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VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES - BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011 Habitações de Interesse Social mais sustentáveis: projetos em rede, por alunos do Curso Reabilita, de ensino a distância Gabriela de Souza Tenorio (1), Liza Maria Souza de Andrade (2), Miguel Aloysio Sattler (3) e Raquel R. M. Paula Barros (4) (1) FAU UnB, Brasil. E-mail: [email protected] (2) FAU UnB, Brasil. E-mail: [email protected] (3) NORIE - UFRGS, Brasil. E-mail: [email protected] (4) UNICAMP, Brasil. E-mail: [email protected] Resumo: Este trabalho apresenta o método adotado no processo de projetação e o resultado da avaliação de projetos em atividade do módulo Ecoconstruções do curso de pós-graduação a distância Reabilita, da FAU/UNB. O módulo apresenta conceitos e métodos de projeto e construção associados à sustentabilidade e enfoca aspectos desde a escala urbana à escala da edificação relacionados ao: respeito às condições locais; uso de materiais de construção de baixo impacto; uso de fontes renováveis de energia; gerenciamento de resíduos domiciliares e uso racional da água. A atividade avaliativa do módulo no ano de 2010 foi a elaboração de propostas para um projeto de habitações de interesse social mais sustentáveis, para a prefeitura de Feliz, RS, município de 13.000 habitantes. No programa estavam previstas de 30 a 40 unidades, com diversidade e flexibilidade, de 1, 2 e 3 quartos, pequenos comércios, equipamentos comunitários e compartilhados, configurando quarteirões multifuncionais, áreas de lazer e hortas comunitárias. Os trabalhos foram realizadosa distância, em rede colaborativa, sob orientação dos professores, por grupos de alunos de todo território brasileiro. O trabalho aborda o método adotado no processo de projetação com aplicação de princípios de sustentabilidade para o ambiente construído e parâmetros projetuais, das categorias urbanidade e habitabilidade, adaptados dos “patterns” de Christopher Alexander, bem como o resultado da avaliação dos projetos. Os projetos apresentados ao final da disciplina trouxeram contribuição significativa para o campo do conhecimento, mas maior ainda foi a contribuição para o campo da educação: constatou-se um efetivo processo cooperativo de ensino-aprendizado pela rede distribuída estabelecida. Palavras-chave: Habitação de interesse social mais sustentável, Princípios de sustentabilidade, Conceitos humanizadores, Rede colaborativa, Educação para a sustentabilidade Abstract: This paper presents a design methodology and activity evaluation as part of an Eco-construction module within a graduate distance learning program of national coverage in Architectural and Sustainable Environmental Urban Rehabilitation (REABILITA) from the University of Brasilia. The module presents sustainable design concepts and methods from urban to building scales and related to: respecting local conditions of the site; using low-impact building materials; using renewable energy; managing water, waste and resource. The 2010’s design activity consisted of proposing more sustainable low-income housing for the local government of Feliz, a 13,000 inhabitant city within the Caí valley region in the State of Rio Grande do Sul. The design brief required around 40 diverse and flexible habitation units ranging from one to three bedrooms, small commerce, community and leisure equipments configuring multifunctional squares and community gardens for local food production. Under the teacher’s orientation, students from any part of the country were arranged into 12 groups of about 6 to 7 persons and progressed to the design activity through a collaborative distance learning network that included discussion forums, chats and wikis. This paper reports the design methodology of applying sustainable principles for the built environment and humanizing design concepts within the categories of Urbanity and Dwelling adapted from Christopher Alexander’s patterns, as well as the design activity evaluation. The design process and product results add to the field of knowledge and aggregate an even greater contribution to the realm of education: the materialization of an effective collaborative teaching-learning process through the established virtual network. Keywords: More sustainable social housing, Sustainability principles, Humanizing concepts, Collaborative network, Education for sustainability

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9 de setembro de 2011

Habitações de Interesse Social mais sustentáveis: projetos em rede, por alunos do Curso Reabilita, de ensino a distância

Gabriela de Souza Tenorio (1), Liza Maria Souza de Andrade (2), Miguel Aloysio Sattler (3) e Raquel R. M. Paula Barros (4)

(1) FAU UnB, Brasil. E-mail: [email protected] (2) FAU UnB, Brasil. E-mail: [email protected]

(3) NORIE - UFRGS, Brasil. E-mail: [email protected] (4) UNICAMP, Brasil. E-mail: [email protected]

Resumo: Este trabalho apresenta o método adotado no processo de projetação e o resultado da avaliação de

projetos em atividade do módulo Ecoconstruções do curso de pós-graduação a distância Reabilita, da FAU/UNB. O

módulo apresenta conceitos e métodos de projeto e construção associados à sustentabilidade e enfoca aspectos

desde a escala urbana à escala da edificação relacionados ao: respeito às condições locais; uso de materiais de

construção de baixo impacto; uso de fontes renováveis de energia; gerenciamento de resíduos domiciliares e uso

racional da água. A atividade avaliativa do módulo no ano de 2010 foi a elaboração de propostas para um projeto

de habitações de interesse social mais sustentáveis, para a prefeitura de Feliz, RS, município de 13.000 habitantes.

No programa estavam previstas de 30 a 40 unidades, com diversidade e flexibilidade, de 1, 2 e 3 quartos, pequenos

comércios, equipamentos comunitários e compartilhados, configurando quarteirões multifuncionais, áreas de lazer

e hortas comunitárias. Os trabalhos foram realizadosa distância, em rede colaborativa, sob orientação dos

professores, por grupos de alunos de todo território brasileiro. O trabalho aborda o método adotado no processo

de projetação com aplicação de princípios de sustentabilidade para o ambiente construído e parâmetros projetuais,

das categorias urbanidade e habitabilidade, adaptados dos “patterns” de Christopher Alexander, bem como o

resultado da avaliação dos projetos. Os projetos apresentados ao final da disciplina trouxeram contribuição

significativa para o campo do conhecimento, mas maior ainda foi a contribuição para o campo da educação:

constatou-se um efetivo processo cooperativo de ensino-aprendizado pela rede distribuída estabelecida.

Palavras-chave: Habitação de interesse social mais sustentável, Princípios de sustentabilidade, Conceitos

humanizadores, Rede colaborativa, Educação para a sustentabilidade

Abstract: This paper presents a design methodology and activity evaluation as part of an Eco-construction module

within a graduate distance learning program of national coverage in Architectural and Sustainable Environmental

Urban Rehabilitation (REABILITA) from the University of Brasilia. The module presents sustainable design

concepts and methods from urban to building scales and related to: respecting local conditions of the site; using

low-impact building materials; using renewable energy; managing water, waste and resource. The 2010’s design

activity consisted of proposing more sustainable low-income housing for the local government of Feliz, a 13,000

inhabitant city within the Caí valley region in the State of Rio Grande do Sul. The design brief required around 40

diverse and flexible habitation units ranging from one to three bedrooms, small commerce, community and leisure

equipments configuring multifunctional squares and community gardens for local food production. Under the

teacher’s orientation, students from any part of the country were arranged into 12 groups of about 6 to 7 persons

and progressed to the design activity through a collaborative distance learning network that included discussion

forums, chats and wikis. This paper reports the design methodology of applying sustainable principles for the built

environment and humanizing design concepts within the categories of Urbanity and Dwelling adapted from

Christopher Alexander’s patterns, as well as the design activity evaluation. The design process and product results

add to the field of knowledge and aggregate an even greater contribution to the realm of education: the

materialization of an effective collaborative teaching-learning process through the established virtual network.

Keywords: More sustainable social housing, Sustainability principles, Humanizing concepts, Collaborative network,

Education for sustainability

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1. INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, a degeneração do ambiente construído, aliada ao sistema econômico vigente, tem preocupado a um número crescente de pesquisadores. Percebe-se a necessidade premente de se repensar o habitat humano, principalmente daquele destinado às comunidades de baixa renda, traduzidos em modelos de sustentabilidade condizentes com uma civilização que chega ao seu apogeu científico e tecnológico, mas que tão pouca atenção tem dado aos sistemas de suporte de vida.

A preocupação com o despertar da consciência ambiental e com a sua consolidação no exercício da arquitetura, da engenharia e de áreas afins vem ganhando espaço no meio acadêmico brasileiro, tanto no nível da graduação, quanto da pós-graduação. No entanto, o Brasil, por suas dimensões continentais, e pelas grandes disparidades de desenvolvimento entre suas cinco regiões, não oferece as mesmas oportunidades de acesso à informação e de construção de conhecimento a todos. Iniciativas esparsas de educação a distância, no nível de especialização, vêm procurando superar esse grave problema, aproximando, por meio da Internet, estudantes e professores que, de outra forma, jamais poderiam interagir e intercambiar experiências e pesquisas recentes.

A educação a distância traz embutidas ferramentas que permitem níveis de interação inimagináveis anteriormente, cujos resultados trazem ganho significativo, não apenas para os envolvidos e para as áreas de conhecimento, mas, sobretudo, para o campo da educação.

Este trabalho relata a experiência de um desafio apresentado aos estudantes do curso de especialização a distância, de abrangência nacional, em Reabilitação Ambiental Sustentável Arquitetônica e Urbanística/Reabilita, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/FAU da Universidade de Brasília/UnB. Este curso foi criado e é oferecido pelo Laboratório de Sustentabilidade, da FAU/UnB, com o apoio da Universidade de São Paulo/USP e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS. Seu objetivo é capacitar profissionais, em sua maioria arquitetos, para reabilitar o patrimônio arquitetônico e urbanístico existentes, bem como transmitir conceitos e valores que poderão ser empregados, mesmo em situações que demandem a elaboração de projetos novos. Estrutura-se, para isso, em vários módulos, que trabalham a sustentabilidade nas suas diversas escalas (da escala regional à escala do edifício), e em suas diferentes abordagens (das técnicas passivas de controle ambiental à gestão de um canteiro de obras, com vistas à reciclagem de resíduos). O desafio aqui relatado foi apresentado como atividade avaliativa do módulo Ecoconstruções.

Esse módulo tem como objetivo apresentar conceitos e métodos de projeto e construção, associados à sustentabilidade, enfocando aspectos, da escala urbana e da edificação, relacionados a: materiais de construção de baixo impacto ambiental; respeito à realidade climática do local de implantação; uso de fontes sustentáveis de energia; gerenciamento de resíduos domiciliares e uso racional da água.

Acreditando ser possível promover e incentivar a incorporação de técnicas sustentáveis na produção do ambiente construído por meio da educação a distância, a atividade avaliativa do módulo no ano de 2010 resultou na elaboração de propostas para um projeto de Habitação de Interesse Social mais Sustentável, para a municipalidade de Feliz, RS.

O objetivo deste artigo é apresentar as características do empreendimento, a viabilização da atividade por meio do ferramental da educação a distância, o método adotado no processo de projetação e o resultado da avaliação dos projetos. Eles deveriam contemplar a aplicação de princípios de sustentabilidade para o ambiente construído e parâmetros projetuais, das categorias urbanidade e habitabilidade, adaptados dos “patterns” de Christopher Alexander. Tenso sido o resultado dos produtos alcançados satisfatório quanto ao desempenho da sustentabilidade, apresenta-se aqui o resultado da avaliação dos melhores trabalhos.

2. CARACTERÍSTICAS DO EMPREENDIMENTO

Feliz, situado na Região do Vale do Caí, no limiar da Serra Gaúcha, é um município com 13.000

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habitantes dos quais 70% moram na área rural. Sua prefeitura objetiva criar uma lei de incentivos para projetos mais sustentáveis na cidade, que buscará recursos do Programa Minha Casa, Minha Vida. A intenção é construir um conjunto habitacional que seja, em relação aos que estão sendo construídos em outros municípios, diferenciado nos mais variados aspectos: estéticos, funcionais, de sustentabilidade etc.

A área delimitada para o empreendimento é de aproximadamente 2ha, dividido em lotes de 148m x 50m, localizada no Bairro Matiel, o bairro mais pobre da cidade – embora não seja crítico, se considerarmos as áreas pobres das cidades brasileiras. Sugeriu-se que os quarteirões adjacentes fossem incorporados e utilizados para a implantação de equipamentos comunitários e de serviços (praças, creche e uma pequena escola, centro de capacitação para jovens e adultos, posto de saúde, posto dos Correios e/ou bancos). As áreas verdes demarcadas pela prefeitura poderiam ser incorporadas ao empreendimento, desde que mantidas como parques de uso sustentável.

No programa estavam previstas de 30 a 40 unidades, com diversidade e flexibilidade, de 1, 2 e 3 quartos, pequenos comércios, equipamentos comunitários e compartilhados, configurando quarteirões multifuncionais, áreas de lazer e hortas comunitárias. Um pequeno mercado deveria ser pensado para a venda de produtos ecológicos, produzidos nas hortas comunitárias do futuro conjunto habitacional, assim como daqueles oriundos dos produtores ecológicos da cidade de Feliz. Deveria ser dada prioridade à qualidade das unidades habitacionais, bem como à qualidade de vida a ser proporcionada: otimização do conforto ambiental, pela adequação climática das edificações; implementação de sistemas comunitários de gestão de resíduos sólidos e líquidos; paisagismo produtivo; espaços e equipamentos comunitários etc. A proposta deveria atingir o nível de estudo preliminar. Diretrizes projetuais específicas, como densidades, número de moradias e população máxima, características da ocupação, aproveitamento do terreno, equipamentos complementares, integração com o entorno etc., deveriam ser definidas pelos estudantes.

3. OPERACIONALIZAÇÃO DA ATIVIDADE

Os trabalhos foram realizados em rede colaborativa, sob orientação dos professores, por 12 grupos de 6 a 7 alunos, de todo território brasileiro, por meio de fóruns de discussão e chats, para a troca de informações e elaboração dos trabalhos. Os grupos foram autônomos para escolher seu horário de chat, para decidir sobre o terreno, para elaborar todas as diretrizes e para efetuar a divisão das tarefas da atividade. Esta divisão, na maioria dos casos, não se deu por votação, nem ocorreu a priori. Ela se deu quase naturalmente, a partir da emergência de multilideranças, que se formaram, por exemplo, por afinidade com o tema ou por uma habilidade manual ou tecnológica.

Os estudantes, na maioria arquitetos, apesar de seus diferentes tempos de formação, diferentes bagagens acadêmicas e profissionais, diferentes vivências, tinham como base comum os conteúdos assimilados nos módulos anteriores do curso, em especial Princípios de Sustentabilidade para Reabilitação de Assentamentos Urbanos e Estratégias Bioclimáticas de Reabilitação Ambiental Adaptadas ao Projeto. Assim, um mínimo de linguagem comum se podia esperar das equipes: desde o início do Reabilita, uma série de relações e preocupações já começou a se estabelecer como desejáveis quando na intervenção do espaço urbano.

A disciplina iniciou com a disponibilização do seu texto base, que trouxe os princípios norteadores do trabalho (ecotécnias e técnicas de permacultura), bem como de material adicional, onde os conceitos humanizadores (habitabilidade e urbanidade) eram abordados. Esses conhecimentos aportaram a carga teórica e metodológica necessária para a realização da atividade. Foram disponibilizadas várias informações sobre a área a ser trabalhada, permitindo que, mesmo distantes do local de implantação do projeto, os grupos se sentissem confortáveis com o objeto de estudo e intervenção.

O resultado final requeria que os alunos elaborassem coletivamente um texto por meio da ferramenta Wiki (que permite que todos editem um texto comum). Este texto deveria conter: apresentação da área de estudo e sua caracterização (produto das análises e avaliações feitas); ilustrações da área de estudo; memorial descritivo, ilustrado com todos os desenhos técnicos esquemáticos e perspectivas volumétricas

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necessárias à compreensão da proposta (Implantação e Unidades Habitacionais – UH’s).

4. MÉTODO

Sattler et al. (2009) desenvolveram um método para o processo de projeto de Habitação Social mais Sustentável, baseado nos princípios de Permacultura de Bill Mollisson (Ecotécnicas desenvolvidas por Sattler, 2007), nos princípios de sustentabilidade ambiental aplicados ao desenho urbano (ANDRADE, 2005); bem como nos conceitos humanizadores e parâmetros projetuais, adaptados dos padrões de Christopher Alexander e aplicados nas categorias urbanidade e habitabilidade (BARROS, 2008).

Neste sentido, de modo a enriquecer as propostas que deveriam, necessariamente, empreender avanços em direção à Sustentabilidade, recomendou-se que os participantes utilizassem, como diretrizes para os seus projetos:

1. Os princípios de permacultura de Bill Mollisson e as ecotécnicas baseadas em Sattler (2010) (texto do módulo Ecoconstruções). Sattler (2007) propõe a construção de lugares mais sustentáveis, pautados nos seguintes temas: implantação urbana, questões econômicas e educação, energia, edificações, materiais, produção de alimentos, água e resíduos. Segundo esta proposta, o projeto de lugares mais sustentáveis sugere às pessoas uma nova forma de viver: como ser mais eficiente em termos de energia e recursos hídricos; como empregar materiais de baixa energia incorporada ou de mínima emissão de carbono; como utilizar madeiras de manejo sustentável; como evitar e descartar materiais tóxicos e como fazer a compostagem de materiais orgânicos; como evitar a destruição da paisagem circundante e a diversidade biológica; como produzir alimentos no próprio local de morar, em harmonia com espaços de convivência.

2. Os princípios de sustentabilidade ambiental aplicados ao desenho urbano, e estratégias bioclimáticas, vistos em módulos anteriores do Reabilita: Andrade, 2010 (texto do módulo Princípios de

Sustentabilidade para Reabilitação de Assentamentos Humanos) e Romero, 2010 (texto do módulo Estratégias Bioclimáticas de Reabilitação Ambiental Adaptadas ao Projeto). Andrade (2005) estabeleceu um método, que consiste em traduzir os princípios de sustentabilidade baseados em Dauncey e Peck (2002) em estratégias e técnicas para o processo de desenho do espaço urbano. Tais princípios são: proteção ecológica (biodiversidade); adensamento urbano em áreas centrais; revitalização urbana de áreas degradadas; implantação de centros de bairro e desenvolvimento da economia local; implementação de transporte sustentável e moradias economicamente viáveis; comunidades com sentido de vizinhança; tratamento alternativo de esgoto; drenagem natural; gestão integrada da água; energias alternativas e, finalmente, as políticas baseadas nos 3R’s (reduzir, reusar e reciclar).

3. Os conceitos humanizadores e parâmetros projetuais, desenvolvidos por Barros (2008), baseados nos “patterns” de Christopher Alexander, aplicados nas categorias urbanidade e habitabilidade

• Senso de urbanidade: deve proporcionar a vivacidade urbana, que pressupõe o combate à setorização excessiva de usos, à segregação social e à dificuldade de locomoção; a percepção de um sentido de lugar, em sintonia com o entorno, a partir da conformação e articulação dos espaços externos; as funções psicológicas de orientação e identificação.

• Senso de habitabilidade: deve proporcionar, a partir do atendimento de necessidades básicas de conforto ambiental e de adequação às atividades domésticas, um sentido de habitar que preencha as necessidades de refúgio, isolamento, convivência, ordem, opções e flexibilidade.

Estes princípios deveriam ser aplicados e serviriam de parâmetros norteadores da apreciação dos projetos. Além disso, a avaliação consideraria: a caracterização da área, nos diversos âmbitos; a consistência das diretrizes projetuais; a adequação das soluções ao contexto da sustentabilidade e às diretrizes estabelecidas; a criatividade e originalidade das soluções, e a qualidade gráfica e textual da proposta.

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5. RESULTADOS DA AVALIAÇÃO DOS PROJETOS HABITACIONAIS

A seguir, será desenvolvida uma síntese da avaliação dos grupos que alcançaram melhor desempenho.

5.1 Grupo A1

Ecotécnicas e Permacultura

Pontos de destaque: Há referência ao paisagismo produtivo, à horta comunitária e à área de triagem de lixo. Os materiais especificados atendem à questão sociocultural da região bem como as técnicas de conforto: alvenaria de tijolo cerâmico aparente e piso duplo aquecido com coletores instalados no telhado.

Urbanidade e Habitabilidade

Pontos de destaque: Boa distribuição dos usos na implantação, especialmente dos blocos multifamiliares que definem espaços coletivos com potencial de apropriação. Agregação de UHs sempre garantindo dupla orientação colabora para o conforto. A flexibilidade de uso no térreo dos blocos é interessante, bem como o acesso às suas UHs. Prevê possibilidade de expansão para as casas térreas e oferece diversidade tipológica.

Princípios de Sustentabilidade para o Desenho Urbano

Pontos de destaque: Houve aplicação da visão sistêmica na configuração urbana, adensando uma parte do conjunto para proteger outra mais sensível próxima ao Rio Caí. Ao mesmo tempo, utilizou-se como recurso de drenagem, canais de infiltração, para evitar impactos de assoreamento e tecnologia alternativa de tratamento de esgoto. A localização das edificações institucionais e comerciais no conjunto, juntamente com o arranjo das edificações residenciais favorece o sentido de vizinhança e a mobilidade. A configuração urbana contribui para um bom desempenho bioclimático dos espaços públicos.

FIGURA 1 – Ilustrações referentes ao projeto do grupo A1.

5.2 Grupo A2

Ecotécnicas e Permacultura

Pontos de destaque: Houve preocupação com a implantação de uma área de triagem de lixo, uma “reserva de desenvolvimento sustentável” e de arborização urbana com espécies nativas. O grupo aponta para a utilização de placas solares de baixo custo para aquecimento de água, para os telhados

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Urbanidade e Habitabilidade

Pontos de destaque: Boa distribuição dos usos. Bom agenciamento entre os ambientes: cozinha ampla e integrada com sala de estar. Não prevê flexibilidade ou possibilidade de expansão.

Princípios de Sustentabilidade para o Desenho Urbano

Pontos de destaque: Bom entendimento da gestão ecológica do ciclo da água com proposta de infraestrutura verde: tratamento de esgoto no local e utilização da drenagem natural com canais de infiltração como recurso de desenho da paisagem. Os caminhos de pedestres, independentes das vias, foram bem utilizados. A localização das edificações institucionais e comerciais na via mais integrada contribui para a vitalidade do conjunto. A configuração das residências multifamiliares no sentido norte-sul contribui para um bom desempenho bioclimático das edificações, contribui mais para o conforto dos espaços públicos e favorece as edificações comerciais.

FIGURA 2 - Ilustrações referentes ao projeto do grupo A2.

5.3 Grupo A3

Ecotécnicas e Permacultura

Pontos de destaque: O trabalho apresenta uma interessante caracterização da cidade e região no entorno da cidade, sendo o trabalho, como um todo, apresentado de forma muito elegante, concisa e organizada. É rico em quadros sintéticos, e dos fundamentos da proposta que irão apresentar (permacultura, ecovilas, cohousing,) , com exemplos efetivamente relevantes e significativos, como embasadores para sua proposta. Destaca-se, neste sentido, a preocupação do desenho da paisagem integrado às habitações, através de um zoneamento permacultural (zona 1- compostagem e hortas próxima às moradias) com estudo de macrozoneamento rico. Todas as tipologias são muito bem caracterizadas. O grupo atentou, com muita propriedade, para as questões de insolação e ventilação cruzada, em termos de soluções bioclimáticas. Os materiais especificados atendem à questão sociocultural da região, bem como as técnicas de conforto: alvenaria de tijolo cerâmico aparente e piso duplo aquecido, com coletores instalados no telhado.

Urbanidade e Habitabilidade

Pontos de destaque: Oferece diversidade tipológica.

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Princípios de Sustentabilidade para o Desenho Urbano

Pontos de destaque: Trabalho bem embasado quanto à caracterização da área de intervenção, bom entendimento do desenho da paisagem integrado ao desenho do ambiente construído, alcançando a visão ecossitêmica do conjunto, principalmente nos quarteirões localizados na parte inferior do conjunto. A configuração favorece o desempenho bioclimático das edificações.

FIGURA 3 - Ilustrações referentes ao projeto do grupo A3.

5.4 Grupo A4

Ecotécnicas e Permacultura

Pontos de destaque: As análises conduziram a propostas racionais de adequação climática das edificações, demonstrando preocupação com os condicionantes climáticos, tanto de verão, como de inverno. O contexto urbano e as diretrizes projetuais são bastante ricas e abrangentes, sendo realizada uma revisão interessante sobre o sistema construtivo em enxaimel. As estratégias e técnicas construtivas, assim como os materiais mais sustentáveis estão bem colocadas. Houve uma preocupação aprofundada com a auto-sustentabilidade alimentar, mesmo que deixando explícita a impossibilidade de a área do terreno atender a todas as necessidades de consumo. É interessante destacar a preocupação do grupo proponente em fazer com que a população da cidade participe das decisões de projeto que transcendam às da Ecovila proposta.

Urbanidade e Habitabilidade

Pontos de destaque: A implantação da tipologia mais adensada na parte mais alta do terreno junto à Rua Lauro Rott é acertada, possibilitando integração ao entorno e agregando legibilidade e identidade ao conjunto, também pelo acesso claro à praça e ao centro comunitário e, a partir daí, aos espaços coletivos de domínio mais local. A proposta acomoda uma quantidade significativa de novas UHs (58), e ainda mantém as já existentes. A implantação garante a adequada orientação solar, ventos e vistas privilegiadas, e estabelece um gradiente de privacidade no arranjo do conjunto de UHs em diferentes situações, contribuindo para a inclusão de usuários diversos. Todas as UHs possuem ambientes (inclusive dormitórios) com mais de uma orientação, agregando qualidade de iluminação e ventilação. É oferecida alguma diversidade tipológica (quantidade de dormitórios).

Princípios de Sustentabilidade para o Desenho Urbano

Pontos de destaque: A configuração urbana se mostra interessante quando propõe um novo desenho para o conjunto, a localização das edificações acompanha o sentido das curvas de nível, facilitando o escoamento e retenção das águas pluviais. Propõe diversidade de usos. A orientação das edificações

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favorece o desempenho térmico e o sentido dos ventos predominantes.

FIGURA 4 - Ilustrações referentes ao projeto do grupo A4.

5.5 Grupo C4

Ecotécnicas e Permacultura

Pontos de destaque: Interessante proposta de implantação, como se fosse uma Ecovila, sendo propostas 30 unidades habitacionais, com tipologias diversificadas (1, 2 e 3 quartos). Há uma adequada provisão de iluminação natural e ventilação cruzada, assim como de outras estratégias, como o aproveitamento de água da chuva e seu uso nas hortas, e instalação de coletores solares. São propostas casas com paredes de madeira. Os materiais especificados atendem à questão sociocultural da região, bem como as técnicas de conforto: alvenaria de tijolo cerâmico aparente ou pedra, utilização de brises e beirais alongados, utilização de madeira e lã de carneiro como isolante térmico e tradição da arquitetura germânica do local, adaptada à tecnologia da madeira e ao uso de cobertura verde. Houve preocupação com o desenho da paisagem integrado às habitações no zoneamento permacultural como a compostagem na zona 1.

Urbanidade e Habitabilidade

Pontos de destaque: Partido geral: distribuição acertada para os diferentes usos e implantação das UHs. O traçado viário original poderia ter sido alterado para uma maior sintonia à nova distribuição das UHs, que rompem com a subdivisão convencional dos lotes. Estratégias bioclimáticas corretas e refletidas no projeto.

Princípios de Sustentabilidade para o Desenho Urbano

Pontos de destaque: O grupo teve um bom entendimento da visão sistêmica da configuração urbana, utilizou como recurso de drenagem canais de infiltração para evitar impactos de assoreamento e tecnologia alternativa de tratamento de esgoto. As edificações institucionais e comerciais estão bem conectadas pelos caminhos em pequenos centros, favorecendo o sentido de vizinhança e a mobilidade. A configuração urbana contribui para um bom desempenho bioclimático das edificações e dos espaços públicos.

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FIGURA 5 - Ilustrações referentes ao projeto do grupo C4.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os projetos avaliados como apresentando maior qualidade, foram selecionados como referencial para discussões com os gestores da comunidade de Feliz (prefeito, vice-prefeito e engenheiro, que estão se empenhando em materializar os seus resultados.

No entender dos professores participantes do processo, todos os 12 grupos chegaram a bom termo com suas propostas, mesmo que alguns não tenham alcançado um nível superior de concepção e desenvolvimento. De forma geral, ainda que se entenda que os princípios e conceitos tenham sido buscados e compreendidos, eles não necessariamente foram incorporados de forma plena na proposta. Entre estes, destacam-se os seguintes: 1) Paisagismo produtivo, horta comunitária, canais de infiltração ou solução alternativa para tratamento de esgoto poderiam ter sido exploradas como recurso de desenho da paisagem, mas não o foram; 2) Houve a preocupação de trazer usos diversificados ao bairro, mas não se soube lançar mão de estratégias de desenho que favorecessem a não setorização e a conexão entre as partes; 3) Aspectos socioculturais foram extensamente ressaltados nas análises, mas pouco compareceram no momento de se optar por materiais, sistemas estruturais e técnicas construtivas.

Alguns fatores podem justificar os resultados menos satisfatórios: a curta duração do módulo (4 semanas); o tempo necessário para que a rede colaborativa efetivamente se reconheça, estabeleça e se torne eficiente, por meio do uso dos canais de interação; diferenças de bagagem profissional e de formação acadêmica (ainda que houvesse certo nivelamento de conhecimentos, que foi construído ao longo dos primeiros módulos do curso); problemas com a própria interação; desequilíbrio de contribuições entre os membros dos grupos, com consequentes desestímulos e frustações, refletidos em alguns estudantes mais ativos (situação recorrente também em trabalhos em equipe presenciais).

Assim, houve um aporte de esforço, tanto na operação da rede colaborativa, quanto no trabalho em si. No entanto, longe de poder ser avaliado como prejudicial para o resultado final, acredita-se que isso deve ser visto como uma experiência ousada e altamente positiva. Ela se alinha com a concepção de aprendizagem utilizada pelo Reabilita – a aprendizagem significativa, aquela que não é vista tão somente como a obtenção e acúmulo de informação, mas como algo que pode transformar, tanto o estudante, por conferir significado ao seu mundo pessoal (Sousa, 2009), como o próprio processo de ensino e aprendizagem. Além do mais, o processo se identifica com próprio conceito de sustentabilidade, que pressupõe cooperação e interação. A realização de um projeto, em equipe, a distância, experiência inédita para todos os que nela se viram envolvidos, tinha como aspiração, não apenas conferir agregar valor a este processo, como também criar um ambiente de interação/participação no universo a distância com vistas a um objetivo comum - analítico mas também sintético – completamente calcado na realidade. Sem dúvida, tanto para os professores, como para os alunos, uma experiência transformadora.

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VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES - BRASIL - 7 a

9 de setembro de 2011

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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