hall, stuart. notas sobre a desconstrução do popular

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HALL, Stuart. Notas sobre a desconstrução do "popular" . In: Da diáspora: identidades e mediações culturais. Liv Sovik (org); trad. Adelaine La Guardia Resende et al. Belo Horizonte: UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003.p. 247- 264. Dyala Ribeiro da Silva* Como o próprio título do texto sugere, Stuart Hall quer desconstruir a visão de "popular"- associada às questões de tradição, de classe, como uma estrato "autêntico" e "autônomo"- tão difundida pela sociedade e compreendê-la ou considerá-la sob uma nova perspectiva, a partir de um novo viés. Para tanto, o autor discorrerá sobre a idéia de periodização e as considerações inerentes a determinadas épocas; sobre três diferentes conceitos do que seja o popular; sobre sua interpretação do que seja tradição e classe social. Conforme Hall, pelo fato de a natureza não ser estática, o que se espera ao longo do tempo é a destruição de estilos específicos de vida e a sua transformação em algo novo. Em se tratando de cultura popular, essas transformações representam o centro de estudo e transformações da cultura. Um dos obstáculos que interferiram na periodização da cultura popular foi a importante transformação na cultura de classes populares, que ocorreu entre os anos 1880 e 1920. Segundo afirma, não é por acaso que muitas das transformações as quais consideramos como cultura popular tradicional emergiram sob a forma moderna, naquele período. Definir algo como elemento formador, construtor, responsável pela concepção clara e definitiva da cultura popular é um erro, pois não existe um estrato "autentico", "autônomo" e isolado de cultura da classe trabalhadora, afirma ele. Não existe uma cultura popular íntegra, situada fora do campo de força das relações de poder e de dominações culturais. A primeira definição de popular a que o autor se refere é aquela em que algo é tido como popular porque as massas os escutam, compram, lêem, consomem, apreciando-o imensamente. Uma definição de mercado, comercial. Apesar dessa concepção não ser a defendida por Hall, ele tem restrições a dispensá-la completamente, pois o século XX é o século do consumo e influenciados pela Indústria Cultural, é de se deduzir que um número substancial de trabalhadores estejam inclusos entre os receptores desses produtos. As pessoas, por conviverem em sociedade, direta ou indiretamente são influenciadas pela força e poder da Indústria Cultural, a qual modela e reforça constantemente aquilo que representa e utilizando de técnicas do próprio meio ajusta mais facilmente as descrições da cultura dominante ou preferencial. A dominação cultural produz efeitos concretos. Tentar provar o contrário seria um erro, pois equivaleria a dizer que a cultura do povo existiria como um enclave isolado, fora das relações culturais e do poder de cultura, o que de fato não existe. Já que constantemente mexe-se no conceito de cultura popular, desorganizando-se e reorganizando-se e inserindo-se novos valores de poder a cada época. Uma outra definição de popular seria a de que "a cultura popular" é todas essas coisas que o "povo" faz ou fez. Esta se aproxima de uma definição "antropológica" do termo: a cultura, os valores, os costumes e mentalidades {folkways} do "povo". Aquilo que define seu "modo

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Page 1: HALL, Stuart. Notas sobre a desconstrução do popular

HALL, Stuart. Notas sobre a desconstrução do "popular" . In: Da diáspora: identidades e mediações culturais. Liv Sovik (org); trad. Adelaine La Guardia Resende et al. Belo Horizonte:

UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003.p. 247- 264.Dyala Ribeiro da Silva*

Como o próprio título do texto sugere, Stuart Hall quer desconstruir a visão de "popular"- associada às questões de tradição, de classe, como uma estrato "autêntico" e "autônomo"- tão difundida pela sociedade e compreendê-la ou considerá-la sob uma nova perspectiva, a partir de um novo viés. Para tanto, o autor discorrerá sobre a idéia de periodização e as considerações inerentes a determinadas épocas; sobre três diferentes conceitos do que seja o popular; sobre sua interpretação do que seja tradição e classe social.

Conforme Hall, pelo fato de a natureza não ser estática, o que se espera ao longo do tempo é a destruição de estilos específicos de vida e a sua transformação em algo novo. Em se tratando de cultura popular, essas transformações representam o centro de estudo e transformações da cultura.

Um dos obstáculos que interferiram na periodização da cultura popular foi a importante transformação na cultura de classes populares, que ocorreu entre os anos 1880 e 1920. Segundo afirma, não é por acaso que muitas das transformações as quais consideramos como cultura popular tradicional emergiram sob a forma moderna, naquele período.

Definir algo como elemento formador, construtor, responsável pela concepção clara e definitiva da cultura popular é um erro, pois não existe um estrato "autentico", "autônomo" e isolado de cultura da classe trabalhadora, afirma ele. Não existe uma cultura popular íntegra, situada fora do campo de força das relações de poder e de dominações culturais.

A primeira definição de popular a que o autor se refere é aquela em que algo é tido como popular porque as massas os escutam, compram, lêem, consomem, apreciando-o imensamente. Uma definição de mercado, comercial. Apesar dessa concepção não ser a defendida por Hall, ele tem restrições a dispensá-la completamente, pois o século XX é o século do consumo e influenciados pela Indústria Cultural, é de se deduzir que um número substancial de trabalhadores estejam inclusos entre os receptores desses produtos.As pessoas, por conviverem em sociedade, direta ou indiretamente são influenciadas pela força e poder da Indústria Cultural, a qual modela e reforça constantemente aquilo que representa e utilizando de técnicas do próprio meio ajusta mais facilmente as descrições da cultura dominante ou preferencial.

A dominação cultural produz efeitos concretos. Tentar provar o contrário seria um erro, pois equivaleria a dizer que a cultura do povo existiria como um enclave isolado, fora das relações culturais e do poder de cultura, o que de fato não existe. Já que constantemente mexe-se no conceito de cultura popular, desorganizando-se e reorganizando-se e inserindo-se novos valores de poder a cada época.

Uma outra definição de popular seria a de que "a cultura popular" é todas essas coisas que o "povo" faz ou fez. Esta se aproxima de uma definição "antropológica" do termo: a cultura, os valores, os costumes e mentalidades {folkways} do "povo". Aquilo que define seu "modo característico de vida" ( p. 256). Essa definição também causa estranheza para Hall, pois define-se o conceito de popular através de um inventário descritivo. Não se pode simplesmente categorizar as coisas que o "povo" faz e as que o "povo" não faz, pois, como dito anteriormente, nada é estático ou limitativo a classes ou categorias e de tempos em tempos os conteúdos dessas categorias mudam, se diluem. E são as instituições e os representantes do poder que sustentam e reafirmam essas mudanças.

O autor opta por uma terceira definição para o termo popular, a qual considera, em qualquer época, as formas e atividades cujas raízes se situam nas condições sociais e materiais de classes específicas, não incorporadas às tradições e práticas populares. Essa concepção considera a influência das formas e atividades culturais como um campo sempre variável, observando como essas relações de domínio e subordinação são articuladas. Em seu centro estão as relações de forças mutáveis e irregulares ä questão de luta cultural, que define o campo da cultura transformada. Não se pode falar da

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cultura de um grupo como sendo fixa, pois os valores se alteram e o que era tido como erudito no século XX, pode ser o exemplo de hábito tipicamente popular na atualidade.

A luta cultural assume diversas formas: incorporação, distorção, resistência, negociação, recuperação. Essas diversas nuances, fases de progressão a que a cultura passa, leva o autor a questionar o conceito de tradição, o qual é visto como um elemento vital da cultura, mas que pouco se relaciona à persistência das velhas formas. Os elementos da "tradição" podem ser reorganizados para se articular a diferentes práticas e posições e adquirir um novo significado e relevância.

"A relação entre a posição histórica e valor estético é uma questão difícil e importante na cultura popular. Mas a tentativa de elaborar uma estética popular universal, fundada no momento de origem das formas e praticas culturais, é quase sempre equivocada." (p. 261)O autor exemplifica a dissolução do conceito de "tradição" (considerada, por muito tempo, como herança cultural) ao sinalizar o uso de bugigangas por jovens, na atualidade, de um signo de conotação cultural como a swastika. Apesar de este signo carregar uma gama de significados relacionados com o contexto social da época, não carrega dentro de si um sentido único. Não há garantia intrínseca ao signo à a forma cultural.

Na ultima parte do texto, o autor discorre sobre a relação complexa entre os termos "popular" e "classe". Fala-se da cultura de classes trabalhadoras, porém utiliza-se o termo mais inclusivo para falar "cultura popular" ao nos referirmos à mesma questão. É obvio que ao se falar em cultura popular pouco teria sentido se não fizesse menção a uma perspectiva de classe ou luta de classes. Porém, também é evidente que não há uma relação direta entre uma classe ou uma forma ou pratica cultural particular. Apesar de os termos classe e popular se relacionarem, eles não são absolutamente intercambiáveis.

Há também a relação de povo versus bloco de poder sendo uma linha central que converge ao centro da cultura. A cultura popular é organizada em torno da contradição: forças populares versus bloco de poder. O termo popular e o sujeito coletivo ao qual ele se refere "povo" estabelece uma relação problemática, pois como assim não há um conteúdo fixo para a categoria da "cultura popular", não há um sujeito determinado em que se possa atrela-la: "o povo".

Conclui afirmando: "A cultura popular é um dos locais onde a luta a favor ou contra a cultura dos poderosos engajada; é também o prêmio a ser conquistado ou ser perdido nessa luta. É a arena do consentimento e da resistência" (p. 263) Não é a esfera onde a cultura socialista possa simplesmente ser expressa, mas sim, constituída e é por essa razão que a cultura popular é importante...

*Dyala Ribeiro da Silva. Curso de Comunicação/DLA/UESC. Pesquisadora de Iniciação Científica/FAPESB. Orientadora: Profa. Dra. Maria de Lourdes Netto Simões. Grupo de Pesquisa ICER