do unitarismo territorial, obtido com a vitória sobre os caudilhos opositores, liderados por

Urquiza de Entre Rios, embora, apesar de derrotadas, as províncias ainda resistissem,

especialmente Entre Rios e Corrientes. O fato de o governo uruguaio apoiar os separatistas

contra Mitre, gerou grande descontentamento ao governo argentino. Este é o ponto

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culminante deste trecho da obra, pois o autor propõe que a guerra civil uruguaia foi o

“elemento catalisador” de todas as contradições regionais e que consequentemente gerou o

ambiente propício ao conflito entre o Paraguai e seus vizinhos platinos. Do lado Paraguaio,

temos nesse período “pré - guerra”, a busca do ditador Solano López por uma maior

participação nas questões diplomáticas platinas, colocando-se como “peça chave” na

manutenção do equilíbrio político na região através da “instrumentalização das contradições”

políticas ali existentes (p.50). Expõe-se também o rompimento diplomático do Uruguai com a

argentina devido ao apoio de Mitre aos rebeldes colorados liderados por Flores e a

animosidade estabelecida entre a Argentina e o Paraguai devido à “política incisiva de defesa

dos seus [paraguaios] interesses” na região. Paralelo à esta situação temos o esforço

diplomático argentino-brasileiro nos sentido de pacificar o Uruguai, através da ação conjunta

dos diplomatas Elizalde e Saraiva, que embora tenham falhado em sua missão, contribuíram

significativamente para que as relações entre o Império brasileiro e a Argentina fossem

estreitadas, tendo o autor, citado nesta parte a seguinte declaração dada por Saraiva: “A

Tríplice Aliança [...] foi constituída em Puntas del Rosário” (p.56). O autor apresenta também

a questão do medo britânico da postura anexionista do Império brasileiro e da Argentina,

medo esse, fomentado pelo governo paraguaio que esperava enredar a Inglaterra em uma

intriga onde Brasil e Argentina eram acusados de desejar anexar territórios à custa de Estados

menores, além de possuírem a intenção de monopolizar o comércio no Prata. Já caminhando

para a definição do problema uruguaio, Doratioto cita o ultimatum dado pelo Império

brasileiro ao governo uruguaio, que busca desesperadamente o apoio paraguaio, sob pretexto

das já citadas intenções anexionistas brasileiras, e aponta também a neutralidade do governo

argentino nesse momento. O governo uruguaio rejeita o ultimato, rompe relações diplomáticas

com o Brasil e pressiona o governo Paraguaio a aliarem-se contra o Império. Toda essa

seqüência de fatos resulta na assinatura de um documento entre Brasil e Argentina que

legitima ações intervencionistas no Uruguai, visando a pacificação. O Paraguai por sua vez

posiciona-se publicamente contra o Império brasileiro, afirmando a possibilidade de

intervenção caso o Brasil invadisse o território uruguaio (p.60). Nem o Império nem a

Argentina dão crédito ao protesto paraguaio. Este é um ponto importante da narrativa, pois

fica explícita a subestimação da força paraguaia por parte do Brasil e da Argentina, sendo este

um erro político brutal, pois o isolamento mantido tradicionalmente pelo Paraguai, acabou por

“mascarar” o seu potencial bélico. Doratioto explica que isto se deu basicamente pela falta de

informações por parte das nações vizinhas (p.61), e aponta também que Solano López possuía

uma “lógica peculiar” em seu raciocínio, totalmente fora da previsibilidade creditada pelos

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diplomatas das nações envolvidas na questão uruguaia, expondo de forma brilhante o

comportamento do ditador paraguaio e o trato dado a seus opositores, sobretudo da elite, além

de mostrar que esta elite desejava o conflito com o Império para livrar-se de López. Expõe

ainda um outro aspecto muito importante e cuja compreensão será de grande valia para

analisar o andamento da Guerra do Paraguai em todos os seus enfrentamentos, que é a questão

da carência de oficiais militares capacitados e com forte liderança, em virtude do caráter

autoritário e agressivo de Solano López, que “podava” o brilhantismo e a iniciativa pessoal

dos seus subalternos antes que sobressaíssem. Também são citados a crescente militarização

paraguaia, o acordo de Santa Lúcia, assinado em 20 de outubro de 1864, onde Tamandaré

coopta o apoio de Venâncio Flores, (embora ainda não houvesse declaração formal de guerra

ao Uruguai), e a posterior invasão do território uruguaio, comandada pelo General Menna

Barreto, que após a vitória no cerco à cidade de Paissandu, entrega-o ás forças de Venâncio

Flores, em dezembro do mesmo ano. Outro episódio importante no curso dos acontecimentos

platinos desse período foi a captura do navio a vapor brasileiro, de nome Marquês de Olinda,

que levava uma delegação brasileira à Mato Grosso, da qual um dos membros era o novo

presidente desta província. Os soldados paraguaios declararam ao capturar o navio que o

Brasil estava em guerra com o Paraguai, o que naquele momento era mentira. A partir de

então o Império do Brasil rompe diplomaticamente com o Paraguai e a atmosfera de tensão

aumenta cada vez mais, citando-se como forte evidência disso, o atentado contra o cônsul –

geral do Brasil em Assunção, Amaro Barbosa, além de outros casos de violência explícita,

como o de Juan Barbosa, espancado e classificado com “vagabundo”. Segundo Doratioto,

essa postura do governo paraguaio se deve em grande parte à informações equivocadas

fornecidas pelo diplomata uruguaio Vasquez Sagastume, além da ausência de um serviço

diplomático paraguaio. Em meio a todos estes acontecimentos, o Império reivindica o apoio

argentino, obtendo resposta negativa por parte de Mitre, que alegou a possibilidade de

embaraços políticos entre o governo de Buenos Aires e o povo das províncias argentinas que

eram avessos ao Brasil e simpáticos ao Paraguai, devido á afinidade cultural, haja vista que

falavam também o idioma guarani. Aponta-se aqui a pacificação definitiva do Uruguai, com o

bloqueio de Montevidéu e assinatura do “Protocolo de Paz de Villa Unión”, onde fica definida

a posse de Flores e estreitam-se ainda mais a aliança entre o Império e o novo governo

uruguaio.

Doratioto discute ainda no primeiro capítulo, a questão do revisionismo histórico

paraguaio, promovido inicialmente pelo escritor Juan Emiliano O’Leary no final do séc. XIX,

onde o país encontrava-se na total penúria do pós - guerra e carecia da figura de um herói

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nacional, decidindo-se, portanto, mitificar Solano López. Aproveita também para apontar a

situação econômica da família López, sendo interessante a expressão “feudo da família

López”, pois gigantescas extensões de terra e grande quantidade de imóveis na capital

pertenciam à Solano López e aos seus. Doratioto conta que após a guerra, as autoridades

judiciais paraguaias embargam todos os bens de Solano López, inclusive os de sua

“concubina”, considerando – o [Solano López] traidor da pátria e “fora da lei”, sendo os bens

transferidos para o Estado Paraguaio. O revisionismo histórico acima descrito visava, segundo

Doratioto, não apenas solucionar o problema ideológico paraguaio, mas sim o beneficiamento

dos herdeiros de López, com o resgate dos direitos civis e a revogação dos decretos

humilhantes do pós-guerra, além do resgate das possessões adquiridas pela família. Cita

ainda que O’Leary iniciou a “campanha Lopizta” por interesses financeiros, visando prestígio

e vantagens materiais e que o revisionismo histórico foi utilizado como um instrumento de

legitimação histórica da ditadura paraguaia na segunda metade do séc. XX, sob o governo de

Alfredo Stroessner, chamada de “coloradismo”. Doratioto encerra o capítulo reafirmando que

a teoria revisionista que culpabiliza o imperialismo inglês pelo desencadeamento da guerra

não possui fundamento consistente, pois toda a infra – estrutura paraguaia foi implementada

pelos britânicos. Além disso, os empresários e banqueiros britânicos é que emprestaram

dinheiro às potências platinas e não o governo. Observa-se ainda que o diplomata inglês

Edward Thornton buscou que a guerra não ocorresse, durante todo o período em que esteve

colaborando nas negociações entre o Paraguai e os países vizinhos.

No segundo capítulo (O Paraguai ataca: o fracasso da guerra relâmpago), em que se

explica detalhadamente o ataque a Mato Grosso, Doratioto traça inicialmente um panorama da

situação paraguaia às vésperas do conflito, citando os principais fatores que, analisados

racionalmente, levam a conclusão de que o ataque paraguaio foi um desatino total, como a

desvantagem demográfica e a conseqüente impossibilidade de ampliar o exército num curto

espaço de tempo, e a desvantagem geográfica decorrente do isolamento do país no interior do

continente, sem acesso ao mar, impossibilitando o recebimento de provisões e armamentos do

exterior, haja vista o bloqueio fluvial promovido pela esquadra brasileira (p.98). Aponta

ainda, o problema do número insatisfatório de comandantes militares, pelas razões já

discutidas anteriormente, citando o curioso fato de que Solano López era o único general do

exército paraguaio, além de mostrar as “condições anacrônicas” de armamento, no tocante à

tecnologia, relatando que o exército paraguaio era mal armado, mal comandado,

despreparado, porém extremamente valente. Seguindo o capítulo, Doratioto explica que o

ataque precipitado ao Mato Grosso foi incoerente, pois impediu que o Paraguai recebesse o

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armamento moderno encomendado na Europa, pois, como já foi citado, os rios foram

bloqueados pela esquadra imperial. Um outro fator negativo quanto ao ataque, é que não

houve adesão dos Uruguaios, pois os blancos já haviam sido depostos do poder, além da não-

adesão também das províncias argentinas. Fora isso, os paraguaios não se aproveitaram do

fator surpresa, observando-se que a proposta era de uma “guerra relâmpago”. Do lado

brasileiro, também havia problemas sérios no tocante à defesa militar das províncias atacadas

por López (Mato Grosso e Rio Grande do Sul), sendo os principais: a debilidade e o

isolamento militar, devido a grande dispersão da tropas dentro da província, e a ausência de

uma esquadra própria para combates fluviais, devido à preocupação com a defesa costeira

contra possíveis ataques britânicos (já foi citado que Brasil estava em meio a uma crise

diplomática com o Império Britânico). A partir deste ponto, Doratioto passa a narrar como se

deu o confronto no Mato Grosso, desde a estratégia traçada por Solano López , que consistia

na organização de duas colunas , uma terrestre e uma fluvial, que convergiriam

posteriormente sobre Cuiabá ,até a invasão de fato, iniciando pela tomada do Forte Coimbra,

onde ocorreram de início 200 baixas paraguaias. Importante citar que de acordo com o autor,

a historiografia brasileira apontava como causa para a tomada do forte a falta de munição da

guarnição, enquanto que segundo a versão de militares paraguaios que estavam na batalha,

entre eles Centurión, isso não passa de um grande equívoco, e de fato os registros confirmam

que havia realmente munição. Nota-se que paralelo à esse movimento bélico, o governo

paraguaio apresentava-se como agredido e culpava o Império Brasileiro pelo confronto.

Prosseguindo, Doratioto narra a tomada fácil de Corumbá, onde a cidade foi evacuada por

ordem do coronel Oliveira, sem que sequer se confrontasse os atacantes. A postura das forças

brasileiras foi tão covarde, que civis foram abandonado à própria sorte, sendo o coronel

responsável destituído posteriormente pelo governo imperial. Importante citar também o

episódio do confronto entre o vapor brasileiro Anhambaí e o vapor de guerra paraguaio Iporá,

onde orelhas de marinheiros brasileiros foram arrancadas e penduradas nos mastros da

embarcação paraguaia. Seguem-se os absurdos erros de defesa brasileira, com a tomada do

posto naval de dourados, repleta de munição, e a seguir caem as posições de Miranda,

Dourados e Nioaque, com os paraguaios capturando enormes quantidades de munição, sendo

citada apreensão pelos paraguaios de mais de 50 canhões. Interessante a citação que apresenta

bem o estado de coisas nesse momento: “A entrada do exército paraguaio em Mato Grosso

pareceu mais um treinamento militar do que uma invasão” (p.106). Apesar da ocupação

paraguaia, cita-se neste capítulo a existência de uma guerrilha indígena brasileira (Mbaya) que

atormentava o exército paraguaio na região. Doratioto aponta também que os moradores

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fugitivos eram obrigados a retornar à vila de Corumbá e que era comum a ocorrência de

violência sexual contra brasileiras, além é claro, da prática do saque às cidade ocupadas. Os

acusados de espionagem eram mortos à lança. Interessante lembrar o fato de que as mulheres

de Assunção iam a Corumbá com o pretexto de cuidar dos feridos paraguaios, mas na

realidade pretendiam apoderar-se das riquezas saqueadas. Todos os moradores eram

obrigados a transferir-se para Assunção, sob pena de fuzilamento. Somente aqueles que

possuíam riqueza e contatos importantes conseguiram bons abrigos e boas condições de

alimentação. Neste ponto da narrativa, é descrita a dura rotina dos prisioneiros brasileiros,

que sequer eram alimentados direito, sendo os militares alimentados com carne estragada.

Assunção é apresentada como um “Sibéria tropical”, devido ao super-isolamento e a

conseqüente impossibilidade de fuga. Em meio a essa situação de penúria dos brasileiros em

território paraguaio, surge a figura de José Maria Leite Pereira, “gerente” do consulado

português no Paraguai, citada por Doratioto como um “anjo da guarda”, através do qual se

conseguiu que o consulado distribuísse roupas e alimentos entre os militares brasileiros

prisioneiros, em troca de cerca de três quilos de ouro pagos pelo Império. Além de mobilizar

o consulado, Leite Pereira abrigava prisioneiros de guerra em sua casa. Devido à ajuda

prestada aos brasileiros, Leite Pereira foi perseguido e morto pelo governo paraguaio, que

com a ajuda de um ministro português (Azevedo) que espionava à seu serviço, conseguiu que

o governo português negasse proteção à vítima. A partir da invasão do Mato Grosso, inicia-se

a mobilização para o recrutamento, e a princípio os brasileiros indignados, apresentam-se

animados para combater, esperando que a guerra não fosse se prolongar muito. Neste ponto

Doratioto contextualiza o exército imperial, mostrando a situação caótica em que se

encontravam os quartéis, com soldados sendo maltratados e vistos como escória da sociedade,

sendo o serviço militar um “purgatório”, uma espécie de castigo, de degradação (p.111). A

instrução militar era precária, sem condições de enfrentar um exército organizado. Cita-se

também o comportamento elitista da guarda nacional, que não admitia membros das classes

populares, e embora fosse bastante numerosa, também era despreparada para a guerra, pois

exercia apenas função para – policial. Este grupo recusava-se veementemente a ir à guerra em

todas as províncias, exceto Bahia e Goiás. Para sanar o problema do recrutamento é criado em

07 de janeiro de 1865, o Corpo de Voluntários da Pátria. O estímulo ao alistamento era feito

através da concessão de gratificações em dinheiro e vantagens em caso de invalidez (meio

soldo) ou morte (pensão à herdeiro escolhido), além da promessa de extensões de terra em

“colônias militares e agrícolas existentes em diferentes pontos do Brasil” (p.114). A elite

relutava em ir à guerra, ao contrário das classes populares que tinham entusiasmo patriótico.

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Alistaram-se cerca de 10 mil voluntários no início da campanha, sendo a província da Bahia a

mais entusiasmada do Império. Um dado importante apontado por Doratioto é que a maioria

dos soldados brasileiros em 1965 era do Norte/Nordeste, e devido à drástica mudança

climática, 400 soldados morreram de frio, pois não receberam uniformes adequados, além de

sucumbirem às doenças, haja vista o consumo excessivo de carne fresca e o uso da água

impura dos rios. Cita-se ainda o plano do marquês de Caxias para a invasão do Paraguai em

três colunas, que segundo os cálculos do militar brasileiro, necessitaria de um total de 50.000

soldados para sua execução, sendo 45.000 no front e 5.000 na reserva em território brasileiro,

baseados no Rio de Janeiro e em Santa Catarina. De acordo com o plano de Caxias, a

conquista da fortaleza de Humaitá era imprescindível para que fosse executada qualquer ação

militar contra Solano López. Relata-se que os acampamentos do exército imperial não

possuíam infra – estrutura, ou por falta de equipamentos básicos como uniformes, capacetes e

barracas, ou por falta de saneamento, pois vários soldados faleciam por conta de crises de

diarréia. Destaque para a figura do general Manuel Luís Osório, que implementou melhoras

significativas nas tropas próximas a Montevidéu, como a construção de um hospital militar,

além da duplicação da artilharia e um considerável aumento do efetivo. Organizou também a

administração financeira das tropas, pagando os soldos em dia. Faz-se alusão também ao

episódio da “Retirada da Laguna”, descrito no livro de mesmo título escrito por Visconde de

Taunay. Segundo Doratioto, nesta obra, Taunay descreve em detalhes um dos maiores

malogros militares brasileiros, com centenas de mortos, incluindo mulheres e crianças, que

foram aniquiladas pela cólera morbus, além de outros problemas de saúde decorrentes da

brusca variação climática, caracterizada pelo calor escaldante diurno seguido pelo frio glacial

noturno (p.127). Cita ainda a campanha desastrosa em Miranda, região geograficamente

desfavorável com terreno pestilento e pantanoso onde um terço do exército sucumbiu devido

às doenças e aos afogamentos. Importante ressaltar a questão do “saque aos túmulos”, prática

paraguaia comum na guerra, que consistia na retirada das roupas e utensílios dos cadáveres do

exército adversário. Outra passagem importante neste trecho do livro é o episódio do

abandono de mais de 130 soldados brasileiros assolados pela cólera morbus em uma clareira,

juntamente com um cartaz deixado ao inimigo que continha os seguintes dizeres: “compaixão

com os coléricos”. Posteriormente todos foram assassinados pelo exército paraguaio.

Doratioto relata ainda a retomada de Corumbá, onde 160 paraguaios foram degolados,

frisando que a posição não pode ser mantida devido ao surto de varíola que acometeu metade

da tropa. Os retirantes levaram consigo a doença para Cuiabá, onde metade da população foi

dizimada, considerando-se que “em seu auge, a epidemia matou cem moradores por dia”. Em

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função dessa situação caótica, os corpos eram cremados, pois não havia com sepultar todos.

Em 1865, Solano López declara guerra á Argentina, invadindo Corrientes, acreditando que

obteria apoio dessa província contra o Brasil, devido à afinidade cultural dos correntinos com

os paraguaios. Para frustração do comandante paraguaio, os correntinos, em sua maioria, não

apóiam o governo paraguaio, devido aos saques e abusos cometidos contra a população,

embora fosse estabelecida uma junta “pró-Paraguai”. López responsabilizou o diplomata José

Berges pela “má impressão” deixada em Corrientes. Doratioto ressalta nesta parte, a inércia

da esquadra brasileira, devido à falta de um comandante mais ativo, com formação militar

adequada. Note-se que a Marinha Imperial era numericamente e belicamente superior à

paraguaia. Insere-se neste trecho a questão da política adotada pelo caudilho entrerriano

Urquiza, que era favorável ao Paraguai e posteriormente passou a aliar-se à Mitre, devido ao

seu “senso” de oportunismo, pois, enriquecia com o abastecimento das tropas aliadas durante

a guerra. Ainda em 1865, é assinado o Tratado da Tríplice Aliança, que consistia na aliança

dos três países platinos (Brasil, Argentina e Uruguai), contra Solano López. O tratado foi

assinado pelos principais comandantes dos países aliados: Osório, Tamandaré, Mitre, Urquiza

e Flores. Segundo o autor, o exército argentino era pequeno, possuindo pouco mais de 6.000

soldados, sendo boa parte desses soldados mercenários e ex-presidiários (bandidos). O

armamento argentino também era obsoleto, datando de fins do século XVIII, e assim como o

Brasil, a Argentina também teve problemas no tocante ao recrutamento de soldados, pois

havia feroz resistência dos “voluntários” ao alistamento. Começam a aparecer os problemas

de deserções em massa, começando pelas divisões entrerrianas. O general Urquiza fuzila

desertores para controlar a situação, mas, não consegue conter outras sublevações e ondas de

fuga, pois a razão para as fugas era o fato dos entrerrianos cultivarem simpatia pelos

paraguaios e aversão aos brasileiros e aos portenhos. Destaque para a figura do general

Paunero, que estabeleceu um sistema de execução de desertores através de sorteio,

denominado “quintada”, onde a cada cinco soldados apanhados nessa condição, um era

sorteado e sumariamente fuzilado (p.145). Passada a entrada dos Argentinos e dos Uruguaios

no conflito, Doratioto dedica-se a relatar a batalha naval do Riachuelo, confronto cujo saldo

de mortos foi de 2.000 paraguaios e 124 brasileiros. Nesta batalha, apenas quatro

embarcações paraguaias escaparam, e ainda assim bastante avariadas, contra apenas uma

embarcação brasileira perdida. Embora não tenha sido decisiva, a vitória brasileira permitiu

aos aliados o bloqueio do contato marítimo paraguaio com o exterior. Enquanto isso, Solano

López impunha o terror em seus subordinados, que por medo davam informes falsos ao

comandante, o que prejudicava o andamento das operações paraguaias. A política adotada por

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López era tão descabida, que oficiais eram valorizados pela ousadia irresponsável e pelo

desprezo à superioridade do inimigo. Além de aterrorizar o exército, o ditador também

adotava medidas repressivas absurdas contra o povo paraguaio, como por exemplo, proibir

aos parentes dos mortos lamentarem em público e também aos militares de divulgar os nomes

dos soldados falecidos. Para burlar a proibição, os soldados comunicavam as mortes por meio

de gestos e expressões faciais (p.152 -153). O povo era obrigado a alegrar-se, sendo as

famílias que se abstivessem, convocadas aos bailes públicos pela polícia. As mulheres

paraguaias eram comparadas pela imprensa às mulheres espartanas. No campo político, o

governo brasileiro desconfia das ambições argentinas, quanto à questão territorial no pós-

guerra. A Seção de Negócios estrangeiros do Império questiona cláusulas do Tratado da

Tríplice Aliança, que deixam “brechas” e acabam por evidenciar o desejo anexionista

argentino. Neste trecho da obra, merece destaque o caso do capelão paraguaio Pe. Duarte, que

estimula os soldados paraguaios a saquear os povoados conquistados. Voltando ao front,

Doratioto relata a tomada da cidade de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, onde a atuação da

defesa brasileira foi vergonhosa. Estabelece-se um verdadeiro “jogo de empurra” entre as

autoridades brasileiras, no tocante às responsabilidades pela derrota. O que houve, segundo o

autor foi a falta de coordenação entre as tropas defensoras, devido à disputas políticas internas

que influenciavam diretamente o comando militar nas províncias. Havia ainda uma forte

corrupção, que visava o “enriquecimento às custas do tesouro nacional” aplicado na guerra.

Doratioto ressalta que a inércia e a desorganização militar eram tão grandes, que o próprio

imperador teve que ir à província rio grandense, e faz breve alusão à batalha de Jataí, onde os

aliados foram vitoriosos. Neste trecho vale ressaltar a admiração do general Flores diante da

bravura dos soldados paraguaios, que estavam em inferioridade numérica, mas mesmo assim

venderam caro a derrota. Cito:

“Combateram como bárbaros [...] não há força humana que os faça renderem-se e

preferem a morte à rendição”.

Esta postura do exército paraguaio foi decorrente, segundo Doratioto, da atitude de

Solano López, que estimulava seus soldados a preferir morrer do cair prisioneiro do inimigo.

Segue-se a estes apontamentos, o relato do cerco à Uruguaiana, onde os paraguaios

encontravam-se em situação de penúria total, chegando a comer carne de ratos e insetos,

sendo vitimados por doenças, devido às más condições higiênicas. Nos bastidores das ações

militares, havia de acordo com Doratioto, uma disputa infrutífera entre Mitre e o conde de

Porto Alegre a respeito de quem deveria comandar as tropas. Destaque neste trecho, para a

citação a respeito da 1ª Companhia de Zuavos Baianos, tropa formada exclusivamente por

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negros. O autor também fala a respeito do tratamento “trocado” entre aliados e paraguaios

durante o conflito, as notas geralmente terminavam com: “Deus guarde a V.S.”. Outro detalhe

importante citado nesta parte é o restabelecimento das relações diplomáticas entre o Brasil e a

Inglaterra, através de um pedido público de desculpas, feito pelo Império Britânico ao Brasil.

O capítulo encerra com uma breve alusão ao comércio de pinga (cachaça) na guerra, onde os

brasileiros compravam aguardente a preços extorsivos. Também é relatada a prática do furto

entre a soldadesca, que vendia o produto destes furtos aos comerciantes locais. E finalmente,

o autor faz referência à atuação das mulheres brasileiras e argentinas na guerra, que acabaram

ficando “ocultas na penumbra da história”. Destaque para o exemplo de “Florisbela”, que foi

esquecida, devido à “preferência” da historiografia em enaltecer Ana Justina Ferreira Nery,

porque esta era viúva de um Capitão de Fragata e mãe de oficiais brasileiros. Além disso,

Doratioto aponta que morriam diariamente nos acampamentos entre 60 e 100 soldados

vítimas de sarampo, tifo e disenteria, o que reforça a idéia de que a doença matava mais do

que os combates.

No início do terceiro capítulo (A guerra de posições: 1866 – 1867), o autor insere a

Guerra do Paraguai no novo contexto bélico inaugurado pela guerra civil norte-americana,

que consistia em conflitos longos e inovações tecnológicas que ampliaram drasticamente o

índice de mortalidade durante os enfrentamentos (inclusive a introdução do submarino, ainda

que incipiente) e o envolvimento da sociedade civil como atuante e “alvo potencial”.

Seguindo esse raciocínio, a Guerra do Paraguai seria a segunda “guerra total” da época

contemporânea. Reafirma-se aqui (e em outros tantos trechos da obra) a impopularidade

crescente de Solano López e a severa repressão aplicada a quem ousasse reclamar do governo,

além da questão da falta de saneamento nos acampamentos aliados (destaque para o relato a

respeito do excesso de moscas varejeiras). Voltando à narrativa das ações militares, observa-

se que a iniciativa neste ponto da guerra pertencia aos aliados, que se preparavam para invadir

o Paraguai, desconhecendo, porém o terreno, pois, não possuíam mapas do interior devido ás

décadas de isolamento político impostas pelos governos anteriores à Solano López. Traça-se

também um panorama da estratégia defensiva paraguaia, que consistia em fortificações

fluviais, cujo epicentro era a fortaleza de Humaitá, que protegiam o acesso à capital

Assunção. Por terra, a cidade era rodeada por mata densa infestada de animais peçonhentos e

insetos, o que impedia o avanço dos aliados, que desconheciam o terreno, cortado por riachos

e pântanos extensos. Há registros do uso de táticas guerrilheiras por parte do exército

paraguaio, causando pesadas baixas aos aliados, que eram surpreendidos por este tipo de ação.

Doratioto ressalta (não só aqui, mas em diversos outros trechos) a hesitação excessiva da

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esquadra imperial em atacar o Paraguai, o que irritava muito as forças aliadas. O diplomata

Almeida Rosa (um dos articuladores da Tríplice Aliança) comentou inclusive, que atribuía o

problema á “decrepitude [senilidade precoce] de Tamandaré”. A questão da violência

excessiva também é bastante presente neste capítulo, citando-se a prática de decapitação

durante as incursões guerrilheiras do exército paraguaio, com destaque para o episódio do

sargento negro paraguaio que foi promovido por Solano López por decapitar nove soldados

aliados. No campo econômico, Doratioto toca na questão dos empréstimos feitos pelo império

junto aos britânicos, os quais cobraram juros “draconianos” sob o valor emprestado,

chegando-se no final das contas a 160% de ágio. O fator psicológico dos homens no front

também é abordado, destacando-se o trecho em que o oficial brasileiro Mariz e Barros, diante

da necessidade de amputar as duas pernas, pede ao médico que a cirurgia seja feita sem o uso

do clorofórmio (anestésico), pois alegava que “isso é para mulheres”, e devido à essa atitude

faleceu algumas horas após a operação. A partir deste ponto, o auto narra o desembarque das

tropas aliadas em solo paraguaio, o qual ocorreu sem resistência, pois López não distribuiu

corretamente as tropas ao longo do rio. A partir do assentamento da tropa aliada em Tuiuti

inicia-se a guerra de posições, que se estenderia pelos dois anos seguintes. Após um ataque

surpresa paraguaio, inicia-se a batalha de Tuiuti, onde as forças atacantes foram derrotadas,

apesar da imprudência dos generais aliados em não guarnecer pontos importantes. Solano

López executou o plano e combate de forma equivocada, não observando os obstáculos

naturais e negligenciando o equilíbrio de forças nas colunas de ataque. Segundo Doratioto,

esta foi a maior batalha vista pela América do Sul, onde havia no front 24.000 paraguaios

contra 32.000 aliados, e ao final do combate registrou-se o saldo de 6.000 mortos e cerca de

7.000 feridos no lado paraguaio, e cerca de 1.000 baixas nas forças aliadas. Aponta-se

precariedades em todos os setores do exército aliado, do sistema de saúde ao religioso, além

das constantes desavenças entre chefes militares e especialmente entre o comando brasileiro e

o argentino. O autor ressalta que a postura de Mitre era o tempo todo de fidelidade a Tríplice

Aliança, ao contrário do que tem sido proposto pela historiografia brasileira até hoje. No lado

paraguaio, a situação era ainda pior, com os erros estratégicos de Solano López, erros esses,

mascarados o tempo todo pela imprensa paraguaia, que apresentava todos os resultados

negativos como vitórias do exército guarani. A guerra chega a ficar paralisada, devido á falta

de meios logísticos, e define-se a necessidade do estabelecimento de posições, de forma

gradual, garantindo-se o controle da navegação no Rio Paraguai até a altura da fortaleza de

Humaitá. Neste momento as divergências entre Mitre e Tamandaré se acentuam, devido a já

citada inércia do almirante brasileiro. Mitre estava tão irritado com este estado de coisas, que

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chegou a declarar em uma carta que “nada espero da esquadra, nem conto com ela para nada”

(p.229). Durante este intervalo nas atividades bélicas, ambos os lados aproveitam para

“aumentar e consolidar obras de fortificação”. Vale frisa que neste momento do conflito as

posições eram muito próximas, a ponto dos soldados paraguaios trabalharem com grande

cuidado “para não alertar os soldados brasileiros, de quem se ouviam os risos e as tosses”.

Importante destacar que no lado paraguaio, todos os cavalos foram “tomados emprestados” da

população para emprego no esforço de guerra, gerando prejuízos agrícolas, além da prática de

libertação dos escravos para engrossar o efetivo na frente de batalha. Doratioto cita que “há

indícios de Solano López os enviava para as missões mais perigosas”, gerando

consequentemente um maior índice de mortalidade de soldados negros. Um outro dado

interessante é o uso de “minas fluviais” pelas tropas paraguaias, visando pôr a pique os navios

da esquadra brasileira. As minas eram feitas de pólvora e colocadas em três caixas que

ficavam uma dentro da outra, sendo a última de zinco, onde havia um detonador feito com

uma cápsula de vidro que continha ácido sulfúrico e uma mistura de potássio e açúcar branco

coberto com lã e algodão. Cita-se ainda o encontro entre Solano López e Bartolomé Mitre em

Itaiti – Corá, em que López tenta convencer o general aliado a retirar a Argentina do conflito,

sendo a resposta de Mitre negativa. Após mencionar estes detalhes, Doratioto volta a falar do

front, relatando a dramática batalha de Curupaiti, onde os aliados são derrotados devido ao

atraso no ataque, que permitiu a fortificação da trincheira paraguaia e o alagamento do terreno

por onde transitariam os aliados. O número de baixas no exército aliado é bastante expressivo,

chegando a cerca de 4.000 soldados. Paralelo à isso, as desavenças entre Mitre e os primos

Tamandaré e Porto Alegre atingem um ponto crítico, enquanto a opinião pública argentina

pressiona o general portenho a retirar o país do conflito. Mitre se recusa a fazer isso, pois

causaria transtornos políticos irremediáveis no futuro, com o Império saindo-se vitorioso ou

não. Devido à essa postura firme do presidente argentino em não retirar a Argentina da guerra,

eclodem sublevações na províncias argentinas, chamadas de “montuneras”. Ainda neste

período, Flores deixou o teatro de guerra, e registram-se casos de deserção no exército

paraguaio, destacando-se aqui a crueldade das punições aplicadas, como a relatada no caso de

Bernardo Pelaes, que morreu moído em uma prensa de tabaco. Em outubro de 1866, o

marquês de Caxias entra de fato na guerra, no cargo de comandante-em-chefe do exército

brasileiro no Paraguai. Essa medida visava “pôr fim às intrigas e discórdias entre os generais

brasileiros”. Uma das medidas iniciais de Caxias foi retirar Tamandaré e Polidoro da guerra.

Além disso, destacam-se a reorganização que este promoveu no exército, dando àquela

instituição uma identidade própria, a reforma sanitária com a manutenção da limpeza nos

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acampamentos e nos hospitais militares, melhorando as condições de higiene, incluindo

alimentação, vestuário e asseio, a reforma administrativa que engrossou as fileiras na frente de

batalha através da nomeação de uma comissão de saúde que detectava os “falsos doentes” e os

trazia de volta ao front, além é claro da instrução militar às tropas. Doratioto aponta que no

contexto internacional, a opinião pública era favorável ao Paraguai, que era visto como o lado

mais fraco (p.257), tendo inclusive a simpatia dos E.U.A, que enviam representantes

diplomáticos ao país guarani, representantes estes que logo se aproximaram de Solano López.

É abordada ainda nesta etapa, a dificuldade do governo imperial em conseguir recrutas, sendo

obrigado a caçar os homens dentro de casa. Para se livrarem do alistamento, homens jovens

casavam-se com mulheres que tinham o dobro da sua idade. Aqueles que eram mais abastados

podiam optar pelo pagamento de 600$000 a um substituto que assinava um contrato onde se

responsabilizava juridicamente por qualquer atitude contrária ás cláusulas estabelecidas.

Importante ressaltar que o alistamento era utilizado também para fins políticos, como

perseguir membros do partido opositor e apoiar “colegas” na nomeação para os altos cargos

municipais. O exemplo citado é o do barão de Itaúna. Doratioto traz questões culturais que

permeavam o ambiente da guerra, como as canções folclóricas que faziam alusão ao

sentimento de perda e insatisfação com o conflito, e as publicações paraguaias de cunho

racista, que continham adjetivos pejorativos e agrediam o governo brasileiro. Cito: “!Atras el

Império macacuno! !Atrás los negros y anegrados del monarca esclavizador! !Atras

dominación esclavócrata del infame macacon del Brasil!”. A presença maciça de negros no

exército brasileiro levou à funesta associação à “macacos” e ao temor de uma “macaquização”

do Paraguai através da imposição do escravismo. Aproveitando a menção da questão

escravocrata, vale frisar que “a participação de escravos e negros livres na guerra também

contribuiu para que a instituição da escravidão fosse questionada após 1870”. Caxias apontava

a presença de negros livres no exército como um dos fatores do baixo aproveitamento militar,

pois acreditava que os negros livres eram indisciplinados e serviam de mau exemplo para a

tropa, sendo “homens que não compreendem o que é pátria, sociedade e família [...]”. Em um

outro trecho, a discriminação por parte da própria sociedade brasileira fica ainda mais

explícita: “honra que se entrega aos cuidados de galés e pretos minas não é honra, é mentira!”.

Doratioto também aponta que a epidemia de cólera matou até fins de maio de 1867, 4.000

soldados brasileiros, dos quais, cerca de 130 oficiais. Desse modo, o exército imperial sofreu

perdas equivalentes “a uma batalha decisiva sem sair do lugar” (p.284). Além disso, mostra

que a doença não ficou restrita apenas ao front, mas atingiu também cidades muito distantes

do teatro de guerra, como Buenos Aires que ficava a centenas de quilômetros. Cita ainda, a

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proximidade entre brasileiros e paraguaios, nas trincheiras da chamada “linha negra”.

Segundo o autor, as tropas estavam próximas, que “[...] soldados dos dois lados conversavam

aos gritos”, como pode ser visto no relato comovente de Dionísio Cerqueira a respeito de um

diálogo entre ele e um velho soldado paraguaio (p.286). No tocante ao andamento da guerra,

segundo o autor, a situação se manteve estática, devido à falta de recursos paraguaios para

atacar, embora López tivesse recursos para sustentar posições defensivas. Os aliados também

estavam inertes por diversos motivos, entre eles, a falta de um quadro suficiente de oficiais e a

falta de conhecimento geográfico da posição. Aborda também ao cotidiano dos

acampamentos, sendo alguns deles verdadeiras “cidades” como é o caso de Itapiru, que

possuía “bazares”, onde os comerciantes eram em sua maioria, imigrantes europeus. Destaque

para o caso do Frei Salvador, que lutava pela salvação das perdidas (prostitutas) que viviam a

perambular pelo local. Outro detalhe importante foi o pioneirismo de Caxias, na utilização de

balões de observação (primeira vez na América do Sul). Ao final do capítulo, Doratioto

comenta sobre o cerco a Humaitá, com o corte dos cabos telegráficos nos arredores da

fortaleza (isolamento por terra) e à discussão sobre quem seria o idealizador de tal façanha.

Embora Caxias tenha reivindicado a autoria da idéia, atribuiu-se a idealização à Mitre na

maioria das versões. Nesse momento, as divergências entre Caxias e Mitre estavam bastante

agudas, devido á insistência do general argentino para que a esquadra brasileira ultrapassasse

Humaitá. Nos bastidores políticos, havia a desconfiança de que o governo portenho estava

interessado no prolongamento da guerra para manter a continuidade dos lucros de

comerciantes argentinos, e também para desgastar a esquadra imperial, possibilitando a

Argentina impor-se como nação hegemônica na região platina após a guerra.

O quarto capítulo (1868: O ano decisivo) trata das atividades militares que definiram o

curso da guerra, especialmente a “passagem” da Fortaleza de Humaitá, efetuada pela esquadra

brasileira e a posterior tomada desta posição pelo exército aliado. O autor relata a complicada

situação de Solano López devido ao avanço das tropas aliadas e a formação do cerco à

Humaitá e descreve o ataque paraguaio ao acampamento aliado em Tuiuti. Destacam-se nesta

narrativa, o comportamento enlouquecido dos soldados paraguaios, que além de infligir danos

e baixas consideráveis, se embriagavam deliberadamente. Apesar do desfecho, com 2734

mortos do lado paraguaio, o exército guarani obteve resultados expressivos, como a

destruição praticamente total do acampamento inimigo e de sua munição, e a captura de

armamentos, incluindo canhões novos. O Exército paraguaio não diz a verdade à Solano

López, temendo castigos, como no exemplo citado do tenente Bargas , que ao falar a verdade

foi fuzilado. A propaganda do governo paraguaio mentia escandalosamente, anunciando as

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derrotas fragorosas de López como vitórias decisivas (Jornal “El Centinela”). Enquanto isso,

no Brasil, os opositores ao gabinete liberal aproveitam-se dos incidentes ocorridos no

andamento da guerra para desprestigiá-lo. No front, Caxias exausto “pede paz” ao Império.

Observa-se a escassez total de recursos e a impopularidade da guerra entre a opinião pública

brasileira (argentina também), em suma, o povo quer o término do conflito, Cito: “A guerra

não era contra a nação paraguaia, mas sim, contra Solano López” (p.339). Porém, o imperador

Pedro II, manteve-se inflexível quanto a continuidade da guerra, chegando a ser visto como

um “senhor da guerra”. Doratioto relata também os problemas psicológicos de Solano López,

que em seu desespero com o desenrolar da guerra, passa a viver “um carnaval de paranóia”

(p.340-341), prendendo e executando o próprio irmão, sob a acusação de uma suposta

conspiração (que nunca existiu), além de instaurar “tribunais fictícios” para “julgar” e matar

supostos conspiradores. As confissões eram obtidas com cruéis sessões de tortura, sendo que

muitas vezes as vítimas não suportavam e acabavam falecendo. O “revisionismo lopizta”

mascarou muito essa realidade, concluindo-se que “na adulteração da história, o lopizmo foi

mais eficiente do que o stalinismo” (p.345). Para ilustrar melhor essa situação, o autor aponta

que em 1868, ¾ dos prisioneiros que morreram nas cadeias do Paraguai eram acusados de

traição, citando-se o tratamento infligido aos referidos prisioneiros:

“Os condenados eram lanceados com uma arma com ponta

de aço. O verdugo mirava e golpeava a lança no coração da vítima,

atravessando o tórax; no esforço para retirá-la, pedaços do corpo

vinham na ponta da arma. Às vezes o verdugo errava o golpe,

decepava um pedaço do rosto, fendia o crânio ou, se atingia o ventre,

colocava os intestinos para fora” (p.347)

Há ainda o relato de que quando os aliados avançavam, passavam por locais que

continham valas com cadáveres insepultos e placas indicando “traidores da pátria”. A partir

deste trecho, Doratioto dedica-se a relatar a seqüência decisiva de vitórias dos aliados que

ocorrem em dezembro de 1868, sendo por isso chamada de “Dezembrada”, iniciando pela

batalha de Itororó, caracterizando-a como um ataque precipitado, onde houve o desperdício de

muitas vidas no Exército brasileiro, incluindo dois generais (Argolo e Gurjão). No dia

seguinte, Caxias marchou até a capela de Iparé, sob “sol causticante”, que ofez perder mais

dezenove soldados, por insolação. Na seqüência, relata a batalha do Avaí, onde as tropas

brasileira se vingam dos paraguaios após a vitória, estuprando mulheres e assassinando

soldados adolescentes. Relata também a batalha de Ita - Ivaté, apontando o saldo de 8000

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paraguaios mortos. O autor cita que Caxias irrita-se com a covardia das tropas brasileiras na

frente de batalha e que este [Caxias], aponta três hipóteses para esta atitude dos soldados,

sendo: a existência de negros no exército, a longa duração da guerra que aumentava o

descontentamento e o desânimo das tropas, e a falta de energia e incentivo moral dos oficiais

comandantes. Caxias irritava-se também com a postura do Império no tocante ás infrações por

indisciplina dos soldados. O Imperador comutava as penas por deserção (pena de morte) na

grande maioria dos casos, o que esvaziava o poder dos comandantes (p.370) Para burlar as

comutações, os oficiais faziam uso das punições por “pranchadas”, golpes aplicados com

“espadas de prancha”, sem ponta nem gume, para os quais não havia um regulamento que

definisse o limite máximo permitido. Além de dolorosa, a punição era humilhante e muitas

vezes, levava o soldado punido à morte, destacando-se o episódio narrado por Dionísio

Cerqueira (p.370 – 372), em que um soldado desmaiou (a ponto de ser declarado morto pelo

médico que, acredita-se, quis ajudá-lo) após receber 1.500 pranchadas. Após a queda de Ita –

Ivaté e Angostura , observa-se a aniquilação total do Exército paraguaio e a fuga de Solano

López (30/12/1868). Aponta-se que metade do efetivo brasileiro (10.079 soldados) foi posta

fora de combate nesta seqüência de batalhas e também é registrada a atuação de crianças com

barbas postiças nas tropas paraguaias, sendo a grande maioria vitimada em combate (p.374).

Ao final do capítulo, Doratioto traz a discussão a respeito do grave erro cometido por Caxias

em permitir a fuga de Solano López, desguarnecendo o único local pelo qual López poderia

escapar. Especula-se que após uma negociação entre López e Caxias, através do intermédio

do embaixador norte-americano Mac Mahon, Caxias teria deixado López escapar, com a

garantia do diplomata de que este [López] sairia do Paraguai. Caxias negou totalmente essas

acusações.

No quinto e último capítulo (A caça a Solano López), aborda-se desde a retirada de

Caxias do conflito até a captura e morte de Solano López em Cerro Corá. Inicialmente,

Doratioto narra a o episódio do desmaio de Caxias e o sua declaração de que a guerra havia

terminado em uma ordem do dia. Referindo-se à exaustão de Caxias, Paranhos escreve que o

general estava prostrado “moral e materialmente”. A saída deste general do teatro de

operações levou a tropa ao total desânimo, e, além disso, a sua declaração que afirmava o fim

da guerra, acabou por estimular que outros oficiais pedissem licença ou exoneração para

retornar ao Brasil. Isso criou um caos, pois ao perceber que os seus oficiais estavam se

retirando da guerra, os soldados também começaram a debandar. Devido às circunstâncias em

que se retirou da guerra, Caxias caiu no descrédito junto à opinião pública nacional, e mais,

decepcionou ao próprio Imperador. Ainda assim, Caxias recebeu de Pedro II “honrarias que

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nenhum outro brasileiro recebera desde a fundação do Império do Brasil: o título de Duque e

o ‘Grão Colar da Ordem de D.Pedro I’”. A oposição liberal aproveita-se do desprestígio de

Caxias naquele momento para atacar o partido conservador, partido pelo qual Caxias era

Senador. Na continuação, narra a atuação violenta da tropa brasileira em Assunção,

saqueando as casas e lojas, gerando uma péssima imagem junto à opinião pública (p.385). O

autor cita também a prática nefasta do “roubo de crianças”, para posterior cobrança de resgate

(seqüestro), feita por soldados brasileiros e argentinos, sendo que em alguns casos, os

soldados tomavam as crianças com cativas ou as exibiam como troféu de guerra (p.386).

Aborda também o envio do diplomata Paranhos à Assunção para definir os acordos de paz,

pos acreditava-se que seria instaurado um governo provisório na capital paraguaia. Lá

chegando, Paranhos se depara com o quadro caótico em que de encontravam as forças aliadas,

onde a saúde e alimentação eram precárias, “a falta de ambulâncias fazia com que os soldados

ficassem nos campos de batalha até oito dias sem curativos” (p.395). Faltava armamento e a

evasão de soldados (já mencionada) era grande. Vale destacar a postura deste diplomata, que

“com sua presença e sua ação decidida, fez sentir a autoridade do governo imperial às tropas

brasileiras, ao mobilizá-las para retomarem as operações militares”, em contraposição à

atitude do general (substituto provisório de Caxias), Xavier de Souza, que “se mantivera

inativo até então”. Enquanto isso, Solano López organizava suas defesas no interior e enviava

espiões até Assunção, onde roubavam cavalos e assassinavam pessoas que incomodavam o

ditador, como ocorreu com o irmão do ministro da Fazenda de López, “conhecedor de seus

segredos”, que foi degolado em sua chácara, próxima da cidade (p.396). Doratioto também

fala a respeito da escolha do genro de D. Pedro II, conde d’Eu para substituir Caxias como

comandante – em - chefe do Exército brasileiro contra a sua vontade. Anteriormente, d’Eu

havia se oferecido por duas vezes para ir à guerra, no que foi recusado. Porém, após perceber

que aquele conflito “não lhe renderia glórias fáceis” e sim sacrifícios, mudou de idéia e

passou a recusar-se a ir a guerra (p.399). Logo perceberam a inexperiência do conde, quando

este assumiu o comando em 16/04/1869. Segundo um dos generais, o príncipe consorte era

um “pobre rapaz [que] tem tanto de soldado quanto eu de frade” (p.401). Voltando a López, o

autor relata que este se refugiou na Cordilheira de Altos, instalando-se na cidadezinha de

Peribebuí, transformando-a na nova capital paraguaia. Neste período, Solano López

reorganiza seu exército agrupando em torno de 12 a 14.000 pessoas, entre velhos e crianças

dos vilarejos próximos e cria também uma fundição rudimentar em Ibicuí, para a fabricação

de armamentos. Posteriormente o Exército brasileiro destrói esta fundição e controla a única

estrada de ferro que ligava a capital ao interior, além de seguir até as cordilheiras, tomando e

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saqueando as regiões pelas quais passavam, registrando-se abuso sexual das mulheres

execuções por degolamento. Para defender-se, Solano López usava uma estratégia que

consistia em evacuar territórios ameaçados pelos aliados, para que estes não tivessem a

possibilidade de obter alimentos ou outros recursos. Isto causava de fato dificuldades aos

aliados, mas a principal vítima era a população paraguaia, que devido à falta de homens por

causa da guerra, era formada basicamente por mulheres e crianças, sendo que as mulheres

substituíram os homens em todos os afazeres e ainda faziam roupas para os soldados. O autor

fala neste ponto a respeito do que Solano López fazia com as famílias envolvidas no conflito,

classificando-as em dois grupos: destinadas (que eram enviadas a locais distantes) e residentas

(que acompanhavam o exército em sua marcha para o interior do país). Na seqüência,

Doratioto passa a narrar todas as etapas do ataque a Peribebuí, desde a marcha pela

cordilheira, onde os brasileiros libertam mulheres e crianças em estado de total penúria, além

de prisioneiros da invasão do Mato Grosso, até o ataque à posição paraguaia, onde cita que

havia 18 aliados para cada paraguaio e ainda assim o combate durou 2 horas, devido à bravura

dos soldados guaranis. Com carência de armamentos, os paraguaios atiravam “projéteis de

todo gênero” sobre os atacantes, desde ossos e pedras a pedaços de vidro. Neste combate veio

a falecer o general Menna Barreto, fato que deixou o conde d’Eu irado, a ponto deste ordenar

o degolamento dos oficiais paraguaios capturados. Importantíssimo destacar a indignação dos

brasileiros com o uso de crianças na guerra, expressa nos relatos do visconde de Taunay, e de

Dionísio Cerqueira. Após a batalha de Peribebuí, o autor passa a narrar a batalha de Campo

Grande (ou Acosta-Ñu), onde Deodoro da Fonseca (mais tarde, primeiro Presidente da

República) era um dos comandantes da infantaria, e cita que esta foi a última grande batalha

da Guerra do Paraguai, com uma fragorosa derrota de Solano López, que foge para

Caraguataí. Neste ponto, Doratioto passa a falar do contexto político-diplomático, no tocante

às negociações entre Brasil e Argentina a respeito da instauração do governo provisório

paraguaio. O Brasil temia que a Argentina anexasse o Paraguai e se transformasse em uma

“super república” englobando todo o território do antigo Vice-reino do Rio da Prata, enquanto

que a Argentina temia que o Brasil transformasse o Paraguai em um protetorado. Após

começarem as articulações, tendo como peça chave o diplomata brasileiro, Paranhos, surgem

dois partidos disputando o governo provisório no Paraguai: os bareiristas (consevadores,

liderados por Cándido Bareiro) e os Decouistas (liberais, liderados por Juan Francisco

Decoud). Após um longo processo de negociação, ficou decidido que um triunvirato

governaria o Paraguai até que fosse estabelecido um governo definitivo. Este triunvirato era a

princípio manipulado pelo império através da ação diplomática eficiente de Paranhos, que não

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permitia à Argentina impor os seus interesses. Importante notar a questão territorial pela

anexação da região do Chaco pela Argentina. Retornando à narrativa da caçada a Solano

López, Doratioto relata a marcha do Exército aliado rumo a Caraguataí, e o episódio do

ataque paraguaio ao destacamento que carregava as bagagens do conde d’Eu, onde as vítimas

foram exterminadas com requintes de crueldade, segundo Dionísio Cerqueira. Cito: “[...]

jaziam com as mais horrendas mutilações, enforcados na orla da mata, em galhos de árvores

sobre fogueiras que lhes tinham carbonizado os pés” (p.438). Conforme o exército segue para

o interior, o abastecimento torna-se mais difícil e a escassez de víveres torna-se

desesperadora, causando fome geral, aponto dos soldados serem obrigados a se alimentar com

uma colher de extrato de carne dissolvido na água. Registrou-se a ocorrência de roubo de

comida, e os argentinos começaram a matar os cavalos brasileiros. As punições eram severas,

chegando até ao fuzilamento dos infratores. Um pouco depois a situação foi normalizada.

Importante citar o caso do tenente Tito, que considerava muito o seu cavalo e, inconsolado

por sua morte, suicidou-se com um tiro na cabeça. Enquanto isso, Solano López ficava cada

vez mais insano, perseguindo e matando todos a sua volta sob suspeita de traição, torturando

inclusive as irmãs e a própria mãe, além de ordenar que o irmão Venâncio López, fosse

açoitado diariamente, e que fosse arrastado nu, durante toda a marcha por um acorda arrastada

na cintura. A situação do Exército paraguaio era tão precária, que López “contava com seu

filho com apenas 15 anos de idade, coronel Juan Francisco – Panchito – como chefe do

Estado Maior”. Finalmente, Doratioto narra a entrada da cavalaria e da infantaria aliada em

Cerro Corá, último reduto de Solano López, onde este tenta fugir a cavalo,m as é atingido por

uma lança, atirada pelo cabo Francisco Lacerda, conhecido com “Chico Diabo”. A princípio,

acreditava-se que teria sido a lança a causadora da morte de Solano López, mas

posteriormente surgiu um a versão de que López teria sido morto a tiro. O seu filho, Juan

Francisco (Panchito) também é morto, após recusar a render-se, apesar do apelo desesperado

de sua mãe, Elisa Lynch: “Panchito, entrega-te!”. Após narrar o desfecho de López, Doratioto

cita uma comparação feita pela o intelectual paraguaio Guido Rodríguez Alcalá, entre Solano

López e Hitler, onde alega que ambos mobilizaram toda a população de suas nações para o

conflito, desencadeando uma guerra total e afirma ainda que López seria “um precursor do

totalitarismo moderno” (p.454). Ao final do capítulo, o autor faz um balanço geral da guerra,

citando que segundo os últimos estudos feitos a respeito das estatísticas da Guerra do

Paraguai (Whigham e Potthast), o Paraguai perdeu no conflito 70% da sua população. O

Brasil perdeu cerca de 30.000 homens, a Argentina 18.000 e o Uruguai 3.120 soldados. Outra

colocação importante é a de Guerra do Paraguai foi o ápice da “obra de unificação” do Brasil,

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pois houve o envolvimento de todas as províncias no esforço de guerra, e consequentemente

uma afirmação da identidade nacional. No tocante à economia, Doratioto aponta que o

Império gastou com a guerra, cerca de 614.000 Réis. Cita ainda, que cinqüenta por cento do

orçamento nacional era gasto com o Ministério da Guerra, durante o conflito. No campo

diplomático, como já foi dito, a ação de Paranhos foi fundamental para a manutenção dos

interesses imperiais no Paraguai, enquanto ainda estavam em andamento as negociações sobre

o estabelecimento de um governo permanente, considerando que nesse período, Paranhos

transformou o Paraguai em um “quase-protetorado” brasileiro, visando impedir a sua

anexação por parte da Argentina. Quando as tropas brasileiras se retiram do Paraguai, após

formar-se o governo definitivo, a economia paraguaia entrou em profunda crise, pois eram os

gastos do Exército brasileiro que faziam o dinheiro girar no país. Posteriormente o Império

também entra em crise e diminui inclusive a presença diplomática no Paraguai.

Nas conclusões, Doratioto aponta que o Império tinha como principais objetivos na

região platina a livre navegação para a comunicação marítimo-fluvial da província do Mato

Grosso com o resto do Império, e a contenção da expansão territorial argentina, ambos

alcançados após a guerra. Depois, o autor faz um breve resumo de todas as questões

discutidas ao longo dos capítulos, em uma espécie de recapitulação.