gustavo miguez de mello o totalitarismo e o princípio da subsidiariedade

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Page 1: Gustavo Miguez De Mello   O Totalitarismo E  O PrincíPio Da Subsidiariedade

O TOTALITARISMO E O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADEGustavo Miguez de Mello

Existe uma tendência governamental de ampliar os poderes do Governo Federal em diversas matérias e, reduzindo em contra partida, as atribuições de entidades de âmbito menor, como seja os estados, os municípios, os sindicados que independente do governo, as famílias e as pessoas individualmente consideradas. Esta tendência está refletida o Decreto nº 7.037, de 21/12/2009 e no seu anexo.

Caso esta tendência se confirme, estaremos em presença de um estado totalitário, ou melhor, de uma entidade pública que tende absorver a totalidade das funções que competem de âmbito menores.

Existe uma razoável percepção da sociedade brasileira no que concerne ao combate a ditadura. Nesta, uma pessoa concentra poderes deveriam ser exercidos por diversas outras pessoas e órgãos públicos ou outras sociedades. Há concentração de poderes. Infelizmente, não há semelhante percepção no que concerne à malignidade ainda maior do poder concentrado de forma totalitária.

No tempo em que os generais governavam o Pais, mas precisamente há 17/01/1969, foi praticado (com base no ato institucional, nº 5, de 13/12/1968) ato de violência pelo qual foi aposentado o Ministro o Supremo Tribunal Federal Victor Nunes Leal que lá exerceu a magistratura de forma bastante relevante de 1960 a 1969.

Victor Nunes passou a exercer advocacia, fundou escritórios em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte e ganhou muito mais dinheiro do que se estivesse permanecido como Ministro até alcançar 70 anos, o que teria ocorrido em novembro de 1984 quando teria sido compulsoriamente aposentado (ele veio a falecer em maio de 1985).

Ora, se o muito saudoso ex magistrado fosse cidadão de um pais tipicamente totalitário, como a União Soviética era em 1969 e o governo daquele pais tivesse se incompatibilizado com ele, teria Victor Nunes ficado impossibilitado de trabalhar com boa remuneração pois o governo central soviético era, na prática, o único empregador.

A pessoa humana, ser racional e livre, tem uma dignidade específica. Esta dignidade decorre também de ser um homem criado imagem e semelhança de Deus, estando a pessoa humana ordenada a Deus1. O estado totalitário a tem pretensão de formar (no sentido filosófico de dar a forma) ao individuo humano. O estado devidamente constituído respeita e é concebido a partir do conceito de pessoa.

Para o exercício da verdadeira liberdade deve ser respeitado o princípio de subsidiariedade para evitar que tenhamos uma supersociedade de subhomens no dizer de Gustavo Corção.

Passemos a analisar o princípio de subsidiariedade.

As sociedades maiores devem realizar aquelas funções que não possam ser desempenhadas pelas de menor amplitude e não absorver as funções destas, a não ser em situações excepcionais o justifique. Aquelas tem o dever de atender as necessidades destas e ajudá-las no cumprimento de suas obrigações2.

Procuremos as conceituações mais precisas do princípio de subsidiariedade. O Papa Pio XI na Encíclica Quadragesimo

Anno (nº 79) diz :

1 Ver Catecismo Igreja Católica, nº 1699 e 1715, Compêndio de Catecismo Igreja Católica nº358. 2 Ver Martinell Gifré – Gran Enciclopedia Rialip – Ediciones Rialp – GER, Madri, 1987 – Tomo 21, verbete subsidiariedad , principio de – p. 707.

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“Verdade é, que a história o demonstra, exaustivamente, que, devida à mudança de condições, só as grandes sociedades podem hoje levar a efeito o que antes podiam até mesmo as pequenas; permanece, contudo, imutável aquele solene princípio da filosofia social: assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com sua própria iniciativa e capacidade, para o confiar a coletividade, do mesmo modo passar para uma sociedade maior e mais elevada que sociedades menores e inferiores poderiam conseguir é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros, não destruí-los e nem absorvê-los”.

Este entendimento é reafirmado por João XXIII que transcreve quase integralmente o texto de Pio XI acima transcrito (Encíclica Mater et Magistra, nº 50).

É de grande relevância lembrar a firmeza com que os referidos pontífices repelem o totalitarismo, utilizando-se ou invocando expressões como “injustiça, uma grave dano e perturbação da boa ordem social” e concluindo que. “o fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros, não destruí-los e nem absorvê-los”.

Santo Tomaz de Aquino, comentando Aristóteles, afirma que a exagerada unificação e uniformidade ameaça a existência da sociedade composta de muitas estruturas, exatamente como ocorrem quando ao desaparecerem a sinfonia e a

harmonia de vozes quando todas cantam no mesmo tom (Pol., II, 5)3

.

Dante já dizia, com muita propriedade, em sua obra Monarquia (I, 14) que de modo algum, deve o imperador decidir "todos os assuntos pequenos de cada cidade", pois "as nações, reinos e cidades têm características diferentes, que

tem de ser levadas em consideração em leis especiais4

”.

Ensina João XXIII:

“ Aliás, até a evolução histórica põe em evidência, cada vez maior, o fato de se não poder conseguir uma convivência ordenada e fecunda sem a colaboração, no campo econômico ao mesmo tempo de cidadãos e dos poderes públicos; colaboração simultânea, realizada harmonicamente, em proporções correspondentes às exigências do bem comum no meio das situações variáveis e das vicissitudes humanas” ( Encíclica Mater et Magistra, nº 53).

A orientação pontifícia sobre a matéria é, portanto, a de que cabe o estado fomentar, estimular, regular, suplementar subsidiariamente a ação das sociedades menores, o que parece claríssimo em João XXIII5

.

O princípio ora analisado, em sua aplicação, tem dois aspectos:

“a) O aspecto negativo do princípio da subsidiariedade se manifesta no empenho que deve ter a entidade superior em não abusar de seu poder ante a mais débil. Este abuso atenta contra os princípios morais e a natureza das coisas; ainda que possa parecer eficiente a curto prazo, acabaria sendo contra producente no plano social, cultural e econômico...................................................................................................b) O aspecto positivo - como é lógico - é mais rico que o negativo. A pessoa e dos grupos sociais têm alguns direitos inalienáveis que o Estado não só deve defender, como deve cultivá-los, fazendo aumentar a capacidade dos indivíduos para exercê-los. G. Lobo (Pessoa, Família, Sociedade, Madrid, 1973) assim relaciona estes direitos: à própria existência,

ao desenvolvimento da própria personalidade, religiosos, familiares, econômico e sociopolítico”6

.

A Igreja reafirmou recentemente o princípio da subsidiariedade nos nºs 1881, 1882, 1883, 1885, 1892, 1893 e 1894 do Catecismo da Igreja Católica e nos nºs 402 e 403 do Compêndio do Catecismo da Igreja Católica.

F. Martinell Grifé, no seu excelente estudo sobre a matéria7, Ketteler, Kettelers Schriften, nº I, 403 e II, 162 Leão XXXIII, Encíclica Rerum Novarum nºs 9 e 10, Pio XI Divini Illius Magistri, nº 36, Concílio Vaticano II Gravíssimum Educationes, nº 3, Intermerifica, nº 12 e Gaudium et Spes, nº 75.

Devem-se a F. Martinell Grifé as seguintes observações a propósito da bibliografia sobre princípio de subsidiariedade: “Uma fonte de documentação útil é J. L. Gutiérrez Garcia, La Concepcion Cristina Del Orden Social, Madrid, 1972. Estudos gerais: N J. Höffner, Doutrina Social Cristiana, Madrid, 1964; A. Millán Puelles, Persona Humana y Justicia Social, 2 ed. Madrid, 1973; e também Economia y Libertad, Madrid, 1974. Um estudo especializado, que contempla a fundo o princípio da subsidiariedade na vida da Igreja é o. de Portilllo, Fieles y Laicos em la Iglesia, Pamplona, 1969;

3 Apud Autor citado na nota 2, obra e verbete citados, p.708.4 Nossa tradução para português da versão espanhola do Autor citado na nota 2, obra e verbete citados na nota 2, p.708. 5 Este entendimento é afirmado por Martinell Gifré, com apoio em pronunciamento do referido Papa ( obra e verbetes citados p.708).6 Autor citado na nota 2, obra e verbetes citados p.709.7 Autor citado na nota 2obra e verbete citados p. 708 e 709.

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outro, que o contempla o referido princípio no panorama da vida política e econômica, é o de M. Navarro Rubio, El Vacio Político, Barcelona 1973”.

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