hall, stuart. a identidade cultural napos-modernidade

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  • 8/7/2019 HALL, Stuart. a Identidade Cultural NaPos-Modernidade

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    UVRO: A identidade cultural c ia oos-modemicladeStuart Hal l - loa ediqaoDP&A editora

    A I D N Tl OA O e C U LT U RA L N A P O S- M OO E RN ID A O E

    1 lida com mudancas nos conceitos de identidade ede sujeito. A segunda par te (caps. 3-6) desenvolveesse argumento com rel acao a identidadesculturais - aqueles aspectos de nossas identidadesque surgem de nosso "pertencimento" a culturasetnicas , racia is, I inguist icas, rel igiosas e , acimade tudo, nacionais.

    Este livro e escrito a partir de uma posicaobasicamente sirnpatica a afirrnacao de que asidentidades modemas estao sendo "descentradas",isto e, deslocadas au fragmentadas . Seu prop6sitoe 0 de explorar esta afirmacao, vel' 0 que elaimplica, qualifica-la e discutir quais podem sersuas provaveis consequencias, Ao desenvolver 0argumento, introduzo certas complexidades eexamine alguns aspectos contraditorios que anocao de "descentracao ", em sua forma rnaissimplificada, desconsidera.

    Conseqi ientemente, as formulacoes destelivre sao provisorias e abertas a contes tacao. Aopiniao dentro da comunidade sociologica estaainda profundamente dividida quanta a essesassuntos. As tendencias sao demasiadamenterecentes e ambiguas . 0 proprio concei to com 0 qualestamos lidando, "identidade", e demasiadamentecomplexo, muito poueo desenvolvido e muito poucoeompreendido na ciencia social contemporanea paraser defmitivamente posto a prova. Como oconecom muitos outros fen6menos sociais, e impossiveloferecer afirmacoes conclusivas ou fazer julgamentos

    A ID EN TID AD E E M Q UE STAO

    A questao da identidade esta sendoextensamente discutida na teoria social.Em essencia, 0 argumento e 0 seguinte: asvel has identidades, que por tan to tempoestabilizaram 0 mundo social, estao em decl inio,fazendo surgir novas identidades e fragmentandoo individuo moderno, ate aqui visto como urnsujeito unificado. A assim chamada "crise deidentidade" e vista como parte de urn processomais amplo de rnudanca que est a deslocando asestruturas e processos centrais das sociedadesmodernas e abalando os quadros de referenciaque davam aos individuos uma ancoragem estavelno mundo social.

    o prop6sito deste livro e explorar algumasdas questces sobre a identidade cultural namodernidade tarcl ia e avaliar se existe uma "cr isede identidade' , em que consiste essa crise e emque direcao ela esta indo. 0 livro se volta paraquestoes como: Que pretendemos dizer com "crisede ident idade"? Que acontecimentos recentes nassociedades modemas precipitaram essa crise? Queformas ela toma? Quais sao suas conseqttenciaspotenciais? A primeira parte do livro (caps. 1-2)

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    A I D EN T ID A D E E M Q U ES rA O

    seguros sobre as alegag5es e proposicoes teoricasque estao sendo apresentadas. Deve-se ter issoem mente ao se ler 0 res tante do l ivro,

    Para aqueles/as teor icos/as que acredi tamque as identidades modernas estao entrando emcolapso, 0 argumento se desenvolve da seguinteforma. Urn tipo diferente de mudanca estruturalesta transformando as sociedades rnodernas nofmal do seculo XX. Isso esta fragmentando aspaisagens culturais de classe, genero, sexualidade,etnia, raga e nacionalidade, que, no passado, nostinharn fornecido s6lidas localiz acoes comoindividuos sociais. Estas transformacoes estaotambern mudando nossas identidades pessoais,abalando a ideia que temos de nos proprios comosujeitos integrados. Esta perda de urn "sentidode si" estavel e chamada, algumas vezes, dedeslocamento ou descentracao do sujeito. Esseduplo desloeamento - descentracao dos individuostanto de seu lugar no mundo social e culturalquanta de si mesmos - constitui uma "crise deidentidade" para 0 individuo. Como observa 0critico cultural Kobena Mercer, "a identidadesomente se torna uma questao quando esta emcrise, quando algo que se supbe como fixo,

    coerente e estavel e deslocado pela experienciada duvida e da incerteza" (Mercer, 1990, p. 43) .

    Esses processos de mudanca, tornados emconjunto, representam urn processo detransformacao tao fundamental e abrangente que

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    A .I D m N T ID A D E C U LT U R A L N i l . P O S -M O D E R N ID A D E A I D EN T ID A D E E M Q U E STA O

    somas compelidos a perguntar se nao e a propriamodernidade que esta sendo transformada. Este livroacrescenta uma nova dimensao a esse argumento: a

    afirmacao de que naquilo que e descrito, algumasvezes, como nosso mundo pos-moderno, nos somostamhem "pos" relativamente a qualquer concepcaoessencialista ou fixa de identidade - algo que, desdeo iluminismo, se supoe definir 0 proprio micleo ouessencia de nosso ser e fundarnentar nossa existenciacomo sujeitos humanos. A fim de explorar essaafirmacao, devo examinar primeiramente asdefiniedes de identidade e 0 carater da mudanca namodernidade tardia.

    e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendoessencialrnente mesmo - continuo ou "identico"a ele - ao lange da existencia doindividuo. 0 centro

    essencial do eu era a identidade de uma pessoa.Direi mais sobre isto em seguida, mas pode-se verque essa era uma concepcao muito "individualista"do sujeito e de sua identidade (na verdade, aidentidade dele:ja que 0 sujeito do lluminismo erausualmente descrito como masculino).

    A n09aO de sujeito socio16gico refletia acrescente complexidade do mundo moderno e aconsciencia de que este nucleo interior do sujeitonao era autfmomo e auto-suficiente, mas era formadona relacao com "outras pessoas importantes para

    ele", que mediavam para 0 sujeito osvalores, sentidose simbolos - a cultura - dos mundos que 'ele/elahabitava. C.H. Mead, C.H. Cooleye os interacionistass imbol icos sao as f iguras-chave na sociologia queelaboraram esta coricepcao "interativa" daidentidade e do eu. De acordo com essa visao, quese tornou a concepcao socio16gicaclassiea da questao,a identidade e formada na "interacao" entre 0 eu ea sociedade. 0 sujeito ainda tem urn micleo auessencia interior que e 0 "eu real", mas este eformado e modificado num dialogo continuo com osmundos culturais "exteriores" e as identidades queesses mundos ofere cern.

    A ident idade, nessa concepcao sociologic a ,preenche 0 espac;o entre 0 "interior" eo" exterior"-entre 0 mundo pessoal e 0 mundo publico. 0 fato

    Tres ccncepcoes de identidade

    Para os prop6sitos desta exposicao,distinguirei tres concepcoes muito diferentes deidentidade, a saber, as concepcoes de ident idadedo:

    a) sujeito do lluminismo,

    b) sujeito sociologico e

    c) sujeito pos-moderno.

    o sujeito do lluminismo estava baseadonuma concepcao da pessoa humana como urnindividuo totalmente centrado, unificado, dotadodas capacidades derazao, de consciencia e de ac;ao,cujo "centro" consistia num nucleo interior, queemergia pela primeira vez quando 0 sujeito nascia

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    A I I )t N T !D A O E C U LT U R A L N i l. P 6 S -M O D E R N ID A D E

    de que projetamos a "nos propr ios" nessasidentidades culturais, ao mesmo tempo queintemalizamos seus significados e valores, tornando-

    os "parte de n6s", contribui para alinhar nossossentimentos subjetivos com osIugares objetivos queocupamos rio mundo social e cultural. A identidade,entao, costura (ou, para usar uma rnetafora medica,"sutura") 0 sujeito a est rutura. Estabil iza tanto ossujeitos quanta os mundos culturais que eleshabitam, tornando ambos reciprocamente maisunificados e predizi veis.

    Argumenta-se, entre tanto,que sao exatarnenteessas coisas que agora estao "mudando". 0 sujeito,previamente vivido como tendo uma identidade

    unificada e estavel, esta se tomando fragmentado;compos to nao de uma unica, mas de variasident idades, a lgumas vezes contradi torias ou nao-resolvidas. Correspondenternente, as identidades,que compunham as paisagens sociais "la fora"e que asseguravam nossa conformidade subjet ivacom as "necessidades"objet ivas da cul tura , estaoentrando em eolapso, como resultado dernudancas estruturais e institucionais. 0 pr6prioprocesso de identificacao, atra ves do qual nosprojetamos em nossas identidades culturais,torn ou-s e mais pro v i dr io , va ri ave l eproblematico.

    Esse processo produz 0 sujeito pos-moderno,conceptualizado como nao tendo uma identidadeIixa, essenei al ou permanente. A identidade

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    A I D EN T ID A D E E M Q U E STA O A I II m lM DS C UlT UR Al N A P OS -M OD ER NI DA D E A I D EN T ID A D E E M Q U E STA O

    torna-se uma "celebracao mover': formada etransformada continuamente em relac;ao as fonnaspelas quais somos representados ou interpelados nossistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). Edefinida his tor icamente , e nao biologicamente. 0sujeito assume identidades diferentes em diferentesmementos, identidades que nao sao unifieadas aoredor de urn "eu" coerente, Dentro de nos haidentidades contraditorias,empurrando em diferentesdirecoes, de ta l modo que nossas identificacoes estaosendo cont inuamente deslocadas . Se sent imos quetemos uma identidade unificada desde 0 nascimentoate a morte e apenas porque construimos uma comodaestoria sobre nos mesmos au uma confortadora"narrat ive do eu" (veja Hal l, 1990). A identidadeplenamente unificada, completa, segura e coerente eurna fantasia. Ao inves disso, a medida em que ossistemas de significacao e representacao cultural semultiplicam, somos confrontados pOl' umamultiplicidade desconcertante e carnbiante deidentidades possfveis, com cada uma das quaispoderfamos nos identificar - ao menostemporariarnente,

    Deve-se tel' em mente que as tresconcepcoes de sujeito aeima sao, em algumamedida, simplificacoes, No desenvolvimento doargumento, elas se tornarao mais complexas equalificadas. Nfio obstante, elas se prestam comopontos de apoio para desenvolver 0 argumentocentral deste livro.

    o ccrdter da rnudcncc namodernidade tardio

    e futuro, os qua is , por sua vez , sao est ru tu radospor praticas sociais recorrentes (Giddens, 1990,pp. 37-8).

    A modernidade, em contraste, n ao edefinida apenas como a experiencia de convivenciacom a mudanca rapid a, abrangente e continua,mas e uma forma altamente reflexiva de vida, naqual:

    Urn outro aspecto desta que stao daidentidade esta relacionado ao carater da mudancana modernidade tardia; em particular, ao processode mudanca conhecido como "global izacao" e seuimp acto sobre a identidade cul tural,

    Em essencia, 0 argumento e que a mudancana modernidade tardia tern urn carater muitoespecifico, Como Marx disse sobre a modernidade:

    nas sociedades tradicionais, 0 passado e veneradoe os simholes sao valor izados porque conte rn eperpetuam a experiencia de geral(oes. A tradicaoe urn meio de Iidar com 0 tempo e 0 espaco,inse rindo qua lquer a tividade ou exper ienc iaparticular na continuidade do passado, presente

    as praticas sociaissao constantemente examinadase reformadas a luz das informacbes recebidassobre aquelas pr6prias praticas, alterando, assim,constitutivamente, seu carater (ibid., pp. 37-8).

    Giddens cita, ern par ticular, 0 ritmo e 0alcance da mudanca - "a medida em que areasdiferentes do globe sao postas em interconexaoumas com as outras, ondas de transformacao sociala tingem vir tualmente toda a superficie da terra" -e a natureza das instituicoes modernas (Giddens,1990, p. 6). Essas ul timas au sao radicalmentenovas, em comp.aracao com as sociedadestradicionais (por exemplo, 0 estado-naeao au amer cantil'isacjto de produtos e 0 trabalhoass alariad 0) , ou tern uma enganosa continuidadecom as form as anteriores ( P O l 'exemplo, a cidade),mas sao organizadas em torno de principios

    bastante diferentes. Mais importantes sao astransformacoes do tempo e do espago e 0 que elechama de "desalojamento do sistema social" - a"extracao" das relacoes sociais dos contextos locaisde interacao e sua reestruturacao ao longo de

    e 0 permanente revolucionar cia producao, 0ahalar ininterrupto de todas as condicces sociais,a i ncert esa e 0 movimento e te rnos . .. Todas asrelacces f ixas e conge ladas, com se ll cor te jo devetustas represen taco es e conce pcoes, saodissolvidas, tcdas as relacoes recem-formadasenvelhecem antes de pcderern ossificar-se, Tudoque e solido se desmancha no ar... (Marxe Engels,1973, p. 70).

    As sociedades modernas sao, portanto, pordefinicao , sociedades de rnudanca constante,rapida e permanente. Esta e a principal distincaoentre as sociedades "tradicionais" e as"modernas". Anthony Giddens argumenta que:

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    J\ I l lI i ll lTIDIlOE (! ;ULTUR.AL11111OS-MODfRIIIIDI lDE A JDEIliTIDA DE E M Q UESTA O "lillllllTI /ID E C UL TURA L 1 1111 6S-M ODERNIDA DE

    Os modos de vida colocados em a~ao pelamodernidade noslivraram, de uma forma bastanteinedi ta , de todos os t ipos t radicionai s de ordemsocial, Tanto em extensao, quanto em intensidade,as transformacoes envolviclasna modernidade saomais profundas do que a maior ia das mudancascaracteristicas dos periodos anteriores. No planoda extensao, elas serviram para estabelecer forrnasde interconexso social que cobrem 0 globo; emtermos de intensidade , e las a lt eraram algumasdas caracteristicas mais intimas e pessoais de nossa

    existencia cotidiana (Giddens, 1990, p. 21).David Harvey fala da modernidade como

    implicando n ao apenas "urn rompimentoimpiedoso com toda e qual.quer co n dic aoprecedente", mas co mo "caracterizada por urnprocesso sem-fim de rupturas e fragmentacoesintern as no seu pr6prio interior" (1989, p. 12).Ernest Laclau (1990) usa 0 conceito de"deslocamento". Uma estrutura deslocada eaquela cujo centro e deslocado, nao sendosubsti tuido por outre, mas por "uma plural idade

    de centros de poder". As sociedades modernas,argumenta Laclau, nao t~m nenhum centro,nenhum principio articulador ou organizadorunico e nao se desenvolvem de acordo com 0desdobramento de uma iinica "causa" ou "lei".

    A sociedade nao e , como as sociologos pensarammuitas vezes, urn todo unificado e bern delimitado,uma totalidade, produzindo-se atraves demudancas evolucionarias a partir de si mesma,como 0 desenvolvimento de uma flor a partir deseu bulbo. Ela esta constantemente sendo"descentrada" ou deslocada pOI' forces fora de simesma.

    nrliculacoes: a criagao de novas identidades, apl"odugao de novas sujei tos e 0 que ele chama de"recornposicao da estrutura em torno de pontosnodais particulares de articulacao" (Laclau, 1990,p.4,0).

    Giddens, Harvey e Laclau ofere cern leiturasirn tanto diferentes da natureza da rnudanca do

    mundo p6s-moderno, mas suas ~nfases nadescontinuidade, na fragmentacao, na ruptura eno deslocamento contem uma linha comum.Devemos ter isso em mente quando discuti rmos 0irnpacto da mudanca contemporanea conhecidacomo "globalizacao",

    escalas indefinidas de espaco-tempo" (ibid. , p.21). Veremos todos esses temas mais adiante.Entretanto, 0 ponto geral que gostaria de enfatizar

    e o das descontinuidades

    As sociedades da modernidade tardia,argumenta ele, sao caracterizadas pela"diferenca"; e las sao atravessadas por diferentesdivisoes e antagonismos sociais que produzem umavariedade de diferentes "posicces de sujeito" -isto e , identidades - para os individuos. Se taissociedades nao se desintegram totalmente nao eporque elas sao unificadas, mas porque seusdiferentes elementos e identidades podem, sobcertas circunstfrncias, ser conjuntamentearticulados. Mas essa articulacao e sempre parcial:a estrutura da identidade permanece aherta. SemiS50, argumenta Laclau, nao haveria nenhumahist6ria.

    Esta e uma concepcao de identidade muitodiferente e muito mais perturbadora e provis6riado que as duas anter iores . Entretanto, argurnentaLaclau, isso nao deveria nos desencorajar: 0deslocamento tem caracteristicas positivas. Eledesarticula as identidades estaveis do passado,mas tambern abre a possibilidade de novas

    o que est6 emjogo no questtiodes identidades?

    Ate aqui os argumentos parecem bastanteabstratos, Para dar alguma ideia de como eles seaplicam a uma situaedo concreta e do que esta"em jogo" nessas contestadas definicoes deidentidade e mudanca, vamos tomar urn exemploque ilustra as consequencias politicos daIragmentacao ou "pluralizacao" de identidades.

    Em 1991,0

    entao presidente americano,Bush, ansioso por restaurar uma maioria

    onservadora na Suprema Corte americana,( n caminhou a indicacao de Clarence Thomas,mil joh: negro de vis6es pelfticas eonservadoras,

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    A r O E NT I D A O E E M Q U E S TA O

    Nojulgamento de Bush, os eleitores brancos (quepodiam tel' preconceitos em relagao a urn juiz

    negro) provavelmente apoiaram Thomas porqueele era conservador em termos da legislacao deigualdade de di rei tos , e os elei tores negros (queapoiam polfticas liherais em questoes de raga)apoiariarn Thomas porque ele era negro. Emsintese, 0 presidente estava "jogando 0 jogo dasidentidades" .

    Durante as "audiencias" em torno daindicacao, no Senado, a juiz Thomas foi acusadode assedio sexual por uma mulher negra, AnitaHill, uma ex-colega de Thomas. As audiencias

    causaram urn escandalo publico e polarizaram asocieclade americana. Alguns negros apoiaramThomas, baseados na questao da raga; outros seopuseram a ele, tomando como base a questaosexual. As mulheres negras estavam divididas,dependendo de qual identidade prevalecia: suaident idade como negra .ou sua identidade comomulher. Os homens negros tambem estavamdivididos , dependendo de qual fa tor prevalecia:seu sexismo ou seu liberalismo. Os homensbrancos estavam divididos, dependendo, njioapenas de sua politica, mas da forma como elesse identificavam com respeito ao racismo e aosexismo. As mulheres conservadoras brancasapoiavam Thomas, nao apenas com base em suainclinaeao politica, mas tambem por causa de suaoposicac ao feminismo. As feministas brancas,

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    "Il l ! linDA!) U l TU R II l N A P 6 S- M O O UN I O A O E A I O E NT I O A O E E M Q U E S TA o

    'Ill( [requentemente tinham poslgoes maispl'ogl"ssistas na questao da raga, se opunham a

    Thomas tendo como base a questao sexual. E, umav 'z que 0 juiz Thomas era urn membro da elitej lid i iaria e Anita Hill,na epoca do alegado incidente,1111H;l Iuncionaria subaltema, estavam emjogo, nessesHI' zumentos, tambem questoes de classe social.

    A questao da culpa ou cia inocencia do juizThomas nao esta em discussao aqui; 0 que esta

    m discussao e 0 "jogo de identidades" e suas.onsequenc ias politicas. Consideremos as

    I!I uinles elementos: As identidades eram contraditorias, Elas se

    cruzavam ou se "deslocavam" mutuamente. As contradicoes atuavam tanto fora, na

    sociedade, a travessando grupos pol iticosestabelecidos, quanta "dentro" da cabecade cada individuo,

    N enhuma identidade singular - pOl'exemplo, de classe social- podia alinhartodas as diferentes identidades com uma"identidade mestra" unica, abrangente,na qual se pudesse, de forma segura,basear uma polftica. As pessoas naoidentificam mais seus interesses sociaisexclusivamente em termos de classe; acl.asse n ao pede servir como umdispositivo discursivo au uma categoriamobilizadora atraves da qual todos osvariados interesses e todas as variadas

    identidades das pesso as p ossam serreconciliadas e representadas,

    De forma crescente, as paisagens politicasdo mundo moderno sao fraturadas dessaforma pOl' ide n t ific ac Ses rivais edeslocantes - advindas, especialmente,da erosao da "identiclade mestra" daclasse e da ern er genci a de novasidentidades, pertencentes a nova basepolitica definida pelos novos movimentossociais: 0 feminism, as lutas negras, asmovimentos de lihertacao nacional, osmovimentos antinucleares e ecol6gicos(Mercer, 1990).

    U rna vez que a icIent idade mud a de aeordocom a forma como 0 sujeito e interpeladoou representado, a identificacao nao eautomatica, mas pode ser ganhada ouperdida. Ela tornou-se politizada. Esseprocesso e , as vezes, descrito comoconstituindo uma mudanca de uma politicade ident idade (de classe) para uma poli ticade diferenca.

    Posso agora esquematizar, de forma breve,o restante do livre. Em primeiro lugar, vouexaminar, de uma forma um poueo mais profunda,como 0 eonceito de identidade mudou: do conceitoligado ao sujeito do Iluminismo para 0 conceitosocio16gico e, depois, para 0 do sujeito "pes-moderno". Em seguida, 0 livro explorara aquele

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    A I O HH lD A D E C U ll U R: A L N A P O S M QD E RN I DA D E 2 A : I DE N T I D A O E C U LT U R A L N A P O S -M O O E ' RN I .! lA _ D E

    aspecto da identidade cultural moderns que efOl"mado atraves do per tencimento a uma cul turanacional e como os processos de mudanca - umamudanga que efetua urn deslocamento -compreen-didos no conceito de "global izacao"estao afetando isso.

    NASCIMENTO E MORTEDO SUJEITO MODERNO T entar mapear a hist6r ia da nogao de sujeito

    moderno e ur n exercicio extremamente di fici l. Aideia de que as identidades eram plenamenteunificadas e coerentes e que agora se tornaramtotalmente deslocadas e uma forma altamentesimplista de contar a est6ria do sujeito moderno.Eu a adoto aqui como urn dispositive que tern 0proposito exclusive de uma exposicao conveniente,Mesilla aqueles que subscrevem inteiramente anogao de ur n descentramento da identidade na oa sustentar iam nessa forma simpli ficada. Deve-seter essa qualif ioacaoem mente ao ler es te capi tulo .Ent1'etanto, esta formulacao simples tern avantagem de me possihilitar (no breve espago deste

    livro) _esbocar um quadro aproximado de como,de acordo com os proponentes da visao, dodescentramento, a conceptualizaeno do sujeitomoderno mudou em tres pontes estrategicos,durante a modernidade. Essas mudaneassublinham a afirm acac basica de que asconceptualizacoes do sujei to mudam e, portanto,tern uma his toria. Urna vez que 0 sujeito modernoernergiu num memento particular (seu"nascirnento"] e tern urna historia, segue-se queele tamhem pode mudar e, de fato, sob certas

    circunstancias, podemos mesmo contemplar sua"motte".

    N estecapitulo farei urn esboco da descricao,feita po.r al.guns te6ricos cant.emporaneos,das principais mudancas na forma peiaqual 0 sujeito e a identidade sao conceptuahzadosno pensamento moderna. Meu objetivo e tracaros estagios atraves dos quais uma versao particulardo "sujeito humano" - com certas capacidadeshumanas fixas e urn sentimento estavel de suapropria identidade e lugar na ordern das coisas -

    emergiu pela primeiravez na idade moderna;como ele se tornou "centrado ", nos discursos eprat icas que moldaram as sociedades modernas;como adquiriu uma definicao mais sociologica ou

    1 ' d "d t d"nterativa; e como e e esta sen 0 escen ra ana modernidade tardia. 0 foco principal destecapitulo e conceitual, centrando-se em concepciiesmutantes do sujeito humane, visto como umafigura discursiva, cuja forma unificada eidentidade racional eram pressupostas tanto pelosdiscursos do pensamento moderno quanta pelosprocessos que moldaram a mcdernidade, sendo-lhes essenciais.

    E agora urn lugar-comum dizer que a epocamoderna fez surgir uma forma nova e decisiva deindividualismo, no centro da qual erigiu-se uma

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    N AS CI ME NT O E M OR n D O S UJ EI TO M OO ER NO

    nova concepcao do sujeito individual e suaidentidade. Is to nao signif iea que nostempos pre-modernos as pessoas nao eram individuos mas

    que a individualidade era tanto "vivida" quanta"conceptualizada" de- forma diferente. Astr ansfor mac oe s associadas a modernidadelibertaram 0 individuo de seus apoios estaveis nast radicoes e nas estruturas, Antes se acreditava queessas eram divinamente estabelecidas; naoestavam suje itas , portanto, a mudan casfundamentais . 0 status, a classificacao e a posicaode urna pessoa na "grande cadeia do ser" - aordem secular e divina das coisas - predominavamsobre qualquer sentimento de que a pessoa fosseum in dividuo soberano. 0 nascimento do"individ uo sober ano", entre 0 Hum anismoRenaseentista do seculo XVI e 0 I luminismo doseculo XVIII, representou uma ruptura importantecom 0 passado. Alguns argumentam que ele foi 0motor que colocou todo 0 sistema social da"modernidade" em movimento.

    Raymond Williams observa que a historiamoderna do sujeito individual reline d oissignificados distintos: por um Iado, 0 sujeito 08"indivisivel" - uma entidade que 08unificada no

    seu proprio interior e nao pode ser dividida alerndisso; por outro lado, e tambem uma entidadeque 08"singular, distintiva, unica" (veja Williams,1976; pp. 133-5: verbete "indioiduol"). Muitosmovimentos importantes no pensamento e na

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    A IDENTlOAD.E CULTURAL NA.POS-MODERNIOAOE NASCIMENTO E MORU DO suisrro MOOERNO

    culture ocidentais eontribuiram para a ernergenciadessa nova concepca o: a Reforma e 0Protestantismo, que libertaram a consciencia

    individual das instituicces religiosas da Igreja e aexpuseram diretamente aos olhos de Deus; 0Humanisrno Renascentista, que colocou 0 Homem{sic} no centro do universe; as revoluco escientificas, que conferiram ao Homem a faculdadee as eapacidades para inquirir, investigar e decifraros misterios da Natureza; eo Iluminismo, centradona imagem do Homern racional, cientifico ,libertado do dogma e da intolersncia, e diante doqual se estendia a totalidade da historia humana,para ser compreendida e dominada.

    Grande parte da hist6ria da filosofiaocidental consiste de ref lexoes ou refinamentosdessa concepcao do sujeito, seus poderes e suascapacidades. Uma figura importante, que deu aessa concepcao sua forrnulacao primaria, foi 0f ilosofo frances Rene Descar tes (15961650).Algumas vezes visto como 0 "pai da Filosofiamoderna", Descartes foi urn mate matico eeientista, 0 fundador da geometria analitica e daotica, e foi profundamente influenciado pela "novaciencia" do seculo XVII. Ele foi atingido pela

    profunda duvida que se seguiu ao deslocamentode Deus do centro do universe. E 0 faro de que 0sujeito moderno "nasceu" no meio da dnvida edo ceticismo metaflsico nos faz lembrar que elenunca foi estahelecido e ~nificado como essa forma

    de descreve-lo pareee sugerir (veja Forester,1987). Descartes acertou as contas com Deus aotorna-Io 0 Primeiro Movimentador de toda cria(_{ao;

    dai em diante, ele explicou 0 resto do mundomaterial inteiramente em termos mecanicos ematematicos,

    Descartes p o stulou d u a s substanciasdistintas - a substancia espacial (materia) e asubstfincia pensante (mente). Ele refocalizou,assim, aquele grande dualismo entre a "mente" ea "materia" que tem ailigido a Filosofa desdeentao. As coisas devem ser explicadas, eleacreditava, por uma reduc;ao aos seus elementosessenciais a quantidade minima de elementos e,em Ultima analise, aos seus elementos irredutiveis.No centro da "mente" ele colocou 0 sujeitoindividual, constituido por sua capacidade pararaciocinar e pensar. "Cogito, ergo sum" era apalavra de ordem de Descartes: "Pens 0, logoexisto" (e nfase minha). Desde en tao, estaco ncepcao do sujeito racional, pensante econsciente , s ituado no centro do conhecimento,tern sido conhecida como 0 "sujeito cartesiano".

    Outra contr ibuicao cri tica foi fei ta por JohnLocke, 0 qual, em seu E n sa io s ob re a c om p re en si io

    humana, definia 0 individuo em termos da"mesmidade (sameness) de urn ser racional" - isto08, uma identidade que permanecia a mesma eque era continua com seu sujeito: "a identidadeda pessoa alcanca a exata extensao em que sua

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    A I b~ N rI D A O ! C U LT UR A L N A P 6 S- M O DE R N ID A D E N A SC IM E NT O E M O R TE D O S UJ EI TO M O DE RN O A I O E NT I O A DE C U LT UR A L N A P 6 S- M O DE R N ID A D E

    consciencia pode ir para tras, para qualquer agaoou pensamento passado" (Locke, 1967, pp. 212-213). Esta figura (ou dispositive conceitual) - 0

    "individuo soberano" - esta inscrita em cada urndos processos e praticas centrais que fizeram 0mundo moderno. Ele {sic}era 0 "sujeito" damodernidade em dois sentidos: a origem ou"sujei to" da razao, do conhecimento e da pratica;e aquele que sofria as consequencias dessaspraticas - aquele que estava "sujeitado" a elas(veja Foucault, 1986 e tamb ern PenguinD ic ti on a ry o f S oc io lo gy :verbete "subject " .

    Algumas pessoas tern questionado se 0capitaJismo realmente exigiu uma concepcao de

    indioiduo soberano desse t ipo (Abercrombie etalli, 1986). Entretanto, a ernergencia de umaco n cepcao mais individualista do sujeito eamplamente aceita. Raymond Williams sintetizouessa imersao do sujeito moderno nas praticas ediscursos da modernidade na seguinte passagem:

    A emergencia de n090es de individualidade, nosentido moderno, pode ser relacionada ao co lapsoda ordem social, econi imica e re lig iose medieval.No mov imento g eral contr a 0 Ieudalismo houveuma no va en fase na ex isten cia p essoaJ d o ho m e m,acima e alem de seu lugar e sua funyao numa

    r ig ida sociedad e h ier arqu ica. Ho uv e uma enfa sesimilar, no Pro testantismo , na re lac ao dire ta eindividual do homem com Deus, em oposicao aesta relacso mediada pela Igreja. Mas Io i 56 aof in al d o ~ ec ul o XVII e no s ec ul o X V II Ique urn

    n ov o m od o d e a na li se , n a L 6g ic a e n a M at em ati ca ,postulou 0 in divf duo co mo a entidad e maier (cf. as"monadas" de Leibniz), a partir da qual outrasc at eg or ia s ( esp ec ia lm en te c at eg or ia s c ol et iv as)

    erarn der ivadas . 0 pensamento polftico doI lu mi ni sm o se gu iu p ri nc ip al rn en te e ste m od el e.

    o argumento comecava com os indivfduos, quetinh am um a existencia pr irnar ia e inicial, As leise as formas de sociedade eram deles derivadas:por submissao, como em Hobbes; por contratoou consentimento, ou pela nova versao da leinatural, no pensamento liberal. Na econorniaclassica, 0 cornercio era descrito atraves de urnmodelo que supunha indivtduos separados que[possutam propriedade e] decidiam, em algump on to d e p ar tid a, entrar em relacoes economicaso u corn erciais. Na etica u tilitaria, ind ivldu os

    separados c al cu la va m a s conseqiiencias d esta oudaquela agao que eles poderiam empreender(Will iams, 1976, pp.135-6) .

    Ainda era possfvel , no seculo XVIII,imaginar os grandes processes da vida modernacomo estando centrados no individuo "sujeito-da-razf io". Mas a medida em que as sociedadesmodernas se tornavam mais complexas, :lasadquiriam uma forma mais coletiva e social. Asteor ias class icas l iberais de governo, baseadas nosdireitos e consentimento individuais, foramohrigadas a dar conta das estruturas do estado-na9ao e das grandes massas que fazem umademocracia moderna, As leis classicas da economiapolitica, da propriedade, do contrato e da troca tinhamde atuar; depois da industrializaeao, entre as grandes

    formaeoes de classe do capitalismo moderno.o empreendedor indi vidual da R iq ue za d as " aq oe sde Adam Smith ou mesmo d'G capital de Marx foi

    t ransformado nos conglomerados empresar iais daeconomia moderna. 0 cidadao individual tornou-se enredado nas maquinarias burocraticas eadministrativas do estado moderno.

    Emergiu, entao, uma concepcao mais socialdo sujeito. 0 indivfduo passou a ser visto comomais localizado e "definido" no interior dessasgrandes estruturas e formacces sustentadoras dasociedade moderna. Dois importantes eventoscontribufrarn para articular urn conjunto maisamplo de fundamentos conceptuais para 0 sujeito

    modemo. 0 primeiro foi a biologia darwiniana. 0sujeito humano foi "biologizado" - a razfio tinhauma base na Natureza e a mente urn "fundamento"no desenvolvimento Ifs ico do cerebra humano.

    o segundo evento foi 0 surgimento das novasciencias sociais. Entretanto, as transformacoes queisso pos em agao foram desiguais:

    0 "indivlduo soberano", com as suas (dele)vontades, necessidades, desejos einteresses, pennaneceu a figura centraltanto nos discursos da economia moderna

    quanta nos da lei modema. 0 dualismo tipico do pensamento cartesiano

    foi institucionalizado na divisao das cienciassociais entre a psicologia e as outras

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    NASCIMENTO EMORTE DO SUJEJTO MODfRNO

    discipl inas . 0 estudo doindividuo e de seusprocessos mentais tornou-se 0 objeto deestudo especial e priv.ilegiado da psicologia.

    A sociologia, entretanto, forneceu umacritica do "individualismo racional" dosujeito cartesiano. Localizou 0 individuoem processos de grupo e nas normascoletivas as quais, argumentava, subjaziama qualquer contrato entre sujeitosindividuais. Em conseqiiencia, desenvolveuuma expl icacso alternat iva do modo comoas individuos sao formados subjetivamenteatraves de sua participacao em relaceessociais mais amplas; e, inversamente, domodo como os processos e as estruturassao sustentados pelos papeis que osindividuos neles desempenham. Essa"internalizacao" do exterior no sujeito, eessa "externalizacao" do inter ior, a travesda a

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    A .I P' Nl IPAP E C Un t) RA l N A P OS -M OO ER NI OA DE NASCI .MENTOE MORn DO SUJElTO MODERNO A IPENTIDADE CULTURAL NA POS-MOPE~NIPAP1

    Aquelas pessoas que sustentam que as

    ident idades modernas estao sendo fragmentadasargumentam que 0 que aconteceu a concepcaodo sujeito moderno, na modernidade tardia, naofoi simples mente sua desagregacao, mas seudeslocamento. Elas descrevem esse desIocamentoatraves de uma serie de rupturas nos discursosdo conhecimento moderno. Nesta se9ao, farei urnrapido eshoco de cinco grandes avances na teor iasocial e nas ciencias humanas ocorridos nopensamento, no perlodo da modernidade tardia(a segunda metade do seculo XX), ou que sobreele tiveram seu principal impacto, e cujo maierefei to , argumenta-se, foi 0 descentramento finaldo sujeito cartesiano.

    A prirneira descentracao importante refere-se as tradicoes do pensamento marxista. Osescritos de Marx pertencem, naturalmente, aoseculo XIX e nao ao seculo XX. Mas urn dosmodos pelos quais seu trabalho Io i redescobertoe reinterpretado na decada de sessenta foi a luzda sua afirmacao de que os "homens (sic) fazema historia, mas apenas sob as condicbes que lhes

    sao dadas". Seus novos interpretes leram isso nosentido de que os individuos nao poderiam denenhuma forma ser os "autores" ou os agentesda historia, uma vez que eles podiam agir apenascom base em condicbes hist6ricas criadas por

    Esses doi s po st ula dos sa o c ompl ementa res eindissoluveis. Mas sua existencia e sua unidadepressupbern to da uma per spe ct ive de mundoernpi rista -ide ali sta. Ao rej eit ar a essenci a dohomem como sua base teorica, Marx rejeitou todoesse sistema organico de postulados. Ele expulsouas categorias filosoficas do sujeito do empirismo,da essencia ideal, d e todo s os domini os e m que

    eras tinham reinado de forma suprema. Naoapenas da economia polit ica (rejei

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    A I D E N T lD A D E C U LT U R A L N A P O S - M O D ER N I D A D E N A SC IM E NT O E M O R TE D O S U JE lT O M O DE R NO A I D E N TI D A D E C U LT U R A L N A P 6 S - M O DE R N I D A D E

    que essa forma de pensamento causa a nocoesque veem 0 sujeito racional e a identidade comofixes e estaveis,

    o terceiro descentramento que exarninareiesta associado com 0 trabalho do linguistaestrutural, Ferdinand de Saussure. Saussureargumentava que n6s nao somos, em nenhurnsentido, os "autores" das af irmacces que fazemosau dos significados que expressamos na lingua.N6s podemos utilizer a lingua para produzirs ignif icados apenas nos posicionando no inter iordas regras da l ingua e dos sis temas de signif icadode nossa cultura. A lingua e urn sistema social enao um sistema individual. Ela preexiste a nos.Nao podernos, em qualquer sentido simples, serseus autores. Falar urna lingua nao signifies apenasexpressar nossos pensamentos mais interiores eor iginais; s ignifica tambern ativar a imensa gamade signif icados que ja estao embutidos em nossal ingua e em nossos sistemas culturais .

    Alem disso, os s ignif icados das palavras naosao fixes, numa relacao um-a-um com os objetosou eventos no mundo existente fora da lingua. 0significado surge nas relacoes de similaridade ediferenca que as palavras U~mcom outras palavrasno interior do codigo da lingua. Nos sabemos 0que e a "noite" porque ela nno eo "dia", Observe-se a analogia que existe aqui entre lingua eidentidade. En sei quem "eu" sou em relacao com"0 outro" (por exemplo, minha mae) que eu nao

    posso ser. Como cliria Lacan, a identidade, como. ", irad li"inconsciente, esta estrutura a como a ngua .

    o que modernos filosofos da linguagem - com?Jacques Derrida, influenciados por Saussure e pela"virada linguistic a" - argumentam e que, apesarde seus melhores esforcos, o/a falante individualnao pode, nunca, fixar 0 significado de uma formafinal, incluindo 0 significado de sua identidade.As palavras sao "multimoduladas". Elas semprecarregam ecos de outros significados que elascolo cam em movimento , apesar de nossosmelhores esforcos para cerrar 0 significado. Nossasafirrnacces sao baseadas em proposicoes epremissas das quais n6s nao ternos cons~iencia,

    mas que sao, pOl' assim dizer, conduzidas nacorrente sanguinea de nossa lingua. Tudo que. "" "deooi " aizemos tern urn antes e urn epois - urn"margern" na qual outras pessoas podem escrever.o significado e inerentemente instavel: ele procurao fechamento (a identidade), mas ele econstantemente perturbado (pela diferenca). Eleesta constantemente escapulindo de nos. Existemsempre signif icados suplementares sobre os quaisnao temos qualquer controle, que surgirao esubverterac nossas tentativas para criar mundosfixos e estaveis (veja Derr ida, 1981) .

    o quarto descentramento principal daidentidade e do sujeito ocorre no trabalho dofil6sofo e historiador frances Michel Foucault.Numa serie de estudos, Foucault produziu uma

    especie de "gene alogia do sujeito moderno".Foucault destaca urn novo tipo de poder, que elechama de "poder disciplinar", que se desclobra

    ao longo do seculo XIX, chegando ao seudesenvolvimento maximo no inicio do presenteseculo, 0 poder disciplinar esta preocupado, emprimeiro lugar, com a regulacao, a vigilancia e 0govemo da especie humana au de populacoes inteirase , em segundo lugar, do individuo e do corpo. Seuslocais sao aquelas novas instituicoes que sedesenvolveram ao longo do secuio XIX e que"policiam" e disciplinam as populacoes modernas -oficinas, quarteis, escolas, prisoes, hospitais, clinicase assim pOI'diante (veja, por exemplo, H i st or ia d a

    loucura, 0 nascimeruod a c li ni ca e Vigiare punir).o objetivo do "poder discipl inar" consiste

    em manter "as vidas , as atividades , 0 t rabalho, asinfelicidade e os prazeres do individuo", assimcomo sua saude fisica e moral, suas praticassexuais e sua vida familiar, sob estrito controle edisciplina, com base no poder dos regimesadministrativos, do conhecimento especializadodos profissionais e no conhecimento fornecidopelas "disciplinas" das Ciencias Sociais. Seuobjetivo hasico consiste em produzir "urn ser

    humano que possa ser tratado como urn corpod6cil" (Dreyfus e Rabinow, 1982, p. 135).

    o que e part icular mente interessante , doponto de vista da hist6ria do sujeito moderno, eque, embora 0 poder disciplinar de Foucault seja

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    N A SC IM E NT O E M O RT E . DO S U lE IT O M O DE ~N O A I D E N T ID A D E C U LT U R A L N A , P 6 S -M O D ~ R N IO A , D E

    o produto das novas instituicoes coletivas e degrande escala da modernidade tardia, suastecnicas envolvem uma aplicacao do poder e do

    saber que "individualiza" ainda mais 0 sujeito eenvolve mais intensamente seu corpo:

    Num regime di sc ipl ine r, a i ndividua li zacao edcscendente. Atraves da vigilancia, da observacaoconstante, tod as aquelas pessoas sujeitas aocontrole 5a.o i ndivi dnal iz adas ... 0 po der naoapenas traz a individualidade para 0 campo dao bservacao, mas tam bern fixa aquelaindividualidade objetiva no cam po daescrita. U mimenso e meticuloso aparato documcntario torna-s e um cornponente e ssenc ia l do crescimento dopoder [nas sociedades mo dernas]. Essaacumulacao de docurnentacac individual nu mordenamento sistern atico to rna "possivel amcdicao de fen6menos globa is, a de scric ao d egrupos, a carac te rizacao de fatos colet ivos , 0c alc ulo de di st anc ias en tre os indi viduos, suad ist ribu icao numa dada populacao" (Dreyfus eRabinow, 1982, p. 159, citando Foucault) .

    Nno e necessario aceitar cada detalhe dadescricao que Foucaul t faz do carater abrangentedos"regimes disciplinares" do moderno poderadministrative para compreender 0 paradoxo deque, quanto mais coletiva e organizada a natureza

    das instituicoes da modernidade tardia, maior0

    isolamento, a vigil ancia e a individualizacao dosujeito individual.

    o quinto descentramento que osproponentes dessa posicao citam e 0 impacto do

    feminismo, tanto como uma cri tica teorica quantocomo um movimento social. 0 feminismo faz partedaquele grupo de "novos movimentos sociais",

    que emergiram durante os anos sessenta (0 grandemarco da modernidade tardia), juntamente comas revoltas estudantis, os movimentos juveniscontraculturais e antibelicistas, aslutas pelos direitoscivis, os movimentos revolucionarios do "TerceiroMundo", os movimentos pela paz e tudo aquiloque esta associado com" 1968". 0 que e importantereter sobre esse momento hist6r ico e que:

    Esses movimentos se opunham tanto apolitica liberal capitalista do Ocidentequanto a politica "estalinista" do Oriente.

    Eles afirmavam tanto as dime nsdes"subjetivas " quanto as dime nsb es"objetivas " da politica.

    Eles suspeitavam de todas as formasburoeraticas de organizacso e favoreciama espontaneidade e os atos de vontadepolitica.

    Como argumentado anteriormente, todosesses movimentos tinham uma enfase euma forma cultural fortes. Eles abracaramo "teatro" da revolucao.

    Eles refletiam 0 enfraquecimento ou 0 fimda classe politica e das organizacdespolfticasde mass a com el a associadas, bemcomo sua fragmentacao em varies .eseparados movimentos sociais,

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    N A SC IM E NT O . M O .R T EO O S U lE IT O M O DU N O

    Cada movimento apelava para a identidadesocial de seus sustentadores. Assim, 0feminismo apelava as mulheres, a poli tica

    sexual aos gays e lesbicas, as lutas raciaisaos negros, 0 movimento antibelicista aospacifistas, e assim por diante. Isso constituio nascimento hist6rico do que veio a serconhecido como a politica de identidade-uma ident idade para cada movimento.

    Mas 0 feminismo teve tambem uma relacaomais direta com 0 descentramento concei tual dosujeito cartesiano e soeiologico:

    Ele questionou a classica distineno entre 0"de: ." "for a" ,,- . d"ntro eo ora, 0 pnva. 0 e"publico" .. 0 slogan do feminismo era: "0pessoal e politico".

    Ele abriu, portanto, para a contestacaopoli tica, arenas intei ramente novas de vidasocial: a familia, a sexualidade, 0 trabalhodomestico , a divis ao d o mes tic a -dotrabalho, 0 cuidado com as criancas, etc.

    Ele tambem enfatizou, como uma questaopol itica e social , 0 tema da forma comosomos formados e produzidos comosujeitos generificados. Isto e ,ele politizoua subjetividade, a identidade e 0 processode identificacao (como homens/mulheres,maes/pais, f i lhos/fi lhas ) .

    Aquilo que comecou como um movimentodirigido a contestacao da posioio social das

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    As C U LTU R A S N A C IO N A I S C O M O C O M U NI D A DE S IM A G IN A D . A S A I D EN T ID . A DE C U LTU R A l N A p 6 S- M OD U N ID A D E

    "ingles" devido ao modo como a "inglesidade"(E"(tglishness) veio a ser representada - como urnconjunto de significados - pela cultura nacional

    inglesa. Segue-se que a nacao nao e apenas umaentidade politica mas algo que produz sentidos-u m s is te ma d e r ep re se nta dio c ultu ra l.As pessoasnao sao apenas cidadsos/as legais de uma nagao;elas participam da ideia da nagao tal comorepresentada em sua cultura nacional . Uma nacaoe uma comunidade simholica e e isso que explicaseu"poder para ger ar urn sentimento deidentidade e lealdade" (Schwarz, 1986, p.106).

    As culturas nacionais si;io uma formadistintivamente modema . .A lealdade e a

    identificacao que, numa era pre-moderns ou emsociedades mais t radicionais, eram dadas a tribo,ao povo, a rel igiao e a regiao, foram transferidas,gradualmente, nas sociedades ocidentais, a culturanacional. As diferencas regionais e etnicas foramgradualmente sendo colocadas, de formasubordinada, sob aquilo que Gellner chama de"teto politico" do estado-nacao, que se tornou,assim, urna fonte poderosa de significados paraas identidades culturais modernas.

    A formacao de uma cultura nacionalcontribuiu para criar padroes de alfabetizacaouniversais, generalizou uma u nic a linguavernacular como 0 meio dominante decomunicacao em toda a nacao, criou uma culturehomogenea e/manteve instituicoes culturais

    nacionais, como, pOl' exernplo, urn sistemaeducacional nacional, Dessa e de outras formas, acultura nacional se tomou urna caracteristica-chave

    da industrializacaoe urn dispositiveda modernidade.Nao obstante, M outros aspectos de uma culturanacional que a empUlTam numa direcao diferente,trazendo it tona 0 que Homi Bhabha chama de "aambivalencia particular que assombra a ideia danacao" (Bhabha, 1990, p. 1) . Algumas dessasambiguidades sao exploradas no capitulo 4. Naproxima se

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    A ID~NTIDAPE CU~TUI!A~ NA P6S-MODERNIDADE A s CUlTUIUIS NACIONAIS COMO COMiJNIDADES IMAGINADAS A IDENTIDAoe CULTUIUIL NA POS-MODERNIDADE

    Dos muitos aspectos que uma respostaabrangente a questao incluiria selecionei cincoelementos principais:

    Em primeiro lugar, ha a narrativa dana~ao, tal como e contada e recontada nashistorias e nas literaturas nacionais, namidia e na cultura popular. Essas fornecemuma aerie de est6rias, imagens,panoramas, cenar ios, eventos his t6ricos,simbolos e rituais nacionais quesimbolizam ou representam as experienciaspartilhadas, as perdas, os triunfos e osdesastres que dao sentido a nacao. Comomembros de ta l "eo munid ade imaginada" ,

    nos vemos, no olho de nossa mente, comocompartilhando dessa narrativa, Ela dasignificado e importanoia a nossa mon6tonaexistsncia, conectando nossas vidascot idianas com urn destino nacional quepreexiste a nos e continua existindo ap6snossa morte. Desde a imagem de umaverde e agradavel terra inglesa, com seudoce e tranqnilo interior, com seus chalesde trelicas e jardins campestres - "a ilhacoroada" de Shakespeare - ate ascerirnonias p ublicas, 0 disc urso d a"inglesidade" (englishness) representa 0que "a Inglaterra" e , da sentido aidentidade de "ser ingles" e fixa a"Inglaterra" como um foco de identificaeso

    nos coracces ingleses (e anglcf ilos], Comoobserva Bill Schwarz:

    haviamos feito .. . que a Gra-Bretanha naoera mais a nagao que tinha construido urnImperio e dominado urn quarto do

    mundo . .. Bern, e les estavam errados ... AGra-Bretanha na o mudou" (citado ernBarnett, 1982, p. 63).

    Vma terceira estrategia discursiva econstituida por aquilo que Hobsbawm eRanger chamam de inven~ao da tradi9ao:"Tradicoes que parecern ou alegam serantigas sa o m u it as v e ze sde origem bastanterecente e algumas vezes inventadas ...Tradi9ao inventada signifiea urn eonjuntod e p ra ti ca s . .. , d enatureza ritual ou simb6liea,

    que buscarn inculca r ce rtosvalorese norrnasde comportamentos atraves da repet ieao, aqual, autornaricarnente, implica continuidadecom u rn p as sa do h is to ri co a de qu ad o" ,POl'exemplo, "nacla parece ser mais antigo evinculado ao passado imemorial do que apompa que rodeia a monarquia britanicae suas manifestacoes cerimoniais publicus.No entanto . .. , na sua forma moderna, elae 0 produto do final do s ec ul o X IXe X X "(Hobsbawm e Ranger, 1983, p.l).

    Urn quarto exemplo de narrativa da culturanacional e a do milo fundacional: umaest6ria que localiza a origem da nacao, dopovo e de seu carater nacional numpassado tao distante que eles se perdem

    Essas coi sa s formam a tra rna qu e nos pr endeinvisivelmente ao passado. Do mesmo modo queo nacionalismo ingles e negado, assim tarnbem 0e sua turbulenta e contestada historia, 0 quega nhamos ao i D Ve Sdisso ... e urna enfase natradi~8o e na heranca, acima de tudo nacontinuidade, de forma que nossa cultura polit icapresente e vista como 0 florescimento de umalonga e orgsn ica evolucao (Schwarz, 1986, . p .155).

    Em segundo Iugar, ha a enfase nas origens,na continuidade, na tradir;ao e naintemporalidade. A identidade nacional e

    representada como primordial - "esta la,na verd adeira natureza d as coisas",algumas vezes adormecida, mas sempre

    - "d d "d "1ronta para ser acor _aae sua onga,persistente e mister iosa sonolencia", parareassumir sua inquebrantavel existencia(Gellner, 1983, p. 48). Os elementosessenciais do carater nacional permanecemimutaveis , apesar de todas as viciss itudesda historia. Esta 1&desde 0 nascimento,unificado e continuo, " irnutavel" ao Iongode todas as mudancas, eterno. A S1'a.Thatcher observou, na epoca da Guerradas Malvinas , que havia algumas pessoas"que pensavam que nos nao poderiamosmais fazer as grandes coisas que uma vez

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    As C U ll UR A S N A C IO N A lS C O MO C O MU N ID A D ~S I M A G IN A D A S A I D! 'N T I D A D E C U L lU R A L N A P6 S -M O O E R N ID A D E As c un U HA S N A C I. ON A IS C O MO C O MU N ID A D ES I M AG IN A D A S

    nas brumas do tempo, nao do tempo"real", mas de urn tempo "rnitico". Tradiccesinventadas tornam as confusees e os desastres

    da hist6ria inteligiveis, transformando adesordem em "comunidade" (por exemplo,a Blitz ou a evacuacao durante a II GrandeCuerra)e desastresem triunios(por exemplo,Dunquerque), Mites de origem tambemajudam povos despr ivilegiados a "conce-berem e e x pr e ss ar e m seu ressent imento esua satisfacao em termos inteligiveis"(Hobsbawm e Ranger, 1983, p. I). Elesfornecem uma narrativa atraves da qualuma historia al ter n ativa ou uma

    contranarrat iva, que precede as rupturasda colcnizacao, pede ser construida (parexemplo, 0 rastafarianismo para os pobresdespossuidos de Kingston, Jamaica; verHall, 1985). Novas nacdes sao, entao,fundadas sobre esses mitos, (Digo "mites"porque, como foi 0 caso com rnuitas nacoesafricanas que emergiram depois dadesc ol oniz aefio , 0 que precedeu acolonizacao nao foi "uma unica nacao, umunico povo", mas m uitas cultur as e

    sociedades tribais diferentes),A identidade nacional e tambem muitas vezessimbolicamente baseada na ideia de urn pocoaufolk puro, originaL Mas, nas realidadesdo desenvolvimento nacional, e raramente

    esse povo (folk)primordial que persis te ouque exercita 0 poder, Como, acidamente,observa Gellner: "Quando los ruritananos]

    vestiram as trajes do povo e rumaram paraas montanhas, compondo poemas nos clardesdas florestas, des nao sonhavam em setornarern urn dia tarribem poderososburocratas, embaixadores e ministros"(1983, p. 61).

    ~ 0 discurso da cul tura nacional nao e ,assim,tao moderno como aparenta ser. Ele constr6iidentidades que sao eolocadas, de modo ambiguo,entre 0 passado e 0 futuro. Ele se equi libra entrea tentagao por retornar a gl6rias passadas e 0

    impulso por avancar ainda mais em direcao arnodernidade. As culturas nacionais sao tentadas,algumas v ez es, ase v olta r p ara0 p as sa do , a r ec ua rdefensivarnente para aquele "tempo perdido",quando a nagao em "grande"; sao tentadas ares taurar as ident idades passadas . .Este constituio elemento regressive, anacronieo, da est6ria dacultura nacional. Mas freqnentemente esse mesmoretorno a o p as sa do o cu lt auma luta para mobilizaras "pessoas" para que purifiquem suas fileiras,para que expulsem os "outros" que arneacam sua

    identidade e para que se preparem para urna novamarcha para a frente/Durante os anos oitenta, aretor ica do thatcher ismo uti lizou, a lgumas vezes,os dois aspectos daquilo que Tom Nairn chamade "face de Janus" do nacional isrno (Nairn, 1977):

    olhar para tras, para as glories do passado imperial" al .. ;;e para os v. ores vitonanos e, ao mesmo tempo,

    empreender uma especie de modernizacao, em

    preparacao para ur n novo estagio da cornpeticaocapitalista global. Alguma coisa do mesmo tipopode estar ocorrendo na Europa Oriental. As areasque se separam da antiga Uniao Sovieticareafirrnarn suas identidades etnicas essenciais ereivindicam uma nacionalidade sustentada por" 6' "( I ~st rras a gumas vezes extremamen ted uvid osas) de origens rniticas, de ortodoxiareligiosa e de pureza racia l. Contudo, elas podemtam he m e star usand oa nayao como um a formaatraves da qual possam competir com outras

    "nacoes" etnicas e poder, assim, entrar no rico"clube" do Ocidente. Como ta o agudamenteobservou Immanuel Wallerstein, "as nacionalismosdo mundo moderno sao a expressao ambigua [deurn desejo] por ... assimilacao no universal.,; e,s imul taneamente, pOL. . adesao ao part icular, a .reinvencao das diferencas, Na verdade, trata-sede urn universalismo atr aves do particularismo ede urn par ticular ismo atraves do universalismo"(Wallers tein, 1984, pp. 166-7).

    Desconsfruindo a "culture nccionul":identida.de e diferancc

    A seliao anterior discutiu como urna culturanacional atua como uma fonte de significados

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    A I O E N TI D A D E C U LT U RA L N A . P 6 S -M O O E R N ID . Il D E A s C Ul TU RA S N A CI ON A IS C OM O C OM U NI DA ll ES l MA G IN A DA S

    culturais, urn foco de identificacao e urn sistemade representacao. Esta segao volta-se agora paraaljuestao de saber se as culturas nacionais e as

    identidades nacionais que elas constroern sao, realmente unificadasl m seu famoso ensaio sabre

    o terna, Ernest Renan disse que tres coisasconstituem 0 principia espiritual da unidade de

    - " . d .ma nacao: ... a posse em comum e urn ncoIegado de mernorias. .. , 0 desejo de viver emconjunto e a vontade de perpetuar, de uma formai nd iv isiv a, a h er an caque se recebeu" (Henan,1990, p. 19) .. Devemos ter em mente esses tresconcei tos, ressonantes daqui lo que const itui umacultura nacional como urna "co munidade

    i~a.gin.ada":~s memoriesdo .pas_:a.o; 0 desejo.Pit"viver em conjunto; a perpetuacao da heran

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    As CULTURAS NACIONAIS COMO COMUNIOAOES IMAGINAOAS

    nacionalismo britanico modemo foi 0 produtode urn esforco muito coordenado, no altoperiodo imperial e no periodo vitorianotardio, para unificar as classes ao longo dedivisoes sociais, ao prove-las com urn pontoalternativo de i denr if icacso -pertencimentocomum a "familia da nacao ". Pode-sedesenvolver 0 mesmo argumento a respeitodo genera. As identidades nacionais sao

    _fortemente gener if icadas. Os signif icados e os valores da "inglesidade" (englishness) ternfortes associacoes masculinas. As mulheresexercem urn papel secundario como guardiasdo lar e do cia, e como "maes" dos "filhos"

    (hom ens) da naqao. .fErn terceiro Ingar, as na90es ocidentaismodernas foram tambern os centros deimperios ou de esferas neoimperiais deinfluencia, exercendo uma hegemoniacultural sobre as culturas dos colonizados zAlguns historiadores argumentam,atualmente, que foi nesse processo decornp aracao entre as "virtudes" da"inglesidade" (Englishness) e os tracesnegativos de outras culturas que muitas dascaracterlsticas distintivas das identidadesinglesas foram primeiro def inidas (veja C.Hall, 1992).

    !,tm vez de pensar as culturas nacionaiscomo unificadas, deveriamos pensa-las como

    61

    A IOENTIDADE CULTURAL NA P6S-MODERNIDADE As CULT'URAS NACIONAIS COMO COMUNIDADES IMAGINADAS

    constituindo um dispositivo discursive querepresenta a difer enca como unidade ouident idade/Elas sao atravessadas pOI 'profundas

    divisoes e diferencas internas, sendo "unificadas"apenas atraves do exercicio de diferentes form asde poder cul tural /Entretanto - como nas fantasiasdo eu "inteiro" cleque fala a psicanalise lacaniana-as identidades n aci o nais continuam a serrepresentadas como unificadas.

    Uma forma de unifica-las tem sido a clerepresenta-las como a expressao da culturasubjacente de "um unico povo". A etnia e 0 termo.qJJ . .e tilizamos para nos referirmos Asca~erls ticas culturais - lingua, rel igiao, costume,

    tragi90~, sentimento de "lugar" - que saopartilhadas por urn povo. E tentador, portanto,tentar usar a etnia dessa forma "fundacional".Mas essa crenca acaba, no mundo moderno, porser um mito. i JAEuropa Ocidental nao ternqualquer nagao que seja composta de apenas um ..;unico povo, uma unica cultura au etnia, As naroes,modernas silo, todas, hibridos culturais.-

    -1 ;> E ainda mais dillcil unificar a identidadenacional em tor~ ~a ragat"Em primeiro lugar,porque - contrariamente a cren9a generalizada -

    /a ra a nao e uma categoria bio16gica ou geneticsque tenha qualquer validade clentiflca. H adiferentes ti os e variedades, mas eles estao taolargamente dispersos no interior do que c amamosde "racas" quanta entre uma 1'a9a''eOutr7f A

    diferenca genetica - 0 Ultimorefugio das ideologiasracistas - na~ ppde ser usada para distinguir urnpovo do outro, I A ra9a e uma categoria discursivaf

    e nao uma categoria 10 ogica7 sto e, ela e acategona-01'ganizaciora daquelas formas de falar,daqueles sistemas de representacao e praticassociais (discursos) que utilizam um conj untofrouxo, freqiientemente pouco especifico, dediferencas em termos de caracteristicas fisicas - ,cor ciapele, textura do cabelo, caracteristicas fisicase corporais, etc. - como marcas simbolicas, a fim lde diferenciar socia lmente um grupo de outro.

    Naturalmente 0 carater nao cientifico dotermo "raca" nao afeta 0 modo "como a logica

    racial e os quadros de. referencia raciais saoarticulados e acionados, assim como nao anulasuas consequencias (Donald e Rattansi, 1992,p. l). Nos ult imos anos, as nocoes biol6gicas sobreraga, entendida como constituida de especiesdistintas (n090es que subjaziam a formas extremasciaideologia e do discurso nacionalista em periodosanteriores: 0 eugenismo vitoriano, as teoriaseuropeias sobre raca, 0 fascismo) tern sidosubstituidas pOI' definicoes culturais, as quaispossibilitam que a raca desempenhe urn papel

    irnportante nos discursos sobre nacao e identidadenacional. Paul Gilroy tern analisado as ligacoesentre, de um laclo, 0 racismo cultural e a ideia deraca e, de outro, as ideias de nacao, nacional ismoe pertencimento nacional:

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    A I DE N TI DA D E C U LT U RA L N A r 6S -M D D ER N JO A D E GLOSALIZAO:;AO

    delimitado e sua substituieao por uma perspectiveq u ese concentra na forma como a vida socialesta ordenada ao longo do tempo e do espaco"

    (Giddens, 1990, p. 64). Essas novas caracteristicastemporais e espaciais, que result am na compressaode distancias e de escalas ternporais, estao entreos aspectos mais importantes da globalizaoso atel ' efei to sobre as ident idades culturais . ..Eles saodiscutidos com mais detalhes no que se segue.

    Lembremos que a globalizacno nao e ur nfen6meno recente: "A modernidade e inerentementeglobalizante" (Giddens, 1990, p. 63). Comoargumentou David Held (1992), os estados-nacaonunea foram tao aut6nomos ou soberanos quantapretendiam. E, como nos faz lembrar W.allerstein,o capitalismo "foi, desde 0 inicio, urn elementoda eeonomia mundial e nao clos estados-nacao. 0capital nunea permitiu que suas aspiracoes fossemcleterminadas por fronteiras nacionais"(Wallerstein, 1979, p. 19). Assim, tanto aten dencia a autonomia nacional quanta atendencia a globalizacao estao profundarnenteenraizadas na modernidade (veja Wallerstein,1991, p. 98).

    enormemente, acelerando os flux os e as lacesentre as nacoes. Nestae naproxima secao, tentareidescrever as consequencias clesses aspectos cia

    glo b alizacao so b re as identidades culturais,examinando tres possiveis consequencias:

    As identidades nacionais est ac se Ides integrando, co mores ultad 0 do .crescimento da homogeneizacao cul turale do "p6s-moderno global".

    As identidades n acio n ais e outr asidentidades "locais" ou particularistasestao sendo reforaulas pela resistencia aglo balizacao.

    As identidades naciona is es taoem declinio,

    mas novas identidades - hibridas - estaoI

    tomando seu lugar.

    Cornpressdo espnco-fernpce identidade

    Que i mp acto tern a ultima fase daglobalizacao sobre as iden tid ad es n acio nais? Urnade suas caracteristicas principais e a "compressaoespaco-ternpo", a aceleracao dos processosglobais, de forma que se sente que 0 mundo emenor e as distancias mats curtas, que os eventosem urn determinado Iugar tem um impactoimediato sobre pessoas e lugares situados a umagrande distancia. David Harvey argumenta que:

    Devemos tel' em mente essas duastendencias contradi t6rias presentes no inter ior daglobalizacao. Entretanto, geralmente se concordsque, desde os anos 7.0, tanto 0 a cance quanto- 0ritmo da integr acao global aurnentararn

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    A I D :e N T ID A D E C U LTU R A L . N A P O S -M O D E R NI D A O E

    A medida que 0 espaco se encolhe para se tornaruma aldeia "global" de telecomunicacoes e uma"espaeonave planetaria" de intcrdependenciaseconomicas e ecol6gicas - para usar apenas duasimagens familiares e cotidianas - e it medida emque os hor izon tes temporai s se encur tam ate aoponto em que 0 presents e tudo que existe, temosque aprender a lidar com urn sentimentoavassalador de cornpressao de nossos mundosespaciais e temporais (Harvey, 1989, p, 240).

    o que e importante para nosso argumentoquanta ao imp acto cia globalizacao sobre aidentidade e que 0 tempo e 0 espago sao tambemas coordenadas basicas de todos os sistemas derepresenlCI,ffio.Todo meio de representacao - escrita,pintura, desenho, fotografia, simbolizacao atraves daarte ou dos sistemas de telecomunicacao - devetraduzir seu objeto em dimens5es espaciai s eternporais. Assim, a narrativa traduz os eventosnuma seqtrencia temporal "comeco-meio-fim"; ossistemas visuais de representacao traduzem objetost ridimensionais em duas dimensoes. Diferentesep ocas culturais tem diferentes formas decombinar essas coordenadas espaco-tempo.Harvey contrasta 0 ordenamento racional- doespaco e do tempo da Ilusrracao (com seu sensoregular de ordem, simetria e equilibrio) com asrornpidas e fragmentadas coordenadas espaco-tempo dos movimentos modernistas do final doseculo XIX e inicio do seculo XX. Podemos vernovas relacoes espaco-ternpo sendo definiclas emeventos tao diferentes quanto a teoria da

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    A I O !: N T IO A O E C U LT U RA L N A P 6 S -M O O E R N IO A P E

    relatividade de Einstein, as pinturas cuhistas dePicasso e Braque, os trabalhos dos surrealistas edos dadaistas, os experimentos com a tempo e a

    narrativa nos romances de Marcel Proust e JamesJoyce e 0 usa de tecnicas de montagem nosprimeiros fi lmes de Vertov e Eisenstein.

    No capitulo 3 argumentei que a identidadeesta profundamente envolvida no processo derepresentacao. Assim, a moldagem e a remoldagemde relacoes espaco-tempo no interior de diferentess is temas de representacao tem efeitos profundossobre a forma como as identidades sao local izadase representadas, 0 sujeito masculino, representadonas pinturas do seculo XVIII, no ate de inspecao

    de sua propriedade, atraves das bem-reguladas eco n t roladas form as espaciais classic as, nocrescente georgiana (Bath) au na residencia decampo inglesa (Blenheim Palace), au vendo a siproprio nas vastas e cantroladas farmas daNatureza de um jardirn ou parque formal(Capability Brown), tem urn sentido muito diferentede identidade cultural daquele do sujeito que ve a"si proprio/a" espelhado nos fragmentados efraturados "rostos" que olham dos planes esuperficies part idos de uma das pinturas cubis tas

    de Picasso. Todas as identidades estao localizadasno espaco e no tempo simb61icos . Elas tern aquiloque Edward Said chama de suas "geografiasim a gin arias" (S aid, 1990): s uas "p ais a gens"caracteristicas, seu senso de "Iugar", de "casal

    lar", ou heimat, bem como suas Iocalizacoes notempo - nas tradieoes inventadas que ligam passadoe presente, em mitos de origem que projetam o

    presente de volta ao passado, em narrativas denacao que conectam 0 indiv.iduo a eventos historicosnacionais mais ampIos, mais importantes,

    Podemos pensar isso de uma outra forma:nos termos daquilo que Giddens (1990) chamade separacao entre espaco e Iugar. 0 "Ingar" eespecifico, concreto, conhecido, familiar,delimitado: 0 ponto de pratieas sociais especificasque nos moldaram enos forrnaram e com as quaisnossas identidades estao estreitamente Iigadas:

    N a s s oc ie da de s p re -m o de m as ,0 espa90 e 0 lugarcram am plam ente coincidentes, um a vez que asd im en sse s espa ciais d a v id a so cia l c ra m, pa raa.m a io ri a d a p oP ul a9 ll :o , d om in ad as p el a p re se nc a" -pOl' um a ariv id ad e lo ea liz ad a.; A m od ern id ad esepura, ca da v el': m ais,0 espaco do lugar, noreforcar reia911es entre o utros que estao" a l is e ntes", distan tes (em term os de local), deq ua lq ue r i ntc ra ca o fa ce -a -f ac e. N as c on die ne s d arnodernidadc ... , os [ocais silo inteira m entepenetrados e m old ados por influsncias sociaisb asta nte d is tan te s d eles. 0 q ue estrutura0 localna o e sim ple srn en te aq uilo que esta prese nte n a

    c en a; a " fo rm a v is iv el" d o lo ca l o cu lta a s r ela cc esdistanciadas que determ inam sua natureza{G iddens, 1 990, p. 1 8}.

    Os luga res pennanecem fixos; e neles quetemos "raizes", Entretanto, 0 espaco pode ser

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    "cruzado" num piscar de olhos- por aviao a j ato,por fax ou pOl' satelite, Harvey chama isso de"destruicao do espago atraves do tempo" (1989,

    p. 205)

    Em dire~ao aopos-mcderno globa.l?

    Alguns teoricos argumentam que 0 efeitogeral desses processos globais tern sido 0 deenfraquecer ou sclapar formas nacio nais deidentidade cultural. Eles argumentam que existernevideneias de um afrouxamento de fortesidentificaebes com a cultura nacional, e urn

    reforcamento de outros lagos e Iealdades culrurais,"acima" e "abaixo" do nivel do estado-nacao, Asidentidades nacionais permanecem fortes,especialmente com respeito a coisas como direitoslegais e de cidadania, mas as identidades locais,regionais e comunitarias tern se tornado maisimportantes. Colocadas acima do nivel da cul turanacional, as identificacbes "globais" cornecam adeslocar e, algumas vezes, a apagar, as identidadesnacionais.

    Alguns te6ricos cul turais argumentam que

    a ten de ncia em d ire gao a u m a maiorinterdependencia global esta levando ao colapsode todas as identidades culturais fortes e estaproduzindo aquela fragmentacao de c6digosculturais, aquela multiplicidade de estilos, aquela

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    A IDENTIOADE CULTURAL NA P6S-MODERNIDAOE GLOBALlZA~Ao

    @nfaseno efemero, no flutuante, no impermanentee na diferenca e no pluralismo cultural descritapOI'Kenneth Thompson (1992), mas agora numa

    escala global- 0 que poderiamos chamar de p6s-moderno global. Os fluxos culturois, entre asn acoes, e 0 consumismo global cr iarnpossibilidades de "identidades partilhadas">como "consumidores" para os mesmos bens,"clientes" para as mesmos services, "publicos"para as mesmas mensagens e imagens - entrepessoas que estao bastante distantes umas dasoutras no espaco e no tempo. A medida em queas culturas nacionais tornam-se mais expostas ainflue ncias externas, e dificil conservar asidentidades culturais intactas ou impedir que elasse tornem enfraquecidas atr av es dobombardeamento e da inf il tracao cultural .

    As pessoas que moram em aldeiaspequenas, aparentemente remotas, em paisespobres, do "Terceiro Mundo", podem receber,na privacidade de suas casas, as mensagens eimagens das culturas ricas, consumistas, doOcidente, fornecidas atraves de aparelhos de TVou de radios portateis, que as prendem a "aldeiaglobal" das novas redes de cornunicacao. Jeans e

    abrigos -0

    "uniforme" do jovem na culturajuvenilocidental - sao tao onipresentes no sudeste daAsia quanta na Europa ou nos Estados Unidos,nao 56 devido ao crescimento da mercantilizacaoem escala mundial da imagem do jovem

    consumidor, mas porque, com frequencia, essesitens estao sendo realmente produzidos em Taiwanou em Hong Kong ou na Coreia do SuI, para as

    lojas finas de Nova York, Los Angeles, Londresou Roma. E dificil pensar na "cornida indiana"como algo caracteris tico das tradicoes etnicas dosubcontinente asiat ica quando hi urn restauranteindiana no centro de cada cidade da Gra-Bretanha.

    Quanto mais a vida social se lorna mediadapelo mercado global de est ilos , lugares e imagens,pelas viagens internacionais, pelas imagens damidia e pelos sistemas de com u nic.ac aoglobalmente inter ligados, mais as identidades setornam desvinculadas>- desalojadas - de tempos,lugares, hist6rias e tradicoes especificos e parecem"flutuar livremente", Somos confrontados por umagama de diferentes J.dentidades (cada qual nosfazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos adiferentes partes de nos), dentre as quais parecepossivel fazer uma escolha. Foi a difusao doc~mismo, seja como realidade, seja comosonho, que contribuiu para esse efeito de"supermercado cultural". No interior do discursodo consumismo globai, as diferencas e as

    distincces culturais, que ate entao definiam aidentidade, ficam reduzidas a uma especie delingua franca internacional ou de moeda global,em termos das quais todas as t radicoes especif icase todas as diferentes identidades podem ser

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    A ID~NT1DADE CULTURAL NA P6S-MODERNIDADE

    traduzidas. Este fen6meno e conhecido como"homogeneizacao cultural".

    Em certa medida, 0 que esta sendo discutidoe a tensao entre 0 "glo af" e 0 "local" narransformacao das ident idades. As identidadesnacionais, como vimos, representam vinculos alugares, eventos, simbolos, histories particulares.Elas representam 0 que algumas vezes e chamadode uma forma particularista de vinculo oupertencimento. Sempre houve uma tensao entreessas ide ntificaeoes e id entificacdes maisuniuersalistas - por exemplo, uma ident ificacaomaior com a "humanidade" do que com a"inglesidade" (englishness). Esta tensao continuou

    a e~istll ao lange da modernidade: 0 crescimentodos estados-nacao, das econornias nacionais e dasculturas nacionais continuam a dar urn foco paraa primeira; a expansao do mercado mundial e damodernidade como urn sistema global davam 0foco para a segunda. No capuuio 5, que examinacomo a globalizacac, em suas forrnas . maisrecentes, tem urn efeito sobre as identidades,pensaremos esse efeito em termos de novos modosde articulacao dos aspectos particulares euniversais da identidade ou de novas formas de

    negociacao da tensao entre os dois.

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    A IDENlIDAOE CULTURAL NA P6S-MOOERNIOAOE

    5 Este "local" nao deve, naturalmente, serconfundido com velhas identidades , f ir rnementeenraizadas em localidades bern delimitadas. Em

    vez disso, ele atua no interior da logica daglobalizacao. Entretanto, parece improvavel quea globalizueao va simplesmente destruir asidentidades nacionais. E mais provavel que el ava produzir, simultaneamente, novas identificacoes"globais" e novas identificacoes "locais".

    A segunda qualificacao relativamente aoargumento sabre a homogeneizacao global dasidentidades e que a globaliaacao e muitodesigualmente distribuida ao redor do globo, entreregioes e entre diferentes estratos da populacao

    dentro das regioes. Isto e 0 que Doreen Masseychama de "geometria do poder" da globalizacao.

    o terceiro po n to n a critica d ahomogeneizacao cultural e a questao de se sabera que e mais afetado por ela. Uma vez que adirecao do fluxo e desequilibrada, e quecontinuam a existir relac;oes desiguais de podercultural entre "0 Ocidente" e "0 Resto", podeparecer que a globalizacao - embora seja, pardefinicao, algo que afeta 0 globo inteiro - sejaessendalmente urn fenomeno ocidental.

    Kevin, Robins nos faz lembrar que:Embora tenha se projetado a si proprio comot rans-hist6 rico e tra nsnaci onal , c omo a forcatranscendente e universalizadora da modernizacaoe da modernidade, 0 capitalismo global e , na

    o GLOBAL, 0 LOCAL Eo RETORNO DA ETNIA

    As identidades nacionais estao sendo"homogeneizadas"? A homogeneizacaocultural e a grito angustiado daqueles/asque estao convencidos/as de que a globalizacaoameaca solapar as identidades e a "unidade" dasculturas nacionais. Entretanto, como visao dofuturo das identidades num mundo pos-moderno,

    este quadro, da forma. como e colocado, e muitosimplista, exagerado e unilateral.

    Pode-se considerar, no minimo, tresqualificacoes ou contratendencias principais. Aprimeira vern do argumento de Kevin Robin e daobservacao de que, ao lado da tendencia emdirecso a homogeneizacao global, hi tarnbern umafascinacao com a diferenca e com a mercantilizacaoda etnia e da "alteridade". Ha, juntamente com 0imp acto do "global", urn novo interesse pelo"local". A globalizacao (na forma da especializacao

    flexivel e da estrategia de criacao de "nichos" demercado), na verdade, explora a diferenciacaolocal. Assirn, ao inves de pensar no global como"substituindo" 0 local seria mais acurado pensarnuma nova articulacao entre "0 global" e "0 local".

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    o GLOB AL, 0 L OC AL E 0 R ETOR NO DA ET NI A

    verdade, um processo de ocidentalizacao - aexport ac ao da s merca doria s, dos val ores, da sprior idades, das formas de vida ocidentai s, Emum processo de desencontro cultural desigual, aspopulaeoes "estrangeiras" tern sido cornpelidas aser os sujeitos e os subaltern os do imperiooc ide ntal , ao mesmo te mpo e m q ue, de formanilo menos importante, 0 Ocidente ve-se face afac e com a cult ura "ali enig ena" e "ex otic a" desel l "Dutro" . A gloha liaacao, a me dida quedissolve asbarreiras da distancia, torna 0 encontroentre 0 centro colonial e a periferia colonizadaimediato e intense (Robins . 1991, p . 25) .

    Na ult ima forma de global izacao, sao ainclaas imagens, as artefatos e as identidades da

    modernidade ocidental, produzidos pelasindustr ias cul turais das sociedades "ocidentais"(incluindo 0 Japao] que dominam as redes globais.A proliferacao das escolhas de identidade e maisampla no "centro" do sistema global que nas suasper ifer ias . Os padrees de troca cultural desigual ,familiar desde as primeiras fases da globalizacao,continuam a existir na modernidade tardia. Sequisermos provar as cozinhas ex6ticas de outrasculturas em urn unico lugar, devemos ir comerem Manhattan, Paris ou Londres e nao em Calcutaou em Nova Delhi.

    Par outro lado, as sociedades da periferiatem estado sempre abertas as influencias culturaisocidentais e, agora, mais do que nunca. A ideiade que esses sao lugares "fechados" - etnicamente

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    A IDENTIDADE CULTURAL NA P6S-MODERNIDADE o GL OB AL , 0 L OCA L E 0 RHOR NO , DA HNI A

    puros, cuIturalmente t radicionais e intocados ateontem pelas rupturas da modernidade - e umafantasia ocidental sobre a "alteridade": uma

    "fantasia colonial" sobre a periferia, mantida peloOcidente, que tende a gostar de seus nat ives apenascomo "puros" e de seus lugares ex6ticos apenascomo "intocados", Entretanto, as evidenciassugerem que a g lo b al iz a ca o e st atendo efeitos emtoda parte, incluindo 0 Ocidente, e a "per ifer ia"tambem esta vivendo seu efeito pluralizador,embora num ritmo mais lento e desigual.

    sendo relati vizad as pelo imp acto dacompressao espaco-ternpo.

    Talvez 0 exemplo mais impressionante desseterceiro ponto seja 0 fenomeno da migracao. Ap6sa Segunda Cuerra Mundial, as potencies europeiasdescolonizadoras pensaram que podiamsimplesmente cair fora de suas esferas colonialsde influencia, deixando as consequencias doimperialismo arras delas. Mas a interdependenciaglobal agora atua em ambos os sentidos. 0movimento para fora (de mercadorias, de imagens,de estilos ocidentais e de identidades consumistas)tern uma co rres po nde ncia num en or memovimento de pessoas das periferias para 0 centro,

    num dos periodos mais longos e sustentados demigracao "nao-planejada" da hist6ria recente.Impulsionadas pela pobreza, pela seca, pela fame,pelo subdesenvolvimento economico e percolheitas Iracassadas, pela guerra civil e pelosdisturbios pol iticos, pelo confli to regional e pelasrnudancas arbitrarias de regimes politicos, peladivida extern a acumulada de seus govern os paracom os bancos ocidentais , as pessoas mais pobresdo globo, em grande numero , acabam pOl'acredi tar na "mensagem" do consumisrn 0 globale se mudam para as locais de onde vern os "bens"e onde as chances de sobrevivencia sao maiores,Na era clas cornunicacoes giobais, 0 Ocidente estasituado apenas a distancia de uma passagem aerea,

    The Rest in the West(0 Resto no Ocidente)

    As paginas precedentes apresentaram tresqualificacces relativamente a primeira das lI'espossiveis conseqtiencias da globalizagao, isto e ,ahomogeneizacaodas identiclades globais. Elas sao:

    a) A globalizagao caminha em paralelo comurn reforcamento das identidades Iocais,embora isso ainda esteja dentro da Iogicada compressao espaco-tempo.

    b) A globalizacao e urn processo desigual e

    tem sua propria "geometria de poder".c) A globalizacao retern alguns aspectos dadorninacao global ocidental, mas asidentidades cul turais estao, em toda par te,

    80 81

    A IDENr lPADE CI, ILTURALNA p6s -MO DERNlOADE

    Tern havido migracbes contfnuas e de grandeescala, legais e"ilegais", para os Estados Urridos, aparti r de muitos paises pobres da America Latina e

    da bacia caribenha (Cuba, Haiti, Porto Rico,Republica Domirricana, ilhas do Caribe Britanico},bern como grande nurnero de "migrantes

    (

    economicos" e de refugiados poli ticos do Sudesteda Asia e do Extreme Oriente - ch ineses, coreanos,~etnamitas, cambojianos, indianos, paq~ta~ese~,japoneses. 0 Canada tern uma substancial minonade populacao caribenha. Urna c on se q ue n ci a d is soeuma mudanca dramatica na "mistura etnica'' dapopulacao dos Estados Unidos - a p ri m e ir a desdeas migracoesem massa das primeirasdecades desteseculo. Em 1980, urn em cada cinco arnericanos

    tinha origem afro-americana, asiatico americana ouindtgena, Em 1990, essa estatistica era de urn emc ad a q ua tr o ,Em muitas cidades gran des (incluindoLos Angeles, San Francisco, Nova York, Chicago eMiami), os brancos sao agora u m a m i no r is .Nos anos80, a populaeao da California cresceu em 5,6milhoes, 43 por cento dos quais eram pessoas decor - isto e , incluindo h ia pa nl co s e a si at ic os ,bemcomo afro-americanos (comparados com 33 porcento em 1980) - e urn quinto tinha nascido - noestrangeiro. Em 1995, previa-se que urn terco dosestudantes das escolas publ icas americanas seria

    constituido de "nao-brancos" (Censo clos EstadosUnidos, 1991, citado ern Platt , 1991) .

    Ao longo do mesmo periodo, houve uma"migracao" paralela de arabes do Maghreb

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    o G LO BA L, 0 w e . .. l E O RE TO RN O 0... ETNI... A I D E N TI D . .. .O ~ C U LT U RA L N . . . P 6 S -M O O ! RN I O A O E

    (Marrocos, Argelia, Tunisia) para a Europa, e deafricanos do Senegal e do Zaire para a Franca epara a Belgica; de turcos e norte-africanos para a

    Alemanha; de asiaticos das Indias Ocidentais eOrientais (ex-colonies holandesas) e do Surinamepara a Holanda; de norte-africanos para a Italia;e, obviamente, de pessoas do Caribe e da India,Paquistao, Bangladesh, Quenia, Uganda e SriLanka para 0 Reino U n id o. H a r ef ug ia do spoliticosda Somalia, Eti6pia, Sudao e Sri Lanka e de outroslugares, em pequenos numeros, em toda parte.

    Esta formacao de "enclaves" etnicosminoritarios no interior dos estados-nacao doOcidente levou a umat'p luralizacao" de cul turas

    nacionais e de ident idades nacionais ,

    Num mundo de fronteiras dissolvidas e decontinuidades rompidas, as velhas certezas ehierarquias da identidade britflnica tern sido postas

    em questao, Num pais que e agora urn reposit6riode cul turas afr ican as e asiat icas , '0 sentimento doque significa ser britanico nunca mais pode ter amesma velha confianca e certeza. 0 que significase r europeu, num continente color ido nito apenaspelas culturas de suas antigas eolonias,mas tambempelas culturas american as e agora pelas japonesas? 'A categoria da identidade nao e , ela propria,problernatica? E possivel, de algum modo, emtempos globais, ter-se um sentimento de identidadecoerente e integral? A continuidade e a historicidadeda identidade sao questionadas pela imediatez epela intensidadedas ccnfrontacaes culturais globais.Os confortos cia Tradicao sao fundamentalmentedesafiados pelo imperative de se forjar uma novaauto-interpretacao, baseada nas responsabilidadesda Tradueao cultural (Robins, 1991, p. 41).

    Outre efeito desse processo foi 0 de terprovocado u m alargamento do campo da siclentidades e uma proliferacao de novas posicoes-de-identidade, juntamente com urn aumento depolarizacao entre elas. Esses processos constituema segunda e a terceira consequencias possiveis daglobaliz aono, anteriormente referidas - apossibilidade de que a g loba l izacao possa levar aum fortalecimento de identidades locais ou a .producao de TWVas identidades.

    A dicleticn das identidades

    Como esta s ituacao tern se mostrado na Gra-Bretanha, em terrnos de ident idade? 0 primeiroefeito tem sido 0 de contestar os contornosestabelecidos da identidade nacional eo de exporseu fechamento as pressoes da diferenga, da"alteridade" e cla diversidade cultural. Isto estaacontecendo, em diferentes graus, em toclas as

    culturas nacionais ocidentais e,.como consequencia,fez com que toda a questao da ident idade nacionale da "centralidade" cultural do Ocidente fosseabertamente discutida.

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    o Gtos ... t, 0 weAL. 0 RETORNO DA ETNIA

    o fortalecimento de identidades locais podeser visto na forte reacao defensiva daquelesmembros dos grupos etnicos dominantes que se

    sentem ameacados pela preseno;;a de outrasculturas, No Reino Unido, por exemplo, a atitudedefensiva produziu uma "inglesidade"(englishness) reform ad a, urn" Ingle sismo "mesquinho e agressivo e um recuo ao absolut ismoernico, nurna tentativa de escor ar a nacao ereconstruir "uma identidade que seja una,unificada, e que filtre as ameacas da experienciasocial" (Sennett, 1971, p.15). Isso frequentementeesta baseado no que antes chamei de "racismocultural" e e evidente , a tualmente, em part idos

    politicos legais, tanto de direita quanta deesquerda, e em movimentos politicos maisextremistas em toda a Europa Ocidental.

    Algumas vezes isso encontra umacorrespondencia num recuo, entre as propriascomunidades cornunitarias, a identidades maisdefensivas , em resposta a experiencia de racismocultural e de exclusao, Tais estrategias incluem are-identificacao COin as culturas de origem (noCaribe, na India , em Bangladesh, no Paquis tao) :a construcao de fortes contra-etnias - como na

    identificacao simb6lica da segunda geragao dajuventude afro-carihenha, atraves dos temas emotivos do r as tafarianismo, com sua origem eheranca africana; ou 0 revivaldo tradicionalismocultural , da or todoxia rel igiosa e do separat ismo

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  • 8/7/2019 HALL, Stuart. a Identidade Cultural NaPos-Modernidade

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    A IDENllDADE CULTURAL NA P6S-MODERNIDADE o GL OB AL , 0 L OC AL E 0 R ET ORNO DA E TNI A

    politico, par exemplo, entre alguns setores dacomunidade islamica,

    Tambem ha algumas evidencias da terceiraconsequencia possivel da globalizacao - a producaode novas identidades . Urn born exemplo e 0 dasnovas identidades que emergiram nos anos 70,agrupadas ao redor do significante black, 0 qual,no contexto britanico, fornece urn novo foco deidentificacao tanto para as comunidades afro-caribenhas quanta para as asiaticas. 0 que essascomunidades tern em cornum , 0 que elasrepresentam atraves da apreensao da ident idadeblack, 'nao e que elas sejam, cultural, etnica,l inguist ic a ou mesrno fis icamente, a mesma coisa ,

    mas que elas sao vistas e tratadas como" a mesmacoisa" (isto e , nao-brancas, como 0 "outro") pelacultura dorninante. E a sua exclusao que forneceaquilo que Laclau e Mouffe chamam de "eixocomum de equivalencia" dessa nova identidade.Entretanto, apesar do fato de que esforcos saofeitos para dar a essa identidacle black urnconteudo unico au unificado, ela cont inua a exis ti rcomo uma identidade ao Zongode uma largagamade oiuras difereru;as. Pessoas afro-caribenhas eindianas cont inuam a manter diferentes t radicoes

    culturais. 0 black e, assim, urn exemplo naoapenas do carater politico das novas identidadesisto e ,de seu carater posicional e conjuntural (suaformacao em e para tempos e lugares especif icos)mas tambern do modo como a identidade e a

    diferenca estao inextrincavelmente articuladas ouentrelacadas em identidades diferentes umanunca anulando completamente a outra. '

    Como conclusao provisoria, parece entaoque a global izacao tern, sim, 0 efeito de contestare deslocar as identidades cent:radas e "fechadas" "de uma cultura nacional. Ela tern urn efeito(~pluralizante sobre as identidades, produzindo umavariedade de possibilidades e novas posicoes deidentificacao, e torn an do as identidades maisposicionais, mais politicas, mais plurais e divers as;menos fixas, unificadas ou trans-hist6ricas.Entretanto, seu efeito geral permanececontradit6rio. Algumas identidades gravitam ao

    redor daquilo que Robins chama de "Tradicao",tentando recuperar sua pureza anter ior e recobri ras unidades e cer tezas que sao sentidas como tendosido perdidas. Outras aceitam que as identidadesestao sujeitas ao plano da historia, da politica, darepres entae ao e da difere nca e, assirn, eimprovavel que elas sejam outra vez unitarias ou"puras"; e essas , conseqUentemente, gravitam aoredor daquilo que Robins (seguindo HomiBhabha) chama de "Traducao".

    o capitulo 6 descrevera , brevemente, essemovirnento contradit6rio entre Tr adicao eTraducao, num quadro mais am plo e global, eperguntara 0 que isso nos diz sabre a modo comoas identidades devem ser conceptualizadas, emrelacao com as futuros da modernidade.

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    A IDENTIDADE CULTURAL NA P6S-MODERNIDADE

    Naquilo que diz respeito a sidentidades, essaoscilacao entre 'I'radicao e Traducao (que foirapidamente descrita antes, em relacao a Gra-Bretanha) esta se tornando mais evidente numquadro global. Em toda parte, estao emergindoidentidades culturais que nao sao fixas, mas queestao suspensas, em transiciio, entre diferentesposicoes; que retiram seus recursos, ao mesrnotempo, de diferentes rradicoes culturais; e quesao 0 produto desses complicaclos cruzamentos emisturas culturais que sao cada vez rnais comunsnum mundo globalizaclo. Pode ser tentador pensarna identidade, na era da globalizacao, comoestando destinada a acabar num lugar ou noutro:ou retornando a suas "raizes" ou clesaparecendoatraves da assimilacao e da homogeneizacao, Masesse pode ser um falso dilema.

    Pois ha uma outra possibiLidade: a daTr ad uC;iio. Este co nceito descreve aquelasformacdes de identidade que atravessam eintersectam as fronteiras naturais, compostas parpessoas que foram dispersadas para sernpre desua terra natal. Essas pessoas retern fortes vinculoscom seus lugares de origem