habitaÇÕes de baixo custo mais sustentÁveis

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Coleo HABITARE / FINEP

HABITAES DE BAIXO CUSTO MAIS SUSTENTVEIS:a Casa Alvorada e o Centro Experimental de Tecnologias Habitacionais Sustentveis

Miguel Aloysio Sattler

Porto Alegre 2007

2007, Coleo HABITARE Associao Nacional de Tecnologia do Ambiente Construdo - ANTAC Av. Osvaldo Aranha, 99 - 3 andar - Centro CEP 90035-190 - Porto Alegre - RS Telefone (51) 3308-4084 - Fax (51) 3308-4054 http://www.antac.org.br/ Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP Presidente Luis Manuel Rebelo Fernandes Diretoria de Inovao Eduardo Moreira da Costa Diretoria de Administrao e Finanas Fernando de Nielander Ribeiro Diretoria de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico Eugenius Kaszkurewicz rea de Tecnologias para o Desenvolvimento Social - ATDS Marco Augusto Salles Teles Grupo Coordenador Programa HABITARE Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP Caixa Econmica Federal - CAIXA Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico CNPq Ministrio da Cincia e Tecnologia - MCT Ministrio das Cidades Associao Nacional de Tecnologia do Ambiente Construdo ANTAC Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE Comit Brasileiro da Construo Civil da Associao Brasileira de Normas Tcnicas - COBRACON/ABNT Cmara Brasileira da Indstria da Construo - CBIC Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional - ANPUR Apoio Financeiro Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP Caixa Econmica Federal - CAIXA Apoio institucional Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS Editores da Coleo HABITARE Roberto Lamberts - UFSC Carlos Sartor - FINEP

Equipe Programa HABITARE Ana Maria de Souza Angela Mazzini Silva Autor da Coleo Miguel Aloysio Sattler Texto da capa Arley Reis Reviso Giovanni Secco Projeto grfico Regina lvares Editorao eletrnica Amanda Vivan Imagem da capa Houses at Auvers (1890) Vincent van Gogh Acervo do Museum of Fine Arts, Boston Imagem disponvel em: http://www.dominiopublico.gov.br Fotolitos, impresso e distribuio COAN - Indstria Grfica www.coan.com.brCatalogao na Publicao (CIP). Associao Nacional de Tecnologia do Ambiente Construdo (ANTAC).

S253h

Sattler, Miguel Aloysio Habitaes de baixo custo mais sustentveis: a casa Alvorada e o Centro Experimental de tecnologias habitacionais sustentveis/ Miguel Aloysio Sattler. Porto Alegre : ANTAC, 2007. (Coleo Habitare, 8) 488 p. ISBN 978-85-89478-22-9 1.Habitao de interesse social 2. Sustentabilidade. I. Sattler, Miguel Aloysio II. Srie CDU: 728.222

ESTE LIVRO DE DISTRIBUIO GRATUITA.

Sumrio

Apresentao _________________________________________________________________________________ 6 Introduo ___________________________________________________________________________________ 10 Captulo 1 - O CONTEXTO O NORIE e sua linha de pesquisas em edificaes e comunidades sustentveis____________________ 13 1.1 Introduo _______________________________________________________________________________ 13 1.2 Atividades de Ensino _______________________________________________________________________ 14 1.3 Pesquisa _________________________________________________________________________________ 16 1.4 Extenso _________________________________________________________________________________ 18 Captulo 2 - O NORTE Princpios norteadores das atividades desenvolvidas pela LECS __________________________________ 21 2.1 O Conceito de sustentabilidade ______________________________________________________________ 21 2.2 Sobre o carter holstico, sistmico e de interdisciplinaridade orientando as atividades da LECS ______________________________________________________________________ 24 2.3 O usurio: o fim ltimo de nossos projetos ____________________________________________________ 26 2.4 O fator local: o respeito ao esprito do lugar ___________________________________________________ 28 2.5 Projetando com os quatro elementos: terra, gua, ar e fogo ______________________________________ 31 2.6 Projetando arquitetura como a expresso de todas as artes _______________________________________ 34 2.7 A tica, a tica e a esttica da sustentabilidade _________________________________________________ 35 2.8 Permacultura _____________________________________________________________________________ 36 2.9 Estratgias especficas ______________________________________________________________________ 38 2.10 Sntese das recomendaes para projetos mais sustentveis ______________________________________ 51 Captulo 3 - A INSPIRAO POR PROJETOS MAIS SUSTENTVEIS __________________________________ 55 3.1 Antecedentes internacionais _________________________________________________________________ 55 3.2 Antecedentes no Brasil _____________________________________________________________________ 56 3.3 Consideraes finais _______________________________________________________________________ 59

Captulo 4 - AS PRIMEIRAS ATIVIDADES O Concurso Internacional de Idias ____________________________________________________________ 61 4.1 Introduo _______________________________________________________________________________ 61 4.2 Trabalhos premiados _______________________________________________________________________ 62 Captulo 5 - O PROJETO ALVORADA ____________________________________________________________ 73 5.1 Antecedentes e princpios ___________________________________________________________________ 73 5.2 O tratamento do lote e seu projeto paisagstico ________________________________________________ 77 5.3 O projeto da unidade habitacional ___________________________________________________________ 89 5.4 A busca por padres otimizados de conforto ambiental e eficincia energtica ______________________ 97 5.5 Equipamentos de suporte otimizao do desempenho das edificaes e da gesto de recursos e resduos ____________________________________________________________ 102 Apndices _______________________________________________________________________________ 126 Captulo 6 - PESQUISAS PARALELAS O projeto Cermica Vermelha ________________________________________________________________ 135 6.1 Introduo ______________________________________________________________________________ 135 6.2 Caracterizao do setor e impactos gerados __________________________________________________ 137 6.3 Concluses ______________________________________________________________________________ 146 Captulo 7 A PRIMEIRA EXPERINCIA CONSTRUTIVA O Centro Experimental de Tecnologias Habitacionais Sustentveis ______________________________ 149 7.1O projeto do CETHS _________________________________________________________________________ 149 7.2 A Casa Verena ___________________________________________________________________________ 188 7.3 A construo do CETHS____________________________________________________________________ 201 7.4 Investigaes das necessidades dos usurios na fase de projeto e avaliao ps-ocupao do CETHS ___________________________________________________________________ 208 Captulo 8 - A AVALIAO DOS RESULTADOS DO PROTTIPO CASA ALVORADA ___________________ 239 8.1 O prottipo da Casa Alvorada: o projeto _____________________________________________________ 239 8.2 O prottipo da Casa Alvorada: avaliao do projeto ____________________________________________ 261

8.3 O prottipo da Casa Alvorada: a construo __________________________________________________ 285 8.4 O prottipo da Casa Alvorada: medies e avaliaes in loco do prottipo _________________________ 308 8.5 Esquadrias em madeira ____________________________________________________________________ 393 8.6 Captao de gua de chuva ________________________________________________________________ 445 Concluso ___________________________________________________________________________________ 469 Referncias bibliogrficas ____________________________________________________________________ 473

Apresentao

Q

uando fomos convidados pela Editoria do Programa HABITARE a relatar nossas experincias a respeito de construes e projetos mais sustentveis desenvolvidos no Ncleo Orientado para a Inovao na Edificao (NORIE) a partir do final da dcada dos anos 1990, propusemo-nos a traduzi-los em dois livros, publicados consecutivamente, que ilustrassem

nossos passos iniciais na rea, ensaiados graas aos apoios financeiros da FINEP e da CAIXA: o primeiro livro, associado ao projeto do Centro Experimental de Tecnologias Habitacionais Sustentveis (CETHS); e o segundo, sobre o projeto e a construo do Prottipo Casa Alvorada. medida que tentvamos aprofundar a descrio de um ou de outro projeto, mais e mais nos dvamos conta de que um no poderia ser separado do outro. Ambos tiveram origem em 1997, demandados por instituies diferentes (FINEP/CAIXA e Prefeitura do Municpio de Alvorada), mas tiveram suas linhas de desenvolvimento cruzadas, por diversas vezes, tornando muito difcil referir um sem referir o outro. Ademais, julgamos essencial colocar a proposta para o CETHS dentro do contexto histrico que o inspirou. Assim, seria indispensvel, para o bom entendimento dos fins almejados pelos projetos, descrever sucintamente um trabalho cientfico apresentado por dois dos pioneiros internacionais da arquitetura sustentvel, Declan e Margrit Kennedy. Esse trabalho havia sido apresentado em um evento de mbito latino-americano sobre habitaes de interesse social, realizado no IPT, em So Paulo,

em 1981. O projeto deveria ter sido implementado no Brasil, na cidade de Caapava, SP, mas, tanto quanto se sabe, ele no resultou materializado. To importante quanto o referencial anterior foram o evento e os resultados de um Concurso Internacional de Idias de Habitaes Auto-Sustentveis para Populaes Carentes, que organizaramos na cidade de Canela, RS, 14 anos mais tarde. Por essa razo os resultados desse Concurso so tambm apresentados. Por outro lado, enquanto, para o desenvolvimento dos projetos, bastava-nos dispor dos recursos viabilizados pelos rgos financiados e do esforo dos alunos de ps-graduao do NORIE, interessados no tema de sustentabilidade, para a sua materializao foi essencial contar com os recursos da FAPERGS e da contrapartida de recursos do Sindicato das Olarias e Indstrias Cermicas do Rio Grande do Sul (SIOCERGS/RS), que foram direcionados ao projeto Gesto Ambiental das Indstrias

Oleiras e de Cermica Vermelha do Rio Grande do Sul, iniciado em 2000. Foi a contrapartida do SIOCERGS, assim, que tornou possvel a construo das oito casas do CETHS, em Nova Hartz, e do Prottipo Casa Alvorada, no campus da UFRGS.Alm de possibilitar a construo, o projeto nos permitiu aprofundar o conhecimento sobre os impactos dos materiais cermicos que estavam sendo utilizados nas construes executadas. O projeto do CETHS somente foi implementado parcialmente pela municipalidade qual se destinava, resultando na construo de oito casas, segundo duas tipologias, e sem qualquer implementao da infra-estrutura que havia sido prevista. Quanto ao prottipo Casa Alvorada, construdo no campus da UFRGS, ainda em 2007 no estava totalmente concludo. Mesmo assim, vrios trabalhos de pesquisa e avaliaes foram realizados tendo ambos como objeto.As casas do CETHS assim como seus usurios foram submetidos a duas avaliaes ps-ocupao, e diversas medies foram realizadas no local, dentro dos estudos de uma dissertao de mestrado, com o intuito de avaliar o potencial da rea para a implantao de um sistema de aproveitamento de energia elica (que veio a se mostrar invivel, ante as baixas velocidades dos ventos locais). Foram realizadas entrevistas com os moradores das habitaes construdas aps meses e 30 meses de ocupao. O prottipo Casa Alvorada, por sua vez, foi objeto de seis dissertaes de mestrado desenvolvidas por alunos do NORIE, uma das quais gerou dados para uma tese de doutorado, alm de vrios trabalhos desenvolvidos por alunos de mestrado. Algumas dessas avaliaes e dissertaes so apresentadas de forma sinttica neste livro. Mesmo que apenas parcialmente implantados, ambos os projetos, do CETHS e do Prottipo Casa Alvorada, foram e continuam a ser amplamente divulgados pela mdia, com sucessivas matrias em jornais, entrevistas em rdios, assim como gravaes realizadas por diversas redes de televiso. A cada ano, novos contingentes de visitantes tm sido recebidos, tanto de alunos da UFRGS, de diferentes reas, como de outras universidades e de grupos de profissionais, do Brasil e do exterior em 200, recebemos uma comitiva de 18 profissionais do Peru, que l estavam se capacitando na rea de construes sustentveis. Como so raras as referncias sobre projetos habitacionais mais sustentveis em lngua portuguesa, sendo ainda mais limitadas aquelas associadas ao tema de habitaes de interesse social, este livro buscou, alm de fornecer detalhes relativos aos projetos e construes associados ao CETHS e s diversas verses da edificao habitacional mais sustentvel, enriquecer a literatura com a descrio dos resultados obtidos, decorrentes dessas atividades. Dessa maneira, so agregados os resultados7

descritos em um conjunto de dissertaes de mestrado, trabalhos cientficos publicados em anais de congressos e em revistas, assim como em trabalhos finais de disciplinas ministradas no NORIE. Finalmente, gostaramos de assinalar que este livro s se tornou possvel graas aos esforos desenvolvidos por um grande nmero de alunos de ps-graduao, assim como de diversos bolsistas, seja em suas dissertaes de mestrado ou teses de doutorado, seja em trabalhos associados s diversas disciplinas ministradas no Programa de Ps-Graduao em Engenharia Civil da UFRGS, desde 1997. Particularmente, gostaramos de destacar os trabalhos de meus orientandos de mestrado, de cujas dissertaes extra farto e rico material para a elaborao do Captulo , versando sobre os impactos ambientais da indstria cermica no Rio Grande do Sul (Constance Manfredini), e do Captulo 8, no referente a detalhes construtivos e avaliao do prottipo Casa Alvorada (Luiz Ercole, com sua proposta para o tratamento local de guas residurias domiciliares; Alessandro Morello, no monitoramento do desempenho trmico; Alexandre Guella Fernandes, que realizou uma aprofundada anlise das esquadrias de eucalipto empregadas; e Eugenia Aumond Kuhn, que analisou detalhadamente os seus impactos ambientais e custos de construo). Cabe destacar tambm os diversos trabalhos realizados por minha orientanda de mestrado e doutorado, Giane de Campos Grigoletti, assim como os de Rafael Mano, com sua avaliao sobre o potencial de aproveitamento das guas de chuva do prottipo, alm de sua entusiasmada contribuio para a implementao do prottipo Casa Alvorada e das edificaes do Centro Experimental de Tecnologias Habitacionais Sustentveis, em Nova Hartz. Tais trabalhos se somam a muitos outros, tratando de projetos, construes e avaliaes, vrios sendo referidos neste8

livro. No entanto, referidos ou no, todos contriburam para a sua produo, e a esses alunos ou bolsistas, todos, agradecemos profundamente. Por serem muitos e para evitar a injustia de esquecer alguns deles, ns no os nominamos individualmente. Alm disso, a realizao dos trabalhos s se tornou possvel com o apoio e a contribuio de diversas instituies, a quem gostaramos de agradecer particularmente: Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e Caixa Econmica Federal (CAIXA), pelos recursos concedidos para o desenvolvimento de diversas atividades, especialmente dos Projetos de Pesquisa, no mbito do Programa HABITARE, e por apoiarem uma linha de pesquisas em sustentabilidade das construes, bem antes de a mdia brasileira colocar o tema da sustentabilidade em sua pauta diria;

Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS), pelo apoio ao projeto de caracterizao dos impactos ambientais da indstria de cermica no RS, e ao CNPq, pelas bolsas concedidas a estudantes, para o desenvolvimento deste mesmo projeto; ao CNPq, CAPES, FAPERGS, FINEP e CAIXA, pelo apoio realizao de diversos eventos promovidos pela ANTAC e organizados pelo seu Grupo de Trabalho em Desenvolvimento Sustentvel, o que possibilitou a divulgao de muitos dos trabalhos realizados pela Linha de Pesquisas em Edificaes e Comunidades Sustentveis, do NORIE, assim como a sinergia com outros grupos e profissionais, e com isso o estmulo mtuo e crescimento conjunto; ao CNPq, CAPES e FAPERGS, pelos diversos auxlios que permitiram a participao do autor em eventos no exterior, assim o nutrindo para melhor inspirar queles que no contaram com tal privilgio; ao CNPq, pelo auxlio que possibilitou a aquisio de equipamentos para o monitoramento do desempenho trmico, acstico e lumnico do prottipo Casa Alvorada; ao Sindicato das Olarias e Indstrias Cermicas do Rio Grande do Sul (SIOCERGS/RS), pelo apoio ao projeto desenvolvido em parceria com a FAPERGS, e pela contrapartida ao projeto, em materiais cermicos (tijolos e telhas), que possibilitou a construo das diversas edificaes habitacionais mais sustentveis; s Prefeituras dos municpios de Alvorada e Nova Hartz, pelo apoio aos projetos desenvolvidos em seus municpios; ao Departamento de Engenharia Mecnica (DEMEC) da UFRGS, pela cesso do espao fsico onde foi construdo o prottipo Casa Alvorada, no campus da UFRGS, e, particularmente, ao Prof.Arno Krenzinger, chefe do Laboratrio de Energia Solar, por sua pacincia diante dos transtornos causados pelas atividades de construo, vizinha ao seu laboratrio, e pelo apoio sempre manifestado; e ao Sr. Nelson Ely, que no incio do projeto apoiado pela FAPERGS e pelo SIOCERGS presidia esta ltima entidade e que muito apoiou o desenvolvimento do projeto em seus estgios iniciais, fazendo, inclusive, constribuies pessoais e doando os materiais cermicos utilizados para a execuo dos pisos e revestimentos do banheiro do prottipo Casa Alvorada.9

Introduo

U

ma das razes determinantes para as crises (no s ambiental, mas tica, de falta de princpios) por que hoje passa a humanidade a fragmentao de todos os elementos essenciais vida, fsica e espiritual, e, ao mesmo tempo, da pouca dedicao em reintegr-los. No af de

buscar conhecer os detalhes, as mnimas coisas, ou, in extremis, o tudo sobre o nada, ns os fragmentamos mais e mais, at alm do nvel subatmico. O universo fragmentado em bilhes de nebulosas. Cada uma, por sua vez, fragmentada em bilhes de estrelas, e sobre elas buscamos saber a sua exata composio. O planeta dividido em pases ricos e pobres, desenvolvidos e em desenvolvimento, exploradores e explorados, todos competindo entre si. O mesmo acontece com as diversas instncias de unidades polticas territoriais, at chegar famlia e ao prprio homem. Este dissecado por inmeros especialistas, cada um, normalmente, buscando ver pouco alm daquelas questes no diretamente associadas sua prpria especialidade. Nas universidades, o conhecimento tambm fragmentado entre os inmeros departamentos, cada um tratando, quase que exclusivamente, de suas prprias especificidades, com poucas trocas entre si e quase nenhuma cooperao interdepartamental, e at mesmo intradepartamental. Os alunos so educados, tm o seu conhecimento conformado dentro desse mesmo modelo, somando disciplinas em seus currculos, em um ambiente onde raramente se observam uma integrao de esforos, um carter interdisciplinar ou uma ambio transdisciplinar. Uma vez profissionais, iro reproduzir esse modelo em suas empresas, nos rgos pblicos ou priva10

dos onde iro trabalhar.Aos arquitetos, engenheiros, gestores pblicos, enfim, a todos e a cada um dos atores da vida pergunta-se: que planeta, que pas, que cidade, que bairro, que edificao, que indivduos iro gerar como resultado dessa formao e, conseqentemente, dessa viso de mundo? Certamente, as respostas no esto nem no infinitamente grande, nem no infinitamente pequeno, isoladamente. Mas, talvez, estejam em ambos, simultaneamente, assim como nos processos que os unem e na viso sistmica de suas partes e funes. Talvez, aps um longo perodo de anlise, seja o momento de o homem, novamente, aprofundar a busca da sntese. Por outro lado, vivemos em um planeta essencialmente competitivo, onde a cooperao a exceo. Alguns podero alegar que isso no um privilgio da humanidade, da espcie humana, j que todas as espcies vivas se encontram em permanente competio: as plantas competindo por

gua, energia, nutrientes; os animais procedendo de forma anloga. No entanto, toda essa competio est inserida e orientada por uma grande harmonia planetria ou csmica, no autodestrutiva. No ser tambm o momento de buscarmos uma cooperao construtiva, em torno de princpios ticos, e assim definirmos uma nova esttica para a nossa pequena, privilegiada, incrivelmente bela e nica (at onde possamos hoje adivinhar) astronave Terra? Humildemente, temos a pretenso da busca de uma alternativa, unindo-nos a muitos outros profissionais e pensadores, infelizmente ainda uma minoria, buscando conduzir, segundo essa linha, as nossas aes no campo da arquitetura e da construo. Dividindo, sim, mas para unir novamente. Na prpria diviso, sendo cautelosos, para no perder de vista o todo. Desse modo, buscamos orientar as nossas construes e projetos, alinhando-os de acordo com os quatro elementos, que tanta sabedoria ancestral e at transcendental encerram. Mas, ao mesmo tempo, buscamos, por exemplo, a unidade na arquitetura, encerrando dentro de si, como veculo para a sua expresso, todas as artes.Ao buscarmos contemplar o homem como fim ltimo de nossas aes, buscamos tambm identific-lo no todo de suas necessidades: do corao e da mente, do corpo e dos sentidos, ousando, tambm, interpretar e buscar uma resposta s suas necessidades espirituais. Reconhecemos que o momento de ansiedade. Tanto quanto se saiba, convivemos, ao mesmo tempo, com o apogeu do conhecimento, mas irresponsvel e perigosamente nos aproximando do ocaso da atual humanidade. O planeta se aproxima do limite de sua capacidade de suporte, com a populao humana crescendo, e a das demais espcies diminuindo, quase que na mesma razo. Os sistemas de suporte de vida ar, gua, solo e energia esto gravemente ameaados, colocando em risco a oportunidade a nossos descendentes de desfrutar das maravilhas da vida e do planeta. Contaminamos o ar, a gua, a terra (e com isso os alimentos) que nos so essenciais, e destrumos a barreira protetora da atmosfera, que nos protegia do fogo do sol. Felizmente, convivemos com um momento nico da histria humana no que concerne potencial acessibilidade informao (embora muito continue a nos ser sonegado, por interesses vrios). Esperamos poder ser suficientemente sbios, no tempo que nos parece restar, para fazer com que tal conhecimento sensibilize os nossos coraes, para que tenhamos alguma chance de oportunizar aos nossos descendentes um veculo (um corpo sadio) para continuar a desvendar as maravilhas do universo e da vida.11

12

1.

1.1 Introduo 1.2 Atividades de Ensino 1.3 Pesquisa 1.4 Extenso

Coleo Habitare - Habitaes de Baixo Custo Mais Sustentveis: a Casa Alvorada e o Centro Experimental de Tecnologias Habitacionais Sustentveis

1.O CONTEXTO O NORIE e sua linha de pesquisas em edificaes e comunidades sustentveis

1.1 Introduo

H

algumas dcadas cientistas dos mais diversos quadrantes e formaes vm apontando os terrveis impactos que o homem tem imposto aos sistemas de suporte de vida do planeta. Podemos afirmar que, hoje, elementos essenciais vida como o ar (seja dos ambientes internos ou externos), a gua

(dos rios, lagos, oceanos e, principalmente, aquela que nos suprida pelos servios pblicos), o solo (e, em conseqncia, os alimentos) e a energia (tanto os recursos fsseis como a radiao solar j no filtrada plenamente pela camada de oznio) esto seriamente comprometidos. Entre os grandes responsveis por tais impactos se inclui o setor de atividades humanas conhecido como indstria da construo civil. Dados recentes (CIB; UNEP-IETC, 2002) apontam que o ambiente construdo, atravs das atividades exercidas pela indstria da construo, absorve em torno de 50% de todos os recursos extrados da crosta terrestre e consome entre 40% e 50% da energia consumida em cada pas. Uma simples tinta imobiliria pode conter mais de 60 compostos qumicos, os assim denominados compostos orgnicos volteis (VOCs), muitos deles txicos ou causadores de irritaes, tanto no seu aplicador e naquele que os produz, quanto nos usurios das edificaes (UEMOTO; AGOPYAN, 2002). No que concerne aos impactos sobre a qualidade da gua, Rebouas (1999) assinala que a intensificao das atividades industriais e o uso generalizado de agroqumicos, aliados ao aprimoramento das tcnicas analticas, fizeram com que o nmero regular de micropoluentes,O CONTEXTO O NORIE e sua linha de pesquisas em edificaes e comunidades sustentveis

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identificados e quantificados na gua, evolusse significativamente durante as duas ltimas dcadas. Neste quadro cresce de forma assustadora a importncia dos parmetros denominados de micropoluentes orgnicos sintticos e metais txicos. Acresce, ainda, o mesmo autor que elementos extremamente txicos como o mercrio, o cdmio e o chumbo s podem ser removidos por sistemas de tratamento especialmente projetados e operados com essa finalidade. Da mesma maneira, os micropoluentes orgnicos sintticos, tais como os organofosforados e organoclorados, compostos benznicos, fenlicos, steres do cido ftlico, aromticos polinucleares, no so removidos pelos sistemas tradicionais de tratamento de gua proveniente de mananciais que recebem efluentes industriais. Conclui-se, portanto, que, alm de consumir quantidades fantsticas de recursos escassos, de gerar produtos cujos impactos desconhecem, ou preferem ignorar, o homem e a indstria por ele criada para lhe propiciar condies de conforto e de sade, assim como as tecnologias desenvolvidas e concebidas para resguardar a qualidade de vida, esto longe de faz-lo.14

bem como os profissionais j atuantes no mercado, principalmente das reas de engenharia e arquitetura, para os desafios crescentes que devero enfrentar em um futuro no muito distante, o Ncleo Orientado para a Inovao da Edificao (NORIE) criou, h cerca de dez anos, a sua Linha de Pesquisas em Edificaes e Comunidades Sustentveis. Por meio dessa iniciativa esperava-se contar com o benefcio da colaborao e intercmbio de conhecimento e experincias entre aqueles j envolvidos com o tema, atravs de vrias iniciativas em desenvolvimento no exterior e no pas, nos mbitos nacional, regional e local. O NORIE desenvolve atividades relacionadas construo, no Programa de Ps-Graduao em Engenharia Civil (que compreende Estruturas, Geotecnia, Construo e Meio Ambiente) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O NORIE, particularmente, tem suas atividades atuais orientadas em torno das reas de Gerenciamento, Materiais e Desempenho de Edificaes e Sustentabilidade. Abaixo so descritas algumas atividades associadas a ensino, pesquisa e extenso desenvolvidas na rea de Desempenho de Edificaes e Sustentabilidade, particularmente aquelas que ocorrem dentro da Linha de Pesquisas em Edificaes e Comunidades Sustentveis.

Os impactos associados s atividades de construo esto, pois, j bem identificados pela comunidade cientfica internacional, que os associa a danos significativos ao meio ambiente, que comprometem seriamente os sistemas de suporte de vida: energia e qualidade do solo, do ar e da gua. Apesar de esse conhecimento j existir, ainda so raras as escolas de engenharia e arquitetura no pas a tratar adequadamente do tema no que concerne formao dos futuros profissionais dessas reas. Com o intuito de melhor formar os estudantes,

1.2 Atividades de Ensino1.2.1 Graduao Na UFRGS, atividades de ensino relacionadas (in)sustentabilidade das atividades de construo foram iniciadas em 1996, atravs da incluso do tema

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como um tpico especial, em uma disciplina opcional (Habitabilidade I) do currculo do Curso de Engenharia Civil, que trata de estudos ambientais ligados s edificaes. O programa dessa disciplina, ainda sendo ministrada, inclui em torno de 24 horas/aula (em um total de 60 horas/aula) sobre o tema, contemplando desde tpicos sobre eficincia energtica em edificaes e contedo energtico de materiais de construo, at conceitos e visitas tcnicas associados ao tema edificaes e comunidades sustentveis. Os alunos tm a oportunidade de visitar uma proposta de edificao habitacional mais sustentvel, de 48 m, desenvolvida pelo NORIE, o Prottipo Casa Alvorada, e, assim, verificar uma srie de estratgias que buscam minimizar impactos ambientais, aplicadas em seu projeto e construo, assim como o Rinco Gaia, sede rural, com 30 hectares, da Fundao Gaia, concebido e construdo pelo conhecido ambientalista Jos Lutzenberger (falecido em 2002), obra que se distingue por uma srie de aspectos relacionados a tipologias construtivas, fontes energticas alternativas, gesto de resduos e da gua, e manejo do solo para a produo de alimentos. Adicionalmente, uma disciplina opcional foi criada no ano 2000, Edificaes e Comunidades Sustentveis, para aprofundar estudos sobre o tema. Esta nova disciplina tem buscado integrar alunos de trs cursos, os quais guardam estreita ligao com a rea de construo: engenharia, arquitetura e agronomia. Requer-se que os alunos, para se inscreverem na disciplina, j tenham cumprido um nmero mnimo de crditos (aproximadamente 50% do total de crditos de seus cursos). A disciplina tem buscado familiarizar os alunos com os princpios de sustentabilidade, aplicados a edificaes e comunidades sustentveis, pela

apresentao de um conjunto de exemplos de projetos j materializados, dentro de uma distribuio planetria, que sejam apresentados como avanos significativos em direo sustentabilidade.Tais exemplos buscam retratar diferentes escalas de tratamento (desde uma pequena habitao unifamiliar, de baixo custo, em Porto Alegre, at um grande complexo edificado, de utilizao bancria, em Amsterd; do conjunto habitacional de baixa renda, no RS, a um condomnio para classe mdia na Califrnia; assim como a realidade dos resqucios de comunidades indgenas regionais e propostas e avanos em busca de cidades mais sustentveis na Europa e nos Estados Unidos). No sentido de sensibilizar e ampliar a percepo para os problemas e potenciais de soluo na rea, procura-se colocar os alunos em contato com os temas de sustentabilidade e gesto ambiental urbana, atravs da realizao de visitas tcnicas e do convite a palestrantes reconhecidos por sua atuao local e histrica, para trazer a sua viso sobre sustentabilidade. 1.2.2 Ps-Graduao Em nvel de ps-graduao, o NORIE oferece as opes de Especializao, Mestrado e Doutorado, em que vrias disciplinas so oferecidas aos interessados em Edificaes e Comunidades Sustentveis.As oportunidades de pesquisa so disponveis em trs reas: a) Desempenho de Edificaes e Sustentabilidade, que contempla tpicos como: gesto de resduos slidos urbanos; fontes energticas sustentveis; uso de materiais e produtos de baixo impacto para construes; gesto da gua e de resduos lquidos; paisagismo produtivo em reas urbanas; edificaes, comunidaO CONTEXTO O NORIE e sua linha de pesquisas em edificaes e comunidades sustentveis

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des e cidades mais sustentveis; impactos ambientais associados a materiais, componentes e sistemas construtivos; consumo e eficincia energtica em prdios escolares e edificaes residenciais; climatologia urbana; desempenho trmico de edificaes de baixo custo; rudo urbano; rudo areo; desempenho de coberturas verdes todos exemplos de tpicos de pesquisa em recentes dissertaes de mestrado e teses de doutorado; b) Gerenciamento, principalmente mediante pesquisas objetivando a reduo de perdas e racionalizao e aumento de produtividade na indstria da construo. Pesquisas na rea vm sendo conduzidas h mais de dez anos, em projetos de abrangncia nacional, possibilitando oportunidades de pesquisa a vrios estudantes de mestrado e de doutorado; e c) Novos Materiais e Tecnologias de Construo, em que estudos relacionados rea da sustentabilidade so desenvolvidos e esto voltados, principalmente, anlise das propriedades fsicas, qumicas e mecnicas de resduos de materiais de construo e ao desenvolvimento e anlise do desempenho de componentes com resduos industriais incorporados.

pesquisas, tambm, na rea de Conforto Ambiental (trmica, acstica e iluminao natural). Dentro dessa linha de pesquisas, vm sendo oferecidas, a cada ano, no mnimo, quatro disciplinas a estudantes dos cursos de especializao, mestrado e doutorado: Edificaes e Comunidades Sustentveis; Conforto Ambiental; Projetos Regenerativos; e Gesto Ambiental Urbana. O ensino se desenvolve apoiado em trabalhos de aplicao prtica dos conhecimentos trabalhados, visitas de campo e estudos de caso. Em cada disciplina os alunos so solicitados a apresentar propostas de projetos, quase sempre em resposta a demandas do mercado e buscando materializar as propostas em empreendimentos de cunho demonstrativo. Disciplinas adicionais, identificadas como Tpicos Especiais em Engenharia (por exemplo, Construes em Terra; Edificaes e Comunidades Sustentveis em Prtica; Clima e Climatologia Urbana; Conforto Acstico; e Projetos Regenerativos em Prtica), so criadas para o atendimento a demandas especficas, quando coincidem com o interesse do NORIE e dos alunos. Novas e desafiadoras oportunidades foram criadas para o grupo do NORIE, com o incio, a partir de 1995, de um conjunto de atividades e projetos de pesquisa, ligados rea de sustentabilidade. O primeiro desses projetos foi o assim denominado Centro Experimental de Tecnologias Habitacionais Sustentveis (CETHS). Em decorrncia de contatos estabelecidos com a CAIXA, que patrocinou a premiao de um Concurso Internacional de Idias de Projeto, organizado pelo NORIE, em 1995, foi manifestada por essa instituio a inteno de apoiar a implantao de um projeto que fosse orientado se-

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1.3 PesquisaEm resposta ao crescente interesse, por parte de estudantes e profissionais, por temas ligados sustentabilidade, foi criada, em 1997, na rea de Construo Civil, a Linha de Pesquisas em Edificaes e Comunidades Sustentveis (LECS), que compreende

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gundo as premissas de sustentabilidade, desde que tambm fosse identificada e apontada uma municipalidade que a viabilizasse. Isso somente viria a acontecer mais tarde, em 1997, quando a LECS encaminhou e teve aprovada a proposta do projeto CETHS, em Edital do Programa Habitare, da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Os recursos da FINEP e da CAIXA (atravs do Programa Habitare http://habitare.infohab.org.br) passaram a ser liberados a partir de 1999 e possibilitaram a montagem de uma infra-estrutura de pesquisa (uma biblioteca bsica, com ttulos internacionais atualizados sobre sustentabilidade, bem como a concesso de quatro bolsas de mestrado) para o desenvolvimento do projeto CETHS, que foi concludo em 2002. Esse auxlio foi essencial para a criao do impulso inicial para o desenvolvimento de todas as atividades de pesquisa, extenso e ensino que se seguiram. O projeto de pesquisa CETHS teve por objetivo elaborar o projeto executivo de um pequeno conjunto habitacional, onde uma das metas seria a de demonstrar o uso de tecnologias sustentveis, buscando, na sua realizao, se orientar pelos resultados do Concurso Internacional de Idias. Houve uma inteno de materializao desse projeto na cidade de Nova Hartz, RS, onde foram projetadas e construdas oito casas, at 2002, segundo os princpios de sustentabilidade. Esse projeto descrito no Captulo 7. Quase que simultaneamente ao desenvolvimento do projeto CETHS, a LECS teve aprovado um novo projeto de pesquisa, em parceria com o Sindicato das Indstrias Cermicas e de Olarias do Estado do Rio Grande do Sul (SIOCERGS) e financiado pela

Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS), denominado Avaliao do Impacto Ambiental das Indstrias Cermicas do Estado do Rio Grande do Sul. Este projeto propunha avaliar o impacto ambiental de indstrias cermicas de pequeno, mdio e grande portes no estado do Rio Grande do Sul. O projeto foi concludo em 2003 e resultou em duas dissertaes de mestrado. Ao final de 2004, a LECS concorreu com um novo projeto de pesquisa ao Edital do Programa Habitare, obtendo sua aprovao. Este projeto buscava o desenvolvimento de um modelo habitacional e de infra-estrutura urbana para reas de risco, particularmente para uma vila onde residem catadores de lixo seco, que est localizada na Ilha Grande dos Marinheiros, no esturio do Guaba, em Porto Alegre, formulado em obedincia aos princpios de construes sustentveis. As diretrizes para o projeto foram desenvolvidas na disciplina de Gesto Ambiental Urbana, durante o terceiro trimestre de 2003. Pesquisas recentes desenvolvidas em trabalhos de dissertao de mestrado, ou em teses de doutorado, na LECS, foram orientadas para as seguintes reas: a) investigao de produtos no txicos para a preservao de madeiras; b) emprego de madeiras de reflorestamento no design de mobilirio; c) impactos de rudos de aeronaves; d) cidades sustentveis; e) climatizao de edificaes, com o emprego de circulao forada de gua e/ou de ar, em conveco natural, em tubulaes enterradas; f) modelos de gesto energtica para pequeO CONTEXTO O NORIE e sua linha de pesquisas em edificaes e comunidades sustentveis

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nas municipalidades; g) modelos de gesto ambiental para reas de suscetibilidade ambiental; h) arquitetura sustentvel; i) sistema de avaliao de desempenho trmico de edificaes; j) consumo de eletricidade e eficincia energtica em prdios escolares; k) coberturas verdes; e l) avaliao de sustentabilidade do prottipo Casa Alvorada.

1.4 Extenso 1.4.1 Encontros, Seminrios, ConcursosAs atividades de extenso associadas com a Linha de Pesquisas em Edificaes e Comunidades Sustentveis tm como ponto de referncia inicial o Concurso Internacional de Idias de Projeto, que teve por tema Habitaes Sustentveis para Populaes Carentes. O concurso foi realizado em 1995 e foi organizado pelo NORIE e pela Fundao de Cincia e Tecnologia (CIENTEC). Um considervel esforo foi realizado no sentido de materializar as idias inicialmente apresentadas pelas propostas premiadas pelo Concurso e, posteriormente, por todas aquelas que resultaram desse marco histrico na evoluo da LECS. O prprio concurso foi associado a outra atividade de extenso, realizada pelo NORIE, o III Encontro Nacional e I Encontro Latino-Americano sobre Conforto Ambiental. Este evento, assim como o foi o I Encontro Nacional sobre Conforto Ambiental, tambm contando com a participao do NORIE em sua

organizao, foi realizado na Serra Gacha e buscou estimular a apresentao de propostas de conforto ambiental que incorporassem princpios de sustentabilidade. O momento era propcio, pois ainda repercutiam, em todo o Brasil, as deliberaes da ECO 92 e da Agenda 21, daquela resultante. O Concurso de Idias de Projeto contou com o apoio da CAIXA (de longa data apoiando pesquisas na rea de habitao popular), que proporcionou a premiao das propostas vencedoras, e foi promovido pela Associao Nacional de Tecnologia do Ambiente Construdo (ANTAC) (http://www.antac.org.br) e pela Passive and Low Energy Architecture (PLEA) (http://www. plea-arch.org), ambas representadas por membros de sua diretoria no corpo de jurados do Concurso. Em 1997, o NORIE organizou o I Encontro Nacional sobre Edificaes e Comunidades Sustentveis e, posteriormente, em 2001, o II Encontro Nacional e o I Encontro Latino-Americano sobre Edificaes e Comunidades Sustentveis. Nos dois eventos foram promovidas, alm da apresentao de trabalhos tcnicos, palestras e cursos de curta durao, contando com pesquisadores lderes e ativistas da rea da sustentabilidade, como os professores John Lyle, da California Polytechnic University (Calpoly), de Pomona, fundador do Center for Regenerative Studies, em Pomona; Steve Curwell, da University of Salford, Reino Unido;William Roley, diretor do Centro de Permacultura do Sul da Califrnia, implementador dos sistemas permaculturais na Calpoly; Liliana Miranda, do Frum Ciudades para la Vida, do Peru, entre outros lderes nacionais e internacionais da rea. Em 2004, foi realizado, em So Miguel das Misses, RS, o I Seminrio Internacional Um Olhar para

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as Comunidades Indgenas Guarani. O evento teve por finalidade discutir perspectivas de interao na sociedade, com vistas a contribuir com as comunidades indgenas locais, buscando dot-las de uma infraestrutura habitacional e de produo que atendesse s suas necessidades, respeitando sua realidade e aspiraes culturais, e, por outro lado, buscar junto a elas inspiraes para a nossa (a do homem branco) prpria sustentabilidade. 1.4.2 Projetos A primeira oportunidade de projeto de extenso, na Linha de Pesquisa em Edificaes e Comunidades Sustentveis, foi oferecida ao NORIE pela Prefeitura de Alvorada, RS, em 1997, e resultou no Projeto Alvorada. Ao final de 1997, foi firmado um convnio entre o NORIE/UFRGS e a Prefeitura Municipal de Alvorada (regio metropolitana de Porto Alegre, RS), para que o NORIE, por meio de consultoria, contribusse para o desenvolvimento de estudos e pesquisas sobre materiais ecolgicos e de baixo custo, para moradias populares no mbito da municipalidade. O convnio contou com o patrocnio do Centro Internacional de Investigaes para o Desenvolvimento (IDRC), organizao no-governamental do Canad, que apoiava o municpio de Alvorada no desenvolvimento de estudos na rea ambiental. Em sua fase inicial, o Projeto Alvorada (SPERB; BONIN; SATTLER, 1998) buscou atender demanda da Prefeitura, mas o NORIE apresentou, antes do incio do projeto, uma contraproposta prefeitura, pela qual, pelos mesmos valores acordados, realizaria tais estudos e, em adio, desenvolveria uma proposta de habitao popular que pudesse servir de marco referencial para cooperativas habitacionais ou outros movimentos organizados, em busca de habitaes

mais sustentveis. Ou seja, propunha-se o projeto de um prottipo habitacional mais sustentvel, para que, uma vez construdo, pudesse servir de referencial, em escala real, e se constitusse em um modelo para a implementao de programas habitacionais locais que visassem a um menor impacto ambiental. O projeto foi concludo e repassado prefeitura, sendo apresentado ao Executivo municipal local, assim como aos membros de diversas Secretarias de Governo e a representantes de cooperativas habitacionais locais. Infelizmente, o prottipo no viria a ser implementado em Alvorada por uma srie de razes, incluindo-se a descontinuidade de interlocutores do NORIE junto ao Executivo municipal (alta rotatividade dos tomadores de deciso na Secretaria Municipal de Planejamento). Tal descontinuidade poltica tornou necessrio retomar, por diversas vezes, os contatos com o Executivo, onde o NORIE era requisitado a fazer novas apresentaes do projeto, assim como o reenvio de documentos, pois, com as mudanas, era perdida, tambm, a memria do projeto. Outros projetos de extenso sucederam-se ao Projeto Alvorada, citando-se: o Centro Experimental de Tecnologias Habitacionais Sustentveis; o Prottipo Casa Alvorada; o Refgio Biolgico Bela Vista, em Foz do Iguau; o Centro de Educao Profissional do Vale do Ca, em Feliz; a Escola Municipal de Ensino Mdio Frei Pacfico e a Casa Ventura, em Viamo, para destacar aqueles que foram concretizados, ou esto em fase de concretizao. Alm do Projeto Alvorada, os projetos para o Centro Experimental de Tecnologias Habitacionais Sustentveis e para o Prottipo Casa Alvorada so abordados neste livro.O CONTEXTO O NORIE e sua linha de pesquisas em edificaes e comunidades sustentveis

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2.

2.1 O conceito de sustentabilidade

2.2 Sobre o carter holstico, sistmico e de interdisciplinaridade orientando as atividades da LECS 2.3 O usurio: o fim ltimo de nossos projetos

2.4 O fator local: o respeito ao esprito do lugar

2.5 Projetando com os quatro elementos: terra, gua, ar e fogo

2.6 Projetando a arquitetura como a expresso de todas as artes 2.7 A tica, a tica e a esttica da sustentabilidade 2.8 Permacultura 2.9 Estratgias especficas

2.10 Sntese das recomendaes para projetos mais sustentveis

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2.O NORTE Princpios norteadores das atividades desenvolvidas pela LECS

N

este captulo so apresentados alguns dos conceitos, princpios, diretrizes e estratgias que tm orientado a concepo e a construo de edificaes e comunidades mais sustentveis, por parte da Linha de Pesquisas em Edificaes e Comunidades Sustentveis (LECS), do Ncleo Orientado para a

Inovao da Edificao (NORIE).

2.1 O conceito de sustentabilidadeA preocupao com a extenso dos danos causados pelo homem, com a sua reparao, assim como com projetos de menor impacto ambiental s muito recentemente adquiriram consistncia na histria humana. Por isso mesmo, os estudos e teorias desenvolvidos, bem como as novas prticas que passaram a ser adotadas, por serem recentes, no permitem o claro entendimento de muitos dos termos freqentemente utilizados e, principalmente, o significado destes quando aplicados a intervenes urbanas e arquitetnicas. Termos como sustentabilidade e desenvolvimento sustentvel, permacultura, arquitetura sustentvel, construes sustentveis, entre outros, esto sendo utilizados, muitas vezes, sem que se tenha conhecimento preciso do que representam. Sente-se, pois, a necessidade de esclarecer o significado de alguns dessesO NORTE Princpios norteadores das atividades desenvolvidas pela LECS

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conceitos, tal como entendidos pelo NORIE, para a definio de premissas que embasam as atividades adiante descritas. Muitos dos conceitos relacionados sustentabilidade so, na verdade, bvios, j que foram, ao longo da histria do homem, a nica ou a melhor opo disponvel a orientar a maioria de suas intervenes sobre o planeta. Alguns desses conceitos dizem respeito s edificaes e s comunidades, forma de o homem construir ou modificar o seu habitat, quando busca minimizar a adio de impactos (pois impactos sempre existem) queles j ocorrentes. Algumas atitudes so simples, facilmente entendveis, e requerem apenas sensibilidade e respeito pelo planeta, pela vida, enfim, tanto de nossos semelhantes e de nossos descendentes quanto dos demais seres que conosco nele convivem. Entre tais atitudes podemos citar: a) usar com parcimnia e de modo racional todas as formas de gua; b) usar, preferencialmente, recursos energticos renovveis, buscando minimiz-los e uslos racionalmente;22

Por outro lado, existem muitas definies para sustentabilidade e desenvolvimento sustentvel. Entre as mais singelas destacamos aquelas referidas por Gibberd (2003):Sustentabilidade viver dentro da capacidade de suporte do planeta e desenvolvimento sustentvel aquele desenvolvimento que conduz sustentabilidade.

A sustentabilidade, em toda a sua abrangncia, pode se mais bem entendida quando avaliada em suas diversas dimenses (SACHS, 1993): a) sustentabilidade social: preconiza uma civilizao com maior eqidade na distribuio de rendas e bens, reduzindo o distanciamento e as discrepncias entre as camadas sociais; b) sustentabilidade econmica: informa que a eficincia econmica deveria ser medida em termos macrossociais, e no somente por meio de critrios macroeconmicos de rentabilidade empresarial; c) sustentabilidade ecolgica: deve ser buscada mediante a racionalizao do aporte de recursos, com a limitao daqueles esgotveis ou danosos ao meio ambiente; da reduo do volume de resduos e com prticas de reciclagem; da conservao de energia; bem como atravs do empenho no desenvolvimento de pesquisas que faam uso de tecnologias ambientalmente mais adequadas e na implementao de polticas de proteo ambiental; d) sustentabilidade geogrfica ou espacial: prope uma configurao rural/urbana mais

c) reduzir o uso de materiais de construo (reduzindo, inclusive, a escala das edificaes construdas); d) entre os materiais disponveis, selecionar aqueles menos impactantes, tanto ao homem como ao ambiente; e e) quando construir, buscar maximizar a durabilidade da edificao, assim como, nas novas construes, fazer uso de materiais j usados anteriormente e minimizar perdas.

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equilibrada, com a reduo de concentraes urbanas e das atividades econmicas; considera, tambm, a proteo de ecossistemas frgeis, a criao de reservas para a proteo da biodiversidade e a prtica da agricultura e da agrossilvicultura com tcnicas regenerativas e em escalas menores; e e) sustentabilidade cultural: encontra-se associada valorizao das razes endgenas, admitindo solues que contemplem as especificidades locais do ecossistema, de forma que as transformaes estejam em sintonia com um contexto que permita a continuidade cultural. No projeto do Centro Experimental de Tecnologias Habitacionais Sustentveis (CETHS), a equipe de projeto do NORIE procurou desenvolver diretrizes que incorporassem as cinco dimenses da sustentabilidade de Sachs na produo das habitaes de baixo custo para o municpio de Nova Hartz. Com isso, pretendia-se propor solues saudveis e confortveis de habitaes, a um preo acessvel e com um impacto ambiental minimizado (SATTLER, 1998). As dimenses de Sachs foram traduzidas nas diretrizes a seguir. A sustentabilidade social foi buscada mediante habitaes que proporcionassem qualidade de vida, oferecendo s populaes de baixa renda a possibilidade de viver dignamente. A reduzida disponibilidade de recursos para as construes foi considerada.Todavia, o objetivo do projeto foi o de produo de habitaes que oferecessem saudabilidade e um patamar mnimo de bem-estar ao morador, bus-

cando compatibilizar nveis adequados de segurana estrutural e durabilidade, com economia e habitabilidade, e no apenas a produo de habitaes com o menor custo inicial possvel. A sustentabilidade econmica do processo de produo das edificaes foi projetada para um horizonte temporal, no limitada apenas sua construo, mas relacionada a iniciativas que, ao mesmo tempo em que buscassem a reduo dos custos, previssem, tambm, a gerao de renda no prprio local da moradia, durante e aps a sua construo. Dessa forma, as iniciativas propostas foram: a) utilizao de materiais encontrveis na regio, para reduzir custos de transporte e propiciar o emprego da mo-de-obra localmente disponvel, possibilitando a gerao de renda para a populao da municipalidade de Nova Hartz; b) concepo de projetos luz de princpios orientados pela racionalidade da coordenao modular (mas sem a substituio insensvel do homem pela mquina, que reduz empregos e gera problemas sociais), de modo a possibilitar a adoo de sistemas de construo otimizados e a diminuio de perdas de material; e c) utilizao da mo-de-obra dos futuros moradores, que seriam beneficiados com a aprendizagem de um ofcio e que, alm disso, tenderiam a ficar mais comprometidos com o projeto, contribuindo, assim, para o xito social do empreendimento. Pretendia-se buscar a sustentabilidade ecolgica das habitaes por meio da:O NORTE Princpios norteadores das atividades desenvolvidas pela LECS

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a) escolha responsvel dos materiais e sistemas construtivos, considerando os impactos relacionados a essas escolhas; b) otimizao do desempenho energtico, na fase de uso da edificao, principalmente atravs do uso de sistemas passivos de condicionamento ambiental e do aproveitamento de formas de energia naturalmente disponveis e limpas; e c) escolha do tipo de implantao, a adequao ao lugar, considerando a topografia e os ecossistemas existentes no local, devendo a edificao resultar integrada a estes. A sustentabilidade espacial foi definida pelo tipo arquitetnico proposto, que deveria apresentar as seguintes caractersticas: a) compacidade, j que a rea dos lotes era limitada e assim uma maior rea deles poderia ficar liberada para a produo de alimentos; b) flexibilidade, o que permitiria uma maior adequao s necessidades funcionais especficas dos usurios e tenderia a determinar uma maior diversidade na composio do ambiente urbano; e c) formalidade das propostas arquitetnicas, de modo a no gerar conflitos entre os moradores, o que poderia contribuir para uma fragmentao do carter comunitrio. A sustentabilidade cultural deveria ser buscada atravs de duas formas:

a) pela identificao dos elementos da edificao que integrassem a memria afetiva da comunidade; e b) pela identificao de espaos da edificao que constitussem suporte a atividades e comportamentos tpicos dessas comunidades, devendo aqueles receber maior ateno no instante do projeto.

2.2 Sobre o carter holstico, sistmico e de interdisciplinaridade orientando as atividades da LECSIndependentemente do projeto, um conjunto de princpios est sempre norteando as propostas e intervenes conduzidas. O primeiro princpio o de que toda a proposta dever apresentar um carter holstico. Esse carter buscado pela variedade, o mais ampla possvel, de enfoques adotados, de modo a contemplar um vasto leque de necessidades humanas e assim contribuir no estabelecimento de uma sensao de completo bem-estar fsico, emocional e espiritual. De forma crescente, tem-se buscado, no NORIE, incorporar e aprofundar conceitos que possam enriquecer o habitat humano, ou construdo, sem prejuzo ao habitat natural. Parte-se do pressuposto de que o conhecimento hoje disponvel, certamente singular na histria humana, o resultado do acmulo de conhecimentos, tanto da diversidade de culturas que hoje povoa o planeta como de todas as culturas passadas. A tendncia da cultura atual de rejeitar muito do que foi produzido no passado, optando-se pela continuada busca e desenvolvimento

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de novas tecnologias, sem a necessria precauo com os impactos que os novos produtos possam determinar, para o homem e para o ambiente, e valorizando, apenas, o emprego de novos conhecimentos, novos materiais, novas tecnologias, conduziu-nos ao momento presente, quando impactos de toda a natureza se acentuaram de tal maneira que colocam em risco a sobrevivncia humana. Assim, busca-se somar ao conhecimento cientfico do presente as contribuies, muitas vezes no to cientficas, herdadas de nossos antepassados, ou de outras culturas, ou at daquelas atuais que, mesmo respondendo aos anseios de determinados contingentes da populao, ainda no tenham sido comprovadas cientificamente. O nosso procedimento tem sido o da abertura a um amplo espectro de alternativas e, ento, da aplicao, anlise, teste ou monitoramento, segundo os procedimentos e tcnicas disponveis na academia, ao mesmo tempo em que observamos o modo e a extenso com que contribuem para a satisfao das necessidades fsicas, espirituais, intelectuais, sensoriais e emocionais do homem. O segundo princpio o da observncia s relaes sistmicas entre processos ou fluxos, buscando identificar similaridades com aqueles existentes na natureza, considerando esta como modelo e contexto, conforme recomendado por Lyle (1994). Na medida do possvel, busca-se agregar ao conhecimento j acumulado a riqueza dos instrumentos disponveis para a anlise de ciclos ou de relaes entre eventos e processos. A nossa poca tem se caracterizado pela compartimentao, departamentalizao, diviso das

reas de conhecimento e das atividades, buscando o seu entendimento aprofundado. Assim, desvendamos o cdigo gentico, mergulhamos nos segredos subatmicos ou da imensido do universo, mas consideramos cmodo ou conveniente ignorar as conseqncias de processos ou do uso de produtos que comprometem a nossa sobrevivncia. Na rea de construo civil, que faz uso de dezenas de milhares de produtos, so inmeros aqueles nocivos sade humana ou ao ambiente, em alguma ou vrias etapas de seu ciclo de vida. Uma rpida leitura das inmeras obras da literatura preocupada com tais questes revelar aqueles que so cancergenos, mutagnicos, disruptivos endcrinos ou os que contribuem significativamente para o aquecimento global, ou os que consomem grandes quantidades de energia em seu processo de produo ou transporte. Estimulamos, pois, os alunos a utilizar ferramentas que ampliem o foco das questes analisadas e que possibilitem identificar etapas anteriores ou subseqentes, aprofundando o tratamento de questes quantitativas (volume de recursos utilizados, a extenso dos danos e do esgotamento nas zonas de extrao, a quantidade de resduos gerados) e qualitativas (a qualidade, para o homem/ambiente, assim como a nocividade/toxicidade dos produtos gerados em cada etapa do ciclo de vida). Os dois primeiros princpios acima referidos conduzem, necessariamente, ao terceiro, que a necessidade do envolvimento de equipes interdisciplinares nas diversas etapas da elaborao de projetos ou de sua materializao. O NORIE admite, regularmente, profissionais das reas de engenharia, arquiteO NORTE Princpios norteadores das atividades desenvolvidas pela LECS

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tura e agronomia.A Linha de Edificaes e Comunidades Sustentveis tambm j contou com a colaborao de alguns bilogos.Vrios alunos das demais linhas de pesquisa do NORIE, particularmente das de Gerenciamento e de Materiais, tm se envolvido no desenvolvimento de anteprojetos ou de projetos conceituais. Os alunos de mestrado e de doutorado da LECS tm contado, freqentemente, com a co-orientao ou o apoio de professores, da UFRGS e de outras universidades, que possuem formao nas reas de agronomia, arquitetura, psicologia, engenharia mecnica, biologia, administrao, antropologia, educao, engenharia florestal, geografia e geologia, os quais tambm tm composto as suas bancas de avaliao. freqente, nas etapas iniciais de desenvolvimento de um novo projeto, realizar uma charette, que, ao longo de um, dois ou trs dias, busca discutir, conjuntamente com o cliente e com o apoio de equipes multidisciplinares, normalmente contando com vinte a trinta participantes, as diretrizes que o orientaro para solues mais sustentveis. Essa conjugao de mltiplos olhares tem enriquecido e aprofundado o significado das propostas desenvolvidas, facilitando a aplicao dos dois primeiros princpios j referidos, e tem se materializado em um conjunto j significativo de construes.

fazer as necessidades bsicas da populao, tais como alimentao, habitao, sade e educao, com vistas autonomia e que devemos posicionar o homem como o centro e fim do desenvolvimento, seu recurso mais precioso, e, portanto, buscar o emprego, a segurana e a qualidade das relaes humanas, com respeito diversidade das culturas existentes. Cabe perguntar: quo perto ou o quo longe temos ns posicionado este homem, como usurio das edificaes que projetamos, do centro e fim do desenvolvimento? Estaremos ns atendendo s suas reais necessidades? Quais seriam tais necessidades? Quem esse usurio? Quem esse homem? Ao enunciar o primeiro dos princpios orientadores das atividades da LECS, mencionamos que, dentro do princpio holstico, buscamos contribuir para a satisfao de todas as necessidades humanas. Isso quer dizer necessidades fsicas, cognitivas, sensoriais, emocionais e, sempre que possvel, tambm as necessidades espirituais do homem. No estaremos ns orientando, no mais das vezes, os nossos projetos para a satisfao de um conceito meramente esttico, freqentemente efmero, muitas vezes dissociados de nossas razes culturais, influenciados por tendncias, tambm temporais, inspirados por modelos originrios de pases mais afluentes, projetos que, normalmente, contemplam apenas o sentido da viso? Se pensarmos em termos holsticos, o homem (em sua maioria, j que uma parcela significativa da populao nasce ou vtima de acidentes que limitam o seu pleno uso) no desfruta de um conjunto de sentidos, alguns dos quais, talvez, ainda nem tenham sido adequadamente identificados como tais.

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2.3 O usurio: o fim ltimo de nossos projetosSachs (1993), quando apresenta sua proposta de princpios para o desenvolvimento equilibrado, refere que se deve buscar garantir a valorizao dos recursos especficos de cada regio, de modo a satis-

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Day (1999) refere que os rgos sensoriais nos possibilitam, fundamentalmente, saber o que importante em nosso entorno; ns experenciamos as coisas atravs dos sentidos externos: viso, olfato, paladar, som, calor, tato. Esse autor complementa:a arquitetura, no que se relaciona a projetos ambientais, a arte de nutrir estes sentidos. O que Day prope que a arquitetura satisfaa o maior nmero possvel de sentidos. Alberts (1990), projetista de uma referncia internacional de arquitetura sustentvel na Europa, a sede do Banco ING, em Amsterd, comenta que, considerando a importncia da sensao do tato, nesse projeto ele buscou identificar aqueles componentes da edificao com os quais os funcionrios do banco experimentavam um contato dirio ou freqente. Em funo das respostas do levantamento, ele projetou as mesas de trabalho e os corrimes das escadas em madeira, e os trincos das portas em bronze. O arquiteto Otvio Urquiza (2007), que concebeu e construiu uma Ecovila na cidade de Porto Alegre, projetou, para as residncias locais, um sistema de ventilao convectiva natural, no qual o ar circula atravs de um jardim de plantas aromticas, antes de ingressar nos recintos internos. Da mesma maneira, ao trabalharmos com a natureza, no poderamos, com o paisagismo, enriquecer ainda mais os projetos, estimulando o sentido da audio, agregando sons (gua, pssaros, etc.), e do paladar (com frutos comestveis, que adicionalmente podem veicular estmulos olfativos, visuais, tteis)? Mesmo o sentido de frio e calor (normalmente no identificado como um dos sentidos humanos) poderia ser estimulado me-

diante projetos habilmente elaborados para abrandar a sensao de desconforto, atravs de superfcies aquecidas ou resfriadas naturalmente. Com isso estaramos contemplando, de modo amplo, o usurio em sua dimenso sensorial. A arquitetura atual, em geral, est bem aparelhada em termos de conhecimentos e propostas para satisfazer o homem em sua dimenso fsica. Os ambientes, embora com construes muitas vezes minimizadas em sua rea, por questes de custo, atendem aos valores acordados em normas tcnicas, que levam em considerao as caractersticas fsicas das populaes, mesmo para aqueles dotados de carncias de locomoo, viso e at audio. Alberts (1990) faz referncia trindade do corpo, alma e esprito. E adiciona que a Terra tambm um ser vivo (o que nos reporta teoria de Gaia) de grande significncia espiritual; um ser no qual ns vivemos e que, em ltima instncia, hospeda temporariamente o nosso ser. Isso nos faz refletir que no apenas as nossas necessidades materiais devem ser atendidas pela arquitetura, mas tambm aquelas que dizem respeito nossa alma e esprito, aquelas que no so diretamente percebidas por nossos sentidos. Embora no seja nossa inteno aprofundar tais aspectos, at por no ser de nossa competncia, consideramos relevante destacar algumas relaes, quase que intuitivas, que transcendem percepo dos sentidos humanos, mas que, no entanto, podem ser estabelecidas com os elementos materiais, acima assinalados. Poderamos, ento, inferir a existncia de duas outras dimenses: a espiritual e a anmiO NORTE Princpios norteadores das atividades desenvolvidas pela LECS

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ca. Independentemente de nossas crenas individuais, cada ser humano deve ser respeitado nas suas. A dimenso espiritual humana no necessita ser atendida apenas em templos, locais de orao ou de reverncia aos mortos. Em maior ou menor extenso, diferentes culturas, e seus arquitetos e construtores, incorporam-na como um componente essencial em seus projetos e construes. Assim, criam ambientes propcios orao ou meditao; ambientes tranqilos ou ambientes obedecendo a determinados princpios em que so valorizadas as formas, as dimenses, o mobilirio, as cores e mesmo o posicionamento de equipamentos geradores de correntes eletromagnticas, de maior ou menor intensidade. J a dimenso anmica est relacionada alma do indivduo. aquela que busca respeitar ou estimular as emoes do indivduo, e por isso mesmo se aninha no campo da psicologia humana. Ela trata daquilo que nos deslumbra, encanta, apaixona ou, pelo contrrio, conduz a sentimentos menos desejados. Em outras palavras podemos dizer que a dimenso que fala e toca ao corao.28

diretamente relacionada quilo que aprendemos, por nosso empenho, ou que nos repassada, que herdamos de nossos pais, de nossa etnia ou da sociedade local, mesmo que passivamente. Em boa parte, embora no exclusivamente, ela poder justificar por que as necessidades de moradia so significativamente diversas, especficas, para um aborgene, para um indgena, para um cidado urbano ou rural, em cada regio de nosso planeta. do entrelaamento, da combinao de todas essas dimenses, que vo resultar as necessidades ou aspiraes especficas de cada indivduo, que o projetista dever procurar respeitar ou se habilitar para melhor atender.

2.4 O fator local: o respeito ao esprito do lugarA adequao da edificao ao lugar, a construo em harmonia com a natureza e a arquitetura bioclimtica constituem diretrizes semelhantes, que traduzem uma preocupao atual, j que a histria nos mostra que at a Revoluo Industrial tais princpios constituam a regra. A partir de ento, com a crescente acessibilidade aos combustveis fsseis, com a despreocupao com eventuais impactos ambientais ou com o seu esgotamento, e com a possibilidade de climatizao artificial dos edifcios e da gradual facilitao do transporte de materiais para a sua construo, ocorreu um crescente descaso com a harmonizao entre a edificao e o local de sua implantao. As conseqncias dessa desconsiderao so vrias: a adoo generalizada de padres arquitet-

Em vez da trindade de Alberts, anteriormente referido, poderamos pensar em uma dualidade humana: corpo e esprito. Poderamos pensar que essa dualidade, presente ao longo da vida humana, est dotada de diversos canais que permitem a comunicao com nossos semelhantes, assim como com outros seres e com a natureza em geral, que seriam os canais ou dimenses sensoriais, anmicas ou cognitivas. Por fim, a dimenso cognitiva condicionada pela nossa formao cultural ou intelectual. Est

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nicos internacionais, desvinculados da realidade climtica brasileira, regional e local, que determina um consumo expressivo de recursos energticos para a climatizao; a importao de materiais de regies distantes do stio da construo e, mesmo, de outros pases, com implicaes no consumo de energia de transporte e em emisses nocivas ao homem e ao ambiente, e na desconsiderao e desrespeito s culturas construtivas regionais; a desnecessria e excessiva modificao da paisagem, que varia desde a retirada da camada superficial frtil de solo, at expressivas movimentaes de terra, para nivelar o terreno ou criar patamares para a implantao de edificaes e vias. Um exemplo que ilustra os extremos que podem ser praticados foi a terraplanagem para o Conjunto Habitacional Santa Etelvina, pela COHAB/ SP, em 1983, onde, para a implantao de 40.000 unidades habitacionais, foi realizada uma movimentao de terra equivalente a 21% daquela que resultou na implantao da usina de Itaipu Binacional, em Foz do Iguau. Mas poderamos nos perguntar se, em paralelo com a preocupao com a adequao da edificao s caractersticas fsicas do stio, no haveria a necessidade de sua harmonizao com o esprito do lugar. Um primeiro questionamento pertinente seria sobre o que seria esse esprito do lugar. Ns entendemos que, da mesma maneira como percebemos de forma diversa, atravs dos diferentes canais de comunicao com o ambiente (cognitivos, sensoriais ou anmicos), uma atmosfera, uma sensao peculiar ao ingressarmos em uma priso, em um hospital ou em uma catedral, tambm a nossa

percepo diferenciada quando nos colocamos em contato com ambientes naturais diferenciados. Essa percepo pode ser afetada pelo grau de interveno humana, que pode fazer com que o lugar se torne mais agradvel, embora muito mais freqentemente resultando em uma perda de qualidade. Como diz Day (1999), em seu livro Architecture as a Healing Art, s vezes difcil imaginar que um lugar possa ser to atrativo e inevitvel sem os edifcios. O mesmo autor entende que[...] o esprito de um lugar o sentimento intangvel composto por muitas coisas que ele transfere. Ele pode, por exemplo, transmitir a sensao de sono, cheirar a conferas, ser amigvel, ventilado, quieto, suas ruas e caminhos no apressando, mas curvando-se levemente, de tal modo que sempre apresentam novidades, cada vez que voc passa por eles. Sobre esta composio de experincias sensoriais, reforadas por associaes histricas, ns comeamos a sentir que existe algo especial com relao a este local, nico, vivo, e evolutivo, mas que resiste a pequenas mudanas. Eu chamo a isto de esprito do lugar. 29

Nas Figuras 1 a 3 buscamos identificar alguns ambientes, todos agradveis em nosso entender, onde o grau de interveno humana decresce, da primeira figura para a ltima. A nossa percepo a de que os trs ambientes despertam um sentimento que gostaramos que permanecesse imutvel, ansiando para que fosse preservado o seu esprito do lugar.O NORTE Princpios norteadores das atividades desenvolvidas pela LECS

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Figura 1 A edificao agregando qualidade ao esprito do lugar

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Cada construo, pois, modifica o esprito do lugar. Deveramos nos perguntar, como projetistas, se essa modificao ser positiva ou negativa, em face do projeto proposto. Entendemos que, quando intervimos no ambiente natural, devemos buscar identificar esse esprito do lugar e construir em harmonia com ele. Assim, tambm, sempre deveramos consultar os nossos clientes sobre o tipo de sensao que eles gostariam que a construo lhes transferisse.

2.5 Projetando com os quatro elementos: terra, gua, ar e fogoFigura 2 Ambiente natural, com interveno humana branda. Foto: Christiane Carbonell, 2000

Os quatro elementos da natureza gua, ar, terra e fogo , integrados linguagem de nossos ancestrais, tambm podem ser entendidos como outra forma de referir os requisitos essenciais para o suporte vida mais ameaados em nossa sociedade: a gua que bebemos, o ar que respiramos, o solo que aninha os produtos que nos alimentam e a energia, essencial para a vida, que perpassa os demais elementos. Segundo Vale e Vale (1991),para nossos ancestrais, toda a matria era composta dos quatro elementos de terra, gua, fogo e ar, em propores variadas. Hoje se sabe ser a composio da matria muito mais complexa, mas os quatro elementos ainda proporcionam uma forma til de se enxergar o modo como as edificaes interagem com o planeta. As edificaes so construdas de materiais tomados da terra, elas so servidas por terra e fogo e elas interagem com o ar, gua,fogo e terra, dos quais os seus ocupantes dependem para sua sobrevivncia.O NORTE Princpios norteadores das atividades desenvolvidas pela LECS

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Figura 3 Ambiente natural intocado

O conceito dos quatro elementos tem contribudo para o lanamento de propostas arquitetnicas e paisagsticas mais sustentveis no NORIE. Por um lado, os elementos remetem a significados que enriquecem os projetos e permitem entender as relaes harmnicas da natureza, onde cada elemento fundamental para a sustentabilidade da vida, e sugerem como o homem, e os produtos por ele desenvolvidos, poderia se integrar a essa harmonia. Cada elemento traz um significado prprio, que aplicado aos diferentes usos e ocupaes dos locais de interveno. Um elemento requer a presena balanceada dos demais, para que se possa alcanar o conceito de um todo unificado e harmnico, em semelhana natureza, que serve de modelo, inspirando as decises de projeto. Entendemos que isso tambm signifique projetar com a natureza.

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Assim, ao pensar no elemento TERRA, estamos pensando, fundamentalmente, nos materiais de construo,nos componentes e sistemas construtivos.Buscaremos analisar o seu ciclo de vida, compreendendo as diferentes fases de seu processo de produo (extrao, transporte, industrializao ou manufatura, aplicao, desmonte ou descarte), nas possibilidades de seu reso ou reciclagem. Ainda avaliaremos a sua toxicidade, as emisses de dixido de carbono e outros impactos associados sua extrao, produo e transporte. Mas tambm poderemos pensar na terra sobre a qual a edificao se assenta: na topografia, nas suas condies de suporte de cargas, na sua composio, quando pretendemos utiliz-la como material de construo (Figura 4). Ademais, poderemos avaliar a sua fertilidade e potencial de produo de alimentos e outras plantas, em hortas e jardins. A terra tambm poder nos fornecer a biomassa, que poder gerar a energia que aquecer os ambientes internos ou que ser usada para preparar as nossas refeies.Tambm atravs da terra poderemos ter acesso energia geotrmica, com o uso adequado de tubos enterrados, e a terra nos auxiliar a armazenar energia, atravs de sua capacidade trmica. Ao pensar no elemento GUA, estamos nos lembrando de avaliar o regime pluviomtrico e a disponibilidade de gua local, assim como a qualidade da gua localmente disponvel, para diferentes fins. Estudamos a possibilidade de captao e armazenamento da gua da chuva, das guas superficiais ou das guas de profundidade.As diversas possibilidades de reso das guas residurias, depois de adequadamente tratadas (avaliando as tambm diversas possibilidades de tratamento), no

Figura 4 Uma das edificaes identificadas com o elemento TERRA, presente em sua cobertura, construda para o Refgio Biolgico Bela Vista, em Foz do Iguau (Sattler et al., 2003) Foto cedida pela Central Hidreltrica de Itaipu, 2003.

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podero ser negligenciadas, assim como a possibilidade de emprego dessas guas como um recurso para fertilizao do solo, considerando os seus nutrientes e os seus elementos txicos ou patognicos. O conhecimento do terreno nos informar sobre as possibilidades de uso da gua, em microquedas de gua, assim contribuindo na gerao de energia (Figura 5).

tencial para a gerao de energia. O elemento FOGO pode nos lembrar sobre os ganhos e perdas de calor, determinantes do desempenho trmico da edificao. A sua intensidade orientar a busca da otimizao da disposio da edificao sobre o terreno e das cores das superfcies expostas das edificaes, da sua proteo por vegetao arbrea, coberturas ou peles verdes.A iluminao natural, conduzindo a radiao luminosa oriunda do Sol, criar ambientes saudveis e agradveis. A sua intensidade poder ser estendida pela implantao de prateleiras de luz, ou controlada por brises e outras formas de proteo solar, e informar sobre o potencial e a viabilidade de uso de coletores fotovoltaicos ou daqueles destinados ao aquecimento de gua. Por outro lado, alm dessas manifestaes visveis, prticas, identificadas por nosso intelecto ou percebidas por nossos sentidos, existem outras formas atravs das quais os elementos nos informam sobre a qualidade inerente s nossas edificaes e cuja comunicao feita atravs dos canais anmicos, falando-nos diretamente ao corao. Ento pensar os elementos, dessa maneira, faz-nos criar associaes claras com os sentimentos que cada um dos elementos veicula. Assim podemos pensar a GUA como relacionada fertilidade, adaptabilidade, fonte de vida/alimento; harmonia/paz; meditao; espelho/reflexo; purificao/limpeza; alvio da tenso, etc. O AR tambm pode ser associado a vrios significados: oxignio, vida, vento, aroma, transparncia, movimento/som, renovao, leveza/elevao e suavidade.O NORTE Princpios norteadores das atividades desenvolvidas pela LECS

Figura 5 Proposta de projeto para o Portinho, no Refgio Biolgico Bela Vista, do complexo de Itaipu Binacional, identificado com o elemento GUA (Sattler et al., 2003)

Na avaliao do elemento AR, buscamos identificar a sua pureza e sobre como evitar os poluentes internos e externos, emitidos pelos materiais, em seu processo de produo, ou ao serem aplicados, ou em seu uso, que possam emitir compostos orgnicos volteis txicos e o comprometimento da sade humana ou da de outros seres. Avaliamos a possibilidade de ventilao cruzada, como um recurso de condicionamento trmico natural. Em todos os casos, os dados climticos locais nos possibilitaro conhecer a velocidade dos ventos, para fins de dimensionamento da envolvente da edificao, assim como o seu po-

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o: buscar propiciar a todos os seres nveis timos, sem falta, nem excesso. Assim minimizaremos o uso suprfluo e os conseqentes resduos. Ademais, dentro da viso sistmica, veremos que os resduos (em quantidades no txicas) podero alimentar outras cadeias vivas, na forma de recursos.

2.6 Projetando a arquitetura como a expresso de todas as artesFigura 6 Uma interpretao artstica dos quatro elementos e da vida que neles se apia e por eles sustentada Fonte: Grupo de participantes da charrette realizada para o desenvolvimento do Projeto Conceitual para o Refgio Biolgico Bela Vista, 2000

Entendemos que toda obra de arquitetura deve explorar, ao mximo, o seu potencial de, ao ser materializada, constituir a expresso de todas as artes. Concordamos, pois, com Alberts (1990), que diz:Msica, poesia, literatura, dana, pintura, escultura e arquitetura: esta foi a forma com que o pensar humano dividiu a arte. [...] O esprito de sntese agora ganha novo impulso em nosso planeta e ns estamos tentando neste redespertar para as diferentes formas de expresso artstica combin-las novamente. No criando uma plida mediocridade de todas as artes, mas criando uma nova coeso das artes, onde cada uma delas retm a sua individualidade.

O elemento TERRA identificado com estabilidade, segurana, firmeza, e associado com significados como solidez, lar/me, planeta, vida, alimento/ agricultura, riqueza, paisagem, suporte e origem. Finalmente, o FOGO se relaciona com tudo o que pleno, brilhante, quente, assim como associado a significados como calor, paixo, corao, vibrao, luz, vida, transformao, energia, ao, exploso, criao e propagao.34

Assim podemos dizer que os quatro elementos devem ser includos nos projetos, considerando-se os princpios holstico e sistmico. Um exerccio sempre til considerar, em cada projeto, os fluxos de materiais, em suas distintas manifestaes (terra, ar e gua) e energia (fogo). Em composies variadas, os quatro elementos integram as edificaes e circulam diariamente atravs delas. Cabe a ns observar os fluxos da natureza, para que nos sirvam de modelo, de modo a racionalizar o seu emprego e a sua circula-

Apesar de sua simplicidade, a Figura 7 ilustra o que foi almejado para o Prottipo Casa Alvorada. Comparada s construes usualmente construdas no pas, buscando constituir um lar para populaes carentes, o prottipo tenta estabelecer um novo paradigma, cuja meta no apenas oferecer um teto que substitua o leito da rua ou o abrigo de uma ponte, mas oferecer uma casa que resgate a dignidade do ser humano: que seja funcional, confortvel, com avanos significativos de sustentabilidade, de baixo custo e bonita.

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cam embelezar at o que est por baixo dos ps dos moradores. Bem integrada natureza, cercada por vegetao, ela atrai pssaros e insetos, que trazem a msica da natureza para os ouvidos cansados do trabalhador. Quando integrada aos caminhos sinuosos que caracterizam o conjunto habitacional do CETHS, o acesso a ela faz com que o usurio parea praticar singelos passos de dana...

2.7 A tica, a tica e a esttica da sustentabilidade vital, portanto, que, conscientes do que estamos gerando e deixando como herana para os nossos descendentes, reflitamos e busquemos novas alternativas. Entendemos que, na rea da construo civil, tais alternativas devam ser buscadas segundo uma nova tica, alinhada com uma tica, seguindo a esttica da sustentabilidade. Conforme Sattler (2003), somos informados sobre essa tica da sustentabilidade, sobre esse novo olhar para o homem, seu habitat e seus sistemas de suporte, atravs de um grande nmero de documentos, como o Nosso Futuro Comum, o Relatrio Bruntland, a Agenda 21, e de um nmero muito maior de contribuies escritas, inclusive as especficas construo civil, publicados nos mais diversos pases. Seguiremos os princpios ticos da sustentabilidade, quando os nossos projetos e as nossas aes levarem em considerao, como referem McDonough e Braungart (2002),todas as crianas, de todas as espcies, para todo o tempo. Orientaremos os nossos projetos segundo a esttica da sustentabilidade, quando eles expressarem, fisicamente, essa tica e essa tica, pois, como referido por ColomboO NORTE Princpios norteadores das atividades desenvolvidas pela LECS

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Figura 7 O prottipo Casa Alvorada, no Campus da UFRGS

Ela busca constituir algo como uma escultura (talhada conjuntamente por muitas mos, dos mais de 30 alunos da LECS/NORIE que participaram de seu projeto, e de quase outros tantos que participaram de sua construo). O piso de sua varanda conjuga peas cermicas definindo desenhos que bus-

(2004),a esttica de uma dada construo no inclui apenas a beleza plstica, mas a qualidade das suas caractersticas em prol da qualidade de vida individual e coletiva, presente e futura.

no. Isso implica atividades inofensivas e reabilitantes, conservao ativa, uso de recursos de forma tica e comedida, e um estilo de vida correto (trabalhando para criar sistemas teis e benficos); b) cuidado com as pessoas, orientando sobre como suprir as necessidades bsicas de alimentao, abrigo, educao, trabalho para as pessoas, assim como sobre construir contatos humanos mais saudveis. Tais cuidados so importantes porque, mesmo que as pessoas constituam apenas uma pequena frao da totalidade dos sistemas vivos do planeta, o impacto que elas causam significativo e perdura por longos perodos; e c) cuidado com a distribuio dos excedentes, que representa o investimento de tempo, dinheiro e energia para alcanar os objetivos de cuidado com a Terra e de cuidado com as pessoas. Isso significa que, aps termos suprido nossas necessidades bsicas e projetado nossos sistemas, de forma otimizada, dentro dos limites possveis, poderemos utilizar nossas energias para auxiliar a outros no alcance desses objetivos. Princpios da permacultura Existem alguns princpios inerentes a qualquer projeto permacultural, em qualquer clima e escala. Eles so derivados dos princpios de vrias disciplinas: ecologia, conservao de energia, paisagismo e cincia ambiental. Resumidamente so: a) localizao relativa: cada elemento (casa, au-

2.8 PermaculturaA permacultura um conjunto de conceitos e propostas que busca a criao de ambientes humanos sustentveis. uma contrao das palavras permanente e agricultura ou permanente e cultura. A permacultura foi criada no final dos anos 1970 por Bill Mollison e David Holmgren, na Austrlia, e no trata somente dos elementos de um sistema, mas, principalmente, dos relacionamentos que podemos criar entre eles, por meio da forma com que os colocamos no terreno. O objetivo a criao de sistemas, que, sendo ecologicamente corretos e economicamente viveis, se retroalimentem, no explorando ou poluindo, sendo sustentveis no longo prazo. Para tanto, a permacultura busca reproduzir os modelos da natureza, criando ecossistemas cultivados, a partir da observao/reflexo/design, estabelecendo um processo cclico, em que, aps o design, h uma nova observao, uma nova reflexo e, ento, se necessrio, o redesenho. tica da permacultura A permacultura possui uma tica que se apia em trs pilares: a) cuidado com a Terra, que nos orienta sobre como cuidar de todas as coisas, vivas ou

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des, estradas, etc.) posicionado em relao ao outro, de forma a se auxiliarem mutuamente; b) cada elemento executa muitas funes: cada elemento no sistema dever ser escolhido e posicionado de forma a desempenhar o maior nmero possvel de funes; c) cada funo importante apoiada por muitos elementos: sempre se busca suprir necessidades bsicas como gua, alimentao, energia e proteo contra o fogo, atravs de duas ou mais formas; d) planejamento eficiente do emprego de energia: isso possibilitado pelo posicionamento de plantas, reas para animais e estruturas, de acordo com zonas (energias internas) e setores (energias externas). O planejamento por zonas trata do posicionamento dos elementos, de acordo com a freqncia com que os utilizamos ou com a necessidade de visit-los (reas que precisam ser visitadas todos os dias so localizadas mais prximo, enquanto locais visitados menos freqentemente so posicionados mais distante). Os setores esto associados s energias que requerem a nossa ao para melhor controllos: os elementos do sol, luz, vento, chuva, fogo e fluxos de gua, que tm sua origem fora do sistema e por ele transitam; e) uso preferencial de recursos biolgicos, em vez de combustveis fsseis; f) reciclagem local de resduos; g) policulturas e diversidade de espcies;

h) emprego de bordas e padres naturais; e i) conscincia de que no existem problemas, mas oportunidades. A proposta da permacultura contempla uma relao de harmonia produtiva com a natureza, de forma que todas as atividades antrpicas sejam desempenhadas sob uma tica conservacionista. O prprio termo permacultura, ao resultar da conjuno das palavras permanente e cultura, implica o estabelecimento de concepes que se baseiem em uma relao mais duradoura e equilibrada com o meio socioambiental. A formulao dos princpios da permacultura devida a Bill Mollison, um bilogo da Tasmnia que afirmava que a cooperao, e no a competio, a verdadeira base da vida no planeta. Exemplos das propostas de permacultura tm ocorrido nos chamados Projetos Ecolgicos, alguns deles concebidos a partir de um trip de consideraes: Paisagismo Produtivo, Edificaes Autnomas e Infra-estrutura Ecolgica. Com o Paisagismo Produtivo, busca-se, alm dos usos convencionalmente estabelecidos para o paisagismo, a produo de alimentos isentos de produtos txicos. Com as Edificaes Autnomas, visa-se assegurar, naturalmente, o conforto trmico e ambiental, reduzindo ou eliminando o uso de sistemas artificiais de ventilao, arrefecimento e aquecimento. Atravs da Infra-estrutura Ecolgica, almeja-se uma maior independncia energtica, fazendo uso de energia elica ou solar, alm do aproveitamento das guas pluviais e do reso de guas residurias. O objetivo captar os fluxos energticos naturais doO NORTE Princpios norteadores das atividades desenvolvidas pela LECS

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sol, do vento, da gua e dos nutrientes, que constituem a matria biolgica, criando ciclos produtivos no sistema e evitando a ocorrncia de efeitos nocivos.

a) isolamento trmico, para manter ou excluir o calor, quando necessrio; b) superfcies transparentes, para permitir a entrada da radiao solar, quando necessrio; c) massa trmica, para armazenar calor e liber-lo, quando necessrio; d) elementos de sombreamento, para bloquear a entrada de radiao solar pelas superfcies transparentes; e) aberturas, para direcionar e controlar os fluxos de ar. Para conferir nveis de isolamento trmico adequado realidade climtica local, proposta a utilizao de: a) cobertura vegetal, que, atravs de uma camada de solo com vegetao, soma os efeitos de um significativo isolamento trmico com os de resfriamento evaporativo, evitando a ocorrncia de variaes significativas na temperatura da cobertura; b) cobertura, com suas superfcies de maior rea, voltada para a orientao sul, quando em latitudes intertropicais, ao sul do Equador, de modo a diminuir a densidade da radiao solar incidente; e c) chapas metlicas recicladas incorporadas estrutura do telhado, para desempenhar o papel de barreira radiao trmica incorporando mais uma camada de ar (isolante) entre o telhado e o forro, o que reduz significativamente a transmisso de calor atravs da cobertura.

2.9 Estratgias especficasParalelamente aos princpios gerais e da diretriz da sustentabilidade, algumas estratgias especficas em relao ao conforto ambiental, ao aproveitamento e ao reso de recursos orientam quanto escolha dos materiais e sistemas construtivos e quanto aos aspectos econmicos e sociais. a) Estratgias para o conforto ambiental O conforto ambiental um fator que promove a qualidade da edificao e a conseqente qualidade de vida do usurio. Sendo assim, o projeto de edificaes deve buscar satisfazer s necessidades bsicas dos usurios no que concerne ao conforto trmico, lumnico e acstico, que integram o escopo do conforto ambiental. Segundo Lyle (1994), a edificao uma mediadora entre o Sol e a Terra.Assim, deve-se projetar uma edificao de forma a controlar o fluxo de energia (calor), para obter conforto trmico no seu interior