históra da filosofia do romantismo até nossos dias

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Coleção FILOSOFIA • O homem. Quem é ele?- elementos de antropologia filosófica, B. Mondin • Introdução à filosofia - problemas, sistemas, autores, obras, idem • Curso de filosofia, (3 vols.), idem • História da filosofia, (4 vols), G. Reale e D. Antiseri • Filosofia da religião, U. Zilles • Os sofistas, W. K. C. Guthrie' • Quem é Deus? - elementos de teologia filosófica, B. Mondin • Os filósofos através dos textos - de Platão a Sartre, VV.AA. • Tomismo no Brasil, F. A. Ca mpos • A filosofia na antigüidade cristã, C. Stead • A educação do homem segundo Platão, E. F. B. Teixeira • Léxico de metafísica, A. Molinaro • Filosofia para todos, G. Morra • Realidade e existência: Lições de Metafísica - Introdução e Ontologia, Immanuel Kant • Metafísica: Curso sistemático, Aniceto Molinaro • Introdução à filosofia de Aristóteles, M.-D. Philippe • Filosofia, encantam ento e caminho, Vanildo de Paiva • Corpo, alma e saúde: O conceito de homem de Homero a Platão, Giovanni Reale • Cristo na filosofia contemporânea: de Kant a Nietzsche, S. Zucal (org.) O argumento ontológico: A existência de Deus de Anselmo a Schelling, Francesco Tomatis • Deus nas tradições filosóficas (2 vols.), J.A. Estrada • O fenômeno religioso: A fenomenologia em Paul Tillich, TommyAkira Goto • Filosofia Social, A. Berten • Filosofia Política, A. Berten

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Coleção FILOSOFIA

• O homem. Quem é ele?- elementos d e antropologia f i losóf ica, B. Mondin• Introdução à filosofia - problema s, sistema s, autores, obras, idem• Curso de filosofia, (3 vols.), idem

• História da filosofia, (4 vols), G. Reale e D. Antiseri

• Filosofia da religião, U. Zilles• Os sofistas, W. K. C. Guthrie '

• Quem é Deus? - elementos de teologia f i losóf ica, B. Mondin• Os filósofos através dos textos - de Platão a Sartre, VV.AA.• Tomismo no Brasil, F. A. Ca mpos

• A filosofia na antigüidade cristã, C. Stead

• A educação do homem segundo Platão, E. F. B. Teixeira• Léxico de metafísica, A. Molinaro

• Filosofia para todos, G. Morra• Realidade e existência: Liçõe s de Metafísica - Introdução e Ontologia, Immanuel Kant• Metafísica: Curso sistemático, Aniceto Molinaro• Introdução à filosofia de Aristóteles, M.-D. Phil ippe• Filosofia, encantam ento e caminh o, Vanildo de Paiva

• Corpo, alma e saúde: O conceito de homem de Homero a Platão, Giovanni Reale• Cristo na filosofia contemp orânea: de Kant a Nietzsche, S. Zucal (org.)• O argumento ontológico: A existência de Deus de Anselmo a Schell ing, Francesco Tomatis

• Deus nas tradições filosóficas (2 vols.), J.A. Estrada• O fenômeno religioso: A fenomenologia em Paul Til l ich, TommyAkira Goto• Filosofia Social, A. Berten• Filosofia Política, A. Berten

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G I O V A N N I R E A L E / D A R I O A N T I S E R I

H I S T O R I AD A F I L O S O F I A

Do Romantismo até nossos dias

V O L U M E 3

PAULUS

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Reale, Giovanni.História da filosofia : Do Romantismo até nossos dias / Giovanni Reale, Dario Antiseri ;

— São Paulo : Paulus, 1991. — (Coleção filosofia)Conteúdo: v. 1. Antigüidade e Idade Média — v. 2. Do Humanismo a Kant.

— v. 3. Do Rom antismo até nossos dias.

ISBN 85-349-0142 (vol. 3)1. Filosofia 2. Fü osofia - História I. Antiseri, Dario. II. Título. III. série.

CDD-10990-0515 -100

índices para catálogo sistemático:1. Filosofia 100

2. Filosofia: História 109

Título original

II pensiero occidentale dalle origini ad oggi

© Editrice La Scuola, Bréscia, 8' ed., 1986

Ilustrações

Arborío Mella, Ballarin Bild, Costa, Farabola, Garzanti, Lores Riva,

Lotte Mettner, Graf e Tomsich

Revisão

L. Costa e H. Dalbosco

Impressão e acabamento

PAULUS

7a

edição, 2005

© P A U L U S - 1 9 9 1Rua Francisco Cruz, 229 • 04117-091 São Paulo (Brasil)

Fax (11) 5579-3627 • Tel. (11) 5084-3066www.paulus.com.br • editoria [email protected] 

ISBN 88-350-7271-9 (ed. original)ISBN 85-05-01076-0 (obra completa)

ISBN 85-349-0142-2 (vol. III)

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P R E F A C I O

"Nenhu m sistema filosófico é definitivo,porque a própria vida não é definitiva. Umsistema filosófico resolve um grupo de pro-

blemas historicamente dado e prepara ascondições para a proposição de outros pro-blemas, isto é, de novos sistemas. Semprefoi e sempre será assim".

Benedetto Croce

Como se justifica um tratado tão vasto da história do pensa-mento filosófico e científico? O bservando o tamanho dos três volu-mes, talvez se pergunte o professor: como é possível nas poucas horassemanais à disposição, enfrentar e desenvolver programa tão rico econseguir levar o estudante a dominá-lo?

Naturalmente, se medirmos este l ivro pelo número de páginas,pode-se dizer que é l ivro longo. Mas seria o caso de recordar a bela

sentença do abade Terrasson, citada por Kant no prefácio à Críticada Razão Pura: "Se rhedirmos o tamanho do livro não pelo núme rode páginas, e sim pelo tem po necessário para entendê-lo, de muitoslivros poder-se-ia dizer que seriam muito mais breves se nã o fossemtão breves."

E em muitos casos, verdadeiramente, os manu ais de filosofiademandariam muito menos esforços se tivessem algumas páginasmais sobre uma série de assuntos. Com efeito, na exposição daproblemática filosófica, a brevidade não simplifica as coisas, e simas complica e, po r vezes, as torna pouco compreensíveis, quando nãoaté incompreensíveis. Em todo caso, em manual de filosofia, abrevidade leva fatalmente ao nocionismo, ao relacionamento deopiniões, ao mero panoram a do "que" disseram sucessivam ente osvários filósofos—instrutiva, se assim se quiser, mas pouco formativa.

Pois bem , esta história do pensam ento filosófico e científicopretende chegar pelo menos a três níveis além do simples "o que"disseram os filósofos, ou seja, além do nível que os antigos chama-vam de "doxográfico" (nível da comparação de opiniões), procuran-do explicar o "por que" os filósofos disseram o que disseram,buscando ademais dar sentido adequado de "como" o disseram e,por fim, indicando alguns dos "efeitos" provocados pelas teoriasfilosóficas e científicas.

O "por que" das afirmações dos filósofos nunca é algo simples,visto que motivos sociais, econômicos e culturais freqüentemente se

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292 Época do Ressurgimen to na Itália

da Itália. No Primado (que dedicara a Sílvio Pell ico), Giobertiescrevera que o povo, diferentemente do que pensava Maz zini , nãoes taria e m condições de se organizar e alcançar a unidade por si só.Agora, ao contrário, na Renovação, G iob ert i recorre ao povo, vendoa soberania no povo instruído. Fala também da melhoria dascondições econôm icas do povo, mas se mostra f irmem ente co ntrár ioà teoria comunista, que exige a abolição da propriedade privada.Por fim , persuad ido de que o papado não se colocaria à frente da

unificação nacional, Gioberti expressa a convicção de que essaunificação é tarefa do Reino da Sardenha.A Renovação foi vista como profecia da década cavouriana , no

sentido de que Cavour teria seguido os caminhos indicados porGioberti. Escreve Massari (que organizou as Recordações biográ-ficas e carteio de Gio berti), dedicando a edição a Cav our: "No rá pidodesenvolvimento da fel iz sorte da Itál ia em 1859 e em 1860,quantas vezes exclamamos: como Gioberti tinha razão! E conti-nuaremos prorrompendo na mesma exclamação enquanto os des-t inos de nossa pátr ia não se cu mp rirem!"

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Sexta parte

O P O S I T I V I S M O

"Ciência, logo previsão; previsão, logoação: essa é a simples fórmula que ex-pressa de modo exato a relação geralentre a ciência e a arte, tomando esses

dois termos em sua acepção total."Auguste Comte

"A ciência e só a ciência pode dar àhuman idade aquilo sem o que ela nãopode viver: símbolo e lei."

Ernest Renan

"A evolução só pode terminar com oestabelecimento da mais elevada per-feição e da mais completa felicidade."

Herbert Spencer

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A. Comte (1798-1857) foi o propugnado r messiânico da sociedadebaseada na metafísica da ciência.

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C a p í t u l o V I I I

O P O S I T I V I S M O

1 . L i n e a m e n t o s g e r a i s

O posi t iv ismo representa amplo movimento de pensamentoque dom inou grande parte da cul tu ra européia, em suas manifes-tações filosóficas, políticas, pedagógicas, historiog ráficas e l i te rá -r ias (a propósi to de l i teratura, basta pensar no verismo e nonatura l ismo), de cerca de 1840 a até quase às vésperas da Prim eiraGuerra Mundial. Passado o furacão de 1848, excetuando-se oconfl i to da Crim éia em 1858 e a guerra franco-prussiana de 1870,a era do pos itivism o fo i época de paz substa ncial na E urop a e, aomesm o tem po, a época da expansão colonia l européia na Áfr ica ena Ásia .

De ntro desse quadro pol ítico, a Europa consumou sua tra ns-formação ind ust r ia l e os efeitos dessa revolução sobre a vid a s ocialfor am maciços: o emprego das descobertas científicas tra nsf orm outodo o modo de produção; as grandes cidades se multipl icaram;cresceu de form a impressionante a rede de intercâmbios; rompeu-

se o antigo equi l íbr io entre a cidade e o campo; aumentaram aprodução e a riqueza; a medicina debelou as doenças infecciosas,antigo e angustiante f lagelo da huma nidade.

Em poucas palavras, a revolução industr ia l mudou radical-mente o modo de vida na Europa. E osentusiasmos se cr is ta l izaramem torn o da idéia de progresso hum ano e social i r refreáve l , já que,de agora em dia nte, possuíam-se os instrum entos para a solução detodos os problemas. Para o pensamento da época, esses instrumentoseram sobretudo a ciência e suas aplicações na indú str ia, bem comoo l ivre intercâmbio e a educação.

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296 O positivismo

Ademais, no que se refere à ciência, deve-se dizer que, noperíodo que vai de 1830 a 1890, freqüentemente se entrelaçandocom o desenvolvimento da indús tr ia (nu m entrelaçamento que nãofoi unilateral), a ciência registrou muitos passos adiante em seusmais impo rtantes setores: na mate mática, entre outros, temos ascontr ibuições de Cauchy, Weierstrass, Dedekind e Cantor: nageometria, as de Riemann, Bolyai, Lobacewskij e Klein; a físicaapresenta os resultados das pesquisas de Faraday sobre a eletri-cidade e de Ma xw el l e Herz sobre o eletromagnetismo; ainda nafísica, temos os trabalhos fundamentais de Mayer, Helmholtz,Joule, Clausius e Thom pson sobre a term odinâm ica; o saber quí-mico é desenvolvido por Be lzelius, Mend elejev e Vo n Liebig, e ntreoutros; Koch, Pasteur e seus discípulos desenvolvem a micro biologia,obtendo estrondosos êxitos; Be rna rd con strói a fisiologia e a medi-cina experim ental. A lém disso, é a época da teor ia evolucion ista deDarwin. E os projetos tecnológicos encontram o seu símbolo naTorre E i ffe l de Paris e na ab ertura do canal de Suez.

Substancial estabi l idade pol ít ica, o processo de industrial iza-ção e o desenv olvimento da ciência e da tecnologia constituem os pila-res do meio sociocultural que o posi t iv ismo interpreta, exaltae favo-rece. E bem verdade que os grandes males da sociedade in du st ria lnão tardarão a se fazer sent ir (desequilíbrios sociais, luta s pela con-

quis ta de mercados, condição de m iséria do prole tariad o, exp lora-ção do trabalho do menor etc.). Esses males e ram diagnosticados pelomarxismo em direção difere nte da interpretação do positivismo, que,embora não ignorand o de modo algu m ta is ma les, pensava que eleslogo desapareceriam, como fenômenos tran sitó rios eliminá veis pelocrescimento do saber, da educação pop ular e da riqueza.

Os representantes mais significativos do positivismo sãoAuguste Comte (1798-1857), na França; John Stuart Mi l l (1806-1873) e Herbert Spencer (1820-1903), na Inglaterra; JakobMo leschott (1822-1893) e Er ns t Heckel (1834-1919), na Alem anha;Roberto Ardigò (1828-1920), na Itá l ia. O posi t iv ismo, portanto,situa-se em tradições cul tura is d i ferentes: na França, inseriu-se noracional ismo, que va i de Descartes ao i lumin ism o; na Ing la terra , sedesenvolveu inserindo-se na tradição e mp ir ista e u t i l i ta r i s ta e, emseguida, entrelaçando-se com a teoria da rw inia na da evolução; naAlem anha, assume a forma de cienti f ic ismo e de monismo mate-rialista; na Itál ia , com Ard igò, aprofunda suas raízes no natura l ismorenascentista, embora dê seus maiores frutos, dada a situaçãosocial da nação recém -unificada, no campo da pedagogia e tambémna antropologia cr iminal .

Apes ar de tais diversificações, o pos itivism o aprese nta traçoscomuns que nos perm item a sua identif icação como movimento depensamento:

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Comte: Lineamentosgerais 297

1) Diversamente do ideal ismo, o posi t iv ismo reivindica o pri-mado da ciência: nós conhecemos somente aquilo que as ciênciasnos dão a conhecer, p ois o único método de conhecimento é o dasciências naturais.

2) O método das ciências naturais (identificação das leiscausais e seu dom ínio sobre os fatos) não vale somente pa ra o es-tudo da natureza, mas também para o estudo da sociedade.

3) Por isso, entendida como ciência dos "fatos naturais" que

são as relações hu ma nas e sociais, a sociologia é fruto qual i f icadodo programa fi losófico positivista.4) O posi t iv ismo não apenas afi rma a unidade do método

científico e o pr imado desse método como instrum ento cognoscit ivo,mas tam bém exa lta a ciência como o único m eio em condições deresolver, ao longo do tempo, todos os problemas huma nos e sociaisque até então haviam atorme ntado a hum anidade.

5) Conseqüentemente, a era do pos itivismo é época perpassa-da por otim ism o geral, que brot a da certeza de progresso incontível(por vezes concebido como fruto da engenhosidade e do trabalhohumano e por vezes, ao con trário, vis to como necessário e autom á-tico) rum o a condições de bem-esta r gener alizado em uma sociedadepacífica e prenhe de solidariedade humana.

6) O fato de a ciência ser proposta pelos positivista s como oúnico funda me nto sólido da vid a dos indivíd uos e da vid a associa-da, de ela ser considerada como a garantia absoluta do destinoprogressista da humanidade e de o posi t iv ismo se pronunciar pela"divindade" do fato induziu alguns estudiosos a interpretarem oposi t iv ismo como parte integrante da mental idade romântica.Somente que, no caso do positivism o, se ria exatam ente a ciência aser inf in i t izad a. As sim, por exemplo, o posi t iv ismo de Comte, dizKolakowski , "contém uma construção de f i losofia da histór iaoniabrangente, que se consuma em visão messiânica".

7) Essa interpretação, porém, não imp ed iu que outros in tér -pretes (por exemplo, Geymonat) vissem no posi t iv ismo temasfundam entais tomados da tradição i lum inis ta, com a tendência a

considerar os fatos empíricos como a única base do verdadeiroconhecimento, a fé na racionalidade científica como solução dosproblemas da humanidad e ou ainda a concepção leiga da cul t ura ,entendida como construção puramente humana, sem dependên-cias em relação a pressupostos e teorias teológicos.

8) Sempre em linhas gerais, o positivismo (neste caso, JohnStuart Mil l é exceção) é caracterizado pela confiança acrítica e,amiúde, leviana e superfic ia l , na estabi l idade e no crescimento semobstáculos d a ciência. Essa confiança ac rítica n a ciência chegou ase tor na r fenômeno de costumes.

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298 O positivismo

9) A "posi t iv idade" da ciência leva a mental idade posi t iv ista acombater as concepções idealistas e espiritualistas da realidade,concepções que os positivis tas rotu lav am como metafísicas, embo-ra mais tarde tenham caído em metafísicas igualmente dogmáticas.

10) A confiança na ciência e na racionalidade humana, emsuma, os traços i luministas do posi t iv ismo induziram algunsmarxistas a considerarem insuficiente e até reducionista a usua linterpretação marxista, que só vê no posi t iv ismo a ideologia da

burguesia da segunda metade do século XIX.

2 . A u g u s t e C o m t e e o p o s i t i v i s m o n a F r a n ç a

2.1. A lei dos três estágios

Nascido em Mon tpel l ie r de fam íl ia modesta "em inentementecatólica e moná rquica ", discípulo e secretário (e, depois, decididoantagonista) de Saint-Simo n, aluno da famosa École Polytechnique(e, aqu i, não devemos esquecer a função de modelo da famosa ÉcolePolytechnique, que, nascida como forja do exército da Revolução, fo idepois tran sfo rm ada tendo em vista a preparação dos engenheirose técnicos especializados de que a indústria francesa em desen-

volvimento precisava cada vez mais), versado em m atem ática e,nos anos de sua formação, le i tor dos empiristas ingleses, de Diderot,dA lembe r t , Tu rgo t e Condorcet (mais tarde, "por higiene m ental",ler ia o menos possível), Augus te C omte (1798-1857) é o in iciador doposi t iv ismo francês, o pa i oficial da sociologia e, em certos aspectos,o expoente mais representativo da orientação positivista do pen-samento. "Nem bem completara catorze anos, já exper imentava anecessidade fundamental de regeneração universal, ao mesmotempo pol ít ica e filosófica, sob o impu lso ativo da crise revolucioná-r ia salutar cuja fase principal precedera meu nascimento. A lu-minosa inf luência de um a iniciação matem ática que t i ve em fam íl ia ,fe l izmente desenvolvida na École Polytechnique fez-me p ressenti rinstin t ivam ente o único caminho intelectu al que podia realmentecondu zir a essa grande renovação". É o que escreve Com te sobre oseu i t ine rário intele ctua l e moral , acrescentando que foi em 1822que teve claro o seu projeto fi losófico, "sob a constante inspiraçãoda minha grande lei relativa ao conjunto da evolução humana,ind ivi du al e coletiva": a lei dos três estágios. A l ei tu ra desse trechonos convence da us tez a d a observação de Leszek Kolak ows ki , paraquem "toda a doutr ina de Comte, especialmente a sua doutr inacientífica, só é compreensível como parte de seus projetos dereforma universal , que abrangem não somente a ciência, mastamb ém os outros setores da vida huma na".

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Com te: ciência e sociologia 299

No trecho citado, Comte fala de sua "grande lei". Trata-se da le idos três estágios, segundo a qua l a humanidade, da mesma form aque o psiquismo dos indivíduos, passa através de três estágios: oteológico, o metafísico e o positivo. Diz Comte no Curso de filosofiapositiva (1830-1842): "Estudando o desenvolvimento da intel igênciahum ana (...) de sua prime ira m anifestação até hoje, creio ter des-coberto uma grande lei funda me ntal, à qua l ela está submetida pornecessidade invariável e que me parece poder-se estabelecer soli-

damen te, tan to pelas provas racionais fornecidas pelo conhecimentode nós mesmos como pela verificação históric a que se pode faze r peloexame atento do passado. Essa lei consiste no seguinte: cada umadas nossas prin cipa is concepções e cada ram o dos nossos con heci-mentos passam necessariamente por três estágios teóricos diferentes ,o estado teológico ou fictício, o estado metafísico ou abstrato e oestado científico ou positivo (...). Daí três tipos de fi losofia ou desistemas conceituais gerais sobre o con junto dos fenômenos, que seexcluem reciprocamente. O prim eiro é ponto de partida necessárioda inteligênc ia hu man a; o terceiro é seu estado fixo e definitiv o; osegundo é destinado unicame nte a serv ir como etapa de transição"., No estágio teológico, os fenômenos são vistos como "pr od uto sda ação dire ta e contínu a de agentes sobrena turais m ais ou menosnumerosos"; no estágio metafísico, são explicados em função de

essências, idéias ou forças abs tratas (os corpos se un ir ia m graçasà "simpatia"; as plantas cresceriam em virtude da presença da"alma vegetativa"; o ópio, como ironizava Molière, adormece por-que possui a "virtude soporífera"); mas é somente no "estágioposi t ivo que o espírito hum ano, reconhecendo a impo ssibil idad e deobter conhecimentos absolutos, renuncia a perguntar-se qual é asua origem, q ua l o destino do universo e quais as causas ín tim asdos fenômenos para procurar somente descobrir, com o uso bemcombinado do raciocínio e da observação, as suas leis efetiv as, istoé, as suas relações invariáveis de sucessão e semelhança".

É essa, portanto , a lei dos três estágios, o conceito-chave dafilosofia de Comte, para quem ela encon traria confirmação tanto n odesenvo lvimento da vida dos indivídu os (todo homem é teólogo n a

sua infância, é metafísico em sua juventude e é físico em sua m a-turidad e) como na histó r ia hum ana. At é sem conhecer Vico ne mHegel, Comte constrói com sua lei dos três estágios grandiosafi losofia da história, que se apresenta como o esquema de toda aevolução da humanidade.

2.2 . A doutr ina da c iência

Agora, portanto, estamos no estágio positivo. Os métodosteológicos e metafísicos não são mais empregados por ninguém,

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300 O positivismo

exceto no campo dos fenômenos sociais, observa amargamenteComte no Curso de filosofia positiva, "embora a sua insuficiência aesse respeito já seja plenam ente sentida por todos os espíritos umpouco evoluídos". Eis, po rtan to, sublin ha C omte, "a grande e únicalacuna que se trat a de preencher para con struir a f ilosofia posi t i -va". A fi losofia positiva, portanto, deve submeter a sociedaderigorosa pes quisa científica, já que somente um a sociologia cientí-fica pode "ser considerada como a única base sólida para a reorga-

nização social, que deve encerrar o estado de crise em que sex encontram há longo tempo as nações mais civi l izadas".Não se podem res olver crises sociais e políticas sem o devido

conhecimento dos fatos sociais e políticos. E é por essa razão queComte vê como ta re fa extremamente urgente a do desenvolvimentoda física social, vale d izer, da sociologia científica. M as, antes demais nad a, em que consiste a ciência para Comte? Na opinião dele,o objetivo da ciência está n a pesquisa das leis, já que "só o conhe-cimento das leis dos fenômenos, cujo resultado constante é o defazer com que possamos prevê-los, evidentem ente, pode nos levar,na vida a tiva , a modificá-los em nosso beneficio". A lei é necessáriapara prever e a previsão é necessária par a a ação do homem sobrea natureza. Af i rm a Comte: "Em suma, ciência, logo previsão; pre-visão, logo ação: essa é a fórmula simples que expressa de modo

exato a relação gera l ent re a ciência e a arte, toma ndo esses doistermos em sua acepção total."N a t ri lh a de Bacon e Descartes, Comte pensa que a ciência é

que deve fornecer ao homem o domínio sobre a natureza. E, noentanto , ele não é em absoluto de opinião que a ciência, essencial-mente e por sua natureza, esteja voltada para os problemaspráticos. Comte é claro sobre a natu reza teó rica dos conhecimentoscientíficos, que ele se apressa a dis ting uir c laram ente dos conheci-mentos téc nico-práticos. A esse respeito, chega a cita r u m a consi-deração de Condorcet: "O marinheiro preservado do naufrágiograças à observação exata da longitu de deve sua vida a um a te oriaconcebida dois m il anos antes por homens de gênio, que tin ha m emvis ta sim ples especulações geométricas".

Mas Comte também não é em pir ista de t ipo antigo, que cuida

somente dos dados de fato e exclu i as teorias. Ain da no Curso defilosofia positiva, podemos ler: "Nós reconhecemos que a verdadei-ra ciência (...) consiste essencialmente de leis e não mais de fatos,embora estes sejam indispensáveis para o seu estabelecimento esua sanção". A pu ra e rudição consiste em fatos sem lei; a verdadei-ra ciência consiste em leis controladas com base nos fatos. E essecontrole com base nos fatos exc lui da ciência tod a busca de essên-cias e causas últim as metafísicas.

Essas idéias de Comte sobre a do utr ina da ciência influenc ia-r a m o pensamento posterior em virtud e de sua clareza e validade.

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Com te: ciência e sociologia 3 0 1

De qualquer modo, porém, já em alguns trechos do Curso de filo-sofia pos itiva e depois, sobretudo, no Sistema de política positiva(1851-1854), Comte enri jece a sua imagem de ciência, quase aoponto de abso lutizá-la: condena pesquisas especializadas, inc lusi-ve experim enta is, o uso excessivo do cálculo e qualquer pesquisacientífica cu ja uti l ida de não seja evidente. Por isso, em sua opinião,deve-se confia r a ciência não aos cientistas, mas aos "verdad eirosfilósofos", ou seja, a todos os que estão "dignamente dedicados ao

sacerdócio da humanidade". O desenvolvimento posterior dasciências de sm entiu essas idéias de Comte. Adem ais, um conheci-mento que hoje parece inúti l pode se tornar necessário amanhã.Entretanto, no sistema de Comte, um saber estável e bloqueadoestá em função de uma ordem social estável.

2.3. A sociologia como f ísica social

Pa ra passar de um a sociedade em crise para a "ordem social",há necessidade de saber. O conhecime nto é feito de leis prova dascom base nos fatos. Desse modo, é preciso encontrai as leis dasociedade se quisermos resolver suas crises: "Abandonando-setambém na fi losofia política a razão das idealidades metafísicas,em benefício das realidades observadas, por meio de su bordinaçãosistemática, direta e contínua da imaginação à observação, ne-cessariamente as concepções políticas deixam de ser absolutaspara serem re la t ivas ao estado da civil ização hu mana , de modo queas teorias, podendo seguir o curso natural dos fatos, permitemprevê-los (...). E na previsibi l idade racional do desenvolvimentofuturo da convivência social que se pode resumir o espírito fun-damental da pol ít ica posi t iva".

Po rtan to, p ara a sociologia, através do raciocínio e da obser-vação, é possível estabelecer as leis dos fenômenos s ociais, como afísica pode estabelecer as leis que guiam os fenômenos físicos.Comte divide a sociologia ou física social em estática social e di-nâmica social. A estática social estuda as condições de existênciacom uns a todas as sociedades em todos os tempos. T ais condições

são a sociabi l idade fu nda me ntal do homem, o núcleo fam i l iar e adivisão do trabalh o, que se concil ia com "a cooperação dosesforços".A l ei fun da m en tal da estática social é a conexão entre os diversosaspectos da vid a social, de modo que, por exemplo, uma consti tu içãopolítica não é independente de fatores como o econômico e ocu l tura l .

Por se u turn o, a dinâm ica social consiste no estudo das leis dedesenvolvimento da sociedade. Sua lei fundamental é a dos trêsestágios. Também o progresso social segue essa lei. Ao estágioteológico, corresponde a sup remac ia do poder m il i ta r (é o caso do

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302 O positivismo

feudalismo); ao estágio m etafísico, corresponde a resolução (quecomeça com a Reforma protestante e termina com a RevoluçãoFrancesa); ao estágio positivo, corresponde a sociedade in du str ial.

Não há espaço, aqui, pa ra reg istra r as considerações vivas einteressantes de Comte sobre "a l iberdade i l imitada de consciên-cia", sobre a escravidã o (a escravidão que o horror iza é "aque la dasnossas colônias, que, por sua natureza , co ns titu i verdad eira m ons-truosidade pol ít ica, e a escravidão organizada" dentro da indú str ia

contemporânea), sobre a Idade Mé dia, o catolicismo , a Reforma, aeducação, a mulher (o sexo feminino está "em uma espécie decontínuo estado de infância", embora afi rm e que "que m se cansa deagir e até de pensar nunca se cansa de am ar"), sobre o divórcio (um a"aberração"), sobre a R evolução Francesa ("essa crise de cisiva eraindispensável") etc.

Seja como for, é preciso destacar a lguns pontos decisivos dasociologia de Com te: 1) A estática social indag a sobre as condiçõesda Ordem; a dinâm ica estuda as leis do Progresso. 2) "O progressohum ano, em seu conjunto, sempre se concre tizou seguindo etapasobrigatórias, porque naturalmente necessárias; a histór ia da hu-manidade é o desdobramento da na tureza hum ana ". 3) O desen-volvimento da humanidade vai do estágio teológico ao estágiopositivo; no enta nto, Com te não desvaloriza o passado e a tradição

em nome da exaltação do futur o. E o passado que está grávido dofutu ro e "a humanidade é composta mais de mortos que de vivos";"os mortos governa m sempre m ais os vivos". 4) A física social é opressuposto necessário de um a pol ít ica racional . E o desastroso, dizComte, é que a polític a es tá nas mãos dos advogados e dos l i teratos,que nada sabem sobre o modo de funcio nam ento da sociedade. Aexemplo dos fenômenos n atu rais , os fenômenos sociais só podemser modificados sob a condição de que conheçamos suas leis. EComte repete, com Bacon: natura non nisi parendo vincitur.

Mas através de que caminhos podemos conhecer as leis dasociedade? Na opinião de Comte, os caminhos para alcançar oconhecimento sociológico são a observação, o experimento e o mé-todo comparativo. A observação dos fatos sociais é observação

direta e enquadrada na teoria, isto é, na teoria dos três estágios.E m sociologia, o expe rimen to não é tão sim ples como em física ouem química, já que não se pode mudar as sociedades à vontade;entre tanto , da mesma forma que em biologia, tam bé m na sociologiaos casos patológicos, alter an do o nexo normal dos acontecimentos,substi tuem de certo modo o experimento. J á o método comparativoestuda as analogias e as diferenças entre as diversas sociedades,nos seus respectivos estágios de desenvolvime nto. E, d iz Com te, éo método histór ico que cons ti tu i "a única base funda me nta l sobrea qua l pode realmente se basear o sistema da lógica política ".

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Comte: a classificação das ciências 30 3

2.4. A classificação das ciências

A sociologia, cuja construção é tarefa urg ente da filosofiapolítica, coloca-se no vértice do ordenam ento das ciências. A pa rt irde sua plataform a matem ática, as ciências posi t ivas são hie rar-quizadas segundo gr au decrescente de generalidade e crescente decomplicação: astronomia, física, química, biologia e sociologia.Nesse esquema não estão abrangidas a teologia, a metafísic a e a

mo ral, pois as duas prime iras não são ciências positivas, ao passoque a terceira abrange-a a sociologia. A psicologia, tam bém excluídada relação, é reduz ida por Com te em parte à biologia e em pa rte àsociologia. Também a matemática não figura na relação, mas oprimeiro volume do Curso de filosofia positiva é todo dedicado àmatem ática, que, "de Descartes e Ne wto n para cá, é a ve rdadeirabase fundamental de toda a fi losofia natural", isto é, de todas asciências, no sentido de que ela é "a imensa e adm irável extensão dalógica nat ur al a certa ordem de deduções".

Comte pretende que a ordem das ciências por ele proposta sejasimultaneamente ordem lógica, histórica e pedagógica. A ordemlógica é dada pelo critério da simp licidade do objeto: pri m eir o v êmas ciências, que, em sua opinião, tê m objeto mais simp les; depois,caminha-se pouco a pouco até a sociologia, que ter ia o objeto ma iscomplexo. A o rdem histó rica pode ser identifica da n a passagem decada uma das ciências ao estado positivo: a astronomia saiu dametafísica com Copérnico, Kepler e Gali leu; a física alcançou oestado positivo graças às obras de Huygens, Pascal, Papin eNew ton; a química saiu do seu l imbo metafísico com Lavoisier; abiologia, com Bichat e Blainvil le. Resta a sociologia, que, comociência positiva, ainda se encontra no estado programático. EComte, precisamente, esforçou-se por realizar esse programa. Aordem pedagógica é dada pelo fato de que se deveria ensinar asciências na mesma o rdem de sua gênese hist órica.

Na hierarquia de Comte, as ciências mais complexas pressu-põem as menos complexas: a sociologia pressupõe a biologia, quepressupõe a física. Entretanto, isso não significa que as ciências

superiores sejam redutíveis às infer iores. Cada qual tem suaauto nom ia, suas leis autônomas. E a sociologia, por tan to, não podese red uz ir à biologia nem à psicologia. A sociedade tem rea lidadena tu ra l e originária: os homens vivem em sociedade porque issointeg ra sua natureza social. Os homens são sociáveis desde o início,não haven do necessidade de nen hum "co ntrato social" para associá-los, como qu eria Rousseau.

U m ponto mu ito imp ortante ainda. A f ilosofia não é nomeada .na classificação das ciências de Comte. Q ual é, então, o lug ar dafi losofia no pensamento de Comte? Para Comte, a filosofia não é o

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304 O positivismo

conjunto de todas as ciências. Ele vê a função da fi losofia no"determinar exatamente o espírito de cada uma delas, no descobriras suas relações e conexões e no re su m ir, se for possível, todos osseus princípios próprios em núm ero m ínimo de princípios comuns,em conformidade com o método positivo". A fi los ofia, porta nto, sereduz à metodologia das ciências: ela, escreve Com te, "é o único everdadeiro m eio racional para evidenciar as leis lógicas do es píritohumano".

2.5 . A re l ig ião da humanidade

Na ú l t im a grande obra de Comte, o Sistema de política posi-tiva (1851-1854), a intenção comtiana de regenerar a sociedadecom base no conhecimento das leis sociais assume a forma derel ig ião, na q ual o amor a Deus é substi tuído pelo amor à Huma-nidade. A Hum an idade é o ser que transcen de os indivídu os. El a écomposta por todos os indivíd uos vivos, pelos mo rtos e pelos aind anão nascidos. No seu inte rio r, os indivíd uos se sub stitu em como ascélulas de organismo. Os indivíduos são o produto da Humanidade,que deve ser venerada como o eram ou trora os deuses pagãos.

Fascinado pelo catol ic ismo, em virtu de do seu universal ismoe de sua capacidade de envolver em si toda a vida h um ana , Com tesustenta que a religião da humanidade deve ser a cópia exata dosistema eclesiástico. Os dogmas da nova fé já estão prontos: são afi losofia positiva e as leis científicas. Os ritos, os sacramentos, ocalendário e o sacerdócio são necessários para a difusão de novosdogmas. Haverá um batismo secular, uma crisma secular e umaextrema-unção secular. O anjo da guarda po si t ivo será a m ulher(não devemos nos esquecer da idealização que Com te fez da m ulh eramada , Cloti lde de Va ux). Os meses tom arão nomes significativosda religião p ositiva (por exemplo, Prometeu) e os dias da semanaserão consagrados cada um a uma das sete ciências. Serãoconstruídos templos laicos (institutos científicos). Um papa posi-tiv o exercerá a sua autorid ade sobre as autorida des p ositivas quese ocuparão do desenvolvimento das indústrias e da uti l ização

prá tica das descobertas. Na sociedade po sitiva , os jovens serãosubm etidos aos anciãos e o divórcio será proibido. A m ulh er torna -se a protetora e fonte da vida sentimental da humanidade. AHum anidade é o "Grande Ser", o espaço, o Grande A mbien te e aterr a o Grande Fetiche — essa é a tr inda de da rel ig ião pos i t iva.

2.6. As "razões" de Comte

As críticas ao pensamento de Comte não se fizeram esperar.Entretanto, elas não impediram ampla di fusão do pensamento

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Cultura positivista francesa 305

comtiano. Deve-se ainda dizer que seus maiores difusores, comoL i t t ré , e l im ina ram desde o início tudo o que dizia respeito à rel ig iãoposi t iva. Ad emais, nem todo o pensamento de Comte, mas somentealgumas de suas partes, teve influência duradoura sobre o pen-samento posterior. A idéia da importância da ciência para oprogresso da human idade, a crítica ao pensamento m etafísico nãoprovad o, a idéia da sociologia como ciência autônoma não re dutív ela outras ciência, a insistência na importância da tradição, o

reconhecimento da historicidade dos fatos humanos e da própriaciência, a tomada de posição em relação à unicidade do métodocientífico e do valor cognoscitivo (e não somente prático ) da ciência— esses são alguns temas que demonstraram a sua influênciaduráve l e posi t iva na histór ia do pensamento.

Certo, a lei dos três estágios é um a metafísica da hist ór ia quecontradiz flagrantemente o método positivo. A classificação dasciências logo provoca perplexidade: as idéias de simplicidade ecomplexidade do objeto são relativas aos critérios adotados, não sãoatributos absolutos dos objetos. As idéias de Comte sobre a evoluçãodas ciências freqüentemente mostram-se falsas (a biologia, porexemplo, não esperou o século XI X p ara nascer, mas já era pr at i-cada pelos gregos). A dogmatização das teorias científicas e algu-mas prescrições com tianas sobre aqu ilo que devem ou não devemfazer os cientis tas são hoje totalm ente anacrônicas.

A imitação grosseira do catolicismo pela religião da Huma-nidade suscitou o sentimento do ridículo nos intérpretes. E, noentanto, alguns estudiosos souberam apreciar também essa parteda fi losofia de Comte. É o caso de Raymond Aron, para quem "o'Grande Ser' que Auguste Comte nos convida a amar é aqui lo queos homens fizeram de melhor (...). Se se deve amar algo naHum anidad e, exceto as pessoas eleitas, certam ente é melhor amara humanidade essencial, da qual os grandes homens são a expressãoe o símbolo, do que ama r apaixonadam ente u ma o rdem econômicae social a ponto de querer a morte de todos os que não crêem nessadoutrina da salvação (...). O que Auguste Comte quer nos fazeram ar não é a sociedade francesa atu al, ne m a sociedade russa de

am anh ã, nem a sociedade norte-am ericana de depois de ama nhã,mas sim a excelência de que foram capazes alguns homens e emdireção à qual alguns homens ainda deverão se elevar".

2.7 . A d i fusão do posi t iv ismo na Fr an ça

Não foi , entretanto , a rel ig ião da Hum anidade que co nsti tu iua herança mais durad oura de Comte. Emb ora Pierre Laff i t te (1823-1903) tenha defendido o pensamento de Comte em sua unidadeindiss olúve l, Ém ile Li tt ré (1801-1881), como já dissemos, na sua

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306 O positivismo

campanha em favor do positivismo, encostou os resultados daúl t i m a fase do pensamento de Comte. Li tt ré , acadêmico da Francae senador vitalíc io, foi o aut or da obra Com te e a filosofia positiva(1863) e do Grande dicionário da língua francesa. O trabalho deLi t tré teve mu ita ressonância. Mas foram Erne st Renan e Hyppol i teTaine que cr iaram um autêntico cl ima posi t iv ista na cul turafrancesa.

Ernest Renan (1823-1892) foi essencialmente historiador do

judaís mo e do cristian ism o. São conhecidas a sua História do povode Israel (1887-1893) e a sua Vida de Jesus (1863; trata-se do pri-meiro volume da História das origens do cristianismo). Renanaplicou as suas idéias positivistas ao estudo dos acontecimentosreligiosos, despojando-os de todo aspecto sobrenatural. A concep-ção fi losófica de Ren an está registra da no l ivro O futuro da ciência(escrito em 1848, mas publicado somente em 1890), onde o autorsusten ta que "a ciência e só a ciência pode dar à humanidade aqui losem o que ela não pode viver : símbolo e lei".

Hy pp olite Ta ine (1828-1893) é auto r de obras célebres, comoAs origens da França contemporânea (5 vols., 1875-1893), Os fi-lósofos franceses do século XIX (1857), Filosofia da arte (1865) eHistória da literatura inglesa (1863). Taine aplicou as idéiasposi t iv istas à crít ica l i te rá ria e à estética: toda obra de arte é o

produ to necessário de determ inado am biente s ocial e de precisascondições históricas e psicológicas. Para Taine, "pode-se consideraro homem como animal de espécie superior, que produz fi losofiam ais o u menos como os bichos-da-seda faz em os seus casulos e asabelhas as suas colméias". E m sua opinião, "o vício e a virt ud e sãoprodutos , como o vi t r ío lo e o açúcar, e todo dado com plexo nasce doencontro com outros m ais simples". Em Os filósofos franceses doséculoXIX, Taine cr i t ica os espir i tual istas , como Maine de Bira n eCousin, augurando o retorno da cul tu ra francesa às tradições doi lumin ism o, a Voltaire e os enciclopedistas. A obra Sobre a inteli-gência (1870) repres enta a ten tativ a decidida de reduz ir toda a vidaesp ir i tual a mecanismo regulado por le is natu rais: esse trabalhoin f l u i r i a sobre o pr im eir o psicólogo especialista conhecido da F rançae fundador da psicologia positiva, Théodule Ribot (1839-1916).

2.8. Claude Be rna rd e o nasc iment od a m e d i c i n a e x p e r i m e n t a l

Para Comte e os positivistas em geral (à exceção de JohnSt ua rt M il l ), a ciência é dogma que não necessita de análises. Noentanto, como fez Augusto M ur r i na I tá l ia , tam bém na França, naépoca do positivismo, Claude Bernard (1813-1878) apresentourefinada e profunda reflexão sobre a lógica da ciência. A l inhad o

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Bernard e a medicina experimental 307

entre os maiores fisiólogos (entre outra s coisas, descobriu a funçãoglicogêniça do fígado), determinista (e não fatalista), Bernardsustenta, na famosa Introdução ao estudo da medicina experi-mental (1865), que "não há nenhu ma diferença entre os métodos deinvestigação da fisiologia, da patologia e da terapia. Trata-sesempre do m esmo m étodo de observação e de experimento, que sebaseia sempre nos mesmos princípios e só varia na aplicação,conforme a comp lexidade do fenômeno".

Be rnard , portanto, defende o método experimental na m edi-cina. Mas é óbvio que o experimento pressupõe sempre algumacoisa a experimentar. E esse alguma coisa são as hipóteses. Diza inda Bernard: 'Todo homem sempre ima gina alguma coisa quandoobserva e procura in terpreta r os fenômenos na tura is, antes mesmode conhecê-los por me io do experimen to. E ssa tendência é ina ta nohom em: a idéia preconcebida foi e sempre será o prime iro impulsoda mente que indaga. O m étodo expe rimental , ao invés, tende at rans fo rmar essa idéia a priori, baseada em simples intuiç ão ou emconceito vago das coisas, em interpr etaç ão a posteriori baseada noconhecimento experimental dos fenômenos".

Na opinião de Bernard, "o homem é fantasioso e cheio deorgulho por sua própria natureza: por isso, ele acabou por acredi tarque as concepções ideais de sua mente, que só correspondiam aosseus sentimen tos, repres entav am tam bém a realidade. Por isso, ométodo experimental não tem nada de espontâneo e inato nohome m." Ta mb ém ele é fru to de tent ativ as e erros, de esperançasmalogradas.

O métod o experimental é a imposição de uma disciplina àfantasia, disciplina voltada para a eliminação daquelas hipóteses(ou mundos possíveis) incapazes de descrever, explicar ou preve ralg um pedaço ou aspecto do mundo real. Viu-se que a fantas ia nãobastava pa ra compreender o mundo, então procurou-se discipliná-la. E a ciência e o seu progresso são o fruto desse disciplinamento.Um discipl inamento crít ico que, segundo Bernard, dist ingue ometafísico e o escolástico do exp erimentado r. T anto os dois primeiroscomo o terceiro p arte m de idéias a priori, mas "com a diferença de

que o escolástico considera a sua idéia como verdade a bsoluta porele descoberta e da qua l ex tra i todas as conseqüências apenas como auxíl io da lógica, ao passo que o expe rimen tador, ma is m odesto,considera a sua idéia como simples quesito, como interpretaçãoantecipada da natureza, interpretação mais ou menos provável , daqu al ex tra i de modo lógico as conseqüências, que a todo in sta nteconfronta com a realidade através do experimento (...). A idéiaexperim ental , portan to, é idéia a priori, que, no enta nto, se apre-senta sob a form a de hipóteses e cuja val idade se ju lg a submetendosuas deduções ao critério experimental".

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308 O positivismo

Esses l ineamen tos gerais de metodologia Bern ard os transferepari passu, para a medicina. D iz ele: "Seria fác il apresentar exem-plos para dem onstrar que, como em fisiologia, tam bém n a patologiaas idéias ab surdas podem às vezes lev ar a descobertas úteis , comonão seria difíci l encon trar argume ntos para de mo nstrar que até asteorias mais acreditadas devem ser consideradas prov isórias e nãoverdades absolutas, às quais se precise submeter os fatos".

Por outro lado, tam bém "na te rap ia a pesquisa deve obedecer

às mesmas regras da pesquisa fisiológica e patológica". Tambémaqui, com efeito, idéias preconcebidas g uia ram o médico em suastentativas terapêuticas. Diagnose, prognose e terapia são hipótesese devem te r suas conseqüências submetidas à prova para se atestarse correspondem ou não aos fatos. Na realidade, "a verdadeira ca-racterís tica da ciência consiste na crítica aos fatos" e o motor do mé-todo experimenta l é a dúvida. E "a única crít ica científ ica vál ida empatologia e em tera pia é, como vimos em fisiologia, a crítica experi-me ntal ( .. .) ; a medicina expe rimental se baseia unicamente na ob-servação e no experimento de controle e (...) a fisiologia, a patologiae a terap ia devem obedecer às mesmas leis dessa crítica comum ".

Bernard pôs a fisiologia como base da medic ina e, com isso, pôsa medicina de laboratório (a me dicina experim ental) como base damedicina cl ín ica — esse fo i o maior dos vários méri tos de Be rnard.Escreve ele: "Como todas as ciências de observação diferem dasciências experimentais, da mesma forma também a medicinaexp erim enta l difere da med icina de observação pelo objetivo a quevisa. Uma ciência de observação visa a descobrir as leis dosfenômenos na tura is pa ra poder prevê-los; ent ret ant o, ela não podemodificá-los e se apossar deles a seu bel-prazer. Uma dessasciências é a astronomia: podem-se prever os fenômenos astronô-micos, mas não modificá-los. Já as ciências expe rime ntais visa m adescobrir as leis dos fenômenos na tur ais não somente pa ra prevê-los, e sim també m para regulá-los e dom iná-los: esse, por exemplo,é o caso da qu ímica e da física".

E continua Bernard: "Ora, alguns médicos acredi tam que amedicina deve se manter como ciência de observação, isto é,

me dicina que pode prev er o decurso e o resu ltado das doenças, masnão pode agir dire tam ente sobre elas. Ou tros m édicos, porém — eeu estou entre eles —, consideram que a medicina pode se tornarciência experimen tal , isto é, me dicina capaz de penetrar no in ter iordo organismo e encontrar os meios para m odif icar e regular atécerto ponto os fenômenos ocultos da máquina viva. Os médicosobservadores consideram o organismo vivo como pequeno mundocontido no grande, como uma espécie de planeta vivo e efêmero,cujos mo vimen tos são governados por leis: só a observação pode nosfazer conhecer essas leis, de modo a prever o andamento e a

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Malthus 309

evolução dos fenômenos biológicos no estado normal e no estadopatológico, mas não nos permite modif icar o seu curso natural .Essa doutr in a foi expressa em toda a sua pleni tude por Hipócrates".

Be rna rd prossegue: "A med icina de simples observação, por-tanto , exclui toda intervenção ativa. Por isso, tem sido cham adatambém de medicina de espera, isto é, medicina que observa e prevêo decurso das doenças sem intervir diretamente em seu decurso.En t re tan to , é raro encontrar médico puram ente hipocrático. E fáci l

seria demons trar que muitos m édicos que pregam essa dou tr ina aal ta voz não se atêm a ela de modo a lgum quando põem em p ráticaos preceitos ma is temerários e insensatos da terapia empír ica. N ãocondeno essas tentativas terapêuticas, que são quase sempreexperim entos de orientação; digo som ente que isso não é medic inahipocrática, mas emp ir ismo. O médico empír ico que age mais oumenos cegamente, no fundo, é alguém que estuda os fenômenosvitais. E, como tal, deve ser considerado o médico do períodoempír ico da medic ina ex per im entar .

Já a me dicina experimental , d iz ainda Be rnard, "quer conheceras leis do organismo sadio e doente, não apenas para prever osfenômenos, mas também para, dentro de certos l imites, poderregulá-los e modificá-los. De tu do o que dissemos até agora, pode-se compreender que a medicina tende fatalmente a tornar-seexpe rime ntal. E todo médico, ad min istra ndo remédios eficazes aosseus doentes, colabora para a edificação dessa medicina experi-men tal . Mas, pa ra que a atividade do médico expe rimental saia doempirismo e mereça o nome de ciência, é necessário que ela sebaseie no conhecimento das leis que governam os fenômenosbiológicos no ambiente in ter no do organism o sadio e doente".

E conclui : "A base científ ica da medicina experimental é afisiologia. Já o dissemos, sem fisiologia não existe ciência médica.No fu ndo , os doentes nada m ais são do que fenômenos fisiológicosem condições novas, que é preciso de term ina r. Como veremo s, asações tóxicas e terapêuticas se remetem a simples modificaçõesfisiológicas das propriedades dos elementos histológicos dos teci-dos. Em uma palavra, se quisermos compreender e expl icar o

meca nismo das doenças e a ação dos agentes terap êutico s e tóxicos,precisamos reco rrer sempre à fisiologia".

3 . S t u a r t M i l l e o p o s i t i v i s m o u t i l i t a r i s t a i n g l ê s

3.1 . Os problem as de Mal th us

O u t i l i ta r i smo da prim eira metade do século XI X é o movimentofi losófico que, herdeiro das teses e da atitude dos i luministas,

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31 0 O positivismo

consti tu i , dentro da tradição fi losófica empir ista , a pr im eira ma ni-festação do positivismo social na Inglaterra. Os representantesmais importantes do u t i l i ta r ism o são Jeremiah B entham, JamesMi l l e seu f i lho John Stuar t Mi l l . Escreve Ber trand Russe l l :"Ben tham , e sua escola deriva ram sua fi loso fia, em todas as suasl inhas principais, de Locke, Ha rtley e Helve tius: sua imp ortânc ianão é tanto fi losófica, e sim muito mais política, como chefes doradicalism o inglês e como homens que, sem querê-lo, pr ep ara ram

o caminho para as doutrin as so cialistas". Dois grandes estudiososda economia clássica também são habitualmente relacionadosentre os representantes do u t i l i ta r ismo: t ra ta-se de Ada m S mi t h eDa vid Ricardo. E, ao delinear um quadro das idéias econômicas esociais da Ing late rra na p rime ira metade do século XI X, tam bémnão podemos calar inteiramente sobre Robert Owen e, especial-mente, sobre M athu s.

Thomas Robert Malthus (1766-1834) publ icou em 1798, deform a anôn ima, o seu célebre Ensaio sobre a população. M a l th u sparte de dois postulados inegáveis: "1) o alimen to é necessário àvida do homem ; 2) a atração entre os dois sexos é indispe nsáv el ese ma nterá sempre, mais ou menos, como é atua lmente". Com basenesses dois postulados, ele afirm a que "o poder de crescimento dapopulação é inf in i ta m ent e m aior do que o poder que a terr a possuide produz ir os meios de subsistência necessários ao homem ; comefeito, se não for travada, a população aumenta segundo umaprogressão geomé trica, ao passo que os recursos aume ntam segundouma projeção ari tmética". Se houvessem encontrado al imentosuficiente e espaço par a se expa ndir, as espécies anima is já te ria menchido a terra. Mas a escassez (necessity), "essa imperiosa lei danatureza, que dom ina todo o criado", as restr inge dentro de l im itesbem definidos.

Ma s, se os anim ais e as plantas são man tidos dentro desseslim ites por obra da dispersão de sementes, das doenças e da mo rteprecoce, os homens são controlados por ob ra da m isé ria e do vício.Para M alt hu s, esse controle repressivo exercido sobre a populaçãopela mis éria e pelo vício ("esses amargos ingred ientes no cálice da

vida humana") deve ser substituído, na medida do possível, pelocontrole preven tivo, que consiste em im pe dir o aum ento excessivoda população, por me io da "contenção mo ral", isto é, "abstendo-sedo ma trimô nio por motivos de prudência e com conduta estr i tamentemoral durante o período dessa abstinência". Hoje, a solução doproblema proposta por Ma lthus não é a mais apreciada nem a maisvál ida. Mas é certo que os problemas das relações entre população,recursos naturais e ambiente estão hoje no centro da atençãomu nd ial, talvez tornados aind a mais agudos pela ausência de fontede energia l impa, suficiente e barata.

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Smith e Ricardo 3 1 1

3.2. A econom ia clássica: Ad am S m ith e Da vid Ric ard o

Da vid Ricardo (1772-1823) é aut or da obra Princípios de eco-nomia po lítica e de tributação {1817). Jun tamente com Adam Sm i th(1723-1790), Ricardo é o representante de maior prestígio daeconomia po lítica clássica.

N a Pesquisa sobre a natureza e as causas da riqueza dasnações (1776), Smith sustentara que: 1) só é produtivo o trabalho

manual, que cria bens m ater iais que têm va lor objetivo de troca ; 2)os cientista s, os políticos, os governantes, os professores, em su ma ,todos os produtores de bens imater ia is , quae tangere nonpossumus,contr ibuem só ind i re tamente para a formação da riqueza n acion al,razão por que a riqueza de um a nação será tanto ma ior quan tomenor for o mundo dos ociosos; 3) alcança-se o ápice da sabedoriaquando o Estado, deixando cada indivíduo livre para alcançar omáximo bem-estarpesssoal, assegurar automaticamente o máximobem-estar a todos os indivíduos.

Esta é a essência do l iberal ismo de Sm ith: "O estudo da v anta -gem pessoal leva cada indivíd uo a pre fer ir a ocupação mais v an ta-josa também para a coletividade. A sua intenção não é a de contr ibu i rpara o interesse geral: ele só está olhando para a sua vantagem.Ma s, nesse caso, como em muito s outros, ele é conduzido por umãoinvisível" par a a realização de objetivo estranho às suas intenções".Em su ma, existe "harmonia natu ral", "ordem natur al", no sentidode que aconseqüê ncia não intenc iona l do egoísmo de cada u m é obem-es tar de todos. Com efeito, quando h á possibil idade de luc ro,os empreendedores seapressam a t i ra r vantagem disso, produzindoos bens requisitados pelo mercado. Somente uns poucos gan harã om uito , mas logo outros se apressarão a prod uz ir osmesmos bens eassim, au me ntand o a oferta, os preços iguala rão os custos.

Já a visão de Ricardo é menos otim ista do que a de Smith . Eletambém sustenta que o valor de um bem é igual ao trabalhouti l izado para produzi- lo, embora devamos levar em conta, nadeterminação do valor do produto, o custo dos instrume ntos ut i l i -zados. E, se as mercadorias tê m o valor do trabalh o necessário pa ra

produzi-las, o valor do trabalho é a soma do valor dos bensnecessários para produzi-lo e reproduzi-lo. Teórico do l ivre inter-câmbio dentro da nação e entre as nações, Ricardo admite que ome lhor preço para as mercadorias é o alcançado no l ivre mercad o,através do jogo da oferta e da procu ra, mas recusa-se a co nsiderarcomo o melhor salário o alcançado mediante a mesma técnica. Ovalor de um a mercadoria, portanto, é dado pelo traba lho necessáriopa ra produ zi-la. En treta nto , observa Ricardo, a equação V = T nãofunciona p ara o trabalhador, que ne m sempre entra de posse dovalor do seu produto.

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312 O positivismo

As sim chegamos à questão da renda fundiária (isto é, da rendaque o proprietário fundiário recebe pela simples razão de serproprietário do terreno). A renda fundiária seria zero se houvessedisponib i lidade i n f in i ta de terras. O aumento da população, porém,obriga os homens a cultivarem não somente as melhores terras,mas também as menos prósperas e mais distantes do mercado.Desse modo, ocorrerá que, para ob ter fru tos dessas terras menosadequadas à agr icu ltura , o traba lho será ma ior. Conseqüentemente,

isso aum enta rá no m ercado o preço dos produtos agrícolas em seuconjunto , já que os preços dos terrenos fé rteis se elevarão ao níve ldos menos férteis. P or isso, o lucro proven iente dos terrenos fé rteise próximos ao mercado aumentará e i rá para o bolso do proprietár iodos terrenos fér teis, sob a form a de renda.

Assim, quem trabalha não recebe o valor do seu trabalho,quem não traba lha recebe sempre mais e os preços aumentam. Portudo isso, segundo Ricardo , a renda é anti-social. M as nem po r issoaumentam os preços das mercadorias manufaturadas, "para aprodução das quais não é necessária nenh um a qua ntidad e adicio-na l de trab alho ", como escreve Ricardo nos Princípios. No entanto,ele se convenceu de que, "se os salários au m en tara m (...), então oslucros deverão necessariamente cair". E essa é outra brecha noimponente edi fício da ordem natural de que havia falado Adam

Smith. A crít ica moderna olha com grande respeito para a obracientífica de Ricardo. E seria com muitos temas e problemaslevantados e discutidos por Ricardo que Ma rx se enfren taria.

3.3 . R obe rt Ow en: do ut i l i tar ism o ao socia l ismo utópico

Robert Ow en (1771-1858), engenheiro, indu str ia l e f i lân tropo,in icialmente seguiu o uti l i tar ismo para depois acabar em umaforma de socialismo utópico. Exemplo de "homem que se fezsozinho", Ow en, seguindo a cu ltu ra progressista inglesa da época, jt in ha confiança na possibi l idade de mu dar os homens através damelhor ia das condições de vida e por meio da educação. Antes ainda jdos tr in ta anos, já era co-proprietár io e direto r de um a indústr ia :

ma nufatu re i ra têx t i l na Escócia.Como conta Trevelya n em sua História da Inglaterra no século iXIX, "em quinze anos, de 1800 a 1815, ele fez de sua iação u m modelo 1de providências human as e intel igentes p ara as mentes e os corpos, 4com horá rios moderados, bons salários, condições salubres tant o na Jfábr ica como na aldeia e boas instalações escolares, inclu sive o pri- jmeiro abrigo infa nt i l da i lha — o resulta do foi o de que os operários |mostravam-se cheios de entusiasmo". Owen estava convencido de que, |tendo mudado o ambiente, havia mudado o caráter dos operários. Mas, |ao mesmo tempo, ta mb ém hav ia feito o sucesso da fábrica.

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O utilitarismo 313

Ele procurou persuadir os outros empreendedores a fazeremo mesm o. Ma s não teve sucesso. Te ntou então convencer o Pa rla-mento a promulgar providências em favor dos operários, como aabolição do trabalho do menor, a redução da jornada de trabalhopara dez horas e meia. E também malogrou. Então dedicou asegunda metade de sua vida a es timu lar o movimento cooperativo.Imp ulsion ou també m as "uniões do trabalho".

Já em idade avançada, elaborou um socialismo que, em suasformas utópicas, assemelha-se ao de Saint-Simon, Fourier eProudhon. Convencido de que a introdução do "ma quinário mo rto"prejudicava o "ma quiná rio vivo", enquanto entrava em competiçãocom ele, criou cooperativas cujas terras eram trabalhadas com aenxada e onde. existia a comunhão de bens. Tais form as de socia-l ismo não convenceram os economistas, nem os fi lósofos e muitomenos os empreendedores. Entretanto, o pensamento de Owenteve ampla di fusão. Os uti l i tar istas puseram-se mais de acordocom Ow en no caso da idéia de que a "imora lidade ", como dizia ele,deveria ser curada como doença, mediante a modificação dascircunstâncias. No seu pensamento, l igada a esta úl t ima idéiaapresenta-se também a de que todas as rel igiões são prejudiciais aogênero humano.

3 .4 . O u t i l it a r ism o de Jere mia h B ent ha m

Jeremiah Ben tham (1748-1832) é o fundador do u t i l i ta r is mo ,cujo princípio fund am ental (presente no i lumin ism o e á fo rmu ladopor Hu tcheson e Beccaria) é a máxim a felicidade po ssível para omaior número possível de pessoas. Fi lântropo e pol ít ico, Benthamdefendeu, na tri lha do empirismo inglês, a associação entre asidéias e a l inguagem e das idéias entre si. O seu maior interessevol tava-se pa ra a jurisprudência, reconhecendo como seus princi-pais antecessores nesse campo He lvet ius e Beccaria. Depois, seusinteresses passaram da teoria juríd ica para os temas m ais espe-cialmente éticos e polít icos. Uma idéia im porta nte de Bentham é deque as leis não são dadas um a vez por todas, sendo mo dificáveis eaperfeiçoáveis. Conseqüentemente, é preciso trabalhar continua-

mente por tuna legislação em condições de promover "a máximafelicidade p ara o ma ior nú me ro possível de pessoas".

No domínio da moral , sustentava Bentham, os únicos fatosverdadei ramente importante são oprazer e a dor. Alcançar o prazere evitar a dor, esses os únicos motivos da ação. Escreve ele naIntrodução aos princípios da moral e da legislação: "A naturezahum ana pôs o homem sob o império do prazer e da dor: prazer e dorsão as fontes de nossas idéias, dos nosso juízos e das nossasdeterminações". Avaliar, ou seja, expressar aprovação ou desa-

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314 O positivismo

provação por um ato, significa pro nunciar-se sobre a sua idoneida-de para ge rar pena ou prazer. E o juízo moral torna-se juízo sobrea fel icidade: bo m é o praz er (ou a fel icidade), m á é a dor.

Essa é a moral utilitarista. Todo indiví duo sempre persegue oque repu ta ser sua fel icidade ou aquele estado de coisas em que sedê a maior fel icidade e a m ín i m a dor. Ass im, a m o ra l se reduz a um aespécie de hedonismo calculado, que avalia atentamente as ca-racterísticas do prazer: duração, intensidade, certeza, proximida-

de, capacidade de produzir outros prazeres, ausência de conse-qüências dolorosas. Sábio é quem sabe renunciar a um prazerimediato por um bem futuro cuja aval iação é melhor. Por outrolado, é mu ito im porta nte que não se cometam erros ao aval iar asconseqüências agrad áveis o u prejud iciais de uma ação. E precisochegar a uma aritmética moral, que nos ponha em condições derealiza r os cálculos certos.-v. Os homens procu ram cada qu al a sua pró pria fel icidade. E olegislador te m a função de harm oniz ar os interesses privados comos públicos. E do interesse púb lico que eu não roube, embora roubarpossa con sti tu i r interesse meu, a não ser que exista le i penal segurae eficaz. A lei penal, portanto, é o método para fazer com quecoincidam os interesses do indiv íduo e os da comunidade. E nissoque ela encontra a sua justificaç ão.

A le i penal pune pa ra prev enir o delito e não porque odiemoso cr iminoso. Bentham afi rma ser mais importante que a puniçãoseja segura do qu e severa. Ele lu tou pela abolição da pena de morte ,a não ser para delitos m uit o graves — e, no fim dos seus dias, tevea satisfação de ver a lei pe nal inglesa ser sua vizada. Já no que serefere à le i civi l , Bentham pensa que ela deveria ter quatroobjetivos: subsistência, abu ndânc ia, segurança e igualdade (nessarelação, falta a l iberdade). O seu amor pela igualdade levou-o adefender a divisão da propried ade em partes igu ais, opondo-se porisso às l iberdades testame ntárias. Opôs-se também à monarquia eà aristocracia hereditária, pregando uma sociedade democrática,na qual também as mulheres pudessem votar. Recusando-se aaceitar qualquer crença privada de bases racionais, rejeitou a

religião. Co ntrá rio ao imp erial is mo , considerava as colônias como \grande loucura.Ben tham escreveum uito (embora nunca se ten ha preocupado •

em publ icar). Dentre suas obras, devem-se recorda r: Introdução aos jprincípios da moral e da legislação (1789), Tábua dos moventes daação (1817) e Deontologia ou ciência da moralidade (publicadapostumamente, em 1834). Di fusor e apóstolo das idéias uti l i tar is tas, jBe nth am teve a satisfação de, nos últim os anos de sua vida , ver âsu rgir um órgão de di fusão das concepções ut i l i t ar is ta s, a j"Westminster Review".

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O utilitarismo 315

U t i l i t a r i s ta e hedonista em moral , Benth am era l iberal refor-mista em po l ít ica, rejei tando tanto o puro conservadorismo como osfurores da Revolução Francesa. Manifestava grande desprezopelos chamados "direitos naturais" e "direitos do cidadão". Diziaque os direito s do homem são evidentes tol ices: "os imp resc ritíveisdireitos do homem, tol ices sobre pernas de pau". Escrevia ele:"Esses direi tos natu rais, inal ienáveis e sagrados, nunca e xist i ram ;ao invés de dirigir o poder executivo, tendem a desorientá-lo; e,

reivindicando -os, os cidadãos nada mais fazem do que re ivin dic ara anarqu ia".E Be rtra nd R ussel l quem nos conta que, quando os revolu-

cionários franceses fizeram a su a Déclaration des droits de 1'homme,Bentham a chamou de "obra metafísica, o non plus ultra dameta física". Os seus artigos, disse ele, podia m ser divididos em trêsclasses: 1) os in intel igíve is; 2) os falsos; 3) os possuidores de ambasas qualidades.

Ben tham fo i o defensor de um reform ismo laico radical. E nãoé necessário dizer que as concepções de Bentham provocaramm uita s discussões. Não podemos esquecer, por exemplo, que Ale-xandre Manzoni (1785-1873) escreveu (como apêndice às Obser-vações sobre a moral católica) um ensaio int i tu lado Sobre o sistemaque baseia a moral na utilidade, considerando, contra os uti l i ta rist as ,

quem nem de fato nem de direi to os homens baseiam no ú ti l o juízosobre o valor moral de suas ações.

3.5 . O ut i l i ta r ism o de James M i l l

Ligado ao u t i l i ta r i smo de Be ntha m encontra-se o pensamentode James M i l l (1773-1836), autor de uma Análise dos fenômenos damente humana (1829), de alguns dos verbetes mais impo rtantes daEnciclopédia Britânica (porexemplo: governo, jur isprud ência , le is,prisões), de uma História das índias Britânicas (1818) e de umtratado de economia pol ít ica int i tu lado Elementos de economiapolítica (1820). Pa i de Johan Stua r t M i l l , James Mi l l foi amicíssimode Ricardo e esteve entre os colaboradores de Bentha m. Alca nçou

alto cargo na Com panhia das índias e colaborou com a "WestminsterReview". Muito atuante pol i t icamente desenvolveu papel de pri -meiro plano n a di fusão do l iberal ismo n a Ing laterra . E foi sobre-tudo por mé ri to seu que o posi t iv ismo não assum iu na Ing late rraas características de concepção autoritária.

Em sua Autobiografia, escreve Joh n Stua rt Mi l l : "M eu pai fo io pr imeiro inglês de grande valor que compreendeu pe rfei tamen tee adotou em seu conjunto as concepções gerais de Bent ha m sobrea ética, o Estado e a legislação (...). Em sua concepção de vida,estavam presentes características estóicas, epicuristas e cínicas,

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316 O positivismo

não no sentido moderno da palavra, mas no sentido antigo. Nassuas qualidades pessoais, predo mina va o estoicismo. O seu modelode mo ral era epicúreo, tanto pelo uti l i ta r is m o como por ter adotadocomo critério exclusivo do jus to e do injust o a tend ência das açõesa produzirem prazer ou dor (.. .) . Ele considerava a vida h uman aum tanto pobre, uma vez passados o frescor da juventude e acuriosidade insatisfeita (...). Na escala dos valores, punha emposição muito elevada o prazer suscitado pelos sentimentos de

benevolência (...). Nunca modificou o seu juízo sobre a superiori-dade dos prazeres espirituais em relação a todos os outros, atéconsiderando-os só como prazeres, isto é, independ entem ente desuas outras vantagens".

Associacionista na teoria da mente, James Mi l l pretendeufundar uma ciência do espír i to que, analogamente à da natureza ,tivesse fundam ento sólido nos fatos. E, para James M i l l , os fatos damente são as sensações, das quais as idéias re pres enta m cópias. Alei que reg ula a vid a das sensações e das idéias é a da contigüidadeno espaço e no tem po: se duas coisas for am percebidas junt as , nãoé possível pensar uma sem pensar a outra.

A lei da associação vale também para o campo da moral.Escrevia James Mi l l : "A idé ia de prazer exci tará a idéia da ação qu eé a sua causa. E, quando a idéia e xiste, a ação deve prosseguir". A

análise das idéias m orais mo stra q ue é através da associação quese explica a passagem da condu ta egoísta à conduta al truísta . É porfins egoístas que surge o altruísmo, mas isso não significa que oal truísmo não tenha valor em si mesmo. A gene rosidade con tinuasendo generosidade, a gratidão continua gratidão e o al truísmocon tinua altru ísm o até quando são identifica dos os seus moventesegoístas úl t imos. Do mesmo modo, lem bra James M i l l l , u m raio deluz permanece branco para nós, também depois de Newton tê-lodecomposto nas cores do arco-íris. Pergunta-se: "Será que ummovente complexo deixa de ser moven te tão logo se descobre que écomplexo?" A influ ên cia dos valores sociais e desinteressados aoponto do sac rifício é movente rea l de ações: "é o que é, não mudandopelo fato de serem simp les o u compostos".

E esse o modo pelo qual James M il l , p or meio da an álise dosfenômenos da mente hum ana , procura fund am enta r o u t i l i ta r i smode Be ntha m. Sempre esteve convencido de que a política p odia serdom inada pela razão e, como narr a seu filho, "professava o máximodesprezo por todo tipo de emoções passionais e por t udo o que foiescrito ou dito par a exaltá-las. C onsiderava-as como um a form a deloucura. Para ele, o ' intenso' era a expressão us ua l de desaprovaçãodepreciativa". Assim , convencido de que a razão es tava e m condiçõesde dominar a política, James Mil l , com todos os radicais daqueleperíodo, també m estava pe rsuadido da onipo tência da educação. E

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John Stuart Mill: sua formação 317

pôs sua teoria em prática educando seu fi lho, que, a propósito,recorda: "No que se refere à mi nh a educação, não sei bem se t ir eimais desvantagens do que proveitos de sua severidade, que, noentanto, não foi ta l a ponto de impe dir-me um a infânc ia fel iz".

3.6. Jo hn S tua rt Mi l l : a cr ise dos v int e anos

A casa de James M il l era freqüenta da pelos radicais ingleses,

sobretudo por Ricardo e Bentham . Conta John Stu art M i l l em suaAutobiografia: "E u ouvia com interesse e atenção as suas (do pai)conversas com aquelas pessoas. O fato de estar habitualmentepresente no escri tór io de meu pai permit iu-me conhecer o maisquerido dos seus amigos, D av id Ricardo, que, pelo aspecto benévoloe as man eiras ge ntis, exercia forte a tração sobre os jovens (...). V iaBentham com freqüência, devido à estrei ta amizade existenteentre ele e me u pa i ."

Educado pelo pa i (é impressionante todo o t raba lho que Jamesfazia o f i lho real izar), crescido na atmosfera cul tural inglesa dol iberal ismo, am igo do economista francês Jean-B aptista Say (quevisi to u na F rança), inf luenciado pelos escri tos de Saint-Sim on eseus seguidores, mais tarde leitor e correspondente de Comte(cujas idéias autori tá r ias e despóticas refu taria) , John Stu art M i l l

(1806-1873), desde jovem, quando leu B enth am pela prim eira vez,em 1821, acred itava p ossuir o que pode ser chamado "objetivo devida": ser "reformad or do mundo".

En tre tan to, "e m certo mom ento, despertei desse estado comode sonho. Isso aconteceu no outono de 1826. Fiq ue i em estado dedepressão nervosa, que ocasionalmente todos podem experimen-tar . Não sen tia nenh um interesse pela alegr ia ou pelas excitaçõesdo prazer. E ra u m daqueles estados de esp írito em que aquilo queera agradável em outros momentos torna-se insípido ou ind i ferente(...). Nessa condição espiritual, ocorreu-me de me propor direta-mente a pergunta: 'Supõe que todos os objetivos de tua vida serealizassem e todas as mudança s das instituiçõ es e opiniões a queaspiras pudessem ser efetuadas precisamente nesse instante:seria isso grande a legria e fel ic idade para t i? ' E a voz i rre prim íve lda minha consciência respondeu inequivocamente: "Não!' Nessemomento, senti faltar-me o coração. Todo o fundamento sobre oqual construíra minha vida ruía por terra agora".

A cr ise es pir i tu al de M i l l não durou por mui to tempo, mas saiupersuadido de que "são felizes apenas (...) os que se propõemobjetivos diversos de sua felicidad e pessoal: isto é, a felicidade dosoutros, o progresso da hum anidad e, até algu ma arte ou ocupação,exercidos não como meio, mas como fi m idea l em s i mesmo. Dessemodo, aspirando a alguma outra coisa, encontram a fel icidade ao

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Stuart Mill (1806-1873) foi um dos mais lúcidos teóricos doutilitarismo moderno. Seu pensamento constitui etapa fundamen-tal na história da lógica.

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John Stuart Mill: a lógica 319

longo do caminho. Os prazeres da vida (...) são suficientes parafazer dela um a coisa agradável quando colhidos de passagem, semconsiderá-los como objetivos princip ais".

E pelo resto de sua v ida—l igada a H arr iet Tay lor por del icadoe profundo am or —, Stuar t M i l l t raba lhou com mui ta in tensidade,dentro da tradição emp ir ista, associacionista e uti l i ta r is ta, cons-truin do um conjunto de teorias lógicas e ético-políticas que m arcara ma segunda metade do século XIX inglês e que até hoje con stitue m

pontos de referência e etapas obrigatórias tan to pa ra o estudo dalógica da ciência como para a reflexão no campo ético e político. Comefeito, se o ensaio Sobre a liberdade (1859) — es crito em colabora-ção com a mu lh e r— é u m clássico da defesa dos direitos da pessoa,o seu Sistema de lógica raciocinativa e indutiva (1843) cont inuaclássico da lógica indutiva.

3.7. Crít ica à teoria do si logismo

A lógica, diz M i l l , é a ciência da prova, isto é, da inf erên ciacorreta de proposição de outras proposições. Por sso, o pr imei ro l iv roàaLógica t r a ta dos nomes e das proposições: "Toda resposta a qual -quer questão formu láve l deve estar contida em um a proposição ouaf i rmat iva. Tudo o que pode ser objeto de assen time nto ou também

de dissenção deve ass um ir a fo rma de proposição, quando expressoem palavras: toda verdade e todo erro residem nas proposições". M asas argumentações são cadeias de proposições, que deveriam levara conclusões verdade iras se as premissa s são verdade iras. E osilogismo fo i considerado como tipo de argumentação válida .

M i l l , porém, pergunta no capítu lo I I I do l i v ro I I da Lógica: qua lé o valor do silogismo? Examinem os o seguinte si logismo: "Todos oshomens são morta is ; o duque de Wel l i ng ton é homem ; logo, o duquede Wel l ington é mortal". Concluímos então que "o duque deW el l ington (que, na época de Mi l l , estava vivo e forte) é morta l " , apartir da proposição de que "todos os homens são mortais". Mascòmo sabemos que todos os homens são mo rtais? Sabemo-lo porquevimos a m orte de Paulo, Francisco, Ma ria e tantos outros e porqueoutros nos contaram terem visto morrer outras pessoas. Po rtanto,é da experiência que extraímos a verdade da proposição "todos oshomens são mortais".

Mas a experiência só nos faz observar casos singulares. Por isso,a tese fundamental de Mi l l é a de que "toda inferência é departicular a part icular", enquanto a única justi f icação do "issoserá" é o "isso foi". E a proposição "geral" é o expediente paraconservar na mem ória muitos fatos part iculares. P ara M i l l , todosos nossos conhecimentos e todas as verdades são de naturezaemp írica, inclus ive as proposições das ciências dedu tivas, como a

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32 0 O positivismo

geometr ia. Com efei to, "visto que, nem na natureza nem na mentehum ana existe m objetos exatame nte correspondentes às definiçõesda geometria (...) nada mais resta senão considerar a geometriacomo ciência que se ocupa daquelas l inhas, daqueles ângulos edaquelas figuras que realmente existem". As proposições da geo-metria também são verdades experimentais, generalizações daobservação. Mais em geral, "as ciências dedutivas ou demonstra-tivas, sem exceção, são todas ciências ind utiv as e sua evidência éa da experiência".

Na opinião de Mi l l , o si logismo é estéri l , pois não aum enta onosso conhecimento: o fato de o duque de We ll ing ton ser m or ta l éuma verdade que á está incluída na premissa segundo a qua l todos

os homens são m orta is. M as a qu i as coisas se comp licam, pois, seé verdade que todo o nosso conhecimento obtém-se po r observaçãoe experiência e se é verdade que a experiência e a observação sobreas quais devemos nos basear nos oferecem sempre número l imita dode casos, então como teremos legitimida de para form ular proposiçõesgerais como "todos oshomens são mo rtais" ou as le is universais daciência? Como, a par tir do fato de que Pedro, José ç Tomás mo rre-ram, dizemos que todos os homens são mortais?

Esse, na realida de, é o difíci l problema da indução. Diz M i l l nol ivro I I I da Lógica: "A indução é a operação da mente pela qualinferim os que aq uilo que sabemos verdadeiro em u m ou ma is casosisolados será ver dad eiro em todos os casos que se assem elhem aosprim eiros po r determinado s aspectos. Por outros termos, a induçãoé o processo pelo qu al concluímos que a quilo que é verdad eiro sobre

certos indivíduos de uma classe tamb ém é verdadeiro para tod a aclasse ou que aquilo que é verdadeiro em certos momentos seráverdadeiro em circunstâ ncias semelhantes em todos osmomentos".

A indução, diz ainda Mi l l l , pode ser defin ida sumariamente"como generalização da experiência. Ela consiste em inferir, apa rt ir de alguns casos isolados em que se observa que o fenômenose verifica , que ele se verif ica ta m bém èm todos os casos de certaclasse, ou se ja, em todos os que se assemelham aos anteriores na-quelas que consideremos as circunstân cias essenciais".

3.8 . O pr in cíp io da indução: a uni fo rm idad e da nat ure za

Para d is t ingu i r as circunstâncias essenciais das não essenciais,

ou seja, tendo e m vist a "escolher den tre as circuns tâncias que pre-cedem ou seguem a um fenômeno aquelas às quais ele rea lmen teestá l igado por le i invariável", Mi l l propõe, no Capítulo VIII domesmo livr o I II , aqueles que ele chama de "os quatro m étodos daindução": o método da concordância, o método da diferença, ométodo das variações conc omitantes e o método dos resíduos.

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John Stuart Mill: a lógica 321Nesse caso, porém, a questão mais candente é a ào fundamento

das inferências ind utivas ou indução: em suma, qual é a gara ntiapara todas as nossas inferências a partir da experiência? Naopinião de Mi l l , essa gar ant ia se encontra no princípio segundo oqual "o curso da natureza é uniforme": esse é "o princípio funda-m en tal ou axioma geral da indução". E esse princíp io foi form uladode diversos modos: o universo é governado por leis, o futuro seassemelhará ao passado. Ma s a rea lidade é que "nós não infe rimo sdo passado para o futuro enquanto passado e futuro, mas sim doconhecido par a o desconhecido, de fatos observados pa ra fatos nãoobservados, do que percebemos ou do que ficamos diretamenteconsciente para o que não entrou em nossa experiência. Nessa

afirmaçã o está toda a área do fu turo , mas também a parte , de longema ior, do presente e do passado".Portanto, o pr incípio da indução (uni formidade da natureza

ou princípio de causalidade) é o axioma geral das inferênciasindutiv as, que é a premissa maior ú l t im a de toda indução. Mas qua lé o valo r desse princípio? Será ele evidente apriori? Não, respondeMill: "A verdade é que essa grande generalização também estábaseada em generalizações precedentes. As mais obscuras leis danatureza foram descobertas por seu meio, mas as mais óbviasprovavelmente foram entendidas e aceitas como verdades geraisantes que delas sequer se ouvisse fala r".

E m outra s palav ras, as mais óbvias generalizações descober-tas no início (o fogo queima, a água m olha etc.) sugerem o princípioda uni formidad e da natureza. U m a vez formulado, esse princípio

foi proposto como fundam ento das generalizações ind utiv as ; estas,depois de descobertas, atestam o princípio da uniformida de, pelo qual"é um a lei que todo acontecimento dependa de algum a lei" e "par acada acontecimento existe algu ma combinação de objetos ou aconte-cimentos (...) cuja ocorrência é sempre seguida daquele fenômeno".

Esses são, portanto , per summa capita, alguns dos traços defundo da lógica indutiva de Mi l l . Naturalmente, ela susci ta per-plexidades. Alguns a consideraram culpada de circular idade: oprincípio de indução justi f ica as induções part iculares e estasfundamentam o princípio da indução. M i l l ten tou responder a essaobjeção afirmando que ela seria justa se vigorasse a tradicionaldoutrina do silogismo. Mas ela não tem mais valor: "todos oshomens são mort ais" não é a prova da proposição de que "o duque

de Wel l i ng ton é mo rtal", mas sim é a nossa experiência passada d amortal idade que nos autoriza a infer i r juntos a verdade ge ral e ofato part icular, com o mesmo grau de segurança tanto para umquanto pa ra o outro.

Para M i l l , a experiência é o cr i tér io da experiência: "A expe-riência deve ser consultada para apreendermos dela em que cir-

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cunstâncias os argumentos extraídos da experiência são válidos".Como quer que seja, em sua época, Mi l l teve que se defro ntar comW ill i am W hew ell, teórico da ciência, que, rejeita ndo as concepçõesindutivistas de Mil l , pensava que as leis e as teorias científicasnada mais fossem do que hipóteses inventa das por mentes human ascriativa s e que, depois, fossem subm etidas à prova dos fatos.

3.9. As ciências morais, a economia e a polí t ica

O l ivro IV do Sistema de lógica diz respeito à lógica das ciên-cias morais. M il l reafi r ma nele a l iberdade do querer human o. Seconhecêssemos uma pessoa profundamente e, portanto, conhe-cêssemos todos os moventes que agem n ela, diz M il l , poderíamospredizer os seus comportamentos com a mesma certeza com queprevemos qualquer comportamento físico. Mas essa necessidadefilosófica não é fatalidade. A fatal idade é constr ição m isteriosa eimpossível de mudar. A necessidade fi losófica, ao contrário, nãoimpede que, um a vez conhecida, possamos ag ir sobre a causa daprópr ia ação, como agimos sobre as causas dos processos nat ura is.

Escreve Mill: "Sabemos que, no caso das nossas volições, nãoexiste aquela misteriosa constrição. Sabemos que não somos im-pelidos, como que por en canto mágico, a obedecer a algum mo tivo

particular. Sentimos que, se desejamos mostrar ter força pararesistir ao motivo, podemos fazê-lo (esse desejo, apenas pararegistrar, é antecedente novo). E pensar ao contrário seria humi-lhante para o nosso orgulho (e, o que mais im porta) seria paral isantepa ra o nosso desejo de perfeição.

Portanto, não há choque entre l iberdade do ind iv íduo e ciênciada natureza humana. E, entre as ciências da natureza humana,M i l l propõe em prime iro lu gar a psicologia, que "tem por objeto auniformidade de sucessão (...), segundo a qual um estado mentalsucede a outro". E a um a ciência pa rt icu lar "ainda p or cr iar", istoé, a etologia (de ethos = caráter), que Mi l l atr ibui a função deestudar a formação do caráte r, com base nas leis gerais da m entee da influ ênc ia das circuns tâncias sobre o cará ter. E , se a etologiaé complexa, ma is comp lexa ain da é a ciência social que estuda "ohome m em sociedade, as ações das massas c oletivas de hom ens edos vários fenômenos que constituem a vida social".

E m 1848, saíram os Princípios de econom ia política, em queMill apresenta os resultados que essa ciência alcançara com asobras de Sm ith, M alth us e Ricardo. Entre tant o, no que se refere àdistribuição da riqueza, ele considera que as leis da distribuiçãodependem da vontade huma na e, portanto, do direi to e docostume.A distribuição é "obra exclusiva do homem", que "pode pô-las àdisposição de quem quiser e nas condições que ma is lhe convenham".

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John Stuart M ill: ética, econom ia, política 323

Por outro lado, no que se refere à polí t ica a seguir paramelhorar as condições dos t rabalhad ores, M i l l re je i ta a teor ia quechama de " teoria da depend ência e da proteção", segundo a qu al "odest ino dos pobres e tudo o que lhes diz respeito como classedeve riam ser regulados em seu interesse, mas não por eles". M i l l écon trário a essa teo ria pela razão de que " todas as classes p riv i le-giadas e poderosas sempre se serv ira m de seu poder em benefíc ioexclusivo do seu egoísmo".

M i l l defende a "teor ia da indepen dênc ia" , segundo a qual "obem-estar do povo deve ser f ruto da just iça e do autogoverno".Portanto, não as classes priv i legiadas, e sim os próprios traba-lhadores devem tomar as prov idênc ias para a melhor ia de suaprópria posição, melhoria que deve ser perseguida não pelo cami-nho revolu cion ário, e s im com meios pacíf icos (como, por exem plo,a cooperação). A preocupação fun da m en tal de M il l é a de con ci l iara jus t iça soc ia l com a l iberdade do ind iv íduo . E é isso o que imp edeM il l de ader ir ao socialismo: em sua opinião , o social ismo põe emper igo a l iberdade in div id ua l . E m su ma, os métodos das reforma ssociais e dos atos de governo, para M il l , en con tram "n a e xistênciahumana uma for ta leza sagrada, que escapa à inte l igênc ia dequalquer autor idade" .

As Considerações sobre o governo representativo são de 1861 .

Nessa obra, M i l l susc i ta problem a de grande interesse: é a questãode im pe dir que a classe que tem a ma ior ia "esteja em condições deobr igar os out ros a v iverem à marg em da v ida po l í t ica e de cont ro la ros caminhos da legis lação e da administração segundo os seusinteresses exclusivos". Na re al ida de, não se exc lui de modo alg umque uma maior ia possa governar t i ranicamente.

Desse modo, o problema de fundo da democrac ia represe nta-t iva é o de " i m ped i r esse abuso sem sacri f ica r as vantagens caracte-ríst icas do governo popular" . E, para esse f im, Mi l l defende "umademocrac ia representat iva em que todos sejam representados enão somente a maioria, em que os interesses, as opiniões e asaspirações da min or ia tamb ém sejam ouv idos, com a po ss ib i lidadede obter, pelo peso de sua reputação e pela sol idez dos seus p rin -c íp ios , in f luê nc ia super ior à sua força numé r ica; um a democrac iaem que se encont rem a igua ldade, a imp arc ia l ida de, o governo detodos por todos".

A in da de 1861 é o Utilitarismo. A idé ia cent ra l do t raba lho deM i l l é a de Be ntha m: "Segundo o pr inc íp io da m áxim a fe l ic idade, of im ú lt im o e a razão pela qu al todas as ou tras coisas são desejáveisé um a ex is tênc ia tan to q uanto possível isenta de dores e o mais r icapossível de prazeres". Por outros termos, "a doutr ina que aceitacomo fundame nto da mo ra l a u t i l i dade ou o p r inc íp io da m áx im afel ic idade sus tenta que as ações são jus tas enq uan to tend em a

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promover a fel ic idade e in justas quando tendem a produzir ocon trário da fel icidade. Por fel icidade se entende prazer e ausênciade penas".

A té aí, M i l l está de acordo com Bentham. Mas, di ferentementede Bentham, afirma que se deve levar em conta não somente aquantidade de prazer, mas também a qualidade: "É p referível serum Sócrates doente do que um jumento satisfeito". Para saber"qu al de duas dores é a mais aguda ou qual de dois prazeres o maisintenso, é preciso con fiar no juízo g eral de todos os que têm práticade uns e de outros". E, para Mi l l , também não se del ineia ocontraste entre a maior fel icidade do indivíduo e a fel icidade doconjunto: é a própria vida social que nos educa e radica em nóssentimenos desinteressados.

Tam bém são notáveis os ensaios mil l ian os publicados postu-mamente Sobre a religião (1874). A ordem do mundo comprova umainteligência ordenadora. Mas isso não nos autoriza a dizer queDeus tenha criado a ma téri a, que ele seja onipo tente o u onisciente.Como mais tarde em Wil l iam James, em suma, Deus não é oAbso luto Todo e o hom em é colaborador de Deus no pôr ord em nomundo e no produzi r harmon ia e just iça . Para Mi l l , a re é esperançaque ultrapassa os l imites da experiência. Mas, pergunta-se ele,"por que não nos deixarmos gu iar pela imaginação a um a esperança,

ainda que não sepossa nunca produ zir uma razão provável de suarealização"?

3.10. A defesa da l iberda de do indiv íduo

A liberdade individual é dedicado o ensaio Sobre a liberdade(1859), fruto da colaboração do fi lósofo com sua mulher. Talvezainda hoje esse livr o seja a defesa mais lúc ida e rica de argumentaçãoda autonomia do indivíduo . Mi l l estava profunda me nte convencidodo valor desse l ivro, pois escrevia na sua Autobiografia que elesobrev iveria mais do que qualque r outro l i vr o seu (com a possívelexceção d a Lógica).

O núcleo teórico do trabalho está em reaf i rm ar "a importância ,para o homem e a sociedade, de am pla variedad e de característicase de completa l iberdade da natureza humana a expandir-se emdireções inumeráveis e contrastantes". Na opinião de Mi l l , nãobasta que a l iberdade seja prot etora do despotismo do governo, mastambém precisa ser protegida contra "a t i rania da opinião e dosentimento predominante, contra a tendência da sociedade aimpor, com outros meios além das penalidades civis, as suaspróprias idéias e seus costumes como regras de conduta para os qu edela se dissociam (...) . Há l im ite para a interferênc ia legít im a daopinião coletiva na independência ind ividu al ( .. .)".

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John Stuart Mill: ética, econom ia, política 325

O que Mil l defende é o direito do indivíduo a viver como lheaprouver: "Cada qual é o guard ião único de sua próp ria saúde, sejacorporal, seja mental e seja ainda espiritual". E isso pelo motivofundamental de que o desenvolvimento social é conseqüência dodesenvolvimento das mais variadas in iciativa s individ uais : "P araque a natureza humana possa se manifestar fecundamente, énecessário que os vários indivíduos estejam em condições dedesenvolver os seus diferentes modos de vid a".

Nat uralm ente , a l iberdade de cada qua l encontra o seu l im itena l iberdade do outro. Cabe ao indivíduo "não lesar os interessesalheios ou aquele determinado grupo de interesses que, por ex-pressa disposição da lei ou por tácito consenso, deva ser conside-rado como direi tos". Cabe-lhe també m "assu mir a sua parte nasresponsabilidades e sacrifícios necessários à defesa da sociedadee dos seus membros contra todo prejuízo ou dano". A l iberdadeci vi l im plica : a) liberdade de pensamen to, de religião e de expres-são; b) l iberdade de gostos e l iberdade de projetar a nossa vidasegundo o nosso caráter; c) l iberdade de associação. Portanto, aidéia de M i l l é a da maior l iberdade possível de cada um para obem-estar de todos.

E assim termina Mi l l o seu l ivrete: "O Estado que tende aenfraquecer o valor dos indivíduos para torná-los dóceis instru-

mentos dos seus projetos (ainda que visando bons objetivos) logoperceberá que não se podem realiza r grandes coisas com pequenoshomens e que a perfeição do mecanismo, à qual tudo sacrificou,acabará por não lhe servir m ais para nada, precisamente pela fal t adaquele espír i to vi t a l que ele procurou reduzir a f im de fac i l i tar osmovimentos do próprio mecanismo".

E mais do que nat ura l que ta is idéias acabassem por levar M i l llonge de Comte: aos olhos de M il l , ele prop ugn ara u m abso lutismodespótico ta l de incut i r medo. E M i l l separa "o bom do m au nasespeculações de Comte" no opúsculo inti tu lad o Auguste Comte e opositivismo (1865)

No es pírito do opúsculo sobre a liberdad e, 1869, M il l escreveuo ensaio Sobre a servidão das mulheres. Trata-se de páginas de

elevada sensibi lidade mo ral e de grande agudeza na análise social.Há séculos que a mulher é considerada infer ior "por natureza".Mas, recorda Mi l l , a "natureza feminina" é fato art i f ic ia l , fatohistórico. As mulheres são relegadas ao marg ina l ismo em benefícioexclusivo dos homens, na família, ou, como acontecia então naIng lat err a, nas fábricas. E depois se af irm a que elas não tê m dotesque possam fazê-las se destacar na ciência ou na arte.

Mil l sustenta que o problema deve ser resolvido com meiospolíticos: criar as condições sociais de paridade entre homem emu lher. As idéias de M i l l sobre a emancipação fem inina encontra-

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326 O positivismo

ra m grande ressonância na vir ad a do século na Ing late rra , no seiodo movimento fe min ista pelo sufrágio universa l . E o direi to de votopara as mulheres fo i aprovado pela Inglate rra em 1919.

4 . O p o s i t i v i s m o e v o l u c i o n i s t a d e H e r b e r t S p e n c e r

4.1. Rel igião e ciência são "correlatas"

Charles Da rw in publicou A origem das espécies em 1859. Antes,porém, em 1852, He rbe rt Spencer (1820-1903) pub licara a Hipótesedo desenvolvimento, que apresenta concepção evolucionista. Em1855, apareciam os Princípios de psicologia, em que a teoriaevolucionista era desenvolvida amplamente. E em 1860 Spenceranunciou um projeto de Sistema de filosofia, que deve ria abrangertodo o cognoscível. Fix ou Os primeiros princípios desse sistem a emvolume que apareceu em 1862, em que a teoria evolutiva seapresenta como grandiosa metafísica do universo, dando lugar aum a concepção otim ist a do devir, visto como progresso incontíve l.

Desde o prim eiro capítulo, Os primeiros princípios t ra tam dacomplexa e delicada questão das relações entre relig ião e ciência.De acordo com Wil l iam Hamil ton (f i lósofo, nascido eih 1788 e

falecido em 1856, que divu lga ra na In gla ter ra a filosofia alemã doromant ismo e que teve como aluno e intérpre te Thomas Longuevi l leMansel [1820-1871]), Spencer sustenta que a realidade última éincognoscível e que o universo é mistério.

Isso, af irm a S pencer, é atestado pela religião e pela ciência.Toda teoria rel ig iosa "é teoria a prio r i do universo" e todas as re-ligiões, prescindindo de seus dogmas específicos, reconhecem que"o mundo, com tudo aqui lo que contém e qu e o circunda, é mistérioque pede explicação e que a potência de que o universo é manifes-tação é completamente impene trável".

Por outro lado, na pesquisa científica, "por maior que seja oprogresso feito n a vinculaçã o dos fatos e na formação de generali-zações sempre m ais am plas, por m ais que se ten ha levado adiantea transformação das verdades l imitadas e derivadas a verdadesmais amplas e profundas, a verdade fundamental continua maisinacessível do que nunca. A explicação daquilo que é explicávelnada mais mo stra, com a maior clareza, do que a inexplica bil idadedaqui lo que permanece. Tan to no mundo externo como no mundoíntim o, o cientista se vê circundado por mudanças perpétuas, dasquais não pode descobrir o princípio nem o fim (...). Mais do quequalquer outro, o cientista vê com certeza que nada pode serconhecido em sua última essência". Os fatos são explicados; asexplicações, por seu turno, também são explicadas; mas haverá

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sempre um a explicação a explicar; por isso, a realidade última é epermanecerá sempre incognoscível.

As sim, as religiões atesta m "o mistério que sempre exige serinterpretado" e as ciências remetem a um absoluto que, sendoconhecimentos relativos, jam ais captarão. Mas o Absoluto existe,caso contrá rio não poderíamos falar de conhecimentos relativos. E,por outro lado, "nós podemos estar seguros de que as religiões,ainda que nenhuma seja verdadeira, são todas, porém, pálidas

imagens de um a verdade".Por tudo isso, a religião e a ciência são concil iáveis: ambasreconhecem o absoluto e o incondicionado. Mas, se a função dasreligiões é m an ter vivo o sentido do m istér io, a função da ciência éa de estender sempre para além o conhecimento do relativo, semnunca captar o Absoluto. E, se a rel ig ião erra ao se apresentar comoconhecimento positivo do incognoscível, a ciência err a ao pretenderincluir o incognoscível no interior do conhecimento positivo.

En tre ta nto , diz Spencer, tais contrastes estão destinados a seatenuar sempre mais com o tempo. E, "quando a ciência estiverconvencida de que as suas explicações são próxima s e relativ as e areligião e stiver convencida de que o mis tério que ela contem pla éabsoluto, reinará entre ambas a paz permanente". Em suma, p araSpencer, rel igião e ciência são correlatas. Elas são "como que o pólo

positivo e o pólo negativo do pensamento: um não pode crescer emintensidade sem aumentar a intensidade do outro". E, observaagudamente Spencer, se a religião teve "o elevado mérito de terentrevisto desde o início a úl t im a verdade e nunca te r deixado deinsis t i r n ela", tamb ém é verdade que foi a ciência que ajudou ouforçou a religião a se pu rific ar dos seus elementos não-religiosos,como os elementos a nim istas e mágicos.

4.2 . A evolução do universo: do homogêneo ao h eterogêne o

A té agora, vimos q ua l a idéia de Spencer sobre a religião e aciência, bem como sobre a sua concil iabil idade. Mas q ua l o lug ar equa l a função da fi loso fia no sistema de pensamento spenceriano?

E m Os primeiros princípios, a filosofia é definida como "o conhe-cimento do mais alto grau de generalidade". Para Spencer, asverdades científicas desenvolvem, ampliam e aperfeiçoam os co-nhecimentos do senso comum. Ent retan to, elas existem separadas,até quando , em u m processo contínuo de unificação, são agrupada se logicamente organizadas a pa rt i r de algum pr incíp io fun dam enta lde mecânica, de física molecu lar e assim por d iante.

Pois bem, "as verdades da fi losofia têm (...) com as mais altasverdades da ciência a mesma relação que cada uma delas tem comoas mais hum ildes verdades científ icas. Como toda ampla general i -

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H. Spencer (1820-1903) foi o teórico da evolução do universo,entendida como passagem do homogêneo ao heterogêneo.

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Spencer: a evolução cósmica 329

zação da ciência abrange e consolida as mais estr itas generaliza-ções de suas própria s partes , da mesma form a as generalizações dafi losofia abrangem e consolidam as amplas generalizações daciência".

A f i losofia, portanto, é a ciência dos primeiros princípios, é ocampo onde se leva ao extremo l im ite o processo de unificação doconhecimento. A fi losofia "é produto final daquele processo quecomeça com a pu ra vinculação de observações prim ária s, con tinuacom a elaboração de proposições sem pre m ais a mp las e separadasdos fatos particulares e termina em proposições universais. Paradar a definição da forma mais simples e clara, podemos dizer: oconhecimènto de ínfimo grau é conhecimento não unificado; aciência é conhecimento parcialmente unificado; a filosofia é co-nhecimento completamente unificado".

Para alcançar esse objetivo, a fi losofia não pode deixar depa rti r dos que são os princípios ma is vastos e gerais a que chegoua ciência. Par a Spencer, tais princ ípios são a ind es tru tibi l id ad e dama téria, a continuidade do movim ento e a persistência da força.Princípios desse tipo não são próprios de uma só ciência, poisinteressam a todas as ciências. E, por o utro lado, são unificados emprincípio mais geral , que, na opinião de Spencer, é o "da distr ibui-

ção contínua da m atéria e do movim ento". N a real idade, escreveele, "o repouso absoluto e a permanência absoluta não existem : todoobjeto, bem como a reunião de todos os objetos, sofre a cada instantea lguma mudança de estado". A le i dessa incessa nte e gera l mudan-ça é a lei da evolução.

Fo i em 1857, em artig o sobre o progresso, que Spencer intr o-du ziu pela prim eir a vez no vocabulário filosófico-científico o te rmo"evolução". Dois anos depois, D ar w in to rn ar ia o term o célebre como seu livro sobre a evolução das espécies por obra da seleçãonatural . Mas, enquanto Darwin se l imita à evolução dos seresvivos, Spencer fa la de evolução do universo.

A prim eira característ ica da evolução é que ela é a passagemde uma forma menos coerente a um a forma mais coerente (por

exemplo, o sistema solar, que saiu de uma nebulosa). A suasegunda característ ica fu nda me ntal é a de que é a passagem dohomogêneo ao heterogêneo: esse fato, sugerido a Spencer pelosfenômenos biológicos (as plantas e os animais se desenvolvemdiferenciando órgãos e tecidos diversos), vale também para odesenvolvimento de qualquer âmbito da real idade, tanto para al inguagem como, por exemplo, para a arte. A terceira característ icada evolução é que ela é a passagem do indefinido ao definido, comono caso da passagem de tribo selvagem a povo civi l izado, onde ta-refas e funções estão claram ente especificadas.

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330 O positivismo

Dete rmina das as características da evolução, Spencer lhe dáa seguinte definição conclusiva: "A evolução é a integração dematéria acompanhada da dispersão de movimento, em que amatéria passa de homo geneidade indefinida e incoerente aheterogeneidade definida e coerente, ao passo que o movim entocontido sofre transformação paralela."

4.3. B iologia, ét ica e sociedade

A evolução do universo é processo necessário. O ponto depar tida da evolução é a homogeneidade, que é estado instá vel. E"em todos os casos encontramos progresso em direção ao equilí-brio". No que se refere ao hom em, "a evolução só pode term inar (.. .)com o estabelecimento da maior perfeição e da mais completafelicidade". Naturalmente, ais condições de equilíbrio podem nãodu rar, desaparecer e se dest ruir , mas ta mb ém a condição de caosq dissolução não pode ser definitiva, já que dela se inicia novoprocesso de evolução. Assim, o universo prog ride, e progride paramelhor. Aí reside o otimismo do posi t iv ismo evolucionista deSpencer.

Spencer apresenta uma visão metafísica do evolucionismo.Mas e le também ten tou especificar a sua teoria em vários e precisos

terrenos. N o que se refere à biologia, Spencer sustenta que a vidaconsiste na adaptação dos organismos ao am biente , que, muda ndocontinuamente, os desafia. E os organismos respondem a essedesafio diferenciand o os seus órgãos. E as sim que S pencer reconheceo princípio de Lam ark , segundo o qua l a função, isto é, oprolongadoexercício de um a reação específica do ser vivo, precede e, lentamente,produz a determ inação dos órgãos.

Depois, uma vez que o ambiente agiu sobre o ser vivo, pro-duzindo estruturas e órgãos diferenciados, então a seleção n at ur al— sobre a qua l Spencer pensa como Da rw in — favorece "a sobre-vivência do mais adequado". E, a propósito dos mais adequados,Spencer insiste na transmissão e acumulação das mudanças or-gânicas individuais por hereditariedade. Sobre a questão da deri-

vação da vida orgânica a partir da vida inorgânica, Spencer seincl ina a considerar que a vida orgânica tenha origem em umamassa que, embora indifere nciad a, possui no entan to a capacidadede se orga nizar.

Divers am ente de Comte, Spencer pensa que a psicologia sejapossível como ciência autônoma. E sua função é examinar asmanifestações psíquicas dos graus mais baixos (por exemplo, osmovimentos reflexos) para chegar às formas mais evoluídas, exa-min and o como elas se ma nifes tam na criação das obras de arte ouno traba lho de pesquisa dos grandes cientistas.

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Adem ais, Spencer reconhece na consciência hum ana elemen-tos a priori, no sentido de que são independentes da experiênciasingular e tempora l do indivíduo. Nesse sentido, portanto, Leibnize Kant teriam razão. Mas Spencer recorda (e essa questão é degrande interesse) que aquilo que é a priori para o indivíduo é aposteriori par a a espécie, no sentido de que determinad os compor-tamentos intelectuais uni formes e constantes são produto daexperiência acu mulada da espécie no seu desenvolvimen to, que é

tran sm itida por hereditar iedade na es trutu ra orgânica do sistemanervoso. Ao co ntrário de Ka nt , neste caso a priori não eqüivale aválidos: não está excluído que experiências e esquemas fixados eherdados possam estar errados e, assim, possam m ud ar.

Ai nd a diferen teme nte de Com te, Spencer concebe um a socio-logia orientada para a defesa do indivíduo. T anto em O homem contrao Estado (1884) como emEstática social (1850, reeleborado em 1892)e nos Princípios de sociologia (1876-1896), Spencer susten ta que asociedade existe para os indivíduos e não vice-versa e que odesenvolvimento da sociedade é determ inado pela realização dosindivíduos.

Conseqüentemente, Spencer olha com desconfiança para aintervenção do Estado. Em O homem contra o Estado, ele crit ica "o

grande preconceito da época presente", que, em sua op inião, con-siste no direi to divino do Parlamento. Para ele, uma autênticateoria l iberal deve negar a autoridade i l imitada do Parlamento,como o velho l iberal ismo negou o i l imitado poder do monarca.Assim , tam bém Spencer é l iber a l . Mas , d iversam ente dosuti l i tar istas e de Johan Stuart Mi l l , é contrário aos que pensammud ar o mund o ou acelerar o curso da hist ór ia com a vontade ecom as reformas. Nem a educação pode fazer muita coisa: "Domesmo modo como não se pode abrev iar o cam inho e ntre a in fân -cia e a m atu rida de , evitando aquele tedioso processo de crescimentoe desenvolvimento que se opera insensivelm ente, com leves inc re-mentos, tam bém não é possível que as form as sociais mais baixasse tornem mais elevadas sem atravessar pequenas modificaçõessucessivas".

A ati tude de Spencer, portanto , é tam bém conservadora. Vê odesenvolvimento gra du al da sociedade, que a levou do regime mi-litar (no qual o poder do Estado domina os indivíduos) ao regimeindustrial ( t ip i ficado pela atividade independente dos ind ivíduos).E, no que se refere ao indus tr ia l ism o, Spencer vê os seus l im ites noprincípio do lucro e tamb ém n a pouca impo rtânc ia que ele dá àsatividades l ivres.

A ética de Spencer é ética naturalista-biológica, que nemsempre concorda com a ética uti l i ta r is ta de Benth am e dos dois

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332 O positivismo

Mill. Os princípios éticos, as normas e obrigações morais sãoinstru me ntos de sempre me lhor adaptação do home m às condiçõesde vida. E a evolução, acum ulando e transm itindo por heredi ta-riedade experiências e esquemas de comportamento, fornece aoindivíduo a priori morais que, precisamente, são a priori parao indivíduo, m as a posteriori pa ra a espécie. E, as sim como algunscomportam entos essenciais pa ra a sobrevivência da espécie (prote-ger a própria mulher, educar os fi lhos etc.) já não têm o peso da

obrigação, o mesmo também acontecerá com os outros "deveres"mo rais no progresso da evolução: "As ações mais elevadas, requeridaspara o desen volvimento harm ônico da vida serão fatos tão comunscomo hoje o são as ações inferior es às quais nos im pele o simplesdesejo".

5 . O p o s i t i v is m o m a t e r i a l i s t a n a A l e m a n h a

5.1. L ineament os gera is

De 1830 em diante, a Alema nha, em período relativame ntebreve, passou de economia agrícola-artesan al a economia indu str ia le comercial. A u nião a lfand egá ria ocorreu em 1834. Na Prúss ia, odesenvolvimento da in dú str ia de mineração as sum iu proporçõesimpressionantes, o mesmo ocorrendo com a indú str ia meta lúrgicae a m anu fatu ra de tecidos na Saxônia e no Sul da Alemanha. Asferrovias se m ult ip l icar am . O carvão e o ferro transformaram-senas palavras-de-ordem desse período. As escolas também se re-novaram. E as ciências, sobretudo com a física, a química e afisiologia, conheceram portentosos saltos adiante.

Nessa situação, por um lado, assistimos à evolução da esquerdahegeliana, mas, por outro lado, já quase extintos os entusiasmospela Naturaphilosophie do período român tico, um grupo não nu-meroso de médicos e naturalistas, provenientes das renovadasfaculdades de m edicina alemãs, dá origem a um movimento c ul tural ,de grande sucesso na época, que foi definido tam bém com o nome

de posi t iv ismo material ista alemão.Os representantes mais conhecidos desse movimento foremKa r l Vogt, Jakob Moleschott, Ludw ig Büchner e Er ns t Haeckel. Oelemento característico do posi t iv ismo ma teria l ista é a lut a contrao dual ismo de maté ria e espír i to e contra as metafísicas da trans-cendência, luta trava da em nome de outra m etafísica: a metafísicamaterial ista. Em essência, os monistas material istas alemãespretenderam decretar o tr iu nfo defin i t ivo do mecanismo biológicoe, simu ltanea me nte, a derrocada da concepção es pirit ua lista e te-leológica do homem e da natureza.

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5.2. Jak ob Molescho t t e a sacral ização da m atér ia e da v ida

Jakob Moleschott (1822-1893), fisiólogo, influenciado pelaobra de Feuerbach e também de Alexander von Humboldt, fo iobrigado a deixar a Universidade de Heildelberga, onde ensinavafisiologia, em vir tud e da publicação, em 1852, do l ivr o Circulaçãoda vida. Respostas fisiológicas às cartas sobre a química de Liebig.Trans ferindo-se p ara Zuriqu e, foi chamado a ensinar fisiologia,

depois de consti tuído o Reino da Itá l ia, pr im eiro em T u r i m e depoisem Roma.Na Itál ia, ensinou fisiologia, mas também tornou-se ardente

paladino de uma cul tu ra la ica e anticler ical , em consonância coma classe política então no poder. E de 1850 o l ivr o A doutrina daalimentação para o povo, que sustenta que a melho ria da al ime n-tação é condição essencial para a emancipação dos operários ecamponeses. "Não há pensamento sem fósforo", dizia Moleschottcontra os espir i tual istas. Para ele, a natureza opera sem nenhumaintervenção divina. Feuerbach escreveu l isonjeira resenha dotrabalho de Moleschott, resenha que termina com a famosa ex-pressão: "O hom em é aquilo que come".

Em suas Cartas sobre a química (1844), Liebig dissera que "aciência da natureza deriva (...) o seu elevado valor do serviço deapoio ao cristianismo" e afirmara que a razão pode estabelecer aexistência de princ ípio supe rior, que preside o desenvolvimento dosfenômenos natura is . Contra L ieb ig , na Circulação da vida,Moleschott argumenta teoricamente que, para ser expl icada, avida não necessita da idéia de um sumo artífice, já que ela éprocesso contínuo que, através da dissolução, se regenera c onti-nuam ente. Escreve Moles chott: "A des truição serve de base para aconstrução". Por isso, a morte é a fonte da vida. Em conseqüência,provocando grande escândalo, Moles chott chegou a pregar que e ranoscem itérios onde o terreno era mais fért i l , que se deviam cu l t ivaros cereais para nutrir os homens. Tratava-se da dessacralizaçãodos valores tradicionais da religião em nome da sacralização damatér ia e da v ida.

5.3. Kar l V ogt cont ra Rudo l f Wagnersobre a existência da a lma

Em torno da década de 50, a controvérsia sobre o mater ia l ismoteve ponto de referência na disputa — dura e que interessouvivamente a um públ ico muito vasto — entre o f is ió logo RudolfWagner(1805-1864)eozoólogoV. Karl Vogt (1817-1895). E m 1834,Vogt freqüentava o laboratório de Liebig em Giessen, mas, pormotivos políticos, teve que concluir os seus estudos na Suíça.

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334 O positivismo

Depois de passar alguns anos na França, voltou a Giessen. Mas,tendo participado das lutas de 1848 (foi inclusive membro doParlamento de Francoforte), fo i obrigado a deixar defin i t ivam entea Alemanha. Então, f ixou moradia em Genebra, onde ensinouzoologia.

Contrário à idéia criacionista e ao relato bíblico sobre ahistór ia da terra e o desenvolvimento da vida, Vogt também eraavesso às novas idéias socialistas: escreveu violento l ibelo contra

Marx, acusando-o de ser chefe de um bando de aventureiros semescrúpulos. Ma rx respondeu-lhe na bucha comO senhor Vogt (1860).Nas Cartas fisiológicas (publicadas a partir de 1845), Vogt

rejei tou, no estudo do homem, a idéia de alma im ate ria l : "Todasaquelas capacidades que nós abrangem os sob o nome de atividadespsíquicas são apenas funções do cérebro; ou, para nos exprim irmosde modo um ta nto grosse iro (...), os pensamentos se enc ontra m n amesma relação com o cérebro que a bíl is com o fígado ou a urin a comos rins."

Com vá rios escritos e em diversas ocasiões (como, por exem-plo, no Congresso dos médicos e natu ral ista s real izado em Gotingaem 1854), lançou-se con tra Vo gt o fisiólogo R udo lf W agn er, que, noensaio Sobre ciência e fé, com particular referência ao futuro dasalmas (1854), afi rmou que a existência de alma imortal era de-

fensável, não com base em argumentações fisiológicas, mas comexigência de uma ordem mo ral do mundo. W agner disse ainda quenen hum a consideração fisiológica leva a excluir a existên cia de al-ma imater ia l , que não há nen hum co ntraste entre ciência e fé e que,em ma tér ia de fé, ele escolhe a fé hu m ilde e l ím pida do carvoreiro.

Nesse mesmo ano (1854), Vogt respondeu a Wagner com oescrito A fé do carvoreiro e a ciência, no qual i roniza pesadamentesobre as pobres almas de Wagn er, priva das do seu corpo depois damorte, somente capazes de pensar e entediadas em sua longaespera para vo ltar à ter ra. V ogt reconhece que não é fác il exp licaras atividades psíquicas com a fisiologia, mas reafirma a arbitrari-edade da explicação espiritualista.

5 .4 . Lud wig Büchne r e a e t e rn idade da ma t ér ia

A polêmica entre Vogt e Wagner foi vio lenta, envolvendooutros cientistas, fi lósofos e teólogos. Mais pacato, porém, nadefesa do material ism o, fo i Lud wig Büchne r (1824-1899). M édicoe l ivre-docente em T ubinga , publ icou em 1855 uma obra de amplosucesso, intitulada Força e matéria. Simples e bri lhante, reme-tendo-se a Mo lesc hott, B üchner sustenta que o ma terial ism o eraa conclusão inevi táv el "de um estudo impa rcial da na tureza combase no empirism o e na filosofia".

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O positivismo alemão 335

Para Büchner, a força é uma propriedade da matéria. Por isso,é insustentáve l a tese pela qual ex ist iria um a força em condições decriar o mundo, sendo an terior ao própr io mundo. A m atér ia é eternae indestrutível e as le is da natureza são eternas e universais.Ademais, o espírito nada mais é do que "o efeito do concurso demuitas substâncias dotadas de qualidade e força". Por isso, elecomparava a ação do cérebro à de um a m áqu ina a vapor.

5.5. Em il du Bois-Reym ond e "os sete enigmas do mu ndo"

Já o fisiólogo Emil du Bois-Reymond (1818-1896) se mantémdistante das seguranças do gmáticas de Moleschott, Vogt e Büchner.Du Bois-Reymond afi rma que o melhor tipo de conhecimento danatureza nos é apresentado pela mecânica celeste: "O conhecimentoastronômico de um s is tema mate r ia l é o ma is perfeito conhecimentoque podemos obter do sistema". O modelo da cientificidade, po rtanto,é o do "conhecimento astronômico", isto é, o da Inteligência deLaplace.

O conhecimento laplaciano ou astronômico, na opinião de duBois-Reymond, está destinado a encontrar obstáculos insuperá-veis em sua marcha. Em uma conferência que ministrou emBe rlim , em 1872, ele enum erou três desses obstáculos: 1) a origem

da matéria e da força; 2) a origem do movimento; 3) os proces-sos da consciência que "estão fora d a le i da causalidade". Dia ntedesses problemas, o cientista deve pronunciar um único veredito:ignorabimus! A esses três enigmas, em out ra conferência, p roferidaem 1880 e i n t i tu lada Os sete enigmas do mundo, o autor acrescentaoutros quat ro: 1) a origem da vida; 2) o finalismo da naturez a; 3) aformação do pensamento e da linguagem ; 4) a liberdade do que rer.

Esses, portanto , são os sete enigm as do mund o. E, con clui d uBois-Reymond, "se Leibn iz, erguendo-se sobre os seus próprios pés,pudesse participar hoje de nossas meditações, é certo que diriaconosco: dubitemus!"

5.6. E rns t Haeck e l e o mun do sem en igmas

Menos dúvidas que du Bois-Reymond, porém, t inha ErnstHaeckel (1834-1919), professor de zoologia na Universidade deJena e autor de Morfologia geral dos organismos (1866), queapresenta m uita s observações e fatos em defesa da teoria darw inianada evolução, a propósito da qual Haec kel form ula a "le i biogenéticafun dam enta l", que estabelece para lelism o entre o desenvolvimentodo embrião individual e o desenvolvimento da espécie à qual elepertence. Para o homem, "a ontogênese, ou seja, o desenvolvimentodo indivíduo , é uma breve e rápida repetição (um a recapitulação)

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da filogênese ou evolução da estirp e à qua l ele pertence , isto é, dosprecursores que formam a corrente de progenitores do própriaindivíduo, repetição determinada pelas le is da herança e daadaptação".

Em 1899, Haeckel pub l icou o l i v ro Os enigmas do mundo, qu eteve difusão fora do norm al: fo ram vendidos cerca de quatrocentosmil exemplares, o que demonstra que essas idéias iam bem alémdos restrito s c írculos dos cientistas e fi lósofos. Para Haeck el, a "leida substância" é "a única ve rdad eira le i cosmológica que abrang ea lei quím ica da conservação da maté r ia e a le i física da conservaçãoda energia". Com base nessa lei, "a m até ria como subs tânciaextensa e inf in i t a e o espírito (ou energia) como substânc ia sencientee pensante são os dois atrib uto s ou propriedades fund am ent ais daoniabrangente e divina essência da substância univers al".

Ta l monismo m ater ial ista , na opinião de Haeckel , estaria emcondições de resolver os enigmas do mundo: a ma tér ia e a força, omovimento e a consciência não têm pro priamen te origem , visto quesão atr ibutos da substância única; nem cons ti tu i enigma o f ina l ismoda natureza, que é red utív el ao ordenamen to mecânico da natureza;a formação da vida e da l inguagem se explica com a evolução; al iberdade da vontade é el imina da como i lusão.

Embora f reqüentemente se apresente como arb i trár io e quase

sempre dogmático em suas especulações filosóficas, Haeckel al-cançou enorme sucesso. E isso deve ser debitado ao espírito ro-mântico do posi t iv ismo, que é um a filosofia na qua l a ciência é vis tacomo meio absoluto de conhecimento, mas ainda como único eabsoluto meio de l ibertaç ão e salvação.

5.7 . O posi t iv ismo socia l de Ern st Laas e Fr ied r ic h J od l

Para termos u m quadro completo do posi t iv ismo na Alemanha ,deve-se dizer que, além dos positivistas material istas, houvepensadores como Laas, Jodl e Dühring, que desenvolveram averte nte do positivism o social, remetendo-se ma is a Feuerbach doque a Saint-Simo n ou Com te.

Ernst Laas (1837-1885) foi autor de uma obra int i tu ladaIdealismo e positivismo, onde toda a histó r ia da f i losofia é vistacomo campo de batalha entre dois tipos únicos de fi losofia: oplatonismo e o positivismo. Para Laas, porém, em suas diversasformas, o platonismo não está em condições de satisfazer asnecessidades materiais e espir i tuais do homem, coisa que oposi t iv ismo pode fazer, pois sua mo ral é "mo ral para esta vida, commotivos que encontram no aquém a sua raiz". Afi rmando a sol i -dariedade social e o progresso da cultu ra, La as vê "a idade de ouronão atrás de nós, mas à nossa fren te".

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O positivismo alemão 337

Con trário à rel ig ião da huma nidade de Comte, Frie drich Jod l(1848-1914) é, entre outra s coisas, aut or de um a História da ética(1888-1889), onde sustenta que a hum anidad e é capaz de ape rfei-çoamento, mas nunca será perfeita, razão por que não devemosadorá-la nem venerá-la: "Não cul to, mas cul tur a é a palavra queabre as porta s do fut uro : não devemos adorar a huma nidad e, masform á-la e desenvolvê-la". Escreve aind a ele: "O ideal, em nós, é afé na sua progressiva realização atrav és de nós: essa é a fórmula danova rel ig ião da humanidade". M onista m ateria l ista, Jodl é avessoàs metafísicas transcendentes, afirmando que (e essa é a suametafísica) "entre a substância e o pensamento, que é uma funçãodessa substância no homem, nada m ais há do que toda a his tó riada evolução do mundo orgânico".

5.8. Eu ge n Düh rin g e o social ismo personal ista

O m ais conhecido posi t iv ista social a lemão é Eugen D üh rin g(1833-1921), conhecido tamb ém — ou talvez sobretudo— pelo l ivr oque Engels escreveu contra ele (o Antidühring, 1878). Fo i esc ritorfecundo e bri lhante. Seus trabalhos tratam da f i losofia teórica(Dialética natural, 1865; Curso de filosofia; 1875; Lógica e teoria daciência, 1878), da histór ia da ciência (História crítica dos princípios

universais da mecânica, 1873) e da economia política (Curso deeconom ia política e social, 1873; História crítica d a econom ia po-lítica e do socialismo, 1871).

Ele alimentava elevado conceito de si mesmo, a ponto deconsiderar-se autêntico reformador da humanidade. Livre docentena Universidade de Ber l im, foi dela afastado pelos ataques violentosque desfechou contra Helmholtz. Mas, na realidade, era polêmicocom todos, dos judeus aos socialistas. Segundo Dühring, Hegellevou ao ponto culminante os seus "del ír ios febris", Darwin "écampeão de brutal idade contra a human idade", Lassal le "é l ibe l is tavu lgar" e os escritos de M ar x devem ser citados como "sintom as dainfluência da moderna escolástica sectária".

Influenciado pelas razões do positivismo e também pelas da

tendência do "retorno a Kan t", Düh ring, defensor de r íg ido monismognosiológico e metafísico, considera o idealismo como imagina çãoinf an ti l , incapaz até de dist ingu ir entre alucinação e real idade. N ocampo ético-social, Dühring defendeu um tipo de socialismo quechama de personalismo, no qual os fatores políticos assumem pa pelsupe rior ao dos fatores tipica me nte econômicos e que protege u m atransformação não traumática da sociedade.

Erguendo-se contra a dialética hegel iana, subvert ida porM a r x e por ele uti l izada como princípio de interpretação histór ica ,Dühring escreveu: "Dif ic i lmente homem judicioso se deixaria

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338 O positivismo

convencer da necessidade da propriedade comum do solo e docap ital com base no créd ito dado aos embustes de Hegel, u m dosquais é a negação da negação (...). A h íbr ida form a nebulosa dasidéias de Marx, ademais, não surpreende quem sabe o que podesurg ir ou que extrava gânc ias podem aparecer quando se toma porbase científica a diáletica de Hegel". Assim, é compreensível areação de Engels.

6 . O p o s i t i v i s m o n a I t á l i a

6.1. L ineament os gera is

Em bora Cattaneo e Fe rra ri já houvessem antecipado temaspositivista s, deve-se dizer que, na Itá l ia , o pos itivismo se impõe ese difund e sobretudo depois da unif icação, aproximada mente entre1870 e 1900, dando seus melhores frutos na reflexão sobre acriminologia (Lombroso), na pedagogia (Gabel l i e Angiul l i ) , nah is tor iograf ia (Vi l la r i ) e na medic ina (Tommasi e M urr i ) . A f igurade maior relevo do posi t iv ismo i ta l iano foi Roberto Ardigò. Opensador positivista estrangeiro que teve maior repercussão naItál ia fo i Herbert Spencer.

Contrários ao espi r i tua l ismo dos filósofos anteriores (Rosm ini,Gioberti) e avessos ao idealismo que se difundia na Itál ia meri-dional , os posi t iv istas i ta l ianos reafi rmaram a necessidade derelacionar a fi losofia com o desenvolvime nto das teorias cien tíficas,assumiram ati tude crít ica em relação às metafísicas da trans-cendência e do espírito e renovaram os estudos antropológicos,jurídicos e sociológicos.

Na Itá l ia, o posi t iv ismo envolveu inclusive intelectuais quetiveram funções dir igentes no movimento operário (Ferr i ) , tantoque, como escreve M . Q uara nta, "o próprio m arxismo i ta l iano , emsua vertente dominante, se configurou como uma variante posi-tivista". Ademais, deve-se recordar que, nesse período, nascempublicações como a "Revista de Filosofia Científica" (1881-1891),dir ig id a por E. Mo rsel l i , que se propunh a como objetivo "a v i tór iado método expe rimen tal e a conjugação de fin i t iva entre f i losofia eciência também na Itá l ia", ou como o "Arquivo de psiquiatr ia,ciências penais e antropologia cr iminal", fundado em 1880 porLombroso, com E. Fe rr i e Rafael G arofalo como co-diretores.

6.2. César Lombroso e a socio logia do cr im e

César Lombroso (1836-1909) e E. Fe rr i rea l izaram contr ibu i-ções relevantes no campo da sociologia do crime. Não devemos

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Positivismo italiano: sociologia e medicina 339

esquecer que nos encontramos no período em que a sociedadeital iana desencadeia o seu processo de industria l izaçã o (com todosos problem as human os e sociais que ele comporta), quando e ramprem entes as graves questões resultante s da unificação nacional.

Foi pelo exame do crânio do criminoso Vilel la (1871) queLombroso pensou encontrar a confirmação de suas teses geraissobre a delinqü ência. E m O hom em delinqüente (1876), Lombroso,que foi diretor do manicômio de Pavia e depois professor de

psiquiatr ia e antropologia cr iminal em Turim, sustenta que "oscriminoso s não cometem delinqüências po r ato consciente e l ivre demá von tade, mas sim porque têm m ás tendências, tendências querepete m sua orige m em organização física e psíquica diferente danormal". A part i r dessa premissa, a "escola posi t iva de direi topenal" (isto é, a escola de Lombroso) deduzia que o direito dasociedade a pu ni r os delinqüentes não se baseia na responsabili-dade ou na m aldade do criminoso, mas s im no fato de ser perigosopara a sociedade.

E m su ma, embora dist inga v ários t ipos de delinqüentes (de-l inqüente nato, delinqüente ocasional, delinqüente louco, delin-qüente por paixão ou hábito), Lombroso afi rma que a maior partedos d elitos é realizad a por indivídu os biologicamente inclinados aodelito. E especifica as características anatômicas e de caráter dodelinqüente nato: "a escassez de pêlos, a pequena capacidadecraniana, a testa retraída (...) , o grande desenvolvimento dasmandíbulas e das maçãs do rosto (...), a pequena sensibil idade àdor, a completa insensibi l idade mora l , a indolência (.. .)". O de l in-qüente nato é "desprovido do senso de pudor, do senso de probidade,do senso de piedade" e se assemelha "ao hom em selvagem".

O ut ra tese defendida por Lombroso é a da aproximação ent reo gênio e a louc ura, tese que provocou polêmicas incessantes. E mGênio e degenerarão (1897), com efeito, Lombroso ch ama a atençãopara os fenômenos regressivos que se dão no curso da evolução,pelos quais o desenvolvimento acentuado em uma direção seacompanha de regresso ou estancamento em outras direções,"freqü ente me nte no órgão que é a sede da maio r evolução", isto é,

o cérebro: isso explicaria as formas mais ou menos graves deloucura ou de perversão que podem ser encontradas nos homens degênio.

E. Ferr i (1856-1929), que foi social ista e diretor do jornal"Avanti !", escreveu um Relatório pre l im inar para um "Pro je to deCódigo Penal Ita l ia no" (preparado em 1919, mas que nunca en trouem vigor) e é o autor de um a Sociologia criminal que cr i t ica a idéiada l ivre vontade, estuda os fatos cr iminosos, sem apresentaraval iações morais e procurando muito mais identi f icar as suascausas em fatores biopsicológicos, e afirma que a pena não é ato

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340 O positivismo

expiatório, mas apenas um meio de eliminação da periculosidadesocial dos criminosos .

Os debates e controvérsias e m torno das idéias de Lombroso eFe rr i tornaram-se freqüentes e candentes, provenientes de váriasdireções. Entre as críticas, não podemos esquecer as do sociólogoNapoleão Cola janni, que censurava a escola antropológico-cr iminalpor supervalorizar os fato res físicos e antropológicos e não tomar nadevida conta os fatores sociais da del inqüência.

6.3. U m méd ico pos i ti v is ta : S a lvador Tom mas i

Outro pensador que teve certa ressonância no seio dopositivismo ital iano foi o clínico e fisiológico Salvador Tommasi(1813-1888), professor inicialm en te e m Pa via e depois de 1864 emNápoles. Na introdu ção ao prim eiro curso de sua cátedra, Tomma siafi rm a que "nas ciências objetivas e natu rais, a dou tr ina não podeconsistir em um a priori, não pode su rgi r de especulações m etafísicas,não pode ser um a intuição e mu ito menos um sentimen to."

E m O naturalismo moderno (1866), Tomm asi proclama que"nós somos da escola de Galileu" e diz que "o filósofo deve marcarapenas com a experiência e o conteúdo dos seus conceitos univer-sais". Para ele, em todas as ciências na tur ais e, por tan to, tam bémna med icina, as do utrin as n ada ma is são do que "a lei ou conjuntode leis logicame nte conexas, ao qua l o nosso e ntendime nto e a razãodão form a pró pria de idealidade que, nascida do fato ou dos fatosexperimentais, conforma esses fatos com a natureza científica e,em seguida, nos ajuda a estudar bem outros fatos experimental-mente e a dist ingu ir en tre eles o essencial do acidenta l, a aparênciada realidade, o passageiro e efêmero do que é cons tante".

Tommasi chama esse tipo de pensamento de naturalismomoderno, fi losofia que não pretende em absoluto "proclamar oindivíduo entre as ciências naturais e as ciências especulativas emorais". Tommasi não se desconcerta diante da acusação dema terial ism o: "Que se chame de m ate riais os progressos prom ovi-dos pelas ciências naturais; mas, em sua material idade, eles têm

ta l poder que o espírito do mu ndo fo i renovado e m poucos lustro s".

6.4. Augusto Mu rr i : método cien t í f ico e lógica da d iagnose

Nesse período, um a figura bem mais im po rta nte do que a deTom mas i (cujo interesse pela metodo logia á era bem destacado) foia do clínico bolonhês Augu sto M u r r i (1841-1932), que, laico e "posi-t iv is ta", se destaca na his tór ia da metodologia científica com a forçade um a série de idéias que o colocam à altu ra de um C . Bern ard ouaté dos ma is aguerridos m etodologistas contem porâneos.

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Positivismo italiano: sociologia e medicina 3 4 1

M u rr i estava persuadido de que "não há dois ou mais métodospara alcançar a verdade, mas apenas um. As doenças dos hom enscon stituem fato n at ur al e, se quisermos conhecê-lo, devemos per-correr o único cam inho que leva ao conhecimento da na tureza ". E ,para conhecer a natu reza , é preciso antes de ma is nada inv en tar eim agin ar mun dos possíveis, isto é, é preciso levan tar hipóteses econstruir teorias: "A inventiva e a especulação são as primeirasqualidades do espír i to humano tamb ém para as ciências (...). Como

não posso forçar a natureza a responder-me claramente, devo entãolevantar hipóteses, al iás, todas as hipóteses possíveis". Narealidade, "a nossa imaginação é menos fé rt i l do que a natureza nocogitar combinações de fenômenos".

Mas, afirma Murri, esse esforço de imaginação deve estarl igado a extre ma severidade na crítica das hipóteses, com base naverificação o u não de suas conseqüências: "A me nte c ientífica (...)é mente vigi lante em relação ao que os seus conhecimentos im-plicam". Portanto, imaginação fecunda (de hipóteses) e críticarigorosa (de tais hipóteses) consti tuem para Murr i a sístole e adiástole do método científico. E devemos critica r as nossas hipóteses(sejam elas teorias físicas ou biológicas, sejam conjecturas dequím ica ou diagnoses) pelo princípio lógico de que tudo aquilo queparece verdadeiro pode ser falso.

Escreve M u rr i em Quatro lições e uma perícia (1905): "Nossarazão não tem nada de infalível aparelho gerador de luz: é estra-nho, mas somos precisamente nós, racionalistas, que mais duvi-damos dela. Já o dissera o príncipe dos raciona listas: a pretensãode nunca e rrar é idéia de loucos. E, no entanto, nós adoramos arazão, porque acreditamos que ela é a única que pode nos dar osaber".

Quem não erra, não existe. O import ante , repetia M u rr i aosseus alunos , é aprender com os nossos erros: "Som ente os tolos e ossemideuses, que se acredi tam inv ulneráve is, tom am a crít ica poraversão. En tre tan to, a crítica pode não ser o ma is elevado, mas écertamente o mais fund am ental dote do espír i to, porque c ons ti tu ia mais eficaz profi la xia do erro. Só podem considerá-la v i l os que,

se ela não existisse, pass ariam por gênios".Mas quem ama a verdade, "essa deusa suprema de todas asalmas nobres", nunca c onfu ndirá a crític a com aversão, pois sabeque o cam inho para a verdade passa pela eliminação do erro, sabeque "todo d ia secorrige um erro, todo dia semelhora um a verdade,todo dia se aprende a saber m elhor o que podemos fazer de bom eo que aind a estamos condenados a de ixar acontecer de ma l, todo diaerramos menos que na véspera e aprendemos a esperar fazermelhor am anhã. Er ra r! É palav ra que assusta o públ ico. Err ar àsnossas custas? E rr ar às custas de nossa vida? A surpresa parece

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342 O positivismo

justís sim a, a acusação parece grave! E, no enta nto, o u nos av entu-ramos ao perigo de erro ou renunciamos aos benefícios do saber.Não há outro caminho".

Determ inista na concepção do universo e contr ário às "verdadeseternas sobre as quais os metafísicos ainda não se puseram deacordo", Murri é fal ibi l ista coerente na concepção da ciência: elaserve para explicar os fatos e os fatos servem para controlar asteorias científicas. D iz M u rr i: "N a clínica, como na vida , é preciso,

portanto, ter um preconceito, somente um, mas inal ienável : opreconceito de que tudo o que se afir m a e que parece verda deiropode ser falso. E preciso ter a norma constante de criticar tudo etodos antes de crer, é preciso perguntar-se sempre, como pr ime irodever: por que devo acreditar nisso?"

6.5 . Pascoal V i l la r i e a h istor io graf ia posi t iv ista

Assim, Tommasi se f izera ouvir em Nápoles, onde já seafi rm ara o hegelianismo de Vera e de Spaventa, enquanto M u rr i(cuja clínica era injustamente objeto de brincadeiras, dizendo-seque era clínica onde se raciocinava m uit o e onde se olhava m uit opouco os fatos) forma va e m Bolonh a todo u m e xército de médicospráticos que tra ba lha riam sobretudo na Em íl ia, na Romanha e na s

Marcas. Nesse período, Pascoal Vil lari (1827-1917), nascido emNápoles, mas que vive u em Florença a p a r t i r de 1850, defendia comdecisão o método po sitivo das ciências h istóricas .

Histor iador de Savonarola, de Maquiavel e da Florençacomunal, V i l la r i escreveu um ensaio Sobre a origem e o progressoda filosofia da história (1854). E, na sua introd ução de 1865 (quesuscitou vivas polêmicas) ao l ivro A filosofia positiva e o métodohistórico, disse: "A fi losofia positiva renuncia ao conhecimentoabsoluto do homem, aliás, a todos os conhecimentos absolutos: elaestuda somente fatos e leis, sociais e mo rais, defro ntand o pacien-temente as induções da psicologia com a histór ia e encontrando nasleis históricas as leis do espírito h uma no. As sim , ela não se obstinaa estudar um home m abstrato, fora do espaço e do tempo, compostosomente de categorias e formas va zias, mas sim u m ho mem vivo ereal , mutáve l de m i l modos, agi tado por m i l paixões, l imit ado portodo lado e, mesmo assim, cheio de aspirações em relação aoin f in i to" .

Vil lari se lança contra a fi losofia metafísica, que costuma"procurar a essência e a primeira e eterna razão de tudo". Naopinião de Vil lari, a fi losofia metafísica não pode presumir que,"desleixando o estudo do contingente e do mutável, se possa terêxito m elhor no conhecer o homem". O homem é "u m ser que mudacontinuamente". E , para saber dele, devemos "conhecer as leis que

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Positivismo italiano: historiografia e pedagogia 343

regu lam as suas inevi táveis mutações". Entre tanto , af i rma ele, asidéias e os ideais existem , refletem-se nos fatos, correspondem aexigências inelimináveis do espírito humano e se expressam na-quelas forças que fazem com que o homem supere incessantementea real idade na tura l . Por essa razão, V i l l ar i declara-se contrário acertos comtianos da Franç a, que, equipa rando as idéias a bstratasa sonhos, trans form am o posi tiv ismo em mate rial ismo.

6.6 . A r ist ides Ga bel l i e a renovaç ão da pedagogia

Depois da unificação da Itá l ia , o problem a da organização e daestruturação da escola primária e secundária apresentou-se comtoda a sua premente urgência. Essa importante operação fez-seacompanhar e fundamentar por um debate sobre a escola, para aqual alguns pensadores de orientação po sitivista deram contribuiçãode prim eiro plano. Dentre eles, cabe lembrar An dré Ang iu l l i (1837-1890) e Ar istid es Ga bell i (1830-1891).

An giu l l i , in icia lm ente professor de pedagogia e a ntropologiana Universidade de Bolonha e depois professor de pedagogia emNápoles, é au tor de obras como A pedagogia e a filosofia positiva(1872), A pedagogia, o Estado e a família (1876) e A filosofia e aescoZa(1888). Seu trabalho A filosofia e a pesquisa positiva, de 1868,

renega sua ati tude ideal ista anterior e cri t ica Hegel, cuja metafísicada história é a "negação da história".

Ga bell i é auto r de muito s escritos pedagógicos e a ele devem-se os programas de 1888 para a escola elementar na Itál ia, com-batendo "aquela escola dogmática e aquela instrução verborrágica,vazia, composta de sons, ao mesmo tempo infecun da e árid a, queafasta do estudo, seca os cérebros e contribui tanto para fazernascer e mante r o funesto hábi to de at r ib uir m uit a importân cia àspalavra s como o de dar pouca impo rtân cia às idéias e às coisas".G abe ll i propõe uma escola onde "o fi m ú ltim o de todo o ensino nãose põe tanto nas cognições, mas muito mais nos hábitos que opensamento adquire a par t i r do modo como elas são m inistrad as",escola onde o ensino seja tal que "o aluno adquira um modo de

pensar m ais claro, mais prático e ma is profícuo do que aquele queadquire ordinariamente".E, em O homem e as ciências morais (1869), enquanto por um

lado ataca "aquela infeliz fi losofia nascida da teologia e daescolástica", por outro lado Gabell i defende a improrrogabil idadeda aplicação do método gali leano nas ciências m orais e no estudodo homem. C onhecimento do homem que não repu dia "a verdadeque toca em vão nos seus sentidos", mas se fundamenta na ob-servação e no experimento, é a prem issa ma is vá lida par a arenovação s éria dos estudos pedagógicos.

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Ardigò: absoíuticidade do fato 34 5

6.7. Roberto Ardigò: da sacral idade da re l ig iãoà sacral ida de do " fato"

A figur a mais representativa do posi t iv ismo i ta l iano é RobertoArdigò (1828-1920). Nascido em Casteldidone (Cremona), Ardigòtornou-se padre e depois cônego da cated ral de M ân tua . Por voltados qua ren ta anos, depois de uma profu nda crise, deixou o sacer-dócio. Eis como ele próprio narra a sua crise: "Pouco a pouco, adúvida orig inada de todas as partes , desde os meus prim eiros anos,que sempre com bati com a reflexão e o estudo in inte rrup tos e quepor mu ito tempo acredi tava ter vencido racionalmente, por f im viu-se sem contraste e, um belo dia, apareceu à minh a m ente mara-vilhada como persuasão acabada e certeza inexpugnável". Emsuma, Ar dig ò sofre por sua fé, procura se convencer de sua val idade.Ma s, no en tanto , confessa, "dentro de m im , sem que eu soubesse,subjacente ao sistema das idéias religiosas, fruto de tan to tem po,desenvolvera-se e com pletara-se, pode-se dizer, o sistema p osi t ivo".

O posi t iv ismo (ou talvez, melhor, o natural ismo) de Ardigòrelaciona-se diretamen te com as concepções filosóficas de Spencer,mas afunda suas raízes no natural ismo i ta l iano do século XVI:Ard igò re i v ind i ca a au tonomia da razão remen tendo-se a

Pom ponazzi e sente a divindad e do unive rso com o espírito de umBruno, como observa justamente Vi tor io Mathieu. Precisamenteem 17 de março de 1869, por ocasião da festa do seu l iceu deMântua, Ard igò leu um Discurso sobre Pedro Pomponazzi, vendono natural ismo renascentista de Pomponazzi um precedente doposi t iv ismo.

Nesse ensaio, Ardigò fala dos três momentos mais imp orta n-tes da vida sociocultural da história moderna: o Renascimento, aReforma e a Revolução Francesa. Mas, observa ele, "o pensam entomoderno, ao qu al a Europ a deve a sua atu al condição de grandezae potência, é a ma turação de pensamento que nasceu entre nós nosanos do Renascimento". E os grandes ensinamentos que Ardigòidentifica na fi losofia de Pomponazzi são os seguintes: "indepen-dência da razão na ciência, método positivo na filosofia, a n atu rez apor toda parte no mundo da matéria e do espír i to e o concei topsicofisico da alma". E são essas concepções que, em seguida,Ardigò a profun daria e am pl iar ia, mas que jama is ab andonaria.

Em 1869, portanto, no ano seguinte ao Discurso sobrePomponazzi, Ardigò leu diante da Academia Virg i l ian a de M â n t u ao escrito A psicologia como ciência positiva. Aqu i , o seu pensamentojá se mostra orgânico e consistente. Contrário à psicologiaesp ir i tual ista , Ardigò afi rm a a necessidade de usar instrum entoscientíficos e pesquisas estatísticas no estudo da psicologia. E issopelo fato de que "a ciência anda em busca de fatores: observando e

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346 O positivismo

experim entando , e la os encon tra, os anota, os verifica; depois, osconfronta e distribui segundo as semelhanças, formando gruposdistintos, sobre os quais levanta as primeiras generalidades; emseguida, compara entre si essas generalidades primeiras, as dis-tribui em categorias e delas abstrai as generalidades superiores;então, repete o trabalho de grau em grau, até encontrar, se oconsegue, aquela generalidade únic a que está acima de todas, quereúne em um só sistema; e assim se forma a ciência, que, des-

se modo, vem a ser u m gran de qua dro sinótico ou um a classificaçãode fatos".O fato — eis a pedra a ngu lar da filosofia de Ardigò. Sentencia

ele: "O fato tem real idade pró pria em s i mesma, realidade inal te-ráve l, que somos obrigados a af irm ar ta l e qual nos é dada e comoa encontramos, na impossibi l idade absoluta de reti rar- lhe ouacrescentar-lhe algo. Portanto, o fato é divino. Já o abstra to somosnós que o formamos, podendo formá-lo mais específico ou maisgeral . Portanto, o abstrato, o ideal , o pr incípio é humano". Asidéias, as teorias e os princí pios são provisórios e revogáveis, maso fato não: "E m suma, o ponto de part ida é sempre o fato. E o fatoé sempre totalm ente certo e irreform ável, ao passo que o princípioé ponto de chegada, que tam bém pode ser abandonado, corrigido eul trapassado."

Essa, portanto, foi a sofrida transição (apesar de tudo o quesobre ela disseram os ideal istas, part icula rme nte G. Genti le, paraquem Ardigò não foi católico quando era padre e não foi fi lósofoquando se torno u pos i t iv ista) que levou Ardigò da sacralidade deDeus para a divindade do fato. E, a esse propósito, não se podedeixar de fazer uma observação: como a maioria dos positivistas,especialmente os evolucionistas, Ardigò assume a ciência e parti-cularm ente os fatos como intocáveis, não realiza a nálise crítica dodesenvolvimento da ciência, não examina a "constituição" do fatopela teoria científica e não aprofunda a questão do método científico(aceita tranqüilamente a indução): em suma, Ardigò aceita a ciênciae o fato como dados for a de discussão e é com base nessas premissasque constró i o seu sistema fi losófico.

6.8. O desconhecido não é o incognoscível e a evoluçãopassa do indis t into ao d ist into

Em 1877, Ardigò publ icou A formação natural no fato dosistema solar. Em 1879, saiu A moral dos positivistas. Em 1871,deixou o hábi to tala r. E m 1881, o m inistr o G uido Baccel li nomeou-o (com grande ras tro de polêmicas), por méri tos extraordinários,professor da Universidade de Pádua, onde Ardigò ensinou até1908. Em 1891, publicou O verdadeiro; em 1893, saiu Ciência da

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Ardigò: evolução, moral e sociedade 347

educação; em 1894, A razão; em 1898, A unidade da consciência;por fim, de 1899 é A doutrina spenceriana do incognosc ível. Sui-cidando-se, Ard igò m orre u em Pádua em 15 de setembro de 1920.Nesse mo men to, o pensamento filosófico ital ia no já se encontravafirmemente orientado no sentido daquele idealismo tão firmementecombatido por Ardigò.

O único conhecimento válido é o conhecimento científico e todareal idade é natureza. Assim, em A formação na tural no fato do

sistema solar, ele escreve que "o pos itiv ista não divide a esfera dassubstâncias e do espaço, nem a l in ha das eficiências e do tempo, emduas partes, das quais um a é a natureza e a outra o sobrena tural ,como faz o teísta: para o positivista, toda a esfera e toda a l i nha são amesma e idêntica natureza". Para Ardigò, fora da natureza não hánada: "O in fin ito dos positivistas é essencialmente não religioso."

Toda a realidade é natureza, que procuramos compreender comas diversas ciências partic ulares , ao passo que a filosofia ou "ciênciagera l" não é a ciência dos primeiro s prin cípios (ou protologia), masciência do limite (peratologia: péras = l im ite) , no sentido de quesupera os l imit es das ciências part iculares para atin gir, mediantea intuição (que é sensação e pensamento, a nature za que tudo abran-ge e que funciona como matr iz indeterminada, mas rea l de todas asdeterm inações. En qu ant o Spencer, po rtan to, concebia a filosofiacomo ciência dos primeiros princípios, Ardigò a propõe como ciênciado l imite, aproximando-se mais uma vez dos natural istas renas-centistas, com o seu sentido de unidade dos fenômenos da natureza.

Mas não é só nesse ponto que Ardigò afasta-se de Spencer.Com efeito, antes de mais nada, Ardigò nega o Incognoscível deSpencer. Toda a realidade é natur eza e a naturez a é cognoscível,ainda que possa permanecer inf in i tamente inadequável para apesquisa cientí fica, ain da que, em outros termos, ela fique como olim ite inalcan çáve l pelo esforço cognoscível. Po rtanto , não se devefalar de Incognoscível (por princípio), mas sim de desconhecido, istoé, daqui lo que ainda não se torno u objeto de conhecimento dist in to,mas que, em princípio, pode tornar-se. Para Ardigò , não há nadaque possa transce nder a experiência: estamos dian te de uma fo rma

de imanentismo intransigente.A real idade é natureza. E esta está sujei ta à grande lei daevolução. Entretanto, enquanto Spencer formula a sua grandeteor ia ge ral da evolução baseando-se na evolução biológica e a fir-mando que ela é passagem do homogêneo para o heterogêneo,Ard igò, ao cont rário, s ustenta, baseando-se na evolução psicológi-ca, qu e a evolução unive rsal da natureza é a passagem do indistintoao distinto.

No dado orig iná rio, da sensação, não há antítese entre sujeitoe objeto, externo e interno , eu e não-eu. A sensação é o indistinto

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originário, em relação ao qua l as distinções entre es pírito e maté-ria, eu e não-eu e sujeito e objeto são "resultados". Escreve Ardigò :"Dai-m e as sensações e sua associabilidade, e e u vos explico todosos fenômenos. E como, desse modo, o filósofo da nature za conseguiuretirar da ciência o obstáculo dos fluidos imponderáveis" e deoutras entidades incontroláveis, "da mesma forma o fi lósofo doespírito pôde demons trar que conhecer, sentir, querer, sentido eintelecto, consciência, uízo , raciocínio e todas as cem faculdades dosaprio ristas nada m ais são do que um processo diverso, ob tido comos mesmos dados elementares diversamente dispostos".

E, como no caso da sensação, o processo de toda a re alidad edesenvolve-se do indistinto para o distinto. Da unidade orig iná riadesse indist into , nem subjetiva nem objetiva, derivam como distintoso eu, o não-eu e, sucessivamente, todos os outros infin itos fenômenosdo mundo psíquico e do mundo físico. O in dis tint o só é tal relati-vamente ao distinto que dele deriva, o qual, por seu turno, é oindistinto para o distinto seguinte. Esse processo acontece inces-sante e necessariamente, segundo ritm o constante. "A diversidadeprodigiosa das coisas e a invariab il idade in fin ita das formas" nãoé resultado de projeto providencial nem de racionalidade superior:ela é mu ito m ais "o resultado de simples trab alho mecânico".

No entanto, Ardigò introduz nesse processo universal um

elemento casual, que consiste no fato de que séries causais — cadaqua l necessária e determinada—podem seencon trar casualmente,dando lugar a acontecimentos imprevisíveis. O pensamento hu-mano, diz Ardigò, é um desses produtos casuais da evoluçãocósmica: o pensamento que hoje existe na hu man idade "formou-sepela continuação de acidentalidades infin itas ", já que "ele, o pen-samento global de toda a huma nidade (é) formação acidental, ne mmais nem menos do que a forma biza rra de pequena nuvem , que ovento carrega no céu e o sol doura, an tes que se desfaça".

6.9. M or al e sociedade

Para Ardigò, o homem não escapa à lei un ivers al da evolução.E a imprev isibi lidade dos acontecimentos não significa em absoluto

que o homem seja l ivre . "A l iberdade do homem , isto é, a variedadede suas ações, é o efeito da p lura lidad e das séries psíquicas ou dosinstintos, se assim se quiser chamá-los". Portanto, o homem énatureza, o pensamento humano é fru to da evolução da natu rezae a vontade humana não é mais l ivre do que qualquer outroacontecimento natural.

E disso tudo que deriva a crítica de Ardigò a toda moral de t iporeligioso, espiritualista e metafísico. Na opinião de Argidò, asidealidades e as norm as m orais nascem como reação dos homens

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Ardigò: evolução, moral e sociedade 349

associados aos acontecimen tos e às ações que são danosos p ara asociedade e se fixam depois na consciência dos indivíduos comonormas morais, com as características que estas possuem: sãodeveres obrigatórios, que com portam responsa bilidade e impl icamsanções no caso de serem infringidos. A moral, portanto, não temoutra base senão a evolução da sociedade, não havendo necessidadede procurar fundamentos fora dela. A disciplina altruísta daconduta é socialmente m otivada: "Toda a razão da moralidade estána idealidade social". E acrescenta Ardigò: "A mora l do positivismo

é o corolário mais d ireto e mais claro do Evangelho".Por fim, para Ardigò, a sociedade é "a teoria da formação

natu ral da idéia de justiça" . A le i nat ur al da sociedade é a justiça.Mas a just iça encarnada no direito positivo sempre se contrapõe àoutra justiç a, proclamada pelo direito na tura l. E o direito naturalé o ideal que se form a na consciência sob o estímulo daquele d ireitopositivo, mas que esse direito positivo não realiza. Em outrostermos, a prepotência é a prime ira form a do direito; a pr im eiraforma da justiça é o direito positivo; a todo direito positivo secontrapõe, para reformá-lo, sempre uma forma de direi to "natural".Essa, diz Ardig ò, é a evolução da justiça.

Em política, Ardigò fo i l iberal: "Posso oferecer provas po siti-vas às centenas do liberalism o resoluto, notório, ardente e combativo

de toda a minha vida, desde a min ha prime ira juventude". E foitambém antimaçom: "Em um Estado l ivre, a maçonaria é umcontra-senso: para combater o obscurantismo, é ma is eficaz a obraincansável e aberta da educação e elevação civil do que a obratenebrosa e oculta de uma seita". Em bora sem torná-lo objeto deestudos específicos, também criticou o marxismo, em sua concep-ção m ater ial ista da história, já que tal concepção absolutiza o fatoreconômico: "O fato econômico não é o único que determina aformação de certo modo de sociedade, pois para isso, juntamentecom ele, concorrem também outros fatos".

Entretan to, mesmo l iberal , Ardigò olhava com interesse parao socialismo: "Se uma aspiração social é legítima, então é coisainjusta e vã querer contrariá- la, já que é a própria naturezaonipotente que quer e é certo que triunfará". Por outro lado,

socialistas como Turati realizaram a sua primeira educação fi lo-sófico-política e xatame nte com base em A moral dos positivistas.Trabalhador incansável, nos seus últimos anos Ardigò saiu

abertamente em campo contra o idealismo, que á estava se impo ndocom força, e contra "a bri lhan te e evanescente filosofia bergsoniana".E con struiu um a sólida escola em torno de si. Dentre aqueles quese vinculam expressamente à obra de Ardigò devem-se rec ordar:João Marchesini, Ludovico Limentani, José Tarozzi, RodolfoMondolfo, João Dandolo e Alexa ndre Levi.