a subsidiariedade das parcerias público-privadas

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Rua Doutor Cândido Espinheira, 560 | 3º andar | CEP 05004 000 | São Paulo – SP – Brasil | O CARÁTER SUBSIDIÁRIO DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS 1 RAFAEL VALIM Mestre e Doutorando em Direito Administrativo pela PUC-SP. Professor do Curso de Especialização em Direito Administrativo da PUC-SP. Professor do Mestrado em Direito Administrativo da Economia da Universidade Nacional de Cuyo – Mendoza/Argentina. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura – IBEJI. Secretário da Comissão Especial de Direito da Infraestrutura do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB. Diretor da Revista Brasileira de Infraestrutura - RBINF. Advogado. GUSTAVO MARINHO DE CARVALHO Mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP. Diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura – IBEJI. Membro da Comissão de Direito Administrativo do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB. Membro do Conselho de Redação da Revista Brasileira de Infraestrutura - RBINF. Advogado. 1 Este artigo integra a obra coletiva “Parcerias Público-Privadas: teoria geral e aplicação nos setores de infraestrutura”, coordenada pelos Professores Rafael Valim, Augusto Neves Dal Pozzo, Bruno Aurélio e André Luiz Freire” (no prelo).

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Rafael Valim e Gustavo Marinho de Carvalho

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Rua Doutor Cândido Espinheira, 560 | 3º andar | CEP 05004 000 | São Paulo – SP – Brasil | Tel 55 (11) 3107.4969 www.marinhoevalim.com.br

O CARÁTER SUBSIDIÁRIO DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS1

RAFAEL VALIM Mestre e Doutorando em Direito Administrativo pela PUC-SP. Professor do Curso de

Especialização em Direito Administrativo da PUC-SP. Professor do Mestrado em Direito

Administrativo da Economia da Universidade Nacional de Cuyo – Mendoza/Argentina.

Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura – IBEJI.

Secretário da Comissão Especial de Direito da Infraestrutura do Conselho Federal da

Ordem dos Advogados do Brasil - OAB. Diretor da Revista Brasileira de Infraestrutura -

RBINF. Advogado.

GUSTAVO MARINHO DE CARVALHO Mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP. Diretor do Instituto Brasileiro de Estudos

Jurídicos da Infraestrutura – IBEJI. Membro da Comissão de Direito Administrativo do

Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB. Membro do Conselho de

Redação da Revista Brasileira de Infraestrutura - RBINF. Advogado.

1 Este artigo integra a obra coletiva “Parcerias Público-Privadas: teoria geral e aplicação nos setores de infraestrutura”, coordenada pelos Professores Rafael Valim, Augusto Neves Dal Pozzo, Bruno Aurélio e André Luiz Freire” (no prelo).

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I. INTRODUÇÃO

1. Transcorridos dez anos desde a promulgação da Lei nº 11.079/04, assiste-

se a uma generalizada assimilação das Parceiras Público-Privadas no discurso

político nacional. Da reticência e desconfiança iniciais, passou-se a uma simpatia

desassombrada com este modelo de contratação, como se ele constituísse uma

panaceia para todos os males que acometem há séculos a gestão pública

brasileira.

2. É nesse preocupante contexto que se insere o presente trabalho. Procurar-

se-á lançar luz sobre o cabimento das Parcerias Público-Privadas, um tema que a

doutrina brasileira, lamentavelmente, ora omite, ora aborda com injustificada

timidez.

II. A REMUNERAÇÃO E AS GARANTIAS NAS CONCESSÕES COMUNS E DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS

3. No ordenamento jurídico brasileiro estão plasmados três modelos

concessórios, cada qual com o seu regime jurídico: (i) a concessão comum, regida

pela Lei nº 8.897/1995; (ii) a parceria público-privada na modalidade patrocinada

(concessão patrocinada), regulada pela Lei 11.079/2004; e (iii) a parceria público-

privada na modalidade administrativa (concessão administrativa), também

disciplinada pela Lei 11.079/2004.

4. Para os fins deste estudo, interessa sobremaneira a forma pela qual é

remunerado o concessionário ou parceiro privado2.

2 Sobre a diferença entre financiamento e remuneração: VALIM, Rafael. Notas sobre o financiamento e a remuneração de concessões comuns e de parcerias público-privadas. Revista Brasileira de Infraestrutura – RBINF, Belo Horizonte, ano 1, n. 1, jan./jun. 2012.

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5. Na concessão comum, o Poder Público atribui o exercício de um serviço

público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco,

remunerando-se basicamente pela tarifa paga pelos usuários ou por outra forma

de remuneração decorrente da própria exploração do serviço3. Nesta modalidade,

portanto, o Poder Público, via de regra4, não transfere qualquer quantia ao

particular, ou seja, a remuneração do concessionário se dá pela própria

exploração do serviço. Vale dizer: na concessão comum é o cidadão-usuário

quem, via de regra, remunera o concessionário e não o Poder Público.

6. A concessão patrocinada é a modalidade de parceria-público privada em

que o Poder Público transfere a execução de um serviço público (precedida ou

não de obra pública) a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, mediante

repartição de riscos e fixação de garantias pelo Poder Público, remunerando-se

pela tarifa paga pelos usuários, acrescida de contraprestação pecuniária paga

pelo parceiro público5. Neste modelo, portanto, parte da remuneração do parceiro

privado é custeada pela tarifa cobrada dos usuários e parte é desembolsada pelo

Poder Público6. Assim, diferentemente da concessão comum, parcela da

remuneração é paga pelo cidadão-contribuinte.

7. Outra modalidade de parceria público-privada é a concessão administrativa.

Nesta, a prestação de serviço, público ou não (= atividade material prestada à

Administração e que não tem as características de serviço público)7, é entregue a

3 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 31ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014, pp. 719 e 720. 4 É possível cogitar em concessões comuns subvencionadas, à luz do art. 17 da Lei nº 8.987/95 (Notas sobre o financiamento e a remuneração de concessões comuns e de parcerias público-privadas. Revista Brasileira de Infraestrutura – RBINF, Belo Horizonte, ano 1, n. 1, jan./jun. 2012, pp. 123-125). 5 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parceiras na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceira público-privada e outras formas, 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2011, pp. 146 e 147. 6 A teor do que preceitua o art. 10, § 3º, da Lei nº 11.079/04, a contraprestação pública pode responder por mais de 70% (setenta por cento) da remuneração do parceiro privado, desde haja autorização legislativa específica. 7 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. Cit., pp. 151 e 152.

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alguém que, em nome próprio, mediante repartição de riscos e fixação de

garantias, remunera-se fundamentalmente8 pela contraprestação paga pelo Poder

Público9. Tudo é pago, em última análise, pelo cidadão-contribuinte, através de

verbas orçamentárias10.

8. Sem entrar em pormenores sobre a querela doutrinária acerca da

consistência jurídica da concessão administrativa, quer nos parecer que se trata,

fundamentalmente, de um contrato de prestação de serviços a que se emprestou

um regime jurídico próprio. Na precisa lição do Professor Celso Antônio Bandeira

de Mello, “percebe-se que o que a lei visa, na verdade, por meios transversos, não

confessados, é a realizar um simples contrato de prestação de serviços — e não

uma concessão —, segundo um regime diferenciado e muito mais vantajoso para

o contratado que o regime geral dos contratos”11.

9. Da análise destes três modelos, duas constatações relevantes aos nossos

propósitos podem ser extraídas, quais sejam: (i) a concessão comum é a única em

que, via de regra, não há o dispêndio de recursos pelo Poder Público; (ii) nas duas

modalidades de parceria público-privada (patrocinada e administrativa) há,

inelutavelmente, a transferência de recursos públicos por períodos que podem

variar de 05 (cinco) a 35 (trinta e cinco) anos (art. 5º, inciso I, Lei 11.079/2004).

10. Outro elemento relevante para a análise da subsidiariedade das parcerias

público-privadas em relação às concessões comuns está ligado às garantias

prestadas ao contratado.

8 Fundamentalmente pois nada impede que o contratado obtenha recursos de fontes de receitas complementares (art. 6º, V, Lei 11.079/2004) 9 Op. cit., p. 320. 10 MARQUES NETO, Floriano Azevedo. Fundamentação e conceituação das PPPs. In: MARQUES NETO, Floriano Azevedo; SCHIRATO, Vitor Rhein (coord.). Estudos sobre a Lei das Parceiras Público-Privadas. Belo Horizonte: Fórum: 2011, p. 20. 11 Curso de Direito Administrativo, 31ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014, pp. 793 e 794. Assim também: AMARAL, Antônio Carlos Cintra do. As concessões de serviço público no Brasil. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 6, n. 65, maio 2007.

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11. Enquanto nas concessões comuns o Poder Público não presta qualquer

garantia ao contratado, nas parcerias público-privadas o Poder Público, para

mitigar os riscos de inadimplemento da contraprestação pública, oferece ao

contratado uma das modalidades previstas no art. 8º da Lei nº 11.079/04, a saber:

vinculação de receitas, observado o disposto no inciso IV do art. 167 da

Constituição Federal (inc. I); instituição ou utilização de fundos especiais previstos

em lei (inc. II); contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras

que não sejam controladas pelo Poder Público (inc. III); garantia prestada por

organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas

pelo Poder Público (inc. IV); garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa

estatal criada para essa finalidade (inc. V); outros mecanismos admitidos em lei

(inc. VI).

12. Com estas noções na retentiva, passemos ao exame do caráter subsidiário

das parcerias público-privadas no Direito brasileiro.

III. O CARÁTER SUBSIDIÁRIO DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS

13. Sabe-se que a Administração Pública, para desincumbir-se de seus

misteres, vale-se frequentemente de modalidades contratuais.

14. Ao Direito, entretanto, não é indiferente a eleição da modalidade contratual

adequada ao caso concreto. Como qualquer competência administrativa, o seu

exercício é presidido por diversos princípios jurídicos.

15. Com efeito, os princípios jurídicos, em sua função interpretativa12,

proscrevem medidas que lhe sejam contrárias e prestigiam providências no

12 VALIM, Rafael. O princípio da segurança jurídica no Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2010, pp. 38 e 39.

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sentido e direção que preconizam, operando, assim, uma redução da

discricionariedade administrativa.

16. Nesses termos, ao menos três princípios constitucionais militam,

univocamente, em favor da subsidiariedade das parcerias público-privadas em

relação às demais modalidades contratuais: o princípio democrático, o princípio da

eficiência e o princípio da proporcionalidade. Debrucemo-nos, ainda que

brevemente, sobre cada um deles.

17. É ínsita ao princípio democrático a temporariedade dos mandatos, por meio

da qual se defere ao povo a possibilidade de eleger novos governantes com

orientações políticas e administrativas distintas de seus antecessores.

18. Se fosse dado aos governantes travar livremente vínculos contratuais que

superassem o seu próprio mandato, obstar-se-ia a implantação de novas direções

políticas e administrativas sufragadas nas urnas, em absoluto contraste, portanto,

com o aludido princípio democrático.

19. Na medida em que aos Administradores Públicos é interditado comprometer

ou restringir desnecessariamente a gestão dos Governos vindouros através do

comprometimento de receitas públicas e da outorga de garantias13, resulta claro

que o princípio democrático não abona os contratos de parceira público-privadas,

ainda que observados os limites estabelecidos na Lei nº 11.079/0414.

13 PORTO NETO. Benedicto. Licitação para contratação de parceria público-privada. In: SUNFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 147. 14 Dispõe a Lei nº 11.079/04: “Art. 28. A União não poderá conceder garantia ou realizar transferência voluntária aos Estados, Distrito Federal e Municípios se a soma das despesas de caráter continuado derivadas do conjunto das parcerias já contratadas por esses entes tiver excedido, no ano anterior, a 5% (cinco por cento) da receita corrente líquida do exercício ou se as despesas anuais dos contratos vigentes nos 10 (dez) anos subsequentes excederem a 5% (cinco por cento) da receita corrente líquida projetada para os respectivos exercícios. § 1o Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que contratarem empreendimentos por intermédio de parcerias público-privadas deverão encaminhar ao Senado Federal e à Secretaria do Tesouro Nacional, previamente à contratação, as informações necessárias para cumprimento do

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20. No tocante ao princípio da eficiência, previsto no artigo 37, caput, da

Constituição Federal e entendido nos confins do princípio da legalidade15, reclama,

na lição do Professor Paulo Modesto, uma ação administrativa idônea, econômica

e satisfatória16. Pressupõe, nessa medida, a racionalidade e otimização do uso

dos meios (economicidade) e, ao mesmo tempo, a satisfatoriedade dos resultados

da Administração Pública.

21. O princípio da eficiência, sob a perspectiva da economicidade, prestigia,

naturalmente, a concessão comum, regida pela Lei nº 8.987/95 – em que não há,

via de regra, o emprego de recursos orçamentários –, em detrimento da parceira

público-privada, em que comparecem, como vimos, uma “contraprestação” do

Poder Público, além de o oferecimento de garantias em favor do parceiro

privado17.

22. O princípio da proporcionalidade, por fim, traduz, na síntese primorosa do

Professor Celso Antônio Bandeira de Mello,

previsto no caput deste artigo. § 2o Na aplicação do limite previsto no caput deste artigo, serão computadas as despesas derivadas de contratos de parceria celebrados pela administração pública direta, autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades controladas, direta ou indiretamente, pelo respectivo ente, excluídas as empresas estatais não dependentes”. 15 Curso de Direito Administrativo, 31ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 125. 16 MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Interesse Público, Belo Horizonte, v. 51, n. 2, p. 107-121, abr./jun. 2000. 17 Afirma, a propósito, Alexandre Santos de Aragão: “Na fase interna da licitação, especialmente das concessões patrocinadas, também deve ser expressamente justificada a adoção dessa modalidade em detrimento da concessão comum, que não requer verbas públicas, sob pena de violação do princípio da Economicidade (art. 70, CF). Deve-se realmente ter extremo cuidado para que empreendimentos que poderiam ser assumidos pela iniciativa privada sem ônus financeiros para o Poder Público, oportunistamente, adotem o modelo das parcerias público-privadas apenas para terem remuneração estatal e maiores garantias. Dessa maneira, há uma subsidiariedade das PPPs em relação às concessões comuns, ou seja, o princípio de que aquelas só podem ser adotadas quando essas não constituírem o meio adequado para realizar as políticas públicas visadas” (Direito dos serviços públicos, 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 668).

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a ideia – singela, aliás, conquanto frequentemente desconsiderada – de

que as competências administrativas só podem ser validamente exercidas

na extensão e intensidade correspondentes ao que seja realmente

demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que

estão atreladas. Segue-se que os atos cujos conteúdos ultrapassem o

necessário para alcançar o objetivo que justifica o uso da competência

ficam maculados de ilegitimidade, porquanto desbordam do âmbito da

competência; ou seja, superam os limites que naquele caso lhes

corresponderiam18.

23. É importante sublinhar que o princípio da proporcionalidade abrange toda e

qualquer competência administrativa, tenha ela caráter restritivo ou ampliativo da

esfera jurídica do administrado19. Impõe, destarte, uma adequação de meios e fins

e veda a adoção de providências, sejam elas de natureza restritiva ou ampliativa,

em medida superior àquela necessária ao atendimento das finalidades públicas.

24. Tendo em vista que o modelo de parceira público-privada prodigaliza

vantagens ao parceiro privado superiores aos demais regimes de contratação

pública – consistentes, sobretudo, na contraprestação pública e no respectivo

sistema de garantias –, a sua adoção, para afinar-se ao princípio da

proporcionalidade, deve estar adstrita àquelas situações que, de fato, exijam as

aludidas vantagens20. Todo excesso, também sob a ótica ampliativa de direitos,

estaria sujeito à invalidação.

18 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 31ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 113. 19 Ensina o ilustre Professor José Roberto Pimenta Oliveira: O postulado normativo aplicativo da razoabilidade e seu critério basilar da proporcionalidade foram explicitados como "princípios" na Lei nº 9.784/99 (art. 2º), deles irradiando o critério de adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público (art. 2º, parágrafo único, VI). Frise-se, no entanto, que a razoabilidade é postulado do exercício de qualquer competência administrativa, tenha caráter restritivo, tenha caráter ampliativo da situação jurídica afetada (O regime jurídico-administrativo e os princípios da finalidade e da razoabilidade. Revista da Procuradoria-Geral do Município de Belo Horizonte - RPGMBH, Belo Horizonte, ano 3, n. 6, jul./dez. 2010). 20 Sobre a necessidade de um juízo de proporcionalidade na estruturação de concessões de serviços públicos: SANTOFIMIO GAMBOA, Jaime Orlando. El contrato de concesión de servicios

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25. À vista destes princípios constitucionais, pois, deve ser interpretado o art.

10, inc. I, alínea “a” da Lei 11.079/04, cujos termos seja-nos permitido transcrever:

Art. 10. A contratação de parceria público-privada será precedida de

licitação na modalidade de concorrência, estando a abertura do processo

licitatório condicionada a:

I – autorização da autoridade competente, fundamentada em estudo

técnico que demonstre:

a) a conveniência e a oportunidade da contratação, mediante identificação

das razões que justifiquem a opção pela forma de parceria público-privada;

26. A “opção pela forma de parceira público-privada”, nas palavras do

legislador, mercê da eficácia interpretativa daqueles princípios constitucionais,

dependerá, em rigor, da demonstração de inviabilidade, econômica ou social, dos

demais modelos de contratação pública.

27. Nisso reside a feição subsidiária das parceiras público-privadas. Vale

reforçar: não se trata de alternatividade, senão que de subsidiariedade21. Por isso,

em termos jurídicos, não basta provar a viabilidade da parceira público-privada; é

públicos: reglas para su debida estructuración. In: MATILLA CORREA, Andry; CAVALCANTI, Bruno (coord.). Estudios latino-americanos sobre concessiones y PPP. Salamanca: Ratio Legis, 2013, p. 116-122. 21 Anote-se que diversas ordens jurídicas acolhem o caráter subsidiário das parceiras público-privadas, em moldes semelhantes aos aqui expostos. No Uruguai, por exemplo, a Lei nº 18.786/2011 assim enuncia: “Artículo 2º. (Contratos de Participación Público-Privada).- Son Contratos de Participación Público-Privada aquellos en que una Administración Pública encarga a una persona de derecho privado, por un período determinado, el diseño, la construcción y la operación de infraestructura o alguna de dichas prestaciones, además de la financiación. Solo podrán celebrarse Contratos de Participación Público-Privada cuando previamente se resuelva, en la forma prevista en la presente ley, que otras modalidades alternativas de contratación no permiten la mejor forma de satisfacción de las finalidades públicas”. (DELPIAZZO, Carlos. PPP y concesiones en Uruguay. In: MATILLA CORREA, Andry; CAVALCANTI, Bruno (coord.). Estudios latino-americanos sobre concessiones y PPP. Salamanca: Ratio Legis, 2013, p. 312). Igual disciplina é encontrada no Direito Espanhol (BLAY, Miguel Ángel Bernal. El contrato de concesión de obras públicas y otras técnicas ‘paraconcesionales’. Madri: Arazandi, 2010, pp. 216-221; MUÑOZ, Jaime Rodríguez-Arana; BUJÁN, Jorge. Nuevas perspectivas para la financiación de obras públicas locales en el derecho español. Revista Brasileira de Infraestrutura – RBINF, Belo Horizonte, ano 1, n. 1, jan./jun. 2012, p. 74).

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preciso, antes, evidenciar a inviabilidade dos demais regimes de contratação

pública para o fiel atendimento do interesse público em questão.

28. Saliente-se, oportunamente, que no exercício de competências

discricionárias – tal como a residente no citado art. 10, inc. I, alínea “a” da Lei nº

11.079/04 – sobreleva a importância da motivação22, mediante a qual são

assegurados os órgãos de controle os parâmetros para aferição da validade do

ato administrativo23. Logo, a escolha pela parceria público-privada, por força dos

princípios supramencionados, deverá se revestir de robusta motivação, devendo o

administrador declinar as razões que o levaram a não optar por outras formas de

contratação.

IV. CONCLUSÃO 29. Ao cabo destas considerações, conclui-se que a Administração Pública,

para servir-se validamente dos contratos de parceria público-privada, deve,

previamente, constatar a inviabilidade dos demais modelos de contratação pública

na consecução do específico interesse público de que está a cuidar.

30. É o que resulta, segundo nos parece, de uma interpretação sistemática da

Lei nº 11.079/04, obsequiosa aos princípios constitucionais componentes do

regime jurídico-administrativo brasileiro.

V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 31a ed.

São Paulo: Malheiros, 2014.

22 JUAREZ FREITAS. Estudos de Direito Administrativo, Malheiros: São Paulo, 1995, p. 135 e 136. 23 PORTO NETO. Benedicto. Licitação para contratação de parceria público-privada. In: SUNFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 146.

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Tratado de Direito Administrativo, tomo I. São Paulo: Saraiva, 2013.