guarda compartilhada - dificuldades para aplicaÇÃo

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  • GUARDA COMPARTILHADA: DIFICULDADES PARA APLICAO DA SISTEMTICA NA REALIDADE FAMILIAR BRASILEIRA

    FERNANDA A. TIZCO MELGAO

    Braslia2007

    Centro de Ensino Superior de Braslia CESBInstituto de Educao Superior de Braslia IESBBacharelado em Cincias Jurdicas

  • Centro de Ensino Superior de BrasliaCESBInstituto de Educao Superior de Braslia IESBNcleo de Prticas e Atividades Complementares - PAC

    Fernanda A. Tizco Melgao

    GUARDA COMPARTILHADA: DIFICULDADES PARA APLICAO DA SISTEMTICA NA REALIDADE FAMILIAR BRASILEIRA

    TRABALHO DE CONCLUSO DE CURSO DE CINCIAS JURDICAS DO INSTITUTO DE EDUCAO SUPERIOR DE BRASLIA.

    Orientador: Frederico do Valle Abreu

    Braslia2007

  • Dedico o presente estudo aos meus queridos e

    amados pais, Baslides e Marlucia Melgao.

    Por todos esses anos de amor, compreenso,

    pacincia e dedicao.

  • Agradeo a Deus pelo amor incondicional e por me

    conceder sade e fora para chegar at aqui.

    Promotora de Justia Sandra Beze pela

    ajuda na escolha do objeto de pesquisa.

    Ao Frederico do Valle pela orientao.

    Ao bibliotecrio Geovane Coelho

    pela pacincia e colaborao e

    minha irm Tnia Mara

    pelas dicas.

    Obrigada.

  • O ideal de uma plena comunidade de vida, como certamente seria

    de desejar-se, exige tambm certamente a durao eterna do

    matrimnio, a se sobreporem os cnjuges com altivez aos

    contratempos circunstanciais que o mundo lhes prepara; essa

    comunidade de vida deveria ser preservada a todo custo,

    particularmente quando dela tivesse resultado prole, cuja inocncia,

    educao e criao acabam sendo prejudicadas pelo desfazimento

    do lar paterno.

    Yussef Said Cahali

  • Resumo

    Estuda-se o instituto da guarda, mais especificamente o modelo compartilhado. O objetivo

    estudar a atribuio da guarda dos filhos menores quando ocorre a separao, divrcio ou

    dissoluo de unio estvel. Pretende-se demonstrar que, na prtica, o modelo tradicional de

    guarda nica, tem, em regra, violado a efetivao do princpio do melhor interesse da criana

    e do adolescente e enfraquecido o exerccio do poder familiar pelos ex-cnjuges. Em

    contrapartida, a guarda compartilhada pode ser um meio de atenuar os efeitos negativos

    produzidos pela ruptura conjugal, pois, mantm o casal parental unido e no pleno exerccio do

    poder familiar aps a separao. No existe lei especfica a seu respeito no ordenamento

    jurdico brasileiro. A guarda compartilhada ainda pouco conhecida e raramente aplicada no

    Brasil, apesar da inexistncia de vedao legal.

  • Sumrio

    Introduo, 10

    1 Poder familiar e guarda, 141.1 Poder familiar, 14

    1.2 Guarda: elemento do poder familiar, 17

    2 Conflito e a ruptura conjugal: origem do problema, 202.1 Queda do nmero de casamentos e aumento do nmero de

    divrcios, 20

    2.2 Ruptura conjugal: a questo da guarda e do poder familiar, 21

    2.3 Separao, divrcio e atribuio da guarda, 22

    2.3.1 Separao e divrcio consensual, 23

    2.3.2 Separao e divrcio litigioso: suprimida a idia de culpa, 23

    2.3.3 Separao de fato, 25

    2.3.4 Unio estvel, 26

    2.4 Ps-separao, 26

    2.4.1 Efeitos da separao sobre os filhos, 29

    3 Atribuio da guarda, 303.1 Tradio da guarda nica, unilateral ou exclusiva, 30

    3.1.1 Guarda nica, unilateral ou exclusiva, 30

    3.1.2 Crticas guarda nica, 31

    3.2 Papel materno e paterno, 33

    3.2.1 A questo da atribuio da guarda preferencialmente me, 33

    3.2.2 Desigualdade no exerccio do poder familiar pelos genitores, 35

    3.2.3 Papel secundrio do no-guardio, 36

    3.2.4 Figura do pai, 36

    3.2.5 Papel do pai e da me, 38

    3.3 Atribuio da guarda: ao pai ou me?, 39

  • 4 Sociedade, famlia e os princpios informadores do Direito de

    Famlia, 41 4.1 Mudanas na sociedade e na famlia, 41

    4.2 Famlia atual, 43

    4.3 Necessidade de adotar-se outro modelo de guarda, 44

    4.4 Princpios, 45

    4.4.1 Importncia da Constituio Federal para o Direito de Famlia, 46

    4.4.2 Princpio da dignidade da pessoa humana, 47

    4.4.3 Princpio da continuidade das relaes familiares, 47

    4.4.4 Princpio da convivncia familiar, 48

    4.4.5 Princpio da igualdade entre homem e mulher, 49

    4.4.6 Princpio do melhor interesse da criana e do adolescente, 50

    5 Guarda compartilhada, 535.1 Origem, 53

    5.2 Guarda compartilhada: modelo pouco conhecido e divulgado, 53

    5.3 Relevncia de estudar-se o novo modelo, 54

    5.4 Direito comparado, 55

    5.4.1 Nos Estados Unidos da Amrica, 57

    5.4.2 Na Frana, 59

    5.4.3 Em Portugal, 60

    5.4.4 Na Espanha, 60

    5.4.5 Na Alemanha, 61

    5.4.6 No Canad, 61

    5.5 Guarda compartilhada no Brasil, 62

    5.6 Definio/conceito do termo guarda compartilhada e shared

    parenting, 63

    5.7 Caractersticas e objetivos, 65

    5.8 Guarda fsica e jurdica, 66

  • 5.9 Idia de posse/poder, 67

    5.10 Guarda compartilhada e os outros modelos de guarda, 68

    5.10.1 Guarda compartilhada e a guarda nica, 68

    5.10.2 Confuso corriqueira, 69

    5.10.3 Guarda alternada, 69

    5.10.4 Diferenas entre guarda compartilhada e alternada, 72

    5.10.5 Nidao ou aninhamento, 73

    5.10.6 Conjugao de modelos, 73

    5.11 Fundamentos, 74

    5.11.1 Fundamentos sociais, 74

    5.11.2 Fundamentos psicolgicos, 75

    5.11.3 Fundamentos jurdicos, 75

    6 Aplicao da guarda compartilhada, 786.1 Possibilidade de insero e viabilidade de aplicao da guarda

    compartilhada no direito brasileiro, 78

    6.2 Requisitos para aplicao do novo modelo e a anlise do caso em

    concreto, 80

    6.2.1 Guarda compartilhada de fato, 80

    6.2.2 Discricionariedade do juiz e anlise do caso particular, 806.2.3 Preferncia ao acordo e manuteno do regime existente durante o

    casamento ou unio estvel, 81

    6.2.4 Requisitos e pressupostos: necessidade de consenso entre os pais, 816.2.5 Guarda compartilhada tanto na separao consensual quanto na

    litigiosa, 83

    6.2.6 Imposio judicial da guarda compartilhada, 84

    6.3 Aspectos da guarda compartilhada, 86

    6.4 Crticas e argumentos contrrios, 92

    6.5 Argumentos favorveis, vantagens e pesquisas, 96

    6.6 Normatizao da guarda compartilhada, 100

  • 6.6.1 Guarda compartilhada na prtica, 102

    6.7 Interdisciplinariedade e mediao, 104

    Concluso, 107

    Referncias Bibliogrficas, 111

    Anexo A - Enunciados n 101 e 102 do Superior Tribunal de Justia e

    justificativas, 115

    Anexo B - Sugestes do Instituto Brasileiro de Direito de Famlia, 120

    Anexo C - Projeto de Lei n 6.350 de 2002, 121

  • Introduo

    Inmeras mudanas ocorreram ao longo do tempo no mbito da sociedade,

    consequentemente a instituio famlia e o Direito tambm foram afetados por tais mudanas.

    O xodo rural, a Revoluo Industrial, o crescente ingresso das mulheres no

    mercado de trabalho, a revoluo feminista, foram apenas alguns dos fatores que

    desencadearam enormes alteraes na sociedade e na famlia.

    Dentre as mudanas, as que mais possuem relevncia em relao ao presente

    estudo dizem respeito crescente igualdade entre homens e mulheres e ao aumento da

    importncia dispensada s crianas e adolescentes. A primeira ensejou o princpio da

    isonomia entre homem e mulher constitucionalmente garantido e a segunda o princpio do

    melhor interesse da criana contido nos diplomas legais nacionais e internacionais referentes

    criana e ao adolescente (Estatuto da Criana e do Adolescente, Conveno dos Direitos da

    Criana e do Adolescente etc.).

    Estes princpios trouxeram a confirmao e a normatizao de situaes que j

    estavam imbudas na sociedade: isonomia entre os sexos e a preocupao de se preservar e

    atender ao melhor interesse da criana.

    Embora o Direito tenha se adequado aos fatos na teoria, na prtica nem sempre

    ocorre o atendimento a tais princpios, principalmente quando se trata da atribuio da guarda.

    V-se que, as mudanas ocorridas na sociedade e no mbito familiar, necessitam

    de respostas do Direito sobre questes criadas por essas alteraes, tais como: o interesse do

    menor como supra-princpio, reivindicao paterna em matria de guarda, igualdade entre

    homens e mulheres, entre outras que o modelo de guarda nica, em regra, no tem conseguido

    atender ou responder.

    Mesmo com a ntida e inquestionvel redescoberta de um novo Direito de

    Famlia, quase nada foi discutido ou modificado em termos de guarda de filhos na dissoluo

    conjugal.

    A guarda situa-se no mbito do Direito de Famlia, decorre da lei como

    conseqncia natural dos institutos do poder familiar, da tutela e da adoo. Iremos tratar

    especificamente da guarda, elemento do poder familiar.

    A guarda correlaciona-se com os institutos do poder familiar, famlia, casamento,

    separao e divrcio, mediao, entre outros.

    11

  • Enquanto h o casamento ou unio estvel intacta a guarda exercida em comum

    pelos genitores, no h problema, pois a guarda jurdica e fsica pertence a ambos, sendo os

    dois titulares do poder familiar que exercido conjuntamente. O ponto nodal surge quando

    ocorre a separao, divrcio ou dissoluo da unio estvel.

    Para situar o objeto de estudo, vamos enfocar a guarda decorrente do rompimento

    da sociedade conjugal ou da unio estvel, quando ocorre a ciso da guarda.

    Quando da ruptura do casamento ou da unio ocorre o desdobramento da

    guarda, ou seja, a guarda jurdica e fsica deferida a apenas um dos genitores, no entanto, a

    titularidade do poder familiar permanece com ambos.

    No presente estudo pretende-se demonstrar que na prtica, o sistema tradicional

    brasileiro de atribuio da guarda a apenas um dos genitores, denominada de guarda nica,

    em regra, tem violado a efetivao dos princpios sobreditos e como conseqncia tem

    restringido e enfraquecido o exerccio do poder familiar pelos ex-cnjuges, alm de reforar a

    disputa entre o ex-casal.

    Assim, como a guarda um dos elementos do poder familiar, o objetivo geral

    demonstrar que ela deveria ser compartilhada juridicamente entre os genitores para que dessa

    forma, os princpios informadores do Direito de Famlia possam ser efetivamente observados

    na prtica e o poder familiar seja efetivamente exercido conjuntamente em toda a sua

    extenso por ambos os genitores mesmo aps a ruptura conjugal.

    Especificamente pretendemos conhecer mais a fundo a origem que desencadeia o

    problema da guarda, levantar as questes referentes ps-separao, identificar os papis

    materno e paterno, conhecer as mudanas ocorridas na sociedade e na famlia e os princpios

    informadores do Direito de Famlia, conhecer a origem da guarda compartilhada, estes seriam

    os objetivos especficos exploratrios. No que tange aos objetivos especficos descritivos,

    iremos caracterizar os modelos de guarda, descrever as diferenas entre eles, traar as

    vantagens, desvantagens e requisitos, principalmente da guarda compartilhada. Por fim, os

    objetivos especficos explicativos sero os de analisar o Direito Comparado, verificar a guarda

    compartilhada no Brasil e seus fundamentos, principalmente jurdicos, avaliar sua

    aplicabilidade (mesmo no havendo lei especfica no ordenamento jurdico brasileiro) e a

    possibilidade de sua insero no sistema jurdico nacional.

    No Brasil h pouco estudo especfico em relao guarda compartilhada, um

    modelo de guarda pouco divulgado e pesquisado pelos operadores do Direito. H pouca

    doutrina e jurisprudncia a respeito deste modelo de guarda. A relevncia do presente estudo

    encontra-se justamente na falta de trabalhos relativos ao modelo compartilhado de guarda e na

    12

  • falta de divulgao. Torna-se importante que a sociedade, advogados, pais, juzes, promotores

    tomem conhecimento deste modelo.

    No momento em que se encontra a sociedade, a famlia e as regras relativas ao

    Direito de Famlia, fcil perceber a necessidade de que sejam realizados estudos especficos

    sobre guarda compartilhada e seus efeitos sobre a ps-separao, pois so inmeros os

    problemas e prejuzos que uma ruptura conjugal causa prole e aos prprios pais.

    Ora, se ambos os ex-cnjuges so iguais e durante o casamento exerciam o poder

    familiar conjuntamente, porque, no caso de ruptura, este exerccio precisa ser praticado de

    modo separado e exclusivo por apenas um deles? Se o princpio que norteia o Direito de

    Famlia o do melhor interesse do menor, como justificar para o principal interessado que,

    em razo da ruptura do casamento ou unio estvel de seus pais, ele ser obrigado a aceitar

    que, a partir daquele momento, passar a viver apenas com um e ser visitado pelo outro?

    possvel a insero e aplicao da guarda compartilhada no sistema jurdico brasileiro?

    Estes so alguns problemas levantados, os quais sero abordados no decorrer

    deste estudo.

    So vrios os motivos que ensejam tal pesquisa, sendo o principal: a preocupao

    em se diminuir ou suprimir o abismo existente entre pais e filhos aps a separao ou

    divrcio, ou seja, a preocupao de que sejam mantidos os laos de afetividade e intimidade

    entre prole e pais mesmo aps a ruptura. Isto uma tentativa de diminuir os efeitos negativos

    que a separao acarreta aos filhos, bem como dar maior efetividade ao princpio do melhor

    interesse da criana.

    O presente estudo contribui para que sejam repensados os valores que realmente

    so significativos para que uma sociedade viva em harmonia, para que seja respeitado o

    princpio da dignidade da pessoa humana, ou seja, para a recuperao de uma apreciao tica

    das relaes de filiao. Contribui na medida em que demonstra que uma famlia que

    permanece unida mesmo aps o desfazimento da sociedade conjugal, dividindo as

    responsabilidades, educando e criando conjuntamente sua prole, irradia benefcios para a

    sociedade em geral, em todos os aspectos.

    Dessa forma, este trabalho traz tona a importncia da instituio famlia, no

    apenas a famlia da constncia do casamento ou unio, mas principalmente, a importncia da

    continuao de um casal parental efetivo e presente mesmo aps a ruptura. Alm do que foi

    dito, este trabalho de iniciao cincia relevante para aumentar a bibliografia a respeito do

    assunto e como conseqncia divulgar mais este modelo de guarda e sua contribuio sob os

    aspectos legislativo, social, psicolgico e jurdico.

    13

  • O fenmeno a ser estudado despertou-me interesse a partir de um estgio que fiz

    na Promotoria de Famlia (MPDFT). Sempre gostei bastante deste ramo do Direito como

    tambm da Psicologia, que como se verificar, est intimamente ligada ao objeto de estudo,

    porm, irei analisar a questo mais do prisma tcnico jurdico do que psicolgico.

    Apesar da escassa bibliografia a respeito do assunto em comento, a execuo da

    pesquisa tornou-se vivel devido aos artigos de revista e de alguns captulos de livros que

    consegui reunir. O trabalho baseou-se em trabalhos de doutrinadores vanguardistas, tais como

    Eduardo de Oliveira Leite (advogado) Famlias Monoparentais e Srgio Gischkow Pereira

    (juiz) A guarda conjunta de menores no Direito Brasileiro, como tambm em trabalhos de

    psiclogos, psicanalistas e assistentes sociais, como Maria Antonieta Pisano Motta, Leila

    Maria Torraca de Brito, Srgio Eduardo Nick e Denise Bruno. Outros autores importantes

    como Maria Milano Silva (advogada), Rolf Madaleno (advogado), Caetano Lagrasta Neto

    (desembargador), Patrcia Ramos (promotora de justia) e Waldyr Grisard Filho (advogado)

    tambm serviram de base para o presente estudo.

    Apresenta-se, portanto, um estudo sobre a guarda compartilhada na realidade

    brasileira.

    14

  • 1 Poder familiar e guarda

    1.1 Poder familiar

    Em Roma, na poca do pater famlias, o poder que o pai exercia sobre o filho era

    semelhante ao poder de propriedade. Nos casos de separao o filho ficava com o pai, pois

    este tinha melhores condies, j que me cabia somente o papel de procriadora. As relaes entre os membros da famlia baseavam-se na desigualdade, havia uma relao de poder do

    pater familias sobre os outros indivduos do corpo familiar, da a concepo da famlia

    hierarquizada, onde mulher e filhos eram vistos como absolutamente incapazes, ou seja,

    eram inaptos para reger as suas prprias relaes jurdicas.

    O Cdigo Civil Brasileiro de 1916 (CC/16) seguiu a linha patriarcal como modelo

    para elaborar as regras aplicveis ao Direito de Famlia. Conforme assevera Maria Berenice

    Dias:

    O Cdigo Civil de 1916 assegurava o ptrio poder exclusivamente ao marido, como cabea do casal, como chefe da sociedade conjugal. Na falta ou impedimento do pai que a chefia da sociedade conjugal passava mulher e, somente assim, assumia ela o exerccio do poder familiar com relao aos filhos.1

    Assim, revela-se notria a submisso dos filhos aos pais, naquela poca chefes e

    provedores nicos do grupo familiar. V-se que no havia isonomia entre homem e mulher e

    que o ptrio poder era exercido exclusivamente pelo pai.

    Com o advento da Constituio Federal de 1988 (CF/88), os direitos e deveres

    oriundos da sociedade conjugal passam a ser exercidos em igualdade por ambos os cnjuges,

    como dispe o artigo 226, 5. Dessa forma, [...] podemos concluir que antes mesmo do

    surgimento do novo Cdigo Civil, o ptrio poder passou a ser exercido em propores iguais

    entre marido e mulher. 2

    A CF/88 e o Estatuto da Criana e do Adolescente Lei 8.069/90 (ECA)

    eliminam a desigualdade relativa ao exerccio pelos cnjuges ou companheiros3 do ptrio

    1 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famlias. 1. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 379.2 LIMA, Suzana Borges Viegas de. Aspectos da guarda compartilhada no cdigo civil. Revista Trimestral de Direito Civil, So Cristvo, v. 5, n. 18, p. 287-299, abr./jun. 2004. p. 288.3 No tocante unio estvel, reconhecida pela Constituio como entidade familiar, pode-se dizer que os pais, ainda que no casados, exercem o ptrio poder na mesma extenso que pais cujos laos decorrem do casamento, posicionamento que posteriormente foi reforado expressamente pelo novo Cdigo Civil. (LIMA, Suzana Borges Viegas de, op. cit., p. 288.)

    15

  • poder. O Cdigo Civil Brasileiro de 2002 (CC/02) em consonncia com tal inovao muda o

    termo ptrio poder para poder familiar e confirma a igualdade no exerccio do poder familiar

    por ambos os genitores.

    Em relao ao termo, alguns autores preferem utilizar a palavra autoridade

    parental ou poder parental. De toda forma, o que importa a introduo da idia de igualdade

    na criao e educao dos filhos.

    O poder familiar um encargo imposto pela paternidade e maternidade, previsto

    em lei (artigo 1.631 do CC/02). Significa o poder-dever de criar, assistir, preparar para a vida,

    educar os filhos enquanto menores de idade, sob pena de sanes diversas em caso de

    descumprimento pelos pais. A expresso poder-dever significa que deve ser exercido sempre

    no interesse alheio, no caso, no interesse dos filhos.4

    No entender de Maria Helena Diniz, poder familiar : [...] um conjunto de

    direitos e obrigaes, quanto pessoa do filho menor no emancipado, exercido, em

    igualdade de condies, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a

    norma jurdica lhes impe, tendo em vista o interesse e a proteo do filho.5

    Para Slvio de Salvo Venosa poder familiar : [...] o conjunto de direitos e

    deveres atribudos aos pais com relao aos filhos menores e no emancipados, com relao

    pessoa destes e a seus bens. 6

    A regra o exerccio do poder familiar pelos pais em igualdade, no entanto, o

    poder familiar poder ser exercido com exclusividade por um dos genitores se ocorrer a falta

    ou impedimento do outro. Nos casos previstos nos artigos 155 e seguintes do ECA e artigo

    92, inciso II, do Cdigo Penal, o poder familiar pode ser suspenso ou retirado de um genitor

    ou de ambos.

    A concepo de poder familiar na atualidade permite o seu exerccio nos diversos

    agrupamentos familiares, tanto na famlia unida (qualquer que seja a sua natureza), quanto na

    famlia monoparental (famlia formada por um dos genitores e seus descendentes).

    A monoparentalidade advm da viuvez, da me solteira, de produes

    independentes, da separao/divrcio ou ainda de casos em que no havia casamento, mas

    somente unio estvel ou um simples namoro.

    4 SANTOS, Lia Justiniano dos. Guarda compartilhada: modelo recomendado. Revista Brasileira de Direito de Famlia, v. 2, n. 8, p. 155-164, jan./mar. 2001. p. 158.5 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: direito de famlia. 20. ed. So Paulo: Saraiva, 2005, v. 5. p. 512.6 VENOSA, Slvio de Salvo. Direito civil: direito de famlia. 5. ed. So Paulo: Atlas, 2005, v. 5. p. 335.

    16

  • Na famlia monoparental advinda de uma separao ou divrcio, teoricamente, o

    poder familiar continuar a ser exercido por ambos os genitores, mesmo que separados, ou

    seja, no h qualquer previso de suspenso ou perda do poder familiar em decorrncia

    exclusiva da separao do casal. 7

    A monoparentalidade subsiste mesmo se o modelo de guarda escolhido for o de

    guarda compartilhada, segundo guida Barbosa, mesmo no exerccio conjunto h dois lares.

    Do divrcio nasce uma famlia monoparental, se os filhos permanecerem com um dos

    genitores, ou duas famlias monoparentais, se for organizada uma autoridade parental

    conjunta. 8

    Existem trs tipos de poder parental, no exerccio da guarda: a unipessoal,

    quando o poder concentra-se em apenas um genitor; a conjunta quando os atos relativos vida

    e aos bens dos filhos so decididos por ambos os genitores, e, por fim, o exerccio indistinto,

    que permite a qualquer dos pais a realizao de atos vlidos. 9

    O poder familiar engloba a responsabilidade parental, que est inserida entre os

    deveres dos genitores, regulada pelo artigo 1.566, inciso IV, do CC/02, que dispe sobre os

    deveres dos cnjuges, dentre os quais: sustento, guarda e educao dos filhos; na CF/88 o

    artigo 229, assegura aos pais o dever de criar, educar e assistir os filhos menores e no artigo

    22 do ECA encontram-se regulados estes mesmos deveres.

    Enquanto da constncia do casamento, o exerccio do poder familiar no gera

    nenhuma dificuldade, os problemas surgem quando ocorre a ruptura da sociedade conjugal.

    Este o ponto nodal cuja polarizao emerge, ou seja: de um lado, a guarda dos filhos e, de

    outro, uma estrutura familiar rompida.10

    Trataremos na seo seguinte de um dos elementos do poder familiar, a guarda.

    Apresentaremos alguns conceitos, falaremos da atribuio da guarda em diversos momentos

    da histria, de onde ela pode advir, seu carter provisrio etc.

    7 VILARDO, Maria Agla Tedesco. Guarda compartilhada. Revista Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 9, n. 33, p. 305-312, 2006. p. 309.8 BARBOSA, guida Arruda. Guarda compartilhada. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Rio de Janeiro, v. 1, n. 6, p. 60-69, maio/jun. 2005. p. 64.9 BOSSERT; ZANNONI, 1996 apud LAGRASTA NETO, Caetano. Guarda conjunta. In: COLTRO, Antnio Carlos Mathias (Coord.). Constituio Federal de 1988: 10 anos. So Paulo: Juarez de Oliveira, 1999. p. 92.10 ALBUQUERQUE, Fabola Santos. As perspectivas e o exerccio da guarda compartilhada consensual e litigiosa. Revista Brasileira de Direito de Famlia, So Paulo, v. 7, n. 31, p. 19-30, ago./set. 2005. p. 21.

    17

  • 1.2 Guarda: elemento do poder familiar

    A guarda decorre da lei como conseqncia natural do poder familiar, dos

    institutos da tutela e da adoo.

    Abordaremos no presente estudo a guarda decorrente do primeiro instituto.

    O instituto da guarda encontra-se explicitamente previsto nos artigos 1.583 a

    1.590 do CC/02 e implicitamente previsto na CF/88 em seus artigos 227 e 229, que

    estabelecem as responsabilidades dos pais para com os filhos e garante ainda o direito de toda

    criana ter um guardio para proteg-la, dar assistncia material, moral e vigi-la.

    Jos Antonio de Paula Santos Neto e Rubens Limongi Frana conceituam guarda

    como "[...] o conjunto de relaes jurdicas que existem entre uma pessoa e o menor,

    dimanados do fato de estar este sob o poder ou a companhia daquela, e da responsabilidade

    daquela em relao a este, quanto vigilncia, direo e educao."11

    Na definio de Flvio Guimares Lauria, a guarda:[...] consiste num complexo de direitos e deveres que uma pessoa ou um casal exerce em relao a uma criana ou adolescente, consistindo na mais ampla assistncia sua formao moral, educao, diverso e cuidados para com a sade, bem como toda e qualquer diligncia que se apresente necessria ao pleno desenvolvimento de suas potencialidades humanas, marcada pela necessria convivncia sob o mesmo teto, implicando, inclusive, na identidade de domiclio entre criana e o(s) respectivo(s) titular(res).12

    Esclarece Waldyr Grisard Filho que: [...] a guarda, enquanto manifestao operativa do ptrio poder, compreende a convivncia entre pais e filhos no mesmo local, a ampla comunicao entre eles (visitao), a vigilncia, o controle, a correo, a assistncia, o amparo, a fiscalizao, o sustento, a direo, enfim, a presena permanente no processo de integral formao do menor.13

    A guarda objetiva diminuir o abismo entre [...] os dois plos do poder familiar,

    com o intuito de maximizar a efetivao dos direitos e deveres de pais e filhos na relao

    assistencial, assegurando assim, criana, um desenvolvimento saudvel, correto e efetivo.14

    A guarda de crianas e adolescentes pode advir de situaes distintas e sujeitas

    diferentes disciplinas jurdicas.

    11 SANTOS NETO; FRANA, 1994 apud CANEZIN, Claudete Carvalho. Da guarda compartilhada em oposio guarda unilateral. Revista Brasileira do Direito de Famlia, So Paulo, n. 28, p. 5-25, fev./mar. 2005. p. 8.12 GUIMARES, 2002 apud RAMOS, Patrcia Pimentel de Oliveira Chambers. O poder familiar e a guarda compartilhada sob o enfoque dos novos paradigmas do direito de famlia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 54.13 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 2. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 131.14 CANEZIN, Claudete Carvalho, op. cit., p. 8.

    18

  • Pode decorrer de disputa entre os pais, em virtude de separao judicial ou

    divrcio, sendo neste caso regulada pelos artigos 9 16 da Lei do Divrcio n 6.515/77

    (LDiv.) e 1.583 1.590 do CC/02.

    A guarda dos filhos oriundos da unio estvel est prevista no artigo 2, inciso IV,

    da Lei n 9.278/69, devendo ser aplicados por analogia os dispositivos citados da LDiv. e do

    CC/02.

    Pode tambm advir da colocao em famlia substituta, conforme previso dos

    artigos 33 a 35 do ECA.

    O primeiro modelo de guarda surge na constncia do casamento ou da unio

    estvel, quando ambos os pais possuem naturalmente a guarda dos filhos, ou seja, a guarda

    comum; divididos os direitos e deveres inerentes criao dos filhos. As questes relativas

    guarda dos filhos no so discutidas, em razo do consenso e da harmonia familiar (em regra).

    Assim, na constncia do casamento ou unio estvel se verifica a guarda compartilhada, pois

    as decises em relao aos filhos so tomadas conjuntamente pelos genitores.

    O sistema quanto ao exerccio da guarda no Brasil aquele em que os atos

    praticados pelos genitores sero vlidos se houver a convergncia de vontade de ambos os

    pais, tanto em uma relao matrimonial, quanto na ruptura.15

    Vale lembrar que o artigo 21 do ECA e 1.631, pargrafo nico do CC/02 dispem

    que em caso de discordncia, os genitores podem recorrer autoridade judiciria competente

    para a soluo da divergncia. Esta possibilidade no apenas para pais que vivem juntos,

    mas, tambm, para os que vivem separados. Este um dos casos em que o Estado no apenas

    protege como tambm interfere na famlia para solucionar o litgio.

    Enquanto a famlia se conserva unida, sem a presena de conflitos que geram a

    separao, presume-se que toda deciso tomada por um dos cnjuges em relao ao filho

    aceita pelo outro, assim o poder de deciso exercido conjuntamente.16

    Com o rompimento do casamento ou da unio estvel, dependendo da maneira

    como ocorre, o exerccio da guarda sofrer variaes em seu contedo e forma, pois, em

    regra, o genitor guardio passar a decidir unilateralmente (guarda nica). Assim, as questes

    passam a se revestir de grande importncia e complexidade, pois neste caso o exerccio da

    guarda se dar de modo diferente, separado da concepo de unidade familiar.

    15 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 2. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 113-114.16 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famlias monoparentais: a situao jurdica de pais e mes solteiros, de pais e mes separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 171.

    19

  • Quando a famlia est unida pelo casamento, notrio que a prtica da guarda

    conjunta vivel, no entanto, com a separao essa prtica torna-se mais difcil em tese, pois

    em alguns casos h conflitos entre os genitores e/ou a guarda exercida unilateralmente por

    um deles, com isso gerando, em regra, o afastamento do no-guardio.

    importante ter em mente que o estudo da guarda aqui analisado no mbito da

    ruptura do relacionamento conjugal, ou seja, da guarda decorrente das relaes entre pais e

    filhos ps-separao, no no mbito do casamento ou da unio estvel.

    A guarda pode decorrer de deciso judicial (imposio judicial), quando no h

    consenso entre os genitores; de acordo entre os pais, sujeito homologao pelo juiz ou de

    situao ftica. Em todos os casos, ao juiz conferido amplo poder de regulamentao,

    modificao e reverso da guarda, nas hipteses previstas na legislao (poder discricionrio).

    Conforme sobredito, a guarda possui carter provisrio. Sua alterao a qualquer

    momento possvel para atender ao bem-estar da criana, desde que apaream fatos

    (situaes excepcionais) que mostrem que a criana no deve permanecer sob a guarda da

    pessoa a quem foi atribuda, ou que o modelo de guarda estabelecido deve ser alterado.

    Portanto, [...] a determinao da guarda, mesmo depois de homologada, e ainda

    que tenha transitado em julgado, pode ser alterada a favor do interesse do menor ... As

    medidas tomadas nesta matria so suscetveis de serem modificadas sempre que a situao

    ftica se alterou.17

    O artigo 13 da LDiv. o fundamento legal para a possvel alterao da guarda.

    Tal artigo sustenta atendimento ao princpio do melhor interesse da criana e do adolescente.

    No entender de Srgio Gischkow Pereira, [...] uma regra que desfaz todas as regras, ou, se

    preferirem, passa a ser a regra das regras, entregando discrio do magistrado a palavra

    ltima.18

    Aps a breve explanao acerca dos institutos do poder familiar e da guarda,

    passaremos ao estudo da questo da guarda quando da ruptura conjugal, sua atribuio nos

    diferentes casos de separao e divrcio e como se apresenta aps a separao.

    17 GONALVES, Denise Willhelm. Guarda compartilhada. Revista Jurdica, So Paulo, v. 50, n. 299, p. 44-54, set. 2002. p. 47.18 PEREIRA, Srgio Gischkow. A guarda conjunta de menores no direito brasileiro. Revista da Associao dos Juzes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, vol. 13, n. 36, p. 53-64, mar. 1986. p. 56.

    20

  • 2 Conflito e a ruptura conjugal: origem do problema

    2.1 Queda do nmero de casamentos e aumento do nmero de

    divrcios

    Pesquisas mostram que o nmero de casamentos vem diminuindo ao longo dos

    tempos e o nmero de divrcios vem aumentando. Segundo Jos Renato Nalini, tem-se o

    seguinte:Entre 1980 e 1992, o casamento legal reduziu-se em 11%, o que significa vinte e trs mil casais deixando de se casar. A taxa de nupcialidade era de 8,3% por mil em 1980 e passou a ser de 5,7% em 1992. No municpio da capital, a queda no volume de casamentos chegou a 26,5%, sugerindo que os paulistas aderiram a novas formas de unio em substituio convencional. Alm disso, enquanto a mdia diria de casamentos foi constante, entre 1980 e 1990, a mdia diria de separaes no perodo subiu mais de 257% e os divrcios mais de 550%.19

    O nmero de divrcios vm aumentando vertiginosamente ao longo do tempo. E a

    maior preocupao com as conseqncias geradas pela separao em relao aos filhos.

    Vale lembrar que:Uma pesquisa do IBGE divulgada h dois meses mostra que o nmero de divrcios no Brasil aumentou 52% nos ltimos dez anos, contra um crescimento de 14% da populao. Divorciar-se tambm ficou mais fcil. H duas semanas, entrou em vigor uma lei permitindo a oficializao do divrcio em cartrios, sem a interveno da Justia, para casais sem filhos menores ou incapazes.20

    A separao e o divrcio tm incio com um conflito. O conflito por natureza

    ligado ao ser humano e a famlia um local propcio para o seu surgimento e

    desenvolvimento. A autonomia, individuao, solidariedade e empatia entre irmos e entre

    pais e filhos nasce por meio do conflito e da confrontao entre eles. Com isso, necessrio

    deixar de lado o pensamento de que nas famlias s existe companheirismo e amor, pois, a

    agressividade e o conflito no so atributos somente de famlia com problemas.21

    Os conflitos relacionados famlia antes de serem de direito, so emocionais,

    afetivos, psicolgicos. Esto impregnados de sofrimentos anteriores, mgoas, desgastes etc.

    Como visto, o conflito importante e fundamental na esfera familiar, o que se

    procura evitar a transformao do conflito em litgio, e o litgio em separao e divrcio.

    Quando inevitvel a transformao do conflito em litgio, o Judicirio entra em cena. 19 NALINI, 2000 apud SANTOS, Flvio Augusto de Oliveira. Anotaes sobre a guarda compartilhada. Revista de Direito Privado, So Paulo, v. 6, n. 22, p. 96-113, abr./jun. 2005. p. 96-97.20 ZAKABI, Rosana. Os novos cdigos da separao. Revista Veja, So Paulo, n. 3, p. 94-97, jan. 2007. p. 94.21 SANTOS, Lia Justiniano dos. Guarda compartilhada: modelo recomendado. Revista Brasileira de Direito de Famlia, v. 2, n. 8, p. 155-164, jan./mar. 2001. p. 159.

    21

  • De qualquer forma, apesar dos conflitos e litgios, os pais devem conservar seus

    papis de pais, como forma de preservar bem-estar da prole.

    A partir do momento em que o conflito torna-se insolvel na esfera familiar, d-se

    ento a separao ou divrcio na esfera judicial.

    Destaca a Revista Veja que, [...] de acordo com os especialistas em demografia, a

    tendncia que o nmero de divrcios e separaes continue a crescer no Brasil nos prximos

    dez anos. Cada vez mais descasados tero de se empenhar em separaes bem-sucedidas em

    nome do bem-estar dos filhos.22

    Vejamos as conseqncias destes problemas para o Direito de Famlia.

    2.2 Ruptura conjugal: a questo da guarda e do poder familiar

    Como dito anteriormente, na constncia do casamento, a questo do poder

    familiar e da guarda bem resolvida, pois pai e me possuem os seus papis definidos.

    Porm, quando ocorre a ruptura do casamento ou da unio estvel, surge o problema: pai e

    me continuam a possuir a titularidade do poder familiar que no perdem com a separao ou

    divrcio, mas, conforme o sistema tradicional de atribuio da guarda (guarda nica), a

    guarda desdobrada, pois dada exclusivamente a um dos genitores, restando ao outro o

    direito de visita e fiscalizao dos filhos. Gerando com isso, em regra, desigualdade no

    exerccio do poder familiar e da guarda.

    Segundo Fabola Santos Albuquerque o que sofrer alterao, e ainda assim

    dependendo do grau de animosidade dos pais, o exerccio do poder familiar [...].23 (Grifo

    nosso).

    Mesmo aps a separao, ambos os pais [...] esto teoricamente em igualdade de

    condies para o exerccio do poder familiar, que somente se altera em relao ao fato de que

    a criana no mais estar em tempo integral com ambos os genitores.24 (Grifo nosso).

    Com a separao ou divrcio surge a guarda judicial que poder ser, como se ver

    mais frente, a guarda unilateral, alternada, nidao ou compartilhada. Porm a nica que,

    por enquanto, possui lei especfica no ordenamento jurdico ptrio a unilateral.

    22 ZAKABI, Rosana, op. cit., p. 97.23 ALBUQUERQUE, Fabola Santos, op. cit., p. 22.24 RAMOS, Patrcia Pimentel de Oliveira Chambers. O poder familiar e a guarda compartilhada sob o enfoque dos novos paradigmas do direito de famlia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 68.

    22

  • Pelo sistema tradicional de guarda, aps a ruptura, os papis dos genitores so

    redistribudos e os filhos que antes conviviam com os pais sob um regime igualitrio, passam

    a viver sob um regime dual.

    O genitor guardio passa a exercer o poder familiar em sua totalidade, define

    todos os aspectos da vida do menor, administrando a penso alimentcia e ao no-guardio

    resta apenas o papel de fiscalizar, pagar penso e visitar o filho.

    Dessa forma, na prtica quem possui o pleno exerccio da autoridade parental o

    guardio, o genitor no-guardio apenas conserva as faculdades potenciais de atuao.

    Devido separao ou divrcio a famlia prejudicada, pois a estrutura familiar

    que antes era normal passa a ser influenciada, em regra, por diversos fatores, tais como brigas,

    desentendimentos etc. que acabam prejudicando os filhos e influenciando no seu modo de

    encarar a situao.

    O mais relevante na hora da ruptura conjugal a questo da guarda, que vai muito

    alm da dor que os genitores possam sentir pelo rompimento, vai alm da discusso sobre a

    culpa, alm da partilha de bens. Os pais devem se abster de todos esses problemas para

    decidirem de maneira tranqila sobre a guarda dos filhos.

    Assim, aps a ruptura da relao conjugal, tem-se a questo da guarda, que possui

    duas possibilidades: ou os genitores entram em consenso em relao ela (homologao ou

    no do acordo pelo juiz) ou o juiz decide por meio de sentena judicial, nos casos em que os

    pais no conseguem entrar em acordo. Em ambos os casos o juiz decide sobre o modelo de

    guarda mais adequado a ser aplicado, levando em considerao o melhor interesse do menor.

    No segundo caso, geralmente aplica-se a guarda nica por no existir consenso.

    2.3 Separao, divrcio e atribuio da guarda

    O CC/02 reproduziu, praticamente, o contedo das disposies vigentes,

    considerando que muitas daquelas constantes da redao apresentada na LDiv. foram

    revogadas ou mereceram nova interpretao diante da isonomia constitucional entre o homem

    e a mulher, e da necessidade de preservao, em primeiro lugar, do melhor interesse dos

    menores.

    A seguir discorreremos sobre a guarda e sua atribuio nos casos de separao e

    divrcio. Vale ressaltar que no caso de divrcio, [...] a legislao no constri normatividade

    23

  • especfica, salvo uma exceo, com o que se vem aplicando, analogicamente, os preceitos

    destinados s separaes [...].25

    2.3.1 Separao e divrcio consensual

    As relaes entre os genitores e entre estes e os filhos sero disciplinadas pelo

    acordado quando da separao ou divrcio consensual. Determina a lei, a observncia ao que

    os cnjuges acordarem sobre a guarda e sustento dos filhos (artigo 1.583, do CC/02 e 9 da

    LDiv.), se neste acordo for atendido o melhor interesse da criana.

    Corroboram com o sobredito, Luiz Fachin e Carlos Eduardo Ruzyk:

    Podem os cnjuges, como regra geral, realizar acordo sobre a guarda dos filhos. A guarda pode ser unilateral ou compartilhada. Por isso mesmo, no caso de dissoluo da sociedade ou do vnculo conjugal pela separao judicial por mtuo consentimento ou pelo divrcio direto consensual, observar-se- o que os cnjuges deliberarem sobre a guarda dos filhos. O limite est na preservao do interesse dos filhos. Note-se, pois, que no basta o consenso dos pais; imprescindvel que a situao dos filhos esteja adequadamente preservada, uma vez que os filhos no so objeto dessa regulao jurdica terminativa do casamento [...].26 (Grifo nosso).

    Na separao consensual, a petio inicial deve conter obrigatoriamente o acordo

    concernente guarda e visitao dos filhos menores, sob pena de emenda ou indeferimento.

    Cabe ao juiz homologar ou no o acordo, levando sempre em considerao o interesse da

    criana (artigo 1.574, pargrafo nico do CC/02). Conforme dito anteriormente, este acordo

    pode ser alterado caso sobrevenham fatos que aconselhem soluo diversa da acordada,

    poder ento o juiz alterar o regime e/ou modelo de guarda quando preciso para atender ao

    melhor interesse do menor.

    Assim, mesmo que haja o acordo entre os pais, este no prevalecer contra o

    interesse da criana.

    2.3.2 Separao e divrcio litigioso: suprimida a idia de culpa

    A idia de culpa fundamentou as decises concernentes ao Direito de Famlia e a

    respectiva legislao ordinria, vinculando noo de culpa pela ruptura do casamento,

    25 PEREIRA, Srgio Gischkow. A guarda conjunta de menores no direito brasileiro. Revista da Associao dos Juzes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, vol. 13, n. 36, p. 53-64, mar. 1986. p. 59.26FACHIN; RUZYK, 2003 apud SANTOS, Flvio Augusto de Oliveira. Anotaes sobre a guarda compartilhada. Revista de Direito Privado, So Paulo, v. 6, n. 22, p. 96-113, abr./jun. 2005. p. 103-104.

    24

  • sanes que atingiam as questes relativas a alimentos, guarda de filhos (perda compulsria

    da guarda dos filhos ou preferncia da atribuio me no caso de culpa concorrente), uso do

    nome da famlia e mesmo patrimoniais, na diviso dos bens.

    Diferentemente do que ocorria, atualmente a deciso de com quem ficar o menor

    no est mais ligada culpa e sim ao bem-estar do mesmo. A idia de culpa foi estirpada por

    meio da jurisprudncia e posteriormente pelo CC/02. Os juzes cada vez se importam menos

    em achar um culpado pelo fim do relacionamento, eles esto mais interessados em decidir de

    acordo com o bem-estar da criana.

    O legislador introduziu com a previso contida no artigo 11 da LDiv. em

    consonncia com o artigo 5, 1 e artigo 13 da mesma Lei, [...] a nova tendncia que j se

    delineava no sentido de atenuar e mesmo excluir o papel da culpa na separao judicial e na

    atribuio da guarda.27 Assevera Gustavo Tepedino [...] que os dispositivos legislativos, que

    tm sua justificativa axiolgica na culpa e ainda permanecem no nosso ordenamento jurdico,

    perderam sua base de validade a partir do novo ordenamento constitucional.28

    O desaparecimento da culpa e as separaes bem-sucedidas foram tema de uma

    das reportagens da Revista Veja: A prpria Justia hoje colabora com a separao bem-sucedida. At poucos anos atrs, nos processos judiciais que decidem a quem cabe a guarda das crianas ou como ser dividido o patrimnio, a prioridade dos juzes consistia em definir quem era o culpado pelo fim do casamento para submet-lo s exigncias do parceiro. A tendncia hoje no apontar culpados, mas incentivar o casal a chegar a um consenso sobre a partilha dos bens e a guarda dos filhos, diz o advogado Rodrigo da Cunha Pereira.29

    Certamente o entendimento que fundamentava a idia de culpa e de que os filhos

    deveriam ficar com o cnjuge inocente encontra-se superado, sendo inconcebvel o

    deferimento da guarda dos filhos com base na atribuio de responsabilidade pelo no sucesso

    do casamento ou unio estvel.

    Assim, conforme dita o artigo 1.584 do CC/02 nos casos de separao ou divrcio

    litigioso, em que no h consenso, a guarda ser atribuda a quem revelar melhores condies

    de exerc-la (sistema tradicional de guarda nica), portanto, o artigo 10 da LDiv. que

    considerava a inocncia conjugal como critrio para atribuio da guarda, foi revogado.

    As regras referentes guarda e sustento dos filhos, em caso de separao litigiosa,

    aplicam-se, por igual, hiptese de anulao de casamento (artigo 1.587 do CC/02).

    27 SANTOS, Lia Justiniano dos. Guarda compartilhada: modelo recomendado. Revista Brasileira de Direito de Famlia, v. 2, n. 8, p. 155-164, jan./mar. 2001. p. 160.28TEPEDINO apud SANTOS, Lia Justiniano dos. Guarda compartilhada: modelo recomendado. Revista Brasileira de Direito de Famlia, v. 2, n. 8, p. 155-164, jan./mar. 2001. p. 160. 29 ZAKABI, Rosana, op. cit., p. 96.

    25

  • Dessa forma, a culpa foi banida como critrio orientador da atribuio da guarda,

    atualmente pensa-se que um mau cnjuge no significa necessariamente um mau pai ou me.

    Os Tribunais passaram a decidir a questo da guarda enfocando, exclusivamente, a tica do

    bem-estar dos filhos, independentemente das causas da ruptura do relacionamento dos pais.

    2.3.3 Separao de fato

    Como o prprio nome diz, esto separados de fato aqueles que no esto juntos

    sob o mesmo teto, ou seja, manifestaram a disposio de no mais viverem juntos nem

    coabitarem (sem a interveno do Judicirio), embora casados ou conviventes. Aos casados

    facultado o ingresso em juzo com o divrcio direto quando da separao de fato por 2 anos.

    Nessa hiptese, de separao de fato, a lei silencia sobre com quem ficar a

    criana. Ressalva-se que o poder familiar como nas outras hipteses de separao no

    afetado. Ambos os genitores preservam os mesmos direitos e deveres.

    Quando ocorre a separao de fato, os filhos estaro na companhia de um ou de

    outro dos cnjuges. Neste caso, no cabvel ao de busca e apreenso do menor, tendo em

    vista que no ilegal a deteno da guarda por um dos genitores. Mas, estejam com quem

    estiver, o fato que o genitor que os tem em sua companhia est exercendo a guarda de fato,

    cabendo ao para regul-la.

    Diante da ausncia de regramento especfico quanto atribuio da guarda na

    separao de fato, os Tribunais tendem a deferir a guarda do menor ao genitor com quem este

    j se encontrava ao tempo da separao.

    Porm, isto no uma regra absoluta, pois o que prevalece o melhor interesse da

    criana. Por razo de carter jurdico e de convenincia, que os Tribunais tm mantido o

    status quo, enquanto no surgirem motivos que aconselhem a sua alterao. Nesse sentido, a

    jurisprudncia. Confira-se: CIVIL - SEPARAO CONSENSUAL - GUARDA DA FILHA MENOR.Se aps a separao de fato dos genitores a filha menor nunca se afastou da casa paterna, onde tambm residem suas irms, tal situao deve permanecer eis que nada justifica a transferncia de sua guarda. (Apelao Cvel, n: 19990110182396, Quarta Turma Cvel, TJDFT, relator: Sergio Bittencourt, julgado em: 04/12/2003, DJ 07/06/2005 p. 206).

    26

  • No entanto, aduz Srio Gischkow Pereira que [...] a doutrina preleciona

    remanescem ambos os pais com o direito de guarda, sem preferncia para nenhum [...].30

    Um dos fundamentos legais para o juiz decidir pela permanncia do filho com o

    genitor quando da ruptura da vida em comum o artigo 11 da LDiv. Este artigo visa preservar

    o status da criana com relao ao seu guardio e aplicado com mais freqncia s aes de

    divrcio direto.

    Assim, se a separao pedida com base na ruptura da vida em comum h mais

    de dois anos, com impossibilidade de reconstituio, o filho tende a ficar em poder do genitor

    em cuja companhia estava durante o tempo de ruptura.

    2.3.4 Unio estvel

    A CF/88 em seu artigo 226, 3, reconheceu a unio estvel, criando assim, um

    novo modelo de famlia. O CC/02 regulou a matria no artigo 1.723 e seguintes, muito

    embora existissem antes outras leis especficas sobre o tema.

    O artigo 1.724 prev entre os direitos e deveres dos companheiros, o de guarda,

    sustento e educao dos filhos comuns. Porm, no regulamentou expressamente sobre o

    destino dos filhos nos casos de dissoluo da unio, recomendando-se que se aplique por

    analogia o mesmo critrio da ruptura do casamento.

    Adiante trataremos de algumas questes relativas guarda, aos genitores e prole

    aps a separao, divrcio ou dissoluo de unio estvel.

    2.4 Ps-separao

    A separao e o divrcio trazem profundas mudanas na vida familiar. A nova

    situao da advinda gera uma necessidade de se pensar a respeito da guarda e suas

    conseqncias, realizar estudos para se tentar diminuir os efeitos que uma separao acarreta

    principalmente aos filhos menores.

    Os pais, mesmo aps a separao ou divrcio, deveriam continuar decidindo

    conjuntamente acerca de questes importantes e at mesmo as do dia-a-dia dos filhos, pois,

    30 PEREIRA, Srgio Gischkow. A guarda conjunta de menores no direito brasileiro. Revista da Associao dos Juzes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, vol. 13, n. 36, p. 53-64, mar. 1986. p. 59.

    27

  • para a criana ter seus pais unidos em torno de si e de seus interesses aumenta sua segurana,

    gerando nela o sentimento de que suas necessidades no foram deixadas de lado aps a

    separao dos pais e que seu vnculo com ambos permanecer.

    essencial que nenhum dos genitores coloque empecilhos no relacionamento dos

    filhos com o outro, para que os menores se desenvolvam sadios e sem seqelas. Os pais que

    se casam novamente e tm outros filhos no podem esquecer dos filhos fruto da unio que no

    deu certo.

    A separao no pode pr fim ao relacionamento familiar, como bem observa

    Karen Nioac de Salles:[...] os pais no podem, injustificadamente, privar os filhos do convvio com os irmos e ascendentes. Esta convivncia deve, portanto, ser mantida mesmo que qualquer dos genitores, por razes pessoais, queira pr-lhe termo. O trmino da famlia no deve ir alm da separao (ou divrcio) dos pais, preservando-se tanto quanto possvel, as relaes dos filhos com todos os familiares.31

    Portanto, a separao ou divrcio e a posterior atribuio da guarda a um dos pais

    (sistema tradicional de guarda nica) no pode significar limitao ou perda do exerccio do

    poder familiar por um deles e muito menos do dever de ambos manterem uma saudvel

    comunicao em benefcio dos filhos.

    Conforme assevera guida Arruda Barbosa, o esprito geral da reforma de

    mentalidade funde-se na concepo de continuidade da autoridade parental, mesmo aps a

    ruptura do casal conjugal, com a preservao, o mais semelhantemente possvel, das

    condies existentes na constncia do casamento.32

    Corroborando com o sobredito, Rolf Madaleno aduz que: No desaparece com a separao dos ascendentes o exerccio das prerrogativas inerentes ao dever parental de acompanhar de perto, e de interferir positivamente na formao do filho, sempre voltado para a consecuo dos seus melhores interesses, no no sentido de outorgar privilgios, liberdades e excessos, mas de consignar com a sua presena e com a sua constante viglia, o porto seguro, e as condies de alimento, carinho, educao, orientao e repreenso, adotando na sua funo educativa para com a sua prole todos os cuidados e atenes modeladores da conveniente estrutura psquica e moral que deve estar presente no processo de crescimento, desenvolvimento e de socializao do filho em contato com o mundo.33

    Apesar de o correto ser a continuidade do exerccio do poder familiar por ambos

    os pais, entende Srgio Eduardo Nick que no o que ocorre na realidade, [...] a questo

    31 SALLES, Karen Ribeiro Pacheco Nioac de. Guarda compartilhada. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 90.32 BARBOSA, guida Arruda, op. cit., p. 65.33 MADALENO, Rolf Hanssen. Direito de famlia em pauta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 84-85.

    28

  • legal no foi acompanhada pelo comportamento dos genitores: acontece com freqncia que o

    pai tem o ptrio poder e no o exerce, o que no desejvel.34

    Assim, mesmo aps a separao, ambos os genitores devem continuar a relao

    com seus filhos, precisam permanecer interessados pela educao e criao bem como pelo

    desenvolvimento psquico e emocional dos menores, ou seja, direito da criana e do

    adolescente estar real e efetivamente sob o poder familiar dos pais e conviver com ambos

    satisfatoriamente mesmo aps a ruptura. Adverte Srgio Eduardo Nick que a questo que se

    coloca se isto ocorre na prtica.35

    Verifica Marcial Barreto Casabona que [...] a lei no tm a fora de assegurar o

    exerccio do poder familiar; pode enunci-lo, pode oferecer a via judiciria, no pode

    assegurar eficcia prtica na realidade [...].36

    Do exposto, v-se que os pais possuem um papel fundamental na criao e

    educao dos filhos mesmo aps a ruptura do casamento, portanto, precisam ser maduros,

    deixar de lado seus conflitos particulares para ento buscar o bem-estar da prole nessa nova

    etapa ps-separao.

    A necessidade de se deixar os conflitos de lado ocorre pelo fato de que aps a

    separao o que se reconfigura o estado referente conjugalidade e no parentalidade,

    assim, o vnculo biolgico e/ou afetivo entre pais e filhos no acaba com a ruptura dos laos

    conjugais. Pode ocorrer a separao para o casal, mas no para o desempenho das funes

    parentais de cada um em relao prole.

    Refora o sobredito, o entendimento de Jos Sebastio de Oliveira:

    A famlia que tem fim com a separao judicial ou o divrcio pode ter sido extinta quanto ao relacionamento entre os cnjuges. Porm, os laos afetivos que ligam os separados ou divorciados a seus filhos mantm-se ntegros e muito consistentes. A afetividade que teve fim com o fracasso do relacionamento no pode ser esquecida quanto aos filhos.37

    Assim, o poder familiar s ser exercido em sua totalidade por ambos os genitores

    aps a separao, quando conseguirem separar a conjugalidade da parentalidade e

    34 NICK, Srgio Eduardo. Guarda compartilhada: um novo enfoque no cuidado aos filhos de pais separados ou divorciados. In: BARRETO, Vicente (Org.). A nova famlia: problemas e perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 138.35 Ibid., p. 148. 36 CASABONA, Marcial Barreto. Guarda compartilhada. So Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2006. p. 265.37 OLIVEIRA, Jos Sebastio de. Fundamentos constitucionais do direito de famlia. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 303.

    29

  • consequentemente compartilhar a guarda. Portanto, [...] os cnjuges deixam de ser cnjuges,

    mas no deixam de ser pais.38

    A ruptura do casamento ou unio estvel, por mais que ocorra em uma situao de

    cordialidade, acaba gerando alguns efeitos negativos sobre os filhos. o que abordaremos a

    seguir.

    2.4.1 Efeitos da separao sobre os filhos

    A filiao um dos institutos mais importantes do Direito de Famlia. Os pais, ao

    decidirem pela separao, com seus naturais efeitos, tendem a prejudicar os filhos com suas

    decises quase sempre impensadas, motivadas, em geral, pela emoo ou razes outras.

    Conforme aduz Patrcia Ramos, a violao dos direitos fundamentais da criana

    d-se, muitas vezes, no mbito da prpria famlia, sem a perfeita conscincia do responsvel

    pela transgresso, que, envolvido pelo sentimento de frustrao emocional, usa a criana para

    vingar-se e enlouquecer o outro genitor.39

    As crianas so bastante vulnerveis aos comportamentos geralmente ruins que os

    pais tm quando esto se separando ou mesmo aps. Geralmente os conflitos entre os

    genitores permanecem mesmo aps a separao e acabam afetando os filhos que via de regra

    em nada possuem culpa.

    A separao ou divrcio causam profundos efeitos sobre os filhos, cabe ao

    Judicirio, ouvindo os pais, a adoo de medidas que minorem os efeitos malficos da

    conduta conjugal em relao aos filhos. Os pais tambm necessitam diminuir os efeitos,

    precisam se envolver com os filhos aps a ruptura da unio, dessa forma estaro diminuindo o

    sentimento de perda sentido por eles: vrios estudos mostram que as crianas cujos pais se

    divorciam, mas se mantm prximos a elas, aparentando tranqilidade, superam melhor e com

    mais rapidez o choque causado pela separao.40

    A guarda compartilhada pode ser uma soluo adotada pelos pais e pelo Judicirio

    para que os efeitos to indesejados da separao sejam menos sentidos pelos pais e

    principalmente pela prole.

    38 LEIRIA, Maria Lcia Luz. Guarda compartilhada: a difcil passagem da teoria prtica. Revista da Associao dos Juzes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 26, n. 78, p. 217-229, jun. 2000. p. 219.39 RAMOS, Patrcia Pimentel de Oliveira Chambers. A guarda compartilhada como direito fundamental da criana. Revista do Ministrio Pblico, Rio de Janeiro, n. 15, p. 213-222, jan./jun. 2002. p. 216.40 ZAKABI, Rosana, op. cit,. p. 94.

    30

  • 3 Atribuio da guarda

    3.1 Tradio da guarda nica, unilateral ou exclusiva

    O modelo de guarda tradicional no Brasil o da guarda nica, com a atribuio da

    guarda a quem tenha mais possibilidade de resguardar o melhor interesse da criana. A idia

    de que a guarda prevalece com a me, muito embora difundida no Brasil, no e no pode

    mais ser aceita, dada a concepo de igualdade entre os genitores e, principalmente, o melhor

    interesse da criana, podendo a guarda inclusive ser deferida a terceiro (no genitor).

    Segundo Francyelle Seemann Abreu a modalidade de guarda nica: a

    modalidade de guarda mais comum e que impera com maior nfase no ordenamento jurdico

    nacional, na qual dado me a preferncia de deter a guarda e ao pai o direito de visitas

    quinzenais.41

    Anota Waldyr Grisard Filho que em regra, como vimos, o menor confiado

    guarda de um s dos pais. a guarda nica [...].42

    Assevera Elaine Gomes Barreto que em situao de separao e divrcio,

    sistemtica a outorga da guarda a um s dos genitores, unanimidade na doutrina e na

    jurisprudncia, aceito sem contestaes.43

    Portanto, nota-se que o modelo mais utilizado no Brasil o da guarda nica. O

    qual abordaremos a seguir.

    3.1.1 Guarda nica, unilateral ou exclusiva

    Nos casos de guarda nica, a titularidade do poder familiar continua com o pai e a

    me, porm, a guarda atribuda isoladamente ou exclusivamente a somente um dos

    genitores.

    Neste modelo o genitor guardio ir administrar os interesses e bens do filho, este

    ter uma residncia fixa que ser a residncia do guardio. O genitor no-guardio ter o

    direito de visitar (com horrios rgidos e limitados, em regra) e ter o filho em sua companhia,

    41 ABREU, 2004 apud PAIXO, Edivane. Guarda compartilhada de filhos. Revista Brasileira de Direito de Famlia, So Paulo, v. 7, n. 32, p. 50-71, out./nov. 2005. p. 51.42 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 2. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 170.43 BARRETO, Elaine Gomes. Guarda compartilhada. In: MELLO, Cleyson de Moraes; FRAGA, Thelma Arajo Esteves (Orgs.). Temas polmicos de direito de famlia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2003. p. 141.

    31

  • bem como fiscalizar sua manuteno podendo invocar o Poder Judicirio para fazer valer suas

    opinies, se forem divergentes das do genitor guardio.

    Para Edivane Paixo, a guarda nica, como a prpria denominao j exprime,

    quando o seu exerccio deferido a apenas um dos genitores, que ter o direito de permanecer

    com os filhos, enquanto o outro poder apenas exercer o direito de visita.44

    Na atribuio da guarda nica leva-se em considerao o critrio de competncias,

    ou seja, qual dos genitores possui melhores condies de ter a guarda do menor (artigo 1.584

    do CC/02), segundo Leila Maria Torraca de Brito, [...] classificao que mais tarde foi

    percebida como fonte de continuas discrdias e desqualificaes.45

    A tendncia da atribuio da guarda exclusiva a um dos genitores vem sendo

    abrandada, modernamente tem-se procurado dividir mais igualitariamente o exerccio do

    poder familiar aps a separao ou divrcio.

    O modelo de guarda nica no aceito por todos os doutrinadores e operadores do

    Direito; ao contrrio, tem recebido diversas crticas concernentes s suas conseqncias.

    3.1.2 Crticas guarda nica

    As conseqncias da guarda nica geram algumas insatisfaes por no

    promoverem a igualdade de direitos e responsabilidades entre os pais.

    O sistema tradicional de guarda privilegia somente um dos pais na criao do

    menor, exacerbando o seu poder de deciso sobre o futuro do filho e gerando prejuzos tanto

    para este quanto para o genitor no-guardio, que se v privado do contato mais freqente e

    ntimo com os filhos.

    A guarda nica leva ao afastamento do no-guardio em relao ao filho, pois as

    visitas so estipuladas, previamente marcadas e geralmente o guardio impe as regras. No

    entendimento de Edivane Paixo, no modelo de guarda nica: [...] a criana passa por duas perdas: a primeira refere-se unidade familiar, que ora se transforma, e a segunda quanto companhia contnua de um dos pais, que passar a ter direito apenas visita. Este modelo garante ao detentor o direito convivncia diria com os filhos, limitando o outro genitor a um papel secundrio.46

    Conforme o entender de Paulo Lbo:44 PAIXO, Edivane, op. cit., p. 51.45 BRITO, Leila Maria Torraca de. Guarda conjunta: conceitos, preconceitos e prtica no consenso e no litgio. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Afeto, tica e o novo cdigo civil brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 353.46 PAIXO, Edivane, op. cit., p. 51.

    32

  • A experincia da guarda exclusiva a histria das tenses e dos conflitos, em prejuzo do filho, que se v como joguete dos efeitos do desamor, dos ressentimentos e de chantagens. O direito visita reduz o papel da co-parentalidade desejada pelo filho. A tendncia o filho perder a convivncia com o genitor no-guardio [...].47

    Neste modelo de guarda, afirma Claudete Canezin que ao pai cabe apenas "[...] o

    direito de visitas e vigilncia, que no dever transformar-se num direito de ingerncia. Por

    isso, o seu titular no dispe de um direito de ao, nem de um direito de veto em relao s

    decises tomadas pelo guardio [...]."48

    Desta feita, o modelo de guarda nica incompatvel com a maioria dos

    princpios informadores do Direito de Famlia, bem como com os ditames da Declarao

    Universal dos Direitos da Criana e com os da Conveno sobre os Direitos da Criana.

    Observa Patrcia Ramos que:No se pode esquecer que o modelo tradicional da guarda nica sempre acarretou e vem ensejando um nmero crescente de litgios judiciais, que se avolumam a cada dia. Os Tribunais vem-se compelidos a criarem mais Varas de Famlia, recrutarem bacharis em direito como conciliadores em auxlio aos juzes, e muitas famlias so desestabilizadas com a ameaa de priso do alimentante e dificuldade de visitao dos filhos.49

    No entender de Maria Pisano Motta, a guarda pode ser uniparental e as crianas

    serem submetidas a estressantes desentendimentos propostos por normas conflitantes ou

    valores parentais mutuamente desqualificantes.50 Assim, a guarda nica no garante a

    harmonia.

    Uma pesquisa realizada por Leila Maria Torraca de Brito revela que a maioria

    das crianas filhas de pais separados e sob a guarda nica acaba por perceber de forma mais

    positiva o genitor que detm a guarda, fazendo alianas com o mesmo, e tendo a viso do

    outro como um vilo.51

    Ao contrrio das crticas sobreditas, Eduardo de Oliveira Leite afirma que o

    modelo de guarda nica [...] se imps como o recurso de exerccio de autoridade parental

    mais propcio criana, j que ela viver num lar determinado e usufruir da presena do

    outro genitor a quem no foi atribuda a guarda atravs do direito de visita.52

    47 LBO, 2003 apud ALBUQUERQUE, Fabola Santos, op. cit., p. 22-23.48 CANEZIN, Claudete Carvalho, op. cit., p. 15.49 RAMOS, Patrcia Pimentel de Oliveira Chambers. A guarda compartilhada como direito fundamental da criana. Revista do Ministrio Pblico, Rio de Janeiro, n. 15, p. 213-222, jan./jun. 2002. p. 219.50 MOTTA, Maria Antonieta Pisano. Guarda compartilhada: novas solues para novos tempos. In: CATTANI, Aloysio Raphael...et al. Direito de famlia e cincias humanas. So Paulo: Jurdica Brasileira, 2000. cap. 5. p. 8.51 BRITO, 1999 apud RAMOS, Patrcia Pimentel de Oliveira Chambers. O poder familiar e a guarda compartilhada sob o enfoque dos novos paradigmas do direito de famlia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 57. 52 LEITE apud LEIRIA, Maria Lcia Luz, op. cit,. p. 218.

    33

  • Assim, v-se que a situao de casais separados no de absoluta igualdade

    quando o modelo o de guarda nica, pois neste caso o no-guardio, em regra, exime-se do

    exerccio do poder familiar pagando penso alimentcia e visitando o menor esporadicamente.

    Enquanto o guardio exerce de direito e de fato o poder familiar, o no-guardio o exerce

    apenas de direito (titularidade). Nesse modelo h a presuno de que o guardio o nico

    competente para agir, no exerccio pleno do poder familiar, sob a vigilncia e fiscalizao do

    no-guardio.

    Faremos a seguir uma breve explanao da importncia de ambos os papis

    (materno e paterno) para um bom desenvolvimento da criana e do adolescente.

    3.2 Papel materno e paterno

    3.2.1 A questo da atribuio da guarda preferencialmente me

    Antigamente o pai era o nico chefe e provedor da famlia, a mulher ainda no

    possua autonomia profissional e econmica, restava ela a execuo de tarefas domsticas e

    o cuidado com os filhos dentro do lar. Pensava-se que a me era a natural guardi da prole,

    por ser quem gera o filho e possui tempo livre para se dedicar s tarefas domsticas

    diferentemente do pai que trabalhava e se dedicava menos aos filhos.

    Dessa forma, devido a essa dedicao exclusiva aos afazeres do lar, surge a

    premissa de que a mulher quem possui os atributos necessrios para ter em sua guarda os

    filhos menores [...].53 O artigo 10, 1, da LDiv. corrobora com essa premissa, pois d

    preferncia me para atribuio da guarda, gerando o dueto tradicional: guarda materna e

    visita paterna.

    No entanto, atualmente essa premissa vem sendo suprimida pelo crescente

    ingresso das mulheres no mercado de trabalho, pela igualdade entre homem e mulher,

    reconhecida pela CF/88, e pela redistribuio dos papis familiares, tornando-se revalorizada

    a figura paterna.

    A preferncia de atribuio da guarda me tem sido criticada por muitos

    doutrinadores, um deles Waldyr Grisard Filho, segundo ele o Judicirio tem

    sistematicamente atribudo [...] o exerccio da guarda, unilateral e exclusiva, me,

    53 LIMA, Suzana Borges Viegas de, op. cit., p. 291.

    34

  • promovendo uma profunda fissura na convivncia e na comunicao entre o genitor que no

    detm a guarda e seus filhos. Nasce o pai, ou a me, perifrico.54

    Mesmo com todas as mudanas e alteraes dos papis no mbito familiar, a

    guarda em regra, continua a ser deferida preferencialmente me e ao pai cabe o direito de

    visitas.

    A necessidade de mudana em relao atribuio da guarda vem sendo exigida

    por doutrinadores, pais e diversos seguimentos da sociedade.

    Destaca Ana Maria Silva que diante desse mundo ps-moderno, no podemos

    continuar a manter, sem questionamentos, paradigmas e formas de solucionar problemas de

    h muito ultrapassados.55

    Anota Rodrigo Dias que a Constituio diz que homens e mulheres so iguais

    perante a lei. Porque a me tem que ter preferncia? O bem-estar e a felicidade da criana s

    sero assegurados se ela crescer com o acompanhamento direto dos dois.56

    Atenta Marie Fidomanzo para o comportamento de algumas mes guardis: A habilidade dela em dissimular este esteritipo de conduta, sob o argumento equivocado do instinto materno a proteger os filhos do pai algoz, irresponsvel e inconseqente, tem sido reforada por boa parte do Poder Judicirio, e do Ministrio Publico, que insistem em se manter inertes e de olhos vendados ante a marca dos novos tempos, cuja mentalidade ainda conservadora e unilateral no se esfora para enxergar as transformaes sociais e a evoluo dos tempos, que caminha a passos largos.57

    Alguns doutrinadores e parte da jurisprudncia defende que os filhos devem

    permanecer com a me aps a separao, [...] nesse sentido a lio de Srgio Gischkow

    Pereira, que sustenta que a guarda dos filhos sempre deve caber me, pelos seus cuidados

    sempre dispensados na tenra idade dos filhos.58

    Pensamos que a norma jurdica deve retirar a nfase na me e a colocar no

    cuidador, para ento verificar em cada caso particular qual genitor o que melhor

    desempenha esse cuidado, pois o interesse da criana deve ser a base de toda escolha feita

    pelos operadores do Direito.

    54 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: quem melhor para decidir a respeito? Revista Jurdica, So Paulo, v. 47, n. 268, p. 28-31, fev. 2000. p. 29.55 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada. So Paulo: Editora de Direito, 2005. p. 75.56 DIAS apud SILVA, Chico; CRTES, Celina. Coraes em conflito: a guarda compartilhada pode ser a soluo para casais que vivem brigando e no se entendem quanto ao futuro dos filhos. Revista Isto , So Paulo, jan. 2001. Disponvel em: . Acesso em: 18 jan. 2007. 57 FIDOMANZO apud SANTOS, Flvio Augusto de Oliveira. Anotaes sobre a guarda compartilhada. Revista de Direito Privado, So Paulo, v. 6, n. 22, p. 96-113, abr./jun. 2005. p. 100-101.58 OLIVEIRA, Jos Sebastio de, op. cit,. p. 301.

    35

  • O artigo 1.584 do CC/02 traz importante inovao quanto ao instituto da guarda,

    pois dispe que a guarda ser atribuda a quem revelar melhores condies. Com isso, quando

    da atribuio da guarda, o magistrado deve buscar nos pais qualidades que expressem

    melhores condies de exercer a guarda (no caso de ser aplicada a guarda nica) e no

    utilizar-se do critrio da maternidade.

    Assim, tende a desaparecer da legislao a atribuio da guarda exclusivamente

    figura materna, colocando ambos os genitores em situao de igualdade e criando um sistema

    de comparao entre as condies de cada genitor para ter a guarda dos filhos.

    3.2.2 Desigualdade no exerccio do poder familiar pelos genitores

    Diante do sistema tradicional de guarda nica, ocorre uma desigualdade na

    diviso dos poderes pelos pais.

    Apesar de teoricamente, aps a ruptura, algumas questes referentes aos filhos

    poderem continuar a serem decididas por ambos os pais, no sistema de guarda nica isso, em

    regra, praticamente no ocorre, o que acontece que geralmente o no-guardio privado do

    convvio constante com o menor e tem o exerccio do poder familiar enfraquecido.

    O genitor guardio passa, em regra, a exercer de fato a exclusividade aparente do

    poder familiar, pois ele quem tomar todas as decises importantes sobre o futuro do filho

    sem, na maioria das vezes, consultar o outro genitor.

    O exerccio do poder familiar pelo genitor no-guardio resume-se, em regra,

    apenas ao pagamento da penso alimentcia, fiscalizao e visitas.

    Vale ressaltar que o direito de visita e o poder de fiscalizar so atributos no

    necessariamente oriundos do poder familiar, pois os familiares maternos e paternos da criana

    tambm possuem tal direito.

    Conclui Patrcia Ramos afirmando que [...] conquanto o no-guardio no perca

    o poder familiar, os poderes de cada um dos genitores com a atribuio da guarda nica ou

    exclusiva so desiguais.59

    Tal desigualdade de poderes entre os genitores acaba gerando uma figura materna

    ou paterna perifrica, ou seja, secundria na criao e educao dos filhos.

    59 RAMOS, Patrcia Pimentel de Oliveira Chambers. O poder familiar e a guarda compartilhada sob o enfoque dos novos paradigmas do direito de famlia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 62.

    36

  • 3.2.3 Papel secundrio do no-guardio

    No modelo de guarda nica a figura do no-guardio de um mero visitador,

    tornando-o, comumente, afastado da vida cotidiana do filho, cabendo-lhe apenas avaliar o

    desempenho do genitor guardio. Esta situao pode gerar uma absteno do contato pessoal

    e manuteno apenas da obrigao pecuniria.

    Observa Waldyr Grisard Filho que ao genitor no-guardio ficou reservado um

    papel verdadeiramente secundrio, que o priva do integral relacionamento com seu filho,

    situao que tem sido objeto de questionamento no s por juristas, mas tambm por

    socilogos, psiclogos, psiquiatras, mdicos, assistentes sociais.60

    Esse papel do genitor no-guardio de apenas visitar e fiscalizar pode enfraquecer

    a figura de pai ou me e vai em desencontro aos ditames dos Documentos Internacionais e das

    Cincias Humanas.

    Muitos dos genitores no-guardies tm contestado e criticado esse modelo de

    guarda, pois no mais admitem assumir um papel secundrio na educao e criao dos filhos.

    Como na maioria dos casos a guarda atribuda me, muitos pais, desmotivados pela

    ausncia dos filhos e por uma presena forada nos dias de visita, previamente estabelecidos,

    acabam se desinteressando pelos filhos e abandonam a guarda, deixando-os integralmente

    sob os cuidados da me.61 Tal afastamento revela um sentimento de no-reconhecimento, de

    ser destitudo de seu papel.

    O papel do pai to importante quanto o da me para o sadio crescimento da

    prole, cada um possui funes que se complementam. Veremos a importncia da figura do pai

    para um filho.

    3.2.4 Figura do pai

    Como vimos anteriormente, a guarda na maioria dos casos deferida me,

    sendo que a ausncia da figura paterna pode gerar para os filhos conflitos internos que

    refletiro externamente, no seu trato com o mundo. Afirma Ana Maria Silva que h limitao

    da explorao do ambiente pela criana e o retardo do desenvolvimento de alguns tipos de

    competncia externa desta quando criada unicamente por mulheres. Ressalta a importncia

    60 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 2. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 140.61 LEITE, Eduardo de Oliveira, op. cit., p. 260-261.

    37

  • de um pai ativo na vida familiar para desenvolver na criana limites internos e controle, alm

    de contribuir para aumentar a feminilidade, em meninas e a masculinidade, em meninos.62

    Sigmund Freud explica que o papel do pai importante na relao com o filho,

    pois intervem na relao simbitica entre a me e a criana, no fenmeno chamado de

    Complexo de dipo. Um complexo de dipo mal resolvido pode ser fonte de diversos

    problemas psicolgicos ao longo de toda a vida da pessoa.63

    So srios os efeitos da ausncia do pai na vida dos filhos. Ressalta Rodrigo da

    Cunha Pereira que [...] o mais grave o abandono psquico e afetivo, a no presena do pai

    no exerccio de suas funes paternas, como aquele que representa a lei, o limite, segurana e

    proteo.64

    A figura autoritria do pai de antigamente cedeu lugar a figura do pai afetivo. O

    pai deixou de ser apenas o provedor para torna-se co-responsvel pelos filhos, no que diz

    respeito diviso de tarefas no lar e na prpria criao do filho. A figura paterna passa por

    um processo de transformao, o pai tem se revelado mais sensvel e interessado diante da

    vida familiar, assumindo um papel mais importante na vida da prole.

    O que ocorre modernamente a crescente busca da guarda do filho pelo pai

    separado ou divorciado, eles tm se envolvido mais com os filhos e consequentemente tem

    lutado mais pela obteno da guarda ou pelo compartilhamento desta com a me, corrobora a

    reportagem da Revista Isto : A briga entre o apresentador da Rede Globo, Pedro Bial, 42 anos, e a atriz Giulia Gam, 33 anos, pela guarda do filho Tho, cinco anos, reacendeu a discusso sobre o tema. Vtimas do mesmo drama do casal, muitos pais recorrem Justia. Por deciso judicial, o fotgrafo mineiro Rodrigo Dias, 36 anos, passa com o filho Lucas, cinco anos, apenas duas horas na semana e dois sbados e domingos por ms. A agonia de no poder acompanhar o desenvolvimento do garoto o motivou a criar a associao Pais para Sempre, que defende a guarda compartilhada. Dias quer mais tempo com Lucas e uma maior diviso de responsabilidades.65

    Declara Suzana Lima que a guarda tem sido atribuda prima facie ao pai com

    freqncia crescente, pois, ao demonstrar a presena dos requisitos essenciais para o seu

    exerccio, est to habilitado para det-la quanto a me.66 Porm, mesmo com o avano

    jurdico no Direito de Famlia, o deferimento da guarda ao pai ainda raro, devido tradio

    e ao preconceito.

    62 SILVA, Ana Maria Milano, op. cit., p. 147-148.63 RAMOS, Patrcia Pimentel de Oliveira Chambers. O poder familiar e a guarda compartilhada sob o enfoque dos novos paradigmas do direito de famlia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 80-81.64 PEREIRA, 2001 apud SILVA, Ana Maria Milano, op. cit,. p. 150.65 SILVA, Chico; CRTES, Celina, op. cit.66 LIMA, Suzana Borges Viegas de, op. cit., p. 292.

    38

  • Do exposto verifica-se que o pai possui uma importncia muito grande para o

    bom desenvolvimento da criana, no apenas como figura de provedor, mas principalmente

    como um pai que juntamente com a me conduz a criao e educao do filho. Esse papel do

    pai deve ser mantido mesmo aps a separao do casal.

    3.2.5 Papel do pai e da me

    visvel a inclinao judicial para atribuir a guarda dos filhos me por

    entender-se, implicitamente, que a figura materna imprescindvel enquanto a do pai

    dispensvel. No entanto, at aqui podemos perceber que ambos os genitores possuem um

    papel importante no desenvolvimento de uma criana.

    Os filhos necessitam tanto da figura materna quanto da paterna para se bem

    desenvolverem, pois, a criana criada por apenas uma nica pessoa e que obrigada a se

    identificar com ela, levada a buscar sadas para suas pulses ativas e passivas nessa mesma

    pessoa, que encarna sozinha os dois plos da triangulao.67

    Aps os trs anos de idade da criana [...] ambos os pais tero a mesma

    importncia na formao do menor para que ele tenha um desenvolvimento sadio.68

    Entende Lia Justiniano dos Santos que a grosso modo, cabe funo materna o

    desenvolvimento do psiquismo da criana, o seu mundo interno, e funo paterna o seu

    desenvolvimento enquanto cidado, no relacionamento com o mundo externo.69

    Segundo Marcial Barreto Casabona: [...] estudos e pesquisas foram realizados e comprovaram que a participao efetiva do pai e da me separados, em condies semelhantes no desenvolvimento de seus filhos evitava, em grande parte, os desvios comportamentais decorrentes da falta de um genitor e reduzia os conflitos provenientes da disputa pela guarda dos filhos.70

    Assim, verifica-se que ambos os genitores so essenciais para o bom

    desenvolvimento das faculdades psquicas, sociais e emocionais das crianas, sendo que

    hodiernamente no existe tanta desigualdade entre homem e mulher, pelo menos no que se

    refere ao papel de pai e me. Dessa forma, torna-se difcil a escolha de com quem ficar a

    guarda do menor. sobre o que versar a prxima seo.

    67 SILVA, Ana Maria Milano, op. cit., p. 147.68 SALLES, Karen Ribeiro Pacheco Nioac de, op. cit., p. 83.69 SANTOS, Lia Justiniano dos. Guarda compartilhada: modelo recomendado. Revista Brasileira de Direito de Famlia, v. 2, n. 8, p. 155-164, jan./mar. 2001. p. 158.70 CASABONA, Marcial Barreto, op. cit., p. 250.

    39

  • 3.3 Atribuio da guarda: ao pai ou me?

    Neste momento do presente estudo chega-se a um problema: [...] atribuio da

    guarda: ao pai ou me? Aos dois talvez!.71

    Como j abordado anteriormente, o deferimento da guarda preferencialmente

    me tende a desaparecer tendo em vista a igualdade dos genitores, sendo criado um sistema de

    comparao entre as condies de cada genitor que atenda ao melhor interesse da prole. No

    entanto, entende Patrcia Ramos que a pseudo-necessidade de que seja aferido qual dos

    pais possui melhores condies para exercer a guarda certamente s contribui para aumentar,

    consideravelmente, os conflitos nas Varas de Famlia, alm de manter a unificao das

    questes conjugais s parentais.72

    Fato que a guarda j no exclusividade apenas das mes, pois como visto, a

    figura do pai possui grande importncia para o bom desenvolvimento da criana. Portanto,

    conclui-se que ambos os genitores so essenciais para um desenvolvimento sadio das

    faculdades psquicas, sociais e emocionais dos filhos.

    Assim, atualmente as funes do marido e da mulher so inclusivas e no

    concorrenciais, portanto, [...] qualquer deles pode, perfeitamente, cuidar dos filhos e

    desenvolver tarefas nesse sentido.73

    Nesse sentido, a questo da atribuio da guarda torna-se complexa, pois ambos

    os pais, hodiernamente, encontram-se em condies de det-la.

    A criana escolher um dos pais poderia ser uma forma de resolver este impasse,

    porm, no a soluo mais indicada como veremos.

    Transferir criana a escolha de com qual genitor quer ficar prejudicial, pois

    esta incumbncia pode gerar nela sentimento de culpa por ter rejeitado um dos pais.

    Observam Wallerstein e Kelly [...] que algumas crianas acabam optando por permanecer

    com o genitor que consideram mais fragilizado aps a separao, o que pode ser prejudicial

    ao seu desenvolvimento.74

    Em muitos casos de guarda nica, a criana submetida pelo genitor guardio

    alienao parental, ou seja, o genitor programa a criana para que odeie sem justificativa seu

    71 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: quem melhor para decidir a respeito? Revista Jurdica, So Paulo, v. 47, n. 268, p. 28-31, fev. 2000. p.28.72 RAMOS, Patrcia Pimentel de Oliveira Chambers. O poder familiar e a guarda compartilhada sob o enfoque dos novos paradigmas do direito de famlia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 108.73 OLIVEIRA, Jos Sebastio de, op. cit., p. 306.74 WALLERSTEIN; KELLY apud BRITO, Leila Maria Torraca de, op. cit., p. 364.

    40

  • outro genitor. A Sndrome da Alienao Parental agride a prpria criana, que ama ambos

    pais igualmente e no tem que tomar partido de um deles.75

    O conflito de lealdade surge quando a criana sente-se culpada e com remorso ao

    ter que escolher com que genitor quer ficar, ou seja, a criana entende que o amor por um dos

    genitores significa traio ao outro.

    Assevera Steinman [...] que as crianas submetidas a situaes de co-

    parentalidade no eram perturbadas pelos conflitos de lealdade.76

    Diante de tudo que foi dito, tem-se que a hiptese para a questo apontada pode

    estar na aplicao do modelo de guarda compartilhada, tendo em vista a isonomia em relao

    aos genitores (funes de pai e me inclusivas e essenciais), atendimento ao melhor interesse

    da criana e o convvio permanente dos pais com os filhos.

    A partir daqui iremos tratar especificamente das mudanas ocorridas na sociedade

    e na famlia, dos princpios, bem como da guarda compartilhada propriamente dita, para uma

    maior e melhor compreenso deste modelo como meio possvel de soluo do impasse

    apontado.

    75 SILVA, Ana Maria Milano, op. cit., p. 160-163.76 STEINMAN apud MOTTA, Maria Antonieta Pisano, op. cit., p. 91.

    41

  • 4 Sociedade, famlia e os princpios informadores do Direito de

    Famlia

    4.1 Mudanas na sociedade e na famlia

    Como visto, no modelo familiar antigo a guarda pertencia ao pai. Vale registrar

    entendimento, nesse particular, curioso constatar que tal no era a prtica at o final do

    sculo XIX: era atributo do pai deter a guarda e o ptrio poder de seus filhos, e a mulher se

    submetia s suas determinaes.77

    Outrora todos os membros da famlia trabalhavam no campo e contribuam para o

    sustento. Com a Revoluo Industrial foi alterado significativamente o modo como as

    famlias conviviam, assim, os filhos deixam de ser considerados fatores de produo e passam

    a ficar mais tempo sob os cuidados da me. O pai teve que deixar o lar por um certo perodo

    do dia para trabalhar nas fbricas, o que influiu no seu afastamento do convvio com a prole.

    Esta mudana ocorrida na sociedade tambm alterou o papel do pai dentro do lar, que passou

    a ser o de provedor e a me era quem dava a ateno diria aos filhos.

    Assim, a figura materna torna-se indispensvel, como bem assevera Maria Pisano

    Motta, os filhos passam a ser vistos como os que sofrero danos irreparveis se separados da

    me, principalmente durante a primeira infncia.78 Esse pensamento deu me a preferncia

    da atribuio da guarda e segundo Waldyr Grisard Filho, essa preferncia legal pela guarda

    materna permaneceu at a dcada de 60, sendo o pai o provedor e sem nenhum papel direto na

    educao dos filhos.79

    No passado, as relaes intrafamiliares no eram to complexas como so hoje em

    dia, por isso as decises eram mais facilmente tomadas pelos juzes e mais facilmente aceitas

    pelas partes. As desigualdades entre homem e mulher eram naturalizadas e legitimadas

    culturalmente.

    A evoluo social, a quebra de tradies e as decises nos processos de famlia ao

    longo do tempo demonstram qu