combate ao niilismo e ao totalitarismo em camus

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    Germano, E. R. Combate ao niilismo e ao totalitarismo em Camus: um contraponto teatral e filosfico s concepes ldicas e estticas da existncia.

    combate ao niilismo e ao totalitarismo em camus um contraponto teatral e filosfico s concepes ldicas e estticas da existncia

    Emanuel R. Germano1

    resumo:A partir de uma leitura da pea Calgula, elabo-rada entre 1941 e 1943, procurar-se- contribuir na resti-tuio das preocupaes ticas, polticas e filosficas em cena no teatro de Albert Camus, analisando o sentido de sua expresso teatral no contexto de dois combates, ao niilismo filosfico e ao totalitarismo poltico de seu tem-po. Observaremos em Calgula um importante registro do amadurecimento das leituras de duas heranas filosficas relevantes na formao intelectual de Camus, Nietzsche e Herclito, luz da experincia do totalitarismo, observando e ressaltando com isso a amplitude de seu intertexto filo-sfico e a importncia do aporte tico e poltico de Camus como pensador multifacetado, engajado nos enfrenta-mentos histricos e solicitaes crticas de seu tempo.

    palaVras-cHaVe:totalitarismo, filosofia, niilismo, nietzs-chiano, heraclitiano, poder.

    abstract:Based on a reading of the play Caligula, produ-ced between 1941 and 1943, the goal of the present study is to contribute to the restitution of ethical, political and phi-losophical concerns that took place in the theatre of Albert Camus, analyzing the meaning of his theatrical expression in the context of two battles, against the philosophical nihi-lism and against the political totalitarianism of his time. We observed in Caligula an important record of maturation in the interpretations of two relevant philosophical legacies in Camus intellectual formation, Nietzsche and Heraclitus, in the light of the experience of totalitarianism, observing and highlighting both the amplitude of his philosophical intertext and the importance of the ethical and political contribution of Camus as a multifaceted thinker, engaged in historical confrontations and critical requests of his time.KeYWords:totalitarianism, philosophy, nihilism, Nietzs-chean, Heraclitean, power

    Escrita entre 1941 e 1943, a pea teatral Calgula de Albert Camus integra, ao lado de O Estrangeiro e de O Mito de Ssifo a intitulada trilogia do absurdo, como chama o filsofo argelino, em seus cadernos ntimos, a trade de trabalhos que sintetiza suas preocupaes ticas e seus diagnsticos de civilizao de juventude: Terminado Ssifo. Os trs Absurdos esto terminados2 (Camus, 2006, p.920, traduo nossa).

    Como nos outros trabalhos de juventude de Camus, em Calgula, a expresso narrativa est vinculada escolha de um estilo filosfico norteado pela intuio, pela sensibilidade, pela recusa do reducionismo sist-mico, em contraste com o dogmatismo formalista de muitas filosofias totalizantes de seu tempo:

    a escolha de escrever por imagens mais do que por raciocnios revelador de um certo pensa-mento que lhe comum, persuadido da inutilidade de todo princpio de explicao e convencido da mensagem instrutiva da aparncia sensvel [...]. uma culminao de uma filosofia muitas vezes no manifesta, sua ilustrao e seu coroamento. Mas ela s se completa pelos subentendidos desta filosofia. (Camus, 2004, p.116)

    1 Emanuel R.Germano Professor Doutor Adjunto II de tica e Filosofia Poltica no Curso de Filosofia do Instituto de Cultura e Arte da Universidade Federal do Cear. Contato: [email protected]

    2 Entretanto, cremos poder considerar a pea O Equvoco, esboada na primavera de 1939,escrita definitivamente durante a ocu-pao em 1943e encenada em 1944, um quarto polo do absurdo na criao de Camus.

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    Germano, E. R. Combate ao niilismo e ao totalitarismo em Camus: um contraponto teatral e filosfico s concepes ldicas e estticas da existncia.

    S se pensa por imagens. Se voc quer ser filsofo, escreva romances (Camus, 2006, p.800, traduo nossa). Desde os cadernos ntimos de janeiro de 1936, Camus j exprimia a necessidade de recorrer imagem para captar os dramas concretos da existncia, com a acuidade exigida por seu paradigma realista de filosofia, ancorado na tradio dos moralistes franceses do sculo XVII e dos literatos filsofos dos sculos XVIII e XIX, Sade, Melville, Stendhal, Dostoievsky, Proust, Malraux, Kafka, para s citar alguns (Camus, 2004, p.116).Contra o carter abstrato das doutrinas, Camus contrasta a dimenso tica e interrogante da imagem:

    todos os problemas recuperam sua lmina. A evidncia abstrata se retira diante do lirismo das formas e das cores. Os conflitos espirituais se encarnam e voltam a encontrar seu abrigo miservel e magnfico no corao do homem.(Camus, 2004, p.64).

    Em Camus cada palavra engaja, cada imagem testemunho e possui uma dimenso tica. Como diz Camus em O Mito de Ssifo, o que estas imagens propem no so morais, nem tampouco implicam juzos: so ilustraes. (Camus, 2004, p.105).

    Por exemplo, numa conferncia nos Estados Unidos intitulada A Crise do Homem, nota-se a importncia tica da imagem, na verdade uma coletnea de imagens de guerra, no como veculo de imposio de uma moral objetiva, mas maneira do contradiscurso moraliste, conferindo rosto aos dramas humanos. Imagens de guerra utilizadas como denncia e como testemunho, esforo de delineamento descritivo dos impasses ticos de uma histria vivida e ainda viva:

    1. Em um prdio da Gestapo de uma capital Europeia, depois de uma noite de interrogatrio, dois acusados ainda sangrando se encontram algemados e a zeladora do prdio l [faz cuidadosamente a limpeza], o corao em paz visto que ela sem dvida tomou seu caf da manh. recriminao de um dos torturados, ela responde com indignao, com uma frase que, traduzida em francs, seria algo como: no me ocupo do que fazem os meus locatrios.

    2. Em Lyon, um dos meus camaradas foi retirado de sua cela para um terceiro interrogatrio. Como lhe haviam cortado as orelhas, por ocasio de um interrogatrio precedente, ele usava uma bandagem em volta da cabea. O oficial alemo que o conduziu o mesmo que j assistiu s primeiras sesses e, no obstante, ele que lhe pergunta com uma nuance de afeio e de soli-citude na voz: Ento, como vo as orelhas?3

    3. Na Grcia [...] um oficial Alemo se prepara para fuzilar trs irmos que tomara como refns. A velha me se joga a seus ps e ele consente poupar-lhe apenas um dos filhos, mas com a condio de que ela prpria designe qual. Como ela no consegue decidir-se, o oficial se posiciona para atirar. Ela escolhe o mais velho, visto que ele se encarregava da famlia, mas de um s golpe, ela condenou os outros dois como queria o oficial alemo.

    4. Um grupo de mulheres deportadas, no meio das quais se encontra uma camarada nossa, repatriada Frana pela Sua. Logo na entrada do territrio suo, elas percebem um enterro civil. E este espetculo nico as faz cair numa gargalhada histrica: assim que tratam os mortos aqui, elas dizem. (Camus, 2006, p.738-739, traduo nossa)

    3 Notemos que no estgio atual do terrorismo de estado, toda a poltica internacional que se rege por esta dubiedade moral, incluindo a os organismos humanitrios, instalados numa atitude paliativa que Sartre intitulava em Situaes IV de a moral da cruz-vermelha.

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    Germano, E. R. Combate ao niilismo e ao totalitarismo em Camus: um contraponto teatral e filosfico s concepes ldicas e estticas da existncia.

    Em Camus, as imagens delineiam os dramas humanos, a atmosfera dos tempos, e como no caso da conferncia A Crise do Homem permitem diagnosticar os sintomas das piores doenas contemporneas:

    Sim, existe uma Crise do Homem, j que a morte ou a tortura de um ser pode, em nosso mundo, ser examinada com um sentimento de indiferena ou de interesse cordial ou de experimentao, ou de simples passividade [...] visto que o extermnio de um ser pode ser visto de outra maneira que no a do horror e a do escndalo que deveria suscitar [...] fcil demais acusar [...] somente Hitler e dizer que estando a besta morta o veneno desapareceu. Pois sabemos bem que o veneno no desapareceu, que ns o guardamos nos nossos prprios coraes e isto se sente na maneira pela qual, as naes, os par-tidos e os indivduos, ainda se olham com um resqucio clera. (Camus, 2006, p.739, traduo nossa)

    neste sentido que podemos compreender o teatro de Camus no contexto de seu engajamento tico, poltico e filosfico: diagnstico e combate das razes e dos frutos do totalitarismo e do fatalismo histrico, e mais particularmente, a pea Calgula, a partir da problemtica do totalitarismo da vontade de potncia e do niilismo filosfico contemporneo.

    A pea inicia-se com o retorno de um Imperador dilacerado pela experincia da saudade. Renascido dos elementos, maculado de barro e folhas, embebido de todos os sentidos da terra, a dor provinda da morte de sua irm e amante Drusilla que conduz o imperador Calgula a uma lcida constatao sobre a condio demasiado humana: Os homens morrem e eles no so felizes. (Camus, 2006, p.332, traduo nossa)

    Desta evidncia amarga trazida pela experincia pessoal da finitude, o imperador romano, homem-deus, deduz a lei csmica da transitoriedade. Dilacerado pela dor da perda, Calgula procura um sentido para a transitoriedade da vida: sua obsesso pela lua encarna a busca por uma justificao, no limite, esttica para um cosmo indiferente e destruidor, desproporcional fragilidade humana:

    [...] Eu sei tambm o que tu pensas. Quanta histria por causa da morte duma mulher! No, no isso. Acredito recordar-me, verdade, que h alguns dias a mulher que eu amava morreu. Mas, o que o amor? Pouca coisa. Juro-te que esta morte no quer dizer nada, apenas significa uma verdade que torna necessria para mim a lua. (Camus, 2006, p.332, traduo nossa)

    A descoberta da transitoriedade radical da vida a lucidez clarividente de Calgula, e esta verdade dilaceradora, reservada a poucos, que o imperador decide democratizar, e impor ao seu povo. Poderoso, Calgula confere uma dimenso poltica, isto colossal, constatao da injusta ordem da morte ditada pelos deuses. Deus entre os deuses dos quais se considera rival, procurando exercer seu papel, ele apressa-se em pr em curso uma vida que justifique a si mesma, amando-a dolorosamente como ela se d, inscrita numa cosmologia da crueldade. Calgula, aps a morte de sua amada, zelar como um tirano vigilante para que a ordem do cosmo se efetive, mimetizando sua cegueira, impulsionando o moto contnuo indiferente de um tempo (Ain4) que devora seus filhos:

    4 Nos referimos aqui especificamente ao emprego do termo por Herclito: Tempo (Ain) criana brincando, jogando; de criana o reinado.(Fr.52)(Herclito, 1984, p. 84)

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    [...] porque tudo minha volta mentira, e eu, eu quero a verdade! E, justamente, tenho meios para obrig-los a viver na verdade. Porque eu sei o que lhes falta [...] eles esto privados de conhecimento, porque lhes falta um professor que conhea aquilo que ensina. (Camus, 2006, p.332, traduo nossa)

    Calgula apressa a ampulheta do tempo, gira a engrenagem da morte, demonstrando, pela vileza de suas aes em prol do Tesouro pblico5, pelo copioso recurso s punies e execues de Estado, pelo menos-prezo cotidiano dignidade humana, a evidncia csmica da absurdidade e da injustia que aprendeu com a desapario de Drusilla: Findaste por compreender que no necessrio ter feito algo para morrer. (Camus, 2006, p.346, traduo nossa) a lgica de um cosmo indiferente em operao, convertida numa poltica de Estado assassina: Decidi ser lgico e visto que tenho o poder, vero quanto algica pode custar. Exterminarei os contraditores e as contradies. Se for necessrio, comearei por ti. (Camus, 2006, p.336, traduo nossa ) A Cherea, Calgula exprime o raciocnio dos tiranos que desfrutam das prerrogativas de um cosmo que tudo absorve e absolve em sua magnitude impassvel: Este mundo sem importncia e quem o reconhece conquista sua liberdade [...] acabei de compreender a utilidade do poder [...] hoje, e pelo tempo que vir minha liberdade no tem mais fronteiras.(Camus, 2006, p.336-337, traduo nossa).

    A metfora do totalitarismo como uma peste, produzida pela convico filosfica de que o homem no encontra fronteiras ou limites para sua liberdade ou para sua vontade de potncia diante de um cosmo e de uma histria indiferente, se cristaliza na rivalidade metdica de Calgula com a crueldade reservada aos deuses:

    Fars fechar os celeiros pblicos [...] digo que vai haver fome amanh. Todo mundo conhece a fome, uma peste. Amanh, haver peste. E pararei a peste quando me aprouver. [Explicando aos outros] que, apesar de tudo, no tenho muitas maneiras de provar que sou livre. -se sempre livre custa de algum... (Camus, 2006, p.359, traduo nossa)

    Num mundo descrito com a clarividncia dos olhos do fsico de feso, privado de iluses, Calgula refundamenta a poltica, flutuante desde o crepsculo dos dolos ela se alicera doravante no esteio da crueldade natural do cosmo:

    Para um homem que ama o poder, a rivalidade com os deuses tem algo de irritante. Suprimi isto. Provei a estes deuses ilusrios que, um homem, se tem vontade, pode exercer, sem aprendizagem, a ridcula profisso deles. (Camus, 2006, p.362, traduo nossa)

    Os indcios esto dados, o Calgula de 1943 de Camus encarna a aurora de uma histria considerada um Novo dolo, pensamento e fora de substituio s religies conformadoras, que caducaram h tem-pos. Est na vontade de potncia a pedra de toque da transladao apolnea da desgraa csmica em virtude histrica, em condio do progresso humano, em mtodo poltico. a naturalizao do crime que enaltece Calgula, fundamentando em razes filosficas as prticas do poder sem medida: a clarividncia. 5 Se o Tesouro tem importncia, ento a vida humana no tem.(Camus, 2006, p.332) Inevitvel ressaltar a triste atualidade do

    contradiscurso de Camus tradio moraliste sobretudo quando pensamos, por exemplo, na geopoltica internacional que hoje aniquila a cultura grega ou nas polticas pblicas para a educao no Brasil.

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    Germano, E. R. Combate ao niilismo e ao totalitarismo em Camus: um contraponto teatral e filosfico s concepes ldicas e estticas da existncia.

    Eu simplesmente compreendi que no h seno uma maneira de se igualar aos deuses: suficiente ser to cruel quanto eles (Camus, 2006, p.362, traduo nossa).

    Vale reiterar: trata-se de uma refundamentao metafsica da poltica nos termos de uma cosmologia da crueldade que Camus cristaliza na figura de Calgula: como dir Camus em O Homem Revoltado, a filosofia pode servir para tudo, at mesmo para transformar assassinos em juzes (Camus, 1998, p.13).

    neste sentido que certo que Cherea seja o alter ego de Camus visto que, na verso de 1943, ele interlo-cutor privilegiado do imperador e porta-voz do diagnstico camusiano sobre a doena da vontade de potncia:

    Imperadores loucos, ns conhecemos. Mas este no louco o bastante. E o que detesto nele, que ele sabe o que quer [...] sem dvida, no a primeira vez que, entre ns, um homem dispe de um poder sem limites, mas a primeira vez que dele se serve sem limites, at negar o homem e o mundo. (Camus, 2006, p.342, traduo nossa)

    Depois de seu diagnstico clnico, a fala de Cherea desvela um engajamento inusitado aos olhos de um leitor desatento de Camus, a saber, o engajamento contra o nietzschianismo tornado niilismo pela poltica:

    [Aos senadores] Partilharei [a vingana] com vocs. Mas compreendam que no para tomar partido de suas pequenas humilhaes. para lutar contra uma grande ideia cuja vitria significaria o fim do mundo [...] ele transforma sua filosofia em cadveres e, para nossa infelicidade, uma filo-sofia sem objees. (Camus, 2006, p.342-343, traduo nossa)

    A prescrio de Cherea, sua metodologia para a deposio de Calgula fundamentada no prprio niilismo do imperador, nos remete ainda metodologia que opera Camus em sua prpria leitura de Nietzsche no artigo Niilismo e Histria, texto que integra O Homem Revoltado, no qual Camus investiga as consequncias ticas e polticas ltimas das premissas do filsofo da viso de Surlei: necessrio empurr-la em seu sen-tido, e esperar que esta lgica converta-se em demncia (Camus, 2006, p.343, traduo nossa).

    Para Camus, portanto, a grande ideia cuja vitria significaria o fim do mundo, a filosofia que se transforma em cadveres do ponto de vista de 1943, momento no qual uma reflexo sobre a vontade de potncia alem se impe, o nietzschianismo6 politizado, herdeiro direto de uma atualizao contempornea da concepo heraclitiana do cosmo utilizado para uma legitimao da pura violncia ou da potncia e conquista sem limites. Calgula brada aos quatro ventos sua clarividncia heraclitiana: Eu sei que nada permanece! Oh, saber isto! Fomos apenas dois ou trs na histria que tivemos a verdadeira experincia disto, que pudemos atingir esta felicidade demente. (Camus, 2006, p.386, traduo nossa)

    Ora, leia-se: Calgula, ou o jogador7, Nietzsche e Herclito.6 Obviamente trata-se de um nietzschianismo de apropriao ideolgica e banalizado pela poltica de seu tempo, possivelmente

    infiel aos propsitos ntimos do autor. Lembremos como Nietzsche se coloca contra os hbitos, os nacionalistas e os polticos alemes em Ecce Homo! Vale ressaltar, no entanto, que em O Homem Revoltado Camus conduzir uma crtica bastante ampla aos desdobramentos ticos, polticos e histricos do pensamento de Nietzsche.

    7 Caligula ou le joeur o primeiro ttulo concedido por Camus pea segundo os Manuscritos dos Fundos Camus (version A).Notar ARNOLD, J-A. La potique du Prmier Caligula,Camus lecteur de Nietzsche nos Cahiers Albert Camus 4. A passagem seguinte do Ecce Homo de Nietzsche da biblioteca de pessoal de Camus (edio de 1932), retm a ateno de James Arnold, ela se encontra sublinhada, contrariamente ao hbito de Camus, tinta, caprichosamente, com uma mo firme:No conheo outro modo de

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    Germano, E. R. Combate ao niilismo e ao totalitarismo em Camus: um contraponto teatral e filosfico s concepes ldicas e estticas da existncia.

    No cerne da experincia csmico-existencial de Calgula est um fluido e radical cosmo que no se detm em seu jogo eternamente renovado de combate e de destruio, que se perpetua indiferentemente e revelia de qualquer sentido ou justia tributvel humanamente. Calgula bem que poderia ter dito aos ps de Drusilla e antes de iniciar seus massacres: Vejo o vir-a-ser (Nietzsche, 1992, p.102).

    A obsesso de Calgula pelo jogo, pelo divertissement no senso pascaliano, pela transgresso, pela recodificao fastidiosa dos valores, pela coisificao dos seres, pela atribuio arbitrria de deveres e de punies que tornam a singularidade humana ridcula e desprezvel, em suma, pela eterna renovao do mundo atravs do movimento de destruio e criao, de vidas e de valores, advm desta assuno plena concepo ldica da existncia, compreendida como imprio cego de um tempo-criana s voltas consigo mesmo: Tempo (ain) criana brincando, jogando; de criana o reinado (Herclito, 1984, Fr.52, p.84).

    Na tica de Camus, as engrenagens do poder, munidas das premissas da inocncia primordial, mate-rializam historicamente as piores e mais nefastas consequncias da descrio heraclitiana-nietzschiana de mundo, transformando a violncia e a crueldade em um leitmotiv de toda uma poca: O combate de todas as coisas pai, de todas rei, e uns revelou deuses, outros homens; de uns fez escravos, de outros livres (Herclito, 1984,.Fr.53, p.84)

    Calgula brande as palavras de ordem que fundamentam o cotidiano poltico de um cosmo cruel: Quem ousaria me condenar neste mundo sem juiz... (Camus, 2006, p.387, traduo nossa.).

    Se a lio dos elementos nos ilustra uma desordem predadora como sendo a prpria verdade e harmonia dissonante do cosmo, cuja lei e direito um feroz combate pautado pela aniquilao, quem ousaria pautar uma poltica antinaturalista? preciso saber que o combate o-que--com, e justia () discrdia, e que todas (as coisas) vm a ser segundo discrdia e necessidade (Herclito, 1984, Fr. 80, p.87).

    Num universo no qual o crime a prpria lei, Calgula diz: todas as coisas so equivalentes (Camus, 2006, p.386, traduo nossa.). Se em Herclito, a rota para cima e para baixo uma e a mesma, revela-se o projeto heraclitiano-nietzschiano do poltico conquistador contemporneo matizado no Calgula de Camus: Eu quero misturar o cu e o mar, confundir feira e beleza, fazer brotar o riso do sofrimento8 (Camus, 2006, p.339, traduo nossa.).

    lidar com grandes tarefas seno o jogo... (Na verso brasileira, Nietzsche, F. Ecce Homo. p.51.) Arnold subscreve: muito pos-svel que este aspecto do jogo esteja em relao com o ato II do Calgula...(Op.cit., p.96) Outras frases em relao direta com o Calgula esto tambm grifadas, no volume do Crepsculo dos dolos utilizado por Camus e em seu volume de A Origem da Tragdia: A afirmao da vida em seus aspectos mais estranhos e rduos; a vontade de vida...esta felicidade que traz ainda com ela a felicidade da nadificao[...]que a existncia do mundo no pode se justificar seno como fenmeno esttico[...]um deus puramente artista, absolutamente desprovido de escrpulos e de moral, para quem a criao ou a destruio, o bem ou o mal so manifestaes de seu capricho indiferente e de sua toda-potncia; que se desembaraa, fabricando mundos, do tormento de sua plenitude... (em Arnold, J-A. Camus leitor de Nietzsche. Em Cahiers Albert Camus 9, p.96-98).

    8 Em Herclito: Direes do fogo: primeiro mar, e do mar metade terra, metade incandescncia. Terra dilui-se em mar e se mede no mesmo logos, tal como era antes de se tornar terra.(Fr.31, p.82)O deus e dia e noite, inverno vero, guerra paz, saciedade fome...(Fr.67, p.85)As (coisas) frias esquentam, quente esfria, mido seca, seco umedece.(Fr.125,p.91). O mel segundo Hercli-to, a um tempo amargo e doce, e o prprio mundo um vaso de mistura que tem que ser continuamente agitado. (Niezsche, 1992, p.104) A tica heraclitiana retomada pelo Zaratustra de Nietzsche: A dor tambm um prazer, a maldio tambm uma beno, a noite tambm um sol; ide embora daqui, seno aprendereis: um sbio tambm um louco. (Nietzsche, 1995, p.324).

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    Germano, E. R. Combate ao niilismo e ao totalitarismo em Camus: um contraponto teatral e filosfico s concepes ldicas e estticas da existncia.

    O desespero de Cesnia face ao projeto histrico-filosfico de Calgula, o do transfigurar a misria em grandeza, quem sabe aluda fria de Aristteles mencionada por Nietzsche contra a subverso heraclitiana9: H o bom e o mau, o que grande e o que baixo, o justo e o injusto. Juro-te que isto no mudar! (Camus, 2006, p.339, traduo nossa.).

    Ora, para os que experimentaram os abismos da lucidez, como Calgula, Herclito e Nietzsche, estas so certezas colapsadas pelas caractersticas cataclsmicas do universo. Como bem sabemos, a epistemologia hera-clitiana-nietzschiana constitui irresistivelmente uma tica da indiferena moral: Para o deus so belas todas as coisas e boas e justas, mas homens umas tomam (como)injustas, outras(como)justas (Herclito, 1984, Fr. 52).

    Em A Filosofia da poca Trgica dos Gregos, Nietzsche louva este amoralismo inscrito no cosmo desvelado por Herclito que transmuta dor em prazer, naturalizando o eixo do combate pela sobrevivncia como cerne da condio, a um s tempo, humana e csmica: Tudo ocorre conforme a esse conflito, e exatamente este conflito que manifesta a eterna justia(Nietzsche, 1992, p.104). Ele se detm na gnese desta imagem blica do cosmo fornecida pelo fsico de feso:

    Herclito media o universo movido sem descanso, aefetividade, com o olho do espectador afor-tunado, que v inmeros pares lutar em alegre torneio sob a tutela de rigorosos rbitros; no podia considerar os pares em luta e os juzes separados uns dos outros, os prprios juzes pareciam combater, os prprios combatentes pareciam julgar-se sim, como no fundo s percebia a justia uma, eternamente reinante, ele ousou proclamar: o prprio conflito do mltiplo a pura justia. (Nietzsche, 1992, p.105)

    Nietzsche um entusiasta desta contemplao puramente esttica do mundo (Nietzsche, 1992, p.108): [Herclito] ele ergueu a cortina desse espetculo mximo. (Nietzsche, 1992, p.110).

    O filsofo-msico admira a clarividncia liberadora do mestre Herclito no desvelamento deste cosmo indiferente e feroz que transfigura a guerra em dana:

    uma representao maravilhosa, haurida da mais pura fonte do helenismo, que considera o conflito como o imprio constante de uma justia unitria, rigorosa, vinculada a leis eternas. Herclito no tem nenhuma razo para ter que demonstrar como Leibniz que este mundo o melhor de todos; bastava-lhe que ele fosse o belo, o inocente jogo do Ain. (Nietzsche, 1992, p.104105)

    Nietzsche exclama a partir de Herclito: Quem pedir ainda de tal filosofia uma tica?(Nietzsche, 1992, p.108)Calgula os acompanha: Quem ousar me condenar neste mundo sem juiz? (Camus, 2006, p.387, tra-

    duo nossa.).Da concepo de cosmo heraclitiano, Nietzsche deduz at suas ltimas consequncias ticas e filosficas,

    e observa que as ideias seu mestre exigem o estabelecimento de um prisma artstico-aristocrtico para serem compreendidas:

    9 Tudo tem, em todo tempo, o oposto em si, com tanta insolncia que Aristteles o acusa de crime supremo diante do tribunal da razo, de ter pecado contra o princpio de no contradio(Nietzsche, 1992, p.103).

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    Germano, E. R. Combate ao niilismo e ao totalitarismo em Camus: um contraponto teatral e filosfico s concepes ldicas e estticas da existncia.

    H culpa, injustia, contradio, dor neste mundo?Sim, exclama Herclito, mas somente para o homem limitado, que v em separado e no em conjunto, no para o deus constitutivo; para este, todo conflitante conflui em harmonia, invisvel, decerto, ao olho humano habitual, mas inteligvel quele que, como Herclito, semelhante ao deus contemplativo. Diante de seu olhar de fogo, no resta nenhuma gota de injustia no mundo esvado em torno dele; e mesmo aquele espanto cardeal Como pode o fogo assumir formas to impuras?- superado por ele com uma comparao sublime. Um vir-a-ser e perecer, um construir destruir, sem nenhum discernimento moral, eternamente na mesma inocncia, tm, neste mundo, somente o jogo do artista e da criana. E assim como joga a criana e o artista, joga o fogo eternamente vivo, constri e destri em inocncia e esse jogo o Ain joga consigo mesmo. (Nietzsche, 1992, p.107)

    Calgula, o jogador, encarna a dimenso poltica, histrica, do usufruto pleno destas prerrogativas de inocncia libertcidas extradas deste segredo prometeico, para poucos, apenas insinuado por Herclito: Este mundo no tem importncia e quem o sabe, conquista sua liberdade [...] minha liberdade no tem mais fronteiras (Camus, 2006, pp.326-7, traduo nossa.).

    Nietzsche assume em diversos momentos de sua obra, tal como Herclito reivindica violentamente, esta dimenso aristocrtica para sua filosofia, segundo ele, inacessvel ao homem limitado e reservada somente ao homem esttico, nico capaz de intuir o mundo(Nietzsche, 1992, p.107): Pois ces ladram contra os que eles no conhecem (Herclito, 1984, Fr.97, p.88).Pois cadveres, mais do que estercos, so para se jogar fora (Herclito, 1984, Fr. 96, p.88). O asno prefere a palha ao ouro(Nietzsche, 1992, p.107, p.89): Porcos em lama se comprazem, mais do que em gua limpa(Herclito, 1984, Fr. 13,p.80).

    Quem sabe respirar o ar dos meus escritos sabe que um ar das alturas, um ar forte. preciso ser feito para ele, se no h o perigo de se resfriar. O gelo est prximo, a solido monstruosa mas quo tranquilas banham-se as coisas na luz! Com que liberdade se respira! (Nietzsche, 1993, p.18)

    Ms testemunhas para os homens so olhos e ouvidos, se almas brbaras eles tem (Herclito, 1984, Fr. 102). Esta dimenso aristocrtica do saber requerida para a compreenso adequada da condio humana inscrita no cosmo indiferente heraclitiano-nietzschiano:Sombrio, melanclico, lacrimoso, escuro, atrabilirio, pessimista e, de modo geral, odioso, s acham de Herclito aqueles que no tm motivo para ficar satisfeitos com sua descrio natural do homem (Nietzsche, 1992, pp.108-9).

    Calgula, alis, como Zaratustra, est para alm do aristocrata conquistei a divina clarividncia do solitrio10 (Camus, 2006, p.329, traduo nossa.). O imperador, assim como o real Herclito, encontra-se, obviamente, para alm de bem e mal: Tais homens vivem em seu prprio sistema solar(Nietzsche, 1992, p.110). Calgula, em seu universo artstico, de deus constitutivo e contemplativo, cercada pelos jogos, pela msica, pela poesia, pelo teatro vivo, em seu obsessivo desvelo pela destruio e pelo crime, encontra-se absolutamente vontade e integrado em sua arte de viver. Imperador e artista dionisaco, Calgula, em sua concepo esttica bsica do jogo do mundo (Nietzsche, 1992, p.109) est alm das fronteiras morais e seus excessos so constitutivos de sua arte de amar a vida: No o nimo criminoso, mas o impulso ldico 10 Lembremos que at aos homens superiores, Zaratustra abandona no desfecho de seu percurso: Pois bem!Ainda dormem, esses

    homens superiores, quando eu j estou acordado: no so esses os companheiros prprios para mim!(Nietzsche, 1995, p. 326)

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    que sempre desperta o novo, que chama vida outros mundos. s vezes, a criana atira fora o seu brinquedo: mas logo recomea, em humor inocente. (Nietzsche, 1992, p.107)

    Se Calgula aniquila, pouco a pouco, a todos, arrasando um a um, em cena, em banhos de sangue, cada um dos coadjuvantes de seu espetculo, desfilando na cidade suas alegorias da crueldade um jogo, no o tomeis to pateticamente e, antes de tudo, no o tomeis moralmente(Nietzsche, 1992, p.108) isto apenas a sua dana. Ele o homem esttico(Nietzsche, 1992, p.107) de Nietzsche legitimando sua moral aristocrtica de artista-tirano atravs de uma filosofia prtica do combate e da transitoriedade. Aprendamos com o msico,

    assim intui o mundo somente o homem esttico que aprendeu com o artista e com o nascimento da obra de arte como o conflito da pluralidade pode trazer consigo lei e direito, como o artista fica em contemplao e em ao na obra de arte, como necessidade e jogo, conflito e harmonia tem de emparelhar-se para gerar a obra de arte.(Nietzsche, 1992, p.107-108)

    Calgula diz, conferindo calor e rosto concepo ldica e esttica da existncia de Nietzsche:

    O erro de todos estes homens de no crer o bastante no teatro. Sem isto, eles saberiam que per-mitido a todo homem representar [jouer] tragdias celestes e tornar-se deus. suficiente endurecer o corao. (Camus, 2006, p.363, traduo nossa.)

    Ator, ele mimetiza a crueldade e a indiferena do cosmo at a completa desfigurao humana: No se compreende o destino, e por isso que me fiz destino. Tomei o rosto animalesco e incompreensvel dos deuses (Camus, 2006, p.363, traduo nossa).

    A aluso mscara dionisaca do Zaratustra-Nietzsche do autor que finaliza sua autobiografia filosfica, Ecce Homo, explicando Por que sou um destino no uma mera coincidncia. Nas palavras de Raymond Gay-Crosier (1967), Calgula o ermito de Silvaplana transferido para uma ambientao romana, na qual ele tem, por uma vez somente, a chance de realizar suas ideias, e jogar seu jogo cruel at o fim. Diante de universo to cruel e com professores to argutos no toa, portanto, que o vigilante obreiro do caos, Calgula, assuma obstinadamente a reivindicao do impossvel11, da lua12, que justificaria seu mpeto insacivel de existir esteticamente na beleza e na plenitude Eu ainda no esgotei tudo aquilo que me faz viver. por isso que quero a lua (Camus, 2006, p.365, traduo nossa).

    Como diz Zaratustra Acaso a lua no nos embriaga? (Nietzsche, 1995, p.321).a lua o smbolo supremo desta busca pela transfigurao trgica da dor em prazer espcie de hstia ou de Santo Graal procurada seja pelo brio dionisaco, seja pelo tirano-artista.

    Zaratustra e Calgula procuram, embora de modos diferenciados, redeno e justificao csmica na lua, isto , na esttica, na beleza, na arte no movimento bramnico de criao e destruio. Trata-se de um movimento de eternizao no instante, pela efetivao e contemplao do vir-a-ser: 11 Este mundo, tal como , no suportvel. Eu, ento preciso da lua ou da felicidade, ou da imortalidade, de qualquer coisa que

    seja demente talvez, mas que no seja desse mundo(Camus, 2006, p.331, traduo nossa.).Somos dois ou trs na histria a ter feito verdadeiramente a experincia disto, e a atingir esta felicidade demente (Camus, 2006, p.386, traduo nossa.).

    12 A morte no nada, te juro: ela apenas o sinal de uma verdade que torna a lua necessria. (Camus,2006, p.332, traduo nossa.).

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    Todo o prazer quer eternidade para as coisas. homens superiores, por vs almeja o prazer, o indomvel, bem-aventurado almeja pelo vosso sofrimento, criaturas malogradas! Por coisas malogradas, almeja o eterno prazer... Aprendeste agora o meu canto? Adivinhaste o que ele quer? Cantai para mim, agora, homens superiores, a minha cantiga de roda![...] Profundo o mundo! E mais profundo do que pensa o dia. Profundo o seu sofrimento E o prazer mais profundo que a ansiedade. A dor diz: Passa, momento! mas quer todo o prazer eternidade. Quer profunda, profunda eternidade. (Nietzsche, 1995, p.321)

    Vivo, mato, exero o poder delirante do destruidor, ao p do qual o do criador parece uma macaquice. isso ser feliz. isso a felicidade, essa insuportvel libertao, esse desprezo universal, o sangue, o dio em meu redor, esse isolamento sem par do homem que pe toda a sua vida diante de si, a alegria desmedida do assassino impune, essa lgica implacvel que rebenta as vidas humanas, que te destri Cesnia, para perfazer, enfim, a solido eterna que desejo. (Camus, 2006, p.387, traduo nossa.)

    Calgula desempenhar o solitrio papel de protagonista do tempo (Ain) at o desfecho lgico de seu jogo, com a lucidez de um terico refinado das artes do combate, mas, sobretudo, com a embriaguez de um esteta e de um contemplador convicto. Guiado pelo sopro de sua prpria concepo ldica da vida, com indiferena, ele se presta a protagonizar o papel de presa na armadilha que o conluio do tempo, por ele semeado, lhe arquiteta. Seu exerccio, por trs anos, de uma rigorosa poltica fundamentada no mimetismo da crueldade csmica, revela, afinal, um subliminar projeto suicida.

    Na cena final da verso de 1943 do Calgula de Camus coabitam, afinal, desenlace trgico e engajamento filosfico na medida em que o golpe em pleno rosto (Camus, 2006, p.388) de Cherea em Calgula encarna a recusa de uma filosofia que se transforma em cadveres (Camus, 2006, p.343, traduo nossa) e o compromisso intelectual de lutar contra uma grande ideia cuja vitria significaria o fim do mundo (Camus, 2006, p.342, traduo nossa).

    O sentido engajado da pea, orientado num horizonte que problematiza a questo da responsabilidade intelectual, evidenciado no diagnstico de Cherea sobre o jogo potico-existencial de Calgula: preciso, pois, compreender, que isto trata do poder assassino da poesia (Camus, 2006, p.349, traduo nossa).

    Sem dvida, para Camus, Calgula no somente uma refutao da vontade de potncia nietzschiana, preciso v-lo como um processo inclemente contra o totalitarismo. O verdico to claro quanto simples: o pensamento conquistador culpado sob qualquer aspecto. (Gay-Crosier, 1967, p.114)

    A dimenso tica antinietzschiana que o autor lhe infunde em meio luta viva contra o totalitarismo da Segunda Grande Guerra, provoca, num indcio importante do liame entre engajamento literrio e engajamento filosfico em Camus, at mesmo a incorporao, na verso de 1943, de um mea culpa de Calgula que fere a extrema coerncia deste heri trgico, bem preservada na verso de 1941. Como comenta James Arnold: Esta abjurao de si impe ao protagonista e a seu destino trgico o reconhecimento de uma falta moral que vai de encontro s intenes originais do autor (Arnold, 1984, p.172).

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    Um Calgula demasiado shakespeariano, demasiado visceral13, some da verso madura: Se eu tivesse tido a lua, ou Drusilla, ou o mundo, ou a felicidade, tudo teria mudado! (Camus, 1984, p.118, traduo nossa.) E, sobretudo, uma tomada de conscincia contempornea incorporada trama eticamente engajada do autor que concebia ao mesmo tempo, debatendo o niilismo contemporneo alemo, as Lettres un ami allemand14:

    [Calgula estende as mos para o espelho] Procurei o impossvel nos limites do mundo, nos confins de mim mesmo15.Estendi as minhas mos[gritando],estendo as minhas mos e a ti que encontro, sempre a ti diante de mim, e eis-me cheio de dio diante de ti. No escolhi o caminho que era preciso, no cheguei nada. No certa a minha liberdade!16 (Camus, 2006, p.342, traduo nossa)

    importante assinalar, no entanto, que em ambas as verses do Calgula de Camus se pode observar o mesmo pressgio lcido, o de uma terrvel histria em elaborao, prenunciado pelas derradeiras palavras do imperador antes de sucumbir lgica predadora da qual se fez pedagogo:

    histria, Calgula, histria. [O espelho quebra-se e, nesse instante, entram por todas as portas os conjurados, as armas. Calgula faz-lhes frente, com um riso de louco. O Velho Patrcio fere-o pelas costas, e Cherea em pleno rosto17. O riso de Calgula se transforma em soluos. Todos os ferem. Num ltimo soluo, Calgula, rindo e estrebuchando, grita]: Ainda estou vivo! (Camus, 2006, p.388, traduo nossa)

    Trata-se da evidenciao do intertexto poltico e histrico desta obra de teatro seguramente engajada no desmascaramento das imposturas polticas e filosficas, e assim, dialogicamente, comprometida com a construo de uma tica da solidariedade nascida da experincia da Europa esmagada pela tirania (Arnold, 1984, p.175).

    Contudo, seria temerrio sublinhar to somente os aspectos tirnicos do Calgula de Camus sem aludir sua inquietante simpatia em cena. Por exemplo, qualquer espectador da encenao de Charles Berling em 2005 em Paris, no Thtre de lAtelier montagem que conservando fidelidade absoluta ao texto camusiano, encarna sua mensagem sobre o poder num cenrio atual, o dos elegantes polticos engravatados em seus reservados palcios e arranha-cus, nos quais se decide da vida e da morte, para alm de bem e mal de-fronta-se, de chofre, com a ambiguidade da figura de Calgula.

    Alm de um apaixonado, de um lrico dotado de um corao de poeta, o tirano de Camus inicialmente um portador da justa revolta contra a ordem da finitude: de que me serve poder to admirvel se no posso mudar a ordem das coisas, se no posso fazer que o sol ponha-se no leste, que o sofrimento decresa e que os

    13 Sou para ti cheio de dio e tu s para mim como uma ferida que eu gostaria de dilacerar com minhas unhas para que o sangue e o pus misturados minha vida saiam em gordas borbulhas.(Camus, 1984, p.118, traduo nossa.)

    14 O vocabulrio de Cesnia desvela que nos encontramos no mesmo registro, histrico e tico, das Lettres un ami allemand: [...] se o mal est sobre a terra, porque querer a ele acrescentar[pourquoi vouloir y ajouter]? (Camus, 2006, p.338) que admites o bastante a injustia de nossa condio para resolver a ela acrescentar [ajouter], enquanto me parece que o homem deveria afirmar a justia para lutar contra a injustia eterna.(Camus, 1965, p.240)

    15 Procurei-me a mim mesmo. (Herclito, 1984, Fg.101 p.88).16 Perceber que Maria diz a Jan em O Equvoco (I,4): seu mtodo no o certo[ta mthode nest pas la bonne] (Camus, 2006, p.464,

    traduo nossa).17 Cherea est sobre ele e o fere com seu punhal, trs vezes no rosto... nica diferenciao em relao cenografia do desfecho da

    verso de 1941. (Camus, 2006, p.388 e Camus, 1984, p.119, traduo nossa.)

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    Germano, E. R. Combate ao niilismo e ao totalitarismo em Camus: um contraponto teatral e filosfico s concepes ldicas e estticas da existncia.

    homens no morram mais? (Camus, 2006, p.338, traduo nossa).Sua reao ao destino humano absurdo oscila entre a rivalidade e o mimetismo apaixonado da crueldade csmica, procedimento que se cristaliza num populismo sanguinrio:

    Minha vontade de mudar. Eu darei a este sculo o presente da igualdade. E quando tudo estiver aplainado, o impossvel enfim sobre a terra, a lua em minhas mos, ento, talvez, eu mesmo estarei transformado e o mundo comigo; ento, enfim, os homens no morrero e eles sero felizes. (Camus, 2006, p.339, traduo nossa)

    este projeto de eternidade cujo fim de um populismo exacerbado como atesta a frase acima que legitima Calgula no exerccio de sua metodologia do saque e do crime generalizados. Tudo permitido em prol do Tesouro pblico que sintetiza sua metodologia conquistadora: O amor, Cesnia! [Ele a toma nos braos e a sacode] Aprendi que isto no nada! outro que tem razo: o Tesouro pblico. Compreendeste, no ? Tudo comea com isso... (Camus, 2006, p.339, traduo nossa).

    O Calgula de palet de Camus-Berling exprime a realpolitik, o intercmbio entre seres, valores e produ-tos, nesta indistino amoral caracterstica do universo contemporneo mercantilizado ao limiar do absurdo em todas as suas dimenses, incapaz de distinguir entre as esferas, pblica e privada, obcecada pela ideia do acmulo e pela tica da quantidade:

    O Tesouro de um interesse potente. Tudo importante: as finanas, a moralidade pblica, a poltica exterior, o aprovisionamento do exrcito e as leis agrrias! Tudo capital. Tudo est no mesmo p: a grandeza de Roma e as crises de artrite. Tratarei de tudo isto!(Camus, 2006, p.334, traduo nossa.)

    H algo de tragicmico nesta encarnao da metodologia e dos pressupostos do poder poltico-econmico, ancorado na lgica da indistino e da prepotncia, conduzidos ao paroxismo ao deboche; Calgula guia a plateia em direo a um riso desconfortvel:

    Escute bem, imbecil. Se o Tesouro tem importncia, ento a vida humana no tem. Isto claro. Todos aqueles que pensam como tu devem admitir este raciocnio e ter sua vida por nada visto que pensam que o dinheiro tudo. Enquanto isto, eu decidi ser lgico e j que tenho o poder, vers quanto esta lgica ir vos custar. Eu exterminarei os contraditores e as contradies. Se for preciso, comearei por ti. (Camus, 2006, p.335-336, traduo nossa)

    Esta simpatia mrbida de Calgula entra em cena principalmente porque o espectador conduzido a partilhar com o heri o desprezo pela ambientao cortes, palaciana, corrompida e viciada isto , poltica (no senso brasileiro do termo) que o cerca. Assim, como no compactuar ainda que pelo riso com a lgica da voracidade, quando ela , pela primeira vez, aplicada risca aos seus mais proeminentes mentores, tantas vezes triunfantes em sua impunidade?

    Vamos, seo trs, pargrafo primeiro. [Helicon, se levanta e recita mecanicamente] A execuo conforta e liberta. Ela universal, fortificante e justa em suas aplicaes assim como em suas intenes.

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    Morre-se porque se culpado. Se culpado porque se sujeito a Calgula. Ora, todo mundo sujeito a Calgula. Logo, todo mundo culpado. Donde se conclui que todo mundo morre. uma questo de tempo e de pacincia. (Camus, 2006, p.359, traduo nossa.)

    Enigma da cordialidade, assim como aniquila facilmente, o Calgula de Camus ama e amado facilmente: Sou puro no bem, como sou puro no mal (Camus, 2006, p.359, traduo nossa.)

    Alm desta franja lrica da revolta de Calgula contra a finitude, outro aspecto caro s preocupaes de Camus ajuda a delinear os traos ambguos que compem o retrato do artista e tirano: na pele de Calgula vemos o horizonte trgico de uma poltica que, apesar de virtualmente nobre, est fadada ao fracasso pelo desprezo dos mtodos pelos quais se efetiva. Trata-se do messianismo historicista, que, segundo Camus, confunde as dimenses histrica e metafsica da condio humana numa poltica pautada em funo da construo da eternidade e no do presente. Camus afirma em O Mito de Ssifo, uma revoluo sempre contra os deuses [...].Trata-se de uma reivindicao humana contra o seu destino (Camus, 2004, p.102).Ora, a voracidade de Calgula, que deseja o impossvel enfim sobre a terra, a lua nas mos, encarna o potencial transgressor e destruidor da justa reivindicao humana contra o absurdo da condio humana, quando esta desconhece a noo de limite. H, afinal, muitos traos de interrogaes evidentemente camu-sianas complementares ao perfil nietzschiano deste Zaratustra poltico, esteja ele de toga ou de palet.

    neste sentido que James Arnold e Raymond Gay-Crosier confluem em apontar que as transformaes atestadas entre o primeiro e o Calgula maduro sinalizam para a evoluo da prpria interpretao camusiana de Nietzsche luz da experincia da Segunda Grande Guerra:

    A reescritura de Calgula em 1943 feita em funo de uma mudana estratgica em seu pensamento. A utilizao racista que os nazistas haviam feito de Nietzsche restando os escritos de Alfred Rosenberg sem dvida o exemplo mais lgubre estimulou uma viva reao em Camus. No teria servido nada insistir, em 1943, para lembrar que Nietzsche havia divisado seu Super-homem como um criador de valores superiores, e mesmo a repugnncia que o nacional socialismo alemo nele tinha inspirado pesaram pouco na balana, em face da conduta brbara dos SS e de outros super-homens do momento. certamente em nome da resistncia intelectual e artstica contra uma vontade de potncia global, que Camus pde operar, publicamente, esta transmutao de seus prprios valores. (Arnold, 1984, p.169-175)

    Um fragmento dos Cadernos de fevereiro de 1943 demonstra que Camus opera a partir de um raciocnio pascaliano trata-se da metodologia do renversementcontinueldupouraucountre uma escolha refletida em favor de um engajamento contra ou, pelo menos, para alm de Nietzsche:

    Um esprito um pouco experimentado ginstica da inteligncia sabe, como Pascal, que todo erro vem de uma excluso. Mas, a ocasio fora a escolha. Foi assim que pareceu necessrio a Nietzsche atacar com argumentos de fora Scrates e o cristianismo. Mas assim ao contrrio que necessrio que ns defendamos hoje Scrates, ou ao menos o que ele representa, visto que a poca ameaa substitu-lo por valores que so a negao de toda a cultura e que Nietzsche arrisca obter aqui uma vitria a qual ele no desejaria. (Camus, 2006, p.984, traduo nossa).

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    James Arnold resume a escolha filosfica de Camus que, como veremos oportunamente, se prolongar com a crtica de Nietzsche elaborada em O Homem Revoltado: Doravante, e at o fim da guerra, Camus ir queimar o que havia adorado. Ele escrever sobre Nietzsche comentrios que no se compreendem seno num contexto de luta contra o totalitarismo. (Arnold, 1984, p.169)

    Segundo Arnold, que manifesta um comentrio arriscado e bastante difcil de ser fundamentado, diante das transformaes submetidas ao substrato tico da verso de 1943, diante do imperativo de liquidar as ocorrncias do nietzschianismo em sua prpria obra, comeando por Calgula, estamos em presena de um fenmeno bastante raro: um escritor que empreende pensar e escrever contra si mesmo porque entrev e teme a perverso provvel de uma verdade da qual ele ainda se encontra tributrio(Arnold, 1984, p.173).

    Neste ponto determinado, Gay-Crosier e Weyembergh nos parecem ainda mais lcidos ao preferirem notar de maneira menos audaz um simples amadurecimento da leitura camusiana de Nietzsche e de Her-clito reinterpretados diante das solicitaes de seu tempo.

    Weyembergh ressalta, alis, a pertinncia tica e filosfica da leitura camusiana de Nietzsche durante a Segunda Guerra, aproximando-a da interpretao de Lukcs para quem as qualidades de Nietzsche o fazem bem mais perigoso do que o nacional-socialismo:

    Se Nietzsche , por suas qualidades, incomparavelmente superior s ideologias nazistas, no menos verdade que sua doutrina de adeso ao mundo e o eterno retorno fecham o universo sobre ele mesmo, eternizam e transfiguram os conflitos e a violncia que a reinam. A ausncia de transcendncia, vertical ou horizontal que da resulta aproxima incontestavelmente Nietzsche da concepo nacional-socialista de um universo livrado sem fim luta das espcies e das raas. (Weyembergh, 1980, p.229)

    Camus, afinal, parece amadurecer, sob a presso da histria (Camus, 1965, p.1705) sua interpretao do pensamento do herdeiro de Herclito. Se a constatao do absurdo presente em O Mito de Ssifo vlida na maturidade filosfica do autor, permanecendo tributria de uma epistemologia heraclitiana-nietzschiana do cosmo, eticamente, entretanto, Camus almeja ultrapassar tanto a descrio do fsico de feso, quanto do contemplador esteta de Surlei: o autor argelino reivindica o prisma do filsofo socrtico, ou do homem de virt, em luta contra um infortunado destino humano comum. Mero resistente, estrangeiro, insurgente contra o conluio da Fortuna e da violenta indiferena universal.

    Duas pedras, duas vises de mundo.Enquanto Nietzsche com a viso da pedra de Surlei contempla o eterno retorno do processo bramnico

    de criao e destruio o mundo absurdo no recebe seno uma justificao esttica (Camus, 2006, p.974, traduo nossa) o Ssifo de Camus envergado, mas altivo sob o peso da pedra do destino que en-frenta de sol a sol, vivencia, lucidamente, o drama da condio csmica absurda: sua rocha a sua morada (Camus, 2004, p.140).

    Duas concepes filosficas que afinal se entrechocam, pois para Camus no h pedra filosofal capaz de transformar a dor em prazer, a injustia em justia, o assassinato em lei, a contingncia radical e feroz em um cultivado eterno retorno. Embora seja necessrio imaginar Ssifo feliz (Camus, 2004, p. 141), necessrio, por outro lado, ser um louco ou um covarde para consentir na peste, e, em face dela, a nica palavra de ordem de um homem a revolta (Camus, 2006, p.978, traduo nossa).

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    Germano, E. R. Combate ao niilismo e ao totalitarismo em Camus: um contraponto teatral e filosfico s concepes ldicas e estticas da existncia.

    De todo modo, o veredicto de Camus sobre Nietzsche em 1943 contundente e se materializa com fora no Calgula que encarna as consequncias lgicas ltimas da naturalizao do crime por intermdio de uma concepo puramente esttica ou ldica da existncia e do cosmo.

    Camus assinala a consequncia lgica, histrica e poltica da assuno ao vale-tudo da inocncia csmica: a legitimao do assassinato em massa pela espiral da indiferena, num universo poltico prenhe de nostalgia do absoluto e livrado s lutas abissais das espcies em franco combate pela crua preponderncia.

    neste sentido que a leitura camusiana de Nietzsche nos parece, hoje, novamente, em meio efetivao definitiva de uma geopoltica internacional ditada pelas potncias das paixes, pela conquista e pela indi-ferena, e de uma poltica interna governada pela violncia reiterada e o cinismo impassvel, perfeitamente compreensvel. Ora, no entanto, vale relembrar, Camus escrever sobre Nietzsche comentrios que no se compreendem seno num contexto de luta contra o totalitarismo. (Arnold, 1984, p.169).

    referncias bibliogrficas

    Camus, A. O Mito de Ssifo. Rio de Janeiro: Record, 2004.Camus, A. O Homem Revoltado. Rio de Janeiro: Record, 1998.Camus, A. Oeuvres Compltes. Paris: Gallimard, 2006.Camus, A. Essais.Paris: Gallimard, 1965.Camus, A. Thatre, Rcits, Nouvelles. Paris: Gallimard,1964.Camus, A. Caligula version de 1941. Cahiers Albert Camus 4.Paris: Gallimard, 1984.Camus, A. Combat Clandestin. Cahier Albert Camus 8. Paris: Gallimard, 1993.Gay-Crosier, R. Les envers dun chec. tude sur le thtre dAlbert Camus.Paris: Minard,1967.Herclito. Fragmentos.In:Pr-Socrticos. Trad. Jos Cavalcante de Souza. So Paulo: Abril, Col.Os Pensa-

    dores, 1984.Arnold, J. La potique du premier Caligula.Camus lecteur de Nietzsche.Cahier Albert Camus 4.Paris: Galli-

    mard, 1984.Nietzsche, F. A Filosofia na poca Trgica Grega.So Paulo: Cia das Letras, 1992.Nietzsche, F. Zaratustra. So Paulo: Crculo do Livro, 1995.Nietzsche, F. Ecce Homo.So Paulo: Cia das Letras, 1993.Sartre, J-P. Situations IV. Paris: Gallimard, 1963.Weyembergh, M. Camus et Nietzsche: volution dune affinit. In: Albert Camus 1980.University of Florida

    Book. State of Florida, 1980.

    Artigo recebido em: 30 jan. 2013.Artigo Aceito em: 20 abr. 2013.refernciA eletrnicA:Germano, Emanuel R. Combate ao niilismo e ao totalitarismo em Camus: um contraponto teatral e filosfico s concepes ldicas e estticas da existncia. Revista Criao & Crtica, n. 10, p. 23-37, maio 2013. Disponvel em: . Acesso em dd mmm aaaa.