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A EDITORA FORENSE se responsabiliza pelos vícios do produto no que concerne à suaedição (impressão e apresentação a fim de possibilitar ao consumidor bem manuseá-loe lê-lo). Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuaisdanos ou perdas a pessoa ou bens, decorrentes do uso da presente obra.Todos os direitos reservados. Nos termos da Lei que resguarda os direitos autorais, éproibida a reprodução total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio,eletrônico ou mecânico, inclusive através de processos xerográficos, fotocópia egravação, sem permissão por escrito do autor e do editor.

Impresso no Brasil – Printed in Brazil

Direitos exclusivos para o Brasil na língua portuguesaCopyright © 2018 byEDITORA FORENSE LTDA.Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial NacionalRua Conselheiro Nébias, 1384 – Campos Elíseos – 01203-904 – São Paulo – SPTel.: (11) 5080-0770 / (21) [email protected] / www.grupogen.com.br

O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer formautilizada poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão dadivulgação, sem prejuízo da indenização cabível (art. 102 da Lei n. 9.610, de19.02.1998).Quem vender, expuser à venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizarobra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho,vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamenteresponsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendocomo contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior(art. 104 da Lei n. 9.610/98).

Capa: Danilo Oliveira

Produção digital: Ozone

Fechamento desta edição: 11.09.2017

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■ CIP – Brasil. Catalogação na fonte.Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

B683d

Delgado, Mario

Guarda compartilhada / Antônio Carlos Mathias Coltro, Mário Luiz Delgado. – 3. ed.rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense: 2018.

Inclui bibliografiaISBN 978-85-309-7729-0

1. Guarda de menores – Brasil. 2. Guarda compartilhada – Brasil. I. Régis, Mário LuizDelgado. II. Coltro, Antônio Carlos Mathias.

15-23805 CDU: 349.2:647(81)

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APRESENTAÇÃO À 3.ª EDIÇÃO

“[...] Vamos, então; e que os céus prósperos/Nos deem filhos de que sejamos os pais.”1

Editada a Constituição Federal de 1988 e ante o nela contido em relação à família – cujaprópria moldura foi dilargada, não só a indicar que o constituinte reviu o pensamento anterior, emque era admitida apenas aquela que resultasse do casamento, de sorte que indica, como enunciadopor Caio Mário da Silva Pereira, que “O jurista se defronta com o vocábulo ‘família’ nos maisvariados sentidos, e na abrangência de variegados conceitos”2 –, viram-se a doutrina, ajurisprudência, os intérpretes e o legislativo obrigados ao reconhecimento, muitas vezes necessário,da existência de outras situações e, como corolário, à adoção de novos institutos, de forma a adequaro direito à vida, que tantas vezes o atropela e impõe a revisão do pensamento vigente.

Tantas e tais as alterações havidas em relação ao Direito de Família, que o mesmo autor acimareferido e conforme suas palavras, afirmou, em 2001, “que as transformações operadas neste séculoteriam sido maiores e mais avançadas do que em dois milênios da civilização romano-cristã”3.

A evidenciar tal fato, o legislador regulamentou a união estável, cuidou do Estatuto da Criançae do Adolescente e o do Idoso, tratou da alienação parental e das pessoas com deficiência, semolvidar a guarda compartilhada, entre outros assuntos.

No tocante à última, que é o objeto deste livro, ainda que algumas críticas tenham sido lançadasa sua regulamentação, até porque perfeitamente possível ser adotado o teor do sistema enunciado noCódigo Civil, salientando a boa doutrina, ademais, em texto de Ana Carolina Brochado Teixeira,aludindo a nosso ordenamento jurídico, ao qual, “Para alcançar os objetivos a que ela visa, bastariaatribuir maior efetividade à autoridade parental, já que é ela a verdadeira detentora dos poderes-deveres de participação que os defensores da guarda compartilhada buscam efetivar”, assinalando adoutrinadora, contudo, que “não obstante a desnecessidade do instituto, uma vez aprovado e comcarga normativa, o papel dos juristas é tentar conferir-lhe uma finalidade factível, que cumpra opapel de especificação do conteúdo constitucional da autoridade parental, de modo que os paispossam, efetivamente, cumprir o papel deles no processo educativo dos filhos”4.

Não obstante o debate decorrente do fato de ter sido editada a Lei n. 11.698, de 16 de junho de2008, sua interpretação pelos pretórios acabou por afastar questionamento sobre sua real valiaprática, reconhecendo a jurisprudência superior a sua efetiva valia e recomendando: “A novaredação do art. 1.584 do Código Civil irradia, com força vinculante, à peremptoriedade da guardacompartilhada. O termo “será” não deixa margem a debates periféricos, fixando a presunção – juretantum – de que se houver interesse na guarda compartilhada por um dos ascendentes, será esse osistema eleito, salvo se um dos genitores [ascendentes] declarar ao magistrado que não deseja a

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guarda do menor (art. 1.584, § 2º, in fine, do CC)”.Com fulcro em tal assertiva e consoante o mesmo julgamento, “A guarda compartilhada somente

deixará de ser aplicada, quando houver inaptidão de um dos ascendentes para o exercício do poderfamiliar, fato que deverá ser declarado prévia ou incidentalmente à ação de guarda, por meio dedecisão judicial, no sentido da suspensão ou da perda do Poder Familiar”5.

Assim, e ainda que fosse possível o compartilhamento da guarda no âmbito de nosso sistemaconstitucional-civil, a sua não adoção habitual acabou por recomendar se ocupasse do tema olegislativo, conduzindo sua regulamentação, por conta da novidade, a que a doutrina e o judiciário sedebruçassem sobre seus termos, em atividade verdadeiramente laboratorial e destinada a aplacar asdúvidas advindas da normatização a respeito.

Nessa atividade e ainda que se possa atribuir limites à jurisprudência, deve-se reconhecer, e jáo apontara Spencer Vampré, que a atuação judicial “[...] é útil e eficaz; que a jurisprudênciaesclarece e orienta a doutrina, e, sobretudo, lhe corta os exageros e radicalismos – não há homemsensato capaz de o negar”6, sendo relevante que a análise legislativa se faça com preocupaçãohumanitária, principalmente em questão inerente à guarda dos filhos após dissolvida a sociedadeconjugal.

Nisso, principalmente quando tal aspecto dependa da solução judicial, “Ao juiz, mais do que aoator, se poderia aplicar o verso de Terêncio: ‘Nada do que é humano me é estranho’”, como referidopelo mesmo Vampré7.

As edições anteriores do livro demonstram o interesse que o tema suscita, e, o reconhecendo,deliberou a editora publicar sua 3.ª edição, possível também graças à disposição dos autores narevisão e atualização dos capítulos que o integram.

Antônio Carlos Mathias ColtroMário Luiz Delgado

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Molière. “Allons donc; et que les cieux prosperes/Nous donnent des enfants dont nous soyons lespèrres.”PEREIRA, Caio Mário da Silva. Direito Civil – Alguns aspectos de sua evolução. Rio de janeiro: Forense, 2001, p. 167, n. 1.Op. cit., p. 169.TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. A desnecessidade da guarda compartilhada. Manual de Direito das Famílias e das Sucessões2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 263.STJ, 3ª Turma, REsp 1.629.994/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 06.12.2016, DJe 15.12.2016, referindo-se o precedente a ambos ostrechos citados.VAMPRÉ, Spencer. Interpretação do Código Civil. São Paulo: Livraria Officinas Magalhães, 1919, p. 21, § 7º.Ob. cit., p. 94, § 16º.

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NOTA DOS COORDENADORES

Este livro é destinado não só aos operadores do direito, aí incluídos advogados, juízes,membros do Ministério Público, professores e estudantes, mas a todos quantos queiram conhecer asmodificações operadas no regramento da guarda compartilhada com a entrada em vigor da Lei nº13.058/2014, que promoveu profundas alterações nos arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do CódigoCivil. A obra destina-se, sobretudo, aos pais e mães brasileiros.

Incluída a guarda nos direitos-deveres alcançados pelo poder familiar, a teor do art. 1.634,inciso II, segunda parte, do CC, além de referida no art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente,não se preocupou o legislador quanto ao seu exato conceito, sendo instituição jurídica de sentido nãosimples e que alcança aspectos próprios e específicos, sem a conotação de um singelo munus, sendode elogiar-se que o legislador não tenha pretendido destinar-lhe antecipada definição, transferindo-aaos intérpretes e à doutrina, além de à própria jurisprudência, como recomendado por Silvana MariaCARBONERA.8

Edgard de Moura BITTENCOURT já aludira à dificuldade quanto ao conceito da guarda, “[...]que envolve, em contraposição aos deveres que acarreta, algumas vantagens materiais e imateriaisem favor de quem a exerce, que podem ser erigidas na qualificação de direitos”.

Além disso, não se pode arredar a inserção da guarda no instituto do cuidado, intimamenteligado ao fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, constituindo direito e deverdos pais.

Pode-se afirmar consistir a guarda no cuidado que aos pais cabe no tocante à prole, conforme aproteção que ela merece e segundo o quanto adequado e necessário à criação e formação dos filhos,habilitando-os e mesmo obrigando--os ao que se fizer preciso à sua defesa e de sua dignidade.

Separando-se ou divorciando-se os pais, não estão eles se separando ou se divorciando dosfilhos, razão pela qual desmerece crítica o fato de o Código Civil não ter fixado regras específicas eobjetivas acerca de como será estipulada a guarda, uma vez que o superior interesse da criança terásempre prevalência, submetendo-se, assim, ao que for deliberado pelos pais ou pelo juiz, quando istofor necessário.

Dessa forma, no acordo da separação ou do divórcio, poderão os pais deliberar e resolver omais adequado à guarda dos filhos, podendo atribuí-la a um deles apenas, ou a ambos, na modalidadecompartilhada, agora adotada de forma cogente pelo Código Civil, a motivar a publicação dasegunda edição desta obra coletiva.

Deferida, anteriormente, apenas quando houvesse consenso entre os pais, com a nova lei, aguarda compartilhada tornou-se obrigatória também nas situações de litígio. A lei, por outro lado,não contribui para uma correta compreensão do instituto pelas partes e operadores do Direito, pois

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confunde a guarda compartilhada com a guarda alternada. A primeira implica, basicamente, ocompartilhamento de decisões e responsabilidades. A segunda compreende, normalmente, aalternância de residências. Ao estabelecer que na guarda compartilhada “o tempo de convívio comos filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai”, o legislador estariatransformando a “guarda compartilhada” em “guarda alternada”? A custódia física conjuntaimpositiva desnatura a guarda compartilhada?

As eventuais críticas lançadas ao instituto da guarda compartilhada sob os novos contornostrazidos pela Lei nº 13.058/2014 decorrem, acima de qualquer coisa, da provocação a quesubmetidos os autores que aqui manifestam seu ponto de vista, tendo por objetivo o aprofundamentodo estudo do assunto, que demanda não só exame sob a ótica jurídica, como também sob apsicológica.

Esperam os coordenadores, os autores e a editora que os comentários lançados nesta coletâneasejam úteis àqueles que se interessam pelo estudo do assunto e, principalmente, colaborem para queo compartilhamento da guarda, quando assim acertado ou judicialmente determinado, considere oefetivo interesse de seus destinatários, que são os filhos.

Antônio Carlos Mathias ColtroDesembargador do TJSP.

Mário Luiz DelgadoAdvogado.

Guarda de filhos na família constitucionalizada , Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2000, p. 42, n. 1: “A técnica deconceituar, eficaz no racionalismo, por vezes revelou-se tirana. Enclausurar institutos em conceitos, com fins a proporcionar certeza esegurança jurídica, pode provocar exclusão de aspectos pertinentes a inúmeros casos concretos. Mais eficaz parece ser examinar umtema sob variados aspectos, de forma que, a partir da análise, se torne viável formar uma ampla visão sobre o mesmo”.

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PREFÁCIO

A GUARDA COMPARTILHADAA demolição do prédio conjugal por consenso implica no acertamento do destino dos filhos: é

opção traumática, pois ninguém abdica de pedaços de coração ou dos frutos genéticos do afeto.Quando não acontece solução pacificada, cabe ao juiz decidir a sorte dos menores apontando o

guardião que os vai cuidar; e o direito de visitas para o genitor carente.Esses assuntos constituem instantes de tormento para o magistrado e para as partes; é que muitos

usam o filho como objeto de ressentimento e laurel de disputa.A previsão do código era entregar o infante a quem tivesse melhores condições, o que não

coincidia com a situação econômica, mas com um lar que proporcionasse calor e afeição para osadio desenvolvimento do pequenino ou adolescente; agora se projeta substituir a expressão pormelhor interesse da criança, o que mais se coaduna com imperativo constitucional.

Até aqui a prática forense e a doutrina haviam sugerido a possibilidade de uma guardacompartilhada, acepção que continha um paradoxo interno, pois presumia um condomínio desentimentos do casal que só ocorre quando juntos no mesmo ninho.

Agora, a lei pretende conceituá-la como um sistema de corresponsabilidade no exercício dodever parental em caso de dissolução da sociedade matrimonial ou do companheirismo, em que ospais participem em igualdade da guarda material.

As vantagens do modelo devem ser evidenciadas pelo juiz na audiência de conciliação; nãohavendo acordo na separação judicial, divórcio ou afastamento de fato, toca ao julgador estabelecera guarda compartilhada, sempre que possível; não o sendo, escolhe um dos genitores como guardião,depois de ponderar o melhor proveito do descendente; em casos extremos, a guarda é atribuída a umterceiro, de preferência o parente que demonstre afinidade com o menor.

Os tribunais acham que o melhor interesse da criança é medido pelo apego ou indiferença aalgum dos pais; condições materiais, como alojamento, proximidade da escola, círculo de amizades,ambiente social, qualidade dos cuidados; e convivência com os irmãos, que não devem serseparados.

É necessário esclarecer que a guarda compartilhada não será o remédio milagroso para a curados distúrbios familiares nem a divisão de tempo ou de semana, para folgança dos pais; não é aintromissão lá e cá, principalmente quando se cuidam de entidades reconstituídas; não tem lugarquando há mágoas, litígio ou difícil relacionamento na parceria. Contudo, uma verdadeira cogestãona autoridade parental, segundo Rolf Madaleno, para que os filhos não percam suas referências; ouuma pluralização de responsabilidades, para Maria Berenice, o que funciona como freio a umaguarda individual nociva.

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Es s e cooperativismo familiar exige que continue a convivência harmoniosa dos paisseparados; que haja um trânsito natural do filho entre dois lares; que transpareça a convergência deesforços para um processo educacional eficiente e prazeroso; que haja diálogo e entendimentocotidianos; que o filho se sinta querido e não alijado da companhia por desculpas ou banalidades; eque preserve a permanente paternidade ou maternidade, sem invejas ou frustrações.

Embora possível a custódia em uma única casa ou até prestação de alimentos, a guardacompartilhada restará para situações restritas que pedem abdicação, desprendimento e eternoesquecimento das agruras que conduziram à separação, em que as ambições devem submeter-se àdisciplina do amor maior.

É a prática pedagógica da solidariedade humana e o exílio da soberba.

José Carlos Teixeira GiorgisProfessor. Desembargador aposentado.

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COORDENADORES

Antônio Carlos Mathias ColtroDesembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Presidente do Instituto Brasileiro de

Direito Constitucional, Presidente do TRE/SP (2014/2015), Presidente do Instituto Brasileiro deDireito de Família – IBDFAM/SP (2010/2011), Vice-Presidente do TACrimSP (2005/2006), Mestreem Direito das Relações Sociais (PUC-SP), Membro Efetivo da Academia Paulista de Direito e daAcademia Paulista de Magistrados.

Mário Luiz DelgadoAdvogado. Doutor em Direito Civil (USP). Mestre em Direito das Relações Sociais (PUC-SP).

Presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do Instituto Brasileiro de Direito de Família –IBDFAM. Diretor de Assuntos Legislativos do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP.Membro da Academia Brasileira de Direito Civil – ABDC e do Instituto de Direito ComparadoLuso-Brasileiro – IDCLB.

AUTORES

Ana Carolina Brochado TeixeiraDoutora em Direito Civil pela UERJ. Mestre em Direito Privado pela PUC--MG. Especialista

e m Diritto Civile na Scuola di Specializzazione in Diritto Civile, na Università di Camerino(Camerino/Itália). Professora de Direito Civil. Advogada. Membro do Instituto Brasileiro de Direitode Família – IBDFAM.

Ana Carolina Silveira AkelMestre em Direito Civil pela PUC-SP. Sócia do escritório Akel e Oliveira Advogados.

Responsável pela área Cível e de Direito de Família. Lecionou em Graduação, Pós-Graduação eCurso Preparatório para o Exame da OAB. Associada ao IBDFAM.

Cesar Calo PeghiniDoutorando em Direito pela PUC-SP. Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário

das Faculdades Metropolitanas Unidas, Curso de Extensão em Direito Imobiliário pela FaculdadeAutônoma de Direito – FADISP, Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela FaculdadeEscola Paulista de Direito. Pós--graduado (LLM) em Direito Civil pela Instituição Toledo de Ensino

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e Mestre pela Faculdade Autônoma de Direito – FADISP. E-mail: [email protected].

Ezequiel MoraisMestre em Direito Civil pela USP (Faculdade de Direito do Largo São Francisco). Advogado,

com estágio no Studio Legale Associato Pezone (Chieti/ Itália). Especialista em Direito Civil eProcessual Civil. Ex-Conselheiro da OAB. Autor e coautor de obras jurídicas. Professor de Pós-graduação. Site: www.ezequielmorais.com.br.

Fernanda Rocha Lourenço LevyDoutora em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Advogada colaborativa, mediadora e

professora universitária.

Fernanda TartuceDoutora e Mestre em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Professora do

programa de Mestrado e Doutorado da Faculdade Autônoma de Direito (FADISP). Professora ecoordenadora em cursos de especialização em Direito Civil e Processual Civil. Membro doIBDFAM, do IBDP, do IASP e do CEAPRO. Advogada, mediadora e autora de publicaçõesjurídicas.

Giselle Câmara GroeningaPsicanalista. Mestre e Doutora em Direito Civil pela USP. Diretora Nacional de

Interdisciplinaridade do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Vice-presidente daInternational Society of Family Law – ISFL.

Guilherme Calmon Nogueira da GamaProfessor-Associado de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor

Permanente do PPGD da Universidade Estácio de Sá. Mestre e Doutor em Direito Civil.Desembargador Federal do TRF da 2ª Região (RJ-ES). Ex-Conselheiro do Conselho Nacional deJustiça. Membro fundador da Academia Brasileira de Direito Civil. Membro do Instituto Brasileirode Direito de Família.

Jorge Shiguemitsu FujitaDoutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor

Emérito e Titular de Direito Civil do Curso de Graduação da Faculdade de Direito do CentroUniversitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU (São Paulo). Professor Doutor da Pós-Graduação em Direito da Sociedade da Informação do Centro Universitário das FaculdadesMetropolitanas Unidas – FMU. Professor Visitante do Curso de Pós-Graduação da Faculdade deDireito da Universidade Estadual de Londrina – UEL. Professor do Curso de Pós-Graduação daEscola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo. Membro

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efetivo das Comissões de Direito Civil, de Biotecnologia e Biodireito, de Direitos Infantojuvenis edo Acadêmico em Direito, da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo. Membroefetivo das Comissões de Direito de Família e de Direito do Consumidor do Instituto dos Advogadosde São Paulo – IASP. Editor Responsável pela FMU Direito – Revista Eletrônica. Membro doConselho Editorial da Revista do IASP. Advogado, consultor, parecerista e sócio do escritório FujitaAdvocacia.

Lúcia Cristina Guimarães DeccacheAdvogada. Especialista em Direito de Família e em Direito Especial da Criança e do

Adolescente – UERJ.

Maria Luiza Póvoa CruzPós-graduação lato sensu em Docência Universitária – Universo-GO. Professora de cursos de

Pós-graduação. Magistrada Aposentada – Ex-Membro da Comissão de Formação Inicial para Juízesde Direito Substitutos – Tribunal de Justiça do Estado de Goiás – Associação dos Magistrados deGoiás – Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás. Professora da Escola Superior daMagistratura do Estado de Goiás – ESMEG. Membro Efetivo da Academia Goiana de Direito.Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM-GO. Sócia-Fundadora doEscritório Maria Luiza Póvoa Cruz & Advogados Associados.

Marianna ChavesDoutoranda em Direito Civil pela Universidade de Coimbra em regime de cotutela com a

Universidade de São Paulo. Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade de Lisboa. Secretáriade Relações Internacionais do IBDFAM. Membro-consultora da Comissão Especial de DiversidadeSexual do Conselho Federal da OAB; Membro da International Society of Family Law; Pesquisadorado THD-ULisboa. Advogada.

Marília Campos Oliveira e TellesAdvogada. Mediadora de família e Advogada Colaborativa. Formada em Artes Cênicas pela

USP. Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito – EPD.Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, da International Society of FamilyLaw – ISFL e da IACP – International Academy of Collaborative Professionals.

Marlise B. ScretasPsicóloga. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo. Especialista em Psicologia

Jurídica. Perita de Vara de Família.

Natália Soares Franco

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Advogada. Pós-graduada em Direito Especial da Criança e do Adolescente pela UERJ.Membro do IBDFAM.

Regina Beatriz Tavares da SilvaPós-doutora em Direito da Bioética pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Mestre e Doutora em Direito Civil pela USP. Acadêmica perpétua titular da Cadeira n. 39 daAcademia Paulista de Letras Jurídicas. Membro da Academia Iberoamericana de Derecho de Familiay de las Personas. Membro do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO/SP. Conselheira doInstituto dos Advogados de São Paulo. Conselheira da Women in Leadership in Latin America –WILL. Consultora da Comissão de Direito de Família e Sucessões e da Comissão da MulherAdvogada da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo. Membro da Associação dosAdvogados de São Paulo, da União dos Juristas Católicos de São Paulo – UJUCASP, do Instituto dosAdvogados de São Paulo e do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais. Coordenadora eProfessora do Curso de Especialização em Direito de Família e Direito das Sucessões na ESA –OAB/SP. Professora Titular do Curso de Graduação em Direito e do Curso de Mestrado em DireitoPrivado e Relações Sociais da Faculdade de Direito da Universidade Sete de Setembro – UNI7.Professora dos Cursos de Pós-Graduação em Gestão de Saúde do Programa FGV in Company.Advogada e Sócia-Fundadora do Escritório Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade deAdvogados – www.reginabeatriz.advcom.br. Presidente da Associação de Direito de Família e dasSucessões – ADFAS – www.adfas.org.br.

Rolf MadalenoAdvogado e Professor de Direito de Família e Sucessões na Graduação e Pós-Graduação da

PUC-RS. Mestre em Direito pela PUC-RS. Diretor Nacional do IBDFAM.<www.rolfmadaleno.com.br>.

Suzana Borges Viegas de LimaProfessora Adjunta de Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília,

Mestre e Doutora em Direito, Estado e Constituição (UnB), Presidente da Comissão de Mediação doInstituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM e Advogada.

Tânia da Silva PereiraAdvogada, Mestre em Direito Privado pela UFRJ com equivalência ao Mestrado de Ciências

Civilísticas pela Universidade de Coimbra (Portugal), Professora de Direito aposentada da PUC-Rioe da UERJ. Diretora da Comissão do Idoso do IBDFAM.

Telma Kutnikas WeissPsicanalista. Membro Associada da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo –

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SBPSP. Diretora de Relações Interdisciplinares do IBDFAM – SP.

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SUMÁRIO

A (DES)NECESSIDADE DA GUARDA COMPARTILHADA ANTE O CONTEÚDO DAAUTORIDADE PARENTAL

ANA CAROLINA BROCHADO TEIXEIRA

GUARDA COMPARTILHADA – UMA NOVA REALIDADE PARA O DIREITO DE FAMÍLIABRASILEIRO

ANA CAROLINA SILVEIRA AKEL

PODER FAMILIAR E GUARDA: UM CAMINHO ASSERTIVO PARA A

DEVIDA APLICAÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA

CESAR CALO PEGHINI

OS AVÓS, A GUARDA COMPARTILHADA E A MENS LEGIS

EZEQUIEL MORAIS

GUARDA COMPARTILHADA: A MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO PARA ACONSTRUÇÃO DE UM ACORDO PARENTAL SUSTENTÁVEL

FERNANDA ROCHA LOURENÇO LEVY

BREVES REFLEXÕES SOBRE A ATUAÇÃO ADVOCATÍCIA E O PEDIDO FORMULADOPELO DEMANDADO EM AÇÕES DE GUARDA

FERNANDA TARTUCE

GUARDA COMPARTILHADA – A EFETIVIDADE DO PODER FAMILIAR

GISELLE CÂMARA GROENINGA

GUARDA COMPARTILHADA: NOVO REGIME DA GUARDA DE CRIANÇA EADOLESCENTE À LUZ DAS LEIS Nos 11.698/2008 E 13.058/2014

GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA

GUARDA COMPARTILHADA: UM PASSO À FRENTE EM FAVOR DOS FILHOS

JORGE SHIGUEMITSU FUJITA

COMPARTILHANDO O AMOR

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LÚCIA CRISTINA GUIMARÃES DECCACHE

VISÃO EM RAZÃO DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO

MARIA LUIZA PÓVOA CRUZ

HOMOPARENTALIDADE E A GUARDA COMPARTILHADA

MARIANNA CHAVES

GUARDA COMPARTILHADA, CUIDADO COMPARTILHADO

MARÍLIA CAMPOS OLIVEIRA E TELLES e ANTÔNIO CARLOS MATHIAS COLTRO

A GUARDA COMPARTILHADA NO ÂMBITO DO LITÍGIO

MARLISE B. SCRETAS

GUARDA DE FILHOS NÃO É POSSE OU PROPRIEDADE

REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA

A LEI DA GUARDA COMPARTILHADA

ROLF MADALENO

GUARDA COMPARTILHADA: A NOVA REALIDADE

SUZANA BORGES VIEGAS DE LIMA

O DIREITO FUNDAMENTAL À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E A GUARDACOMPARTILHADA

TÂNIA DA SILVA PEREIRA e NATÁLIA SOARES FRANCO

A LEI DA GUARDA COMPARTILHADA: UMA BREVE VISÃO PSICANALÍTICA

TELMA KUTNIKAS WEISS

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1.

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A (DES)NECESSIDADE DA GUARDA COMPARTILHADA ANTE OCONTEÚDO DA AUTORIDADE PARENTAL1

ANA CAROLINA BROCHADO TEIXEIRA

Sumário: 1. A autoridade parental no contexto da realidade familiar contemporânea econstitucionalizada. Noções de guarda compartilhada – 2. Ratio da guarda compartilhada noordenamento italiano – 3. Análise crítica do cabimento da guarda compartilhada no ordenamentobrasileiro: perspectiva estrutural e funcional – 4. Notas conclusivas – Bibliografia.

A AUTORIDADE PARENTAL NO CONTEXTO DA REALIDADE FAMILIARCONTEMPORÂNEA E CONSTITUCIONALIZADA. NOÇÕES DE GUARDACOMPARTILHADA

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a criança e o adolescente ganharam proteçãoespecial, por serem vulneráveis, o que justifica a atribuição de tutela especial. O ordenamentojurídico deles cuidou de forma qualitativamente diferenciada, por estarem em fase dedesenvolvimento e construção da sua personalidade e dignidade. Foi um “investimento” normativoque se fez na infância e na juventude, chancelado pelas diretrizes principiológicas contidas no bojodo Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/1990.

Essa mudança entrelaçou-se com a fase de mudanças no perfil da família, cujos reflexosinevitáveis repercutiram nas relações parentais. Estas abandonaram aspectos formais, para setornarem mais efetivas e afetivas, buscando ser verdadeiramente promotoras da edificação dapersonalidade dos filhos.

Um dos instrumentos para zelar pelo bem-estar dos filhos é a autoridade parental, exercida pormeio do processo educacional, de modo a conduzir a criança e o adolescente ao alcance daautonomia, mediante aquisição de discernimento, condição essencial para o exercício responsável deseus direitos fundamentais, de modo a lhes possibilitar o gozo de suas liberdades existenciais. Pode-se afirmar ser esta a função da autoridade parental, no contexto de tutela da pessoa humana –principalmente da pessoa menor de idade.2

Diante das diretrizes constitucionais e estatutárias que ressaltam a função promocional doDireito, o relacionamento entre genitores e filho passou a ter como objetivo maior tutelar odesenvolvimento da personalidade deste e, portanto, o exercício de seus direitos fundamentais, para

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que possa, neste contexto, edificar sua dignidade enquanto sujeito. A autoridade parental, nesteaspecto, foge da perspectiva de poder e de dever, para exercer sua sublime função de instrumentofacilitador da construção da autonomia responsável dos filhos. Nisso consiste o processo de educá-los, decorrente dos princípios da paternidade/maternidade responsável e da doutrina da proteçãointegral, ambos com sede constitucional, que lhes garante prioridade absoluta.

Os filhos, sob tal perspectiva, não são sujeitos passivos da relação com os pais.3 Também nãoconstituem objeto dos poderes e dos deveres embutidos no conteúdo da autoridade parental.Tornaram-se protagonistas da própria história e do próprio processo educacional. A funçãoeducativa se consubstancia em um processo dialético entre pais e filhos; tanto que a doutrina italianasublinha que o menor tem liberdade de autoeducazione, para expressar seu papel ativo na própriavida,4 o que é consequência do seu direito fundamental à liberdade, também previsto pelos arts. 15 e16 do ECA. Os menores devem ser respeitados em seus valores e crenças; por serem pessoas e,principalmente, por estarem em processo de desenvolvimento.

Para melhor análise do conteúdo da autoridade parental, amparado no perfil sociológico dafamília, notoriamente solidarista, e na interpretação civil-constitucional, é mister estudar todos osaspectos que envolvem o dever de assistir, criar e educar os filhos, previstos no art. 229 da CF/88,em razão da relevância já exposta.

O dever de criar tem sua gênese no início da existência da criança. A partir daí, dura enquantoobrigação jurídica até que o filho alcance a maioridade. A criação está diretamente atrelada aosuprimento das necessidades biopsíquicas do menor, portanto, à satisfação das necessidades básicas,tais como cuidados na enfermidade, orientação moral, apoio psicológico, manifestações de afeto, ovestir, o abrigar, o alimentar, o acompanhar física e espiritualmente.5

Está embutido no dever de assistência o dever de sustento, sendo este, portanto, inerente aopoder familiar. É tal a relevância do dever de sustento, que constitui crime de abandono materialdeixar, sem justa causa, de prover a subsistência de filho menor de 18 anos, não lhe proporcionandorecursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia fixada judicialmente, conformeprevê o art. 244 do Código Penal.

Na verdade, assistência, criação e educação constituem num tripé diretamente funcionalizado àformação da personalidade do menor, bem como ao escopo de realizar os direitos fundamentais dosfilhos, seja em que seara for. O direito à educação, além deste aspecto geral, também se reporta aoincentivo intelectual, para que a criança e o adolescente tenham condições de alcançar suaautonomia, pessoal e profissional.

Entretanto, são omitidas pela doutrina as várias dimensões da educação. Educar um menor,dando-lhe condições de desenvolver sua personalidade, para que ele tenha personalidade própria,revela-se um processo dialógico permanente, por meio do qual quem educa é também educado,construindo--se mutuamente a dignidade dos sujeitos envolvidos. Compõem a atividade educativa odiálogo com o menor e o confronto com sua individualidade.6

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No dever de educar está implícita a obrigação de promover no filho o desenvolvimento plenode todos os aspectos da sua personalidade, de modo a prepará-lo para o exercício da cidadania equalificá-lo para o trabalho, mediante a educação formal e informal, o que atende aos arts. 3.º e 53do ECA.7

Como instrumentalizar essa gama de objetivos? Criação e educação, principalmente, devem serfeitas de forma a viabilizar aos filhos o alcance da autonomia responsável, por meio da efetivação doprocesso educacional. Por ter este perfil dinâmico, que permite gradações, deve se adequar àsvicissitudes, às peculiaridades da criança e do adolescente, de modo a verificar a necessidade daintensificação ou do recuo dos múnus da autoridade parental. Propiciar ao filho sua autonomia deforma responsável equivale exatamente a respeitar o processo de aquisição de discernimento e dematuração do menor, de modo que, paulatinamente, ele tenha condições de fazer suas escolhassozinho. Assim, na medida em que este processo se intensifica, é possível o exercício dos direitosfundamentais de forma mais ampla, de modo a diminuir, proporcionalmente, o raio de aplicação dopoder familiar. Mas é importante salientar que, mesmo a redução dessa aplicação da autoridadeparental é parte do seu conteúdo constitucional, pois esta se faz mais necessária segundo o maior oumenor discernimento da criança; logo, enquanto o menor não é capaz de responsabilizar-se pelosseus atos, ou, nas palavras de João Baptista Villela, não é capaz de responder, 8 seu conteúdo é maisintenso.

Por isso, a criança e o adolescente, embora titulares de um direito de liberdade, não podemexercitá-lo, a priori. Essa é a razão maior da autoridade parental: conduzir a criança e o adolescentepor caminhos que eles ainda desconhecem. Por estarem construindo sua maturidade e discernimento,não podem usufruir completamente de sua autonomia, pois é aos poucos que vão adquirindocondições de exercê-la.

Tais deveres devem ser desempenhados de forma conjunta entre os pais, independentemente dasituação conjugal destes. O art. 1.632 do Código Civil estabelece que as relações entre pais e filhosnão se alteram com a separação judicial, o divórcio e a dissolução de união estável, ou seja, tanto atitularidade quanto o exercício da autoridade parental não sofrem modificações com o tipo derelação jurídica que existe (ou inexiste) entre os pais, bastando apenas a qualidade de pais. A únicamudança limita-se ao direito de um deles ter seus filhos em sua companhia – é claro que a referênciaé à companhia permanente, pois a criança tem o direito fundamental à convivência familiar, mediantea qual o filho tem o direito de conviver com o genitor não guardião.

O art. 1.579 do mesmo diploma, em sentido similar ao dispositivo supracitado, estabelece queo divórcio não modifica os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos. Da mesma forma, seuparágrafo único, bem como os arts. 1.588 e 1.636 fazem expressa referência à relação parental, aodisporem que os genitores que contraírem novas núpcias não perdem a titularidade do poderfamiliar.9

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É isso que justifica o exame prévio feito, com a finalidade de investigar o verdadeiro conteúdoda autoridade parental para diferenciá-la do instituto da guarda – sem ignorar que esta compõe aestrutura do poder familiar. Geralmente, atribui-se maior importância à guarda do que ela realmentetem, porque não se discutem ou não se definem de forma correta a essência e os limites do poderfamiliar. Tal diferenciação é de crucial relevância, pois constitui o ponto de partida para analisar ocabimento da guarda compartilhada em nossa ordem jurídica, bem como suas implicações.

Cabe lembrar que o Texto Constitucional, por meio do seu art. 227, § 6.º, estabeleceu que todosos filhos são iguais, quaisquer que sejam sua origem. Se a separação dos pais acarretar algumimpacto na prole, será o mesmo para todos os filhos, de forma equânime.10 O poder familiar subsisteenquanto os filhos forem menores, pelo simples fato de serem filhos, ou seja, em decorrência daparentalidade, seja ela estabelecida de que forma for. Não seria – nem poderia ser – a relação entreos pais que alteraria o vínculo parental.

Tal circunstância, além de ser uma grande responsabilidade, deveria tornar-se um estímulo àconvivência familiar, que muitas vezes se modifica com o rompimento dos genitores. O exercício daautoridade parental, que não se altera com a separação dos pais, deve ser assumido por ambos,principalmente no que se refere às principais decisões da vida da criança ou do adolescente.

Marcos Alves da Silva critica a permanência da autoridade parental após o fim daconjugalidade dos pais. Ele afirma existir um distanciamento entre a lei e a realidade, pois, após orompimento dos pais, o genitor não-guardião perderia importante parcela dos seus poderes, em facedo esvaziamento da convivência. Subsistiria uma perda de fato da autoridade parental, o que tambémse deveria ao acúmulo de poderes concentrados na guarda, tais como dirigir a pessoa do filho, suaeducação, além de decidir todas as questões que o envolvem.11 De fato, isso pode acontecer se aautoridade não for exercida por ambos os genitores, mas não é essa a mens legis.

Tal entendimento é reforçado por Waldyr Grisard Filho, que opina que o divórcio não afetadireitos e deveres recíprocos entre pais e filhos, embora haja um desdobramento da guarda, em quetal direito é atribuído, em regra, a um dos pais e o de visita ao outro. Essa desvinculação acarreta,por consequência, um enfraquecimento do poder familiar do genitor não-guardador, que se vêimpedido do amplo exercício do seu direito, com a mesma intensidade e em medida similar aogenitor guardador.12

Embora, muitas vezes, a convivência paterno-filial seja prejudicada com a separação dos pais,não há a diminuição do alcance da autoridade parental. Tal fato deriva dos mandamentos legais, oque deve servir de instrumento e motivação para a continuidade dos laços que unem pais e filhos,mesmo que com a separação, divórcio ou dissolução de união estável, não mais residam no mesmolocal.

Constata-se a confusão conceitual e de alcance existente entre guarda e poder familiar, o quemotiva a investigação da real diferença entre eles. O art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente

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– ECA dispõe que a guarda implica na prestação de assistência material, moral e educacional, o queconfere ao seu detentor o direito de opor-se a terceiros. Portanto, implica a guarda nos cuidadoscotidianos com o filho. Diante disso, necessário se fazem alguns questionamentos: estaria o genitornão-guardião exonerado desse zelo? Estaria ele adstrito somente às “macrodecisões” na vida dosfilhos? Embora a titularidade do poder familiar fosse mantida no “pós-separação”, seria seuexercício atribuído in totum ao guardião? Qual a extensão do direito fundamental à convivênciafamiliar? Teria a guarda compartilhada o poder de atribuir a ambos os genitores a possibilidade deprestarem, conjuntamente, assistência material, moral e educacional, além de estabelecerem umadivisão equânime do direito de ter os filhos em sua companhia?

Classicamente, guarda é conceituada como o “poder-dever, submetido a um regime jurídico-legal, de modo a facultar a quem de direito, prerrogativas para o exercício da proteção e amparodaquele que a lei considerar, nessa condição”.13 No mesmo sentido, Silvana Maria Carbonera adefine como o meio jurídico mediante o qual se atribui a uma pessoa “um complexo de direitos edeveres a serem exercidos com o objetivo de proteger e prover as necessidades de desenvolvimentode outra que dele necessite, colocada sua responsabilidade em virtude de lei ou decisão judicial”.14

O que os autores propõem é que cabe ao genitor guardião a manutenção, proteção e educação daprole. Por via reflexa, ao genitor não guardião restam apenas os direitos de visita, de companhia e defiscalização, posto que assegurados expressamente pelo texto legal (art. 1.589, CCB/2002), sem falarno dever de alimentos. Os três primeiros já eram previstos, inclusive, no art. 15 da Lei do Divórcio,n. 6.515/1977.

Mesmo titular da autoridade parental, caberia ao genitor não guardião apenas essa “reserva” depoderes e deveres? Estaria essa função residual em consonância com os princípios constitucionais eas normas codificadas e estatutárias que preveem a função educacional de ambos os pais,concentrada na infância e juventude, quando a criança está em fase de construção da suapersonalidade? É claro que não. A relação parental não se esgota em visitas e fiscalização. 15 Seassim fosse, como o Código Civil poderia prever que as relações entre pais e filhos não mudam como fim da conjugalidade dos pais?

Um diferenciador dos conceitos ora esboçados para a definição da autoridade parental é queesta se mede na tutela da pessoa, a qual não tem apenas escopo protetivo, mas, principalmente,promocional da personalidade. Por isso, abarca maior aglomerado de funções. Diferentemente doque é proposto pela maioria da doutrina, o poder-dever de proteção e provimento das necessidades,sejam elas materiais ou espirituais, encontra abrigo muito mais na autoridade parental do que naguarda, pois ambos os pais têm a função promocional da educação dos filhos, em sentido amplo, queenvolve criação, orientação e acompanhamento. Tais tarefas não incumbem apenas ao genitorguardião.

As respostas aos questionamentos ora formulados não estão pacificadas na dogmática jurídica.Muito se discute acerca da guarda compartilhada – o que tem inquestionável validade, para colocar

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as relações parentais em pauta –, mas omitem-se a verificação do seu impacto e a real utilidade antea autoridade parental.

A doutrina define guarda compartilhada como “um plano de guarda onde ambos os genitoresdividem a responsabilidade legal pela tomada de decisões importantes relativas aos filhos menores,conjunta e igualitariamente. Significa que ambos os pais possuem exatamente os mesmos direitos e asmesmas obrigações em relação aos filhos menores. Por outro lado, é um tipo de guarda no qual osfilhos do divórcio recebem dos tribunais o direito de terem ambos os pais, dividindo, da forma maisequitativa possível, as responsabilidades de criar e cuidar dos filhos. Guarda jurídica compartilhadadefine os dois genitores, do ponto de vista legal, como iguais detentores da autoridade parental paratomar todas as decisões que afetem os filhos”.16

O que se constata é a presença marcante, no conceito ora esboçado, da possibilidade doexercício conjunto da autoridade parental, como aspecto definidor da guarda compartilhada, namedida em que permite que os genitores compartilhem as decisões mais relevantes da vida dosfilhos. Diante disso, tal instituto é desnecessário, em face do que dispõe o art. 1.632 do CCB/2002.A relação parental é desatrelada da definição dos rumos da conjugalidade dos pais, garantindo aosfilhos a vinculação do laço afetivo com ambos os genitores, mesmo após o esfacelamento da vida emcomum.

Em verdade, a real importância da guarda compartilhada tem sido popularizar a discussão dacoparticipação parental na vida dos filhos, além de efetivamente propiciar aos pais o exercícioconjunto da autoridade parental, como se vê das decisões jurisprudenciais. Isso porque, com aclássica divisão sexual do trabalho, sempre coube à mulher os cuidados domésticos, e ao homem, opapel de provedor da família. Com a revolução feminista que impulsionou a mulher para fora doslimites privados do lar conjugal, esta também passou a participar do custeio das despesas da família,o que a livrou das amarras da dependência marital. Por conseguinte, passou-se a valorizar aliberdade dos vínculos afetivos, que não mais eram mantidos por razões financeiras. A direção dasociedade conjugal passou a ser diárquica, da mesma forma que o homem também passou aparticipar de forma mais ativa das atribuições domésticas, inclusive no cuidado dos filhos.Construiu-se um novo conceito de paternidade, mediante o qual o homem não se satisfaz em cumprirum papel periférico na vida do filho, ou seja, quer participar e ser pai, em todos os aspectos emomentos da existência da prole.

Cresce, portanto, o desejo de ambos os genitores participarem da vida dos filhos, durante aconjugalidade e após seu eventual fim. A maior consciência que os pais passam a ter de seus deveresatribui à guarda compartilhada um grande valor social, pois vem ao encontro do novo conceito depaternidade.17 A discussão em torno do assunto tem feito com que os pais busquem a implantação domodelo, pois as mudanças legislativas provocaram também a de postura, tanto do Poder Judiciárioquanto dos demais atores processuais. Quando efetivada, porém, seus efeitos abrangem a experiênciado pleno exercício da autoridade parental, nos exatos moldes do art. 1.632 do CCB/2002.

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Diante de todas as questões ora apostas, o mais relevante é admitir-se que a autoridade parentalatribui a ambos os pais a titularidade, o exercício, o poder e o dever de gerenciar a educação dosfilhos, de modo a moldar-lhes a personalidade, a proporcionar-lhes um crescimento com liberdade eresponsabilidade, sem falar no dever de zelo do seu patrimônio. O que importa é delimitar osignificado do poder/dever dos genitores de participar na educação dos filhos, cuja função é,evidentemente, promocional ao seu melhor interesse. E tal binômio está desvinculado dacircunstância de ter ou não o filho em sua companhia. Ele decorre tão somente da parentalidade.

Gustavo Tepedino aponta a opção sistemática do Código Civil, que privilegiou o poderparental em detrimento da guarda, o que reforça, mais uma vez, a afirmação de que a guarda implicapequenos aspectos do poder familiar, se comparados ambos os institutos, principalmente a missãodesvelada por este último. É que o instituto da guarda recebe referência legislativa incidental, naseara da separação e do divórcio, sem disciplinar em que consiste seu conteúdo. No que tange àautoridade parental, por seu turno, esta recebe tratamento específico ao tratar da filiação,consagrando-lhe o Código Civil seção específica. Estaria a guarda mais atrelada aos aspectospsicológicos, comportamentais, de personalidade e temperamento de cada genitor após a separaçãoconjugal.18

O que se constata é que a guarda compartilhada é um modelo importado de outros países, emque o poder familiar finda-se com a separação, divórcio ou dissolução da união estável dosgenitores. Sua implementação ocorreu no direito pátrio sem avaliar sua real necessidade ecabimento. O que se deve verdadeiramente privilegiar, em vista disso, é o poder parental, o que nãoacontece em outros ordenamentos jurídicos, como o da Itália.19 Assim, com o escopo de se verificaras efetivas diferenças estruturais nos ordenamentos jurídicos, o que permite avaliar sua necessidadedo ordenamento jurídico, busca-se conhecer e compreender o ordenamento italiano, nesta seara.20

RATIO DA GUARDA COMPARTILHADA NO ORDENAMENTO ITALIANO

No Direito italiano, a regulação da potestà era definida de forma bastante diferente do Brasil.Quando ocorria a separação dos pais, com a atribuição da guarda a apenas um dos genitores, aconsequência era a perda do poder familiar pelo genitor não guardião. Ambos os genitores sãotitulares do poder parental enquanto permanecerem casados, exercitando-o conjuntamente. Atitularidade permanece após a separação, o divórcio ou a anulação de casamento, mas seu exercícioé conferido ao genitor a quem o filho é confiado, por força da antiga redação ao art. 317 do CódigoCivil Italiano,21 que remetia ao art. 155.22

A doutrina italiana questionava a manutenção da titularidade do poder parental, simultânea àtransferência de seu exercício, que passava a ser unilateral.23 O genitor não guardião não tinha suatitularidade totalmente desprovida de conteúdo, uma vez que detinha o poder de controle dos atos dogenitor guardião, além de opinar nas decisões de maior importância referentes ao filho, recorrer ao

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juiz quando o guardião tomava decisões que julgava serem prejudiciais ao menor, bem como nos atosde administração extraordinária. Curioso notar que o direito de visitas/convivência familiar não eraprevisto no art. 155 do Código Civil Italiano. Já o genitor guardião era o único a representarlegalmente o filho, era responsável pelas decisões inerentes ao normal cumprimento da potestà, alémde atos da administração ordinária. Portanto, teriam ambos os pais graus diferenciados no exercíciodo poder familiar.

O que mudou foi que a regra geral passou a ser a guarda compartilhada (affidamentocondiviso), por meio da Lei 54, de 08.02.2006, que operou uma mudança radical nesse sistema, demodo que, com a dissolução do casamento, o exercício da potestà seja dividido – rectius,compartilhado – entre os pais. Posteriormente, o Decreto-lei 154, de 18.12.2013, também fezmodificações relevantíssimas em matéria de filiação em geral, e consolidou a mudança de rota entãoinaugurada pela Lei de 2006 para que a responsabilidade pelos filhos menores seja conjunta entre ospais.24 Nesse sentido, o art. 337, ter., foi inserido no Codice Civile com a seguinte redação:

“O filho menor tem o direito de manter um relacionamento equilibrado e continuado com cada umdeles, e receber cuidado, educação, instrução e assistência moral de ambos e de conservar relaçõessignificativas com os ascendentes e com os parentes de cada ramo genitorial.”Para realizar a finalidade indicada no primeiro parágrafo (...), o juiz adota as providências relativasà prole com exclusiva referência ao interesse moral e material dessa. Valora prioritariamente apossibilidade dos filhos menores ficarem sob a guarda de ambos os genitores ; não sendo possível,estabelece com qual deles os filhos ficarão, determinando o tempo e a modalidade da sua presençacom cada genitor, fixando, ainda, a medida e o modo com o qual cada um deles deve contribuir paraa manutenção, cuidado, instrução e educação do filho.

Portanto, na Itália, onde não existia a manutenção do poder familiar com o término daconjugalidade, o instituto da guarda compartilhada fez todo sentido, já que, neste ordenamento, aguarda atrai o poder familiar, ou seja, o genitor guardião é o detentor da potestà. O exercícioconjunto da autoridade parental é de todo desejável, pois se traduz no verdadeiro processoeducacional do filho, meio de construção do afeto – embora tal fator não possa ser exigível peloDireito – e, sem dúvida, responsabilidade que compete aos pais, conjuntamente, por força doprincípio da solidariedade, previsto no ordenamento italiano.

Trata-se de um reconhecimento ao direito à bigenitorialità, de modo que se garanta, tantoquanto for possível ao filho, que ambos os pais participem ativamente da vida deste, já que osmenores têm o direito de manter um relacionamento continuado e equilibrado com ambos osgenitores, independentemente de estar o núcleo familiar agregado ou não, segundo a situaçãoconjugal dos pais. Afirma-se que o direito à bigenitorialità abrange os princípios contidos no art. 30da Constituição italiana, tais como o direito à presença ativa de ambos os genitores, a receber

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cuidados, educação e instrução, além de subsistência e de poder manter relação com os ascendentese outros parentes.25

Não se trata de divisão do tempo do filho com os pais, ou mesmo, do estabelecimento da guardaalternada, pois a finalidade última da guarda compartilhada é propiciar uma efetiva coparticipaçãoparental; se isso ocorre, por consequência, o filho dividirá o tempo com os pais de forma maisequilibrada.

A guarda unilateral continua a existir na Itália, e deve ser aplicada quando a guardacompartilhada é contrária aos interesses do filho (art. 337, quater). Cabe ao genitor não guardião, senão tiver sido estabelecido de forma contrária pelo juiz, o direito e o dever de vigiar sua instrução eeducação, podendo recorrer ao juiz quando entenda tenham sido tomadas decisões prejudiciais aointeresse do menor. A jurisprudência tem percebido que a guarda compartilhada, efetivamente, setraduz no exercício do conteúdo da potestà. O Tribunal de Messina julgou caso em que sintetizou asprincipais atribuições e características da guarda compartilhada:

A guarda a ambos os genitores não pode ocorrer na presença de conflito, com evidente referência asopiniões (entretanto, não unívocas). (...) Já há tempo que a prática jurisprudencial, em vigor desde anormativa precedente, colocou em evidência como a guarda conjunta se caracterizava não pelaparidade de tempo que o menor fica com um ou com outro genitor, mas pelo compartilhamento dasescolhas educativas e formadoras e pela igual participação em termos qualitativos na vida do menor.(...) Analogamente, o conteúdo da guarda compartilhada, hoje, como já reconstruído pelajurisprudência, não comporta uma impossível convivência do menor com ambos os genitores e nemum tipo de guarda alternada: a ratio da guarda compartilhada está, ao invés, na maiorresponsabilização dos genitores separados ou divorciados, que se empenham em realizar uma linhacomum na educação do menor, linha comum que, na perspectiva deve ser compartilhada, isto é,estabelecida de comum acordo, mas pode, também, transitoriamente, ser estabelecida pelo juiz.26

O Tribunal de Firenze, por seu turno, entendeu, nessa perspectiva, ser a guarda compartilhadainstrumento de aproximação familiar e de convocação aos pais a assumirem idêntica assunção dedeveres referentes ao crescimento do filho.27 Trata-se, portanto, para o direito brasileiro, deconvocação aos pais para assumirem efetivamente o conteúdo da autoridade parental.

Na Itália, o processo educativo deve ser efetuado com grande respeito à personalidade domenor, de acordo com o art. 315, bis e 316, bis do Código Civil Italiano. A possibilidade deautodeterminação deste, principalmente se adolescente, é de grande relevância, conformereconhecido, inclusive, pela jurisprudência, de modo a garantir as escolhas existenciais do filho,para potencializar a eficácia da tutela do seu direito ao livre desenvolvimento da personalidade.28

Nesse sentido, o art. 316 do Codice Civile prevê a possibilidade de ouvir o filho maior de 12 anos,para que ele se manifeste nos limites do seu discernimento, de modo a lhe garantir efetiva

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possibilidade de autodeterminação, essencial para a construção da própria dignidade. A razão queorientou essa norma foi, por óbvio, dar voz ao maior interessado na fixação da guarda, para que eleparticipe da decisão que em muito influenciará sua vida.29

ANÁLISE CRÍTICA DO CABIMENTO DA GUARDA COMPARTILHADA NOORDENAMENTO BRASILEIRO: PERSPECTIVA ESTRUTURAL E FUNCIONAL

Como no ordenamento jurídico brasileiro não há perda do poder familiar em relação ao genitornão guardião após o término da sociedade conjugal, cabe a ambos o exercício conjunto da autoridadeparental, principalmente dos deveres de criar, educar e assistir. Por isso, a guarda compartilhada,que tem como escopo o compartilhamento de tais deveres, não é necessária para que se efetive odiritto alla bigenitorialità,30 ao contrário da Itália. Para alcançar os objetivos que ela visa, bastariaatribuir maior efetividade à autoridade parental, já que é ela a verdadeira detentora dos poderes-deveres de participação que os defensores da guarda compartilhada buscam implementar.

O principal escopo da guarda compartilhada é a coparticipação de ambos os pais na vida dosfilhos, nos deveres de cuidado e no crescimento desses. Trata-se da convergência para uma mesmafinalidade educativa, como preceitua o art. 1.583, § 1.º, parte final, Código Civil (modificado pelaLei 11.698/2008), que conceitua guarda compartilhada como “a responsabilização conjunta e oexercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes aopoder familiar dos filhos comuns”, ou seja, do exercício da autoridade parental.31

Todavia, não obstante a desnecessidade do instituto, uma vez aprovado e com carga normativa,o papel dos juristas é tentar conferir-lhe a maior efetividade possível, para que cumpra o papel deespecificação do conteúdo constitucional da autoridade parental, de modo que os pais possam,efetivamente, desempenhar seu papel no processo educativo do filho.

Nessa esteira, algumas outras questões devem ser observadas. A primeira delas é adeterminação de que a guarda compartilhada seja aplicada indistintamente, independentemente doexame da dinâmica familiar, conforme estabelecido pelo art. 1.584, § 2.º, Código Civil, modificadopela referida lei.32 Aqui, o legislador acabou por comprovar o que afirmamos anteriormente: namedida em que o poder familiar segue imutável com o fim do relacionamento afetivo entre os pais, aguarda compartilhada – que é definida como corresponsabilidade – acaba tendo a mesma função quea autoridade parental. Ainda mais que, ao priorizar de forma tão contundente esse modelo de guarda,o legislador acabou entendendo, ainda no plano da justificação da norma e aprioristicamente, queesse tipo de guarda é o que atende ao melhor interesse da criança e do adolescente,independentemente do contexto em que ele(s) está(ão) inserido(s). Trata-se, portanto, de doisinstitutos com idêntica finalidade, constituindo-se em uma atecnia do legislador. Além disso, dentrodo instituto da guarda, acabou por haver uma hierarquização entre os modelos no plano teórico, quedescura dos fatos, como se houvesse um modelo ideal que prescindisse da realidade familiar.33 Defato, o entendimento firmado pelo STJ é que a guarda compartilhada só não deve ser aplicada em

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duas hipóteses: a inexistência de interesse por um dos genitores ou a incapacidade de um dosgenitores de exercer o poder familiar, o que deve ser apurado por meio de ação com vistas àsuspensão ou perda do poder familiar.34

Os tribunais têm determinado a guarda compartilhada independentemente da situação litigiosados pais.35 No entanto, permanece a questão sobre a forma de concretizar a corresponsabilização ecoparticipação dos pais. Nesse caso, quando os pais não tiverem condições de compor o seuconflito, transfere-se ao Poder Judiciário o ônus de decisões que os pais não conseguirem tomarconjuntamente, tal como escolha da escola, das atividades extracurriculares, da religião, dostratamentos de saúde, entre outras. A consequência dessas novas disposições será a maiorjudicialização das questões de família.36 Recomenda-se, em tais hipóteses, que os pais sejamsubmetidos a processo de mediação, para que se evite a transferência ao juiz de questões tãoparticulares e afetas aos valores familiares.

Outra questão de grande relevância, silenciada pelas leis que trataram do tema da guardacompartilhada, refere-se aos atos quotidianos do filho, ou seja, é necessário dimensionar acoparticipação, pois, a princípio, seria inviável que os pais tivessem que participar da totalidade davida dos filhos, inclusive dos atos diários. Por isso, é preciso ficar claro que o poder das decisõesrelativas ao quotidiano da criança será exercido tomando-se como base a companhia ou o tempo depermanência, tendo o outro que concordar com as escolhas que atendam ao melhor interesse do filho,diretriz fundamental a ser seguida.37

Para tanto, convém frisar que guarda compartilhada não implica, necessariamente, emconvivência familiar livre. A organização do cotidiano dos filhos – ou fixação das visitas, parautilizar termos mais tradicionais – é de suma relevância, a fim de se evitar abusos no exercício daautoridade parental. É o que afirma o Enunciado 605 da VII Jornada de Direito Civil: “A guardacompartilhada não exclui a fixação do regime de convivência”. No que tange a tal organização, a Lei13.058/2014 deu nova redação ao § 3.º do art. 1.584, que facultou ao juiz basear-se em estudotécnico-profissional para se orientar quanto à convivência entre os pais, com vistas a uma divisãoequilibrada do tempo dos filhos. Note-se que a lei não diz igualitária, pois afinal, a arquitetura darotina dos menores deverá seguir os seus interesses e não uma divisão que necessariamente deva serequânime entre os pais.38 Prova de tal afirmativa é a fixação da moradia dos filhos,39 que deve sernorteada pelo interesse desses; se a divisão de tempo fosse obrigatoriamente igualitária, a moradiadeveria ser fixada na casa de ambos, o que não é a orientação legal.

Questão que merece atenção está disposta no art. 1.584, § 4.º, Código Civil. A redação anteriorda lei dispunha que “a alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula deguarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seudetentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho”. Foi suprimida, de formaexemplar, a parte final do dispositivo, pois a sanção para o genitor que desobedece ao que foiavençado pelas partes ou determinado pelo juiz, sem nenhuma razão plausível, é a diminuição das

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“prerrogativas” que lhe são atribuídas, inclusive o tempo em que convive com o filho. Em últimainstancia, trata-se de um raciocínio que visa punir o genitor sem cogitar se esta é a medida quemelhor condiz com os interesses do filho. Na verdade, tanto a fixação da guarda quanto todas asmodificações posteriores devem ocorrer, sempre, em benefício dos filhos menores, irrestritamente,tendo em vista que foram alvo de tutela privilegiada pela Constituição Federal, exatamente em razãode sua vulnerabilidade, inerente à idade.

NOTAS CONCLUSIVAS

Não obstante a desnecessidade do instituto, o thelos de atribuir maior efetividade aos deveresdos genitores deve ser festejado, pois numa época em que o Brasil vive grandes problemas com airresponsabilidade parental, a possibilidade de dar maior eficácia a tais deveres coadunaintegralmente com os objetivos constitucionais, não apenas de tutela da pessoa humana, mas tambémde proteção ao crescimento biopsíquico saudável da pessoa menor de idade.

A guarda compartilhada, entendida como corresponsabilidade parental, pressupõe a prática deatos conjuntos a bem dos filhos, principalmente aqueles mais relevantes e de maior impacto em suasvidas. Quando isso não for possível, transfere-se ao juiz a decisão a respeito de qual escola o filhodeve estudar, qual o melhor tratamento de saúde, se ele deve ou não se tatuar, entre outras situações.O trabalho da doutrina, no atual momento, é oferecer critérios que auxiliem o magistrado a encontraro melhor interesse da criança para aquele caso, a fim de que ele possa decidir com os valores docaso, e não os seus próprios. A maior judicialização dos conflitos de família, fatalmente, ocorrerá, anão ser que os pais estejam efetivamente dispostos ao abandono da disputa, o que pode ser alcançadocom o auxílio da mediação.

Não obstante as críticas teóricas aqui apresentadas, o que se busca implementar com a novamudança no instituto são os deveres de criar, educar e assistir, previstos no art. 229 da ConstituiçãoFederal, para que esses possam se efetivar por ambos os pais, independentemente da modalidade deguarda fixada para o caso, para que se garantam, na maior medida possível, os interesses do filho,bem como sua emancipação responsável por meio do processo educacional. Sobretudo, éfundamental que nenhum genitor, de maneira arbitrária e injustificada, impeça o outro de cumprir osseus deveres parentais, de modo a garantir que o processo educacional possa ser efetivado porambos os pais.

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VILLELA, João Baptista. Direito, coerção & responsabilidade: por uma ordem social não-violenta.Belo Horizonte: Movimento Editorial da Revista da Faculdade de Direito da UFMG, 1982. v. IV,n. 3, série Monografias.

Agradeço à Priscila Fava Crisci a leitura e revisão da primeira versão deste artigo.O núcleo familiar é entendido como “luogo in cui sviluppano la propria personalità soggetti diversi, ma uguali, che si rapportano tra loronel reciproco rispetto, soggetti che godono di autonomia anche negoziale e, por contro sono responsabili del proprio agire. Non solodunque la famiglia è attualmente una cellula variegata nell’universo sociale, ma anche la funzione genitoriale diventa più consapevolee dunque più responsabile, non più l’esercizio di un potere autoritario, ma la condivisione di scelte: alla maggiore libertà e a questaaumentata autonomia corrisponde una maggiore responsabilità” (MONEGAT, M. Autonomia negoziale nella famiglia e a nuovagenitorialità: dalla potestà alla responsabilità. Palestra apresentada no Congresso Strumenti di tutela dei soggetti deboli: dairimedi trazionali al trust, ocorrido em Roma, em 23.11.2005). Tradução livre: um lugar no qual se desenvolve a própria personalidadedos sujeitos diversos, mas iguais, que se relacionam entre eles com recíproco respeito, sujeitos que gozam de autonomia tambémnegocial e, por isso, são responsáveis pelo próprio agir. Não apenas a família é atualmente uma célula variada no universo social, mastambém a função genitorial se torna mais consciente e, portanto, mais responsável, não mais o exercício de um poder autoritário, maso compartilhamento de escolhas: à maior liberdade e a esta autonomia aumentada corresponde uma maior responsabilidade.De acordo com Luiz Edson Fachin, “os filhos não são (nem poderiam ser) objeto da autoridade parental. Em verdade, constituem umdos sujeitos da relação derivada da autoridade parental, mas não sujeitos passivos (...)” (Elementos críticos do direito de família. In:LIRA, Ricardo Pereira (Coord.). Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 223).CIAN, Giorgio; OPPO, Giorgio; TRABUCCHI, Alberto. Commentario al diritto italiano della famiglia. Padova: Cedam, 1992. v. 4,p. 292.LIMA, Taísa Maria Macena. Guarda de fato: tipo sociológico em busca de um tipo jurídico. In: FERNANDES, Milton (orientador).Controvérsias no sistema de filiação. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 1984. p. 31.CERATO, Maristella.La potestá dei genitori: i modi di esercizio, la decadenza e l’affievolimento. Il diritto privato oggi – serie a cura diPaolo Cendon. Milano: Giuffrè, 2000. p. 113.COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 102.VILLELA, João Baptista. Direito, coerção & responsabilidade: por uma ordem social não violenta. Belo Horizonte: MovimentoEditorial da Revista da Faculdade de Direito da UFMG, 1982. v. IV, série Monografias, n. 3. p. 26.Sobre tais dispositivos, Denise Damo Comel critica o legislador codificador: “Ambos visam preservar o poder familiar do pai ou da mãeque se casa com terceiro, e encerram disposição que tinha sentido de existir antes da vigência da Constituição Federal, quando aindanão se reconhecia a plena igualdade entre o homem e a mulher, no casamento ou fora dele, bem como quando não se reconhecia aigualdade entre todos os filhos, independentemente da origem da filiação. Protegia, ao invés, o poder conferido à mulher que secasava com outro homem, tendo em vista que no casamento ela, como esposa, num primeiro momento tornava-se relativamenteincapaz e passava a ser chefiada pelo marido. Posteriormente, embora não perdendo a plena capacidade, continuava sob o mando domarido” (COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 243).

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Não se está considerando, aqui, a individualidade de cada filho, mas tão somente a ação dos pais.SILVA, Marcos Alves da. Do pátrio poder à autoridade parental: repensando os fundamentos jurídicos da relação entre pais efilhos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 63-64.GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 2. ed. rev., atual. e ampl. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 78.STRENGER, Guilherme Gonçalves. Guarda de filhos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 22.CARBONERA, Silvana Maria. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2000. p. 47-48.Sobre o tema, a Lei 13.058 inseriu o § 5.º ao art. 1.583 do Código Civil, que acabou com a discussão a respeito do cabimento da Açãode Prestação de Contas, que agora, além de visar à fiscalização do gerenciamento dos aspectos materiais, também tem o escopo defazê-lo quanto às questões existenciais: “§ 5.º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar osinteresses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informaçõese/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física epsicológica e a educação de seus filhos”.GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 2. ed. rev., atual. e ampl. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 79.Segundo Gustavo Tepedino, em recente reflexão sobre o tema: “O maior mérito da recente e festejada Lei 13.058/2014 – e, antes dela,a Lei 11.698/2008, que disciplinam no Brasil a guarda compartilhada – é chamar a atenção da sociedade para uma evidência: aenorme, intransferível e conjunta responsabilidade dos pais, sejam eles separados, divorciados ou solteiros, para com a convivência eformação da personalidade dos filhos. Trata-se de mudança valorativa profunda, que importa reconstrução do tratamento teóricoreservado à disciplina jurídica da filiação”. (TEPEDINO, Gustavo. Guarda compartilhada no Direito Brasileiro. Consulex. 2015).TEPEDINO, Gustavo. A disciplina da guarda e da autoridade parental na ordem civil-constitucional. Disponível em:<http://www.tepedino.adv.br/wpp/wp-content/uploa-ds/2017/07/Disciplina_guarda_autoridade_parental_ordem_civil_constitucional.pdf>. Acesso em: 31 jul. 2017.Estudo comparativo interessante, entre Brasil, Itália e França, foi feito pelo Prof. Gustavo Tepedino, em conferência proferida no IVCongresso Brasileiro de Direito de Família (TEPEDINO, Gustavo. A disciplina da guarda e da autoridade parental na ordemcivil-constitucional. Disponível em: http://www.tepedino.adv.br/wpp/wp-content/uplo-ads/2017/07/Disciplina_guarda_autoridade_parental_ordem_civil_constitucional.pdf.Acesso em: 31 jul. 2017).As ideias expostas neste item foram desenvolvidas de maneira mais aprofundada no nosso Família, guarda e autoridade parental.2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.Art. 317 CCI. Impedimento di uno dei genitori. Nel caso di lontananza, di incapacita o di altro impedimento che renda impossibile aduno dei genitori l’esercizio della potestà, questa è esercitata in modo esclusivo dall’altro. La potestà comune dei genitori non cessaquando, a seguito di separazione, di scioglimento, di annulamento o di cessazione degli effetti civili del matrimonio, i figli vengonoaffidatti ad uno di essi. L’esercizio della potestà è regolato, in tali casi, secondo quanto disposto nell’articolo 155. Tradução livre:Impedimento de um dos pais: No caso de distância, incapacidade ou de outro impedimento que torne impossível o exercício do poder,este é exercido de modo exclusivo pelo outro. O poder dos genitores não cessa quando, seguido de uma separação, uma dissolução,uma anulação ou cessação dos efeitos civis do matrimônio, os filhos são confiados a um desses. O exercício do poder é regulado, emtais casos, segundo o disposto no art. 155.A forma de exercício do poder parental era prevista pelo art. 155 do referido Código, nos seguintes termos: “Art. 155. Provvedimentiriguardo ai figli. Il giudice che pronunzia la separazione dichiara a quale dei coniugi i figli sono affidati e adotta ogni altroprovvedimento relativo alla prole, con esclusivo riferimento all’interesse morale e materiale di essa. In particolare il giudice stabiliscela misura e il modo con cui l’altro deve contribuire al mantenimento, all’istruzione e all’educazione dei figli, nonché le modalità diesercizio dei suoi diritti nei rapporti con essi. Il coniuge cui sono affidati i figli, salva diversa disposizione del giudice, hal’esercizio esclusivo della potestà su di essi; egli deve attenersi alle condizioni determinate del giudice. Salvo che sia diversamentestabilito, le decisioni di maggiore interesse per i figli sono adottate da entrambi i coniugi. Il coniuge cui i figli non siano affidati ha ildiritto e il dovere di vigilare sulla loro istruzione ed educazione e può ricorrere al giudice quando ritenga che siano state assuntedecisioni pregiudizievoli al loro interesse” (grifos nossos).Tradução livre: “Art. 155. Medidas em relação aos filhos. O juiz que decreta a separação declara a qual dos cônjuges os filhos serãoconfiados e adota outra medida relativa à prole, com exclusiva referência ao seu interesse moral e material”.

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Em particular, o juiz estabelece a medida e o modo com os quais o outro deve contribuir para a manutenção, a instrução e aeducação dos filhos, e, além disso, a modalidade de exercício dos seus direitos nas relações com eles.O cônjuge a quem os filhos são confiados, salvo disposição judicial diversa, tem o exercício exclusivo do poder parentalsobre a prole ; ele deve ater-se às condições determinadas pelo juiz. Salvo se for estabelecido diversamente, as decisões de maiorinteresse dos filhos são tomadas por ambos os cônjuges. O cônjuge ao qual os filhos não foram confiados tem o direito e o dever devigiar sua instrução e educação e pode recorrer ao juiz quando julgar que foram tomadas decisões prejudiciais ao interesse deles.CIAN, Giorgio; OPPO, Giorgio; TRABUCCHI, Alberto. Commentario al diritto italiano della famiglia. Padova: Cedam, 1992. v. 4,p. 336.Eis a nova redação do art. 317, secondo comma: “La responsabilità genitoriale di entrambi i genitori non cessa a seguito diseparazione, scioglimento, cessazione degli effetti civili, annullamento, nullità del matrimonio; il suo esercizio, in tali casi, è regolato dalcapo II del presente titolo”.DOGLIOTTI, Massimo. Affidamento condiviso e diritti dei minori. In: DOGLIOTTI, Massimo (a cura di). Affidamento condiviso ediritti dei minori. Torino: G. Giappichelli, 2008. p. 39.“(...) l’ affidamento ad entrambi non possa disporsi in presenza di conflittualita, con evidente riferimento alle opinioni (peraltro nonunivoche) … Ora, gia da tempo la prassi giurisprudenziale, nel vigore della precedente normativa, ha messo in evidenza comel’affidamento congiunto si caratterizzava non per la parita dei tempi che il minore trascorre con l’uno o con l’altro genitore (dualresidence), ma per la condivisione delle scelte educative e formative e per la pari partecipazione in termini qualitativi alla vita delminore. (…) Analogamente il contenuto dell’affidamento condiviso, oggi, come gia l’affidamento congiunto quale ricostruito dallagiurisprudenza, non comporta una impossibile convivenza del minore con entrambi i genitori, e neanche una sorta di affidamentoalternato: la ratio dell’affidamento condiviso sta, invece, nella maggiore responsabilizzazione dei genitore separati o divorziati, i quali siimpegnano a realizzare entrambi una linea comune nell’educazione del minore, linea comune che in prospectiva debe esserecondivisa, cioe stabilita di comune acordo, ma puo anche, infase transitoria, essere stabilita con prescrizioni dalla autorita giudiziaria.”(Tribunale di Messina, 5 aprile 2007, Pres. Lombardo Est. Russo, Il diritto di famiglia e delle persone, Milano: Giuffrè, vol.XXXVI, ottobre-dicembre, v. 4, 2007, p. 1.808-1.809).“I figli della coppia devono essere affidati in via condivisa ad entrambi i genitori. Non emergono dagli atti ragioni ostative, da valutarsinell’interesse dei minori, a tal tipo di affidamento. In particolare, non appare sufficiente la sola presentazione di una querela da partedella moglie per minacce asseritamente ricevute, tra l’altro, in piena crisi coniugale con il procedimento di separazione ancorapendente e la convivenza ancora in corso. Dalla relazione del Sast appare una scarsa presenza relazionale e non oggettiva del padreaccanto ai figli, ma ciò non giustifica il sanzionare con un affidamento esclusivo la tendenza ad assumersi scarsa responsabilità,perché, vice-versa, in una situazione quale la presente, in cui siano assenti segnali di incapacità o di effettiva pericolosità del padre,l’affidamento condiviso chiama la coppia genitoriale ad identiche assunzioni di doveri nei riguardi della crescita dei figli. (...)”(Tribunale di Firenze, 21 febbraio 2007, Pres. Gatta, Est. Mariani. Il diritto di famiglia e delle persone, Milano: Giuffrè, vol.XXXVI, ottobre-dicembre, v. 4, 2007, p. 1.724-1.726). Tradução livre: Os filhos do casal devem ser confiados à guarda de ambos osgenitores. Não emergem dos atos razões obstativas a valorar-se no interesse dos menores, em tal tipo de guarda. Em particular, nãoparece ser suficiente apenas a apresentação de um litígio pela mulher por ameaça recebida, pelo outro, em plena crise conjugal como procedimento de separação ainda pendente e a convivência em curso. O relatório do Sast evidencia uma escassa presençarelacional e não objetiva do pai com os filhos, mas isto não justifica sancionar com a guarda exclusiva a tendência a assumir escassaresponsabilidade, porque, em uma situação tal qual a presente, na qual estejam ausentes sinais de incapacidade ou de efetivapericulosidade do pai, a guarda compartilhada conclama os pais a idênticas assunções de deveres em relação ao crescimento dosfilhos.Tribunale Minorile di Bologna, 26 ottobre 1973, Diritto dalla famiglia e dalla persona, 1974, p. 1.069.Sobre o tema, remetemos a ROMANO, Marina. L’ascolto dei minori. In: CARLEO, Liliana Rossi; PATTI, Salvatore (a cura di).L’affidamento condiviso . Milano: Giuffrè, 2006. p. 211-227; PADALINO, Carmelo. Affidamento condiviso dei figli: commentosistemático delle nuove disposizione in matéria di separazione dei genitori e affidamento condiviso dei figli. Torino: Giappicvhelli, 2006.p. 185-227; GALANTI, Francesco Mazza; MARTINELLI, Paolo. L’ascolto del minore. In: DOGLIOTTI, Massimo (a cura di).Affidamento condiviso e diritti dei minori. Torino: Giappichelli, 2008. p. 231-260.“O direito do filho à biparentalidade originária não suprime a legalidade da custódia unilateral, porém remete-a a uma posiçãosubalterna no ordenamento, restrita às hipóteses em que a concretude do caso evidencie cabalmente a impossibilidade do recurso àguarda compartilhada.” (ROSENVALD, Nelson. Autonomia privada e guarda compartilhada. Revista IBDFAM Família e

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Sucessões. V. 6 (nov./dez.). Belo Horizonte: IBDFAM, 2014, p. 64)Um exemplo de boa aplicação da guarda compartilhada é: “AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIREITO DE FAMÍLIA –MODIFICAÇÃO DA GUARDA DE MENOR – MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA –DEFERIMENTO PARCIAL – GUARDA COMPARTILHADA. – Na guarda compartilhada pai e mãe participam efetivamente daeducação e formação de seus filhos. – Considerando que no caso em apreço, ambos os genitores são aptos a receber a guarda dofilho, e que a divisão de decisões e tarefas entre eles possibilitará um melhor aporte de estrutura para a criação da criança, aopossibilitar acompanhamento escolar mais intenso e o tratamento de saúde necessário, impõe-se como melhor solução não odeferimento de guarda unilateral, mas da guarda compartilhada”. (TJMG, AI 1.0702.14.001707-1/001, Rel. Dárcio Lopardi Mendes,j. 28.8.2014, DJe 03.09.2014).“§ 2.º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer opoder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda domenor.” Note-se que, comparativamente, em relação à redação determinada pela Lei 11.698/2008, foi suprimida a expressão“sempre que possível”, que ainda dava ao juiz alguma margem para avaliar a situação.Para que a guarda compartilhada fosse um instituto tecnicamente coerente, seu conceito e sua função deveriam ser outros; talvez,como muitos pensam leigamente, utilizando-se a “quantidade do tempo” com cada genitor como critério para se diferenciar guardacompartilhada da unilateral. Nos termos postos pela lei, presume-se que a aplicação do princípio do melhor interesse da criançacoincide com o modelo de guarda compartilha- da, o que é um equívoco, pois a fixação do tipo de guarda – partindo-se do seuconceito correto que é o de companhia, gerenciamento do cotidiano do filho – não pode prescindir das vicissitudes do caso concreto.STJ, 3ª T., REsp 1629994/RJ, Rel.ª Min.ª Nancy Andrighi, julg. 6.12.2016, DJ 15.12.2016.STJ, 3ª T., REsp 1626495/SP, 3ª T., Rel.ª, Min.ª Nancy Andrighi, julg. 15.9.2016, DJ30.9.2016. Sobre o tema, recomendamos:VILELA, Renata; ALMEIDA, Vitor. Guarda compartilhada: entre o consenso e a imposição judicial. Comentários ao REsp1.251.000/MG. Civilistica. com. Rio de Janeiro, a. 1, n. 2, jul.-dez./2012. Disponível em: <http://civilistica.com/guarda-compartilhada/>. Data de acesso: 30.7.2017.Cabe refletir, em outro momento, sobre quais critérios deverão ser utilizados para essas definições, a fim de oferecer ao julgadoralgumas balizas hermenêuticas para auxiliar no que significa o melhor interesse daquela criança colocada em litígio pelos pais.Sobre o tema das decisões sobre a administração ordinária da vida dos filhos, a lei italiana prevê que o juiz pode determinar que os paisexerçam a responsabilidade separadamente (art. 337-ter., CC).Nesse sentido, o Enunciado 603 da VII Jornada de Direito Civil: “A distribuição do tempo de convívio na guarda compartilhada deveatender precipuamente ao melhor interesse dos filhos, não devendo a divisão de forma equilibrada, a que alude o § 2º do art. 1.583 doCódigo Civil, representar convivência livre ou, ao contrário, repartição de tempo matematicamente igualitária entre os pais”.A fixação da moradia é questão relevante que a Lei 11.698/2008 silenciou, mas que não passou despercebida do legislador da Lei13.058/2014. A moradia é relevante para que o menor possa construir seu ponto de referência.

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GUARDA COMPARTILHADA – UMA NOVA REALIDADE PARA ODIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO

ANA CAROLINA SILVEIRA AKEL

Os últimos tempos foram marcados, entre outras coisas, pela definitiva inserção da mulher nocompetitivo mercado de trabalho, principalmente nas grandes metrópoles, onde a disputa é aindamais acirrada e difícil. Dessa maneira, a mulher passou de “rainha do lar” a mantenedora, oucorresponsável pelo sustento da família, como empregada, funcionária pública, profissional liberalou empresária.

Este fato, em verdade, veio apenas concretizar e corroborar o princípio constitucional daisonomia, garantindo a homens e mulheres os mesmos direitos e deveres, em todos os níveis eesferas.

Evidente que o fenômeno havia de causar, como causou, mudanças profundas e significativasnão só na própria estrutura familiar, mas também nas relações pessoais entre marido e mulher,companheiro e companheira, com reflexos no relacionamento com a prole proveniente dessas uniões.

Tal evolução fez com que a mulher deixasse de se sujeitar às imposições masculinas, comoocorria no passado. Hoje a intolerância entre os cônjuges, além de muito mais frequente, acarretamaior número de separações e rupturas, ainda mais porque, na maior parte das situações, não maisexiste a figura do “sexo frágil”, hierarquicamente inferior e submisso.

Não resta dúvida de que essa alteração da figura feminina fez com que o homem deixasse de sero chefe e provedor da sociedade conjugal e da família, e passasse a ser corresponsável – com amulher – pela entidade familiar.

A própria igualdade de direitos e obrigações e as necessidades da vida moderna fizeram comque o homem fosse convocado a participar mais intensamente das tarefas domésticas, assumindo,inclusive, o cuidado com os filhos e deixando de ser mero espectador. Não é difícil vislumbrar, hoje,a inversão dos papéis: enquanto muitas mulheres deixam o lar para trabalharem, alguns homenspermanecem em casa exercendo as atividades domésticas e cuidando dos filhos.

Ocorreu, dessa forma, uma verdadeira “metamorfose masculina”: de “provedor” o homempassou a ser também “participador” dos afazeres do lar, da família e dos cuidados com os filhos.

Diante destes dois fenômenos modernos e frequentes estreitamente ligados entre si (a inserçãoda mulher no mercado de trabalho e o grande número de separações), nosso ordenamento jurídico

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teve de se adequar às novas realidades e anseios sociais buscando formas alternativas e possíveispara minimizar o sofrimento, tanto do “casal conjugal” – que se desfez –, como do “casal parental” –que permanece unido para sempre –, concedendo a ambos os genitores os mesmos direitos e deverescom relação à prole.

É certo que essa isonomia no efetivo exercício da autoridade parental antes não existia, emprimeiro lugar por desinteresse do homem, que se habituava à situação de apenas mandar e prover,mas não de cuidar; depois, em razão da prevalência anterior da lei que estabelecia a guardauniparental como regra, exercida primordialmente pela mulher.

Esse panorama foi alterado com a inserção da Guarda Compartilhada no nosso ordenamentojurídico em 2008 e, recentemente, com a nova mudança legislativa, por meio da Lei 13.058/2014,que alterou os artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do Código Civil Brasileiro.

O novo contexto social trouxe a consolidação da igualdade parental entre os genitores com aefetiva corresponsabilização dos pais, como também o tempo igualitário de convivência com osfilhos e, ainda, a utilização desse modelo de guarda legal mesmo nas hipóteses de divergências elitígio entre as partes.

Com a nova guarda compartilhada em nosso ordenamento jurídico como modelo legal vigente,todas as questões referentes aos filhos deverão necessariamente ser resolvidas por ambos osgenitores, deixando, assim, de existir por parte de um dos genitores o exercício de “posse” sobre ofilho e a possiblidade de limitação no exercício do poder familiar, que é inerente de ambos os pais.

Expurgou-se, definitivamente, o modelo tradicional de guarda, em que a atribuição da guardadava-se a apenas a um dos genitores, propiciando sobremaneira o abuso no exercício daparentalidade, principalmente por parte das mães que se utilizavam dos filhos como moeda de troca,além de usá-los em muitas situações como marionetes a fim de atingir seus ex-companheiros, pais deseus filhos. A nova lei da guarda compartilhada constituiu uma inovação importante e significativapara o Direito de Família brasileiro, uma vez que trouxe em seu conteúdo a ideia de quecompartilhar a guarda de um filho é garantir que ele tenha pais igualmente engajados ecomprometidos na sua criação e no atendimento aos deveres ínsitos do poder familiar.

Ao inseri-la, dessa maneira, no ordenamento jurídico, o legislador civil reafirmou o direito dosgenitores de obterem todas as informações ligadas à saúde física e psicológica da prole, além dasquestões sobre o desenvolvimento educacional. Dessa forma, não será mais permitida a omissão deinformações de qualquer natureza por parte dos estabelecimentos públicos e privados, sob pena demulta, devendo ser prestadas a ambos os genitores, que exercerão de forma isonômica a autoridadeparental sobre os filhos. É certo que, com essa alteração legislativa, a guarda uniparental ouunilateral tornou-se exceção, só se justificando em situação de inaptidão de um dos genitores para oexercício do poder familiar, ou se um deles não desejar.

Buscou-se, com essa alteração legislativa, um modelo de exercício de guarda que enseja amenor alteração possível na relação paterno-filial e materno-filial, propiciando melhor

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desenvolvimento psicológico e maior estabilidade emocional para o menor, que não sentirá damesma forma intensa, como no modelo anterior, a perda de referência de seu pai ou de sua mãe, bemcomo da própria estrutura familiar. Com esse tipo de guarda, reduzem-se as dificuldades que ascrianças normalmente enfrentam na adequação à nova rotina e aos novos relacionamentos após aseparação de seus genitores, haja vista que conviverão igualitariamente com seus pais.

Com a guarda compartilhada, manter-se-á, mesmo que impositivamente, o casal parental, ouseja, será conservado o contato da prole com os seus dois genitores: pai e mãe dividirãoisonomicamente o mesmo tempo e a mesma responsabilidade legal em relação aos filhos,compartilhando as obrigações e resolvendo conjuntamente todas as questões importantes da vida doinfante, tais como a escolha da escola que o menor iniciará e permanecerá até o fim de seus estudos,as atividades extracurriculares (judô, ballet, línguas estrangeiras, natação etc.), as decisões relativasà saúde, além de outras questões importantes e fundamentais para o bom desenvolvimento da criança.Esse rol de incumbências deixa de ser uma obrigação unilateral (genitor guardião), passando a serdever de ambos os genitores, que participarão de forma intensa e efetiva da vida de seus filhos.

Pesquisas realizadas no mundo inteiro comprovam que, com a utilização desse tipo de guarda, osentimento de abandono ou de perda é menor, reduzindo-se as dificuldades que as criançasnormalmente enfrentam em se adaptar às novas rotinas diárias e com a realidade de ter paisseparados. Essa, na verdade, é a precípua finalidade da guarda compartilhada, ou seja, diminuir ador e minimizar possíveis traumas.

Contudo, apesar de defender a guarda conjunta e acreditar que a mesma é a ideal e maisbenéfica para a criança, não compartilho integralmente com o novo texto de lei quando estabeleceque ela poderá ser aplicada mesmo diante de litígio entre os pais. Data maxima venia, acredito quetal posição contraria o interesse do menor, garantido constitucionalmente. A guarda compartilhada sótrará benefícios e menor sofrimento às crianças quando for possível a relação ao menos cordial entreos pais. Os pais não precisam ser amigos, no entanto, é descabido, a meu ver, pensar em efetivoexercício da guarda compartilhada numa relação de litígio, sentimento de ódio e beligerância entreos genitores, em que as crianças serão obrigadas a conviver diuturnamente com brigas e conflitos denaturezas diversas. Entendo que tal situação não trará consequências positivas, benéficas nemtampouco estabilidade emocional aos menores, desnaturando o verdadeiro sentido da guardacompartilhada.

A guarda conjunta é a ideal; no entanto, em alguns casos, necessita de um tempo para serefetivamente implementada e clama, ainda, por uma ajuda multidisciplinar em que profissionaisgabaritados e especializados poderão auxiliar na maturação dos sentimentos variados envolvidos narelação, trabalhando-os e transformando-os.

Nesses casos de extremo litígio, após a intervenção dessa equipe multidisciplinar, e com otempo necessário, é certo que a compartilhada poderá e deverá ser utilizada, fazendo com que sua

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finalidade primordial seja alcançada, possibilitando aos genitores que não mais convivem com osseus filhos que mantenham os vínculos afetivos estreitos e sempre latentes, mesmo após a ruptura darelação conjugal Busca-se, assim, a continuidade dos laços emocionais e afetivos que sempreexistiram desde o nascimento e que uniam pais e filhos anteriormente ao desenlace conjugal.

Com relação ainda à questão do relacionamento ao menos cordial entre os pais, manifesto-menovamente no sentido de que talvez, num primeiro momento, logo quando da separação, a adoção daguarda compartilhada plena não seja possível pelos próprios problemas e ressentimentosprovenientes da separação conjugal. No entanto, em momento posterior, quando os ânimos jáestiverem abrandados e menos aflorados é certo que a adoção da guarda conjunta será a melhoralternativa para o ex-casal, e principalmente para o menor, que será privilegiado com a presençamarcante, em sua vida, tanto da figura materna como da figura paterna, mantendo acesos e latentes nocoração e na vida da criança e da família os laços de amor e carinho.

É certo, então, que para o casal adotar esse tipo de guarda e exercê-la de forma perfeita esatisfatória, como a lei almeja, em prol dos filhos menores, e em consonância com sua real everdadeira essência, entendo ser imprescindível que os pais guardem entre si uma relação amistosae/ou cordial, pelo menos com relação à filiação; caso contrário, sua aplicação poderá ser prejudicialà vida e à formação do menor, que sofrerá mais intensamente com os conflitos diários dos pais.

Se toda criança tem o direito de conviver com ambos os genitores, direito esse estabelecido emconvenções nacionais e internacionais,1 da mesma forma tem o direito de viver em ambientetranquilo, sem stress, conflitos, medo e insegurança e incertezas.

Concluímos que a premissa sobre a qual se constrói a guarda compartilhada é a de que odesentendimento entre os pais não pode atingir o relacionamento destes com os filhos, sendo sadiopara estes que sejam educados por ambos os pais e não só por um deles, conforme ocorre emmilhares de relações familiares.2

Na guarda compartilhada deve inexistir disputa entre os genitores que, de forma equilibrada,deverão viver em sua plenitude a relação com seus filhos. Se existir entre os ex-cônjugesdiscernimento suficiente e capacidade de separar a relação conjugal frustrada da relação parentaleterna, a adoção da guarda compartilhada será, sem sombra de dúvida, a fórmula ideal para os diasde hoje, fazendo o AMOR e o AFETO binômio marcante do exercício da guarda.

Denise Duarte Bruno. Disponível em: <www.pailegal.net>. Acesso em: 29 jul. 2008.Ana Carolina Silveira Akel, Guarda compartilhada – Um Avanço Para a Família. São Paulo: Atlas, 2008, p. 104.

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PODER FAMILIAR E GUARDA: UM CAMINHO ASSERTIVO PARAA DEVIDA APLICAÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA

CESAR CALO PEGHINI

Sumário: 1. Introdução: 1.1. Deveres atinentes ao poder familiar – patrimonial e extrapatrimonial; 1.2.Extinção, suspensão ou perda do poder familiar – 2. Guarda: 2.1. Guarda e a dissolução da sociedadeconjugal; 2.2. Questões polêmicas da guarda compartilhada – Referências.

INTRODUÇÃO

O poder familiar é a derivação do parentesco, bem como do instituto da filiação. Deve seranalisado em um contexto geral, sem distinção da origem da filiação.

Deve ser registrado ainda, que é um grande desafio estudar o poder familiar, pois suaregulamentação gira em torno de um complexo legislativo, dentre os quais pode ser citado aConstituição Federal, o Código Civil o Código de Defesa do Consumidor, a Consolidação das Leisdo Trabalho e Estatuto da Criança e Adolescente.

Diante do exposto, é fundamental utilizar-se da Teoria do Diálogo das Fontes1, aplicando todasas normas em complementação, sempre objetivando a proteção integral da criança e do adolescente.

Os defensores do ECA utilizam o termo proteção integral, já os autores de direito internacionalusam a expressão “Best interest of child” (Convenção de Haia de Proteção dos Direitos da Criança)2.

Maria Helena Diniz3 pondera de forma assertiva que o referido princípio: “permite o integraldesenvolvimento de sua personalidade e é diretriz solucionadora de questões conflitivas advindas daseparação judicial ou divórcio dos genitores, relativas à guarda, direito de visitas e etc.”

Dentro do conceito da operabilidade4, os arts. 1.630 a 1.638 do CC disciplinam as relaçõespessoais de poder familiar, enquanto os arts. 1.689 a 1.693 do CC cuidam das relações patrimoniais.

Em continuidade, apesar de ter sido alterada a nomenclatura do pátrio poder, o conteúdo dosdispositivos manteve-se o mesmo, ou seja, é o poder exercido pelos pais em relação aos filhosdentro da ideia democrática de colaboração, baseada, sobretudo, no afeto5.

Mas não se engane, pois a concepção da nomenclatura altera o espírito da mesma. Taljustificativa tem como fundamento os direitos decorrentes do pátrio poder romano.

No referido caso – poder familiar no direito romano – o chefe familiar podia transacionar os

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1.1.

filhos, entregando-os para pagamento de dívida, a fim de mitigar danos decorrentes deresponsabilidade civil e até mesmo abandoná--los, nos casos de eugenia6.

A terminologia “pátrio poder” foi superada, pois a essência teleológica é o binômio – proteçãodo filho e responsabilidade dos pais –, ou seja, traz a ideia da representação legal envolvendo aproteção da prole.

A regulamentação tem início no art. 1.630, que dispõe: “os filhos estão sujeitos ao poderfamiliar, enquanto menores”. São os seguintes elementos basilares que podem ser extraídos:

a) Conceito: é o dever-poder (nessa ordem) dos pais de desenvolverem todas as faculdades dofilho.

b) Natureza jurídica: é um dever antes de ser poder. Prevalece a ideia da responsabilidadesegundo um binômio de exercício regular e desenvolvimento integral.

c) Titularidade: a ideia que prevalece, atualmente, é a de exercício conjunto, em substituição aoexercício subsidiário pela mulher (Estatuto da Mulher Casada), tanto no casamento, quanto na uniãoestável.

Para Fábio Ulhoa Coelho7:

O poder familiar é titulado pelo pai e pela mãe, em conjunto, e a ele se submete o filho, enquanto formenor. Trata-se de poder indelegável – exceto parcialmente entre os que titulam – que a lei concedeaos pais para que possam dispor de instrumentos para adequado cumprimento de sua importânciatarefa de preparar o filho para a vida.

Deveres atinentes ao poder familiar – patrimonial e extrapatrimonial

Com base constitucional no art. 229, bem como no Estatuto da Criança e Adolescente, há umamplo dever de sustento, guarda e educação dos filhos. Registra-se que tudo deve sempre seranalisado tanto sobre o aspecto extrapatrimonial como patrimonial.

Pois bem, por uma questão didática e de importância, inicia-se o estudo pelos dispositivosatinentes às relações pessoais.

Primeiramente temos o art. 1631, do CC, que retoma a ideia de solidariedade, pertencendo opoder familiar a ambos os pais, e na falta de um deles, tal poder será exercido exclusivamente. Omais interessante é o parágrafo único que judicializa o desacordo existente entre os pais. Vale oregistro do dispositivo:

Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ouimpedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquerdeles recorrer ao juiz para solução do desacordo.

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Tudo leva a crer que referido instituto está na contramão dos princípios processuais, mas indicoque também é acesso à justiça a mediação, que será uma ferramenta fundamental para solucionaressas lides, especialmente após o advento da Lei nº 13.140/158.

Em continuidade, tem-se um dos artigos mais importantes de toda a disciplina do poder familiar(art. 1.632 do CC), que regula duas coisas fundamentais.

Em um primeiro momento, verifica-se a questão do direito à convivência familiar, o quesustenta a ideia da responsabilidade civil por abandono afetivo.

Já em um segundo momento, não pode ser deixada de lado a questão da regulamentação dodireito de visitas ou companhia na hipótese de guarda unilateral.

Referido ponto é sensível na dissolução da sociedade conjugal, e deve ser aplicado sempre embenefício da criança e do adolescente.

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais já se manifestou:

APELAÇÃO CÍVEL – FAMÍLIA – AÇÃO DE GUARDA – PRINCÍPIOS DO MELHORINTERESSE DO MENOR E DA PROTEÇÃO INTEGRAL – GUARDA EXERCIDA PELOGENITOR E AVÓS PATERNOS – PROVAS DO BOM RELACIONAMENTO COM OSMENORES – SITUAÇÃO FÁTICA CONSOLIDADA PELO TEMPO – AUSÊNCIA DE PROVASDE MELHORES CONDIÇÕES DA GENITORA – RECURSO DESPROVIDO. – Nas ações queenvolvam a discussão sobre a guarda de menor, deve sempre ser levado em consideração, e de formaprioritária, o melhor interesse do infante para a sua perfeita formação. – A guarda dos menoresexercida pelo genitor e avós paternos, consolidada pelo tempo, somente deve ser modificada,unilateralmente, em condição excepcional, isto é, quando devidamente demonstrada alteração nasituação financeira, social e/ou psicológica dos guardiões, que comprometam de forma objetiva omelhor interesse desses menores e venham a afetar seu adequado desenvolvimento. (TJ-MG – AC10525120024233001 – MG, Rel. Versiani Penna, j. 29.05.2014, Câmaras Cíveis/5ª CÂMARACÍVEL, Data de Publicação: 09.06.2014)

Por fim, porém não menos importante, temos o art. 1634 do CC, que foi alterado pela Lei nº 13.058,de 2014, estabelecendo os seguintes deveres para os pais:

I – dirigir-lhes a criação e a educação;II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;IV – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;V – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outroMunicípio;VI – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe

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sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;VII – representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, eassisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;VIII – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;IX – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Conforme muito bem aponta a doutrina9, não obstante o poder familiar seja indelegável,irrenunciável e imprescritível, portanto, personalíssimo, pode ser dividido didaticamente em:

a) tutela de criação: tem forte relação com o ECA, em especial os institutos da convivênciafamiliar e comunitária (art. 1634, I e II do CC);

b) tutela de representação: tem forte relação com os atos da vida civil, sem o que os mesmospodem ser nulos ou anulados (art. 1634, III até VII do CC);

c) tutela de proteção: tem forte relação com exercício regular e desenvolvimento integral (art.1634, VIII e IX do CC).

Esse último desdobramento é um dos mais abrangentes, pois pode ser objeto de questionamentoe embates em situações como: regulamentação e retenção indevida de guarda, sequestro e rapto deincapaz, abandono ou maus-tratos por instituições de ensino10.

Em continuidade, o inciso IX do art. 1634 do CC, também é emblemático, pois é usado comofundamento para o cometimento das maiores atrocidades contra crianças e adolescentes. De fato, ospais têm poder e gerência para forjar o caráter da criança, mas já foi a época de castigos físicos, sejana residência ou nas escolas. Fatos esses que custam a acabar...11-12

Mas não é só, casos de maus-tratos, exploração econômica e física, entre outras atividades,ocorrem de forma reiterada, basta acompanhar os telejornais ou notícias na rede mundial decomputadores.

Não é o objetivo do presente trabalho – pois a questão é antropológica e sociológica –, mas sãovários os fundamentos para que esse tipo de violência ou abuso do poder familiar se mantenha.Podem ser citados, entre outros fenômenos, a baixa renda familiar, baixos níveis de escolaridade etranstornos psicológicos dos pais.

A violência ainda ocorre, não obstante as várias normas que protegem as crianças eadolescentes. Como exemplo, deve ser registrado o art. 403 da CLT, que proíbe o trabalho dosmenores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz aos 14 anos de idade, vedado o trabalho noturno.

Nesse contexto, surge a Lei nº 13.010/14, que altera a Lei nº 8.069/90, para estabelecer odireito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos oude tratamento cruel ou degradante, ou seja, a conhecida lei da palmada.

Ensina Flávio Tartuce13 que referidos deveres legais são limitativos e podem incorrer emresponsabilidade civil, por abuso de direito pelo sistema de cláusula geral prevista no art. 187 do

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1.2.

CC, que vale a transcrição: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelosbons costumes”.

Superada a questão anterior, pode-se enfrentar a tutela patrimonial dos bens dos filhos, semenores.

Nesse sentido, a regulamentação se encontra prevista no art. 1.689, do CC:

Art. 1.689. O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar:I – são usufrutuários dos bens dos filhos;II – têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade.

Como se vê, a regulamentação inicial se divide em duas frentes.Inicialmente o usufruto legal (art. 1.689, I, do CC), assim como o direito de representação

previsto na parte geral do Código Civil, dispensa o registro, pois a publicidade está no próprioexercício.

Registra-se, ainda, que enquanto usufrutuários dos bens dos filhos, os pais podem atuar emnome próprio, são dispensados de prestar contas ou até mesmo de apresentar caução.

A segunda parte do dispositivo tem relação com a administração dos bens (art. 1.689, II doCC), que é exercida em nome alheio.

Referente à administração, prevê ainda o art. 1.690, do CC, o poder dos pais representá-los ouassisti-los, não podendo alienar ou gravar de ônus reais os bens sem autorização judicial (art. 1.691,do CC).

Por fim, o legislador arrola quais são os bens excluídos do usufruto ou administração:

Art. 1.693. Excluem-se do usufruto e da administração dos pais: I – os bens adquiridos pelo filhohavido fora do casamento, antes do reconhecimento;II – os valores auferidos pelo filho maior de dezesseis anos, no exercício de atividade profissional eos bens com tais recursos adquiridos; III – os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição denão serem usufruídos, ou administrados, pelos pais; IV – os bens que aos filhos couberem na herança,quando os pais forem excluídos da sucessão.

Extinção, suspensão ou perda do poder familiar

Conforme o art. 1.635 do CC são as seguintes hipóteses de extinção do poder familiar:

I – pela morte dos pais ou do filho;II – pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único;III – pela maioridade;

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IV – pela adoção;V – por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.

Todavia, deve ser registrado, uma vez o pai ou a mãe contraindo novas núpcias, ouestabelecendo uma nova união estável, não perdem, quanto aos filhos do relacionamento anterior, osdireitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro(art. 1.636, do CC).

O inciso V refere-se à perda do poder familiar, sempre por decisão judicial que, ao lado dasdemais modalidades, também é uma forma de extinção.

A perda do poder familiar é uma espécie de sanção pelo exercício indevido do direito, e suaaplicação deve ser realizada em ultima ratio. São as seguintes as hipóteses de perda efetivaprevistas no art. 1.638 do CC:

I – castigar imoderadamente o filho;II – deixar o filho em abandono;III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

Conforme pode ser extraído dos incisos, estamos diante de várias cláusulas gerais14, comocastigo imoderado ou práticas de atos contrários à moral e aos bons costumes.

O juiz terá que analisar o caso concreto e verificar a hipótese de incidência dos dispositivos.Anota-se o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO CÍVEL. ECA. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR E ADOÇÃO. NULIDADE DACITAÇÃO POR EDITAL. INOCORRÊNCIA, PRELIMINAR REJEITADA. PREVALÊNCIA DOSINTERESSES DO MENOR. PERDA DO PODER FAMILIAR DEVIDO A MAUS-TRATOS.SENTENÇA CONFIRMADA. 1. É válida a citação realizada por edital, tendo sido envidados todosos esforços possíveis para localização do demandado, residente em endereço desconhecido para oautor. Não há cogitar cerceamento de sua defesa, considerando que lhe foi devidamente nomeadacuradora especial, atuante no feito. 2. Diante das inúmeras avaliações psicológicas, sociais epareceres concluindo pela ausência de condições adequadas dos genitores para um desenvolvimentosaudável da criança, necessária a manutenção da sentença. Apelo desprovido (Apelação Cível70054520929, 7ª Câmara Cível, TJ-RS, Rel. Sandra Brisolara Medeiros, j. 29.01.2014, DJ03.02.2014).

A perda, conforme já alertado anteriormente, constitui sempre medida excepcional.Assim, preferencialmente, o Juiz deve se valer das hipóteses de suspensão, previstas no artigo

1.637, do CC, que possuem caráter temporário – para perdurar enquanto se fizer necessária: a) abuso

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2.

do poder familiar (art. 1.637, CC) e b) sentença penal condenatória superior a dois anos.Várias são as situações que podem ser extraídas da jurisprudência. Como exemplo, a mãe que

não tem condições para exercer o poder familiar15, dados concretos apontando exposição das filhas àpornografia, uso de drogas, falta de alimentação16 e notícia de abuso sexual perpetuados contra aenteada17.

Destarte, ventila Rolf Madaleno18:

Os motivos geradores da intervenção judicial para a adoção de posições processuais de salvaguardados interesses dos menores não se limitam às hipóteses elencadas no caput do artigo 1.637 doCódigo Civil, de abuso de autoridade; de falta aos deveres paternos em que negligenciam ou seomitam ao regular cumprimento de suas atribuições, ou pertinente à ruína ou dilapidação dos bensdos filhos; existindo na casuística jurisprudencial um sem-número de situações fáticas com risco deexposição à vida, à saúde, ao lazer, à profissionalização, à dignidade, ao respeito, à liberdade, àconvivência familiar e comunitária dos filhos, assim como fatos capazes de submetê-los a atos dediscriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, abalando, fundo, direitos fundamentaisdos menores, postos sob a proteção familiar.

Por derradeiro, a falta de recursos19 não dá causa à suspensão, muito menos à perda do poderfamiliar, desde que viabilizada a prática da função parental em sadio ambiente de vida.

GUARDA

Conforme pode ser extraído da legislação em vigor, a guarda é um desdobramento do poderfamiliar e traduz um conjunto de obrigações e direitos em face da criança ou adolescente, deassistência material e moral.

Historicamente, o direito de guarda não era regulamentado pela Codificação de 1916, que selimitava a identificá-lo como mero desdobramento do poder familiar.

O Código Civil de 2002, em sua redação original, abordava o tema nos arts. 1.611 e 1.612, e1.583 até 1.589.

Prosseguindo, a Lei nº 11.698/08, por sua vez, alterou esses últimos artigos, passando a admitira guarda compartilhada que, posteriormente, sofreu sensíveis alterações promovidas pela Lei nº13.058/1420.

Antes de aprofundar o instituto da guarda, faz-se fundamental indicar quais princípios norteiamo instituto21.

a) Princípio da Autonomia: a guarda não é mais vinculada somente ao poder, mas decorre deste.Assim, tem-se uma forma autônoma de proteção, ainda que transitória. Tal justificativa tem

como fundamento que tanto a guarda de fato (art. 33 do ECA) como a de direito devem zelar peladignidade da criança.

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2.1.

b) Princípio da inalterabilidade da relação pai e filho: a relação é própria e direta,independentemente de estar casado, solteiro etc. (art. 226, § 4º, da CF).

c) Princípio da continuidade da relação (art. 1.591, CC): o vínculo de parentesco é contínuo, ouseja, a maioridade não extingue a obrigação alimentar; só muda a presunção de necessidade dealimentos.

Guarda e a dissolução da sociedade conjugal

Entramos em um dos pontos mais sensíveis do tema, ou seja, a devida aplicação da guardaquando da dissolução da sociedade conjugal.

Inicialmente, o art. 9° da Lei nº 6.515/77, estabelecia que no caso de separação consensual ospais acordavam com quem ficaria a guarda dos filhos.

Já o art. 10 da referida lei, dispunha que no caso de separação judicial culposa, o filho ficariacom quem não é culpado e, se ambos fossem culpados, ficaria com a mãe, e em casos extremos,poderia ser colocado em poder de pessoa idônea da família dos cônjuges.

Como é sabido, a questão da culpa na dissolução da sociedade conjugal foi superada, bemcomo não é possível a regulamentação de guarda no divórcio extrajudicial.

Em continuidade, a redação original dos arts. 1.583 e 1.584, do CC, estabeleciam que a guardapudesse ser consensual, bem como, no caso de litígio, a criança seria alocada onde houvessemelhores condições.

Referida situação já estava formatada nos termos do disposto na Constituição Federal edoutrina da proteção integral.

Já com a redação atual, ou seja, com as alterações da Lei nº 13.058/14, temos relevantesmudanças. Contudo, antes de verificar as alterações, faz-se fundamental entender quais são asmodalidades de guarda existentes.

São as seguintes:a) Guarda unilateral: sempre foi mais utilizada no Brasil. De forma muito simples, trata daquela

atribuída a um só dos genitores, ou seja, é a guarda exclusiva do pai ou da mãe, cabendo ao outro odireito de visitas.

A doutrina atual registra que não há primazia da mulher, dado o princípio constitucional daisonomia e da igualdade.

b) Guarda bilateral ou guarda conjunta ou guarda compartilhada: modalidade de guardabilateral, não existe exclusividade.

A mesma será exercida simultaneamente pelo pai ou pela mãe. Há uma corresponsabilidadebilateral do pai e da mãe22.

Registra-se que mesmo antes da Lei nº 11.698/08, que a regulou, já era possível sua aplicação.Deve ser anotado que as duas modalidades anteriores estão descritas na lei, todavia, cumpre

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registrar que o rol de guardas não é taxativo, e sim exemplificativo; assim, temos outrasmodalidades.

c) Guarda alternada: é variação da guarda unilateral. No referido caso, o pai ou a mãe alternamperíodos de guarda exclusiva.

Tal situação não deve ser confundida com a compartilhada. O exemplo dado pela doutrina é quede janeiro a julho, o filho fica com a mãe e o pai tem direito de visitas. Nos outros meses, ou seja, deagosto a dezembro, ocorre o contrário: o filho fica com o pai e a mãe tem direito de visitas23.

d) Guarda de Nidação ou aninhamento: é a menos utilizada. A criança fica no mesmo domicílio,de maneira que os pais alternam períodos de convivência.

A vantagem é que a criança não fica mudando de residência. Como exemplo de janeiro a julho,a mãe mora na residência da criança, e o pai tem direito de visitas, nos outros meses, de agosto adezembro, ocorre o contrário.

Feito isso, pode-se verificar – ainda que de forma superficial – as recentes alterações da Lei nº13.058/14.

Inicialmente temos o art. 1.584 do CC, dispondo sobre as duas modalidades de guarda, ou seja,a guarda, unilateral ou compartilhada.

Com um tom bastante didático, o legislador conceitua as modalidades de guarda da seguinteforma:

Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua(art. 1.584, § 5º) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos edeveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhoscomuns.

As mesmas poderão ser requeridas pelo pai e pela mãe, ou por qualquer um dos dois, ou ainda,decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição detempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.

Nos termos do apresentado, temos duas formas de instituição das guardas.Prosseguindo, na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da

guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores eas sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.

Referido momento é um dos mais sensíveis, pois é fundamental identificar como a guarda seprocessará, pois muitas vezes as partes não entendem como se processará a guarda.

As novidades mais relevantes são as seguintes:a) Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que

melhor atender aos interesses dos filhos (art. 1.583, § 3°, do CC).

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2.2.

Referida alteração está em foco na doutrina, pois leva a crer que estamos diante da guarda denidação.

b) A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dosfilhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima parasolicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações quedireta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos (art. 1.583, §5º, do CC).

Dada alteração, parece ser um pleito antigo das pessoas que somente tinham o direito de visitas,que não tinham no passado um instrumento hábil para requerer a legítima informação dos gastosatinentes aos alimentos prestados.

Referida inovação é complementada pelo art. 1.584, § 6º, do CC, que obriga a qualquerestabelecimento público ou privado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos,sob pena de multa.

c) Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada aguarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda domenor (art. 1.584, § 2º. do CC).

Essa talvez seja a alteração mais relevante ocorrida em 2014, pois a guarda compartilhadatorna-se obrigatória, e sua não aplicação uma sanção ao genitor que não deseja sua implementação.

d) Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guardacompartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se emorientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibradado tempo com o pai e com a mãe.

Lembra Flávio Tartuce24 que referido dispositivo, para ter efetividade plena, deve serimplementado por meio da mediação familiar, nesse sentido: Enunciado 335 do CJF: “serestimulada, utilizando-se, sempre que possível, da mediação e da orientação de equipeinterdisciplinar”.

Questões polêmicas da guarda compartilhada

Primeira delas é se existe a necessidade de acordo entre os cônjuges . Presente questão não épacifica na doutrina, pois aponta Rolf Madaleno25 que teríamos mais complicações de convivênciaquando essa for obrigatória.

Não obstante, as recentes reformas do Código Civil, acordes com o Superior Tribunal deJustiça26, indicam que não há necessidade de consenso, pois a guarda compartilhada configura umanítida ferramenta de aproximação.

Atinente à presente temática, Flávio Tartuce27 pondera que o caminho ideal seria aimplementação dessa modalidade de guarda, com a utilização da mediação.

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Em continuidade, outro ponto polêmico são os alimentos. Deve ser registrado que, nessamodalidade de guarda, o que se compartilha é a convivência e não as despesas . Muitos pais nãocompreendem essa regra, pois muitas vezes há o interesse de implementação da guardacompartilhada para se exonerar do pagamento dos alimentos.

Por fim, porém não menos importante, não pode existir na guarda compartilhada aregulamentação de direito de visita.

Nesse sentido, anote-se o seguinte julgado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ACORDO JUDICIAL.GUARDA COMPARTILHADA. VIABILIDADE DA FIXAÇÃO DE ALIMENTOS.IMPOSSIBILIDADE DE PREVISÃO DE TERMO FINAL PARA A OBRIGAÇÃO DE PRESTARALIMENTOS EM FAVOR DA PROLE. DIREITO PERSONALÍSSIMO E IRRENUNCIÁVELRELATIVAMENTE AOS ALIMENTOS PRESENTES E FUTUROS. DESNECESSIDADE DEREGULAMENTAÇÃO DAS VISITAS. PRECEDENTE. DECISÃO POR ATO DA RELATORA.ART. 557 DO CPC). AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO (Agravo deInstrumento 70057217150, 7ª Câmara Cível, TJ-RS, Rel. Sandra Brisolara Medeiros, j. 29.10.2013,DJ 31.10.2013).

Outrossim, seria melhor denominar a guarda compartilhada de poder familiar compartido oucuidados pessoais compartidos, vez que embora resida o filho na casa de um de seus pais, ambos,compartem decisões e se distribuem de modo equitativo nas tarefas atinentes aos cuidados dosfilhos28.

Sendo assim, diante de todo o exposto, entende-se que instituto da guarda compartilhada sofre ainterferência de várias fontes normativas, entre elas a Constituição Federal, o Código Civil o Códigode Defesa do Consumidor, a Consolidação das Leis do Trabalho e Estatuto da Criança eAdolescente.

Enfim, cumpre registrar que a guarda, seja qual for a modalidade, deve ser aplicada nos termosou ditames do princípio da proteção integral da criança e do adolescente.

REFERÊNCIAS

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5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 680.Rolf Madaleno, em seu livro, lembra-se de um dos casos mais emblemáticos de retenção indevida, o conhecido caso do menino Iruan,do estado do Rio Grande do Sul. Dispo- nível em: <http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/01/rapaz-que-ha-10-anos-foi--disputado-entre-duas-familias-e-adotado-por-3.html>. Acesso em: 15.01.2015.“APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE MAUS-TRATOS CONTRA CRIANÇA, PRATICADO PELO PADRASTO. RECURSODEFENSIVO PRETENDENDO A ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. TESE RECHAÇADA. AUTORIA EMATERIALIDADE DELITIVAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS NO PROCESSADO, MÁXIME PELASDECLARAÇÕES DO MENOR REPORTADAS A TESTEMUNHAS E PELAS CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS DA AÇÃOCRIMINOSA. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECLAMO MINISTERIAL POSTULANDO A RECLASSIFICAÇÃO PARA OCRIME DE TORTURA. INADMISSIBILIDADE. DOLO DE CAUSAR SOFRIMENTO INTENSO NÃO DEMONSTRADO.CONDUTA QUE MELHOR SE AMOLDA AO TIPO DESCRITO NO ART. 136 DO CÓDIGO PENAL. APELOS NÃOPROVIDOS. Ocorrem maus-tratos e não tortura quando a vontade do agente é apenas corrigir e disciplinar a vítima e não provocarintenso e angustiante sofrimento. Caracteriza a tortura, a vontade livre e consciente de castigar, visando o tormento, a dor, opadecimento para obter um fim imoral ou ilícito. Nos maus-tratos o fim não é o castigo, muito menos o padecimento ou qualquerobjetivo imoral, é, apenas, a correção, a educação, praticados com excesso” (TJ-SC – APR 51901 – SC 2009.005190-1, Rel. TulioPinheiro, j. 22.06.2009, 2ª Câmara Criminal).“APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE MAUS-TRATOS CONTRA CRIANÇA. MATERIALIDADE E AUTORIADEVIDAMENTE COMPROVADAS. ALEGAÇÃO DE QUE A APELANTE AGIU NO INTUITO DE EDUCAR. EXCESSOEVIDENCIADO NAS PROVAS DOS AUTOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO”(TJ-SC, Rel. Newton Varella Júnior, j. 08.09.2011, 1ª Câmara Criminal).TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. 9. ed. São Paulo: Método, 2014, p. 439.Sobre o sistema de cláusulas gerais, verifique os estudos de Miguel Reale. Disponível em:<http://www.miguelreale.com.br/artigos/artchave.htm>. Acesso em: 15.01.2014.TJ-RS – AI 70059290072 – RS, Rel. Rui Portanova, j. 05.06.2014, 8ª Câmara Cível, DJ 10.06.2014.TJ-RS – AI 70061379541 – RS, Rel. Rui Portanova, j 30.10.2014, 8ª Câmara Cível, DJ 04.11.2014.TJ-RS – AI 70058769449 – RS, Rel. Liselena Schifino Robles Ribeiro, j. 05.03.2014, 7ª Câmara Cível, DJ 07.03.2014.MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 695.Art. 23, do ECA. “A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poderfamiliar”.Art. 1.583, do CC. “A guarda será unilateral ou compartilhada.§ 1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º) e, porguarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmoteto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.§ 2º Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai,sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.I – (revogado);II – (revogado);III – (revogado).§ 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dosfilhos.§ 4º (VETADO).§ 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar talsupervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ousubjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos”.VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil: Direito de Família. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 296.“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. GUARDACOMPARTILHADA. CONSENSO. NECESSIDADE. ALTERNÂNCIA DE RESIDÊNCIA DO MENOR. POSSIBILIDADE.1. A guarda compartilhada busca a plena proteção do melhor interesse dos filhos, pois reflete, com muito mais acuidade, a realidade

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da organização social atual que caminha para o fim das rígidas divisões de papéis sociais definidas pelo gênero dos pais. 2. A guardacompartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do Poder Familiar entre pais separados, mesmo que demandem delesreestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológicode duplo referencial. 3. Apesar de a separação ou do divórcio usualmente coincidirem com o ápice do distanciamento do antigo casale com a maior evidenciação das diferenças existentes, o melhor interesse do menor, ainda assim, dita a aplicação da guardacompartilhada como regra, mesmo na hipótese de ausência de consenso. 4. A inviabilidade da guarda compartilhada, por ausência deconsenso, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente, porque contrária ao escopodo Poder Familiar que existe para a proteção da prole. 5. A imposição judicial das atribuições de cada um dos pais, e o período deconvivência da criança sob guarda compartilhada, quando não houver consenso, é medida extrema, porém necessária àimplementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal, letra morta. 6. A guarda compartilhada deve ser tida comoregra, e a custódia física conjunta – sempre que possível – como sua efetiva expressão. 7. Recurso especial provido” (STJ – REsp1428596 – RS 2013/0376172-9, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 03.06.2014, T3 – 3ª Turma, DJe 25.06.2014).“APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO DE FAMÍLIA – GUARDA E REGULAMENTAÇÃO DE VISITA – PEDIDO DE “GUARDAALTERNADA” – INCOVENIÊNCIA – PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DAS CRIANÇAS – GUARDACOMPARTILHADA – IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE HARMONIA E RESPEITO ENTRE OS PAIS – ALIMENTOS– FIXAÇÃO – PROPORCIONALIDADE – CAPACIDADE DO ALIMENTANTE E NECESSIDADE DO ALIMENTADO. Aguarda em que os pais alternam períodos exclusivos de poder parental sobre o filho, por tempo preestabelecido, mediante, inclusive,revezamento de lares, sem qualquer cooperação ou corresponsabilidade, consiste, em verdade, em ‘guarda alternada’, indesejável einconveniente, à luz do Princípio do Melhor Interesse da Criança. A guarda compartilhada é a medida mais adequada para protegeros interesses da menor somente nas hipóteses em que os pais apresentam boa convivência, marcada por harmonia e respeito. Para afixação de alimentos, o Magistrado deve avaliar os requisitos estabelecidos pela lei, considerando-se a proporcionalidade entre anecessidade do alimentando e a possibilidade de pagamento pelo requerido a fim de estabilizar as microrrelações sociais” (TJ-MG –AC 10056092087396002 – MG, Rel. Fernando Caldeira Brant, j. 19.12.2013, Câmaras Cíveis/5ª Câmara Cível, Data de Publicação:09.01.2014).TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. 9. ed. Método. São Paulo. 2014. p. 595.MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 438.REsp 1251000 – MG. Min. Nancy Andrighi (1118). T3 – 3ª Turma, 23.08.2011. DJe 31.08.2011.TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. 9. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 596.MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 441.

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OS AVÓS, A GUARDA COMPARTILHADA E A MENS LEGIS1

EZEQUIEL MORAIS

Sumário: Introdução – 1. Esboço histórico-conceitual e modalidades de guarda – 2. Alterações da“guarda compartilhada” trazidas pela Lei n.º 13.058/2014 – 3. Guarda compartilhada entre o genitorsupérstite e os avós: direito dos netos – 4. A recente jurisprudência – 5. Reflexos do CPC/2015 naguarda compartilhada – 6. direito estrangeiro – breve incursão: 6.1. A experiência do direito italiano: umaamostragem – Considerações finais – Referências.

INTRODUÇÃO

“Diante desse quadro, questiono-me mais em relação à situação da menor nos dias atuais. Tenhomuito receio de que se faça uma experiência com a menor para saber se dará certo ou não o seuconvívio com a mãe, sobretudo deixando um lar onde está sendo bem formada, bem cuidada. Antea incerteza da situação que viverá e aquela que está vivendo e, mais, considerando que, ao longode oito anos, essa menor vem encontrando a felicidade no lar dos seus avós, não me sintoconfortável em retirá-la apenas porque há um direito natural da mãe a ter consigo a filha” –Sálvio de Figueiredo Teixeira.2

Inicia-se o presente estudo com a mesma preocupação - e ainda tão contemporânea - expostapor Sálvio de Figueiredo já no primeiro ano de vigência do novo Código Civil, com a esperança deque a aplicação da lei seja mais sensível à realidade e às suas peculiaridades.

Nessas últimas três décadas, a doutrina e a jurisprudência têm destinado incomensuráveisesforços no sentido de resguardar, sempre, o interesse do menor nos conflitos inerentes à família. Asleis trilharam caminho similar.

Sem dúvida, para acompanhar as profundas mudanças na sociedade, a nossa legislação passoupor considerável avanço e rompeu, diversas vezes, paradigmas do passado; foi o que aconteceu apartir do advento da Lei do Divórcio (6.515/1977), da Constituição Federal de 1988,3 do Estatuto daCriança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), dos procedimentos extrajudiciais de divórcio (Lei11.441/2007), da instituição da guarda compartilhada (Leis 11.698/2008 e 13.058/2014 – quealteraram os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do Código Civil) e, agora, com novos procedimentosnas ações de família (Lei 13.105/2015 – CPC). Além disso, provável e brevemente, o Estatuto dasFamílias4 constituir-se-á também em outro marco importante no direito pátrio.

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Contudo, não obstante o progresso legislativo, ressaltamos que a função interpretativa se mostraimprescindível para acompanhar os movimentos sociais e aclarar a verdadeira razão da lei, visandoaplicá-la de maneira mais adequada nos diversos e complexos casos. Acima de tudo, urge deixar delado concepções e dogmas arcaicos que não coadunam com o contexto atual e com os ideais dejustiça dos povos contemporâneos. Logo, conforme o paradigma do presente [modelado pelosdireitos sociais e pelo princípio da dignidade da pessoa humana], a mens legis e a menslegislatoris,5 no fértil campo do Direito de Família, devem ser examinadas sob o enfoqueconstitucional e consoante as cláusulas gerais.6

E é exatamente a conjunção dos fatores mencionados no parágrafo acima que levou o legisladora aprovar, em 2008, norma instituidora da Guarda Compartilhada (modificando os arts. 1.583 e1.584 do CC por meio da Lei 11.698). Porém, já em 2014, houve necessidade de promoveralterações nos mesmos arts. 1.583 e 1.584 e também nos arts. 1.585 e 1.634 (Lei 13.058), pois adiversidade de interpretação da mens legis e da mens legislatoris referente àquela primeira norma(2008)7 favorecia muitas vezes não o melhor interesse da criança, mas, sim, o dos genitoreslitigantes.

Tais falhas foram corrigidas em decorrência da inserção de cláusulas abertas na norma, queexigem, sobretudo, o exercício hermenêutico diante dos casos concretos e que permitem preverdiferentes situações [algumas, inclusive, analisadas com constância pelos tribunais] além daquelasalistadas na legislação. Aliás, nesse sentido, vem a calhar o recente julgado do Tribunal de Justiçade São Paulo, que assim decidiu: “[...]. A interpretação literal da lei é quase sempre a pior. Umainterpretação sistêmica e teleológica não da lei, mas do ordenamento jurídico, de seus princípiosmaiores e cláusulas abertas, conduz à reforma da sentença” (34ª Câmara de Direito Privado. ApCivn. 0002870-71.2014.8.26.0246, Rel. Soares Levada Comarca de Ilha Solteira, j. 27.10.2016).

O art. 1.584, § 5.º do Código Civil8, por exemplo, precisa ser aplicado de acordo com a suafinalidade precípua: a proteção da criança, mediante a observância do princípio constitucional dasupremacia do interesse do menor. Imperiosa, para tanto, é a interpretação extensiva e sistemática doindigitado dispositivo, porque permanece a lacuna legal no tocante a guarda compartilhada entre osavós e o genitor supérstite quando este necessitar da constante convivência e apoio daqueles para acriação do filho.

A ausência de um dos genitores, aliada à contínua convivência da criança com os avós9, que têmassumido papel crescente na educação dos netos, mormente com a inserção das mulheres no mercadode trabalho, demonstra ser fator de potencial relevância para a possibilidade de decretação daguarda conjunta entre o genitor supérstite e os avós. Não se trata de conjectura surreal; a situação épercebida em várias famílias.

Aliás, na hipótese, o direito de (ou à) convivência confunde-se com a guarda compartilhada defato e com os deveres dela oriundos, tendo em vista a responsabilidade dos avós e a supervisãomomentânea – quando não duradoura – dos interesses do menor por aqueles.

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Nesse sentido, dispõe o Enunciado 334 da IV Jornada de Direito Civil:10 “a guarda de fato podeser reputada como consolidada diante da estabilidade da convivência familiar entre a criança ou oadolescente e o terceiro guardião, desde que seja atendido o princípio do melhor interesse”.

Por sua vez, os projetos em trâmite referentes ao Estatuto das Famílias (PL 2.285/2007 e PL470/2013) prescrevem, nos arts. 100 e 104, respectivamente, que “o direito à convivência pode serestendido a qualquer pessoa com quem a criança ou o adolescente mantenha vínculo de afetividade”.Ainda, os textos projetados preveem que “verificando que os filhos não devem permanecer naconvivência dos pais, o juiz deve atribuir a guarda a quem revele compatibilidade com a natureza damedida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e a relação de afetividade” (artigos103 e 106).

Já o art. 6.º do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que “na interpretação desta leilevar-se-ão em conta [...] a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas emdesenvolvimento”. Certo é que o convívio saudável e a afetividade constituem-se requisitosessenciais, dentre outros, para a guarda compartilhada.

Nota-se dos referidos textos que a intenção do legislador foi proteger o menor e resguardar oseu bem-estar. Ademais, outro não é o entendimento que se extrai da exposição de motivos doprojeto que resultou na lei que instituiu a guarda compartilhada (Lei 11.698/2008): “a justificativapara a adoção desse sistema está na própria realidade social e judiciária, que reforça a necessidadede garantir o melhor interesse da criança [...] o interesse do menor é o determinante para a atribuiçãoda guarda, fazendo nascer reflexões inéditas que favoreçam a relação familiar”.

Do mesmo modo, a Lei 13.058/2014 foi promulgada para que, de fato, o melhor interesse dacriança prevaleça no momento de definição do regime de guarda.

Ora, se os avós, em alguns casos, têm o dever legal de custear os alimentos do neto,11 por qualmotivo não teriam o direito [e o dever!] de obter a guarda compartilhada do menor12 – privado dapresença, por morte, por exemplo, de um dos seus pais – quando o genitor supérstite enfrentardificuldades para arcar com as despesas mínimas e as necessidades básicas daquele que está sob osseus cuidados? Qual a razão de não compartilhar uma guarda e dividir responsabilidades entre osavós e o genitor supérstite, se isso é melhor para a criança, se isso contribui consideravelmente parao seu bem-estar? Por que devemos impedir que um genitor supérstite, consciente de suas própriaslimitações, compartilhe a responsabilidade inerente à guarda de seu filho com os respectivos avós?

Todas essas ponderações e indagações advêm da necessidade de delinear um ambientefavorável à prevalência do bem-estar da criança e do adolescente que tiveram a sua famíliatransformada13 pela perda de um dos pais. Para tanto, nesse diálogo ainda em etapa inicial deconstrução, mister consolidar a verdadeira finalidade das normas que regulam o Direito de Família,ou seja, promover a realização dos legítimos interesses do menor, tendo em vista, primordialmente, orespeito à dignidade da pessoa humana.14 É com esse desiderato que se intenta, nos capítulos

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1.

seguintes, destinar maior amplitude e alcance ao art. 1.584, § 5.º, do Código Civil, que permaneceuessencialmente inalterado após a promulgação da Lei 13.058/2014.

ESBOÇO HISTÓRICO-CONCEITUAL E MODALIDADES DE GUARDA

“O direito anterior denominava posse dos filhos, o que o Código preferiu chamar guarda, porcorreção do Senador Rui Barbosa. Pareceu grosseiro e inadequado o vocábulo posse aplicado àpessoa do filho. Era um caso de resíduo verbal, porque o pater famílias entre os romanos tinha umpoder quase absoluto sobre os filhos, que a analogia contribuía para manter, como procureidemonstrar no meu livro Em defesa, lembrando que, em nosso direito, se dava, muitas vezes, àação do pai para retirar o filho, do poder de quem o detinha, o nome da reivindicação, como se setratasse de coisa injustamente possuída. Mas, em última análise, foi bem que se desse voz maisadequada, para designar a relação existente entre os progenitores e a prole” – ClóvisBevilaqua.15

A definição da guarda16, na atual conjuntura, não pode ater-se apenas à acepção dos direitos edeveres que os pais possuem em relação aos filhos, decorrentes da autoridade parental. Sobretudo,deve ser considerado o princípio da supremacia do interesse da criança e do adolescente. Assim, afim de suprir as necessidades vitais do menor, o conceito de guarda não está exclusivamente adstritoà obrigação de prestar assistência material e educacional (arts. 4.º, 16, 33 do Estatuto da Criança edo Adolescente, e art. 227 da CF/1988).17

Nesse diapasão, depreende-se que para adquirir o direito de deter a guarda, é necessário, alémde observar os critérios já mencionados, visar ao que for melhor para a criança, de maneira a atendera sua relação de afetividade com o guardião e proporcionar o desenvolvimento de seu estadopsíquico – eis a importância da análise e da participação de equipes multidisciplinares(!).

Por este motivo, surgem comumente vários questionamentos acerca da teoria dadesbiologização18 do poder de guarda: pessoas alheias ao relacionamento familiar podem criar osfilhos de outrem, caso possuam melhores condições para tanto? Se existe um vínculo maior deafetividade entre o menor e um terceiro fora do laço familiar, capaz de criar um ambiente propíciopara o seu desenvolvimento, poderá esse terceiro ser o guardião e substituir o direito natural de umdos genitores [guarda originária]?

Todas essas indagações serão postas à baila do magistrado, que irá analisar diversos aspectos,somados àqueles acima alistados, tais como o local onde reside o menor, o seu padrão de vida, aexistência de irmãos, as condições socioeconômicas, e, em especial, se a conveniência dos pais éfator decisivo para a solução da guarda frente ao maior interesse do filho.

Pois, afinal, “quando se discute a guarda de menor, não são os direitos dos pais ou de terceiros,no sentido de terem para si a criança, que devem ser observados. É a criança, como sujeito – e nãoobjeto – de direitos, que deve ter assegurada a garantia de ser cuidada pelos pais ou, quando esses

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não oferecem condições para tanto, por parentes próximos, com os quais conviva e mantenhavínculos de afinidade e afetividade”.19

Entretanto, podemos solucionar essas questões e dicotomias de outra maneira: por meio dasdiversas possibilidades e modalidades de guarda vigentes no direito pátrio. Mas, antes, é importanteressaltar que excluímos do presente trabalho aquilo que se convencionou chamar de “guardaprevidenciária”, ou seja, aquela que tem apenas como finalidade angariar efeitos previdenciários.

De qualquer forma, os arts. 19 e 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõem que aguarda do menor cabe, naturalmente, aos pais.20 Aliás, trata-se de preceito fundamental insculpido noart. 9.º da Convenção de New York sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989). 21 A exceção estáemoldurada no art. 28 da mesma Lei 8.069/1990,22 que prevê a hipótese de transmitir a guarda,quando for necessário, a uma família substituta.

Nesse sentido, “a guarda pode ser desvinculada do poder familiar, com a entrega pelaautoridade judiciária a um terceiro. O que detiver a guarda terá para si a responsabilidade em prestarao menor assistência material, moral e educacional, provendo, deste modo as suas necessidadesvitais”.23

Continuando, as modalidades de guarda são similares em vários sistemas legais. Aqui, a guardapode ser analisada sob o prisma de diferentes normas e finalidades (Estatuto da Criança e doAdolescente, Código Civil, Constituição Federal) e subdividida, num primeiro plano, em provisóriaou definitiva. É provisória em algumas situações que demandam certa urgência e servem para suprira falta eventual dos pais ou responsável até o momento em que seja tomada a medida cabível (art. 33,§ 2.º, ECA). Por outro lado, caracteriza-se a guarda definitiva24 quando for regularizada a posse defato do menor (art. 33, § 1.º, ECA), quando resultar de decisão judicial.

Noutro âmbito, existem quatro modalidades [principais] de guarda: dividida, alternada, poraninhamento ou nidação, e compartilhada.

A guarda dividida, também chamada de guarda única ou guarda exclusiva, é aquela que rege odireito de visita do genitor que não detém a posse de fato do filho. Deste modo, o menor permanecena guarda de um dos pais e recebe o outro genitor em turnos periódicos. Muitas vezes, os paisrelutam em aceitar este instituto com o receio de tornarem-se alheios à vida de seus próprios filhos,de maneira a afastar o vínculo existente entre eles.

Na guarda alternada, o filho residirá com ambos os genitores, porém, em épocas alternadas,seja de um ano, um mês, uma semana, uma quinzena. Há uma repartição organizada no dia-a-dia edurante o período em que o menor estiver aos cuidados de um dos genitores, este determinará demaneira exclusiva as respectivas decisões. Indigitada modalidade de guarda impossibilita odesenvolvimento adequado da personalidade do infante, pois o sujeita a constantes momentos deencontros e separações de seus pais – ferindo, assim, o princípio da continuidade.

Diferentemente das outras modalidades de guarda, o aninhamento ou a nidação permite que o

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filho resida em um local fixo e receba os pais em sua própria moradia, alternadamente e em épocasdistintas. O alto custo gerado nessa espécie de guarda constitui-se uma das desvantagens, porquantodeverão ser custeadas despesas de três lares – motivo que torna a nidação pouco utilizada.

Por derradeiro, a guarda compartilhada ou concomitante pode [não necessariamente deve!]pressupor a alternância de residência pelo menor. No entanto, ambos os genitores exercemsimultaneamente os poderes-deveres relativos ao filho. Compartilham responsabilidades, tendo comopremissa os mesmos direitos e obrigações (art. 1.583, § 1.º, do Código Civil).25 A guarda conjuntatende a harmonizar a condição de uma criança frente à separação de seus pais e propiciar àquela odesenvolvimento físico, moral, espiritual, social e psíquico.

Mesmo com a dissolução do casal conjugal, o casal parental deve permanecer e participar davida do menor – essa é a ratio legis. Afinal, em que pese a necessidade do infante em ter a mãeconsigo, o art. 5.º da Lei Maior26 instituiu a igualdade de direitos entre homens e mulheres. Destafeita, não existe preferência materna na criação de um filho, mas, sim, a importância de ambos ospais para completar o ciclo de crescimento de sua criança.

Por tais motivos, fica claro que a guarda compartilhada entre os genitores é uma dasmodalidades que mais se adéquam aos interesses do infante e ao princípio da dignidade da pessoahumana. Entrementes, sobreleva dizer que a guarda unilateral ainda prevalece nas famíliasbrasileiras – um costume(!). A propósito, pouco mais de seis por cento 27 dos casais divorciadosoptam pela guarda conjunta.

Lembramos que antes do advento da Lei 11.698/2008, o Código Civil previa apenas a guardaunilateral; a sua ampliação era uma mera faculdade, fortalecida pela vasta construção doutrinária.

Aliás, mesmo após a vigência da referida norma, tal faculdade ainda persistia: pelo comandolegal, os magistrados28 poderiam decidir, de acordo com os critérios autorizadores e com o melhorinteresse da criança, se a guarda seria compartilhada ou não.

Em verdade, estes preceitos já haviam sido previstos na I Jornada de Direito Civil, na qualforam aprovados os Enunciados 101 e 102, respectivamente: “Sem prejuízo dos deveres quecompõem a esfera do poder familiar, a expressão ‘guarda de filhos’, à luz do art. 1.583, podecompreender tanto a guarda unilateral quanto a compartilhada, em atendimento ao princípio domelhor interesse da criança”; “A expressão ‘melhores condições’ no exercício da guarda, na hipótesedo art. 1.584, significa atender ao melhor interesse da criança”.29

Logo após, já na V Jornada de Direito Civil, realizada em Brasília-DF em 2011, os Enunciadospertinentes ao tema foram atualizados, conforme podemos notar do Enunciado n.º 517, que versavabasicamente sobre a Lei 11.698/2008: “Arts. 1.583 e 1.584. A Lei n. 11.698/2008, que deu novaredação aos arts. 1.583 e 1.584 do Código Civil, não se restringe à guarda unilateral e à guardacompartilhada, podendo ser adotada aquela mais adequada à situação do filho, em atendimento aoprincípio do melhor interesse da criança e do adolescente. A regra aplica-se a qualquer modelo defamília. Atualizados os Enunciados n. 101 e 336 em razão de mudança legislativa, agora abrangidos

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2.

por este enunciado”.Considerando tal realidade, aliada às controvérsias na aplicação da Lei n. 11.698/2008, foi

promulgada a Lei n.º 13.058/2014, que resultou em novas modificações no capítulo do Código Civilque trata da “Proteção da pessoa dos filhos”, a seguir pormenorizadas.

ALTERAÇÕES DA “GUARDA COMPARTILHADA” TRAZIDAS PELA LEI N.º13.058/2014

“Nous voyons tous les jours la société refaire la loi, on n a jamais vu la loi refaire la société” –Jean Cruet.30

A Lei n.º 11.698/2008, ao dar nova redação aos artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil, definiua guarda unilateral e a guarda compartilhada, determinando que ela [a guarda] fosse decretada pelojuiz em atenção às necessidades específicas do filho, sendo que, sempre quando possível, naausência de acordo entre os genitores, dar-se-ia a preferência pela guarda concomitante.

Entendemos que a mudança, em 2008, foi substancial, tendo em vista que antes do advento dareferida norma o Código Civil apenas previa a guarda unilateral, de modo que a guardacompartilhada era uma mera faculdade do julgador, fortalecida pela vasta construção doutrinária,conforme demonstrado anteriormente31.

Com isso, o legislador pretendeu minimizar a arcaica divisão de funções baseada no gênero queresultava da concessão da guarda unilateral.

Afinal, já dizia Maria Berenice Dias, “historicamente os filhos ficavam sob a guarda materna,por absoluta incompetência dos homens de desempenhar as funções de maternagem. [...] Assim, maisdo que natural que essas tarefas fossem desempenhadas exclusivamente pelas mães: quem pariu queembale! Quando da separação, os filhos só podiam ficar com a mãe”.32

A mencionada norma, contudo, foi simplista e, muitas vezes, injusta, pois um dos genitorescontinuava sobrecarregado com a guarda exclusiva do filho, ao passo que a participação do outroficava reduzida a meras visitas, cumulada com o pagamento de alimentos e com o exercício do deverde fiscalização, sem o devido acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento pessoal domenor.

Desse modo, a instituição da guarda compartilhada pela Lei n.º 11.698/2008 resultou nanecessidade de ampliação do poder familiar; deveriam, portanto, ser igualados os direitos e deveresdos pais, para que ambos pudessem contribuir, na medida das suas funções, de forma plena com aformação integral do menor.

E mais. A norma também combatia a alienação parental [Lei 12.318/2010], uma vez que aconvivência estreita, contínua e quotidiana de ambos os pais com os filhos reduzia a margem deatuação daquele que queira denegrir a imagem do outro.

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No entanto, a expressão “sempre que possível”, disposta no texto do § 2.º do art. 1.584, entãoalterado pela Lei 11.698/2008,33 reduziu a força da prevalência da guarda compartilhada e gerouverdadeira celeuma no âmbito do Direito de Família, sobretudo pelo disseminado entendimentojurisprudencial de que se deveria interpretá-la como “sempre que os genitores se relacionassembem” ou “sempre que não houvesse conflito entre os pais”.34

Na prática, nefastos efeitos resultaram de tal interpretação, corroborados pela falta da adequadae imprescindível colaboração de uma equipe interdisciplinar durante o trâmite dos processosjudiciais, embora a lei já a recomendasse35. O primeiro deles foi a manutenção da guarda unilateralcomo regra, haja vista a natural animosidade entre os genitores que se divorciam, aliada à carênciade esforços para a conscientização e valorização do saudável relacionamento familiar.

Ademais, observou-se a grave potencialização e aumento dos litígios, causados por um dosgenitores, inclusive com alienação parental, no intuito de não propiciar opção/solução ao outrogenitor senão a concessão da guarda unilateral.

Por tais motivos36, a Lei n.º 13.058/2014 suprimiu a expressão “sempre que possível” do art.1.584, § 2.º [com redação então dada pela Lei n.º 11.698/2008], que passou a ter a seguinte redação:“quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos osgenitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dosgenitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor”.

Ainda que louvável a intenção do legislador de corrigir as mazelas ocasionadas pelo uso dalocução “sempre que possível”, a nova lei dá margem a outros problemas, principalmente no que serefere às características recém--estabelecidas para a guarda compartilhada.

Primeiro, ficou definido (art. 1.583, § 2.º) que na guarda conjunta “o tempo de convívio com osfilhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista ascondições fáticas e os interesses dos filhos”. Em seguida, prevê o § 3.º que “a cidade consideradabase de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos”.

Tais dispositivos já são objeto de severas [e pertinentes] críticas, pois a instituição da divisãodo tempo “de forma equilibrada com a mãe e com o pai” pode levar à confusão com a modalidade deguarda alternada, especialmente se interpretarmos que há a exigência da alternância de residências37.

Ora, é evidente que a guarda compartilhada não pode representar uma divisão equitativa [e comprecisão matemática] do tempo e do espaço entre os genitores, pois isto é verdadeira guardaalternada. Portanto, faltou precisão técnica para determinar que a divisão de “forma equilibrada”fosse, na verdade, a possibilidade de se estabelecer um convívio pautado no exercício harmônicodas funções materna e paterna, com a formação dos vínculos afetivos essenciais ao desenvolvimentopsicológico e social do menor.

A norma poderia ser expressa ao levar em consideração que a repartição da responsabilidadeparental se fixa por meio de fatores emocionais e subjetivos, avaliados em cada caso concreto, de

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acordo com as “condições fáticas e os interesses dos filhos” 38. Enfim, a Lei n.º 13.058/2014 nãodeveria resumir a guarda compartilhada a critérios objetivos de tempo e espaço, nem deixadomargem para esta interpretação.

Noutro norte, impende exaltar a inserção da possibilidade do genitor não guardião de solicitarprestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos e situações pertinentes à saúde física epsicológica e à educação dos filhos (art. 1.583, § 5.º).39

Continuando, se por um lado constata-se o avanço legal ao facilitar o exercício do dever defiscalização, questiona-se, de lado outro, a ausência de menção ao direito de exigir a prestação decontas nos casos de guarda compartilhada. Consoante José Fernando Simão40, a omissão da Lei n.º13.058/2014, nesse sentido, foi proposital, para que ficasse implícita a ideia de dispensa do deverde pagar alimentos na guarda compartilhada, em claro desprezo ao melhor interesse da criança.

Ainda, segundo Simão, tal intuito ficou mais explícito após a não aprovação da emenda dasenadora Ângela Portela, integrante da Comissão de Direitos Humanos, que pretendia prever o deverde prestação de contas tanto na guarda unilateral, quanto na guarda compartilhada.

Certo é que a referida lacuna legal e a divisão de tempo dos filhos entre as casas dos pais sãofatores que podem contribuir para a modificação do valor da pensão alimentícia.

Mesmo assim, sabe-se que, para a manutenção dos filhos, os cônjuges devem contribuir naproporção de seus recursos41, permanecendo a obrigação alimentar – independentemente do regimede guarda adotado. Ou seja, apesar de gerar controvérsia e demonstrar a falta de técnica legislativa,a omissão constatada na nova lei não tem o condão de dispensar os genitores de arcar com osalimentos.

Ademais, no que se refere à prestação de contas, vale ressaltar que a adoção da guardacompartilhada, por si só, facilita o dever de fiscalização e supervisão dos pais, pois há umaconvivência contínua e estreita com os filhos.

Além dos pontos obscuros mencionados, dois outros equívocos são corretamente apontados porGiselle Câmara Groeninga42, que, por sua total pertinência, serão abordados a seguir.

O primeiro equívoco legislativo diz respeito ao art. 1.584, § 4.º, que foi modificado paravigorar com a seguinte redação: “a alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado decláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídasao seu detentor”.

Embora seja incontestável o inegável progresso da lei ao retirar a frase “inclusive quanto aonúmero de horas de convivência com o filho” da redação anterior,43 a manutenção da “redução deprerrogativas atribuídas ao seu detentor” é temerária, visto que não se sabe até que ponto certaspunições aos pais também não penalizam o menor – por ricochete.

A segunda crítica, agora quanto ao § 2.º do art. 1.584, consiste na imposição da guardacompartilhada, salvo se o genitor “declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor”. Para

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3.

Giselle Groeninga, esta ressalva coloca em difícil posição tanto os genitores quanto o menor, seriam,portanto, mais adequados, o respeito à diversidade e a conscientização da responsabilidade parentale do poder familiar.

Em que pesem as inúmeras imperfeições perceptíveis no texto da lei, é importante destacar seusméritos.

A inserção do § 6.º ao artigo 1.58444, por exemplo, é de grande relevância, na medida em queobriga os estabelecimentos a prestarem informações aos genitores sobre seus filhos, sob pena demulta pecuniária. Com isso, facilita-se o acompanhamento do menor, especialmente para o genitornão guardião.

Além do mais, a alteração do artigo 1.58545 possibilita que, em regra, nenhuma decisão sobre aguarda de filhos, em sede de medida cautelar, será proferida sem a oitiva de ambas as partes pelojuiz. Ora, salvo em casos extremos, quando o filho se encontra inserido no convívio familiar de umdos genitores, não se pode retirá-lo dali sem, antes, proporcionar a dilação probatória, com oexercício do direito ao contraditório, pois uma decisão precipitada de alteração da guarda,potencializada pela morosidade da justiça, pode resultar em sério risco para o menor.

Por último, a nova redação dada ao inciso V do artigo 1.634 do Código Civil46 tem porfinalidade combater uma das clássicas formas de alienação parental: a mudança de residência(município) do genitor guardião, sem qualquer comunicação prévia, no intuito de impedir aconvivência do filho com o outro genitor. A partir do advento da Lei n.º 13.058/2014, a mudança domenor só será possível após o consentimento de ambos os pais. Eis uma norma que, certamente,gerará interpretações das mais diversas e que merece, no nosso entendimento, espaço exclusivo paraanálise – é o que faremos brevemente em um próximo estudo.

Enfim, delimitados o esboço conceitual e as espécies de guarda, alteradas pela Lei n.º13.058/2014, passamos à análise da possibilidade de concessão da guarda compartilhada do menoraos avós e ao genitor supérstite, tema a ser abordado no tópico seguinte.

GUARDA COMPARTILHADA ENTRE O GENITOR SUPÉRSTITE E OS AVÓS:DIREITO DOS NETOS

“Esse é um daqueles casos de difícil solução, e muito mais para quem fica distante dos autos. Deum modo geral, tenho me preocupado em perguntar qual é o interesse da criança, deixando delado o direito da mãe, dos avós. O que interessa a essa criança, que nasceu na casa dos avós e atéhoje, com oito anos de idade, foi criada na casa dos avós? O que significará a quebra do ambientefamiliar? Que influência psicológica sofrerá no momento em que esse ambiente de sua criação eformação for substituído por outro? Não estou me perguntando se essa mãe tem condições ou não,se ela vive hoje casada ou descasada, se tem amor, se tem dedicação pela criança; pergunto-me sea transferência da guarda, hoje, decorridos tantos anos, não traria uma dificuldade emocional

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para essa criança” – Ruy Rosado de Aguiar.47

Os avós constituem-se figura de relevo e são essenciais para restabelecer o equilíbrio psíquicoe psicológico do menor48, proporcionado a este, por meio da guarda compartilhada, uma relação decontinuidade com a própria família de origem quando um dos seus pais vem a falecer. Essa será aabordagem nas linhas que se seguem.

Assim, de acordo com a linha mestra aqui adotada, traçada com base nos princípios dadignidade da pessoa humana49 e da solidariedade,50 da continuidade das relações familiares, daconvivência familiar e do melhor interesse do menor, entendemos que a guarda de uma criança,conforme as suas carências e a necessidade do genitor supérstite, pode ser compartilhada entre este eos avós. É a mesma direção, inclusive, adotada por Jones Figueirêdo Alves.51

Previsão expressa dessa hipótese de compartilhamento de guarda [entre avós e genitorsupérstite] na nossa legislação não havia antes e nem após a aprovação das Leis nos 11.698/2008 e13.058/2014 – o que será demonstrado.

Temos, claro, diretriz semelhante, mas não igual[!], exposta no § 5.º do art. 1.584, fato que persi já demonstra a necessidade de conferir à referida norma uma interpretação finalística esistemática, de modo a possibilitar a efetivação da real mens legis e mens legislatoris [eis o citadocomando legal: “Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe,deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, depreferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade”].

Por tal motivo, surgiram recentes e importantes pronunciamentos judiciais sobre a matéria,52

fato que traz luz e esperança às incontáveis famílias que vivem aquela situação.Massami Uyeda teve louvável percepção do problema e da lacuna ao relatar e decidir recurso

especial sobre caso idêntico a este, objeto do presente estudo: “De efeito, para fins de fixação detese jurídica, deve-se admitir o deferimento da guarda de menor ao seu avô que o mantém e, nestamedida, desfruta de melhores condições de promover-lhe a necessária assistência material e afetiva,mormente quando comprovado forte laço de carinho”.53

É necessário agora abrir um parêntese. Nesse campo afloram várias indagações: a quemcompete a guarda da criança na ausência de um dos genitores? Têm os avós o direito, ou o dever(!),de compartilhar a guarda? Tem o genitor supérstite o direito de não compartilhar a guarda com osavós? E o menor (?), tem este o direito de ser criado pelos avós em conjunto com um dos seus pais?Como dito, o § 5.º do art. 1.584 do Código Civil54 precisa ser aplicado com vistas à sua finalidadeprecípua: a observância do metaprincípio da supremacia do interesse do menor. Parêntese fechado.

Continuemos. Observa-se da atual redação do art. 1.583 do Código Civil,55 que o legisladorpreocupou-se, primeiro, em classificar a guarda como sendo unilateral e compartilhada; logo após,conceituou-as. Todavia, tanto o comando em foco quanto o art. 1.584, I e II, §§ 1.º e 2.º, destinam aguarda conjunta tão só aos pais – essa será a consequência se analisarmos literalmente o texto da lei.

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Assim, muito embora o § 5.º do art. 1.584 do Código Civil preveja a hipótese de conferir aguarda do menor a uma pessoa que não seja o seu genitor, inexiste referência, como já dissemosoutrora, à modalidade de guarda. Pois bem, a interpretação restritiva da norma conduz à conclusãode que não é possível compartilhar a guarda quando esta é deferida a terceiro56.

O que se percebe da redação dos arts. 1.583 e 1.584 do Diploma Civil é que a norma pretendeureservar só aos pais o direito [ou o dever!] de compartilhar responsabilidades. Explica-se: nadefinição da guarda conjunta exposta no § 1.º do art. 1.583, não há previsão de substituição de umdos genitores – tal hipótese só é prevista na guarda unilateral. A mesma leitura depreende-se da partefinal do art. 1.631 do Codex, que reserva com exclusividade ao cônjuge supérstite o exercício dopoder familiar na ausência ou impedimento do outro. Além-mar, característica semelhante pode serextraída da análise da norma italiana (Lei n.º 54) que instituiu, em 08.02.2006, a guarda conjunta [láconhecida como affido condiviso] – tema que será analisado no capítulo VI do presente estudo.

Mas será essa a intenção do legislador? Será esse o espírito da lei? Limitar, em vez deampliar? Será essa a mens legis e a mens legislatoris?

Sabemos todos que a forma tradicional de família de outrora não mais se adéqua às recentesrealidades sociais. As mudanças conceituais e estruturais [novas espécies e concepções de famílias,famílias transformadas] bradam por leis modernas, por interpretações finalísticas e extensivas, emprestígio ao princípio da dignidade da pessoa humana57 e às novas gerações [ou dimensões] dedireitos humanos.

Ora, sob o enfoque principiológico, constitucional e consoante as cláusulas gerais, é evidenteque o legislador não objetivou restringir situações, hipóteses. Bom exemplo é o nosso Código Civil:repleto de cláusulas abertas! Primou-se por uma legislação que pudesse atender aos anseiossociais.58 Então, pela simples análise sistemática, depreende-se não ter sido essa a intenção dolegislador. Por isso, a chamada nova Lei da Guarda Compartilhada (n.º 13.058/2014) deve serinterpretada extensivamente e aplicada de acordo com a sua essência, finalidade-mor: o melhorinteresse do menor – megaprincípio. Em sentido parecido, já assinalavam os Enunciados 333, 334,335 e 342 da IV Jornada de Direito Civil e o Enunciado 517, da V Jornada.59

E, muitas vezes, o maior interesse da criança – privado da presença de um dos seus pais [pormorte, por exemplo] – é completamente respeitado quando o genitor supérstite, que enfrenta asnaturais dificuldades, compartilha a guarda com os avós daquele. O menor tem o direito, casonecessário, de ter a sua guarda compartilhada entre o genitor supérstite e os avós.

Não se afirma aqui que os avós têm o direito [sem considerá-lo também como um dever] deobter a guarda conjunta. Não se afirma aqui que é direito de um genitor ou dos avós obter a guardaunilateral. Diz-se, sim, que é dever de ambos compartilhar a guarda! Diz-se, sim, que é direito domenor(!) – direito dos netos de conviver continuamente com um genitor e com os avós, caso asituação seja propícia, favorável! Direito dos netos..., caro Leitor, direito à felicidade!

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4.

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka bem explica o tema ao anotar que “o rol destesnovos arranjos familiais [...] é apenas exemplificativo, eis que a tipicidade é aberta, caracterizando-se pelo valor jurídico da afetividade e pela doutrina do eudemonismo, quer dizer, a busca dafelicidade como a principal causa dos valores morais familiais, considerando positivos os atos quelevam cada um dos membros de um núcleo familiar a alcançar seu projeto pessoal de felicidade”.60

E a Mestre das Arcadas 61 ainda aponta [citando, no final, Luiz Edson Fachin] que “nos dias dehoje, outra é a família, outros são os valores, outra é a finalidade de se estar junto, num mesmonúcleo familiar. Não é mais o indivíduo que existe para a família e para o casamento, mas afamília e o casamento existem para o seu desenvolvimento pessoal, em busca de sua aspiração àfelicidade.”62

No mesmo sentido, Romualdo Baptista dos Santos63 afirma que o “instituto da guardacompartilhada é uma das mais evidentes demonstrações do reconhecimento da afetividade comovalor jurídico a ser preservado no plano da vida. Há muito tempo, a medida vem sendo reclamadapelos especialistas em Direito de Família, como forma de atender mais adequadamente àsnecessidades afetivas dos filhos”.

A RECENTE JURISPRUDÊNCIA

Com a idêntica diretriz adotada neste estudo, o Superior Tribunal de Justiça, no transcurso dasvárias mudanças legislativas sobre o tema em análise, consolidou o entendimento de que os avóspodem obter a guarda de seus netos, na ausência dos genitores ou na impossibilidade/“incapacidade”destes.

O julgado a seguir é esclarecedor e pertinente:

[...] Deveras, a pretensão vestibular não visa apenas conferir à criança melhores condiçõeseconômicas, senão também regularizar forte vínculo de afeto e carinho estabelecido reciprocamenteentre o avô e seu neto, tudo, diga-se, com o consentimento da mãe do menor, cujo pai é falecido. [...]Na esteira desse raciocínio, e ponderando os argumentos e contra-argumentos, bem assim a relaçãohavida entre o pretenso guardião e o menor de um lado, e de outro, as circunstâncias em que vive agenitora da criança, tudo, diga-se, ao sopro do já mencionado princípio do maior interesse, aquitomado como regra de interpretação, esta Relatoria está em que a melhor compreensão da matériaconsiste em deferir a guarda do petiz para o seu avô materno. [...].64

Mais, ainda do STJ:

[...] Ao reverso, o pedido de guarda visa à regularização de situação [...] qualificada pela assistênciamaterial e afetiva prestada pelos avós, como se pais fossem. Em realidade, em casos como o dosautos, em que os avós pleiteiam a regularização de uma situação de fato há muito consolidada, e não

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se tratando de “guarda previdenciária”, o Estatuto da Criança e do Adolescente deve ser aplicadomais pelos princípios protetivos dos interesses da criança. [...].65

[...] A peculiaridade da situação dos autos, que retrata a longa coabitação do menor com a avó e o tiopaternos, desde os quatro meses de idade, os bons cuidados àquele dispensados, e a anuência dosgenitores quanto à pretensão dos recorrentes, também endossada pelo Ministério Público Estadual, érecomendável, em benefício da criança, a concessão da guarda compartilhada. [...].66

E em comunhão com o aqui exposto, vários Tribunais Estaduais manifes-taram-se favoráveis àguarda compartilhada entre genitores e avós. Vejamos, por exemplo, a recentíssima e justa decisãodo tribunal mineiro, na parte que importa:

[...] Quanto à sugestão de guarda compartilhada entre o pai e a avó paterna, feita pelo MinistérioPúblico, entendo ser salutar, tendo em vista que, embora a avó esteja com a guarda de fato, o paimora junto e, portanto, exerce também a guarda, o que se deduz da situação familiar existente. Sendoum caso especial, a decisão também pode ser especial. [...] Essa é a melhor solução, como bemressaltado pela PJG, permitindo a ambos os responsáveis participarem de forma igualitária nacriação e no desenvolvimento educacional, social e psicológico de suas filhas, facilitando a guardada avó, que já a exerce de fato, sem prejudicar a do pai, sempre benéfica e necessária, facilitando orelacionamento na família. [...] Sabe-se que o Direito de Família é avesso à legalidade estrita e aformalidades desnecessárias, devendo ser tomada a decisão que melhor atenda à criança. E esta é aque se mostra mais adequada, perante todas as provas dos autos. [...].67

Do mesmo Tribunal de Minas Gerais, podemos citar:

[...] Apesar desse instituto possuir amparo legal a partir da vigência da Lei nº 11.698, de 2008, quemodificou significativamente o art. 1.584, do Código Civil, observa-se que a hipótese específica deguarda compartilhada entre avós e os genitores não foi regulamentada, mas é perfeitamente possíveltambém nos termos do seu § 5º [...]. No presente caso, não há empecilho para que a menor continuena guarda de seus avós maternos juntamente com sua genitora, pois a criança está sob os cuidados deseus avós, desde 10 de agosto de 2005, data de seu nascimento, e também sob a guarda de suagenitora, já que residem juntas. O que se verifica é que a criança está bem adaptada à situação fáticafamiliar e, segundo a assistente social o melhor para a criança seria que continuasse sob os cuidadosde seus avós, pois são eles que, na verdade, vêm cuidando e se responsabilizando pela menor. [...].68

Agora, do TJ-RS, transcrevemos trecho de importante julgamento:

[...] O contexto probatório dos autos demonstra que a regulamentação da guarda ocorreu de formajusta, observando o melhor interesse da criança, porquanto o pai e os avós possuem condições mais

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5.

favoráveis ao exercício da guarda. Diante disso, firmado o vínculo da criança com os avós paternose o pai, bem como existindo estudos sociais favoráveis à preservação da situação consolidada,cumpre a manutenção da guarda estabelecida pela sentença. [...].69

Como vimos, tanto a jurisprudência quanto a doutrina têm conseguido preencher as lacunaslegais dantes apontadas [nos itens 3 e 4].

REFLEXOS DO CPC/2015 NA GUARDA COMPARTILHADA

Afloram das decisões e discussões judiciais diversas preocupações quanto ao entendimento dosfenômenos jurídicos, especialmente aqueles que versam sobre os litígios familiares. Não há dúvida,portanto, que as disparidades entre o mundo do ser e o do dever ser aumentam exponencialmente se aratio decidendi engendra conflitos atinentes ao direito de família. Nesse sentido, o Código deProcesso Civil, cuja vigência iniciou-se em março de 2016, representa avanço louvável, pordiversas razões, dentre as quais destacamos a seguir as mais importantes.

Da leitura do novo diploma legal, depreende-se que os novos procedimentos e mecanismos aliinseridos trazem a possibilidade [em verdade, necessidade] de traduzir a mens legis e a menslegislatoris em termos da experiência efetiva dos jurisdicionados. Dentro deste âmbito de discussão,equivale a dizer que os litígios familiares – não apenas, mas aqui, especialmente, os referentes àação de guarda – estão a receber tratamento legal mais condizente com a complexidade real de taisrelações – e no amplo sentido de concepção de família.

Nesse contexto, da análise sistemática do novel CPC, verifica-se que a tarefa positiva daciência jurídica descritiva opera conjugada com a tarefa da crítica jurídica. Assim, a disposição donovo texto processual, no que tange à regulamentação da ação de guarda, abre espaço para umacrítica ética consciente do direito [em outras palavras, a compreensão dos eventos com suas causas econsequências sociais], o que já era, há tempos, defendido por Felix Cohen, filósofo do Direitonorte-americano.70

Continuando, outras inovações do CPC/2015 são dignas de nota. A priori, merece destaque acriação de um capítulo específico para tratar das Ações de Família (Capítulo X); afinal, o nossosistema carecia de uma normatização mínima para os processos que abarcam questões de Direito deFamília – prova disso é o esforço, outrora mencionado, na elaboração de projetos para instituição doEstatuto das Famílias.

Mas não é só. Deu-se ênfase e prioridade à solução amigável do litígio familiar. Os arts. 694,695 e 696 do CPC/201571 primam pelo empenho na conquista de uma solução consensual, por meioda medição e/ou da conciliação, visto que têm, todos, função de pacificação e ajustam-se aofundamento político da justiça participativa, dado que as próprias partes – e não só mediadores econciliadores – participam da solução do conflito, aspecto este característico do CPC/2015. Essesfundamentos foram elencados, com propriedade, por Ada Pellegrini Grinover.72

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A propósito, é importante ressaltar que o procedimento das ações de família, com relação àsaudiências de conciliação e mediação, segue a diretriz do procedimento comum, regulado nos arts.319 a 329 do CPC/2015, com mínimas distinções [a exemplo do prazo de antecedência para acitação do réu].73

Ainda, os aludidos dispositivos, segundo Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, 74

determinam que sejam submetidas à conciliação as situações de caráter patrimonial e/ouobrigacional, visto que a mediação pressupõe conflito de aspecto emocional entre as partes.

A tentativa conciliatória, todavia [e, diga-se, felizmente!] não se restringe a uma determinaçãoaqui, outra acolá. Trata-se já de um imperativo que se funde com os objetivos fundamentais da novellegislação. Pode-se vislumbrá--la novamente no exíguo rol de dados a serem incorporados aomandado de citação, que não é acompanhado de cópia da petição inicial, esta muitas vezes continentede alegações aguerridas que poderiam prejudicar o intento conciliatório [embora seja resguardadoao réu o direito de acessá-la em cartório].

Outro aspecto igualmente relevante foi previsto no art. 699 do CPC/2015,75 que dispõe sobre odever do juiz, em situações relacionadas a abuso ou alienação parental, de ouvir o incapaz, durante aaudiência, acompanhado por especialista. Assim, a interdisciplinaridade (ou multidisciplinaridade) éutilizada com o múnus de otimizar a resolução da lide.

Uma última, porém imprescindível, análise sobre a recente normativa processual é a mudançado tratamento dispensado à definição da competência de foro. Antes, o CPC/1973, em seu art. 100,I,76 delimitava o foro competente sendo aquele da residência da mulher. Na atual conjuntura, emnome da igualdade de direitos e obrigações entre os cônjuges (ou genitores), o art. 5377 do CPC/2015leva em conta os novos paradigmas sociais (paradigma do presente) e os critérios como o domicíliodo guardião ou o último domicílio do casal.

Enfim, sopesadas as particularidades das ações de família trazidas pelo CPC/2015, restaressaltar, em função da constante busca pela razoável duração do processo e também da dimensãoética do mesmo [voltado a pacificar], alguns flancos abertos na redação do art. 696 que podemcontrariar os princípios da economia e celeridade processuais.

Logo à primeira vista, veem-se delineados os mesmos contornos da justiça conciliativa,garantida pelo art. 3º, § 2º,78 da lei processual. Não obstante tal mérito, não há limites claros quanto àextensão das audiências de conciliação e mediação, diferentemente do que ocorre, por exemplo, como art. 334,79 em que as sessões excedentes não podem extrapolar o prazo de dois meses da realizaçãoda primeira.

Portanto, conclui-se que, no atual estágio do direito processual, as partes assumem, naspalavras de Ada Pellegrini Grinover, 80 o dever de cooperação com o órgão judiciário. Firme nestedesiderato, deixar espaço para a incidência do abuso de direito processual, permitindo ao litigantede má-fé retardar o desfecho do processo, afigura incompatibilidade com as diretrizes adotadas pelo

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6.

6.1.

CPC/2015.

DIREITO ESTRANGEIRO – BREVE INCURSÃO

O instituto da guarda compartilhada foi adotado, há muito tempo, em vários países; noutros,recentemente, como é o caso da Itália [affido condiviso]. Ocorre que tanto no direito estrangeiroquanto no brasileiro as questões suscitadas são semelhantes e geram debates interdisciplinares epolêmicas nos âmbitos material e processual; não se trata, então, de exclusivo “privilégio” nosso.

Com origem na Inglaterra, a joint custody81 foi admitida pela primeira vez na década de 1960 e,logo após, difundiu-se por diversas nações, tais como a França [em 1987, com a Lei Malhuret –garde parentale conjointe 82] e a Alemanha. Mas foi nos Estados Unidos da América que a guardaconjunta ganhou diretrizes complexas e passou por significativo avanço, em virtude de intensaspesquisas movidas em decorrência da fragmentação, ou transformação, das famílias.

Todos esses movimentos visam proteger o menor, ouvindo-o, inclusive, 83 tendo em vista a suaimportância para o futuro e para a consolidação dos direitos humanos das próximas gerações [oudimensões].

Na perspectiva em foco, o princípio da prioridade do maior interesse da criança [best interestof children, do direito anglo-saxão; l’intérêt supérieur de l’enfant, do direito francês; e miglioriinteressi del bambino, do direito italiano] foi elevado, no nosso sistema, à condição demetaprincípio por possuir função preponderante na interpretação das leis, em decorrência danatureza específica e vulnerável do menor.

Vê-se, portanto, que a previsão legal da guarda compartilhada no Brasil reflete uma crescentetendência mundial – iniciada a partir da Declaração Universal dos Direitos da Criança (ONU, 1959)e fortalecida pela Convenção de New York sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989).84

Ainda, mesmo que haja na doutrina pátria setor dissonante quanto à sua aplicação econsequências, não há dúvida de que as últimas alterações no Código Civil [Leis nos 11.698/2008 e13.058/2014] trouxeram consigo influências legislativas europeias.

Por tal motivo, a recente experiência do direito italiano, que incluiu a guarda conjunta no seuCodice, em 2006 e com modificações em 2014, será objeto de análise no tópico seguinte.

A experiência do direito italiano: uma amostragem

“Sotto il profilo del suo significado culturale e sociale il texto normativo in esame merita pienoapprezzamento non solo perché espressione di um principio di civiltà ormai da tempo diffuso inquase tutti i paesi europei, ma sopratutto perché orientato a meglio tutelare il reale interesse delminore, a mantenere um rapporto ‘equilibrato’ e ‘continuativo’ com ciascun genitore, con i nonnipaterni e materni e con i parenti di ciascuno dei genitori” – Maria Rita Verardo Romano.85

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A Itália, tal como nós, passa por um frenético período de produção normativa, principalmenteno campo do direito de família. A par dessas preponderantes mudanças no sistema legislativo, veio alume a Lei n.º 54, de 08.02.2006 – depois alterada –,86 que instituiu a guarda compartilhada[affidamento condiviso] e alterou tanto o Código Civil quanto o Código de Processo Civil.

A aprovação da mencionada lei não era somente um clamor de ordem social e moral, haviatambém a pressão e a necessidade de alinhamento da legislação italiana às normas e princípiosjurídicos já então adotados por outros países europeus [Suécia e Espanha, desde 1981; Reino Unido,1991; Holanda e Alemanha, 1998].87

Com isso, o legislador teve o intuito de seguir “il pensiero attuale, che tende a unaparificazione completa dei tempi trascorsi dai figli presso ciascun genitore, che alcuni Paesihanno addirittura stabilito per legge”.88

Já no que se refere à estrutura, o Codice começara a dispor sobre a guarda conjunta em 2006[por meio, como dissemos, da Lei 54 – antes, pois, do DL n.º 154/2013], especificamente nos artigos155, 155-bis e seguintes do Capítulo V (dello scioglimento del matrimonio e della separazione deiconiugi), do Título VI (del matrimonio), do Livro I (delle persone e della famiglia).89 Nota-se que adisposição dos referidos comandos legais no código italiano é semelhante àquela da atual Lei Civilbrasileira.90

Transpostas as análises preliminares, destaca-se que a importante mudança na lei italiana, em2006, gerou uma série de severas críticas por parte da sociedade e também de vários setores dadoutrina, que acusaram o legislativo de criar lei com finalidade meramente promocional. A maiorressalva àquele texto do então art. 155 era em virtude da exclusão da expressa possibilidade –prevista na redação anterior – de se decretar a guarda a terceiros [inclusive, como veremos mais afrente, essa exclusão foi mantida na reforma legislativa feita em 2013 por meio do DL n.º 154].

Aliás, à época, Concetta Pappalardo, juíza da primeira Seção Cível da Corte di Appello diCatania, afirmava que

são numerosas as lacunas na nova lei, assim como nas outras concretamente implantadas pelolegislador de 2006 – declaradamente consciente da necessidade de intervir, no futuro, com outrasnormativas e adaptações. No mais, destacam-se as inúmeras críticas que têm sido realizadas durantea aprovação e a sua entrada em vigor [...]. Guarda à terceiro – a falta de previsão, na lei quereformou o art. 155, da colocação de uma criança com um terceiro, no caso de sérios motivos, foidefinida pelos doutrinadores como uma grave lacuna na reforma da norma.91

Para uma melhor compreensão, vejamos o texto que regia a guarda do menor no revogado art.155 do Codice, ou seja, antes da Lei n.º 54, de 08.02.2006 – no que importa [com tradução livre feitapor este autor]:

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Art. 155. Procedimentos referentes aos filhos. O juiz que decretar a separação, declarará qual doscônjuges terá a guarda dos filhos e adotará todo o procedimento relativo à prole, exclusivamente comreferência aos interesses morais e materiais desta. Em especial, o juiz estabelecerá a medida e omodo no qual o outro cônjuge deverá contribuir para a manutenção, instrução e educação dos filhos,e os meios dos exercícios dos seus direitos nas relações com esses. [...] Em qualquer caso, o juizpode, por graves motivos, ordenar que a guarda da prole seja confiada a uma terceira pessoa ou,na impossibilidade, em um instituto de educação (Cód. de Processo Civil, art. 710). Os cônjugestêm o direito de pedir, a qualquer tempo, a revisão das disposições concernentes à guarda dos filhos,da atribuição do exercício do poder e das responsabilidades sobre estes e das disposições relativasà medida e aos meios de contribuição e assistência.92

Nota-se que a redação do artigo acima citado, anterior à Lei n.º 54/2006, previa, claramente, ahipótese de conceder a guarda do menor a um terceiro ou, na impossibilidade, a um instituto deeducação.

A supressão dessa parte na então nova lei [esta depois revogada, frisamos, pelo DL n.º 154, de28.12.2013], segundo abalizada doutrina italiana, como visto, causou retrocesso.

Notemos, agora, estimado leitor, o mesmo artigo do Código Civil italiano, dantes transcrito,mas com as modificações trazidas pela Lei 54, de 08.02.2006 [tradução livre]:

Art. 155. Procedimentos referentes aos filhos – Mesmo em caso de separação dos genitores, o filhomenor tem o direito de manter uma relação equilibrada e contínua com cada um deles; de recebercuidados, educação e instrução de ambos e de manter e conservar relações significativas com osascendentes e com familiares de cada ramo parental. Para atingir a finalidade indicada no primeiroparágrafo, o juiz que declarar a separação dos cônjuges adotará as medidas relativas à prole,exclusivamente com referência aos interesses morais e materiais desta. Analisará, prioritariamente, apossibilidade de os filhos permanecerem sob a guarda de ambos os genitores ou determinará a qualdesses os filhos serão confiados, determinará os períodos e os meios da sua presença com cada umdos pais, fixando também a medida e as formas com que cada um deles deverá contribuir para amanutenção, assistência, instrução e educação dos filhos. Homologará, se não contrariar os interessesdos filhos, os acordos entre os genitores. Poderão ser adotadas outras regras relativas à prole.

A autoridade parental é exercida por ambos os genitores. As decisões de maior interesse para osfilhos relativas à instrução, à educação e à saúde são tomadas por mútuo acordo [...]. Em caso dedesacordo, a decisão ficará a critério do juiz. [...] O juiz pode determinar que os pais exerçam opoder separadamente. [...].93

É evidente a omissão no referido texto legal de 2006.Depreende-se do comando transcrito que a lei italiana sobre a guarda compartilhada poderia

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ser mais clara e ter previsto, expressamente, outras situações comuns na atualidade, como a guardaconjunta entre terceiros [avós, por exemplo] e o genitor. O termo “Adotta ogni altro provvedimentorelativo alla prole” [em tradução flexível do art. 155 do Codice: poderão ser adotadas outrasmedidas relativas aos filhos] conduz a uma necessidade de interpretação sistemática e extensiva danorma, fulcrada em princípios. Essa árdua missão foi incumbida aos tribunais e à doutrina.

Nessa seara, vale citar, novamente, a magistrada Concetta Pappalardo, que analisou e decidiucom propriedade, em razão das lacunas legais, a adoção de medidas para compartilharresponsabilidades e garantir a guarda aos avós:

In quest’ottica, uma recente pronunzia di merito ha valorizzato la costruzione di uma categoria diprovvedimenti atipici che il giudice è abilitato ad assumere nell’interesse del minore, ai sensi delsecondo comma dell’art. 155 C.C., affidando il minore ai nonni (cfr. Trib. Salerno, 20.06.2006).94

Tal decisão do Tribunal de Salerno não foi a única a prever a possibilidade de guarda domenor aos avós.

Não obstante o apontado retrocesso legislativo, vários outros tribunais italianos, ouvindo ascríticas e clamores da doutrina, trataram de conferir interpretação extensiva e finalística à lei daguarda compartilhada (affido condiviso, Lei 54/2006).

Por exemplo, o Tribunal de Napoli rompia paradigmas e interpretava a lacunosa Lei 54/2006ao decidir que [tradução livre feita pelo autor].

[...] nesse caso, porém, não é possível imaginar como a vida da criança foi dolorosamente marcadapela perda prematura de sua mãe; assim, é evidente aquela exigência que lei assinala comoimportante para o crescimento da filha, além de trazer, no contexto, um significado especial, uma vezque o contato com os avós maternos e com o ambiente e condições de vida da mãe assinala umsentido de responsabilidade e maturidade que pode assegurar a preservação, para a criança, dasrecordações úteis ao seu crescimento.95

E ainda nesse contexto, vale a pena mencionar um emblemático julgado oriundo da Corte diAppello di Catania e que foi mantido integralmente pela Corte Suprema di Cassazione, em Roma,96

no qual retirou-se de um casal o poder familiar [ou seja, responsabilità genitoriale – instituto novointroduzido pelo DL 154/2013] sobre o filho, confiando a guarda do menor a um instituto deeducação.

No caso, ante a ausência de previsão específica de guarda a terceiro após a promulgação da Lei54/2006, seria possível, consoante o entendimento das duas Cortes, aplicar genericamente o art. 155do Codice, interpretando a seguinte parte do dispositivo “o juiz [...] adotará as medidas relativas àprole, exclusivamente com referência aos interesses morais e materiais desta ” no sentido depossibilitar a guarda da criança a terceiros.

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Além disso, aplicou-se o art. 2.º da Lei do Divórcio (Lei n.º 184/1983) que autoriza oacolhimento dos filhos em orfanatos quando há incapacidade temporária de concessão de guarda aosgenitores.

Continuando, após o advento da Lei n.º 54/2006, lembramos que houve nova reformalegislativa, trazida pelo Decreto Legislativo n.º 154,97 de 28.12.2013, que, no condizente à guardacompartilhada, mantivera as diretrizes praticamente inalteradas [frisa-se: no que pertine aoaffidamento condiviso].

As regras agora sobre a guarda compartilhada/conjunta, que antes estavam dispostasespecificamente nos artigos 155, 155-bis e seguintes do Capítulo V (dello scioglimento delmatrimonio e della separazione dei coniugi), Título VI (del matrimonio), Livro I (delle persone edella famiglia), do Código Civil italiano, foram transferidas para os artigos 337-bis, 337-ter98 e ss.do Capítulo II (Esercizio della responsabilità genitoriale a seguito di separazione, scioglimento,cessazione degli effetti civili, annullamento, nullità del matrimonio ovvero all’esito diprocedimenti relativi ai figli nati fuori del matrimonio), Título IX (della responsabilità genitorialee dei diritti e doveri del figlio), do mesmo Livro I (delle persone e della famiglia).

À guisa de conclusão, como demonstrado nessa breve amostragem, as questões controvertidas arespeito dos destinatários e responsáveis pela guarda compartilhada são similares tanto no direitoitaliano quanto no brasileiro.

Todas as normativas que alteraram os Códigos Civis [Lei n.º 54/2006 e Decreto Legislativo n.º154, de 28.12.2013, da parte italiana; e Leis n.ºs. 11.698/2008 e 13.058/2014, da parte brasileira]clamaram e clamam por interpretações extensivas e por análises sistemáticas e finalísticas para que,com isso, atendessem e atendam às necessidades sociais contemporâneas – e não podia ser diferente,considerando o instigante e difícil tema.

O entendimento jurisprudencial e doutrinário, colacionados anteriormente, também evidenciamuma leitura da legislação em consonância com os princípios da dignidade da pessoa humana, dacontinuidade das relações familiares, da convivência familiar, da solidariedade e do melhorinteresse do menor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“A guarda poderá ser deferida aos avós [...] da criança e do adolescente, desde que haja ambientefamiliar compatível” – Sílvio de Salvo Venosa.99

Os avós, tidos como parte da família extensa pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, sãoextremamente importantes para restabelecer o equilíbrio psicológico e a felicidade do menor durantea ausência ou perda de um dos pais, pois têm condições de proporcionar uma relação decontinuidade com os vínculos de origem.

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Essa possibilidade, dentre várias outras, reflete a constante modificação da estrutura e da formatradicional de constituição de família [mãe, pai e filho] de outrora. As famílias transformadas e asnovas concepções de família clamam por leis modernas, por interpretações finalísticas e extensivasdas normas, a fim de que estas acompanhem a evolução social.

A nítida ilustração da ênfase dada à resolução dos litígios envolvendo as questões de Direito deFamília, complexas per si, é o novo Código de Processo Civil, que destina preponderante espaçopara a conciliação e a mediação e regula, em especial, as ações de guarda.

Embora a nossa legislação tenha passado por considerável avanço (Lei do Divórcio, Estatutoda Criança e do Adolescente; Lei 11.441/2007, Lei 11.698/2008), a função interpretativa [análisesistemática, finalística e extensiva das normas] continua sendo imprescindível para acompanhar osmovimentos sociais e aclarar a verdadeira razão da lei. Tanto é que, no afã de sanar asinterpretações equivocadas, deturpadoras do espírito da lei, e de resguardar ainda mais o melhorinteresse dos filhos, foram necessárias alterações no Código Civil relacionadas à guardacompartilhada (Lei n.º 13.058/2014), apesar de muitas delas serem questionáveis, como demonstradoanteriormente.

Nesse sentido, os artigos do Código Civil recém-modificados (1.583, 1.584, 1.585 e 1.634)devem ser examinados sob o enfoque constitucional e consoante as cláusulas gerais. Caso contrário,pela literal e rígida leitura do caput do art. 1.584, dos incisos I e II e do § 5.º, que, infelizmente,permaneceu com sua essência inalterada, inexistirá possibilidade de guarda compartilhada. Logo, senos ativéssemos à interpretação restritiva da norma, chegaríamos à conclusão de que não é possívelcompartilhar a guarda quando esta é deferida a terceiro (no caso, aos avós).

Contudo, de acordo com os julgados dos tribunais brasileiros e com vistas a compartilhar aguarda do infante entre os avós e o cônjuge supérstite, é imperioso que o § 5.º do art. 1.584 doCódigo Civil seja aplicado de acordo com a sua finalidade precípua: a proteção da criança, o melhorinteresse desta.

Enfim, pelas construções expostas, reiteramos o entendimento de que é plenamente possívelcompartilhar a guarda da criança entre o genitor supérstite e os avós, principalmente seconsiderarmos que tanto a Lei n.º 11.698/2008 quanto a nova Lei da Guarda Conjunta (nº13.058/2014) foram elaboradas com base nos princípios da dignidade da pessoa humana, dasolidariedade, da continuidade das relações familiares, da convivência familiar e, sobretudo, domelhor interesse do menor.

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Para esta 3ª edição foi ampliado o estudo original, com as devidas atualizações de acordo com as Leis n.ºs 13.105/2015 (CPC) e13.058/2014 (Guarda compartilhada) e as necessárias revisões nos âmbitos jurisprudencial e doutrinário. Deposita-se aqui oagradecimento aos Professores Mário Luiz Delgado e Antônio Carlos Mathias Coltro a renovação do convite. Agradece-se tambémà Nathália Teles Lima de Morais a preponderante participação e revisão. O presente trabalho é dedicado às crianças Catarina,Henrique Afonso, Arthur, João Pedro e Jorge.Trecho do voto-vencido que acompanhou a divergência instaurada pelo ministro Ruy Rosado de Aguiar no julgamento do REsp439.376-RJ, em 27.05.2003.CF/1988. Art. 227. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, odireito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e àconvivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,crueldade e opressão”.Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 6.583/2013 [com seus respectivos apensos], de autoria do dep. Anderson Ferreira(PR-PE), que dispõe sobre o Estatuto das Famílias. Conforme verificação em agosto/2017, eis o mais recente andamento do referidoPL: “Situação em 06/11/2015: aguardando deliberação do recurso na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados”. Após o julgamentodo recurso, a matéria será enviada para a análise do Senado Federal.“Mens legis significa, basicamente, o espírito, o intento, a razão da lei. Já a mens legislatoris tem acepção diversa: diz respeito aopensamento, à vontade do legislador” (MORAIS, Ezequiel; ASSUNÇÃO, Ana Kelly Rolim. A facultatividade do procedimentoextrajudicial para divórcio, inventários e partilhas: considerações sobre o art. 733 do novo CPC. In: COLTRO, Antônio CarlosMathias; DELGADO, Mário Luiz (Coord.). Divórcios e inventários extrajudiciais. Questionamentos com base no novo Código deProcesso Civil (Lei nº 13.105, de 2015). 3ª ed. Porto Alegre: Magister, 2016, Capítulo IV, p. 90, nota 46).Para Karl Engish, “a noção de cláusula geral pode ser entendida também como a formulação de uma hipótese legal que, em termos degrande generalidade, abrange e submete a tratamento jurídico todo um domínio de casos. Conceitualmente, contrapõe-se a uma

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elaboração casuística das hipóteses legais, que circunscreve particulares grupos de casos na sua especificidade própria. A grandevantagem da cláusula geral sobre o casuísmo está em, graças à sua generalidade e abertura, tornar possível regular um vasto númerode situações, que talvez sequer pudessem ser já previstas ao tempo da edição da lei respectiva” (ENGISH, Karl. Introdução aopensamento jurídico. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. p. 228).Justificativa do Projeto de Lei 1.009/2011 [convertido em PL 117/2013, que resultou na Lei 13.058/2014): “Muito embora não haja o quese negar sobre avanço jurídico representado pela promulgação da Lei n. 11.698 de 13.06.08, a qual institui a Guarda Compartilhadano Brasil, muitas pessoas, inclusive magistrados, parecem não ter compreendido a real intenção do legislador quando da elaboraçãode tal dispositivo” (sic).CCB/2002. Art. 1.584 (com a nova redação dada pela Lei n.º 13.058/2014). “A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: [...] II –decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho [...]. § 5.º Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer soba guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, depreferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade”.O Estatuto da Criança e do Adolescente, alterado pela Lei 12.010/2009, incluiu os parentes próximos dentro do conceito de famíliaextensa, em seu art. 25, parágrafo único, in verbis: “entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além daunidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive emantém vínculos de afinidade e afetividade”.IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal – promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da JustiçaFederal no período de 25 a 27 de outubro de 2006, em Brasília-DF.CCB/2002. Art. 1.694. “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem paraviver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”.CCB/2002. Art. 1.696. “O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes,recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”.CCB/2002. Art. 1.698. “Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente oencargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato [...]”.CCB/2002. Art. 1.701. “A pessoa obrigada a suprir alimentos poderá pensionar o alimentando, ou dar-lhe hospedagem e sustento, semprejuízo do dever de prestar o necessário à sua educação, quando menor”.O termo “família transformada” é utilizado por Giselle Câmara Groeninga para distingui-lo da “família concebida em sua formaoriginal”, pois, com isso, evita-se que outra denominação possa ensejar prejudicial juízo de valor. Ainda, aduz Groeninga(acertadamente, diga-se en passant) que a família não se dissolve, transforma-se.A propósito, afirmamos em recente obra que “o novo Código Civil, na esteira da evolução doutrinária e jurisprudencial, estabeleceunovos direitos e, por consequência, novos deveres; oportunizou inéditas leituras de novos princípios – e releitura de antigos também”.MORAIS, Ezequiel; PEREIRA, Clarito. Resolução por onerosidade excessiva: inovação legal benéfica ou maléfica? In:CARVALHO NETO, Inácio de (Coord.). Novos direitos após seis anos de vigência do Código Civil de 2002. 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Art. 16. “O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: [...] V – participar da vida familiar e comunitária, semdiscriminação”.ECA. Art. 33. “A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seudetentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. § 1.º A guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo serdeferida, liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por estrangeiros. § 2.ºExcepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares ou suprir a faltaeventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atos determinados. § 3.º A

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guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários”.A Teoria da Desbiologização foi adotada no voto-vencido do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, por ocasião do julgamento doREsp 439.376/RJ, já mencionado no início do presente estudo.Trecho do voto da ministra relatora Nancy Andrighi, no julgamento do REsp 1.356.981-SC, acolhido por unanimidade, em 05.11.2013.ECA. Art. 19. “Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em famíliasubstituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substânciasentorpecentes”.ECA. Art. 22. “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interessedestes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”.Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 20.11.1989): Art. 9.º “1. Os Estados Partes deverão zelar para que a criança não sejaseparada dos pais contra a vontade dos mesmos, exceto quando, sujeita à revisão judicial, as autoridades competentes determinarem,em conformidade com a lei e os procedimentos legais cabíveis, que tal separação é necessária ao interesse maior da criança. Taldeterminação pode ser necessária em casos específicos, por exemplo, nos casos em que a criança sofre maus tratos ou descuido porParte de seus pais ou quando estes vivem separados e uma decisão deve ser tomada a respeito do local da residência da criança”.A referida Convenção foi adotada pela Assembleia Geral da ONU, em 1989, e ratificada pelo Brasil, em 20.09.1990 (Dec.-lei28/1990) – um pouco depois da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13.06.1990).ECA. Art. 28. “A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídicada criança ou adolescente, nos termos desta Lei”.FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Curso de direito civil – direito de família. 2.ª ed. atual. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. p. 307.Frisa-se que a definitividade não é absoluta, não faz coisa julgada, visto poder ser revogada a qualquer tempo.CCB/2002. Art. 1.583. “A guarda será unilateral ou compartilhada. § 1.º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dosgenitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5.º) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício dedireitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”. Referidosdispositivos com nova redação, dada pela Lei n.º 11.698/2008 e 13.058/2014.CF/1988. Art. 5.º “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeirosresidentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I –homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.Segundo as Estatísticas do Registro Civil de 2013 elaboradas pelo IBGE, apenas 6,8% dos casais divorciados optaram pela guardacompartilhada, o que representa um aumento de apenas 1,4% em comparação às Estatísticas do Registro de 2011. Disponível em:<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/registrocivil/2013/default.shtm>. Acesso em: 03 jul. 2017.Consoante a anterior Lei 11.698, de 13.06.2008, a guarda poderia ser unilateral ou compartilhada e seria decretada pelo juiz ematenção às necessidades específicas do filho, sendo que, sempre quando possível, na ausência de acordo entre os genitores, seráaplicada a guarda concomitante. Nesse contexto, o Desembargador José S. Trindade, ao julgar um agravo de instrumento, assiminterpretou o outrora texto do art. 1.584 e seus parágrafos (do Código Civil): “De outra banda, conforme dispõe o art. 1.584, I e II, doCC/2002, com a redação que lhe foi dada pela Lei 11.698/2008, a guarda, que pode ser unilateral ou compartilhada, pode serrequerida por consenso pelo pai e pela mãe, ou pode ser requerida por qualquer um deles em ação autônoma de separação, divórcioou dissolução de união estável. Mas será decretada pelo Juiz, em atenção a necessidades específicas do filho. O § 2.º do precitadoartigo (também com a redação que lhe deu a citada lei), dispõe expressamente que quando não houver acordo entre o pai e a mãequanto à guarda dos filhos, será aplicada, ‘sempre que possível’, a guarda compartilhada”. Trecho do voto proferido no julgamento doAgravo de Instrumento 70024604555–TJ/RS, em 30.06.2008.Enunciados 101 e 102, aprovados na I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal – realizada em setembro de 2002.[atualizados/substituídos pelo Enunciado n.º 517].CRUET, Jean. A Vida do Direito e a Inutilidade das Leis (original: La vie du droit et l impuissance des lois. Paris, 1908). Antiga CasaBertrand-José Bastos e Cia, Livraria Editora: Lisboa, 1908 (Bibliotheca de PhilosophiaScientifica), em epígrafe à abertura da obra.Tradução livre do autor do presente trabalho: Nós vemos, todos os dias, a sociedade refazer a lei; jamais vimos a lei refazer asociedade.Já na I Jornada de Direito Civil, realizada em setembro de 2002, foram aprovados os Enunciados n. 101 e 102 [hoje substituídos peloEnunciado n.º 517], segundo os quais [repetimos!], respectivamente: “Sem prejuízo dos deveres que compõem a esfera do poderfamiliar, a expressão ‘guarda de filhos’, à luz do art. 1.583, pode compreender tanto a guarda unilateral quanto a compartilhada, em

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atendimento ao princípio do melhor interesse da criança” e “A expressão ‘melhores condições’ no exercício da guarda, na hipótesedo art. 1.584, significa atender ao melhor interesse da criança”.DIAS, Maria Berenice. Guarda compartilhada, uma novidade bem-vinda! Disponível em:<http://www.mariaberenice.com.br/pt/guarda-compartilhada.dept>. Acesso em: 2 jul. 2017.CCB/02. Art. 1.584, § 2.º (com a outrora redação dada pela Lei n.º 11.698/2008 – hoje modificada). “Quando não houver acordo entrea mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada”.Como se percebe no seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: AGRAVO DE INSTRUMENTO. GUARDA.BUSCA E APREENSÃO. GUARDA COMPARTILHADA. Mesmo reconhecendo a necessidade do contato da filha com ogenitor, não é recomendável o deferimento, pelo menos por enquanto, da guarda compartilhada, modalidade sabidamente de dificílimoêxito na sua aplicação prática e somente viável quando fruto do consenso, o que não se verifica na presente demanda, cujo clima delitígio entre o ex-casal é intenso. DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70060973567, Oitava CâmaraCível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 20/11/2014).Art. 1.584. § 3.º (com a anterior redação dada pela Lei n.º 11.698/2008 – hoje modificada). “Para estabelecer as atribuições do pai eda mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderábasear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar”.Justificativa do Projeto de Lei n.º 1.009/2011 (Convertido em PL 117/2013 que, posteriormente, resultou na Lei n.º 13.058/2014): “[...]Ocorre que alguns magistrados e membros do Ministério Público têm interpretado a expressão “sempre que possível” existente noinciso em pauta, como “sempre que os genitores se relacionem bem”. Ora nobres parlamentares, caso os genitores efetivamente serelacionassem bem, não ha- veria motivo para o final da vida em comum, e ainda, para uma situação de acordo, não haveria qualquernecessidade da criação de lei, vez que o Código Civil em vigor a época da elaboração da lei já permitia tal acordo. Portanto, a seguirtal pensamento, totalmente equivocado, teria o Congresso Nacional apenas e tão somente desperdiçado o tempo e dinheiro públicocom a elaboração de tal dispositivo legal, o que sabemos, não ser verdade”.Para José Fernando Simão, na verdade, foi aprovada Lei da Guarda Compartilhada para aplicação da guarda alternada. SIMÃO, JoséFernando. Guarda compartilhada obrigatória. Mito ou realidade? Vídeo disponível em:<http://www.professorsimao.com.br/multimidia/multimidia.aspx?ti=%20Guarda%20compartilhada%20obrigat%C3%B3ria.%20Mito%20ou%20realidade?%20Parte%201&id=313>. Acesso em: 4jul. 2017.A propósito, vale ressaltar o entendimento da Ministra Nancy Andrighi no julgamento do REsp 1.251.000/MG (DJe 31/08/2011),consignado neste trecho do voto: “[...] Na verdade, a força transformadora dessa inovação legal está justamente nocompartilhamento da custódia física, por meio da qual ambos os pais interferem no cotidiano do filho. Quebra-se, assim, amonoparentalidade na criação dos filhos, fato corriqueiro na guarda unilateral, que é substituída pela implementação de condiçõespropícias à continuidade da existência de fontes bifrontais de exercício do Poder Familiar. […] De se ressaltar, ainda, que a custódiafísica conjunta, preconizada na guarda compartilhada, em muito se diferencia da guarda alternada. Na guarda alternada, a criançafica em um período de tempo – semana, mês, semestre ou ano – sob a guarda de um dos pais que detém e exerce, durante orespectivo período, o Poder Familiar de forma exclusiva. [...] A guarda compartilhada, com o exercício conjunto da custódia física, aorevés, é processo integrativo, que dá à criança a possibilidade de conviver com ambos os pais […] O estabelecimento de um lapsotemporal qualquer, onde a custódia física ficará com um deles, não fragiliza esse norte, antes pelo contrário, por permitir que amesma rotina do filho seja vivenciada à luz do contato materno e, em outro momento, do contato paterno, habilita a criança a ter umavisão tridimensional da realidade, apurada a partir da síntese dessas isoladas experiências interativas. […] In casu, a fixação dacustódia física em períodos de dias alternados primeiro observou as peculiaridades fáticas que envolviam pais e filho, como alocalização de residências, capacidade financeira das partes, disponibilidade de tempo e rotinas do menor. Posteriormente, decidiu-sepela viabilidade dessa custódia física conjunta e a sua forma de implementação. […] Contudo, reputa-se como princípios inafastáveisa adoção da guarda compartilhada como regra, e a custódia física conjunta [sempre que possível] como sua efetiva expressão. Dessamaneira, não prospera igualmente o pleito do recorrente quanto à inviabilidade de fixação de lapsos temporais de convívioalternados”.CCB/2002. Art. 1.583, § 5º. “A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e,para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas,objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação deseus filhos”.

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SIMÃO, José Fernando. Guarda compartilhada obrigatória. Mito ou realidade? Vídeo disponívelem:<http://www.professorsimao.com.br/multimidia/multimidia.aspx?ti=Guarda%20compartilhada%20obrigat%C3%B3ria.%20Mito%20ou%20realidade?%20Parte%20 2&id=314>. Acesso em: 4 jul. 2017.CCB/2002. Art. 1.703. “Para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seusrecursos”.GROENINGA, Giselle Câmara. PL 117/13 confunde o que seria o espírito da guarda compartilhada. Disponível em:<http://www.conjur.com.br/2014-dez-08/pl-11713-confunde--seria-espirito-guarda-compartilhada>. Acesso em: 3 jul. 2017.Lei 11.698/08. Art. 1.584 do Código Civil. § 4.º (hoje modificado). “A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado decláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusivequanto ao número de horas de convivência com o filho”.CCB/2002. Art. 1.584. § 6.º (com redação dada pela Lei n.º 13.058/2014). “Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado aprestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00(quinhentos reais) por dia pelo não atendimento da solicitação”.CCB/2002. Art. 1.585 (com redação dada pela Lei n.º 13.058/2014). “Em sede de medida cautelar de separação de corpos, em sedede medida cautelar de guarda ou em outra sede de fixação liminar de guarda, a decisão sobre guarda de filhos, mesmo que provisória,será proferida preferencialmente após a oitiva de ambas as partes perante o juiz, salvo se a proteção aos interesses dos filhos exigir aconcessão de liminar sem a oitiva da outra parte, aplicando-se as disposições do art. 1.584”.CCB/2002. Art. 1.634 (com redação dada pela Lei n.º 13.058/2014). “Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situaçãoconjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: [...] V – conceder-lhes ou negar-lhes consentimentopara mudarem sua residência permanente para outro Município”.Trecho do voto-vencido da lavra do ministro Ruy Rosado de Aguiar, que abriu divergência no julgamento do REsp 439.376-RJ, em27.05.2003, DJ 06.09.2004, p. 261.Sobre a importância dos avós, Washington de Barros Monteiro, há tempos, asseverava que “sem dúvida alguma, o direito dos avós secompreende hoje como decorrência do direito outorgado à criança e ao adolescente de gozarem de convivência familiar, não sendodemais entender que nesse relacionamento podem ser encontrados os elementos que caracterizam a família natural, formada poraquela comunidade familiar constituída de um dos pais e seus descendentes, inserida na Constituição Federal e no Estatuto daCriança e do Adolescente”. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito de Família. 35.ª. ed. São Paulo:Saraiva, 1999, p. 235.CF/1988. Art. 1.º. “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento: [...] III – a dignidade da pessoa humana [...]”. CF/1988.Art. 3.º. “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;[...] IV – promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Art. 5.º “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e àsexigências do bem comum”.ALVES, Jones Figueirêdo. Vidas avoengas. Disponível em: <http://marioluizdelgado.com/2014/07/26/dia-dos-avos/>. Acesso em: 12jul. 2017.O TJ-RS, num caso no qual a genitora não possuía condições para o exercício da guarda do filho, admitira a guarda compartilhada comos avós paternos, nos seguintes termos: “[...] Apelação Cível. Ação de guarda. Guarda Compartilhada entre o genitor e os avóspaternos. Inconformidade da mãe. O contexto probatório dos autos demonstra que a regulamentação da guarda ocorreu de formajusta, observando o melhor interesse da criança, porquanto o pai e os avós possuem condições mais favoráveis ao exercício daguarda. Diante disso, firmado o vínculo da criança com os avós paternos e o pai, bem como existindo estudos sociais favoráveis àpreservação da situação consolidada, cumpre a manutenção da guarda estabelecida pela sentença. [...]”. (TJ-RS – AC:70057303919, Relator: Alzir Felippe Schmitz, j. 30.01.2014, 8.ª CC, DJ 04.02.2014).Trecho do voto do ministro relator Massami Uyeda, no julgamento do REsp 1.186.086 – RO, acolhido por unanimidade, em 03.02.2011;DJe 14.02.2011.CCB/2002. Art. 1.584 (com redação dada pela Lei n.º 13.058/2014). “A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: [...] II –decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho [...]. § 5.º Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer soba guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, depreferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade”.

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CCB/2002. Art. 1.583 (com redação dada pela Lei n.º 11.698/2008). “A guarda será unilateral ou compartilhada. § 1.º Compreende-sepor guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5.º) e, por guarda compartilhada aresponsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes aopoder familiar dos filhos comuns. [...]”.Não obstante, pela prevalência da supremacia do melhor interesse da criança, o STJ ma-nifestou-se favorável à guarda compartilhadaentre tio e avó paternos, ante a incapacidade de exercício da guarda pelos genitores: “[...] A peculiaridade da situação dos autos, queretrata a longa coabitação do menor com a avó e o tio paternos, desde os quatro meses de idade, os bons cuidados àqueledispensados, e a anuência dos genitores quanto à pretensão dos recorrentes, também endossada pelo Ministério Público Estadual, érecomendável, em benefício da criança, a concessão da guarda compartilhada. II. Recurso especial conhecido e provido”. (STJ, 4.ªT, REsp 1147138-SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe 27.05.2010).Sobre a importância dos princípios, Diogo Bernardino assevera que o “nosso sistema jurídico alberga uma visão pós-positivista, somadaà necessidade e ao dever de uma orientação principiológica, a qual não se contenta com o mero respeito à legalidadeconsubstanciada nas regras. A letra seca e fria da Lei não pode excluir os princípios que a regem, que regem um sistema”(Bernardino, Diogo et al. Landscape, nature and law. São Paulo: Instituto O Direito por um Planeta Verde, 2005. v. 2, p. 249).Acerca dos anseios sociais, Giselda Hironaka aduz, com a sabedoria e sensibilidade que lhe são peculiares: “Descrever esta dimensão,desenhar a modelagem de hoje, esmiuçar os labirintos da crise e pinçar o quadro da evolução do Direito Civil é tarefa a um tempohercúlea, delicada e merecedora de todos os cuidados e desvelos. Há um perigo iminente de se escorregar nas margens do exagero eacabar por registrar como tendências ou marcos, para o tempo novo, assuntos e situações que não revelam exatamente o sensocomum, o querer socialmente apreciável”. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Tendências do Direito Civil no séculoXXI (Palestra proferida em 21.09.2001, por ocasião do encerramento do Seminário Internacional de Direito Civil, promovido peloNAP – Núcleo Acadêmico de Pesquisa da Faculdade Mineira de Direito da PUC/MG). Direito civil: atualidades. FIUZA, César;NAVES, Bruno Torquato de Oliveira; SÁ, Maria de Fátima Freire de (Coords.). Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 93-130.Enunciado 333 – “O direito de visita pode ser estendido aos avós e pessoas com as quais a criança ou o adolescente mantenha vínculoafetivo, atendendo ao seu melhor interesse”.Enunciado 334 – “A guarda de fato pode ser reputada como consolidada diante da estabilidade da convivência familiar entre acriança ou o adolescente e o terceiro guardião, desde que seja atendido o princípio do melhor interesse”.Enunciado 335 – “A guarda compartilhada deve ser estimulada, utilizando-se, sempre que possível, da mediação e da orientação deequipe interdisciplinar”.Enunciado 342 – “Observadas as suas condições pessoais e sociais, os avós somente serão obrigados a prestar alimentos aos netosem caráter exclusivo, sucessivo, complementar e não-solidário, quando os pais destes estiverem impossibilitados de fazê-lo, caso emque as necessidades básicas dos alimentandos serão aferidas, prioritariamente, segundo o nível econômico-financeiro dos seusgenitores”. IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal – promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselhoda Justiça Federal no período de 25 a 27 de outubro de 2006, em Brasília-DF.Enunciado 517 – “Arts. 1.583 e 1.584. A Lei n. 11.698/2008, que deu nova redação aos arts. 1.583 e 1.584 do Código Civil, não serestringe à guarda unilateral e à guarda compartilhada, podendo ser adotada aquela mais adequada à situação do filho, ematendimento ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. A regra aplica-se a qualquer modelo de família.Atualizados os Enunciados n. 101 e 336 em razão de mudança legislativa, agora abrangidos por este enunciado”. V Jornada deDireito Civil, realizada em Brasília-DF em 2011.Professora Titular de Direito Civil da nossa querida Faculdade de Direito do Largo São Francisco da Universidade de São Paulo[“Memórias da São Francisco, que eu canto com emoção. Em cada canto do Largo, eu largo o meu coração”]; considerada uma dasmaiores civilistas do Brasil. O trecho transcrito integra o texto base da inesquecível e emocionante aula inaugural [sobre a famíliabrasileira contemporânea e sua história] proferida no dia 17/02/2014, na abertura da Semana de Recepção aos Calouros da FD-USP,pela Prof.ª. Giselda, que, gentilmente, disponibilizou.HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Famílias paralelas. Disponível em:<http://www.fernandatartuce.com.br/site/aulas/doc_view/355-familias-paralelas-giselda--hironaka.html>. Acesso em: 09 jul. 2017.Segundo a eminente jurista, o texto do referido artigo teve, por base, palestra proferida no VIII Congresso Brasileiro de Direito deFamília, promovido pelo IBDFAM, na cidade de Belo Horizonte, no ano de 2011, e será publicado [ampliado, atualizado e finalizadocom um toque acerca da visão dos Tribunais nos dias de hoje] em livro em homenagem ao professor Newton de Lucca.FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família: curso de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 10.

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SANTOS, Romualdo Baptista dos. A tutela jurídica da afetividade. Curitiba: Juruá, 2011. p. 156.STJ, 3.ª T, REsp 1.186.086/RO, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe 14.02.2011.STJ, 4.ª T, REsp 945.283/RN, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 28.09.2009.STJ, 4.ª T, REsp 1147138/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe 27.05.2010.TJ/MG, 1.ª Câmara Cível, AC 1.0702.11.039713-1/001, Rel. Des. Vanessa Verdolim Hudson Andrade, DJ 06.08.2014.TJ/MG, 7.ª Câmara Cível, AC 1.0702.10.078236-7/001, Rel. Des. Washington Ferreira, DJ 21.10.2011.TJ/RS, 8.ª Câmara Cível, AC: 70057303919, Rel. Des. Alzir Felippe Schmitz, DJ 04.02.2014.COHEN, Felix. Transcendental Nonsense and the Functional Approach. Columbia Law Review, Columbia, v. 35, n. 6, p.809-849,1935. Disponível em: <http://moglen.law.columbia.edu/LCS/cohen-transcendental.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2017. O autor traz-nosbrilhante reflexão, pontuando, em sua conclusão, que “é por meio da união ciência objetiva jurídica e teoria crítica de valores sociaisque nossa compreensão da importância do Direito para a Humanidade será enriquecida” (tradução livre).CPC/2015. Art. 694. “Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia,devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação. Parágrafo único. Arequerimento das partes, o juiz pode determinar a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicialou a atendimento multidisciplinar”. Art. 695. “Recebida a petição inicial e, se for o caso, tomadas as providências referentes à tutelaprovisória, o juiz ordenará a citação do réu para comparecer à audiência de mediação e conciliação, observado o disposto no art. 694.[...]”. Art. 696. “A audiência de mediação e conciliação poderá dividir-se em tantas sessões quantas sejam necessárias paraviabilizar a solução consensual, sem prejuízo de providências jurisdicionais para evitar o perecimento do direito”.GRINOVER, Ada Pellegrini. Ensaio sobre a processualidade: Fundamentos para uma nova teoria geral do processo. Brasília: GazetaJurídica, 2016. [Deixa-se aqui a nossa homenagem à querida e saudosa Professora das “Arcadas”]No procedimento comum, a antecedência exigida para a citação é de vinte dias em relação à data da audiência. Ao passo que nasações de família, este prazo é de quinze dias.NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado. 16. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2016, p. 1625-1628.CPC/2015. Art. 699. “Quando o processo envolver discussão sobre fato relacionado a abuso ou a alienação parental, o juiz, ao tomar odepoimento do incapaz, deverá estar acompanhado por especialista”.CPC/1973. Art. 100. “É competente o foro: I – da residência da mulher, para a ação de separação dos cônjuges e a conversão destaem divórcio, e para a anulação de casamento; [...]”.CPC/2015. Art. 53. “É competente o foro: I – para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento oudissolução de união estável: a) de domicílio do guardião de filho incapaz; b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz;c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal. [...]”.CPC/2015. Art. 3º “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. [...] § 2º O Estado promoverá, sempre quepossível, a solução consensual dos conflitos. [...]”.CPC/2015. Art. 334. “Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juizdesignará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelomenos 20 (vinte) dias de antecedência”.GRINOVER, Ada Pellegrini. Paixão e morte do “contempt of court” brasileiro: (art. 14 do Código de Processo Civil). In: BULOS,Uadi Lammêgo; CALMON, Eliana (Org.). Direito processual: inovações e perspectivas: estudos em homenagem ao Ministro Sálviode Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 1-11.Umas das primeiras noções sobre a guarda conjunta (joint custody) teve origem na Common Law, do direito inglês, e visava acompartilhar o direito de guarda do filho e distribuir responsabilidades entre os seus genitores. Posteriormente, desdobrou-se nasseguintes modalidades: sole custody para guarda dividida; joint physical custody or residential custody para guarda alternada; e jointcustody para guarda compartilhada.Após vários pronunciamentos judiciais, os franceses editaram a Lei 87.570/1987 (Lei Malhuret), que modificou a redação do art. 287do Código Civil e alterou o disposto, até então, sobre o exercício do poder familiar, possibilitando o compartilhamento da guarda e daautoridade parental (garde parentale conjointe). Em seguida, a Lei nº 2002-305 revogou o art. 287 e criou os arts. 371, 371-1, 371-2 e

ss. [com mudanças, depois, trazidas pelas Leis nos 2013-404 e 2016-1547, por exemplo], que instituíram diversos outros critérios,deveres e direitos entre pais e filhos.

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Art. 12 da Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 20.11.1989): “1. Os Estados Partes assegurarão à criança que estivercapacitada a formular seus próprios juízos o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados com acriança, levando-se devidamente em consideração essas opiniões, em função da idade e maturidade da criança. 2. Com tal propósito,se proporcionará à criança, em particular, a oportunidade de ser ouvida em todo processo judicial ou administrativo que afete amesma, quer diretamente quer por intermédio de um representante ou órgão apropriado, em conformidade com as regras processuaisda legislação nacional”.A Convenção foi adotada pela Assembleia Geral da ONU, em 1989, e ratificada pelo Brasil, em 20.09.1990.Maria Rita Verardo Romano é magistrada, então presidente do Tribunale dei Minore di Lecce e ex-presidente nacional daAssociazione Italiana dei Magistrati per i Minorenni e per la Famiglia – instituição que integra a Association Internationale desMagistrats de la Jeunesse et de la Famille.No que condiz ao texto – tradução livre feita por este autor: “Nos termos do seu significado cultural e social, a norma em examemerece aprofundada análise, não só porque é a expressão de um princípio de civilidade há muito difundido e adotado em quase todosos países europeus, mas sobretudo porque destina-se a uma melhor proteção dos verdadeiros interesses dos menores, com vistas amanter um relacionamento ‘equilibrado’ e ‘contínuo’ com os genitores, com os avós paternos e maternos e com os familiares de cadaum dos genitores”. Disponível em: <http://www.minoriefamiglia.it/%5Cdownload%5Ccondiviso_presidenza.PDF>. Novo acesso em:10 jul. 2017. O referido artigo foi publicado no n. 14/2006 do Guida al Diritto.A Lei 54, de 08.02.2006, foi publicada na Gazeta Oficial n. 50, no dia 1.º de março de 2006, e entrou em vigor quinze dias após, em16.03.2006. Posteriormente, foi aprovado o Decreto Legislativo n.º 154, de 28.12.2013 [publicado na GU n.º 5, de 08.01.2014, e emvigor a partir de 07.02.2014], que alterou a referida Lei 54/2006.Estudo feito por Marina Florio, advogada familiarista italiana: “Considerazioni generali sulle prime prassi applicative della Legge n.º54/06 (affido condiviso) – Riforma innovativa o mera petizione di principio?”, publicado em 15/11/2007. Disponível em:<http://www.diritto.it/docs/24954-considerazioni-generali-sulle-prime-prassi-applicative-della-legge--n-54-06-affido-condiviso-riforma-innovativa-o-mera-petizione-di-principio#_ftn1>. Acesso em: 11 jul. 2017.São os dizeres de Anna Galizia Danovi, presidente do “Centro per la Riforma del Diritto di Famiglia”, com sede em Milano, ementrevista concedida ao jornal Corriere della Sera. Disponível em: <http://27esimaora.corriere.it/articolo/figli-senza-piu-distinzionima-e--a-rischio-laffido-condiviso/>. Novo acesso em: 10 jul. 2017. Tradução livre do autor: “O pensamento atual tende a uma divisãoequânime do tempo dos genitores com os filhos, o que em alguns países, como a França e a Bélgica, já tem estabelecido por lei”.A disposição da guarda compartilhada no Código Civil italiano apresentava-se da seguinte maneira antes do advento do DL n.º154/2013 [com tradução livre do autor]: artigo 155 do Capítulo V (da dissolução do matrimônio e da separação dos cônjuges), doTítulo VI (do matrimônio), do Livro I (das pessoas e da família).O nosso Código Civil dispõe, especificamente, sobre a matéria nos arts. 1.583, 1.584 e 1.585 e ss. do Capítulo XI (da proteção dapessoa dos filhos), do Subtítulo I (do casamento), do Título I (do direito pessoal), do Livro IV (do direito de família) – todos inseridosna Parte Especial.O texto em epígrafe foi traduzido livremente pelo autor; o original assim se apresenta: “sono numerose le lacune nella nuova disciplinanormativa così come concretamente attuata dal legislatore del 2006, – peraltro dichiaratamente consapevole della necessità diintervenire in futuro com nuovi interventi normativi. Del resto subito evidenziata dalle numerose critiche che ne hanno accompagnatol’approvazione e la sua entrata in vigore [...]. Affidamento a terzi – la mancata riproposizione nella legge di riforma dell’art. 155comma sesto C.C., che prevedeva, in presenza di gravi motivi, il collocamento del minore presso terzi, è stata definita dai primicommentatori uma grave lacuna nella riforma”. Disponível em: <http://www.giustizia.catania.it/formazione/190407/pappalardo.pdf>.Novo acesso em: 11 jul. 2017.Texto original do revogado art. 155 do Código Civil italiano: “Provvedimenti riguardo ai figli. Il giudice che pronunzia la separazionedichiara a quale dei coniugi i figli sono affidati e adotta ogni altro provvedimento relativo alla prole, con esclusivo riferimentoall’interesse morale e materiale di essa. In particolare il giudice stabilisce la misura e il modo con cui l’altro coniuge deve contribuireal mantenimento, all’istruzione e all’educazione dei figli, nonché le modalità di esercizio dei suoi diritti nei rapporti con essi. [...] In ognicaso il giudice può per gravi motivi ordinare che la prole sia collocata presso una terza persona o, nella impossibilità, in un istituto dieducazione (Cod. Proc. Civ. 710). I coniugi hanno diritto di chiedere in ogni tempo la revisione delle disposizioni concernentil’affidamento dei figli, l’attribuzione dell’esercizio della potestà su di essi e le disposizioni relative alla misura e alle modalità delcontributo”.Texto original do art. 155 do Código Civil italiano, com a redação alterada pela Lei 54, de 08.02.2006: “Provvedimenti riguardo ai figli –

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Anche in caso di separazione personale dei genitori il figlio minore ha il diritto di mantenere un rapporto equilibrato e continuativo conciascuno di essi, di ricevere cura, educazione e istruzione da entrambi e di conservare rapporti significativi con gli ascendenti e con iparenti di ciascun ramo genitoriale. Per realizzare la finalità indicata dal primo comma, il giudice che pronuncia la separazionepersonale dei coniugi adotta i provvedimenti relativi alla prole con esclusivo riferimento all’interesse morale e materiale di essa.Valuta prioritariamente la possibilità che i figli minori restino affidati a entrambi i genitori oppure stabilisce a quale di essi i figli sonoaffidati, determina i tempi e le modalità della loro presenza presso ciascun genitore, fissando altresì la misura e il modo con cuiciascuno di essi deve contribuire al mantenimento, alla cura, all’istruzione e all’educazione dei figli. Prende atto, se non contrariall’interesse dei figli, degli accordi intervenuti tra i genitori. Adotta ogni altro provvedimento relativo alla prole. La potestà genitoriale èesercitata da entrambi i genitori. Le decisioni di maggiore interesse per i figli relative all’istruzione, all’educazione e alla salute sonoassunte di comune accordo [...]. In caso di disaccordo la decisione è rimessa al giudice. [...] Il giudice può stabilire che i genitoriesercitino la potestà separatamente. [...]”.Tradução livre: “Nessa ótica, uma recente sentença de mérito tem reforçado a construção de uma categoria de medidas atípicas, nasquais o juiz está autorizado a determinar, no interesse do menor e nos termos do § 2.º do art. 155, CC, a entrega da criança aos avós(ver Trib. Salerno, 20.06.2006)”. Disponível em: <http://www.giustizia.catania.it/formazione/190407/pappalardo.pdf>. Novo acessoem: 11 jul. 2017.Texto original do julgamento: “nella fattispecie, peraltro, non può non evidenziarsi come la vita della minore sia stata dolorosamentesegnata dalla precocissima perdita della madre; cosicché, è di tutta evidenza quell’esigenza che la legge individua come significativaper la crescita, si carica, nel contesto sopra ricordato, di una valenza speciale, posto che il contatto con i nonni materni e conl’ambiente di vita della madre, se improntato a senso di responsabilità e maturità, può assicurare la conservazione, per la minore, dium patrimonio di ricordi utile per la sua crescita”. Disponível em:<http://www.minoriefamiglia.it/download/napoli_diritto_nonni.PDF>. Novo acesso em: 11 jul. 2017.Trecho da decisão n.º 784, de 20.01.2012: “[....] L’art. 155 c.c., nella formulazione previgente, prevedeva l’ipotesi di inidoneità dientrambi i genitori all’affidamento del figlio. Nulla dice al riguardo la norma novellata. La disciplina era sufficientemente articolata:ove non fosse opportuno che il figlio rimanesse con l’uno o l’altro genitore, per “gravi motivi” il giudice poteva “collocare” (nonaffidare) il minore presso una terza persona (un parente, ma non necessariamente) ovvero (quando non vi fossero parenti o altrepersone idonee disposte ad occuparsi del minore) in istituto di educazione (la legge sul divorzio prevede che, in caso di temporaneaimpossibilità di affidamento ai genitori, il giudice possa disporre affidamento familiare, ex. art. 2 n. 184 del 1983, e la norma non hasubito variazioni). [...] È da ritenere tuttavia che, nonostante l’assenza, nella disciplina vigente, di una previsione specifica, il richiamo,ancorché generico, contenuto nell’art. 155, comma 2, c.c., ai provvedimenti che il giudice assuma per i figli “con esclusivo riferimentoall’interesse morale e materiale di essi”, ma pure quello, più particolare, alle modalità con cui ciascun coniuge contribuisce alla “cura”e alla “educazione” dei figli, oltre che al loro mantenimento ed istruzione, indica la possibilità di collocare il figlio presso terzi, in caso diinidoneità genitoriale (al riguardo, conformemente, Cass. n. 19065 del 2008). La legge sul divorzio precisa del resto, come si è detto(anche dopo la riforma del 2006), che può disporsi affidamento familiare ex art. 2 n. 184 del 1983, in caso di temporanea impossibilitàdi affidamento ai genitori (in stretto contatto, evidentemente, con l’azione del servizio sociale); tale previsione è sicuramenteapplicabile in via analogica alla separazione. Ne deriva che quando entrambi i genitori non sono idonei all’affidamento (dovrebbetrattarsi appunto di una situazione assai grave) o quando essi stessi lo rifiutano, si deve provvedere al collocamento, possibilmentepresso parenti. [...]”. Disponível em: <http://www.west-info.eu/files/sentenza-Cassazione--affidamento-figli-minori-servizi-sociali-separazione-inidoneit%C3%A0-dei-genitori.pdf>. Acesso em: 11 jul. 2017.Decreto Legislativo n.º 154, de 28.12.2013 [publicado na GU n.º 5, de 08.01.2014, e em vigor a partir de 07.02.2014]. “[...]. L’articolo155 del codice civile e’ sostituito dal seguente: “Art. 155. In caso di separazione, riguardo ai figli, si applicano le disposizioni contenutenel Capo II del titolo IX. Introduzione degli articoli da 337-bis a 337-octies del codice civile”. Disponível em:<http://www.ufficigiudiziarigenova.it/documentazione/D_5283.pdf>. Acesso em: 11 jul. 2017.Art. 337-bis, do Código Civil italiano (introduzido pelo DL n.º 154/2013): “Ambito di applicazione. In caso di separazione, scioglimento,cessazione degli effetti civili, annullamento, nullità del matrimonio e nei procedimenti relativi ai figli nati fuori del matrimonio siapplicano le disposizioni del presente capo”.Art. 337-ter, do Código Civil italiano (introduzido pelo DL n.º 154/2013): “Provvedimenti riguardo ai figli. Il figlio minore ha il diritto dimantenere un rapporto equilibrato e continuativo con ciascuno dei genitori, di ricevere cura, educazione, istruzione e assistenza moraleda entrambi e di conservare rapporti significativi con gli ascendenti e con i parenti di ciascun ramo genitoriale. Per realizzare lafinalità indicata dal primo comma, nei procedimenti di cui all’articolo 337-bis, il giudice adotta i provvedimenti relativi alla prole con

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esclusivo riferimento all’interesse morale e materiale di essa. Valuta prioritariamente la possibilità che i figli minori restino affidati aentrambi i genitori oppure stabilisce a quale di essi i figli sono affidati, determina i tempi e le modalità della loro presenza pressociascun genitore, fissando altresì la misura e il modo con cui ciascuno di essi deve contribuire al mantenimento, alla cura, all’istruzionee all’educazione dei figli. [...]. Adotta ogni altro provvedimento relativo alla prole, ivi compreso, in caso di temporanea impossibilità diaffidare il minore ad uno dei genitori, l’affidamento familiare. [...]”.VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil – direito de família. 6ª. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2006. p. 293.

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GUARDA COMPARTILHADA: A MEDIAÇÃO COMOINSTRUMENTO PARA A CONSTRUÇÃO DE UM ACORDO

PARENTAL SUSTENTÁVEL

FERNANDA ROCHA LOURENÇO LEVY

Sumário: Introdução – 1. Guarda de filhos e a Lei 13.058/2014 – 2. A mediação como instrumento deconstrução do consenso parental – 3. Conclusões – Referências.

INTRODUÇÃO

No apagar das luzes de 2014, entrou em vigor no ordenamento jurídico pátrio a Lei 13.058, comvistas a fortalecer a adoção da guarda compartilhada e dispor sobre sua aplicação, alterando osartigos 1.583, 1.584 e 1.634 do Código Civil.

Revogando parcialmente a Lei 11.698, de 13 de junho de 2008, que entre outras estipulações,previa sempre que possível, o estabelecimento de guarda compartilhada por determinação judicialpara pais em desacordo sobre a questão da guarda de seus filhos comuns, a já denominada “Lei daGuarda Compartilhada” prevê que, estando ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar equando não houver acordo entre eles quanto à guarda do filho, será aplicada a guarda compartilhadapor determinação judicial, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guardado menor.

Se antes a guarda compartilhada figurava como uma das opções ao lado da guarda unilateraldiante da disputa entre os genitores pela guarda dos filhos, atualmente a guarda compartilhada émodelo prioritário, ainda que especialmente na hipótese de os pais apresentarem iguais condições deexercício do poder familiar e estarem em desacordo sobre a guarda de seus filhos.

Diante desse cenário, levantamos as seguintes questões: é aconselhável o estabelecimento deguarda compartilhada de filhos cujos pais estejam em permanente conflito? Em caso negativo, quaisseriam os motivos? E qual a solução possível para o conflito? Guarda unilateral? A construção doconsenso parental? Por quais instrumentos? Seria a mediação um meio para a obtenção do consensoparental? De que maneira? Como atua o mediador familiar? É possível a construção de um acordo deguarda compartilhada sustentável por meio da mediação familiar? Esses são os questionamentos quepretendemos enfrentar a seguir.

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1. GUARDA DE FILHOS E A LEI 13.058/2014

Mantida a redação oferecida pelo legislador de 2008 ao caput e ao parágrafo primeiro doartigo 1.583 do Código Civil, o legislador de 2014 houve por bem revogar as disposições atinentes àguarda unilateral contidas no então § 2.º do artigo 1.583 para acrescentar novo significado à guardacompartilhada.

Para além da previsão mantida que estabelece que a guarda dos filhos será unilateral oucompartilhada, expressamente definidas pelo legislador de 2008 como guarda unilateral a atribuída aum só dos genitores ou a alguém que o substitua e, como guarda compartilhada, a responsabilizaçãoconjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto,concernentes ao poder familiar dos filhos comuns, de acordo com o novo artigo 1.583, na guardacompartilhada o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãee com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos comuns.

A primeira questão que se coloca diante das disposições acima citadas se refere àpossibilidade da adoção da guarda compartilhada em nosso ordenamento jurídico mesmo antes daLei 11.698/2008. Entendemos que sim, o sistema jurídico brasileiro de proteção aos filhos nuncavetou a possibilidade de estabelecimento de guarda compartilhada. Muito pelo contrário, nossaConstituição Federal garante aos filhos a convivência familiar, como forma de preservação,promoção da integral formação de seres em desenvolvimento que são, e aplicação do princípioconstitucional da dignidade humana que permeia todo o nosso ordenamento jurídico.

Se já era possível o estabelecimento de guarda compartilhada em nosso sistema normativo, porque houve em 2008 a alteração de dispositivos de um Código Civil à época ainda tão recente entrenós? E passados apenas seis anos, quais seriam os motivos que levaram o legislador a revernovamente a matéria? A resposta é simples: para incentivar e agora priorizar a aplicação da guardacompartilhada pelos pais e Tribunais. Somos um país com forte tendência positivista, ou seja, deforma geral acreditamos que precisamos do incentivo da lei para mudanças comportamentais, aindaque nem sempre esses preceitos tragam mais soluções do que novos problemas.

Apesar da nossa tendência em acreditar que a lei possa alterar comportamentos humanos tãoarraigados, comparando os dados apontados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –IBGE em 2006, ou seja, pouco tempo antes das modificações trazidas pelo legislador de 2008, comos apresentados pelo mesmo instituto em 2013 sobre o tipo de guarda adotado pelos pais em casosde divórcio, notamos que o crescimento dos índices de adoção da guarda compartilhada foi pequenoem relação ao impacto desejado pelo legislador.

Os dados de 2006 apontavam que, em 89,2% dos divórcios concedidos no Brasil, aresponsabilidade para com a guarda dos filhos menores ficou a cargo das mulheres.1 Em 2013, deacordo com o relatório apresentado pelo IBGE, esse índice não sofreu grande alteração, pois em86,3% dos divórcios concedidos no Brasil a responsabilidade pelos filhos continuou sendo

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concedida às mulheres. Segundo o relatório, “A guarda compartilhada ainda é uma situação poucoobservada no País, porém crescente, visto que o percentual de divórcios que tiveram este desfechono que diz respeito à guarda dos filhos menores foi de 6,8%.”2

Destaca-se que a pesquisa do IBGE, publicada em 2015, ainda “aponta a predominância dasmulheres na responsabilidade da guarda dos filhos menores na ocasião do divórcio. No Brasil, essaproporção atingiu o valor de 78,8%. A região com maior proporção de mulheres responsáveis pelaguarda dos filhos menores é a Região Sudeste com 81,1%”. Segundo o relatório, ”entre os anos 2014e 2015, observou-se um aumento na proporção de guarda compartilhada entre os cônjuges, 7,5% e12,9%, respectivamente”.3 Ou seja, houve um avanço, mas certamente ainda não o almejado.

Sob o ângulo pedagógico, as novas disposições visam dar ênfase ao compartilhamento doexercício dos direitos e deveres do poder familiar e da responsabilidade parental em casos deinexistência ou rompimento de relação conjugal entre os pais de filhos comuns.

Nesse sentido, a lei é projetada com o objetivo de enaltecer e garantir formalmente aparticipação igualitária da figura paterna na criação e educação de seus filhos, buscando gerar umanova cultura e transformar o paradigma vigente que prestigia a guarda unilateral conferida à mãe.Contudo, parece-nos que para mudar essa realidade se faz necessário, mais do que uma lei, umconjunto de medidas que ao longo tempo propiciem o tão esperado equilíbrio parental no sentidoamplo da expressão.

De volta ao texto legal, analisando o caput do art. 1.583, parece que as duas formas de guarda,unilateral e compartilhada, são as únicas possíveis em nosso ordenamento jurídico, ou seja, o rol étaxativo. Em assim sendo, ficaria então proibida a estipulação de outro modelo de guarda, como, porexemplo, a alternada, ou seja, aquela em que os períodos de convivência contínua dos filhos comseus genitores são alternados entre eles?

A interpretação textual da disposição contida no caput do art. 1.583 leva a essa primeiraconclusão. Muito embora concordemos com as críticas oferecidas pelos psicólogos a esse tipo deguarda em razão de possível insegurança que possa trazer aos filhos, pensamos ser juridicamentepossível seu estabelecimento pelos pais, considerando as circunstâncias de vida daquela família, ouseja, se o modelo é bom para aquele grupo familiar, respeitados o bem-estar dos filhos e seudesenvolvimento sadio, não há razões jurídicas para seu indeferimento. Assim, adotamos nessaanálise uma interpretação extensiva e teleológica do caput do art. 1.583, concluindo que os modelosde guarda aí designados são exemplificativos.

Nos termos do § 1.º do art. 1.583, a guarda unilateral é a exercida com exclusividade por umdos genitores ou alguém que o substitua, ficando, assim, a cargo do guardião exclusivo, a guardajurídica e material dos filhos e, ao outro genitor, o dever e o direito de supervisão (antigafiscalização) e convivência com o filho, o chamado “direito de visita”, expressão infeliz que remeteà ideia de inexistência de intimidade entre filhos e pais que não residem sob o mesmo teto de umamaneira contínua.

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Já a guarda compartilhada implica em responsabilização conjunta e exercício de direitos edeveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhoscomuns.

Acreditamos que o legislador tenha querido dizer que o exercício também é conjunto, muitoembora tivesse sido mais adequado ter utilizado o vocábulo “conjunto” após os termos“responsabilização” e “exercício”, ou seja, ter dito: responsabilização e exercício conjuntos dedeveres e direitos, do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiardos filhos comuns. Melhor ainda se tivesse explicitado que o exercício conjunto se dá em termosigualitários, pois essa é a questão central da guarda compartilhada.

Os direitos e deveres do pai e da mãe em relação aos filhos são oriundos do poder familiar. É oexercício do poder familiar que sofre regulamentação, em face da fragmentação do relacionamentoconjugal parental, pois, de acordo com o art. 1.632 do Código Civil, em caso de separação judicial,divórcio e dissolução da união estável, as relações entre pais e filhos não sofrem alterações,ressalva feita em relação ao direito, que aos pais cabe de terem em companhia os filhos.

Essa ressalva, ou seja, o direito dos pais em ter os filhos em companhia, deve ser entendidocomo companhia contínua e ininterrupta, pois é pacífico o direito à convivência familiar. Antes deterem os pais o direito de estar em companhia de seus filhos, é direito dos filhos conviverem comseus pais.

Como na esmagadora maioria dos casos de desunião parental os pais deixam de residir sob omesmo teto, os filhos passam a residir com um deles depois da desunião (guarda material), fato quenão se altera com a estipulação da guarda compartilhada, permanecendo a necessidade da existênciade uma residência de referência, pois não há mais a possibilidade de compartilhamento simultâneodo mesmo teto, salvo em raríssimas exceções nas quais os pais, embora conjugalmente separados,continuam a morar na mesma residência.

Diante deste contexto, o novo art. 1.583 estabelece que o tempo de convívio com os filhos deveser divido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas eos interesses dos filhos (§ 2.º), e que na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradiados filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos (§ 3.º).

Frisamos que, na guarda compartilhada, pai e mãe exercem de maneira conjunta e igualitária osdireitos e deveres em relação aos filhos. Neste modelo ainda há maior flexibilidade e paridade entreo pai e a mãe em relação aos períodos de convivência com os filhos, conceito reforçado pela recentealteração legislativa. Contudo, voltamos a sublinhar: o equilíbrio do período de convivênciapropugnado deve atender ao melhor interesse dos filhos e não está a serviço de contagem de tempopartilhado entre os pais.

Quando a guarda compartilhada não for possível tendo em vista as condições fáticas presentesno caso concreto, por não atender ao melhor interesse dos filhos ou diante da falta do desejo de um

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dos genitores em exercê-la, permanece a guarda unilateral como opção que será conferida ao genitorque revele melhores condições para exercê-la.4

Na hipótese de atribuição de guarda unilateral, o novo texto legal mantém a obrigação do pai ouda mãe que não a detenha de supervisionar os interesses dos filhos, e estabelece que, parapossibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitarinformações e/ou prestações de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que diretaou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos (art. 1.583, § 5.º).

Permanecem inalteradas as disposições contidas nos incisos I e II do art. 1.584 do CódigoCivil: a guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser requerida por consenso, pelo pai e pela mãe,ou por qualquer deles em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estávelou em medida cautelar (inc. I) ou decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas dofilho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe(inc. II). Fica clara a intenção do legislador em prestigiar a iniciativa tomada por consenso pelospais, e sua preocupação com as necessidades específicas do filho. Entretanto, caso o consensoparental não esteja presente, a guarda a ser adotada será a compartilhada e decretada pelo juiz.

O significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitosatribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas são informados ao pai eà mãe pelo juiz, na audiência de conciliação (art. 1.584, § 1.º).

O principal objetivo do legislador de 2014 é alcançado no § 2.º do art. 1.584. Nos termos dotexto legal ora parcialmente revogado, já havia a previsão de decretação pelo juiz da guardacompartilhada, sem consenso parental, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razãode distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. Entretanto, adisposição legal se apresentava como uma possibilidade e não como uma verdadeira diretriz aosjuízes.

O novo texto legal é categórico: diante do desacordo entre a mãe e o pai quanto à guarda dofilho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guardacompartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor(art. 1.584, § 2.º).

Embora a exceção prevista nos pareça incongruente, pois se um dos genitores declarar aomagistrado que não deseja a guarda do menor, ao menos em tese haveria o consenso pela guardaunilateral que seria exercida pelo outro genitor (salvo nas raras hipóteses em que o genitor nãodeseja exercer a guarda unilateral e entenda que outra pessoa que não o outro genitor deveria fazê-lo), chegamos ao ponto central de nosso questionamento: é aconselhável a decretação ex officio deguarda compartilhada para pais que não estejam em consenso? Pensamos que não, vejamos o porquê.

O modelo de guarda compartilhada requer, como o próprio nome diz, compartilhamento entrepai e mãe de decisões e atitudes cotidianas em relação ao exercício dos deveres e direitos relativosaos filhos em comum. Vai muito além da “divisão” equilibrada do tempo de convívio entre pai e mãe

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com os filhos.Compartilhar a guarda significa agir em uníssono e conjunto em várias situações que, se já são

de difícil condução para pais que convivem sob o mesmo teto e possuem laços afetivos que os unem,quão difícil será para pais desunidos e em discórdia, o exercício da guarda compartilhada impostapor decisão judicial!

Cada decisão relativa aos filhos a ser tomada, poderá ser motivo de novos conflitos e impasses.Partindo do princípio de que o melhor interesse dos filhos deve sempre ser preservado, temos receiode que a imposição da guarda compartilhada venha a gerar ainda maiores dissabores aos filhos já tãofragilizados por constantes desavenças. Diante dessa possibilidade, se o consenso não forconstruído, a guarda unilateral pode vir a ser mais aconselhável.

Nossa análise tem por base o cotidiano de nossos tribunais nos quais tramitam inúmeras açõesde regulamentação de guarda de filhos que se perpetuam em casos patológicos, sendo os filhos,incontáveis vezes, tratados como simples objetos de disputas entre pais.

Reconhecemos e lamentamos os casos em que um dos genitores (em geral o pai) fica excluídodas decisões que dizem respeito à vida de seus filhos. Legitimamos os sentimentos de um pai que,embora desejando, muitas vezes não consegue participar da vida de seus filhos. Contudo, nosso focoé a harmonia dessas relações, preservando os filhos e acolhendo o direito dos pais.

Nesse sentido, evidente ser possível uma decisão que imponha a guarda compartilhada surtindoefeitos positivos, gerando uma paz parental. Às vezes, pode efetivamente ser necessária essaimposição, considerando inclusive um contexto de alienação parental. Aliás, é certo ser esse oobjetivo do legislador, mas ao nosso entender, dificilmente a obtenção da paz se dá por meio daimposição de um terceiro.

A previsão revogada nos parecia mais adequada, pois a expressão “sempre que possível”oferecia um espaço mais amplo para que o juiz, diante da falta do acordo parental, somente adecretasse com a forte convicção de que seria em prol do bem-estar dos filhos.5 Com a novaprevisão que impõe a guarda compartilhada justamente em casos de ausência de acordo parental,ficamos receosos dos efeitos negativos que essa imposição possa causar no cotidiano e bem-estardessas famílias, se não for bem avaliada.

Nossa posição permanece pragmática e cautelosa: seria mais prudente a ausência de previsãolegal de imposição da guarda compartilhada para pais em disputa, pois ainda que consideremos esseo melhor modelo de guarda de filhos, ao nosso entender, suas qualidades despontam desde que suaadoção seja fruto da vontade e do consenso parental e leve sempre em consideração as necessidadesespecíficas do filho, e não somente uma distribuição de tempo de convívio entre os pais.Acreditamos que a guarda compartilhada terá maior chance de ser viável na prática e sustentável notempo se nascida do consenso entre os pais, atingindo assim seu objetivo maior, ou seja, a felicidadedos filhos.

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2.

Em outras palavras: no nosso entender, a guarda compartilhada não deveria ser imposta, e simconstruída pelos pais. Não sendo possível a obtenção do consenso parental e diante das previsõesque ora se apresentam, a imposição da guarda compartilhada deve sempre ser decretada com foco nomelhor interesse do filho. Ou seja, o juiz, ao analisar o caso concreto, ainda que o cenário do § 2.º doart. 1.584 esteja presente (falta de consenso entre pais aptos ao exercício do poder familiar edesejosos de exercer a guarda), deve decretá-la levando em conta as necessidades do filho, previsãoexpressamente contida no inciso II do mesmo art. 1.584.

Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob a guardacompartilhada, dispõe o novo § 3.º do art. 1.584 que o juiz, de ofício ou a requerimento doMinistério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipeinterdisciplinar que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e a mãe.

Sem dúvida, tal disposição representa a possibilidade de melhor adequação do teóricocompartilhamento do exercício parental à difícil realidade da ruptura familiar. Contudo, ainda assim,o texto legal permanece sob a lógica da divisão, da partilha imposta e não do compartilhamentoconstruído pelos verdadeiros interessados.

Neste contexto, só nos resta tentar promover esse consenso onde não há, e, para tanto, propomosa mediação como instrumento de construção de uma guarda compartilhada viável e sustentável.

A MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE CONSTRUÇÃO DO CONSENSO PARENTAL

A mediação é um instrumento não adversarial de gestão de conflitos interpessoais conduzidopor um terceiro devidamente capacitado, o mediador, que auxilia os mediandos no processo derestabelecimento da comunicação, com vistas à compreensão e transformação do conflito. É um meioamigável de gestão de conflitos baseado fundamentalmente na livre autodeterminação das pessoasque, de maneira conjunta, constroem possíveis caminhos e soluções que melhor atendam a seusinteresses e necessidades.

Neste sentido, o princípio basilar da autonomia da vontade das partes retrata dois aspectosfundamentais da mediação: a liberdade de escolha do meio e a autodeterminação dos envolvidos naconstrução conjunta de caminhos que possam levar à transformação ou à resolução do conflito.6

Assim, a mediação deve ser sempre uma faculdade e nunca uma imposição para as partes.Ainda que alguns países, como, por exemplo, a Argentina,7 prevejam a mediação pré-processual comcaráter obrigatório, nesse caso, a obrigatoriedade é entendida como uma oportunidade para que aspartes tomem conhecimento sobre a mediação e que, se assim o desejarem, prossigam por seucaminho.

A mediação, instrumento milenar de condução de conflitos, possui algumas nuanças em suateoria e prática, de acordo com construções epistemológicas que acabaram por formar “escolas” ou“modelos” de mediação. Tal fato se deve à circunstância de a mediação, enquanto ciência, ser

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considerada uma transdisciplina, pois é fruto de vários saberes aportados de outras ciências que,juntos, formam um novo paradigma de abordagem de conflito.

De modo breve, e nos atendo às características principais das escolas de Mediação maisutilizadas, temos o modelo Tradicional-Lineal (Harvard), o Transformativo (Bush & Folger) e omodelo Circular-Narrativo (Sara Cobb).8

O modelo colaborativo da Escola de Harvard trabalha o conflito por meio da comunicaçãobilateral efetiva e linear (causa e efeito) com um principal objetivo: a obtenção do acordo querepresente ganhos mútuos pautados por critérios objetivos.9

O modelo Transformativo (Bush & Folger) entende o conflito como uma crise na interaçãohumana e uma oportunidade de crescimento em duas dimensões críticas e inter-relacionais: I.fortalecimento do eu – autodeterminação e confiança nas próprias forças e II. reconhecimento daperspectiva do outro, respeito e consideração mútuos.

Para os mentores desse modelo, o conflito negativo aprisiona as pessoas em uma interaçãonegativa, e os seres humanos possuem a capacidade de força e reação, ação e conexão, mesmo emsituações adversas. Processos que apoiam essas capacidades, como a mediação, conduzirão àtransformação da interação conflituosa.

Partindo dessa visão de mundo, a mediação transformativa busca a transformação do conflito,ou seja, o importante para essa linha é que as partes, por meio da mediação, transformem suainteração por meio do fortalecimento (empowerment) e reconhecimento (recognition). Assim, apromessa da mediação é propiciar um mundo melhor por meio da transformação das relaçõesinterpessoais, ficando a obtenção do acordo em um plano secundário.10

Já o modelo Circular-Narrativo (Sara Cobb) se alimenta das técnicas de terapia familiarsistêmica e da teoria da comunicação, e por meio de um conjunto de técnicas próprias, enaltece ashistórias narradas, pretendendo propiciar um espaço no qual os mediandos possam modificar osignificado do conflito e coconstruir uma história alternativa. A obtenção do acordo é um dosobjetivos, muito embora de uma maneira menos intensa do que a escola de Harvard, pois não é esseseu foco primordial, mas sim a relação e a comunicação entre as pessoas.

Muito embora a mediação seja uma só, ela é aplicada a diversas áreas (mediação familiar,empresarial, escolar, comunitária, penal) e com técnicas e métodos apropriados para cada tipo deconflito.

Em especial no contexto familiar, a utilização da mediação ganha seus melhores contornos, poiscomo meio adequado para o tratamento de conflitos entre pessoas que possuam vínculos duradouros,proporciona um espaço seguro e acolhedor para a complexidade das relações familiares.

A mediação familiar possibilita o restabelecimento da comunicação entre os mediandos, areavaliação dos pontos conflituosos, o estímulo da compreensão recíproca dos pontos divergentes econvergentes e o desenvolvimento da coparticipação nas decisões tomadas e corresponsabilidade

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pelas escolhas feitas.Reconhecendo a qualidade e mesmo a necessidade de fomentar a mediação em nosso País,

muitos foram os esforços empreendidos para a implantação e desenvolvimento de boas práticas demediação em nosso País11. Nesse contexto, também no âmbito legislativo muitas iniciativas versaramsobre esse tema, e acabaram por culminar na promulgação da Lei de Mediação (Lei 13.140/2015) eem previsões específicas contidas no Novo Código de Processo Civil.

Não nos cabe nesse momento tecer comentários pormenorizados ao marco legal da mediação,mas não podemos deixar de fazer referência ao art. 694 do Código de Processo Civil, queexpressamente prevê que, nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a soluçãoconsensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas deconhecimento para a mediação e conciliação. Também há portas abertas para a realização damediação extrajudicial, dispondo expressamente o parágrafo único, do art. 694 que, a requerimentodas partes, o juiz pode determinar a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem amediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar.

Ressalta-se que o legislador efetivamente prestigiou os meios consensuais para a gestão dascontrovérsias familiares, inclusive no que se refere ao procedimento processual e ao próprioprocedimento da mediação, pois, nos termos do art. 695 do Código de Processo Civil, recebida apetição inicial e, se for o caso, tomadas as providências referentes à tutela provisória, o juizordenará a citação do réu para comparecer à audiência de mediação e conciliação; e de acordo como art. 696, a audiência de mediação e conciliação poderá dividir-se em tantas sessões quantas sejamnecessárias para viabilizar a solução consensual, sem prejuízo de providências jurisdicionais paraevitar o perecimento do direito.

Diante de suas qualidades, e após longos anos de práticas exitosas, a mediação é reconhecidapelo nosso sistema jurídico posto como um grande recurso a ser utilizado nas questões familiares, emespecial nas disputas pela guarda de filhos. Essa leitura deve ser feita contemplando e harmonizandoos diversos dispositivos legais que versam sobre o tema, previstos na Lei de Mediação, no NovoCódigo de Processo Civil e no Código Civil. Em assim sendo, também a mediação podeperfeitamente ser inserida no gênero “equipe interdisciplinar” contido na regra do § 3.º do art. 1.584do Código Civil.12

O mediador pode e, a nosso entender, deve fazer parte dessa equipe, não somente nas questõesatinentes à guarda compartilhada, mas também nos diversos aspectos que permeiam os conflitosfamiliares, como na ruptura conjugal, nas divergências entre pais e filhos, irmãos, familiares nasnovas recomposições familiares e, em especial, em todas as questões relativas à regulamentação doexercício do poder familiar diante do conflito parental.

É sabido que o conflito no âmbito familiar é um dos mais delicados, pois seus protagonistasestão ligados por laços sentimentais. Amor, ódio, indiferença, ciúmes, apego e medo são ingredientesque quase sempre estão presentes nas fraturas familiares.

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As questões psicológicas permeiam as questões jurídicas, e muitas vezes são de difícil soluçãojustamente por encontrarem uma barreira no âmbito psicológico. A família está doente e o auxílioprofissional é muito eficaz para restabelecer o equilíbrio das emoções e, consequentemente, a paznas relações jurídicas.

Esse auxílio pode vir de diversas maneiras, pelas mãos dos profissionais cuidadores da saúdepsíquica (psicólogos, psicanalistas, psiquiatras) e também por um procedimento de mediação,lembrando sempre que mediação não é terapia familiar.13 Um cuidado não exclui o outro, assim comoo mediador não substitui o advogado em suas funções. Aliás, são atividades que caminham muitobem juntas, com excelentes resultados para todos.

Sublinhamos que a prática efetiva da mediação sofre algumas variantes dependendo domediador e do caso mediado. É tema complexo e extenso que aqui não cabe ser tratado. Mas há umdesenho básico (ou parâmetros mínimos) que serve de moldura às práticas de mediação.14

A mediação é uma oportunidade de escuta diferenciada em um espaço especialmente preparadopara tal. Não há um número predeterminado de sessões, mas em média, ocorrem em torno de cincoou seis sessões (ou encontros), podendo, em casos mais complexos, alcançar um número maior dereuniões. Para o âmbito privado, as partes podem vir encaminhadas pelo Poder Judiciário ou porqualquer outro meio como, por exemplo, por indicação de advogados, terapeutas ou amigos daspartes.

Caso somente uma das partes, na hipótese em questão, um dos pais, procure o atendimento, aooutro é feito um convite de participação, por via telefônica ou postal. Este convite deve ser amável(é um convite e não uma intimação) e deve explicar, sucintamente, a razão, o modo e os objetivos doencontro.

Agenda-se um horário (em torno de 60 minutos) por vezes em conjunto e por outras emseparado, dependendo da qualidade do diálogo existente entre eles e, na data marcada, inicia-se umaetapa denominada de pré-mediação. Nesta fase, o mediador se apresenta pessoalmente e explica suafunção de facilitador imparcial da condução do diálogo entre as partes. Explica também osprincípios que regem a mediação, seu procedimento, o valor de seus honorários e local em que asreuniões ocorrerão, e coloca-se à disposição dos participantes para o esclarecimento de dúvidas queporventura existam quanto ao procedimento. Ressalta as regras da boa condução que regem amediação, que se baseiam no respeito, na boa-fé e no comprometimento de todos os envolvidos.Caso as partes decidam optar pela adoção desse meio, todos assinam um termo de mediação queretrata o conteúdo acertado na pré-mediação.

A presença do advogado é sempre bem-vinda e de suma importância, sendo que no âmbitoextrajudicial é facultativa. Ressaltamos que toda orientação e análise jurídica são realizadas pelosadvogados dos mediandos, inclusive os contornos jurídicos do termo de compromisso de mediação.

O acordo pode acontecer durante as reuniões de mediação ou depois, ou ainda não acontecer.

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3.

Há, inclusive, casos que não são mediáveis15 e outros em que uma das partes não está disposta paratanto. De qualquer maneira, a experiência demonstra que apenas a ideia de submeter o conflito àmediação já traz efeitos positivos para os mediandos e por consequência, para seus filhos, poisdescortina em suas mentes a possibilidade de viabilização do diálogo, que por inúmeras vezes lhesparece tão impossível.

Entendemos que o verdadeiro sucesso da mediação está em promover uma mudança positiva doconflito, uma nova perspectiva de futuro, ainda que o acordo em si não tenha sido alcançado. Seestabelecido o acordo, este é acompanhado e redigido pelos advogados e, se necessário,homologado judicialmente.

Reafirmamos que a mediação é um meio eficaz de gestão de conflitos, na medida em que asolução para o impasse é construída pelos próprios envolvidos no conflito e não imposta por umterceiro. Evoca e avoca a responsabilidade das partes e, portanto, as decisões tomadas têm maiorchance de serem cumpridas.

Ainda que a mediação não seja a cura para todos os males, é um caminho possível depacificação de conflitos, em especial, dos familiares. O Poder Judiciário, já tão sobrecarregado, porvezes não possui o instrumental necessário para, de maneira isolada, cuidar dessas questões. Assim,o recurso à via litigiosa deve ser utilizado em situações em que efetivamente o diálogo e aconstrução do acordo pelas partes não tenha sido possível.

CONCLUSÕES

Respondendo às questões inicialmente levantadas, pensamos que a recente Lei 13.058/2014,que oferece nova disciplina à guarda compartilhada, tem por principal mérito a função pedagógica ecultural de destacar a guarda compartilhada como o melhor modelo de guarda de filhos para pais quetêm por desafio e meta proporcionarem aos seus filhos um sentimento de pertencimento a uma famíliaque se já não conjugal, permanece parental.

Entretanto, entendemos que o estabelecimento da guarda compartilhada deva ser sugerido,aconselhado e incentivado, mas não imposto por decisão judicial a pais que estejam em desacordo,pois pode gerar efeitos negativos ao já instalado conflito, potencializando-o.

Diante da impossibilidade de acordo parental e tendo por parâmetro a proteção integral dosfilhos, antes do advento da nova lei, restavam dois caminhos: a construção do consenso parental paraa obtenção da guarda compartilhada ou a estipulação de guarda unilateral para o genitor commelhores condições para exercê-la. Agora, o juiz é instado a conferir a guarda compartilhada aospais que apresentem as mesmas condições de exercê-la, ainda que sob o cenário das disputas.

Em respeito à diretriz legal, e pensando em trilhar um caminho viável para a guardacompartilhada, apontamos a mediação como um instrumento adequado e eficaz para a construção doconsenso parental, abrindo uma oportunidade de elaboração de escolhas apropriadas para cada caso,

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escolhas essas pensadas, construídas e decididas pelos próprios pais em prol do bem-estar de seusfilhos.

A guarda compartilhada torna-se viável e sustentável na medida em que acordos possíveis deserem cumpridos são estabelecidos pelos próprios pais e não lhes foram impostos por decisãojudicial.

Semeia-se o diálogo, pois a via da mediação passará a fazer parte dos recursos parentais para aconstrução de reajustes que se fizerem necessários ao longo de um caminho, que se objetiva pacífico,para pessoas que permanecerão vinculadas pelos laços do compartilhamento de serem pais dosmesmos filhos, para sempre.

REFERÊNCIAS

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_______. Mediando em sistemas familiares. Buenos Aires: Paidós, 2005.TAPIA, Gachi; DIEZ, Francisco. 1. ed. 4. reimp. Buenos Aires: Paidós, 2006.

Estatísticas do Registro Civil relativas ao ano de 2006, resultado da coleta das informações prestadas pelos cartórios de Registro Civilde Pessoas Naturais, Varas de Família e Cíveis. Disponível em:<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/registrocivil/2006/registrocivil_2006.pdf>. Acesso em: 23 jul. 2008.De acordo com os dados apurados, o Pará, com 11,4%, e o Amazonas, com 10,8%, foram os estados brasileiros com os maiorespercentuais de divórcios nos quais foram evidenciadas as guardas compartilhadas. Destaca-se, ainda, que a preponderância dasmulheres na guarda dos filhos menores é uma situação observada em todas as Unidades da Federação. Em 2013, a guarda dos filhosfoi de responsabilidade da mulher em 95,4% dos divórcios ocorridos no Estado de Sergipe, por exemplo. Os menores percentuaisreferentes à guarda dos filhos pelos homens foram registrados no Ceará, com 3,4%, e Sergipe, com 1,8%. No Amapá, entretanto, dototal de divórcios com filhos menores, em 11,8% dos casos a guarda foi concedida ao homem. Estatísticas do Registro Civil relativasao ano 2013. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Registro_Civil/2013/comentarios.pdf>. Acesso em: 29 jan. 2015.Estatísticas do Registro Civil relativas ao ano 2015. Disponível em<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/135/rc_2015_v42.pdf>. Acesso em 10 jul. 2017.Dispunha o revogado § 2.º do art. 1.583 que, na hipótese de disputa pela guarda unilateral, ela seria atribuída ao genitor que revelassemelhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos afeto nas relações com o genitor e com ogrupo familiar (I), saúde e segurança (II) e educação (III), prevendo, ainda, no § 3.º, a obrigação de supervisão do pai ou da mãe quenão detenha a guarda unilateral. Embora tenha sido revogado, parece-nos que tais critérios continuam a ser adotados por integraremo conteúdo do princípio do melhor interesse dos filhos, essência desse tema.Nesse sentido, a previsão contida no § 2.º do art. 1.584: “Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, seráaplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada” (grifos nossos).Para ampliação do conhecimento acerca dos princípios que regem a mediação e os mediadores, ver: Código de ética para mediadores.Referências de Boas Práticas para Mediadores. Forum Nacional de Mediação (FONAME). Disponível em:<www.institutodaccord.com. br>. Código de ética para mediadores do Conselho Nacional das Instituições de Mediação eArbitragem (CONIMA). Disponível em <http://www.conima.org.br/codigo_etica_med>.O procedimento é regulado pela Lei 24.573/1995, que institui a mediação com caráter obrigatório pré-processual como o objetivo depromover a comunicação direta entre as partes para a solução extrajudicial da controvérsia (art. 1.º).Para uma leitura mais aprofundada sobre os modelos de mediação: SUARES, Marines. Mediación, conducción de disputas,comunicación y técnicas. Buenos Aires: Paidós, 2002.Obra fundamental sobre o assunto: FISHER, Roger, URY William, PATTON, Bruce. Como Chegar ao Sim: a negociação de acordossem concessões. Tradução de Vera Ribeiro e Ana Luiza Borges. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Ed. Imago, 2005.BUSH e FOLGER, La promesa de mediación. Granica, 2006.Ver em BRAGA NETO, Adolfo. Mediação: uma experiência brasileira. São Paulo: CLA, 2017.Art. 1.584, § 3.º “Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, deofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, quedeverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe”.As atividades não se confundem, muito embora tenham aportes de psicologia na formação do mediador. Sobre mediação familiar,consulte: CEZAR-FERREIRA, Verônica A. de Motta. Família, separação e mediação: uma visão psicojurídica. São Paulo:Método, 2011; BREITMAN, Stella; PORTO, Alice Costa. Mediação familiar: uma intervenção em busca da paz. Porto Alegre:Criação Humana, 2001; HOROWITZ, Sara Rozemblaum. Mediación y revinculación. Buenos Aires: Lexis Nexis Argentina, 2006;SUARES, Marinés. Mediando em sistemas familiares. Buenos Aires: Paidós, 2005; SIX, Jean-François. Dinâmica da mediação.Trad. Giselle Groeninga de Almeida, Águida Arruda Barbosa e Eliana Riberti Nazareth. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.Sobre a prática da mediação, consulte: ALMEIDA, Tania. Caixa de Ferramentas em mediação. Aportes práticos e teóricos. SãoPaulo, Dash, 2014; CARAM, Maria Elena; EILBAUM, Diana Teresa; RISOLÍA, Matilde. Mediación: diseño de una practica. 2.ed. Buenos Aires: Librería Histórica, 2006; TAPIA, Gachi; DIEZ, Francisco. 1. ed. 4. reimp. Buenos Aires: Paidós, 2006;

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CALCATERRA, Rubén. Mediación estratégica. Barcelona: Editorial Gedisa, 2006; ARÉCHAGA, Patrícia Valeria; BRANDONI,Maria Florência; FINKELSTEIN, Andréa. Acerca de la clínica de mediación: relatos de casos. Buenos Aires: Librería Histórica,2004; GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; LAGRASTA NETO, Caetano (coord.). Mediação e gerenciamento doprocesso: revolução na prestação jurisdicional. São Paulo: Atlas, 2007.Esse tema é bastante controvertido, entendendo alguns mediadores que casos de violência não seriam mediáveis. Parece-nos que oprincipal empecilho à mediação é a ausência de discernimento para decidir, pois a mediação é espaço para tomada de decisões eessas devem ser pautadas no consentimento esclarecido e informado.

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1.

2.

6

BREVES REFLEXÕES SOBRE A ATUAÇÃO ADVOCATÍCIA E OPEDIDO FORMULADO PELO DEMANDADO EM AÇÕES DE

GUARDA

FERNANDA TARTUCE

Sumário: 1. Reflexões iniciais – 2. Perspectiva de um caso concreto – 3. Destaques sobre o cenárionormativo – 4. Orientação advocatícia a partir da nova legislação – 5. Formulação do pedido de guardapelo demandado: 5.1 Ação dúplice e pedido contraposto; 5.2 Reconvenção; 5.3 Fungibilidade – 6.Reflexões finais – Referências bibliográficas.

REFLEXÕES INICIAIS

A guarda compartilhada vem ensejando grandes desafios a quem atua na advocacia familiar.Embora o tema seja consideravelmente prestigiado no plano doutrinário e na seara normativa, acompreensão de seus termos nem sempre é fácil por parte de jurisdicionados e advogados.

É recorrente ouvir que a guarda compartilhada é uma quimera, um projeto fadado ao fracasso;afinal, se o casal rompeu a união é porque não se comunica bem e nada tem condições de seguircompartilhando.

Muitos ainda consideram ser a guarda unilateral materna uma regra, só a entendendo descabidaem casos extremos. Ademais, diversos genitores identificam na guarda um elemento de poder do qualnão pretendem abrir mão.

A proposta deste artigo é promover reflexão sobre a atuação advocatícia e a formulação dopedido de guarda pelo demandado em juízo. Deve o advogado preparar o cliente para a possíveldeterminação de guarda compartilhada? Caso seu cliente decida pedir a guarda (unilateral oucompartilhada), o pedido deve ser feito em reconvenção ou basta sua apresentação na contestação,dentre os argumentos de defesa ou por pedido contraposto?

PERSPECTIVA DE UM CASO CONCRETO

Silzete, de 4 (quatro) anos de idade, é filha de Silvaney e Marizete. O fim da união conjugal érecente, e a dupla parental tem dificuldade de se comunicar, vivendo atualmente uma intensa disputapela guarda da filha.

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3.

Herdonyel, advogado contratado por Silvaney, ouve do cliente que tanto ele como a (quase ex)esposa desejam fortemente a guarda unilateral com restrita “visitação” por parte do outro. Manifestatambém intensa resistência ao diálogo, dizendo querer uma decisão judicial para que o juiz digaquem tem razão.

Quando Silvaney é perguntado, por seu advogado, sobre como Silzete se sente em relação àdisputa, é vago; reconhece, com algum esforço, que a criança tem sofrido com a situação e quemanifesta grande apego à mãe, embora externe apreciar os momentos vividos com o pai. Herdonyelpergunta então como Marizete lida com os sentimentos da filha; Silvaney diz não saber e preferir nãofalar disso por se tratar de um “assunto difícil”.

Como se percebe por esse primeiro relato, o advogado precisará orientar seu cliente sobre opanorama normativo e buscar prepará-lo para a provável abordagem do conflito em juízo.

DESTAQUES SOBRE O CENÁRIO NORMATIVO

Nos termos da lei civil, a guarda será unilateral ou compartilhada, sendo esta últimareconhecida como “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãeque não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”1.

Embora a guarda compartilhada venha ganhando cada vez mais espaço, a guarda unilateralainda tende a predominar nas famílias brasileiras marcadas pelo fim da união conjugal; váriosfatores são determinantes para esse quadro, como a tradição de que a mulher permaneça com osfilhos e o desconhecimento de muitos sobre o modo compartilhado2.

Segundo Enio Zulliani, há predileção pela unilateralidade da guarda, que por vocação instintivaacaba sendo deferida à mãe da criança; contudo, logo surgem “desavenças derivadas das infantisintransigências no exercício do direito de visita”, especialmente “quando alguém assume o novoamor”:

As acusações se proliferam, e o juiz tenta, sem sucesso, a conciliação, revelando os processos quechegam ao Tribunal que o clima entre os divorciados e companheiros separados atinge uma escala deirracionalidade e de violência física e verbal totalmente prejudicial ao desenvolvimento psíquico dapobre criaturinha entrincheirada nas proposições radicalizadas dos pais. E fica pior quando éverificado que os avós entram na disputa para agravar a discórdia familiar. A guarda compartilhadaevitaria todo esse imbróglio e constituiria uma passagem inofensiva da transição a ser superada naadaptação dos filhos menores às vidas separadas dos pais, desde que a eles fossem oferecidascondições propícias. Os cônjuges e companheiros ainda não tomaram consciência de que o sistemajurídico foi alterado nesse segmento exatamente para proteger os menores dos desmandos cometidospor mágoas e ressentimentos amorosos, sendo necessário advertir que não se valorizaram osaspectos propedêuticos das sanções impostas pelo descumprimento (...)3.

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Apesar das dificuldades (ou talvez por causa delas), o legislador vem incrementando opanorama normativo de forma considerável nos últimos tempos para prestigiar a guardacompartilhada.

Houve também, em sede jurisprudencial, um reforço à contemplação da guarda compartilhada: aRecomendação 25/2016 do CNJ indica a necessidade de que os juízes considerem a aplicação de talmodalidade como regra. Se for constatada a inviabilidade da adoção da guarda compartilhada nocaso concreto, caberá ao magistrado justificar a impossibilidade à luz dos critérios normativos.

No que tange ao perfil de tal instituto, algumas reflexões se fazem necessárias. Se a temática écontrovertida entre operadores do Direito, o que dizer sobre sua compreensão por pessoas alheias àseara jurídica? Ainda há muito a avançar em termos de conhecimento e conscientização.

Ao abordar a perspectiva de mudança legislativa sobre o tema, Silvio Venosa negou anecessidade de tal regulamentação; em seu sentir, “existe um conhecido abuso legislativo em nossomeio, sem que essa pletora de leis resolva nossos problemas. Na verdade, a educação do povo fazprescindir de muitas leis”4.

Tem certa razão o autor; contudo, como bem destaca Giselle Groeninga, “em termos sociais,familiares e legislativos há um longo caminho a ser percorrido para a ampliação da consciênciaquanto à responsabilidade dos pais e às formas de seu exercício”5.

Enio Zulliani destaca a importância da mudança legislativa em termos de conscientização:

Os cônjuges e companheiros ainda não tomaram consciência de que o sistema jurídico foi alteradonesse segmento exatamente para proteger os menores dos desmandos cometidos por mágoas eressentimentos amorosos, sendo necessário advertir que não se valorizaram os aspectospropedêuticos das sanções impostas pelo descumprimento (...). O juiz deve agir com firmeza paraimpedir que a alienação parental se transforme na síndrome que inferniza a vida das crianças, não sóestabelecendo diretrizes e metas para que as visitas se façam sem martírios, como reduzindoprerrogativas tanto do guardador como do visitador.

Voltando ao caso proposto, será importante que Herdonyel oriente seu cliente sobre anecessária abordagem do tema; ainda que isso lhe pareça difícil, não será viável deixar de secomunicar sobre ele com o advogado quando necessário, devendo Silvaney se preparar e buscarestar pronto para abordar o tema com Marizete e o juiz.

Outro ponto importante precisará ser realçado pelo advogado junto ao seu cliente: segundo a leicivil, caso o juiz constate ser melhor para a criança o compartilhamento da guarda, poderádeterminá-lo de ofício6.

Assim, se o magistrado constatar que a criança terá seus interesses atendidos de forma maiseficiente a partir da convivência ampliada com ambos os genitores, assumindo umaresponsabilização conjunta, ele determinará a guarda compartilhada, ainda que no processo apenas

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haja pedidos de guardas unilaterais.Em causa apreciada pelo Tribunal capixaba, no começo do ano de 2014, foi exatamente essa a

via adotada: após constatar a possibilidade de ambos os genitores exercerem a guarda, reconheceu-se a guarda compartilhada de ofício:

Na espécie, a despeito de não ter havido pedido expresso das partes quanto à instituição da guardacompartilhada, denota-se da peça recursal que a apelante aspira a essa medida, sendo certo que podeo juiz, até mesmo de ofício, decretá-la em atenção às necessidades específicas dos filhos” (art.1.584, II, do CC). 6) Ademais, o julgador não está adstrito às conclusões dos auxiliares da justiça,cabendo a ele aplicar a Lei ao caso concreto, resguardando a implementação do regime preferencialda guarda compartilhada, desde que fundamentadas as suas razões de decidir. Precedentes. 7) Ante avontade manifesta da genitora de ampliar sua convivência diária com os filhos, bem como apossibilidade de fazê-lo, considero que a definição pela guarda unilateral é inadequada e inábil parapermitir futuros ajustes que se revelem necessários para garantir o atendimento do melhor interessedos menores, sendo a guarda compartilhada a melhor indicação, conforme prevê a legislação emvigor7.

Entendimento similar havia sido aplicado por um magistrado mineiro em primeira instância; adecisão, porém, foi reformada pelo Tribunal. Por não ter havido pedido de guarda compartilhada, osDesembargadores entenderam que ela não deveria ser imposta, sob pena de haver interferênciainadequada do Estado nas relações familiares e desatendimento ao critério do melhor interesse domenor8.

Desde 22 de dezembro de 2014, no entanto, com a promulgação e imediata entrada em vigor daLei nº 13.058, a situação mudou de figura, já que alguns dispositivos centrais do Código Civilsofreram alteração para favorecer e disciplinar a guarda compartilhada. Segundo a nova redação doart. 1.584, § 2º, “quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho,encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guardacompartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor”9

Passou-se a prever, desde então, no art. 1.583, § 2º, do Código, que a guarda compartilhadaimplica a divisão equilibrada do tempo que os filhos passam com pai e mãe, enfatizando-se, aí e emoutros dispositivos acrescentados, a ideia de que o arranjo deve sempre favorecer o melhor interessedos filhos. Na falta de acordo, o juiz pode ser basear em orientação técnico-profissional ou deequipe interdisciplinar para estabelecer as atribuições respectivas dos que detêm a guardacompartilhada, como se vê no art. 1.584, § 3º.

Verdadeiramente revolucionária foi a previsão do art. 1.583, § 5º, no sentido de que, na guardaunilateral (que passou a ser hipótese subsidiária), o pai ou a mãe que não detenha a guarda do filhodeve supervisionar seus interesses, sempre podendo solicitar informações e prestações de contas ao

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4.

detentor da guarda.Diante do novo paradigma, há autores que preferem nem mesmo falar em “guarda

compartilhada” para, superando a terminologia legal, entender pela existência de um verdadeiro“direito à convivência compartilhada” – direito, bem entendido, do filho. Segundo Paulo Lôbo:

A Lei nº 13.508 voltou-se essencialmente à divisão equilibrada do “tempo de convívio” com osfilhos. Por essas e outras razões, a denominação correta é “convivência compartilhada”, pois o termoguarda, apesar de seu uso na legislação brasileira, é reducionista e evoca poder ou posse sobre ofilho.10

Com as mudanças recentemente processadas, há uma verdadeira viragem paradigmática queprecisará ser processada tanto pelos especialistas do Direito quanto pelas famílias – uns e outrosformados segundo outras expectativas. De certo modo, os conflitos entre pai e mãe passam a sertratados como absolutamente secundários em face do interesse de crianças e adolescentes. PauloLôbo resume com precisão a mudança:

A guarda compartilhada era cercada pelo ceticismo dos profissionais do direito e pela resistência dadoutrina, que apenas a concebia como faculdade dos pais, em razão da dificuldade destes emsuperarem os conflitos e a exaltação de ânimos emergentes da separação. Havia difundidoconvencimento de que a guarda compartilhada dependia do amadurecimento sentimental do casal, dasuperação das divergências e do firme propósito de pôr os filhos em primeiro plano, o que sóocorria em situações raras. A nova legislação ignorou esses obstáculos e determinou suaobrigatoriedade, impondo-se ao juiz sua observância.11

Como se percebe, o tema é delicado e tem potencial para gerar incompreensão e apego aospróprios interesses ou à específica visão de mundo, merecendo, por isso, ser abordado pelosadvogados junto aos seus clientes para ensejar alertas úteis, preparando-os para decisõesinovadoras, e possivelmente inesperadas pelo cliente, no cenário judicial.

ORIENTAÇÃO ADVOCATÍCIA A PARTIR DA NOVA LEGISLAÇÃO

Apesar de constar na lei civil12 que o juiz deve informar os litigantes sobre elementos da guardacompartilhada, é essencial que o advogado prepare o jurisdicionado para lidar com o tema,assessorando-o de forma completa desde o início da abordagem da controvérsia.

É essencial que o advogado esclareça seus clientes sobre o novo cenário em que viverá porforça do fim da união conjugal, conscientizando-o sobre as mudanças com que precisará se defrontar.Nesse cenário, é de extrema relevância que genitores e filhos que deixam de viver juntos na mesmacasa tenham um regime de convivência consentâneo com sua situação em bases personalizadas13.

No que diz respeito à guarda compartilhada, é relevante externar sua fundamentação teórica:

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como mecanismo de efetivação da coparentalidade, ela consiste na organização do direito deconvivência entre pais e filhos segundo o princípio da igualdade entre homem e mulher e entre pai emãe, “sempre consagrando o princípio do superior interesse da criança, com suporte no espírito damediação”14.

A guarda compartilhada expressa a busca primordial do melhor interesse de crianças eadolescentes. Na dicção de Maria Berenice Dias, “os fundamentos da guarda compartilhada são deordem constitucional e psicológica, visando basicamente garantir o interesse da prole”.15

A guarda compartilhada quebra a estrutura de poder ensejada pela versão unilateral; alémdisso, o fato de ter dois lares pode ajudar os filhos, que são perfeitamente adaptáveis a esse tipo desituação, a compreender que o divórcio dos pais nada tem a ver com eles16.

Com o novo panorama normativo e o destaque midiático ao tema, muitos genitores cujassituações pessoais já se tinham estabilizado com o regime da guarda unilateral procuraram seusadvogados para buscar um compartilhamento a partir da mudança legislativa. Tal fato dá peso àafirmação de Flavio Tartuce, para quem o advento da nova legislação tende a intensificar osconflitos familiares nos próximos anos e gerar ainda mais problemas17.

É importante que os advogados destaquem para seus clientes que mudar a guarda antes definidanão é simples, sendo essencial haver um motivo fundado para a alteração. Ao ponto, merecem relatoalguns casos apreciados recentemente.

De acordo com o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, por exemplo:

Não modificada a situação fática verificada por ocasião do estabelecimento unilateral à genitoramediante acordo entre as partes, considerando que a criança é bem cuidada sob a guarda da mãe,possui convívio próximo e afetuoso com o pai, que tem seu direito de visitas devidamenteresguardado, e, principalmente, a litigiosidade existente entre seus genitores atestada em estudopsicossocial, não há, como concluído em sentença, razão para a pretendida conversão da guardaunilateral em guarda compartilhada, mostrando-se mais consentâneo com o princípio do melhorinteresse da criança a manutenção da guarda da menor com a mãe.18

Esse entendimento parece ser verificado com certa frequência. Em decisão recente do Tribunalde Justiça do Estado de Santa Catarina, ficou consignado que “a modificação de guarda é medidaexcepcional, autorizada somente quando há provas suficientes de que o detentor não a está exercendode forma condizente com os deveres inerentes ao encargo, agindo em prejuízo do interesse do menore o colocando em situação de risco.”19 Vale lembrar que a falta de êxito na pretensão ensejasucumbência20, razão pela qual cabe ao advogado também alertar o cliente sobre tal risco emdemandar.

Como se percebe, a tendência a manter o status quo é intensa nas demandas familiares e nãopode ser olvidada por jurisdicionados nem advogados.

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5.

5.1

Vale refletir, porém, sobre a hipótese em que o réu, em uma ação de guarda, pretende pedir aguarda compartilhada.

FORMULAÇÃO DO PEDIDO DE GUARDA PELO DEMANDADO

Ação dúplice e pedido contraposto

Costuma-se afirmar o caráter dúplice das ações de guarda, como se constata em precedente doTribunal do Mato Grosso do Sul: “nas ações em que se discute o exercício do poder familiar, tanto opai como a mãe podem perfeitamente exercer de maneira simultânea o direito de ação, restandoevidenciada, assim, a natureza dúplice da ação”21.

Nas demandas dúplices, tanto o autor como o réu têm posições similares, de sorte que ambospodem formular pedidos; como bem explica Juliana Demarchi, em tais ações

(...) a discussão instaurada irá possibilitar a tutela de um bem da vida a ambas as partes,independentemente de suas posições processuais de autor ou réu. Não é necessário que o réu formulepedido de fixação dos limites aquém ou além do que foi deduzido pelo autor: sua simples defesaimplicará a improcedência, ao menos parcial, do pedido do autor, e esta improcedência do pedidodo autor corresponderá a atendimento da pretensão do réu22.

Nas ações dúplices, basta a simples contraposição do réu à pretensão inicial, não sendonecessária a formulação de pedido contraposto na contestação; o réu não exerce direito de açãonessas demandas, já que sua pretensão “está inserida no objeto do processo desde a propositura dademanda pelo autor devido à própria natureza do direito material discutido”23.

Vale destacar que a técnica do pedido contraposto não se identifica com a das ações dúplices.Concebida para promover simplificação e celeridade, a técnica da contraposição implica na

formulação de pedido pelo réu, na mesma oportunidade de oferecimento da defesa, sem precisar usaro procedimento próprio da reconvenção; desse modo, ele exerce o direito de ação sem as exigênciasformais inerentes à demanda reconvencional24.

Vale ainda destacar que, no pedido contraposto, o demandado somente pode ter por base osmesmos fatos referidos na inicial, sendo sua incidência mais restrita25.

Apesar de tais aspectos técnicos, é extremamente comum a formulação de pedidos contrapostosem contestação a demandas reputadas dúplices; nas ações sobre guarda isso se verifica, embora nãopropriamente duplicidade nem haja a mesma base fática.

Sob a égide ainda do CPC/1973, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu tanto a naturezadúplice como a formulação de pedido contraposto no seguinte julgado:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE GUARDA DE MENOR. NATUREZA DÚPLICE DA

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5.2

AÇÃO. POSSIBILIDADE DE FORMULAÇÃO DE PEDIDO CONTRAPOSTO. SÚMULA 7/STJ.1. As ações dúplices são regidas por normas de direito material, e não por regras de direitoprocessual.2. Em ação de guarda de filho menor, tanto o pai como a mãe podem perfeitamente exercer demaneira simultânea o direito de ação, sendo que a improcedência do pedido do autor conduz àprocedência do pedido de guarda à mãe, restando evidenciada, assim, a natureza dúplice da ação.Por conseguinte, em demandas dessa natureza, é lícito ao réu formular pedido contraposto,independentemente de reconvenção26.

A partir do CPC/2015, a reconvenção passou a ser veiculada na mesma peça que a contestação;com a concentração em uma só petição de quase todas as respostas do réu, o problema formal tende asoar menos relevante.

Apreciemos a dúvida com precisão técnica: é realmente necessário que o demandado se valhade reconvenção ou ele pode formular pleitos na contestação por meio de simples pedidocontraposto? Considerando que, com o CPC/2015, a reconvenção passou a ser formulada nacontestação (art. 343), há sentido em seguir falando em ação dúplice? A resposta é positiva: oordenamento jurídico segue repetindo regras27 sobre o tema; além disso, é preciso atentar paraalgumas peculiaridades28.

Ao ponto, é relevante perquirir: a iniciativa de formular o pleito na contestação e se valer depedido contraposto está correta? A ação de guarda é mesmo dúplice? E se houver extinção da açãooriginária em que se discute a guarda (por exemplo, com pedido de fixação unilateral), como ficaeventual pleito de guarda compartilhada formulado pelo demandado?

Reconvenção

Sob o prisma processual, a resposta sobre a pertinência de mera alegação na contestação, deveiculação de pedido contraposto ou da propositura de reconvenção sempre teve amparo noordenamento: quando a lei reconhecia expressamente caber o pedido contraposto (por exemplo, emalguns ritos especiais), este era formulado; quando não havia previsão específica, o apropriado eravaler-se da reconvenção29.

A reconvenção constitui ação proposta pelo réu contra o autor no mesmo processo, constituindoverdadeiro instrumento de “contra-ataque”30. Sua grande vantagem é a autonomia: por ter caráter dedemanda, ainda que haja, por qualquer razão, extinção da demanda originária, a reconvençãoprosseguirá.

Alguns advogados se valem da reconvenção para intentar os pleitos de guarda, não encontrandoóbices em seus caminhos31.

Há, porém, quem encontre resistência. Como exemplo, em divórcio no qual se discutiam

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partilha, guarda dos filhos menores e visitas afirmou-se a desnecessidade da propositura de açãoautônoma ou reconvencional para o exame de tais temas em homenagem ao princípio da economia eceleridade processual; só seria pertinente a reconvenção se houvesse pretensão do réu de verreconhecida a culpa do cônjuge que deduziu o pedido de separação litigiosa32.

Ocorre, porém, que faltam previsões sobre ser a guarda uma ação dúplice e sobre a alegadaadequação da formulação de pedido contraposto.

Haveria mesmo o caráter de duplicidade nas demandas de guarda? Reflitamos. Quandoproposta tal ação, o poder familiar pertence juridicamente a ambos os genitores, que são reputadosoficialmente guardiães. Pode ocorrer, porém, que a guarda de fato esteja com um deles e a situaçãoenseje confusões, havendo então necessidade de demandar para obter o reconhecimento jurídicosobre a guarda exercida no plano fático.

Se o pedido da demanda proposta pela genitora para reconhecer sua guarda unilateral é julgadoimprocedente, pode-se afirmar que a guarda unilateral passa a ser então do réu33?

Obviamente não; a situação, por mais incômoda que pareça a alguns, resta inalterada: a guardanão fica sendo da mãe, mas tampouco passa a ser do pai. Eles seguem “compartilhando-a”juridicamente e será necessária outra demanda para que a situação seja definida.

Imaginemos que, no caso exemplificado, Marizete peça a guarda unilateral e Silvaney a contestesem formular pedido. No caso de improcedência do pedido, Silvaney terá a guarda? Com a sentençade improcedência ele poderá se dirigir, por exemplo, ao diretor da escola e exigir que Marizete nãomais retire Silzete do estabelecimento, sendo ele o titular da guarda? As respostas são obviamentenegativas.

Assim, tecnicamente, para evitar a necessidade do processamento de nova demanda, a melhorconduta é promover reconvenção para que a guarda seja reconhecida em favor do demandado, sejasua pretensão direcionada ao perfil unilateral ou ao compartilhamento.

Outro fator que corrobora tal conclusão é a base fática: não há como dizer que na guarda osfatos alegados na defesa são os mesmos expostos na inicial. Ao tecer alegações para mostrar que temcondições de exercer a guarda, o demandado irá ampliar a base fática até então delineada nos autospela demandante, o que não é tecnicamente admissível no pedido contraposto.

Por fim, a autonomia da reconvenção revela-se uma vantagem que poderá fazer toda a diferençaem demandas de guarda altamente controvertidas.

Imaginemos que, no caso inicialmente relatado, o genitor Silvaney requeira guardacompartilhada, formulando sua pretensão no corpo da contestação. Percebendo que o juiz se inclina afixa-la, a autora Marizete poderá, estrategicamente, provocar a extinção da ação originária de guardasem resolução do mérito – por exemplo, desconstituindo seu patrono e deixando de nomear outro.

Nesse cenário, se houvesse reconvenção proposta por Silvaney, esta poderia seguir, tendo ojuiz condições de reconhecer a guarda compartilhada em seu julgamento. Como tal pleito, porém, foi

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simplesmente veiculado na contestação, não há ação autônoma e o destino será a extinção doprocesso... Nesse caso, será preciso intentar nova demanda para que a guarda compartilhada sejarequerida e possivelmente deferida. Nem é preciso ser muito criativo para imaginar as potenciaisdificuldades de citação da demandada (outrora autora), que tenderá a evitar o seguimento do feitopara não ver reconhecida a guarda compartilhada.

Como se percebe, além de tecnicamente ser mais apropriada a reconvenção, ela ainda tem avantagem de evitar que eventual estratégia extintiva seja engendrada com êxito por aquele que nãomais quer ver finalizada a definição da guarda em juízo por receio de derrota.

Fungibilidade

Como se percebe, a veiculação de pedido por ocasião da resposta do demandado nas ações deguarda é tema que enseja problemas técnicos, já que a medida usualmente utilizada (formulação depedido na contestação) é tecnicamente questionável.

Nas ações de guarda, faz-se de rigor a aplicação da fungibilidade com a aceitação de ambos osmecanismos (pedido contraposto formulado na contestação ou destacado como reconvenção) ematenção às garantias de acesso à justiça, ampla defesa e instrumentalidade das formas.

Ao ponto, merecem destaque as palavras de Teresa Arruda Alvim Wambier, para quem a amplaincidência da fungibilidade decorre do fato de que

não pode a parte ser prejudicada pela circunstância de doutrina e jurisprudência não terem chegado aum acordo quanto a qual seja o meio adequado para se atingir, no processo, determinado fim. Ora,afinal, se nem estudiosos do processo ou magistrados têm certeza a respeito de qual seja o caminhoadequado em certas situações, a parte é que terá o dever de sabê-lo34?

Como bem pontua Sidnei Amendoeira Jr., a fungibilidade de meios considera duas situaçõesdiferentes:

aquelas em que o sistema, por ação ou omissão, pôs à disposição das partes mais de um meioprocessual para atingir um determinado fim e também para aqueles casos em que, apesar de inexistirliberdade, diversidade de meios processuais à disposição da parte ou dúvida objetiva, ou seja,mesmo existindo apenas um meio processual adequado para a situação, é possível aproveitar a atopraticado pela parte, convertendo-o no meio adequado ou ignorando a atipicidade por não ser amesma relevante35.

Há julgados que reconhecem a fungibilidade entre pedido contraposto e reconvenção36; todavia,em breve pesquisa realizada constata-se que precedentes de tal índole despontam em menor número.

Infelizmente há diversas decisões37 que denotam rigor excessivo quanto às formas. Em temposde crise do Poder Judiciário, constata-se um recrudescimento no rigor formal em desprestigio da

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fungibilidade; o intuito parece ser evitar a apreciação de recursos, demandas e incidentes, liberandoo juiz de apreciar pleitos que lhe foram endereçados.

A situação é completamente absurda por violar garantias constitucionais e diretrizesprocessuais. Se o advogado se valeu da reconvenção e foi prejudicado por interpretação errônea, asituação é ainda mais grave, sendo essencial que o Tribunal competente repare a grave falha técnicasob pena de denegação da justiça.

REFLEXÕES FINAIS

Por força das alterações que prestigiam a guarda compartilhada, o advogado precisa orientarseu cliente sobre o panorama normativo e buscar prepara-lo para a abordagem do conflito em juízo.

É importante destacar que o magistrado poderá, de ofício, fixar a guarda compartilhada, sendorelevante que o jurisdicionado se prepare para domar resistências e estar pronto para abordar o temaem juízo.

Caso o demandado se convença sobre a pertinência da guarda compartilhada, poderá veicularsua pretensão na fase de resposta, o que se revela interessante em termos de facilitação docontraditório, já que a outra parte integrará o processo. Optar por futura demanda autônoma poderáser complicado especialmente pela necessidade de citação da parte em relação à qual há dissenso.

A veiculação de pedido por ocasião da resposta do demandado nas ações de guarda é tema queenseja dúvidas técnicas, já que a medida usualmente utilizada (formulação de pedido na contestaçãosem se valer de reconvenção) é tecnicamente questionável.

Embora recorrente a afirmação de que as demandas de guarda são dúplices, ela não procede: seo pedido de guarda unilateral for julgado improcedente, não há como dizer que automaticamente aguarda será do outro genitor. A reconvenção é o mecanismo apropriado para veicular a pretensão deguarda ostentada pelo demandado.

Caso, contudo, haja a veiculação de pedido na contestação é essencial a aplicação dafungibilidade para que seja apreciada a pretensão em atenção ao princípio da instrumentalidade dasformas.

Quando se pensa em demandar, é preciso calcular os riscos da adoção das medidas judiciaiscabíveis. Ao ponto, vale a advertência segundo a qual “se você não tem uma estratégia, é parte daestratégia de alguém”. Tomara que os genitores que atribuem ao Poder Judiciário a árdua missão dedefinir a guarda de seus filhos não sejam enredados em estratégias extintivas aptas a ensejardenegação de justiça por equívocos processuais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMENDOEIRA JR., Sidnei. Fungibilidade de meios. São Paulo: Atlas, 2008.BARBOSA, Águida Arruda. Guarda compartilhada e mediação familiar - uma parceria

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LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 7. ed. São Paulo: RT, 2017.MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. 12. ed. São

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2015.TARTUCE, Fernanda. Processo civil no direito de família: teoria e prática. 2. ed. Rio de Janeiro:

Forense; São Paulo: Método, 2017.______. Processo civil aplicado ao direito de família. São Paulo: Método, 2012.______. Processo civil: estudo didático. São Paulo: Método, 2011.TARTUCE, Flavio. A Lei da Guarda Compartilhada (ou alternada) obrigatória - Análise crítica

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WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O óbvio que não se vê: a nova forma do princípio dafungibilidade. Disponível em www.fernandatartuce.com.br/artigosdeconvidados. Acesso 11 mar.2015.

ZULIANI, Ênio Santarelli. Direito de Família e Responsabilidade Civil. Revista Magister de DireitoCivil e Processual Civil nº 45 – nov./dez. de 2011, p. 68-80.

Código Civil, art. 1583 § 1º.TARTUCE, Fernanda. Processo civil aplicado ao Direito de Família. São Paulo: Método, 2012, p. 279.ZULIANI, Ênio Santarelli. Direito de Família e Responsabilidade Civil. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, n. 45 –nov./dez. 2011, p. 72.

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VENOSA, Sílvio de Salvo. Guarda Compartilhada. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil , n. 22 – Jan/Fev 2008, p.18.GROENINGA, Giselle. Guarda compartilhada e relacionamento familiar. Algumas reflexões necessárias. Disponível em:<http://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/155509493/guarda-compartilhada-e-relacionamento-familiar-algumas-reflexoes-necessarias-por--giselle-groeninga>. Acesso em: 4 mar. 2015.Nos termos do art. 1584 do CC, a guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: “II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidadesespecíficas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe”.Eis outros excertos interessantes da decisão: “4) Na demanda em que um dos genitores reivindica a guarda do filho, constatando o juizque ambos demonstram condições de tê-lo em sua companhia, deve determinar a guarda conjunta, encaminhando os pais, senecessário, a acompanhamento psicológico ou psiquiátrico (ECA 129 III), para desempenharem a contento tal mister. Essa forma,com certeza, traz menos malefícios ao filho do que a regulamentação minuciosa das visitas, com a definição de dias e horários e aprevisão de sanções para o caso de inadimplemento (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias . 8. ed. rev. atual.RT, 2011, p. 444-445) (...) 8) No que tange ao pedido de exclusão ou redução dos valores fixados a título de pensão alimentícia a serprestado pela apelante, entendo que o montante de 20% sobre o salário mínimo, para cada filho, realmente extrapola a possibilidadeeconômica da apelante, que trabalha em meio período como diarista, bem como excede o valor que tem sido usualmente fixado pelajurisprudência em casos similares, em que ambos os genitores demonstram ter dificuldades financeiras para o sustento da prole. 9)Desta feita, enquanto ambos os filhos estiverem residindo com o genitor, deve a apelante permanecer prestando alimentos, os quaisfixo na razão de 15% do salário mínimo para cada filho. Advirto, no entanto, as partes de que qualquer alteração fática que justifiqueum novo ajuste no valor da prestação alimentícia deverá ser precedido da respectiva ação judicial (revisão ou exoneração dealimentos), face à eficácia executiva desta decisão (TJES; Ap 0005387-98.2010.8.08.0049; 4ª Câmara Cível; Rel. Des. ElianaJunqueira Munhos; j. 03.02.2014; DJES 17.02.2014).Eis a ementa completa da decisão: Apelação cível. Separação judicial consensual. Menor. Guarda materna. Melhor interesse da infante.Recurso não provido. 1. Na escolha de quem deve ter a guarda de filho, o juiz deve orientar-se pelo critério do melhor interesse domenor. 2. Inexistente pedido de guarda compartilhada, esta não deve ser imposta, sob pena de interferência inadequada do Estadonas relações familiares e desatendimento ao critério mencionado. 3. Apelação cível conhecida e não provida, mantida a guardamaterna da filha menor. (TJMG; APCV 1.0396.10.003212-9/001; Rel. Des. Caetano Levi Lopes; j. 07.07.2014; DJEMG21.07.2014).A redação anterior dizia que o juiz aplicaria a guarda compartilhada “sempre que possível”, o que na prática, dava ampla margem paraque a guarda unilateral fosse preferida.LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 187.LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 187-88.Segundo o § 1º do art. 1584 do Código Civil, “na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guardacompartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento desuas cláusulas”.TARTUCE, Fernanda. Processo civil no direito de família: Teoria e prática. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017,p. 321.BARBOSA, Águida Arruda. Guarda compartilhada e mediação familiar – uma parceria necessária. Revista Nacional de Direito deFamília e Sucessões, n. 1 – jul.-ago./2014. Disponível em <www.fernandatartuce.com.br/artigosdeconvidados>. Acesso em: 05mar. 2015.DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11. ed. São Paulo: RT, 2016, p. 516.PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de direito de família e sucessões. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 361-362.TARTUCE, Flavio. A Lei da Guarda Compartilhada (ou alternada) obrigatória – Análise crítica da lei 13.508/2014 – Parte I.Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI215990,51045-A+Lei+da+Guarda+Compartilhada+ou+alternada+obrigatoria+Analise>. Acesso em: 05 mar. 2015.TJDF, AC 0003018-87.2015.8.07.0016, 5ª Turma Cível, Rel. Des. Angelo Passarelli, j. em 17.05.2017, DJe 24.05.2017.TJSC, AI 4015893-61.2016.8.24.0000, 6ª Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Stanley Braga, j. em 20.06.2017.Eis caso em que a sucumbência foi aplicada: Apelação cível. Separação litigiosa. Alimentos. Valor fixado. Binômionecessidade/possibilidade. Guarda compartilhada. Deferimento. Reconvenção. Sucumbência. Princípio da causalidade. 1. Os valoresfixados tanto para a cônjuge virago como para o menor, em um total de 15 (quinze) salários mínimos, estão adequados para suportar

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os gastos tidos como essenciais, tais como moradia, energia elétrica e alimentação. 2. O deferimento da guarda compartilhada, incasu, está perfeitamente em consonância com os fatos e as provas carreados aos autos, não ensejando, neste momento, qualqueralteração do julgado. 3. Se a apelante promoveu a reconvenção, a qual foi julgada improcedente, pelo princípio da causalidade deveresponder pelas verbas da sucumbência. 4. Recurso conhecido, porém improvido. (TJPA; APL 20103022806-4; Ac. 117641; Belém;2ª Câmara Cível Isolada; Rel. Des. Célia Regina de Lima Pinheiro; j. 18.03.2013; DJPA 22.03.2013; p. 108).TJMS; APL 0002879-50.2012.8.12.0001; Campo Grande; 3ª Câmara Cível; Rel. Des. Eduardo Machado Rocha; DJMS 05.12.2014; p.9. Também em precedente do TJES houve tal entendimento: “Apelação cível. Família. Ação de modificação de cláusula de acordojudicial. Guarda. Interesse da menor. Paridade de condições dos genitores. Preservação do interesse do menor. Demanda comnatureza dúplice. Pedido contraposto em sede de contestação. (...) a apelada, em contestação, requereu a guarda unilateral damenor, o que é plenamente lícito em demandas dessa espécie, cuja natureza jurídica é considerada dúplice, ou seja, o réu pode fazerpedido contraposto independentemente de reconvenção (...)” (TJES; AC 14080081640; 3ª Câmara Cível; Rel. Des. RonaldoGonçalves de Sousa; DJES 24.02.2011; p. 3).DEMARCHI, Juliana. Ações dúplices, pedido contraposto e reconvenção. Disponível em:<http://www.juspodivm.com.br/novo/arquivos/artigos/processo_civil/acao_duplice.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2015.DEMARCHI, Juliana. Ações dúplices, pedido contraposto e reconvenção, cit.DEMARCHI, Juliana. Ações dúplices, pedido contraposto e reconvenção, cit.MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. 12. ed. São Paulo: RT, 2014, p. 147.STJ, 4ª Turma, Resp 1.085.664 – DF, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, j: 03/08/2010.A clássica previsão de possível formulação de pedido contraposto na ação possessória foi repetida no CPC/2015: segundo o art. 556, élícito ao réu, na contestação, alegando que foi o ofendido em sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelosprejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor.TARTUCE, Fernanda. Processo civil no direito de família: teoria e prática, cit., p. 88.TARTUCE, Fernanda. Processo civil aplicado ao Direito de Família, p. 78.TARTUCE, Fernanda. Processo civil: estudo didático. São Paulo: Método, 2011. p. 104.Eis precedente em que a reconvenção foi utilizada e acolhida: Direito de Família. Ação de modificação de guarda ajuizada pelo genitor.Sentença que julgou improcedente o pedido inicial e procedente a reconvenção, conferindo a guarda dos menores à genitora.Pretendida a manutenção da guarda compartilhada anteriormente convencionada em acordo judicial. Impossibilidade. Estudo socialque demonstrou os conflitos existentes entre os genitores. Constatação, ademais, de que os menores se encontram em situaçãoregular, com amparo material, educacional e moral, bem como que a genitora possui condições socioafetivas de criar os filhos.Inviabilidade de adequação ao instituto da guarda compartilhada ante a não comprovação de relacionamento harmônico entre aspartes. Sentença mantida. Recurso desprovido. “A razão primordial que deve presidir a atribuição da guarda em tais casos é ointeresse do menor, que constitui o grande bem a conduzir o juiz, no sentido de verificar a melhor vantagem para o menor, quanto aoseu modo de vida, seu desenvolvimento, seu futuro, sua felicidade e seu equilíbrio” (Strenger, Guilherme Gonçalves. Guarda de filhos.São Paulo: Ltr, 1998, p. 56). (TJSC; AC 2013.017119-6, Criciúma, Terceira Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Marcus TúlioSartorato, j. em 28.05.2013, DJSC 03.06.2013, p. 178).TJDF; Rec 2011.01.1.068680-7; Ac. 814.092; Terceira Turma Cível; Rel. Des. Silva Lemos; DJDFTE 28/08/2014; p. 134.Ao ponto, vale lembrar a lição: “O caráter dúplice de determinados pedidos de tutela decorrem de peculiaridades do direito material, nosentido de que a simples improcedência do pedido do autor confere provimento jurisdicional que assegura um bem da vida ao réu”(DEMARCHI, Juliana. Ações dúplices, pedido contraposto e reconvenção, cit.).WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O óbvio que não se vê: a nova forma do princípio da fungibilidade. Disponível em:<www.fernandatartuce.com.br/artigosdeconvidados>. Acesso em 11 mar. 2015.AMENDOEIRA JR., Sidnei. Fungibilidade de meios. São Paulo: Atlas, 2008, p. 11.(...) é de se receber o pedido contraposto como reconvenção em homenagem aos princípios da fungibilidade, instrumentalidade dasformas, aproveitamento dos autos, economia e celeridade processual. (...) (TJMS; AC-Ex 2011.019589-1/0000-00; Campo Grande;Terceira Turma Cível; Rel. Des. Marco André Nogueira Hanson; DJEMS 31/08/2011; Pág. 29); Rito sumário. Contestação recebidacomo pedido contraposto. Aplicação dos princípios da fungibilidade, instrumentalidade das formas, celeridade e economia processual.Reconvenção a ser recebida como pedido contraposto. Admissibilidade. Agravo desprovido. (TJSP; AI 990.10.331925-7; Ac.4839933; Barra Bonita; Oitava Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Ribeiro da Silva; Julg. 24/11/2010; DJESP 16/12/2010).

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37 Eis trechos das decisões, com transcrição das partes pertinentes de suas ementas: “1. Apesar de cabível a apresentação dereconvenção, no procedimento especial que rege a alienação fiduciária em garantia, não é possível receber, com base no princípio dafungibilidade, simples petição contendo. Pedido contraposto, exclusivo do rito sumário, como a intentada pela parte recorrente, maisainda quando a referida peça não preenche os requisitos da citada defesa (...) (TJDF; Rec 2014.06.1.014165-4; Ac. 849.274;Terceira Turma Cível; Rel. Des. Gilberto Pereira de Oliveira; DJDFTE 02/03/2015; p. 240); (...) rejeitado pedido contraposto – meiojurídico inadequado – cabível reconvenção em ação petitória – ausência de natureza dúplice – inaplicável o princípio da fungibilidadepor não haver dúvida sobre a forma de formulação de pedidos pelo réu, sem contar que os procedimentos processuais entre osinstitutos são muito diversos ausência de prejuízo ao réu que poderá formular os pedidos em ação autônoma própria (...) (TJSP; AI2228077-16.2014.8.26.0000; Ac. 8186947; Tupã; Quinta Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Moreira Viegas; Julg. 04/02/2015;DJESP 23/02/2015).

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GUARDA COMPARTILHADA – A EFETIVIDADE DO PODERFAMILIAR

GISELLE CÂMARA GROENINGA

Sumário: 1. Apresentando a perspectiva – 2. Família – Funções, identidade – 3. Guarda e abuso depoder – herança de outros tempos? – 4. Uma etapa necessária – a guarda compartilhada – 5.Sofrimento e exclusão são sintomas de doença que toca o sistema – 6. O modelo tradicional de família,o modelo psíquico e o modelo real – 7. Avanços e retrocessos quanto ao compartilhamento da guarda –8. Questões da atualidade – 9. E o mais importante: o conceito de parentalidade e a necessidade deoutras abordagens dos impasses relativos à guarda – 10. Para finalizar – Bibliografia.

“Se, em lugar dos dogmas impostos pelas autoridades, deixássemos exprimir--se a faculdade dejulgamento independente presente em cada um, mas atualmente em grande parte reprimida, a ordemsocial não subsistiria menos. É verdade que surgiria possivelmente uma nova ordem social que nãoseria necessariamente centrada de modo exclusivo nos interesses de alguns poderosos” – SàndorFerenczi1.

APRESENTANDO A PERSPECTIVA

Sob a ótica da perspectiva interdisciplinar, que procura congregar Direito e Psicanálise, tenhoacompanhado a progressiva difusão da ideia de compartilhamento da guarda. Foi-me dada aoportunidade de participar de comissão para estudos de projeto de lei no Instituto Brasileiro deDireito de Família – IBDFAM, bem como analisar a questão em diversas ocasiões2.

As ideias então expostas são as que, de forma atualizada, trago como um convite a uma leiturainterdisciplinar numa modesta contribuição na atualização de tão importante obra temática.

Como o assunto traz diversas vertentes de abordagem, optei por dividir em tópicos de leituraopcional conforme a curiosidade e profundidade almejadas.

Além dos estudos e do atendimento a pais e filhos – em Psicanálise –, a elaboração depareceres em processos judiciais trouxe-me a experiência direta do descompasso processual elegislativo em colaborar com as famílias em transformação no enfrentamento das dificuldadestrazidas com as separações, termo que utilizo aqui lato sensu.

Evidente é o desafio em formular uma lei que envolva a relação entre os pais e destes com seusfilhos, após a separação, dado seu objeto serem relacionamentos familiares que, além de cambiantes

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por sua própria natureza, encontram-se em momento de crise quando da separação. Ademais, osrelacionamentos sociais e os familiares têm se transformado com velocidade impressionante e, nestesentido, o papel do Judiciário e da lei também tem se modificado, como o atestam as cláusulasabertas do Código Civil e a crescente atribuição de um papel educativo à lei.

É preciso dizer, desde já, que o tema é candente, não só no Brasil, como em diversos lugares domundo. E as recorrentes insatisfações com a legislação são, em parte, frutos da insegurança eangústia relativas às profundas modificações sociais pelas quais estamos passando, bem como asdificuldades do Judiciário e da sociedade em encaminhar tais questões.

A primeira Lei da guarda compartilhada, nº 11.698, de 13 de junho de 2008, representouimportante mudança de paradigma ao contemplar as relações familiares, sobretudo em seus aspectoscomplementares. No entanto, alguns importantes avanços então obtidos, do meu ponto de vista,correm o risco de se perder na nova Lei 13.058 de 22 de dezembro de 2014, como terei oportunidadede expor. Grosso modo, este artigo traz duas vertentes. Uma trata mais das justificativas do porquêda guarda compartilhada, a outra aborda alguns dos questionamentos havidos em função daaprovação da primeira lei e daquela agora em vigor.

No Direito de Família central é o tema do exercício da parentalidade e da filiação e a inter-relação de seus aspectos jurídicos e psíquicos. E estes aspectos – os psíquicos e mais subjetivos –têm sido, felizmente, cada vez mais abrigados pelo Direito de Família, que contempla, com estainclusão e com o afeto elevado a um valor jurídico, o direito a ser humano e o direito a se ter umafamília a despeito das transformações decorrentes das separações, ou mesmo no caso em que não setenha constituído um casal conjugal.

É ao paradigma da complexidade, que contempla a importância das relações dos pais com osfilhos e daqueles entre si, e de maior proximidade da verdade das relações, dos vínculos familiares,que o instituto da guarda compartilhada viria a atender.

No entanto, as importantes evoluções havidas em relação à relevância do relacionamentofamiliar com ambos os pais, desdobraram-se, basicamente, em dois caminhos: um que contempla orelacionamento dos pais entre si e, assim, o conceito de parentalidade que implica nacomplementariedade das funções materna e paterna; e outro que acaba por considerar o exercício dasfunções parentais como paralelas e não necessariamente complementares.

A estes dois caminhos subjazem duas estratégias em abordar os conflitos que se transformamem lides judiciais nas disputas pela guarda. O primeiro implica em reconhecer o conflito e asdificuldades que lhe são inerentes nas disputas judiciais. O segundo caminho parece adotar aestratégia de que a divisão da guarda teria o condão de prevenir as tentativas de alienação parental emesmo evitar o conflito.

Finalmente, cabe ainda esclarecer nesta introdução que, a partir de um ponto de vistainterdisciplinar, as questões relativas à guarda dizem respeito ao exercício disfuncional e

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desequilibrado do Poder Familiar. A guarda é um dos atributos do Poder Familiar, mas que tem setornado modo privilegiado de seu exercício. Em meu entendimento, tal distorção confunde a parte –guarda – pelo todo – Poder Familiar, exacerbando as disputas.

FAMÍLIA – FUNÇÕES, IDENTIDADE

São, sobretudo, os filhos que marcam a passagem da família da esfera privada para a esferasocial. Com os filhos, o casal conjugal, quando formado, torna-se também casal parental e àsidentidades de homem e mulher agregam-se as de pai e mãe, com todo o peso e expectativasindividuais e sociais carreadas por estas funções. Com os filhos, modifica-se a permeabilidade dafronteira familiar, havendo maior intercâmbio com o meio social e também controle por parte dasociedade e do Estado. As crianças, que há um tempo praticamente pertenciam aos pais, ou emtempos idos ao pai, passaram paulatinamente a ser consideradas em sua individualidade – sujeitos dedireitos – objetivos e subjetivos, e a serem passíveis da proteção do Estado. Esta mudança quanto àsnecessidades específicas das crianças e adolescentes contou com a contribuição relativamenterecente na história do Direito do conhecimento trazido pela Psicologia e Psicanálise.

Ainda como importante contribuição da Psicanálise e da Sociologia para a compreensão dasfamílias e o lugar da criança, cabe dizer que a lei primeira que organiza as relações familiares é umalei psíquica – o tabu do incesto, e que marca a diferença entre as gerações – entre pais e filhos, eentre funções – conjugal, materna, paterna, parental, fraterna e filial. O interdito do incesto é leinecessária à constituição do psiquismo e da subjetividade dos filhos – é na família que nosconstituímos como sujeitos e em nossa humanidade. É este interdito o que empresta uma primeiraorganização às relações sociais.

E são estas diferenças entre adultos e crianças, entre gerações e entre funções, materna epaterna, entre conjugalidade e parentalidade que, muitas vezes, se veem borradas nos impasseslevados ao Judiciário.

De importância, dentro da perspectiva do tema está o conceito de função que implica nacomplementaridade inerente às relações familiares. Cabe trazer a definição de função dada por J. J.Calmon dos Passos3, para quem o que caracteriza a função é que ela é sempre atividade voltada parauma finalidade que nos transcende, que nos supera, não bastando defini-la como modo de ser ouoperar de um direito, de uma instituição, etc. A função implica sempre em estar a serviço de outrem.Neste sentido também se fala que o poder parental é um munus, do qual decorrem mais deveres doque direitos. No entanto, o que vemos muitas vezes, na prática, é uma inversão, em que os deveressão utilizados mais como direitos por parte dos pais. E, no seio das disputas, com frequência oSuperior Interesse da Criança e do Adolescente acaba por ser mera figura de retórica.

Em tempos de complexidade e, por vezes, de fugacidade ou liquidez dos relacionamentos, emtempos de modificação no exercício dos papéis e na hierarquia das relações – e tudo isto somado a

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um impressionante crescimento dos divórcios –, a organização e reorganização das relações entrepais e filhos, e daqueles entre si, têm sido, direta ou indiretamente, objeto da intervenção do Estado edos profissionais – não só do Direito, mas da saúde mental.

Aponto que as relações, embora sejam objeto de intervenção por parte do Estado, nãonecessariamente recebem o devido cuidado e respeito às várias possibilidades e à liberdade deorganização familiar.

A família, quando se transforma e foge ao modelo tradicional, fica suscetível a toda uma sortede interferências e, muitas vezes, encontra-se vulnerável a ideologias que não contemplam suasingularidade e forma particular de organização. Em outras palavras, os modelos de guardaunilateral, em geral materna, atendiam a uma organização social e ideológica que hoje pode semostrar extemporânea para algumas famílias transformadas, mas não necessariamente para outras. Eainda, como apontarei no decorrer deste artigo, há basicamente duas formas de se considerar arelação entre pais e filhos: como paralela ou complementar.

Ao longo dos últimos anos, eram predicados da família e, em parte, integravam sua identidade,o modelo tradicional com a matrimonialização, a sacralização, a patrimonialização e biologizaçãodas relações. É certo que sempre estiveram presentes o afeto, os sentimentos e a subjetividade comosua natureza essencialmente constitutiva, embora, até recentemente, estes não fossem reconhecidoscomo valores no seio do Direito de Família.

Mas, seja como for, a família sempre foi e vai além da forma que instituições, saberes epoderes lhe queiram imprimir e ela tem, até aqui, resistido, não sem luta, à homeostase que lhe seriamortal. Ao longo dos séculos algumas de suas características sofreram mudanças e, sob a ótica atual,o modelo tradicional tem se modificado com as transformações sociais, a ampliação da liberdadeindividual e dos direitos da personalidade – aspectos que emergem nas questões relativas à guarda.

Atualmente, o conceito de família é o eudemonista, em que cada um busca a realização dosrecursos e direitos da personalidade, o que implica no exercício das funções – conjugal, materna,paterna, parental, filial, fraterna, avuncular – e no respeito a estes direitos de todos os seusintegrantes. Ademais, a família é vista como um sistema em que os integrantes exercem funçõescomplementares, o que implica em que não mais ela seja pensada de forma dividida, como o fazia alegislação anterior a respeito da guarda e como parece ser a ideologia que considera as relaçõesentre pais e filhos como paralelas e não complementares.

Do meu ponto de vista, muito indica que o novo diploma legal, que veio a substituir a anteriorlei a respeito da Guarda Compartilhada, acabou por não dar a devida relevância à necessáriacomplementaridade das funções parentais.

Ainda como alerta a alguns impedimentos quanto à consideração da família como um sistema derelações complementares, importante frisar que ocorre uma confusão na divisão que se faz ao se falardo Princípio do Superior Interesse da Criança e do Adolescente como se este fosse contrário aointeresse dos pais. O direitos destes, enquanto no exercício de suas funções, são complementares ao

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interesse dos filhos. O Superior Interesse da Criança e do Adolescente traduz a finalidade primeirada família, estruturada como um conjunto de funções, que são o cuidado e a proteção dos maisvulneráveis. E ainda, em consequência do conceito de sistema e funções, é necessário dizer que oque afeta a um dos membros, necessariamente afetará aos demais. Neste sentido, é logicamenteimpossível dissociar a parentalidade, considerando as relações entre a mãe e os filhos e entre o pai eos filhos como se paralelas fossem.

Tendo em vista a complexidade das relações e a ampliação do nosso conhecimento econsciência dos direitos, inclusive, mesmo que indiretamente, do que tem sido nomeado como direitoao afeto e suas consequências, as questões relativas à reorganização das relações entre pais e filhosque chegam ao Judiciário, resistem a serem tratadas de forma simplista. E a interdisciplina tem tidopapel fundamental neste processo de conscientização da complexidade dos relacionamentos e damultideterminação dos conflitos e impasses. Conflitos que, quando levados ao Judiciário, sãosintomas de relações disfuncionais.

Neste sentido é que trago aqui o alerta ao conceito que parece subsidiar a nova lei que, aotentar corrigir dificuldades da lei anterior quanto à sua efetivação, suprimindo a expressão “sempreque possível”, acabou indiretamente por privilegiar o exercício paralelo das funções parentais.

Finalmente, cabe dizer que em tempos de modificações sociais profundas, da necessidade deconsideração das relações familiares em sua complexidade, das mudanças em relação àflexibilização quanto ao exercício dos papéis e direitos da personalidade não só dos filhos mastambém dos pais, centrar as discussões na guarda pode levar a priorizar importantes questõesobjetivas de tempo e espaço em detrimento do que fundamenta as relações familiares e mesmo de suacontinuidade, bem como em detrimento do conceito mais amplo, que é o de Poder Familiar.

GUARDA E ABUSO DE PODER – HERANÇA DE OUTROS TEMPOS?

A ideia de guarda compartilhada, além de estar em sintonia com a organização social atual,quebra a herança de outros tempos de uma rígida divisão de papéis e funções. Ela explicita ocompartilhar das responsabilidades que resultam em formas de relacionamento familiar, em temposque não mais a mulher tem a exclusividade na criação dos filhos, e em que crescente é a consciênciada importância da função paterna. É preciso dizer que o relacionamento que esta modalidade deguarda busca contemplar atende à criança em sua necessidade em contar com o pai e com a mãe, etambém a uma legítima reivindicação dos homens, que descobriram a realização em exercer apaternidade e a parentalidade, e à necessidade das mulheres em ter tempo para investir na realizaçãoprofissional. Contudo, devo também dizer que a reivindicação é de parte da sociedade que temsentido os efeitos do aumento dos divórcios e a falta de sintonia da lei em regular os relacionamentosfamiliares após a dissolução do casal conjugal, bem como aos efeitos do abandono paterno-filial.

Não mais se pode ignorar que um crescente número de lares é mantido exclusivamente por

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mulheres e muitos filhos são criados sem relacionamento com o pai; isso sem falar do alarmantenúmero de crianças que contam somente com o nome da mãe na certidão de nascimento.

A esta realidade atende a mudança de paradigma que a lei da guarda compartilhada trouxe,enfatizando a responsabilidade conjunta, aliás, já contida no Poder Familiar.

Muitas vezes, a realidade das relações demonstra que, pós-separação, as funções que eramexercidas de forma complementar enquanto os pais estavam juntos, quando do divórcio acabamsendo distorcidas. Para citar algumas: os abandonos, as diversas formas de competição, a atribuiçãode culpas e indevido exercício do poder, e verdadeiros abusos de direitos. É inegável que a guardaúnica, com o complementar direito de visitas e fiscalização, modelo vigente até há pouco tempo emnosso país, acabava, muitas vezes, propiciando o afastamento entre filhos e pais, o uso indevido edesbalanceado do poder, e fomentando a competição e o egoísmo. Era um modelo extemporâneo àsrelações atuais.

A estes aspectos – de competição, atribuição de culpas e abuso de poder –, muitas vezes alegislação, o Judiciário e os operadores jurídicos faziam e fazem eco, tornando-se “sócios ocultos”dos conflitos que se viam indevidamente insuflados. Por outro lado, a primeira lei da guardacompartilhada acabava por vezes por incrementar o litígio com fins de demonstrar a impossibilidadede entendimento entre o casal parental.

Cada vez mais têm sido chamados a uma ampliação da consciência ética aqueles que atuam comas famílias, sobretudo no tocante às questões que envolvem a guarda de filhos. A Psicanálise muitotem contribuído ao aprofundar a consciência ética dos operadores jurídicos apontando a influência,consciente e inconsciente, que estes exercem nas famílias em conflitos.

É inegável a fragilidade psíquica do casal conjugal que se separa e, muitas vezes, em indevidasubstituição de uma aliança que se tira do dedo, buscam-se outras – não só com os filhos que perdemseu lugar enquanto tais, mas também com profissionais que se tornam instrumentos das mais diversastentativas de mitigar as dores, os ressentimentos e as raivas. Está dado o cenário para quecomportamentos antes de cooperação, altruísmo e solidariedade, muitas vezes se transformem emcompetição e egoísmo.

Neste cenário de vulnerabilidade, a responsabilidade conjunta pode transformar-se naatribuição infantilizada de culpas e no mau uso do Princípio do Superior Interesse da Criança e doAdolescente. Nesta situação, o que seria o altruísmo próprio ao amor, na verdade esconde interessesegoístas de adultos fragilizados e impotentes em suas funções parentais. Observe-se que falo aqui decomportamentos observáveis de altruísmo e egoísmo, que traduzem o valor da solidariedade ou dasua ausência.

Pelo pouco que foi exposto, claro é que a guarda unilateral, quando aliada ao abuso do PoderFamiliar, tornou-se não só extemporânea aos valores e necessidades atuais da família, como também,muitas vezes, podia contribuir com o acirramento das dificuldades.

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E, como apontado, no caso da lei anterior, nº 11.698, de 13 de junho de 2008, a expressão“sempre que possível” dava margem para um acirramento dos conflitos, uma vez que a interpretaçãoprevalente era de guarda unilateral na falta de entendimento entre o casal parental. Assim, lia-se noArt. 1584, § 2.º: “Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, seráaplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.”

Friso que a lei anterior previa o recurso às equipes interdisciplinares no art. 1.584, § 3.º da Lei11.698: “Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guardacompartilhada, o juiz de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se emorientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar”. Recurso este mantido no mesmo §3.º mas que, no entanto, prioriza a questão do tempo reservado a cada um dos pais: “Paraestabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guardacompartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se emorientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisãoequilibrada do tempo com o pai e com a mãe.” (grifos da autora).

O que se depreende é a ideia de que a ênfase na questão temporal resolveria as desavenças e/oupacificaria as relações. Ao que muito indica, o compartilhamento corre o risco de ser transformado,assim, em alternância.

Ademais, na tentativa de resolver mais objetivamente as desavenças, não mais foi colocada aprioridade no casal parental, e sim em cada pai individualmente.

UMA ETAPA NECESSÁRIA – A GUARDA COMPARTILHADA

A guarda compartilhada surgiu em função de uma série de fatores, como alguns apontadosacima. À medida que foram se modificando as relações sociais e o exercício das funções, e aumentouo número de divórcios, evidenciaram-se suas consequências nas famílias transformadas, e ampliou-se a necessidade, e mesmo a pressão, para um tratamento diferente da questão.

Assim, como produto da reivindicação da devida consideração das novas formas derelacionamentos e, sobretudo, da importância dos afetos e do exercício das funções, e emconsequência dos impasses relativos ao exercício da parentalidade pós-separações, surgiu o institutoda guarda compartilhada. Ela encerra os anseios advindos das transformações por que passam asfamílias e os embates em que, por vezes, encontravam-se os casais de pais. Embates que, no entanto,do meu ponto de vista, não foram enfrentados com a nova lei.

E, ainda, com as modificações sociais havidas no exercício dos papéis e nas formas deexercício do poder e autoridade, que se traduzem, inclusive na mudança de Pátrio Poder para PoderFamiliar, foi ocorrendo, na prática, uma confusão entre guarda e Poder Familiar, ao mesmo tempo emque se evidenciava que as divisões de direitos e deveres não mais atendiam à realidade dosrelacionamentos. Entendo que o respeito ao Poder Familiar em sua extensão em muito evitaria os

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litígios e as confusões ao redor da guarda. E é esta confusão, entre Poder Familiar e guarda, edesbalanceamento quanto ao uso dos poderes que a guarda compartilhada veio tentar corrigir.

O desrespeito em relação ao Poder Familiar, quando dissociado do que lhe é essencial – odever, e o uso perverso de seus atributos que ficam divididos com a separação (guarda, fiscalização,visitas) devem-se a diversos fatores que envolvem os pais em crise, à legislação até então em vigor,à dinâmica processual e ao concurso dos operadores jurídicos. Este tema encarna, também, asdificuldades enfrentadas pelas famílias ao afastarem-se dos ideais tradicionais, e as dificuldadesadvindas da legislação e do tratamento que recebem do Judiciário e de seus operadores.

Por parte da legislação, mesmo com o entendimento amplo do conceito de Poder Familiar,restava a contradição de que este é um direito que não se perde com a separação, salvo o direito deconvivência do genitor não guardião, conforme rezava o art. 1.632. Assim, o Código Civil emsentido inverso ao ECA, ao Princípio do Superior Interesse da Criança e do Adolescente, e à própriaConstituição, previa a restrição ao direito de convivência, cabendo ao não guardião o estranhodireito de visitas. Nome que nada tem a ver com as relações pais-filhos, sendo lícita tal denominaçãosomente na formalidade que pode se criar entre ex-cônjuges e que, felizmente, não integra a nova leida guarda compartilhada. Talvez, e aqui trago uma provocativa questão: não bastaria apenas amodificação do referido artigo? No entanto, seja como for, muitas e profícuas são as discussõesensejadas pela lei em análise.

Cabe dizer que o conhecimento de que a família é um sistema composto de funçõescomplementares implica em considerar que, na verdade, o Superior Interesse da Criança e doAdolescente é indissociável do Superior Interesse da Família – princípio que, no meu entender, deveprevalecer no sentido de reforçar o conceito de função, além de alertar para o uso pervertido quemuitas vezes é feito daquele Princípio. Numa família – composta de funções complementares –devem ser considerados os Direitos da Personalidade de todos os seus integrantes, e a este clamor,que inclui legítimos direitos dos pais, é que atende também a guarda compartilhada.

Cabe repetir o alerta relativo à importância e responsabilidade dos operadores jurídicos e dosda saúde mental em dispensar maior cuidado à dinâmica que diz respeito às relações entre pais edestes com seus filhos pós-separação, e mesmo nos casos em que não se formou o casal conjugal. Emtodos os casos, o estabelecimento ou a preservação das relações parentais só é possível quando hácomunicação, por mínima que seja. E se faz necessário que os operadores jurídicos envidemesforços para que a comunicação se estabeleça e não que esta se quebre, ou que sua necessidade sejaignorada. É a continuidade das relações entre o casal parental que a guarda compartilhada deveriavisar, ressaltando a corresponsabilidade – prefixo que aqui utilizo apenas para enfatizar – dos pais epassando a mensagem de que estes devem ter um entendimento mínimo que seja em função dos filhos.

Entendo que o que está em questão na guarda compartilhada é muito mais o que deveria ser oprincípio norteador das relações entre pais e filhos após a separação. E ela tem o mérito de colocarem questão aspectos novos na divisão dos papéis e no exercício das funções familiares. E esta é, no

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meu entendimento, uma das grandes mudanças trazidas com a primeira lei, de 2008, um avanço quepode se perder com a nova lei de 2014.

Seja como for, a guarda compartilhada enseja também resistências, algumas compreensíveis,outras nem tanto, como veremos.

SOFRIMENTO E EXCLUSÃO SÃO SINTOMAS DE DOENÇA QUE TOCA O SISTEMA

O equilíbrio das relações familiares e o respeito às suas transformações, imprimindo a ótica daresponsabilidade e não a da culpa, é o que dá o sentido e a responsabilidade dos esforços dosoperadores do direito e os da saúde, no campo das ideias, dos ideais e da prática, em face daquelesque nos procuram. A tentativa deve ser a de procurar diminuir o sofrimento e mesmo evitar que elese exacerbe. É verdade que a separações trazem sofrimento, mas havemos de reconhecer que há umagrande dose dele que é indevidamente causada.

O sofrimento indevido na família é, em sentido lato, sintoma de relações disfuncionais, i.e., oexercício desbalanceado das funções. Dentro do possível e no escopo de cada especialidade, a estessintomas cabe aos operadores do direito desvendar, interpretar e colaborar em desfazer. Aosprofissionais da saúde cabe a compreensão dos aspectos subjetivos de modo que os profissionais dodireito possam buscar a objetividade quanto ao exercício dos direitos e deveres.

É preciso dizer que o destino que encontravam as relações paterno-filiais após a separaçãorepresenta o sintoma de uma “doença” de proporção endêmica, talvez epidêmica, que é a da ausênciados pais no cotidiano das famílias e, inversamente proporcional, a carga de responsabilidadeatribuída às mães.

Não se trata, assim, da valorização do modelo tradicional de família, mas cuida-se, sim, doquestionamento do significado atribuído a este modelo e às suas variações, e do quanto o modelo deguarda única fomenta a sintomática exclusão do pai.

Por outro lado, o risco que se corre com a nova lei da guarda compartilhada é a divisão docasal parental, e mesmo a exclusão e “alienação” do casal parental na tentativa, justamente, de secoibir a alienação de um dos pais. A isto, à uma consideração paralela e não a uma visãocomplementar dos vínculos, devemos estar atentos.

O MODELO TRADICIONAL DE FAMÍLIA, O MODELO PSÍQUICO E O MODELOREAL

O conhecido modelo tradicional de família confunde-se com o modelo que mentalmente temosde família, que é baseado na biologia – em que são necessários dois para formar um. Partindo-sedeste modelo, demos um passo fundamental em nossa evolução psíquica e social, desde osprimórdios da formação das famílias, em que se estabeleceu a correlação causal entre a concepção eo nascimento, criando-se o vínculo paterno consequente a esta correlação.

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O vínculo paterno implica o necessário reconhecimento e o referendar o pai por parte da mãe.O Direito reflete bem a realidade psíquica ao reconhecer que a mãe é certa, e não o pai – vez queeste necessita ser por ela nomeado, o que vale na moeda afetiva das relações mais do que um selotemporal do filho nascido na constância do casamento, ou de um teste de DNA. Nas famílias, sejamoriginais ou transformadas, é sempre importante o referendar da figura paterna pela mãe. Contudo,sabemos que isto nem sempre ocorre. E os casos de alienação parental assim o demonstram. Noentanto, embora o Estado possa tentar “suprir” tal referendamento, a experiência demonstra que este,por si só, não é suficiente.

E na tentativa em igualar direitos, muitas vezes tenta-se igualar as diferenças entre funçãomaterna e paterna, como se pai e mãe fossem iguais entre si e para os filhos. Muitas vezes, anseia-seque a guarda compartilhada venha a atender a este tipo, pode-se dizer, de fantasia e de confusão – dedesconhecimento das diferenças em nome da igualdade de direitos, passando-se por cima dacomplementaridade das funções e consequente solidariedade das relações. Com esta confusão,perdem os filhos e os pais – em seu Direito à Diferença.

O modelo triangular, baseado na biologia e mentalmente traduzido e interpretado criando asrelações familiares, transformou-se, ao longo dos tempos, no modelo social sacralizado, mais oumenos permeado de ideologias e idealizações. Não devemos esquecer que o modelo do triângulo étambém o modelo que psiquicamente desejamos, e parte da resistência às novas configurações e asdificuldades das separações advém inclusive deste determinante, altamente subjetivo. Filhos de paisseparados, por melhor que tenha sido a elaboração da situação, trazem, muitas vezes em seuinconsciente, mesmo quando adultos, o desejo de união destes pais. Este desejo natural pode tornar-se ressentimento quando os filhos são desconsiderados e usados nas separações. Da mesma forma,não basta geometricamente desfigurar o que é um triângulo, cujos vértices de referência para osfilhos variam de acordo com suas fases de desenvolvimento psicológico.

O modelo tradicional de família também foi reconhecido, muitas vezes indevidamente exaltadoe tomado em sua concretude pela Psicologia, como o modelo produtor de indivíduos saudáveis. E,acreditando-se numa receita para a normalidade, ou normopatia, prescreveram-se e prescrevem-seformas de relações e condutas, e se reprovam e coíbem-se outras. Nas situações dos impasseslevados ao Judiciário, prescrevem-se doses de mãe e de pai, tais qual a posologia de medicamentos,variando conforme a época e a ideologia prevalente.

É inegável que, em alguma medida, ainda impera o modelo da mãe “dona” dos filhos e do pai“dono dos bens”, o que leva a uma série de abusos, de ambos os lados. Guarda e visitas são herançasde um modelo de família em bloco, em que o Pátrio Poder era exercido pelo homem. A separaçãoimplicava não na transformação, mas na divisão da família e, provavelmente, o instituto da guarda foicriado como forma de atribuir à mulher um status legal, à época em que o Pátrio Poder era exercidopelo homem, e tendo-se em vista que, com a separação, era a mulher, em geral, quem ficava com osfilhos.

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Antes, prescreviam-se aos pais finais de semana alternados, depois, am-pliaram-se para opernoite durante a semana. Aponto que se deve ter o mesmo cuidado em relação à prescrição docompartilhamento da guarda, um princípio norteador da responsabilidade solidária que existe entreos pais – deve-se ter claro seu significado e que ela contempla arranjos particulares e específicos acada família. Com a guarda compartilhada não se trata de ir para o extremo oposto em desconsiderara necessidade de organização da rotina. Também é necessário apontar que a flexibilidade maior quepode existir com a ideia de guarda compartilhada não implica em transferir a responsabilidade darotina para os filhos, e para o desejo destes. É necessário cuidado redobrado para que estes nãoutilizem a possibilidade de convivência para elidir os necessários confrontos e dificuldades dosrelacionamentos entre pais e filhos. E para que os pais não elidam os necessários ajustes entre si, eque variam ao longo do ciclo de vida dos filhos.

A vantagem e a desvantagem da guarda compartilhada podem estar na flexibilidade dos arranjosao longo do tempo. Tudo vai depender da capacidade de comunicação entre os pais e de seujulgamento do que são as necessidades dos filhos e da família transformada. Novamente aponto aimportância da comunicação entre o casal parental e, neste sentido, há, além do recurso aosprofissionais da Psicologia e Psicanálise, o recurso previsto em lei às equipes interdisciplinares e,ainda, o recurso à Mediação Interdisciplinar como importante ferramenta de estabelecimento ourestabelecimento da comunicação.

AVANÇOS E RETROCESSOS QUANTO AO COMPARTILHAMENTO DA GUARDA

A Lei 11.698 teve, mais do que tudo, o mérito de trazer à discussão a necessidade da legislaçãoe do tratamento que as famílias recebem no Judiciário em acompanhar as novas bases sobre as quaisse assenta a família. Atualmente, torna-se cada vez mais claro que o seu “contrato” é, antes de maisnada, o afetivo, em suas diversas manifestações, sendo que, na família, o que deve prevalecer doafeto é o seu aspecto de amor, cuidado e solidariedade. E o relacionamento familiar e as diversasformas de convivência são a via de estabelecimento do afeto e de seu necessário balanceamento. Daía importância do respeito a este direito – o do relacionamento familiar, tanto dos filhos quanto dospais, tendo-se em vista seus Direitos da Personalidade.

Devemos ter em mente que o Direito evolui num movimento dialético de transformação eestagnação, de progressão e regressão, de aceitação e de resistências. Assim também se dá com asnovas leis que refletem as mudanças nas relações, mas que também podem ter seu uso pervertido, eacabar por serem utilizadas mais como retrocesso do que como um efetivo avanço. E a estemovimento é necessário estarmos atentos.

É preciso alertar que as mudanças – defendidas com a guarda compartilhada – correm o riscode, muitas vezes, ter o destino em serem “mudanças para não mudar”.4 A guarda compartilhada deveser acompanhada de modificações no tratamento que o sistema dispensa aos jurisdicionados, e na

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possibilidade de elaboração das separações, com o planejamento da rotina futura da famíliatransformada. Como apontado acima, a Mediação Familiar Interdisciplinar pode ser via privilegiadapara o estabelecimento da comunicação. Esta é uma combinação que tem dado resultado em diversospaíses. E previsto está o recurso aos profissionais técnicos e equipe interdisciplinar.

Nos movimentos que mencionei, de avanços e retrocessos, devemos nos perguntar: a quemodificações a guarda compartilhada se propõe e a quais ela efetivamente atende? Num primeiromomento, é claro que ela atende ao exercício do direito ao relacionamento familiar e formas deconvivência e à necessária equalização dos poderes entre os pais. Atende também à preservação doque já está previsto no Poder Familiar, e nesta esteira alguns questionam a necessidade de lei, masnão o conceito, argumentando se não bastaria modificar o art. 1.632, que diz que não se alteram asrelações entre pais e filhos, senão quanto aos pais terem os filhos em sua companhia.

Neste movimento de avanços e retrocessos, de aceitação e resistências, ocorrem também outrosusos, antes não vislumbrados da legislação e jurisprudência. Assim é com a guarda compartilhada.Por exemplo, ela tem sido utilizada como forma de tentar impedir as mudanças de domicílio,sobretudo de cidades, Estados e mesmo para o exterior.

Outros veem na guarda compartilhada a possibilidade de redução, ou mesmo de eliminação dopagamento de alimentos – uso que foge ao objetivo primeiro do conceito e que, no meu entendimento,desconsidera as diferenças. E, ainda outros, a utilizam para o que pode ser, sob o ponto de vista dadinâmica das relações e da Psicanálise, um injusto não reconhecimento das diferenças entre pai emãe em nome da igualdade, e a tentativa de substituir um pelo outro indiscriminadamente.

Alerto que para outros usos, sobretudo o último – relativo ao borrar das diferenças –, devemosestar bastante atentos. Embora seja factível o exercício das funções, com certa flexibilidade, porhomens e mulheres, isto não significa que a criança possa prescindir das diferenças e que umamodificação radical pós-separação nas funções exercidas pelos pais não traga consequências e nãoacirre ressentimentos e a competição que se deve procurar evitar. Aliás, esta era uma distorçãofrequente no exercício unilateral da guarda e que a lei da guarda compartilhada veio buscar corrigir.

Mesmo no caso do exercício das funções por casais do mesmo sexo, há igualmente anecessidade do reconhecimento das diferenças no exercício das funções, por sutil que seja. Oreconhecimento das diferenças implica, sobretudo, no referendamento mútuo que era contemplado naLei 11.698, não só em relação à guarda compartilhada em si, mas também como critério daatribuição da guarda única para o genitor que tivesse mais aptidão para propiciar aos filhos afeto nasrelações com o genitor e com o grupo familiar (art. 1.583, § 2.º, I). No entanto, tais incisos foramrevogados com a Lei 13.058/2014, vez que a guarda unilateral somente seria aplicada no caso de umdos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor (art. 1.584, § 2.º).Dispositivo que pode acabar por pressionar indevidamente a que se adira a um modelo que fuja àspossibilidades daquela família transformada.

Na esteira da necessidade de referência às funções paterna e materna, e às figuras distintas de

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pai e mãe, que formam um casal parental para a constituição da subjetividade, aponto a confusãofrequente entre guarda compartilhada e alternada. A alternância de residências, que não se confundecom a guarda alternada, pode atender ao acordo entre os pais sem ferir o princípio que norteia oconceito de guarda compartilhada e pode, de acordo com as condições e idade da criança, ser umasolução viável. Contudo, bastaria um exercício de empatia para imaginar o quanto tal arranjo exigedas crianças e adolescentes.

Muitas vezes, num arranjo de divisão salomônica de tempo, espaço e funções, há adesconsideração da necessidade da criança de referência espaço-temporal e de suas necessidadesespecíficas de maior constância de convívio com uma figura de referência, que variará dependendoda idade e das características particulares. Este tipo de divisão – salomônica, e mesmo pré-salomônica, pode funcionar como duas guardas únicas, fugindo à ideia de responsabilidade conjunta,que é o que definiria a nova lei. Responsabilidades paralelas não são o mesmo que responsabilidadeconjunta.

Friso que estes desdobramentos e questões – sobretudo o de risco de desconsideração dasdiferenças entre função materna e paterna e de sua complementaridade – não podem passardespercebidos, sob pena de se perder o que, no meu entendimento, é fundamental nas discussões emtorno da guarda compartilhada: a continuidade, após as transformações das separações, daconsideração da família como um sistema em que se faz fundamental o reconhecimento dasdiferenças, do referendamento mútuo, das relações de complementaridade e, portanto, decooperação, aliada à flexibilidade e compreensão das necessidades específicas em cada fase dascrianças. Fundamental na família é dar a devida importância aos vínculos de afeto, que implicam naresponsabilidade conjunta e na solidariedade. A isto deve atender a mudança de paradigma trazidacom a guarda compartilhada.

O reconhecimento das diferenças, a complementaridade das relações, o afeto, aresponsabilidade e a solidariedade são qualidades essenciais e fundamentais para que a família,mesmo transformada, atinja sua finalidade em ser tempo/espaço do desenvolvimento dos recursos depersonalidade de seus integrantes – crianças e, friso, também adultos.

No movimento dialético de avanços e retrocessos, de abertura e resistência às mudanças, alegislação e o Judiciário podem colaborar ou dificultar, e mesmo impedir, a retomada do equilíbriodas relações – como se dá nas situações de impasse em que a competição entre os pais eraexacerbada pela disputa da guarda e consequente exercício indevido do poder. Espera-se que a novalei da guarda compartilhada não venha a restabelecer a nefasta competição que se visa evitar.

QUESTÕES DA ATUALIDADE

Uma questão polêmica que se buscou corrigir com a nova lei está na viabilidade da guardacompartilhada nos casos de litígio. Neste sentido, algumas ponderações devem ser feitas. Novamente

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friso o papel simbólico da lei e seus efeitos na realidade das relações. Devemos estar atentos para ofato de que tendemos a idealizar a família original – como se ali a discórdia não existisse.

E ainda, a lei ao deixar clara a responsabilidade dos pais e em aberto a forma de organizaçãoda rotina da família transformada, necessariamente implica em acordos em relação à educação dosfilhos e remete os conflitos e impasses ao devido lugar – à seara do casal conjugal que se desfaz. Noentanto, a mera divisão equitativa pode aparentemente elidir um impasse que, mais tarde, eclodirá.

É certo que antes da lei da guarda compartilhada era mais fácil a utilização dos filhos comomoedas de troca das divergências entre os pais, ou mesmo o abandono dos filhos, vez que seenfatizavam mais direitos dos pais do que deveres. A nova lei previne um pouco mais esta utilização,embora algo desta situação ainda permaneça, seja na faculdade em declarar ao magistrado que não sedeseja guarda do menor (art. 1.584, § 2.º), seja no que pode ser o entendimento do § 4.º, que diz: “Aalteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral oucompartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas a seu detentor.”

Em meu entendimento, o grande valor preventivo da lei anterior era que ela explicitava aresponsabilidade compartilhada e pressupunha a comunicação que deveria existir entre os pais,induzindo ao diálogo, embora muitas vezes ocorresse justamente o contrário – uma perversão noespírito da lei.

E O MAIS IMPORTANTE: O CONCEITO DE PARENTALIDADE E A NECESSIDADE DEOUTRAS ABORDAGENS DOS IMPASSES RELATIVOS À GUARDA

Fruto de uma evolução na compreensão das funções na família, fala-se atualmente emparentalidade,5 um conceito de origem psicanalítica. Ele implica justamente o casal parental –composto por aqueles que exercem a função materna e a função paterna, em uma relação em que sãocomplementares as funções relativas à criação e cuidado com os filhos.

Tal modelo de vínculo entre o casal parental deverá, com variações, se reproduzir naexperiência da parentalidade, com maior ou menor plasticidade quanto ao exercício da funçãomaterna e paterna, com maior ou menor grau de cooperação, da atribuição de responsabilidade eimportância dada ao outro do par parental.

A Lei 13.058, de 22 de dezembro de 2014, segundo se entendia inicialmente sua proposta, viriano sentido de corrigir as dificuldades da lei anterior, que encontrava na expressão “sempre quepossível” óbices à sua aplicação, além de ser fonte artificial de acirramento das divergências comfins de obtenção da guarda unilateral.

No entanto, a nova lei trouxe também outros dispositivos que, na tentativa de garantir orelacionamento com ambos os pais, acabaram por demonstrar uma opção pela consideração dasrelações parentais de forma paralela. E, além disso, a ênfase nos aspectos temporais e espaciaispodem, mesmo que indiretamente, acabar por levar à desconsideração das diferenças entre as

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funções parentais e das necessidades dos filhos.A questão que aqui se impõe é a do risco de alienação do casal parental com a tentativa vã em

“resolver” o conflito, o que se traduz em negá-lo. O conflito não se resolve, e sim se transforma, parao que é necessário reconhecê--lo e apresentar caminhos possíveis para modificações quanto àdinâmica disfuncional.

Ademais dos exemplos das figuras de mãe e de pai, não menos importante é o exemplo do casalparental. Com base neste é que deriva parte da autoestima, em ser “produto” e alvo do amor-cuidadodos pais, e se constrói o modelo de relacionamento de casal parental.

Cabe ressaltar que, atualmente, coexistem dois modelos de famílias transformadas: a derelações paralelas dos pais com seus filhos, uma família partida ao meio, e a de relaçõescomplementares entre os pais. No segundo modelo cabe o conceito de parentalidade, que, noprimeiro modelo, se perde.

Os estudos da Psicanálise a respeito de parentalidade fundamentam a posição assumida porobras atuais no campo da sociologia e do direito.

As fundamentações aqui trazidas do ponto de vista da Psicanálise podem ser compreendidasvis-à-vis à pesquisa e à análise realizadas pelo jurista australiano Patrick Parkinson,6 com relação àsdisputas relativas à guarda. Ele bem fundamenta que a discussão em torno da “guerra” entre osgêneros em tais disputas acaba por fazer eco a uma ideologia e escolha política relativa ao modeloda família pós-divórcio. Modelo este que pressupõe a separação do casal parental, ainda um eco aosprimeiros tempos dos divórcios, em que os papéis eram rigidamente divididos, em que a guardaficava com as mães e os pais, muitas vezes, quando exerciam a função paterna, o faziam apenascumprindo com a obrigação alimentar. O abandono paterno-filial era, em consequência, muitoprevalente. E é justamente este quadro que se visa modificar com a ênfase na responsabilidadecompartilhada, já contida no Poder Familiar. Contudo, para tanto, não se pode paradoxalmenterepetir o modelo anterior.

Para este e outros autores,7 posição com a qual comungo, as divergências entre os modelos defamílias pós-divórcio refletem o reconhecimento crescente de que este não pode pôr fim à relaçãoparental. O que se transforma é o caráter desta relação, e a tendência à indissolubilidade daparentalidade é, provavelmente, irreversível, apesar da forte oposição a estes desenvolvimentos.

Na mesma linha, cito as palavras de SCLATER e YATES, do livro O que é um Pai – UmaAnálise Sócio-Legal, no capítulo intitulado A Psico-Política da Parentalidade Pós-Divórcio: “Emum mundo em mudança, ambos os pais necessitam encontrar novos lugares para si próprios, mas istonão pode ser realizado tanto por meio de uma reafirmação de controle ou de negação da diferença,pois isto meramente perpetuaria as relações existentes de dominação, em detrimento de todos nós”.8

No entanto, contemplar o conceito de família transformada e o de parentalidade, com oreconhecimento das diferenças entre as funções e as necessidades dos filhos, implica em mudanças

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não só legislativas, mas institucionais. Estas vão desde dar a devida importância àinterdisciplinaridade e à contribuição dos operadores da saúde, até mudanças relativas à própriadinâmica processual.

Importantes considerações a respeito das tendências quanto à função do Judiciário no Direito deFamília foram apontadas pelo então presidente, Patrick Parkinson, e a atual presidente, MarshaGarrison, da Sociedade Internacional de Direito de Família – ISFL – durante a XV ConferênciaMundial, ocorrida em agosto de 2014, em Recife, Pernambuco. Para os autores, o caminho encontra-se no desafio de um Direito de Família menos oneroso para as famílias e para o Estado, e em suadesjudicialização. Tais tendências implicam em modificações na dinâmica processual e em políticaspúblicas. Em comum a Mediação e a Conciliação, e a necessidade de enfoque nos relacionamentos,nos conflitos e impasses.

E cabe ressaltar que o novo Código de Processo Civil, recém-sancionado, dá lugar privilegiadoà Mediação. Oportuno aqui enfatizar a importância deste instituto, especialmente após o advento daLei 13.140/2015,9 e alertar quanto a seu cunho essencialmente interdisciplinar no tratamento aosconflitos, sem, no entanto, igualá-lo à conciliação.

PARA FINALIZAR

Os tempos são de aproximação do Direito à realidade das relações. Para tanto, se faznecessária a interdisciplinaridade e a compreensão da família como um sistema de funçõescomplementares e singulares.

A guarda compartilhada deve vir no sentido de resgatar o Poder Familiar e o exercíciocomplementar da responsabilidade. Um avanço importante na mudança do paradigma da culpa e dasacusações e da exclusão, para o da responsabilidade e da inclusão. Um desafio em contemplar asdiferenças na igualdade dos direitos.

A responsabilidade é, por definição nas relações familiares, sempre solidária e complementaraos outros integrantes da família. A esta dinâmica diz respeito o Poder Familiar, que atende aoSuperior Interesse da Família. O conceito da guarda compartilhada, se entendido à luz doreconhecimento das diferenças e complementaridade das funções, à luz do necessário equilíbrio doPoder Familiar, é facilitador de relações altruístas, solidárias, e do exercício da responsabilidade.

E, por melhores que sejam a lei e o sistema, cabe sempre a pergunta do que há de latente nasdificuldades relativas às relações paterno-filiais e parentais que tocam as famílias jurisdicionadas,os operadores jurídicos e os da saúde, a legislação e o próprio imaginário social. Por trás dasdemandas relativas à guarda de filhos, estão questões atuais, tais como: o que faz de uma mulher umamãe e de um homem um pai? Como é ser mulher/mãe, homem/ pai na atualidade? Quais são asnecessidades dos filhos? É interessante que, na busca por uma sentença, encontra-se latente o pedidode uma chancela legal que reconheça a identidade e a pertinência a estas categorias mal definidas

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atualmente. Uma demanda da qual o Judiciário não pode dar conta, sob o risco do controle indevidodas diversas formas de exercício da parentalidade.

Contudo, é também com relação ao exercício destes papéis e funções que são trazidas asindagações de direitos e deveres relativos às responsabilidades parentais.

A lei da guarda compartilhada, a anterior e a atual, nos obriga a pensar as relações entre pais efilhos, e entre aqueles, ainda que não se tenha constituído um casal conjugal.

A nova lei trouxe avanços, mas, do meu ponto de vista, ela corre o risco de trazer retrocessosquanto à importância do conceito de parentalidade. As críticas aqui tecidas apontam, sobretudo, paraa necessidade de continuar em busca de uma compreensão dos relacionamentos familiares e de umaabordagem dos conflitos e impasses que contemplem o amplo direito a se ter uma família. Asoperações devem ser as de soma e multiplicação, e não as de subtração e divisão no estabelecimentoe restabelecimento do equilíbrio das funções que compõem a estrutura familiar e que legitimam oPoder Familiar.

E, trazidas diversas ponderações e mesmo alertas, cabe ressaltar que o novo diploma legal,como o anterior, privilegia a doutrina do superior interesse da criança e do adolescente. E se a estesfosse perguntado qual seu legítimo pleito, a resposta provável seria: é o de que os pais se entendam.

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GUARDA COMPARTILHADA: NOVO REGIME DA GUARDA DECRIANÇA E ADOLESCENTE À LUZ DAS LEIS Nos 11.698/2008 E

13.058/2014

GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA

Sumário: 1. Prévias considerações jurisprudenciais e legislativas – 2. Análise das alterações e inovaçõesda Lei nº 11.698/08: 2.1. Redação do art. 1.583 do Código Civil à luz da Lei nº 11.698/08; 2.2. Redaçãodo art. 1.584 do Código Civil à luz da Lei nº 11.698/08 – 3. Análise das alterações e inovações da Lei nº13.058/14: 3.1. Nova redação dos §§ 2º, 3º e 5º do art. 1.583 do Código Civil; 3.2. Nova redação doart. 1.584 do Código Civil; 3.3. Nova redação do art. 1.585 do Código Civil; 3.4. Nova redação do art.1.634 do Código Civil – Nota conclusiva – Referências.

PRÉVIAS CONSIDERAÇÕES JURISPRUDENCIAIS E LEGISLATIVAS

Devido à importância da Lei nº 13.058/14 no âmbito do instituto da guarda de criança eadolescente – notadamente em razão do expresso reconhecimento da primazia da guardacompartilhada no Direito brasileiro –, faz-se necessária uma análise mais detalhada das relevantesmodificações havidas com o novo texto legislativo.

Observa-se que, no sistema jurídico anterior ao advento da Lei nº 11.698/08 e da Lei nº13.058/14, era controvertida a admissibilidade da guarda compartilhada na jurisprudência brasileira.Conforme levantamento estatístico feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),referente ao registro civil do ano de 2002 (ano de promulgação do Código Civil brasileiro emvigor), a despeito de a maior parte das dissoluções de sociedade conjugal ter sido consensual (79%das separações formais e 70% dos divórcios), a guarda dos filhos ficou “na maior parte dos casos,com a mãe (91,8% nas separações e 89,7% nos divórcios)”, sendo que os pais ficaram com aguarda em apenas 4,8% das separações e 5,8% dos divórcios1. Na mesma pesquisa, apurou-se que aguarda compartilhada correspondia a apenas 2,6% das separações, e 2,7% dos divórcios.

A realidade demonstra as mudanças dos novos tempos, caracterizados pelo avanço dainfluência das mulheres no mercado de trabalho e na vida cultural e da inserção dos homens nosafazeres domésticos e cuidados com os filhos. Se, antes, havia a nítida prevalência da guardaunilateral concedida à mãe, especialmente na fase da “idade maternal” (identificada desde o períododo aleitamento até a criança completar sete anos de idade), eis que mulher não trabalhava e, por isso,

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tinha melhores condições para cuidar de seus filhos, observa-se na contemporaneidade a maiorinserção da mulher no mercado laboral, a informática e outros equipamentos tecnológicos (como osaparelhos de telefonia celular) que permitem que muitos homens trabalhem em casa (ou, ao menos,tenham condições de ficar mais tempo no lar). As próprias exigências socioeconômicas da vidamoderna impuseram alterações nos padrões culturais e familiares relacionadas à convivência com ascrianças e adolescentes, não sendo incomum que um dos avós (normalmente já aposentado) fiqueincumbido pelos pais de velar pela segurança, saúde e bem-estar da criança ou do adolescente noperíodo de tempo em que são realizadas atividades laborais. Contudo, a cultura ainda se revelapresente na consideração de que, em geral, a mulher possui mais e melhores habilidades paracuidados básicos e práticas domésticas, o que ainda conduz à influência nos julgadores acerca daatribuição da guarda unilateral em favor da mãe2. Há de salientar, no entanto, que também a esserespeito os novos tempos sopram, com o anúncio de mudanças, daí a razão da edição das Leis nº11.698/08 e nº 13.058/14.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, por intermédio da 7ª Câmara de Direito Privado, em 2004,considerou que o pedido de estabelecimento da guarda compartilhada era juridicamente impossívele, por isso, negou provimento à apelação cível interposta contra sentença que extinguiu o processosem resolução do mérito3. O mesmo Tribunal de Justiça de São Paulo, desta feita por intermédio da10ª Câmara de Direito Privado, no ano de 2005, admitiu a possibilidade jurídica do pedido deguarda compartilhada, ao dar provimento ao agravo de instrumento contra decisão que negarahomologação a acordo de separação consensual dos pais que previra a guarda compartilhada4.

Os tribunais brasileiros, já na vigência do Código Civil de 2002, se depararam comdeterminadas questões relativas à guarda compartilhada que merecem ser apresentadas.

Um aspecto interessante foi a possibilidade de instituição da guarda compartilhada em acordocelebrado entre os pais submetido ao crivo do Poder Judiciário, o que não deve ser objeto demaiores questionamentos pela autoridade judiciária. Acerca deste tema, o Tribunal de Justiça do Riode Janeiro reformou decisão do juiz da vara especializada de família que indeferira requerimento dehomologação de acordo, em divórcio consensual, com a previsão da guarda compartilhada. O juiz dedireito considerou que, se os filhos deveriam residir com a mãe, a guarda seria unilateral, devendoser atribuída apenas a ela. A Corte estadual reformou a decisão, motivando-a da seguinte maneira:“no momento em que ocorre a separação do casal, desde que haja harmonia, a guardacompartilhada é uma opção madura para uma saudável convivência entre filhos e pais separados,já que não se refere apenas à tutela física ou custódia material, mas também a outros atributos daautoridade parental”5. A decisão do Tribunal de Justiça se mostrou acertada, especialmente à luzdos valores constitucionais e no contexto da visão voltada ao melhor interesse da criança e doadolescente, assegurando-lhes o direito à convivência familiar efetiva.

Outro aspecto de relevo foi o reconhecimento da possibilidade de a guarda compartilhada serestabelecida mesmo na falta de acordo entre os pais, tendo como norte e referência o melhor

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interesse da criança, levando em consideração a verificação, no caso, de que não havia animosidadeentre os pais que impedisse a implantação da guarda compartilhada. Sobre a hipótese, o Tribunal deJustiça do Rio Grande do Sul deu provimento ao agravo de instrumento para autorizar que o paipudesse manter contato diário com a filha, com visitação livre6.

Os tribunais brasileiros também revelam cautela na fixação da guarda compartilhada quandovislumbram problemas decorrentes de relacionamento entre os pais da criança, como animosidade,falta de harmonia, para o fim de considerar a inconveniência da medida em casos como tais. Algunscasos podem ser colacionados a esse respeito: a) “a guarda compartilhada se mostrarecomendável somente quando entre os genitores houver relação pacífica e cordial, hipóteseinocorrente nos autos; presente a litigiosidade entre os pais, não há como se acolher o pedido,impondo-se manter a guarda deferida com exclusividade à genitora”7; b) “havendo animosidadeentre o casal separando, desaconselhável a guarda compartilhada ou visitação livre do pai aosfilhos menores, mantendo--se a estipulação feita na decisão hostilizada, de fins de semanaalternados”8; c) “para que a guarda compartilhada seja possível e proveitosa para o filho, éimprescindível que exista entre os pais uma relação marcada pela harmonia e pelo respeito, ondenão existam disputas nem conflitos; quando o litígio é uma constante, a guarda compartilhada édescabida9”; d) “inviabilidade da fixação de guarda compartilhada, ante a falta de harmoniaentre o casal”10.

Registre-se, ainda, julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que admitiu a guardacompartilhada entre os pais e a avó materna, em acórdão assim ementado: “Guarda eresponsabilidade de menor postulada pela avó materna. Concordância dos genitores que detêm opoder familiar. Posse de fato dos pais. Guarda compartilhada da avó que passa alguns períodos coma neta”11.

Assim, a despeito do pequeno percentual de situações de guarda compartilhada em 2002, ostribunais brasileiros vinham, paulatinamente, admitindo a possibilidade da instituição da guardacompartilhada e, para evitar as disparidades de interpretação das normas jurídicas de Direito deFamília, o então Deputado Federal Tiden Santiago apresentou o Projeto de Lei nº 6.350/02, para darnova redação aos arts. 1.583 e 1.584, do Código Civil, conforme proposta a seguir transcrita:

Art. 1.º Esta Lei define a guarda compartilhada, estabelecendo os casos em que será possível.Art. 2.º Acrescentem-se ao Art. 1.583 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, os seguintesparágrafos: “Art. 1.583. (...)§ 1.º O juiz, antes de homologar a conciliação, sempre colocará em evidência para as partes asvantagens da guarda compartilhada.§ 2.º Guarda compartilhada é o sistema de corresponsabilização do dever familiar entre os pais,em caso de ruptura conjugal ou da convivência, em que os pais participam igualmente da guardamaterial dos filhos, bem como os direitos e deveres emergentes do poder familiar”.

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2.

Art. 3.º O art. 1.584 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar com a seguinteredação: “Art. 1.584. Declarada a separação judicial ou o divórcio ou separação de fato semque haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, o juiz estabelecerá o sistema daguarda compartilhada, sempre que possível, ou, nos casos em que não haja possibilidade,atribuirá a guarda tendo em vista o melhor interesse da criança.§ 1.º A guarda poderá ser modificada a qualquer momento atendendo sempre ao melhorinteresse da criança”.Art. 4.º Esta lei entra em vigor no dia 10 de janeiro de 2003.

A iniciativa legislativa se deu ainda no período de vacatio legis do Código Civil de 2002,conforme se percebe e, já se mostrava nítida a ideia de deixar assentada, em nívelinfraconstitucional, a admissibilidade da instituição do modelo de guarda compartilhada, seja emdecorrência de acordo entre os pais da criança ou do adolescente, seja em razão de decisão judicialquando o magistrado constatasse a presença dos requisitos necessários a tal instituição. O autor doprojeto de lei, Deputado Federal Tilden Santiago, ao justificar a proposta legislativa apresentada,distinguiu a guarda compartilhada de outros três modelos de guarda, a saber, a guarda alternada, aguarda dividida e o aninhamento (ou nidação), esclarecendo que “a noção da guarda compartilhadasurgiu do desequilíbrio dos direitos parentais e de uma cultura que desloca o centro de seu interessesobre a criança em uma sociedade de tendência igualitária”12.

No âmbito da doutrina brasileira, além do pioneiro trabalho do Professor Waldyr GrisardFilho, houve a publicação de vários outros trabalhos a respeito13. Após aprovação do texto naCâmara dos Deputados, houve apresentação de substitutivo no Senado Federal, que passou a ser oSubstitutivo do Senado ao Projeto de Lei da Câmara nº 58, de 2006, apresentado pelo Relator,Senador Demóstenes Torres. Diante da própria reivindicação de movimentos associativosvinculados à cidadania, tais como o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), o“Movimento Pais para Sempre”, a Associação de Pais Separados do Brasil (APASE), entre outros,finalmente o texto do projeto foi aprovado e, no dia 13 de junho de 2008 foi sancionado peloPresidente da República. Na ementa da Lei nº 11.698, publicada no dia 16 de junho de 2008, ficouexpressamente assentado que a lei “altera os arts. 1.583 e 1.584 da Lei nº 10.406, de 10 de janeirode 2002 – Código Civil, para instituir e disciplinar a guarda compartilhada”.

Mais recentemente sobreveio a edição da Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014, com amenção na ementa à alteração dos arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634, do Código Civil “paraestabelecer o significado da expressão ‘guarda compartilhada’ e dispor sobre sua aplicação”.

ANÁLISE DAS ALTERAÇÕES E INOVAÇÕES DA LEI Nº 11.698/08

Este item tem por objetivo tecer considerações em torno das alterações e inovaçõesintroduzidas pelo texto da Lei nº 11.698, de 13 de junho de 2008, buscando sua sistematização com a

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2.1.

análise pormenorizada – e excepcional – de cada dispositivo introduzido pelo texto da nova lei quealterou substancialmente a redação dos arts. 1.583 e 1.584, ambos do Código Civil de 2002, até oadvento da Lei nº 13.058/14. Não é possível deixar de fazer o registro que, no que tange àadmissibilidade da guarda compartilhada no período anterior à vigência da Lei nº 11.698/08, ofundamento era basicamente de índole constitucional, levando em consideração os princípios daigualdade entre homem e mulher (em especial nas relações de Direito de Família), do melhorinteresse da criança e do adolescente, da afetividade, as regras referentes ao direito de convivênciafamiliar e à prioridade absoluta da criança e do adolescente nos assuntos a ele pertinentes. Dessemodo, a Lei nº 11.698/08, de certo modo, positivou infraconstitucionalmente o modelo de guardacompartilhada que já existia no ordenamento jurídico brasileiro, o que vem a reforçar, ainda mais, arelevância do instituto para as famílias brasileiras contemporâneas.

Registre-se, no que tange às questões de direito intertemporal, que a Lei nº 11.698/08, teve oprazo de vacatio legis de 60 (sessenta) dias de sua publicação, ocorrida em 16 de junho de 2008.Contudo, tal circunstância não impediu que fosse reconhecida a aplicabilidade da maior parte dospreceitos que passaram a constar dos arts. 1.583 e 1.584, ambos do Código Civil, mesmo antes daentrada em vigor da referida lei, com base nos princípios e regras constitucionais pertinentes.

Redação do art. 1.583 do Código Civil à luz da Lei nº 11.698/08

Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.§ 1.º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores, ou a alguém que osubstitua (art. 1.584, § 5º) e, por guarda compartilhada, a responsabilização conjunta e oexercício de direitos e deveres, do pai e da mãe, que não vivam sob o mesmo teto, concernentesao poder familiar dos filhos comuns.§ 2.º A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-lae, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: I – afeto nasrelações com o genitor e com o grupo familiar;II – saúde e segurança;III – educação.§ 3.º A guarda unilateral obriga o pai, ou a mãe, que não a detenha, a supervisionar os interessesdos filhos.§ 4.º (VETADO).

A transcrição da redação do art. 1.583, do Código Civil, (que lhe foi dada pela Lei nº11.698/08) se revela oportuna para subsidiar o encadeamento lógico do raciocínio a seguir expostoacerca do regime de guarda da criança ou do adolescente à luz dos valores e princípios previstos noordenamento jurídico brasileiro.

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A principal novidade da Lei nº 11.698/08, sem dúvida, foi a retirada da exclusividade (ou do“monopólio”) da guarda unilateral que, como divulgado nas estatísticas a respeito do tema, aindarepresenta a regra no âmbito da realidade do tratamento acerca do poder familiar e da guarda noDireito de Família brasileiro. Ainda que a guarda compartilhada já fosse possível com baseconstitucional no período anterior ao advento da Lei nº 11.698/08, o certo é que ainda havia certaresistência por parte de alguns operadores do Direito. Assim, foi válida a expressa previsãoinfraconstitucional da guarda compartilhada em igualdade (ou em melhores) de condições com aguarda unilateral no caput do art. 1.583, do Código Civil. Deve-se interpretar o dispositivo comoinstituidor de um modelo dual em matéria de guarda da criança ou do adolescente, cuja escolha terácomo referência central o princípio do melhor interesse da criança ou do adolescente (art. 227 daConstituição Federal).

Com a edição da Lei nº 11.698/08, não havia mais espaço para se considerar a guardaunilateral como regra, e a guarda compartilhada, exceção. Ambas passaram a ter o mesmo statusquanto à sua importância, devendo ser avaliada a situação concreta para avaliação acerca de qualdos dois modelos melhor se adequa à hipótese.

Em consonância com a posição doutrinária e jurisprudencial majoritária, o gênero guarda dacriança ou do adolescente se divide em duas espécies: a) guarda unilateral (normalmente uniparental)que é aquela atribuída a um dos pais, ou eventualmente a alguém que o substitua; b) a guardacompartilhada que, consoante § 1º, parte final, do referido art. 1.583, do Código Civil, corresponde àresponsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres, por ambos os pais, concernentes aopoder familiar dos filhos comuns.

Algumas observações merecem ser feitas desde já a respeito da redação do § 1º, do art. 1.583,do Código Civil, na redação dada pela Lei nº 11.698/08. O legislador de 2008 não confundiu aguarda compartilhada com a guarda alternada, com a guarda dividida e com o aninhamento (ounidação)14. Na realidade, por força de expressa previsão contida no art. 1.583, caput, e § 1º, doCódigo Civil, não haveria outra espécie de guarda de criança ou adolescente que não a guardaunilateral e a guarda compartilhada. Assim, a impressão que decorre da leitura dos dispositivosacima referidos é a de que a lei civil não admitiu outra espécie de guarda além das expressamenteprevistas.

Ainda que o regime contemporâneo de guarda da criança e do adolescente fosse dual, não haviacomo, em determinados contextos, se excluir a possibilidade de alguns arranjos que podiam atender adeterminadas realidades, tão complexas que o legislador não tinha condições de prever. Desse modo,mesmo com a redação do art. 1.583, caput, e § 1º, do Código (na redação dada pela Lei nº11.698/08), não se podia, com base na equidade, excluir outro regime de guarda, ainda que as outrasáreas do conhecimento humano (tais como a psicologia, a psicanálise) não recomendem a utilizaçãode outro regime, como por exemplo o da guarda alternada. Logo, ainda que, em tese, o regime daguarda alternada não seja recomendável, há situações em que a melhor solução pode ser exatamente

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o estabelecimento de tal regime, o que deve merecer avaliação casuística, baseada nos trabalhos eestudos psicossociais que necessariamente subsidiarão o magistrado na possibilidade da instituiçãodo referido regime.

Não se está aqui a defender que outros regimes de guarda sejam melhores do que aquelescontemplados pelo sistema dual do art. 1.583, do Código Civil, mas sim a de não considerar aenumeração como taxativa ou exaustiva, impedindo a utilização de outro modelo que seja maisadequado e oportuno em atenção às peculiaridades do caso concreto. Como regra, não há dúvida deque a guarda compartilhada ou a guarda unilateral será o regime mais recomendado para a maioriaesmagadora dos casos, mas pode haver algumas exceções que demandem um regime diferenciado,daí a admissibilidade do regime de guarda alternada, ainda que a título excepcional. A regra passoua ser, pois, a observância do regime dual, com priorização para a guarda compartilhada, mas não serevela possível descartar outros regimes possíveis ante à complexidade das situações jurídicas quese apresentem.

mente, durante esse período de tempo deter de forma exclusiva, a totalidade dos poderes-deveres queintegram o poder parental. No término do período, os papéis invertem-se. (...) A guarda divididaapresenta-se quando o menor vive em um lar fixo, determinado, recebendo a visita periódica do paiou da mãe que não tem a guarda. É o sistema de visitas, que tem efeito destrutivo sobre orelacionamento entre pais e filhos, uma vez que propicia o afastamento entre eles, lento e gradual, atédesaparecer. (...) O aninhamento ou nidação é um tipo de guarda rara, no qual os pais se revezammudando-se para a casa onde vivem as crianças em períodos alternados de tempo. Parece ser umasituação irreal, por isso pouco utilizada” (Diário da Câmara dos Deputados, cit., p. 14.792-14.793).

Da mesma forma que, em regra, a guarda unilateral pode vir a ser atribuída a um dos pais – mastambém pode ser estabelecida em relação a alguém que não tinha o poder familiar –, a guardacompartilhada merece ser considerada, ainda que a título excepcional, no que tange aos terceiros quenão os pais da criança ou do adolescente. No item anterior, foi colacionada a hipótese em que umadas avós postulou – e teve reconhecido – o direito à guarda compartilhada. Logo, deve-se entenderque a referência ao pai e à mãe, constantes da segunda parte do § 1º, do art. 1.583, do Código Civil(na redação referida), não excluía a possibilidade de ser instituída a guarda compartilhada em favorde um dos pais e um dos avós, ou mesmo atribuída a ambos os pais e a um dos avós, ainda que sejaclaro que não havia poder familiar em relação a outra pessoa que não os pais da criança ou doadolescente. Os arranjos são os mais variados possíveis, sempre tendo como norte – e referênciacentral – o melhor interesse da criança.

Da mesma forma, o texto do § 1º, do art. 1.583, do Código, previu que a guarda compartilhadaconsistirá na responsabilização conjunta e no exercício de direitos e deveres, do pai e da mãe, que

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não vivam sob o mesmo teto. Tal regra deve ser interpretada para abranger não apenas os pais queforam cônjuges ou companheiros e, por isso, em razão da dissolução da sociedade conjugal oucompanheiril, devem ter disciplinadas suas situações relacionadas ao poder familiar no que tangeaos filhos comuns, mas também os pais que nunca tiveram qualquer relacionamento no âmbito doDireito de Família, como dois namorados ou, ainda, duas pessoas que somente tiveram contatosexual episódico que redundou na gravidez e nascimento do filho comum. A redação da propostaoriginal apresentada pelo Deputado Federal Tiden Santiago pecava por restringir a redação do § 2º,do art. 1.583, do Código, apenas aos pais que tivessem sido unidos anteriormente no âmbito doDireito de Família, ou seja, a noção de guarda compartilhada serviria apenas para os ex-casais(baseados no casamento ou no companheirismo), deixando de fora os pais que nunca viveram comfundamento na conjugalidade em sentido amplo. Em boa hora, houve mudança da redação daproposta, culminando com a redação mais abrangente do § 1º, do art. 1.583, conforme redação da Leinº 11.698/08.

Deve-se, pois, valorar a redação dada pela Lei nº 11.698/08 sob tal ponto de vista, ou seja, nosentido de ampliar o alcance do instituto da guarda compartilhada às várias situações possíveis quepoderiam vir a ocorrer envolvendo os pais da criança ou do adolescente que era filho comumdaquele homem e daquela mulher, ainda que estes nunca tivessem sido casados ou vividos em uniãoestável fundada no companheirismo. Havia apenas uma ressalva a ser feita: era possível quehouvesse separação de fato do casal que anteriormente era unido em casamento ou companheirismo,e ainda assim ambos continuassem sob o mesmo teto, como, por exemplo, em caso de dificuldadesfinanceiras impedirem que cada um passe a ter seu próprio lar. Deve-se interpretar a expressão “...que não vivam sob o mesmo teto...” como significado de pessoas que nunca mantiveram ou deixaramde manter um projeto familiar comum, albergando, desse modo, o homem e a mulher que, apesar deterem sido casados ou vivido em companheirismo, encontravam-se separados, mas vivendo sob omesmo teto devido a alguma circunstância que motivasse tal convivência, ainda que a títuloexcepcional.

Independentemente da espécie de guarda que viesse a ser estabelecida, em razão de acordojudicialmente homologado ou por sentença definidora do litígio, o critério fundamental era – comoainda o é – o atendimento ao princípio do melhor interesse da criança ou do adolescente, aevidenciar a prevalência deste sobre qualquer outro interesse, seja dos pais, seja de outra pessoa.

O § 2º, do art. 1.583, do Código Civil (na redação dada pela Lei nº 11.698/08), ao tratar daguarda unilateral, previu que a guarda seria deferida ao genitor15 (pai ou mãe) que revelassemelhores condições de exercê-la, sendo que tal regra era iluminada pelo princípio do melhorinteresse da criança ou do adolescente, daí a importante atividade do julgador no campo daaplicação concreta da norma. Tal regra foi consectário do princípio constitucional da igualdade entrehomem e mulher (art. 5º, I, da Constituição Federal) que se especializa no Direito de Família nocampo dos direitos e deveres dos cônjuges não apenas no período de constância do casamento, mas

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também no tempo subsequente à dissolução da sociedade conjugal, além obviamente da épocaanterior ao vínculo do casamento. Tal princípio também era aplicável às outras situações, seja nosegmento da união estável fundada no companheirismo, seja no âmbito dos pais que nunca viveramjuntos, pois nunca se casaram ou foram companheiros.

O legislador buscou objetivar a noção do melhor interesse da criança ou do adolescente naguarda unilateral, ao incluir, no § 2º, do referido art. 1.583, do Código, que, objetivamente, seriaconsiderado guardião o genitor que revelasse melhores condições para exercer a guarda, buscandoestabelecer critérios mais objetivos, como a pessoa que apresentasse mais aptidão para propiciaraos filhos afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar, saúde e segurança e educação.Em perfeita sintonia com o texto da Constituição Federal, o art. 1.583, do Código, na redação dadapela lei de 2008, não se referiu às melhores condições econômicas/financeiras do pai ou da mãe paradefinição da guarda unilateral, mas sim às melhores condições existenciais para o exercício daguarda ao apresentar maior relação de afetividade com a criança e permitir que esta tenha com osoutros familiares, ter condições de propiciar melhores condições de saúde e segurança ao filhomenor, de prover educação que consiste na boa formação moral, social e psicológica do filho (e quenão se confunde com a ideia de ensino). A despeito dos critérios (ou fatores, na terminologia dolegislador) terem sido referidos em relação à guarda unilateral, por óbvio que eles também deveriamser considerados na definição da guarda compartilhada, especialmente no que se referia à hipótesede atribuição da guarda material (ou física) a apenas um dos pais.

Expurga-se, vez por todas, a ideia de que a guarda unilateral deveria ser atribuída ao cônjugeou companheiro inocente, ou não responsável pela dissolução do casamento ou da união estávelfundada no companheirismo. A guarda deve ser definida com base na melhor solução para oatendimento aos interesses da criança ou do adolescente.

Em se adotando o regime da guarda unilateral, o Projeto de Lei que redundou na edição da Leinº 11.698/08, o não guardião passou a ter o dever de supervisionar os interesses dos filhos quanto aoexercício da guarda unilateral pelo guardião (art. 1.583, § 4º, vetado, do Código Civil), sempre naperspectiva de melhor atender aos interesses da criança ou do adolescente. A supervisão doexercício da guarda unilateral, por parte do não guardião, não pode (nem deve em hipótese alguma)servir de instrumento de vindita ou vingança para atingir o guardião, com o propósito exclusivo decausar sofrimento ou angústia no guardião em decorrência de sequelas decorrentes da separação, sobpena de configuração da noção de ato abusivo (art. 187 do Código Civil). A supervisão é,simultaneamente, poder-dever exercido em prol da criança ou do adolescente, de modo a permitir aconcretização e manutenção dos aspectos realçados no art. 1.583, ou seja, afeto, saúde, segurança eeducação às crianças e adolescentes.

A guarda (unilateral ou compartilhada) pode se originar do consenso entre os pais quenecessariamente deve ser submetido à homologação judicial, ou por determinação do juiz nasentença. Em razão de tal motivo, o Presidente da República vetou o disposto no § 4º, do art. 1.583,

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do Código, que se pretendeu introduzir com a Lei nº 11.698/0816. A redação aprovada peloCongresso Nacional encampava perplexidade, eis que previa que a guarda poderia ser fixada porconsenso entre os pais (e eventualmente terceiro), sem qualquer tipo de controle ou fiscalização porparte das autoridades, como o órgão do Ministério Público, tampouco homologação pelo juiz dedireito. O veto se fundamentou apenas na imprecisão técnica de o consenso entre os pais sersuficiente para a guarda da criança ou do adolescente, já que a Lei nº 11.441/07 – que trata dapossibilidade da separação e do divórcio extrajudiciais – não admite a forma da escritura públicaquando houver algum efeito relacionado ao filho comum do ex-casal, como na hipótese deestabelecimento da guarda.

Contudo, o veto da redação do § 4º, do art. 1.583, do Código Civil, não era obstáculo aoreconhecimento da viabilidade da guarda compartilhada se originar de acordo celebrado entre ospais, desde que submetido ao necessário e importante crivo do Poder Judiciário para fins de suahomologação. Assim, duas eram as origens da atribuição da guarda: a) o consenso entre os pais (eeventualmente, contando com a presença de um terceiro), que deve ser submetido à homologaçãojudicial; b) a determinação judicial por sentença que resolve o litígio anteriormente instaurado entreos pais (e, eventualmente terceiros).

O acordo celebrado entre os pais, seja a título de consenso exclusivamente voltado à disciplinada guarda dos filhos, seja na separação judicial consensual ou na dissolução consensual da uniãoestável, sempre foi fonte mediata da atribuição da guarda unilateral ou compartilhada, sendonecessário apenas que haja a homologação judicial do acordo. Caso os pais não alcancem oconsenso, a guarda teria como fonte imediata a sentença judicial que determinará a espécie de guarda(unilateral ou compartilhada) e o período de sua duração, em sendo o caso. A noção relativa à faixaetária do filho e outras condições de seu interesse – que constava do § 4º, do art. 1.583, ou seja,exatamente o dispositivo vetado – se fundamentava no atendimento ao melhor interesse da criança oudo adolescente, devendo ser analisado e avaliado o caso concreto, como no caso do recém-nascidoainda no período de aleitamento, por exemplo.

A despeito do veto presidencial, cumpre tecer breve observação acerca da menção à expressão“por determinado período”, constante do art. 1.583, § 4º, do Código que, como já referido, foivetado. Tal previsão não exigiria que o acordo ou a sentença judicial necessariamente fixasse umprazo determinado (ou termo final certo) para a fixação da guarda (unilateral ou compartilhada). Talreferência teria apenas o condão de deixar assentado que a fixação da guarda não se revelavaimutável, inalterável; ao revés, seria possível a modificação das condições e da própria espécie daguarda em se verificando as mudanças que, no mínimo, ocorrerão com o desenvolvimento físico,psíquico e intelectual dos filhos. Assim, mesmo com o veto presidencial, revela-se possível amodificação de cláusulas constantes do acordo homologado judicialmente, ou mesmo do regimeimposto na sentença judicial, levando em consideração as transformações ocorridas em razão dotempo e do próprio desenvolvimento da criança ou do adolescente.

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2.2.

Tal possibilidade deve, inclusive, ser interpretada à luz do Estatuto da Criança e doAdolescente, no sentido de atribuir valor à manifestação de vontade do filho quando for atingidocerto grau de maturidade que permita expressar, consciente e livremente, seu desejo de ficar sob aguarda unilateral do pai ou da mãe, ou mesmo de ser transformada a guarda unilateral em guardacompartilhada. Desse modo, não é obrigatório o estabelecimento de um prazo de duração da guardaacordada ou imposta por sentença judicial – até mesmo em razão do veto presidencial. Deve-seentender, tão somente, que o acordo homologado ou a sentença que definiu a guarda se baseará nacláusula rebus sic stantibus, podendo haver alteração desde que sejam modificados os fatores econdições que haviam levado ao estabelecimento do regime anterior de guarda.

Redação do art. 1.584 do Código Civil à luz da Lei nº 11.698/08

Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: I – requerida, por consenso, pelopai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, dedissolução de união estável ou em medida cautelar;II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão dadistribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai ou com a mãe.§ 1.º Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guardacompartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e assanções pelo descumprimento de suas cláusulas.§ 2.º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada,sempre que possível, a guarda compartilhada.§ 3.º Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guardacompartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se emorientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar.§ 4.º A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda,unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seudetentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho.§ 5.º Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferiráa guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, depreferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.

A Lei nº 11.698/08, ao dar nova redação ao art. 1.584, do Código Civil, apresentou naturezamista, eis que albergou normas de direito processual e de direito material relacionadas aoestabelecimento do regime de guarda da criança ou do adolescente, seja a guarda unilateral, seja aguarda compartilhada.

O caput do art. 1.584, acima referido, confirmou o modelo dual da guarda jurídica, ao

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novamente prever as espécies guarda unilateral e guarda compartilhada. Em seguida, o mesmodispositivo indicou as formas de estabelecimento da guarda: a) o acordo homologado judicialmente,eis que havia exigência de requerimento conjunto do pai e da mãe demonstrativo do consensoalcançado entre eles, em ação autônoma ou em ação de separação, de divórcio, de dissolução deunião estável; b) o decreto judicial quanto à imposição da guarda (unilateral ou compartilhada),levando em conta as necessidades específicas do filho, ou a necessidade de distribuição de temponecessário ao convívio da criança ou do adolescente com o pai e com a mãe. Os incisos I e II, do art.1.584, do Código Civil, contemplavam, respectivamente, as hipóteses de guarda decorrente deconsenso entre os pais (guarda consensual, submetida à homologação judicial) e de imposição dojuiz em sentença de separação, divórcio, dissolução de união estável ou ação autônoma para apenasresolver o litígio relacionado à guarda do filho comum. Foi peremptoriamente vedada apossibilidade de a guarda (unilateral ou compartilhada) ser instituída por mero acordo de vontadesnão levado ao conhecimento do Poder Judiciário, cuidando-se, assim, de hipótese de negóciojurídico contaminado por vício grave diante da preterição de solenidade que a lei considereessencial para sua validade (art. 166, V, do Código Civil). A Lei nº 11.441/07 expressamenteexcluiu a possibilidade de a separação e o divórcio por consenso serem realizados por intermédio deescritura pública quando houver necessidade de disciplina específica sobre os efeitos da dissoluçãoda sociedade conjugal em relação aos filhos comuns. Registre-se, no entanto, que, a despeito deinválido o acordo entre os pais, o juiz poderia levá-lo em consideração quando do litígio processualinstaurado para definição do regime de guarda com base nos arts. 1.583 e 1.584, ambos do CódigoCivil.

A referência, constante do inciso I, do art. 1.584, à possibilidade de requerimento formuladopelo pai ou pela mãe (sem a pressuposição do consenso), em ação autônoma, ou de separação,divórcio e de dissolução de união estável fundada no companheirismo, dizia respeito à hipótese emque se mostrava possível a conversão do procedimento em que foi deduzido pedido de imposição daguarda jurídica em procedimento de jurisdição voluntária, em virtude do consenso alcançadoposteriormente ao ajuizamento da demanda. Assim, devia-se interpretar o inciso I, do art. 1.584, nosentido de congregar tanto os casos de acordo original dos pais, quanto as hipóteses em que o acordosomente é alcançado após a propositura da ação de conhecimento ou cautelar. A referência à medidacautelar, tal como constou do inciso I, do art. 1.584, do Código Civil, deveria ser interpretada nosentido do aproveitamento do procedimento judicial instaurado para, desde logo, ser possível ahomologação do consenso alcançado pelos pais após a instauração do processo cautelar, sendodesnecessária a deflagração do processo de conhecimento em caso de acordo alcançado no bojo doprocesso cautelar.

A redação do § 1º, do art. 1.584, do Código Civil (à luz da Lei nº 11.698/08), introduziu odever do juiz de informar aos interessados aspectos relevantes sobre a guarda compartilhada, comoseu significado, sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos pais e as sanções

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para eventual descumprimento das cláusulas fruto do consenso. A regra era imperativa quanto aodever de informação que o magistrado tinha que cumprir e representou claramente a tentativa deestimular o aumento do número de guardas compartilhadas como solução menos traumática para osfilhos comuns, especialmente em decorrência das hipóteses de separação ou divórcio de pessoasformalmente unidas, ou de dissolução da união estável fundada no companheirismo. Assim, aindicação da conveniência da guarda compartilhada, especialmente para atendimento dos interessesdo filho comum, a conscientização de que os vínculos paterno-filial e materno-filial nunca seromperão e que independiam da convivência diária dos pais, eram aspectos que mereciam serinformados pelo juiz aos pais da criança ou adolescente cuja guarda era tema principal a serabordado na audiência de tentativa de conciliação, ainda que não exclusivamente – eis que outrosassuntos também podem merecer acordo. A ratio da regra tinha bastante semelhança com aquelacontida no art. 1.528, do Código Civil, acerca do dever de esclarecimento e informação, a cargo dooficial do registro civil, sobre os fatos que podem ocasionar a invalidade do casamento, bem como arespeito dos diversos regimes de bens.

No bojo da ação de separação judicial, de divórcio, de dissolução de união estável, porexemplo, era possível que somente houvesse consenso entre o homem e a mulher quanto à guarda dofilho comum. Tal possibilidade não deveria ser descartada, eis que era perfeitamente possível tratardo assunto de maneira apartada dos outros temas envolvendo o ex-casal, como divisão dos benscomuns, manutenção do nome de casado, entre outros. Reconheceu-se, com base na importância dosinteresses dos filhos menores e maiores incapazes, a independência do tema referente à guarda(inclusive quanto ao seu conteúdo, como espécie de guarda, arranjos relacionados àresponsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres inerentes ao poder familiar), não serevelando indispensável que o acordo envolvesse todos os aspectos da separação, do divórcio ou dadissolução da união estável fundada no companheirismo.

Após a tentativa de conciliação entre os pais, o § 2º, do art. 1.584, do Código, previa que, nãohavendo consenso entre os pais acerca da guarda do filho, deveria ser aplicada a guardacompartilhada, sempre que possível. Havia nítida indicação de que o juiz de direito deveria tentarbuscar o consenso entre o casal para poder definir o regime de guarda do filho comum como melhorsolução para a criança ou o adolescente. No entanto, restando infrutífera a tentativa de conciliação, omagistrado deveria avaliar a conveniência do estabelecimento da guarda compartilhada, tendo comoreferência o melhor interesse da criança ou do adolescente. O próprio caput do art. 1.584,interpretado de maneira sistemática com o § 1º, do mesmo art. 1.584, ensejou a consideração de queo regime de guarda compartilhada deveria levar em conta as necessidades específicas do filho ou adistribuição de tempo necessário ao convívio do filho com o pai e com a mãe.

Como já apontado no item anterior, foi necessária cautela quando se vislumbrar a possibilidadede causação de problemas ao menor, diante das dificuldades de relacionamento entre os pais dacriança, como animosidade, falta de harmonia, para o fim de considerar a inconveniência da medida

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em casos como tais. A guarda compartilhada não seria recomendada quando havia flagranteanimosidade entre os pais, não havendo harmonia e respeito. A cláusula entre vírgulas “sempre quepossível”, contida no § 2º, do art. 1.584, do Código, objetivava atribuir discricionariedade (e nãoarbítrio) ao julgador que, na solução do litígio poderia concluir que realmente não era aconselhável aguarda compartilhada no caso concreto devido ao clima belicoso, de animosidade e falta deharmonia, existente entre os pais da criança ou do adolescente.

A regra contida no § 2º, do art. 1.584, do Código Civil, deveria ser interpretada em harmonia ede modo sistemático com o disposto no § 2º, do art. 1.583, do mesmo texto legislativo. Logo, osfatores (ou critérios) relacionados ao afeto nas relações do pai e da mãe com o filho comum, e destecom a família (em sentido amplo), à saúde, à segurança e à educação, não apenas deviam servir dereferências objetivas ao juiz para atribuição da guarda unilateral (tal como expressamente previstano § 2º, do art. 1.583), como também seriam necessariamente considerados de modo a considerar apossibilidade da instituição da guarda compartilhada por sentença, como também levados emconsideração no detalhamento do conteúdo do regime de guarda compartilhada constante da sentençajudicial. Assim, algum ou vários dos fatores expressamente previstos no § 2º, do art. 1.583, poderiamrecomendar a instituição judicial da guarda compartilhada mesmo na falta de acordo entre os pais, ouao contrário, apontar para a inconveniência de tal regime de guarda compartilhada no caso concreto(devido à animosidade, falta de harmonia, entre outros aspectos). E, em sendo positiva erecomendável a solução da instituição da guarda compartilhada, também os fatores previstos no § 2º,do art. 1.583, serviriam para o detalhamento das questões que deveriam ser disciplinadas na sentençaquanto ao conteúdo do regime da guarda compartilhada.

Como se tratava de questão que necessariamente envolvia outras áreas do conhecimento humano– caráter multidisciplinar, cada vez mais reconhecido pelo Direito –, inclusive com a sensibilidadeque é própria do juiz de família, o § 3º, do art. 1.584, do Código Civil, dava poderes ao juiz de, exofficio, ou a requerimento do Ministério Público, determinar a realização de estudo e trabalhotécnico por profissional habilitado ou, mesmo, por equipe interdisciplinar composta por psicólogo,assistente social, entre outros profissionais que poderiam fornecer subsídios importantes. Assim,baseado na orientação técnico-profissional ou no trabalho desenvolvido pela equipe interdisciplinar,o juiz poderia estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência na guardacompartilhada. É importante observar que a regra constante do § 3º, do art. 1.584, foi dirigida aoscasos em que o juiz vislumbrava a possibilidade de instituição do regime de guarda compartilhada, oque denotava a ratio legis de efetivamente estimular a instituição de tal regime, em detrimento daguarda unilateral. Em sendo possível a determinação de ofício da obtenção de elementos deorientação técnico-profissional e estudos realizados pela equipe interdisciplinar, por óbvio que seadmitia que ambos os pais, ou qualquer um deles, requeressem a realização de tal providência,cabendo ao magistrado avaliar a adequação, pertinência e viabilidade, aspectos que normalmenteestavam presentes nestes casos.

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No entanto, mesmo no âmbito da guarda unilateral, era recomendável e bastante útil que tambémfosse realizado estudo por equipe interdisciplinar ou obtida orientação técnico-profissional,propiciando elementos mais concretos e seguros para que o juiz pudesse estabelecer determinadasregras que deveriam reger o regime da guarda unilateral, a supervisão pelo não guardião, o regime devisitação, entre outros efeitos.

A regra do § 4º, do art. 1.584, do Código Civil (na redação que foi introduzida pela Lei nº11.698/08), apresentava conteúdo de interesse ao convencimento forçado dos pais quanto ànecessidade de estrita observância do que foi consensualmente estabelecido ou do que foi impostoem sentença judicial, sob pena de aplicação de sanção pessoal ao violador da cláusula do acordohomologado ou da imposição judicial. Desse modo, a alteração do regime de guarda (unilateral oucompartilhada) judicialmente estabelecido por sentença, ou o descumprimento imotivado de cláusulado acordo de guarda (unilateral ou compartilhada), poderia implicar a diminuição de atribuições aodetentor da guarda, incluindo a previsão acerca do número de horas de convivência com o filho. Talregra deveria ser interpretada em conjugação com os demais dispositivos introduzidos pela Lei nº11.698/08, notadamente o § 2º, do mesmo art. 1.584, do Código Civil, eis que a alteração do regimeou o descumprimento injustificado poderia ter se verificado de tal monta que não se mostrava maisconveniente o regime de guarda que vinha sendo adotado até então. Podia, assim, ser imperativa aalteração do regime de guarda de maneira radical, abandonando-se o modelo até então adotado parase passar exatamente para o outro regime, ou um regime que seja mais adequado para a situação emconcreto.

Finalmente, o § 5º, do art. 1.584, do Código Civil, autorizou ao magistrado o poder de deferir aguarda da criança ou do adolescente a outra pessoa que não o pai e a mãe, quando se constatasse serprejudicial ou inconveniente à atribuição da guarda a qualquer um dos pais, hipótese em que o juizdeferiria a guarda à pessoa que revelasse compatibilidade com a natureza da medida, levando emconta seu grau de parentesco com a criança ou o adolescente, suas relações de afinidade eafetividade (tal como já previa o art. 1.584, parágrafo único, do Código Civil, na sua redaçãooriginal, anterior à Lei nº 11.698/08, e ainda prevê o art. 28, § 2º, do ECA). Tal regra não se revelounovidade, eis que o parágrafo único do art. 1.584, do Código Civil, na sua redação original, jáautorizava o magistrado a deferir a guarda da criança a outra pessoa que não o pai e a mãe, nasmesmas circunstâncias e com base nos mesmos critérios previstos no § 5º, do art. 1.584, na redaçãoda Lei nº 11.698/08. Não houve, a esse respeito, alteração de conteúdo na regra anterior, havendoapenas mudança topográfica, eis que o dispositivo deixou de estar contido em parágrafo único parapassar a ser o § 5º, do art. 1.584. Cuidou-se de espécie de válvula de escape há muito admitida nalegislação brasileira, sempre tendo como referência central o melhor interesse da criança.

Apesar de algumas impropriedades vernaculares e, por vezes, de sistematização, foi digno dereconhecimento o avanço imposto pela Lei nº 11.698/08 que, como analisado, estabeleceu o modelodual da guarda jurídica no Direito brasileiro, buscando apresentar mecanismos de direito material e

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3.

3.1.

de direito processual que visavam a estimular a implantação da guarda compartilhada na realidadedos vínculos de paternidade, maternidade e filiação no sistema jurídico brasileiro. Tratou-se deimportante caminho na direção do cumprimento do melhor interesse da criança e do adolescente,princípio basilar e constitucional que informa a matéria. A Lei nº 11.698/08 deu importante passo norumo da democratização e humanização da guarda jurídica da criança e do adolescente e, por óbvio,deve ser iluminada pelos princípios e valores constitucionais aplicáveis às famílias, às crianças eaos adolescentes (arts. 226 a 230 da Constituição Federal).

ANÁLISE DAS ALTERAÇÕES E INOVAÇÕES DA LEI Nº 13.058/14

Este item tem como propósito analisar as alterações e inovações introduzidas pelo texto da Leinº 13.058, de 22 de dezembro de 2014, buscando sua sistematização com a análise pormenorizada –e excepcional – de cada dispositivo introduzido pelo texto da nova lei que alterou substancialmente aredação dos arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634, todos do Código Civil de 2002. Não há umacontrariedade ou incongruência entre os textos das Leis nº 11.698/08 e nº 13.058/14, mas simalgumas mudanças que impuseram a guinada para reconhecer como prioritário o regime da guardacompartilhada que passa a ser a regra, ao passo que a guarda unilateral será, doravante, a exceção.Esta é fundamentalmente a grande novidade introduzida pela Lei nº 13.058/14.

Nova redação dos §§ 2º, 3º e 5º do art. 1.583 do Código Civil

Art. 1.583. (...)§ 1.º (...)§ 2.º Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de formaequilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interessesdos filhos.I – (revogado);II – (revogado);III – (revogado).§ 3.º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela quemelhor atender aos interesses dos filhos.§ 4.º (VETADO)§ 5.º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interessesdos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítimapara solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ousituações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seusfilhos.

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3.2.

A transcrição da nova redação do art. 1.583, do Código Civil (na redação que lhe foi dada pelaLei nº 13.058/14), se revela oportuna para subsidiar o encadeamento lógico do raciocínio a seguirexposto acerca do novo regime de guarda da criança ou do adolescente à luz dos valores e princípiosprevistos no ordenamento jurídico brasileiro.

A principal novidade, sem dúvida, foi dar ênfase à guarda compartilhada como modeloprioritário ao atendimento aos interesses dos filhos comuns quando confrontados com os interessesde seus pais. Completa-se o ciclo para tornar regra a guarda compartilhada e, desse modo, exceção,a guarda unilateral. A revogação do preceito contido no § 2º do art. 1.583 (na redação dada pela Leinº 11.698/08), com a substituição da referência à guarda unilateral para passar a mencionar a guardacompartilhada, teve como principal propósito estabelecer a guarda compartilhada como regra, demodo a dar concretude ao melhor interesse da criança e do adolescente que, assim, continuará amanter contato cotidiano e constante com ambos os pais, e não apenas com um deles.

De modo correto e coerente, o § 3º do art. 1.583 (na atual redação) prevê que os filhos terão umlocal (ainda que o preceito se refira à “cidade”) que servirá de base de sua moradia, atendendo aosseus interesses (“melhor interesse da criança e do adolescente”), sendo que não haverá um regime devisitação. A regra do § 2º do art. 1.583, na redação dada pela Lei nº 13.058/14, reforça a noção deque inexiste regime de visitação na guarda compartilhada e, por isso o tempo de convívio ecomunicação dos filhos com ambos os pais deverá ser dividido do modo equilibrado, levando emconsideração as condições fáticas e os interesses dos filhos. Tal preceito não instituiu o modelo daguarda alternada, diversamente do que se poderia supor, mas apenas deixou evidenciado que não háregime de visitação relativamente a um dos pais quando houver guarda compartilhada.

A Lei nº 13.058/14, ao incluir o § 5º ao art. 1.583, do Código Civil, apenas readequou aprevisão do poder de supervisão que o não guardião, no regime da guarda unilateral, exercerá sobreassuntos ou situações relacionados à saúde física e psicológica e à educação dos filhos. Valem aquias mesmas observações feitas nos comentários à Lei nº 11.698/08 a esse respeito, porquanto nãohouve mudança substancial em se tratando de guarda unilateral.

Nova redação do art. 1.584 do Código Civil

Art. 1.584. (...)§ 1.º (...)§ 2.º Quando não houver acordo entre a mãe o pai quanto à guarda do filho, encontrando-seambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada,salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.§ 3.º Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guardacompartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se emorientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão

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equilibrada do tempo com o pai e com a mãe.§ 4.º A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guardaunilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seudetentor.§ 5.º Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferiráa guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, depreferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e de afetividade.§ 6.º Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquerdos genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$500,00 (quinhentos reais) por dia pelo não atendimento da solicitação.

Em sintonia com as alterações feitas ao art. 1.583, do Código Civil, a Lei nº 13.058/14 tambémalterou a redação dos §§ 2º a 5º do art. 1.584, do Código Civil, e acrescentou o § 6º a estedispositivo legal para prever uma sanção à instituição pública ou privada que não prestarinformações acerca da situação dos filhos colocados em regime de guarda.

A Lei nº 13.058/14, ao manter a redação do caput e do § 1º do art. 1.584, reafirmou apossibilidade de o regime de guarda – unilateral ou compartilhada – ser estabelecido por consensoentre os pais ou por decisão judicial. A mudança significativa introduzida pelo § 2º do art. 1.584, doCódigo Civil, foi a priorização do modelo da guarda compartilhada que, a princípio, não poderádeixar de ser adotado, a não ser que um dos pais não detenha o poder familiar ou que expressamentedeclare que não deseja a guarda do filho. A mudança redacional do referido parágrafo é, sem dúvida,a principal novidade introduzida pela Lei nº 13.058/14, ou seja, de acolher o modelo da guardacompartilhada como regra, sendo exceção a guarda unilateral ou outro modelo de guarda. Há umaoutra questão subjacente a esta, que é uma certa redução da discricionariedade judicial na imposiçãode outro modelo de guarda que não a compartilhada. Realmente, a Lei nº 13.058/14 alterou o quadronormativo então existente à luz da Lei nº 11.698/08 e, assim, tornou regra o regime da guardacompartilhada, e exceções os demais regimes – entre eles o da guarda unilateral. Contudo, ao estatuiro preceito contido no § 3º do art. 1.584, do Código Civil, que o juiz terá condições de estabelecer asatribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, na realidadehouve a manutenção de certa margem de discricionariedade, desde que no modelo compartilhado deguarda. E, neste particular, o magistrado contará com o auxílio de profissionais especializados parapermitir a fixação de tais atribuições e os períodos de convivência.

A nova redação do § 4º, do art. 1.584 do Código Civil, ao suprimir apenas a referência quanto àredução do número de horas de convivência nos casos em que um dos guardiões alterarinjustificadamente ou descumprir imotivadamente as cláusulas (quando comparada com redaçãoanterior dada pela Lei nº 11.698/08), buscou assegurar que não haja prejuízo aos interesses dacriança ou do adolescente quando um dos guardiões violar qualquer das cláusulas ou regras sobre o

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3.3.

3.4.

regime concreto de guarda que foi estabelecido.Além disso, foi mantida a substância do preceito contido no § 5º, do art. 1.584 do Código Civil,

acerca da possibilidade de o juiz deferir a guarda a outra pessoa que não o pai ou a mãe da criançaou do adolescente, nas circunstâncias que não recomendem a manutenção da guarda com qualquer umdos pais. E, para tanto, deverá ser nomeado guardião aquele que revelar melhor compatibilidade coma natureza da medida, observados os critérios do grau de parentesco, bem como de afinidade eafetividade.

Finalmente, a Lei nº 13.058/14 introduz uma sanção pecuniária – duzentos a quinhentos reaispor dia – para “qualquer estabelecimento público ou privado” que não preste as informaçõessolicitadas por qualquer um dos genitores sobre seus filhos. Trata-se de norma que visa aconstranger, por exemplo, a instituição de ensino a fornecer as informações solicitadas pelo pai oumãe para fins de exercer o poder de supervisão previsto no § 5º, do art. 1.583, do Código Civil.

Nova redação do art. 1.585 do Código Civil

Art. 1.585. Em sede de medida cautelar de separação de corpos, em sede de medida cautelar deguarda ou em outra sede de fixação liminar de guarda, a decisão sobre guarda de filhos, mesmoque provisória, será proferida preferencialmente após a oitiva de ambas as partes perante ojuiz, salvo se a proteção dos interesses dos filhos exigir a concessão de liminar sem a oitiva daoutra parte, aplicando-se as disposições do art. 1.584.

Apesar de não ter havido qualquer modificação anterior na regra do art. 1.585 do Código Civilpela Lei nº 11.698/08, já era evidente que havia possibilidade de decisão em sede de tutela deurgência sobre a guarda, não apenas nos casos de ações cautelares de separação de corpos, mastambém em outras cautelares ou mesmo em ações de conhecimento com tutela de urgência, A Lei nº13.058/14, neste particular, apenas atualizou a redação do art. 1.585, do Código Civil, ao passartambém a prever a ação cautelar de guarda e a ação de conhecimento com requerimento de tutela deurgência envolvendo a guarda provisória dos filhos.

Mas a Lei nº 13.058/14 avançou mais no tema, ao prever que as medidas cautelares ouantecipatórias somente poderão ser impostas após a oitiva de ambas as partes em audiência judicial,ressalvada a hipótese de extrema urgência da medida quando houver manifesto interesse da criançaou do adolescente nessa decisão emergencial. Assim, por exemplo, fatos graves, tais como relatos deabusos físicos ou sexuais supostamente perpetrados por um dos pais envolvendo o filho, poderãoensejar decisão célere inaudita altera pars devido à própria circunstância fática detectada. E, emqualquer caso, deverão ser observadas as regras do art. 1.584, do Código Civil, mesmo em sede defixação da guarda provisória.

Nova redação do art. 1.634 do Código Civil

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Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a situação conjugal, o pleno exercíciodo poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: I – dirigir-lhes a criação e a educação;II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;IV – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; V – conceder-lhesou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;VI – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhesobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;VII – representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vidacivil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes oconsentimento;VIII – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;IX – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

A Lei nº 13.058/14 introduz duas modificações no art. 1.634, do Código Civil, além deacrescentar duas atribuições ao poder familiar que anteriormente não eram previstas. Uma dasmodificações se refere ao inciso II, do art. 1.634, do Código, pois na redação original o dispositivose referia à atribuição de ambos os pais terem seus filhos menores em sua companhia e guarda. Coma nova redação, compete aos pais exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art.1.584 do Código Civil. É certo que os pais têm a companhia de seus filhos menores durante o poderfamiliar e, obviamente, tal atribuição não desaparecerá com o novo preceito, mas era necessárioproceder à alteração da regra legal para fazer expressa referência à guarda compartilhada e aoscritérios e modos previstos no art. 1.584, do Código Civil. Assim, a alteração do inciso II, do art.1.634, somente foi feita para fins de adequação à nova redação do art. 1.584, do Código Civil, compriorização para o modelo da instituição e efetivação da guarda compartilhada.

A outra modificação se refere ao início do preceito do art. 1.634, com a inclusão de duasexpressões importantes: “situação conjugal” e “pleno exercício do poder familiar”. A Lei nº13.058/14 apenas positivou orientação doutrinária e judicial que já tinha se consolidado no sentidode que as atribuições dos pais acerca do poder familiar independem da existência de vínculo familiarentre os pais. Não é necessário o casamento ou união estável fundada no companheirismo entre ospais para que ambos assumam as atribuições previstas no art. 1.634 do Código Civil. Além disso,eles deverão ter o “pleno exercício do poder familiar”, ou seja, sem qualquer restrição ou redução,ressalvada a suspensão ou destituição do poder familiar ou a hipótese prevista no § 4º, do art. 1.584,do Código Civil, quanto à redução de prerrogativas atribuídas ao detentor do poder familiar.

As duas atribuições acrescentadas pela Lei nº 13.058/14 ao art. 1.634 constam dos incisos IV eV: “consentimento para viagem ao exterior” e “consentimento para mudança da residênciapermanente para outro Município”. Mesmo que seja adotado o modelo da guarda unilateral que,

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como visto, passou a ser exceção, o pai/a mãe não guardião/não guardiã terá que ser consultado arespeito de possível viagem do filho ao exterior, bem como de possível intenção de mudança daresidência permanente para outro Município. Neste particular, o Direito brasileiro passa a se filiar àorientação adotada em outros países que atribuem a ambos os pais – independentemente da suacondição de guardião ou não – as prerrogativas de participarem de deliberações muito importantesnas vidas de seus filhos, como a mudança de residência permanente, além de viagem para o exterior.O Brasil é signatário da Convenção da Haia sobre Aspectos Civis do Sequestro Internacional deCrianças, e uma das práticas ilícitas previstas no referido ato normativo internacional é atransferência ilícita da criança de um país para outro sem o consentimento do outro pai/mãe.

Em vários países que são signatários da Convenção da Haia de 1980 há a previsão de violaçãoao direito de guarda quando um dos pais não é consultado a respeito da viagem e mudança deresidência do filho para outro Estado contratante da Convenção. Doravante no Brasil, mesmo quehaja guarda unilateral, o não guardião deverá ser consultado sobre a mudança de residênciapermanente da criança, bem como sobre qualquer intenção de viagem ao exterior.

NOTA CONCLUSIVA

Nota-se, contudo, que a lei exclusivamente nada resolve, sendo necessária a conscientização e ainformação acerca dos novos e importantes modelos, especialmente o da guarda compartilhada e,assim, será possível o reconhecimento efetivo da efetividade dos direitos humanos e fundamentais noâmbito das relações privadas e familiares, mormente em tema tão importante e sensível para asociedade brasileira, que é o futuro das nossas crianças e adolescentes.

É dever de todos os atores jurídicos e da própria doutrina e jurisprudência empreender trabalhoincessante e vital de proceder à correta interpretação e aplicação das normas jurídicas, sempre tendocomo referência o melhor interesse da criança e do adolescente. E com base neste norte devem serinterpretadas as alterações e novidades introduzidas pela Lei nº 13.058/14 no modelo da guardajurídica dos filhos menores.

REFERÊNCIAS

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RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Agr. Instr. nº 70018264713. 7ª Câmara Cível,Desembargadora Maria Berenice Dias, julg. 11.04.2007.

_______, Tribunal de Justiça. Apel. Cível nº 70018528612, 7ª Câmara Cível, Desem- bargadorRicardo Raupp Ruschel, julg. 23.05.2007.

_______, Tribunal de Justiça. Apel. Cível nº 70015113707, 8ª Câmara Cível, Desem- bargador JoséAtaídes Siqueira Trindade, julg. 22.06.2006.

_______, Tribunal de Justiça. Apel. Cível nº 7005760673, 7ª Câmara Cível, Desem- bargadorSérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julg. 12.03.2003.

IBGE, Estatísticas do Registro Civil 2002 , <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/17122003registrocivilhtml.shtm>.Acesso em: 21.11.2007.LOTUFO, Maria Alice Zaratin. A guarda e o exercício do direito de visita. Revista do Advogado. São Paulo: AASP, ano XXVII, maiode 2007, p. 97.SÃO PAULO, Tribunal de Justiça. Ap. Cível nº 281.474-4/8 – Itapeva – 7ª Câmara de Direito Privado, Rel. Desembargador SousaLima, julg. 01.09.2004: “Guarda compartilhada – Pedido juridicamente impossível – Caracterização – Situação que, ademais, poderiadesestabilizar emocionalmente a menor – Extinção sem exame do mérito – Confirmação – Recurso não provido”.SÃO PAULO, Tribunal de Justiça. Ag. Inst. nº 368.009-4/0 – São Paulo – 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. DesembargadorMaurício Vidigal, julg. 17.05.2005: “MENOR – Acordo de guarda compartilhada pretendido em separação consensual –Indeferimento – Inexistência de impedimento legal – Pais que sabem melhor as necessidades de sua filha do que burocratas que nãoa conhecem – Agravo provido”.

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RIO DE JANEIRO, Tribunal de Justiça. Agr. Inst. nº 2007.002.02406, 9ª Câmara Cível, Desembargador Paulo Maurício Pereira, julg.08.05.2007. No corpo da ementa, ainda constou o seguinte: “Em caso de separação ou divórcio consensual, deve ser observado o queos cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos. Inteligência do art. 1.583, do Código Civil. A intervenção estatal na questão só sejustifica quando apurado que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos menores, o que não é o caso dos autos. Osimples fato da fixação da residência dos menores com a mãe ou dos pais residirem em bairros distintos e distantes, por si só, nãotem o condão de afastar a intenção dos agravantes de exercerem, conjuntamente, os poderes inerentes ao pátrio poder, de formaigualitária e com a mesma intensidade participando das grandes decisões relativas às crianças, consagrando o direito dos filhos deserem criados por seus dois pais”.RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Agr. Instr. nº 70018264713. 7ª Câmara Cível, Desembargadora Maria Berenice Dias,julg. 11.04.2007: “GUARDA COMPARTILHADA. CABIMENTO. Tendo em vista que o pai trabalha no mesmo prédio que ainfante, possuindo um contato diário com a filha, imperioso se mostra que as visitas se realizem de forma livre, uma vez que a própriagenitora transige com a possibilidade de ampliação das visitas. Agravo provido, por maioria, vencido o Relator”.RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Apel. Cível nº 70018528612, 7ª Câmara Cível, Desembargador Ricardo Raupp Ruschel,julg. 23.05.2007.RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Apel. Cível nº 70015113707, 8ª Câmara Cível, Desembargador José Ataídes SiqueiraTrindade, julg. 22.06.2006.RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Apel. Cível nº 7005760673, 7ª Câmara Cível, Desembargador Sérgio Fernando deVasconcellos Chaves, julg. 12.03.2003.RIO DE JANEIRO, Tribunal de Justiça. Apel. Cível nº 2005.001.51172, 4ª Câmara Cível, Desembargador Luis Felipe Salomão, julg.14.03.2006.RIO DE JANEIRO, Tribunal de Justiça. Apel. Cível nº 2005.001.20632, 17ª Câmara Cível, Desembargador Raul Celso Lins e Silva,julg. 08.09.2005.Projeto de Lei nº 6.350, de 2002, Diário da Câmara dos Deputados, 10.04.2002, p. 14.793.Sem a intenção de esgotar todas as referências doutrinárias, podem ser mencionadas as seguintes: GAMA, Guilherme CalmonNogueira da. Direito de família brasileiro . São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2001; MÔNACO, Gustavo Ferraz de Campos.Atribuição da guarda na desunião dos pais. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (coords.). Questõescontrovertidas no Direito de Família e das Sucessões. v. 3. São Paulo: Método, 2005; MOTTA, Maria Antonieta Pisano.Compartilhando a guarda no consenso e no litígio. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Família e dignidade humana: anaisdo V Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey e IBDFAM, 2006.É válido reproduzir trecho da justificativa do Dep. Tiden Santiago a esse respeito: “Guarda alternada caracteriza-se pela possibilidadede cada um dos pais deter a guarda do filho alternadamente, segundo um ritmo de tempo que pode ser de um ano, um mês, umasemana, uma parte da semana, ou uma repartição organizada dia a dia e, consequente-Deve-se tecer sutil crítica às expressões “genitor” e “genitores”, empregadas nos §§ 1º e 2º, do art. 1.583, do Código Civil (na redaçãoda Lei nº 11.698/08), quando na realidade o texto quer se referir aos pais (jurídicos) da criança ou do adolescente. No âmbito dastécnicas de reprodução assistida, sob a modalidade heteróloga, o genitor é reputado a pessoa que, biologicamente, tem vínculo com acriança, como no exemplo do doador dos gametas (seja homem ou mulher), mas que não será reputado pai ou mãe da criança.Eis o teor do parágrafo vetado: “Art. 1.583 (...) § 4º. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser fixada, por consenso ou pordeterminação judicial, para prevalecer por deter- minado período, considerada a faixa etária do filho e outras condições de seuinteresse”. Na mensagem de veto, foi expressamente consignado o seguinte: “O dispositivo encontra-se maculado por umaimprecisão técnica, já que atesta que a guarda poderá ser fixada por consenso, o que é incompatível com a sistemática processualvigente. Os termos da guarda poderão ser formulados em comum acordo pelas partes, entretanto quem irá fixá-los, após a oitiva doMinistério Público, será o juiz, o qual deverá sempre guiar-se pelo princípio do melhor interesse da criança” (Mensagem nº 368.Diário Oficial da União, 16.06.2008).

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GUARDA COMPARTILHADA: UM PASSO À FRENTE EM FAVORDOS FILHOS

JORGE SHIGUEMITSU FUJITA

Sumário: 1. Considerações iniciais – 2. Guarda – 3. Espécies de guarda: 3.1. Guarda individual; 3.2.Guarda conjunta – 4. Itens negativos e positivos da guarda compartilhada – 5. Guarda compartilhada:um passo à frente em favor dos filhos – Bibliografia.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A guarda compartilhada, modalidade aguardada pelos familiaristas1 e por boa parte dosjuristas,2 foi introduzida em nosso atual Código Civil por meio da Lei 11.698, de 13 de junho de2008,3 a qual promoveu alterações em seus arts. 1.583 e 1.584. Ao lado da guarda compartilhada, foimantida a guarda unilateral ou exclusiva.

Antes dessas mudanças, a guarda atendia ao que os cônjuges estabeleciam no instante dadissolução consensual da sociedade conjugal ou do vínculo matrimonial, ou, inexistindo acordo, eraatribuída, de forma exclusiva, pelo juiz ao cônjuge que reunisse as melhores condições para o seuexercício e, caso nenhum dos dois revelasse qualificação para tanto, era destinada a uma pessoa querevelasse compatibilidade com a natureza da medida, considerando o grau de parentesco e relaçãode afinidade e de afetividade.

A Lei 11.698/2008 surgiu do Projeto de Lei 6.350/2002, de autoria do Deputado TildenSantiago, o qual, em sua justificação, afirmava que a adoção do sistema de guarda compartilhada seencontrava na própria realidade social e judiciária, na medida em que deveriam ser assegurados omelhor interesse da criança e a igualdade entre pais e mães na responsabilização por seus filhos.Para ele, a guarda compartilhada permitiria um convívio mais estreito dos filhos com seu pai e suamãe, sendo estes copartícipes em igualdade de direitos e deveres relativamente à educação, religião,saúde, lazer e às demais coisas na vida de seus filhos.

O Projeto de Lei 6.350/2002 propunha o acréscimo de dois parágrafos ao art. 1.583 do CódigoCivil, o qual se referia ao acordo feito pelos cônjuges, na separação judicial, ou no divórcio, ou nadissolução da união estável, a respeito da guarda dos filhos. O primeiro parágrafo afirmava aobrigatoriedade do magistrado, antes de homologar o acordo, de sempre ressaltar aos separandos oudivorciandos as vantagens oferecidas pela guarda compartilhada. O segundo parágrafo explicava o

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significado da guarda compartilhada, afirmando tratar-se de um “sistema de corresponsabilização dodever familiar entre os pais, em caso de ruptura conjugal ou da convivência, em que os paisparticipam igualmente da guarda material dos filhos, bem como dos direitos e deveres emergentes dopoder familiar”.

Ainda esse projeto de lei alterava a redação do art. 1.584 do Código Civil e incluía o parágrafoprimeiro. O caput do art. 1.584 ficaria assim redigido: “Declarada a separação judicial ou odivórcio ou separação de fato sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, o juizestabelecerá o sistema da guarda compartilhada, sempre que possível, ou, nos casos em que não hajapossibilidade, atribuirá a guarda tendo em vista o melhor interesse da criança”. O § 1º preceituava:“A guarda poderá ser modificada a qualquer momento atendendo sempre ao melhor interesse dacriança”.

Colocado em debate e discussão nas duas casas do Congresso Nacional, o referido projeto delei foi objeto de alteração, possibilitando a guarda compartilhada não apenas para pais que tiveram adissolução do seu casamento pela separação judicial ou extrajudicial, ou pela extinção do vínculomatrimonial pelo divórcio, ou para pais que se separaram de fato, como também para pais quedissolveram a união estável, ou pais que, simplesmente, não estavam a viver sob o mesmo teto.Verifica-se, pois, que a lei que passou a viger possuía uma amplitude maior que aquela preconizadaoriginariamente por seu projetista.

Embora comemorada a sua aprovação pelo Congresso Nacional e, mais ainda, festejada a suasanção presidencial, o tema dividiu a posição entre os juristas e operadores do direito.4-5

Mesmo com eventuais discordâncias que a lei pudesse oferecer, entendíamos que a implantaçãooficial da guarda compartilhada representava um marco importante nas relações paterno-materno-filiais, colocando em evidência os interesses e direitos do menor, e não somente os pertencentes aospais, os quais, em várias oportunidades e exemplos, têm demonstrado uma grande mesquinhez eegoísmo em prejuízo de seus próprios filhos.

Após o decorrer de mais de cinco anos de existência legal da guarda compartilhada, entendeu olegislador pátrio serem necessários alguns ajustes nesse instituto jurídico. Deste modo, a Lei 13.058,de 22 de dezembro de 2014, veio a alterar os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do Código Civil, como sentido de estabelecer o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispor sobre a suaaplicação.

Nos itens seguintes, iremos analisar o que vem a ser a guarda e as suas diversas espécies,analisando a guarda compartilhada e apresentando as nossas conclusões a seu respeito.

GUARDA

A guarda é o direito-dever6 que cabe aos pais, ou a quem de direito, de prover as necessidadesvitais de alimentação, vestuário, higiene, moradia, assistência médica e odontológica, de educação e

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de lazer de seus filhos, ou daqueles que se encontrem sob a sua proteção.7-8-9-10

Não há como confundir a guarda com o poder familiar, porquanto ela é elemento constitutivo dopoder familiar, exercida por ambos os pais, para a proteção dos filhos menores de 18 (dezoito) anosde idade, durante a constância do casamento ou da união estável, ou por apenas um deles, em virtudede dissolução da sociedade conjugal ou da união estável.

Tratando-se de pais separados legalmente11 ou divorciados, ou simplesmente separados de fato,permanecerá o poder familiar com ambos. Se a separação legal ou o divórcio ocorrer de maneiraamigável, será estabelecida entre eles a guarda unilateral ou a compartilhada.

Na audiência de conciliação, caberá ao magistrado esclarecer o pai e a mãe a respeito dosignificado da guarda compartilhada, da sua importância para a vida do menor, da igualdade dedireitos e deveres conferidos aos genitores, assim como das sanções resultantes do não cumprimentode suas cláusulas.12

Todavia, não existindo composição amigável quanto à guarda do filho, encontrando-se ambosos genitores aptos ao exercício do poder familiar, a guarda compartilhada será aplicada pelo juiz,exceto se um dos genitores declarar ao magistrado que não quer a guarda do menor.13 As atribuiçõesdo pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada deverão ser fixados pelojuiz, de ofício ou a pedido do Ministério Público, podendo ter como base uma orientação técnico-profissional ou de uma equipe interdisciplinar.14

Estabelecida a guarda compartilhada, seja por consenso comum entre os genitores, seja peladeterminação judicial, o tempo de convívio com os filhos deverá ser dividido de maneiraequilibrada com a mãe e com o pai, levando em conta sempre as condições de fato e os interessesdos filhos. Ademais, será considerada base de moradia dos filhos a cidade que melhor atender aosinteresses dos menores.15

A guarda unilateral conferida por mútuo consenso entre os pais, a um deles, ou entãodeterminada judicialmente, obriga o pai ou a mãe que não a detenha a promover a supervisão dosinteresses dos filhos, podendo, para tanto, solicitar informações e/ou prestação de contas em assuntosou situações que, de forma direta ou indireta, afetem a integridade física e psicológica e a educaçãode seus filhos.16

Cumpre salientar que, caso o juiz se decida pela guarda unilateral, deverá atribuí-la ao pai, ou àmãe, atendendo às necessidades específicas do filho, ou em virtude da distribuição de temponecessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. Não mais a atribuirá levando em conta que umdos genitores ofereça melhores condições para exercê-la.17 Isso porque, se ambos possuemcondições de exercício da guarda, deverá o magistrado decidir pela aplicação da guardacompartilhada, que somente não ocorrerá na hipótese de um deles se manifestar pelo desinteresse naguarda. Nesse sentido, certamente caberá decidir pela guarda exclusiva em favor do genitor queapresente interesse em exercê-la, mas que também reúna condições morais e afetivas para tanto (e

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3.1.

não apenas de ordem econômico-financeira), sempre em defesa do melhor interesse do menor,ficando, deste modo, afastado o elemento culpa como determinante da guarda em caso de separaçãojudicial litigiosa, como ocorria no direito anterior. De acordo com Miguel Reale, esse poder-deverdo juiz decorre da função social da família, devendo a guarda ser atribuída “à pessoa que revelecompatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco erelação de afinidade”.18

Se, porventura, o juiz concluir que o filho não deve ficar sob a guarda do pai ou da mãe, deveráconceder a guarda a uma pessoa que demonstre compatibilidade com a natureza da medida, devendoser considerados, de maneira preferencial, o grau de parentesco e as relações de afinidade eafetividade.19

Cumpre esclarecer que o poder familiar pode ser exercido sem a guarda, ao passo que a guardapode existir sem o poder familiar. Neste caso, a guarda constitui um “direito distinto e autônomo deoutra pessoa”.20

Efetivamente, na primeira hipótese, o pai, ou a mãe, pode manter o controle sobre a educaçãodo filho, sem deter a guarda. No que concerne à segunda hipótese, o guardião pode criar o filho, seuou de outrem, sem ser o titular do poder familiar.21

ESPÉCIES DE GUARDA

As espécies de guarda são duas: a individual e a conjunta.

Guarda individual

Guarda individual é aquela atribuída a uma única pessoa, que poderá ser o pai, ou a mãe, ououtrem que sequer tenha uma relação parental com o menor.

É mister que o casal de pais separados ou divorciados tenha sempre em mente a felicidade deseus filhos, deixando de lado as frustrações deixadas pelo matrimônio desfeito, evitando, assim, queseus fracassos pretéritos atinjam os preciosos frutos de sua ex-união. A guarda individual poderá serexclusiva (ou unilateral) ou alternada. A guarda será considerada exclusiva, se for conferida por umou por ambos os pais, ou por decisão judicial, a uma única pessoa, de forma desvinculada do poderfamiliar ou do grau de parentesco desta com relação ao menor.22

Alguns filhos poderão ficar com o pai e outros com a mãe, ou então todos com a mãe, ou todoscom o pai, levando em conta os interesses dos filhos, os quais nem sempre são iguais.23 O pai nãoguardião, ou a mãe não guardiã, terá direito de visitas, assim como o poder-dever de supervisionar aconduta do guardião, ou da guardiã, sendo sempre parte legítima para requerer informações ou exigirprestação de contas (objetivas ou subjetivas) relativamente a assuntos e situações que, de mododireto ou indireto, afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos. O guardião, ouguardiã, que, sem autorização, alterar cláusula de guarda, ou que a descumprir, estará sujeito à

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3.2.

redução de suas prerrogativas.24

A responsabilidade de vigilância sobre o menor caberá àquele que detiver a guarda. Valeobservar que, se o ato lesivo do filho ocorrer no lapso temporal da visita ou da permanênciatemporária, em que ele se encontrava com o pai não guardião, ou com a mãe não guardiã, aresponsabilidade pelos danos provocados a terceiros será deste, ou desta, considerando-se que aguarda havia sido transferida transitoriamente, juntamente com o dever de vigilância.25 Observamos,porém, que, na hipótese de um dos pais não guardião discordar do outro, guardião, no exercício dopoder familiar, poderá levar a questão ao magistrado para a solução correspondente.

Já a guarda alternada é aquela exercida individualmente pelo pai, ou pela mãe, com alternânciaperiódica e fixa entre eles, que foram, ou não, casados entre si, mas que se encontram separadoslegalmente, ou de fato, ou divorciados. Nessa modalidade, um dos pais tem a guarda por umdeterminado tempo, que não precisa ser igual para ambos, após o que o outro o sucede nesse direito-dever. As decisões a ela correspondentes são tomadas pelo guardião, no período em que a guarda lhefor atribuída.26 Enquanto um deles detiver a guarda, o outro poderá exercer o direito de visita.

A crítica dirigida a essa espécie de guarda diz respeito à instabilidade emocional que provocano filho, com exceção de situações extremas, como aquelas em que os pais residam em locais muitodistantes um do outro, como, por exemplo, em diferentes estados ou países.27

Guarda conjunta

Guarda conjunta é aquela atribuída a duas pessoas ou mais,28 que promovem o seu exercício demodo simultâneo, alternado ou compartilhado. Desta forma, encontramos a guarda simultânea, aguarda alternada e a guarda compartilhada. A guarda simultânea é aquela conferida a duas pessoas oumais (em hipótese de multiparentalidade), que a desempenham de maneira conjunta e concomitante. Éa exercida pelos pais, enquanto vigente o poder familiar, na constância do matrimônio ou da uniãoestável; ou por um casal de parentes, casados ou não entre si; ou por um casal em que um delesapenas tenha vínculo parental com o menor; ou por um casal estranho, porém idôneo, nomeado pordecisão judicial (pessoas que pretendem a adoção, por exemplo).29

A guarda alternada é aquela exercida em conjunto pelos pais, porém com alternância periódicaentre eles, que eram, ou não, casados entre si, mas que se encontram separados de fato, oulegalmente, ou divorciados. Nessa modalidade, um dos genitores tem a guarda por um certo lapsotemporal, que não precisa ser igual para eles, após o que o outro o sucede nesse poder-dever. Asdecisões inerentes a essa espécie de guarda são tomadas pelo guardião, no período em que a guardalhe for atribuída.30

A guarda compartilhada é aquela em que os pais a titularizam e a exercem, apesar da dissoluçãodo matrimônio ou da união estável, existindo uma corresponsabilidade entre eles, que detêm a guardajurídica conjunta sobre o filho, embora haja uma alternância da guarda direta ou de fato entre eles,

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mas de modo flexível, sem atendimento a um cronograma fixo e rígido, tudo isso visando a dar aofilho menor a oportunidade de ter um contato maior com ambos os pais.

Desta forma, na guarda compartilhada, o pai e a mãe “dividem a responsabilidade sobre osfilhos ao mesmo tempo e compartilham as obrigações pelas decisões importantes”31 referentes aosmenores.32

ITENS NEGATIVOS E POSITIVOS DA GUARDA COMPARTILHADA

Os doutrinadores têm apontado a existência de alguns itens favoráveis e desfavoráveisrelativamente à guarda compartilhada.

Entre os pontos negativos, observa-se que a constante troca de residência – ora da mãe, ora dopai – provoca ao filho menor a falta de um ponto de referência, de um lugar fixo, onde possa seconscientizar como pessoa em desenvolvimento dentro da comunidade social.

Recomenda-se, ainda, que os pais, embora separados ou divorciados, residam nas imediaçõesum em relação ao outro, para tornar mais fácil e ágil o contato de ambos com o filho, dentro dascontínuas alternâncias que a guarda proporciona.

Soma-se, igualmente, outro item negativo: a guarda compartilhada não vingaria numrelacionamento hostil entre os pais, em que dominam o rancor, a mágoa e a desavença,características comuns entre pais que se separaram de forma litigiosa, embora tenham em comum oamor pelo filho. Talvez seja essa a maior crítica dirigida à mudança levada a efeito pela Lei 13.058,de 22 de dezembro de 2014, ao § 2º, do art. 1.584. Como poderia dar certo a guarda compartilhada,se decorrente não de um consenso entre os pais, mas de uma determinação judicial, impondo umcompartilhamento entre pessoas que se negam a fazê-lo? Seria suficiente a sanção consistente emredução de prerrogativas atribuídas ao genitor que promovesse alteração não autorizada ou odescumprimento de cláusula da guarda compartilhada?33 Acredito que não. Impor judicialmente aguarda compartilhada para pais em conflito poderia resultar em prejuízos ao filho, “inclusive emdecorrência de alienações parentais praticadas por ambos os guardiões”.34 O sucesso da guardacompartilhada depende da maturidade dos pais, de sua compreensão, amor e desprendimento emfavor de seu filho.

No tocante aos aspectos favoráveis, entendem os seus adeptos que a guarda compartilhadaatribui ao menor a oportunidade de “se sentir em casa tanto na residência de seu pai quanto na de suamãe, identificando cada um desses espaços como um porto seguro”,35 em que venha a firmar as suasalegrias, tristezas, ilusões e desilusões, conquistas e fracassos.

Caracteriza-se, ainda, pela flexibilidade, não significando que o menor deva “conviver de modomilimetricamente igual com um e com outro”,36 uma vez que, em nome de seu melhor interesse, omais importante é estar vivendo com ambos os pais, de modo mais amplo e aprofundado.37 Essaparticipação maior dos pais em prol de seu filho tende a “diminuir as eventuais dúvidas e

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hostilidades que normalmente acompanham a ruptura do casal, favorecendo a criança, na medida emque ambos os genitores continuam envolvidos com o destino da sua prole”.38 A guarda compartilhadafacilita a responsabilidade do dia a dia, “que passa a ser dividida entre pai e mãe, dando condiçõesiguais de expansão sentimental e social a ambos os genitores”.39 Existe uma corresponsabilidade dospais quanto às decisões sobre a vida de seus filhos.40

Por fim, indica-se como fator positivo a “relação necessidade-possibilidade, devendo ambos ospais se responsabilizar pelo atendimento às necessidades materiais de seus filhos, sendo que aresponsabilidade inerente ao poder familiar passa a ter expressão na coparticipação na orientação,educação e sustento”.41

GUARDA COMPARTILHADA: UM PASSO À FRENTE EM FAVOR DOS FILHOS

A guarda compartilhada é, inegavelmente, um decisivo passo à frente no cenário jurídico esocial no Brasil, na medida em que procura atender, prioritariamente, os interesses e direitos dosfilhos, reconhecidos constitucionalmente, mas, até agora, olvidados.

Sabemos, de antemão, que, em conformidade com dispositivos do Código Civil e do Estatuto daCriança e do Adolescente, são direitos-deveres dos pais, “qualquer que seja a sua situação conjugal,o pleno exercício do poder familiar”,42 que consiste em, quanto à pessoa de seus filhos menores e aosseus bens: a) dirigir-lhes a criação e a educação; b) exercer a guarda unilateral ou compartilhada nostermos do art. 1.584 do Código Civil; c) conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; d)conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; e) conceder-lhes ou negar-lhesconsentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; f) nomear-lhes tutorpor testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo nãopuder exercer o poder familiar; g) representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis)anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; h) reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; i) exigir que lhes prestemobediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição; j) direito de administrar os seusbens; k) direito de usufruto sobre os bens.43

A esses direitos-deveres dos pais em relação à sua prole, deve-se acrescentar o deproporcionar aos filhos “carinho, afeto e companheirismo”,44 sem os quais o menor crescefragilizado, torna-se adolescente com revolta pessoal e inconformismo com a vida, trazendo na vidaadulta as marcas profundas provocadas pela ausência de afeto.

Tratando-se de pais que se separaram ou que nunca viveram juntos, a guarda compartilhadaproporciona a oportunidade de os filhos desfrutarem de uma estreita convivência com o seu pai ecom a sua mãe, reduzindo “os efeitos patológicos, sob o prisma psíquico, das circunstânciasadversas

Coordenador: R. Limongi França (Coord.). São Paulo: Saraiva, 1977, v. 57, p. 242.

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vivenciadas por quem está em fase de constituição de personalidade e do caráter”.45

A guarda compartilhada chama os pais a uma profunda reflexão quanto ao seu papel de extremaresponsabilidade na consecução da felicidade de seus filhos, os quais poderão crescer e sedesenvolver em paz e com equilíbrio, necessários à sua sólida formação moral e espiritual, mesmoestando seus pais separados ou divorciados.

Seu exercício exige, antes de tudo, a compreensão e a boa vontade dos pais, objetivando umfuturo promissor para seus filhos, o que, convenhamos, após a separação entre eles, legal (judicial ouextrajudicial) ou de fato, ou divórcio, ou dissolução da união estável, são elementos de difícilobtenção, mas que poderão ser alcançados com o esforço conjunto em prol dos menores.46-47

Embora não possa ser generalizada e imposta para todos os casos,48 a guarda compartilhada,uma vez acolhida pelos pais, certamente trará benefícios não apenas aos filhos, mas também aospróprios pais e à comunidade social como um todo.

BIBLIOGRAFIA

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Direito de Família. São Paulo: Atlas, 2013.______. Estado civil: convivente. Entrevista dada ao jornal Diário do Comércio (São Paulo – SP),

seção “Leis, Tribunais e Tributos”, publicada em 21.06.2004, p. 16.BAPTISTA, Sílvio Neves. Guarda e direito de visita. In: A Família na Travessia do Milênio, nos

Anais do II Congresso Brasileiro de Direito de Família, IBDFAM. Belo Horizonte: Del Rey,2000.

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O Estatuto das Famílias, cujo anteprojeto foi elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM e apresentado comoProjeto de Lei 2.285/2007 pelo Deputado Sérgio Barradas Carneiro, preconiza, em seu art. 97, a guarda compartilhada, a saber: “Art.97. Não havendo acordo entre os pais, deve o juiz decidir, preferencialmente, pela guarda compartilhada, salvo se o melhor interessedo filho recomendar a guarda exclusiva, assegurado o direito à convivência do não-guardião. Parágrafo único. Antes de decidir pelaguarda compartilhada, sempre que possível, deve ser ouvida equipe multidisciplinar e utilizada a mediação familiar”.Torna-se oportuno observar que o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, na IV Jornada de Direito Civil,realizada em 26 e 27 de outubro de 2006, ao aprovar o Enunciado 335, recomendou o incentivo a essa modalidade de guarda. Comefeito, assim estabelece o Enunciado 335: “A guarda compartilhada deve ser estimulada, utilizando-se, sempre que possível, damediação e da orientação de equipe interdisciplinar”.Vacatio legis de 60 dias a partir da data de sua publicação no Diário Oficial da União (16 de junho de 2008).Para Sebastião Luiz Amorim, presidente da Associação Paulista de Magistrados (APAMAGIS), a melhor guarda ainda é a unilateral ouexclusiva, porquanto a compartilhada fica na dependência de acordo entre os pais (Entrevista ao jornal “O Estado de São Paulo”.Publicação em 24.10.2007, após a aprovação do projeto de lei pelo Senado Federal. Videhttp://www.estado.com.br/editorias/2007/10/24/cid-1.93.3.20071024.1.1.xml).Já Henrique Nelson Calandra, vice-presidente da APAMAGIS, adverte que a mudança constante de ambiente e o fato de haver duaspessoas ditando regras não traduzem algo saudável para os filhos menores, a menos que os pais decidam compartilhar não apenas osdireitos como também as obrigações decorrentes (também foi entrevistado pelo jornal “O Estado de São Paulo”(http://www.estado.com.br/editorias/2007/10/24/cid-1.93.3.20071024.1.1.xml).SÍLVIO NEVES BAPTISTA assevera que a guarda “constitui um dever dos pais e não um direito destes em relação aos seus filhos”(Guarda e direito de visita. In: A Família na Travessia do Milênio, nos Anais do II Congresso Brasileiro de Direito de Família,IBDFAM. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 286).FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Filiação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 87.Vide também, no mesmo sentido: SILVA, José Luiz Mônaco da. A Família Substituta. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 35. SALLES, KarenRibeiro Pacheco Nioac de. Guarda Compartilhada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 19. OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de.Guarda, Tutela e Adoção. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 35 e 36.A guarda, para GUILHERME GONÇALVES STRENGER, “é o poder-dever submetido a um regime jurídico-legal, de modo a facultara quem de direito, prerrogativas para o exercício da proteção e amparo daquele que a lei considerar nessa condição” (Guarda deFilhos. 2. ed. revista e atualizada. São Paulo: DPJU Editora, 2006, p. 22).RICARDO ALGARVE GREGORIO conceitua a guarda como sendo “o instituto jurídico composto de direitos e deveres recíprocosexistentes entre o guardião e o protegido, cujo objetivo principal é a proteção dos interesses deste último” (Guarda de Filhos,Dissertação de Mestrado apresentada no Curso de Pós-graduação stricto sensu da Faculdade de Direito da Universidade de SãoPaulo. São Paulo, 1999, p. 62).Utilizamos a expressão “separação legal”, uma vez que, com as alterações promovidas pela Lei 11.441, de 4 de janeiro de 2007, norevogado Código de Processo Civil (acréscimo do art. 1.124-A), e atualmente no art. 733 do novo Código de Processo Civil (Lei13.105, de 16.03.2015), passou a existir, além da separação judicial (consensual e litigiosa), a separação extrajudicial, cartorária ouadministrativa, promovida por meio de escritura pública e de forma amigável entre os cônjuges, desde que não existam nascituro oufilhos incapazes do casal e desde que assistidos por advogado comum ou de advogados de cada um deles ou por um defensorpúblico.CC, art. 1.584, § 1º, com a redação dada pela Lei 11.698, de 13 de junho de 2008.CC, art. 1.584, § 2º, com a nova redação dada pela Lei 13.058, de 22 de dezembro de 2014.CC, art. 1.584, § 3º, com a nova redação conferida pela Lei 13.058, de 22 de dezembro de 2014.CC, art. 1.583, §§ 2º e 3º, com a nova redação dada pela Lei 13.058, de 22 de dezembro de 2014.CC, art. 1.583, § 5º, o qual foi acrescido pela Lei 13.058, de 22 de dezembro de 2014.A redação do § 2º, do art. 1.583, do Código Civil, foi alterada pela Lei 13.058, de 22 de dezembro de 2014, que retirou o critério deatribuição da guarda unilateral ao genitor que revelasse melhores condições para o seu exercício.REALE, Miguel. Função social da família no Código Civil. Jornal O Estado de São Paulo de 11.10.2003. Inhttp://www.estado.estadao.com.br/jornal/03/10/11/news220.html. Acesso em 14.10.2003.CC, art. 1.584, § 5º, com a nova redação conferida pela Lei 13.058, de 22 de dezembro de 2014.

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FELIPE, J. Franklin Alves. Adoção, Guarda, Investigação de Paternidade e Concubinato. 10. ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro:Forense, 2000, p. 18.GREGORIO, Ricardo Algarve. Guarda de Filhos, p. 55.Idem, p. 68.MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito de Família. 3. ed. refundida e aumentada. São Paulo: Max Limonad, 1947, v. I, p. 466.CC, art. 1.583, § 5º, acrescido pela Lei 13.058, de 22 de dezembro de 2014; e art. 1.584, § 4º, com a nova redação conferida pela Lei13.058, de 22 de dezembro de 2014.GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, v. VI, p. 404.SALLES, Karen Ribeiro Pacheco Nioac de. Guarda Compartilhada, p. 96.COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 5, p. 110.Cumpre observar que, em virtude dos recentes reconhecimentos judiciais da multiparentalidade (juntamente com os pais biológicosdetentores do poder familiar, têm sido reconhecidos como pai registral ou mãe registral o pai socioafetivo ou a mãe socioafetiva), aguarda conjunta poderá ser exercida por mais de duas pessoas.GREGORIO, Ricardo Algarve. Guarda de Filhos, p. 67.FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Curso de Direito Civil – Direito de Família. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 311.Deputado Tilden Santiago, autor do Projeto de Lei 6.350/2002.CAMILLO, Carlos Eduardo Nicoletti. In Comentários ao Código Civil Artigo por Artigo. Coordenadores: FUJITA, Jorge Shiguemitsu;SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio; CAMILLO, Carlos Eduardo Nicoletti; TALAVERA, Glauber Moreno. 3. ed. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 1.461.CC, art. 1.584, § 4º, com a nova redação conferida pela Lei 13.058, de 22 de dezembro de 2014.TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume único. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2014, p. 1.227.BRITO, Leila Maria Torraca de. Guarda: conceitos, preconceitos e prática no consenso e no litígio. In: Afeto, ética, família e o novoCódigo Civil. Coordenador: Rodrigo da Cunha Pereira (Coord.). Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 362.MOTTA, Maria Antonieta Pisano. Compartilhando a guarda no consenso e no litígio. In: Família e Dignidade Humana. Anais do VCongresso Brasileiro de Família. São Paulo: IOB Thomson, 2006, p. 596.Idem, p. 596.SALLES, Karen Ribeiro Pacheco Nioac de. Guarda Compartilhada, p. 100.LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias Monoparentais. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2003, p. 282.LOTUFO, Maria Alice Zaratin. A guarda e o exercício do direito de visita. In: Família e Sucessões. Revista do Advogado n. 91. SãoPaulo: Associação dos Advogados de São Paulo – AASP, maio de 2007, p. 99.MOTTA, Maria Antonieta Pisano. Compartilhando a guarda no consenso e no litígio, p. 597.CC, art. 1.634, caput e incisos, alterado pela Lei 13.058, de 22 de dezembro de 2014.CC, art. 1.689.VILLELA, João Baptista. Paternidade responsável. In Enciclopédia Saraiva do Direito.PEREIRA, Sérgio Gischkow. A Guarda Conjunta de Menores no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Ajuris, 1986, p. 54.Para Álvaro Villaça Azevedo, a guarda compartilhada é “uma boa iniciativa, mas se os pais realmente não estiverem pensando em si, esim nos filhos. É preciso haver muita amizade, pelo menos exteriormente demonstrada, entre os dois. Se não, toda e qualquer brigareflete-se nas crianças, que vão sendo criadas psicologicamente de uma maneira inadequada. Essa é a grande mensagem dalegislação moderna sobre filhos, desde o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que é sempre ver o que é melhor para omenor. Às vezes, esse compartilhamento já não existe no casamento” (Estado civil: convivente. Entrevista dada ao jornal Diário doComércio [São Paulo – SP], seção “Leis, Tribunais e Tributos”, publicada em 21.06.2004, p. 16).AZEVEDO, Álvaro Villaça. Direito de Família. São Paulo: Atlas, 2013, p. 231.Maria Alice Zaratin Lotufo adverte: “o que pode ser bom ou recomendável para determinados pais, mães e prole, pode não o ser paraoutros” (Curso Avançado de Direito Civil – Direito de Família. Coordenador: Everaldo Cambler. São Paulo: Editora Revista dosTribunais, 2002, v. 5, p. 276.

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COMPARTILHANDO O AMOR

LÚCIA CRISTINA GUIMARÃES DECCACHE

Sumário: 1. Introdução – 2. Compartilhando o dever de cuidar – a responsabilidade no sentido objetivo– 3. Compartilhando o amor – o sentimento subjetivo de responsabilidade – 4. O direito ao cuidadocompartilhado – o melhor interesse dos filhos – 5. Conclusão.

INTRODUÇÃO

“O cuidado com a prole (...), tão espontâneo a ponto de dispensar um apelo à lei moral, constituio modelo primordial humano e elementar para a coincidência entre responsabilidade objetiva esentimento subjetivo de responsabilidade, através do qual a natureza nos dispôs para todas asespécies de responsabilidade que não são tão garantidas pelo instinto, e preparou para isso onosso sentimento” – Hans Jonas. O princípio responsabilidade. Princípio da compaixão e cuidado,de Leonardo Boff. 3. ed. Editora Vozes, p. 98.

A regra da guarda única perdeu espaço desde a vigência da Lei 11.698, publicada em 16 dejunho de 2008, que inseriu no ordenamento jurídico brasileiro a guarda compartilhada, de forma apriorizar o interesse do filho em prol da vontade dos pais.

A ratio da nova Lei está em afastar da relação de filiação os reflexos do conflito conjugal (paie mãe), por se tratar de duas relações distintas em que a decadência de uma não deve levar à falênciaa outra, de forma a prejudicar a formação dos filhos no convívio familiar.1

De acordo com as leis anteriores, o instituto da guarda única, como consequência da separaçãodo casal, criava para um dos ex-cônjuges, ou ex-companheiros, verdadeiro monopólio sobre o filho,de forma que o outro continuava a dividir e compartilhar responsabilidades impostas pela leidecorrentes do poder familiar, embora limitado no convívio com a prole.

Para que se possa refletir sobre a evolução legislativa que acolheu a guarda compartilhadacomo regra jurídica, é fundamental analisar a relação de filiação sob dois aspectos, o objetivo(direitos e deveres impostos pela lei) e o subjetivo (o afeto decorrente de um direito natural), natentativa de delimitar o sentido do novo instituto, assim como o limite da intervenção estatal naesfera familiar.

O aspecto objetivo da convivência parental, acima de gerar deveres para os pais, configura o

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mínimo de direitos dos filhos em receberem cuidados impostos pela lei, como os previstos no art.1.634 do CC e no art. 22 do ECA.

A relação familiar sob o enfoque subjetivo, visto sob uma dimensão afetivo-antropológica,2

abrange o cuidado como consequência do afeto e do amor.No dizer de Hans Jonas citado por Leonardo Boff,3 na relação de filiação há uma coincidência

entre a responsabilidade objetiva e o sentimento subjetivo de responsabilidade, na medida em quehá, naturalmente, uma consciência de proteção ao filho que não precisaria de lei para determinardeveres parentais.

Com a vigência da nova lei pretendeu-se o ideal nas relações intrafamiliares por meio daguarda compartilhada, visando a conjunção de ambos os aspectos, objetivo e subjetivo, da relaçãoentre pais e filhos, de forma a minorar os efeitos negativos de uma separação para continuaremrecebendo de ambos os pais o cuidado como um dever (responsabilidade em sentido objetivo) ecomo a expressão mais pura do amor (sentimento subjetivo de responsabilidade). 98.

COMPARTILHANDO O DEVER DE CUIDAR – A RESPONSABILIDADE NO SENTIDOOBJETIVO

O vínculo de filiação gera para os pais direitos e deveres decorrentes do poder familiar.Mesmo o pai ou mãe visitante (não guardião) mantém vínculo obrigacional com relação ao filho, porforça de lei, com consequências jurídicas em caso de violação.

A intervenção do Estado na esfera familiar limita-se em estabelecer regras de proteção ao entemais fragilizado da família, como a mulher, os filhos e o idoso. Assim, o legislador, ao determinardeveres paternais, exigiu um mínimo de cuidado na criação da prole, de forma a exigir, dentre outrosdeveres, o de guarda, sustento e educação.

Para efeito do presente trabalho deflagra-se como aspecto objetivo da relação de filiação omúnus público dos pais, determinado pela norma jurídica a impor o seu exercício e sua atuação napessoa dos filhos.

A Constituição Federal, ao determinar o direito das crianças e dos adolescentes no art. 227,orienta os pais que exercem o poder familiar, assim como qualquer responsável pelos menores, àgarantia do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à cultura, à dignidade, àconvivência familiar, etc. A incumbência é ressaltada, ainda, no art. 229 da mesma carta, masgenericamente.

No Estatuto da Criança e do Adolescente há várias normas de proteção, como a do art. 22, oque também fazia o Código Civil de 1916 (art. 384), e reeditada no art. 1.634 do Código Civil, quegarantiu aos filhos os deveres de criação e educação; de tê-los em sua companhia; de consentir paracasar; de nomear tutor; de representá-los até os 16 anos; de reclamá-los a quem ilegalmente osdetenha; assim como o direito e dever de exigir-lhes obediência e respeito.

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O poder familiar é fundamental para o desempenho das obrigações que têm os pais. Destaforma, qualquer ato de cerceamento da autoridade, de afastamento nas decisões na vida dos filhos,sem que haja culpa ou qualquer ato violador do poder familiar, torna-se totalmente impróprio eincompatível com o direito contemporâneo brasileiro.

A limitação do convívio dos filhos com um dos pais, pelo mero desenlace conjugal, não deveencontrar respaldo no ordenamento jurídico, tendo em vista que após a separação prosseguem ambostitulares do poder familiar.

Sobre este ponto, o direito de visitação de um dos pais, que se ausentou do lar comum, nãorompe com o aspecto objetivo do cuidado decorrente do poder familiar, este que continuará sendoexigido do Estado para o exercício de suas obrigações, permanecendo o pai visitante responsávelpelos filhos de forma objetiva.

De acordo com as lições de Yussef Said Cahali, embora subsistam os deveres decorrentes dopoder familiar, após a separação ocorrerá um verdadeiro enfraquecimento dos poderes paternos(maternos) por parte do progenitor privado da guarda.

O mencionado enfraquecimento de poder do pai (mãe) não guardião(ã) configura consequênciado seu afastamento em decorrência do direito de visita, e não sua causa, gerando a perda daintimidade, a perda da autoridade, e, certamente, o enfraquecimento de poder sobre os filhos.

Em verdade, o que ocorre com o direito de visita decorrente da separação dos pais é orompimento do aspecto subjetivo da relação de filiação, o rompimento do afeto, do carinho, davontade de estar junto, do abraço de boa noite e bom dia, dentre outros atos de amor, não jurídicos,mas essenciais para a formação do ser humano.

COMPARTILHANDO O AMOR – O SENTIMENTO SUBJETIVO DERESPONSABILIDADE

Conforme anteriormente exposto, de acordo com a legislação até então vigente, que estabeleciaa guarda única como regra, após a separação do casal os filhos ficam privados do contato físico comum dos pais, que passa a ser tratado como mero visitante e fiscal do desempenho do guardião,embora permaneça com os deveres impostos pela lei decorrentes do poder familiar.

Assim, após o desenlace conjugal entre os pais, o visitante permanece com a responsabilidadeno sentido objetivo, no entanto, afastando-se subjetivamente dos filhos na medida em que se distanciados momentos importantes, do carinho do dia a dia, da opinião quanto às decisões tomadas para asua criação, do ombro amigo, do contato físico... um abraço diário. Na verdade, por força de umarelação conjugal dissolvida, pais e filhos passam a ter relações virtuais, à distância, o que pode serprejudicial à formação da prole.

Neste sentido manifesta-se Luiz Schettini Filho, para quem “a forma mais eficiente deexpressarmos o amor ao filho é manifestá-lo através de nossa presença na vida deles. ‘Não a

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presença de quem vigia ou toma conta, mas a presença de quem ouve, acaricia e acompanha. Criar ésatisfazer as necessidades básicas de sobrevivência. E uma delas é a presença afetiva’”.4

É certo que o tema transborda os limites do direito, como ciência jurídica, mas identifica-se emsua origem. Daí se conclui que o dado original não é o logos, a razão e as estruturas de compreensão,mas sim o pathos, o sentimento, a capacidade de compaixão, de dedicação e de cuidado com odiferente. Tudo começa com o pathos (sentimento).5

Em verdade, o sentimento subjetivo de responsabilidade encontra-se em posição anterior àprópria responsabilidade decorrente da lei que estabelece um mínimo de cuidado pelos pais aosfilhos.

Assim, a crítica com relação à guarda única é exatamente a privação do filho de não poderusufruir de um direito natural de viver com a presença de ambos os pais, de não poder receber deambos o afeto, o amor, o cuidado do ponto de vista subjetivo. Um verdadeiro cerceamento àdignidade, à liberdade e à convivência familiar, garantias constitucionais previstas com prioridadeabsoluta.

No entanto, para que se aceite a regra da guarda compartilhada, em sede de separação, sejaconsensual ou litigiosa, deve haver maturidade dos pais para não deixar respingar o litígio entreadultos na pessoa dos filhos em formação psíquica. Deve haver acima de tudo o amor ou, em sentidojurídico, o sentimento subjetivo de responsabilidade.6

Compartilhar sem amor é mera divisão de responsabilidades, configura regime de partilha detarefas pertencente ao campo meramente objetivo, sendo sempre exigível aquele mínimo imposto porlei.

Sobre este ponto, compartilhar a guarda dos filhos pressupõe cuidados objetivos e subjetivos, oprimeiro pertencente ao campo do direito positivo e, o segundo, ao direito natural. Ambossustentados por um único pilar: o amor parental.

O DIREITO AO CUIDADO COMPARTILHADO – O MELHOR INTERESSE DOSFILHOS

Não se pode afirmar ser a guarda compartilhada o remédio para todas as chagas. Em verdade,há premissas que devem ser analisadas pelo magistrado no caso concreto para excepcionar a regra.

O ponto de partida é a continuidade da relação afetiva entre pais e filhos, independente dorompimento do vínculo afetivo dos pais entre si. Não há dúvidas de que a quebra de uma relaçãoafetiva causa danos ao desenvolvimento psíquico da criança em formação.7

Por esta razão, o instituto da guarda única veio sofrendo alterações desde as legislaçõesanteriores. Inicialmente, privilegiava-se o convívio materno (art. 10 da Lei 6.515/1977 e art. 16 doDec.-lei 3.200/1941). Posteriormente, a Constituição Federal de 1988, no art. 229, determinou acriação, educação dos filhos pelos pais, além de assegurar a convivência familiar como garantia

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fundamental. Nesta linha, o Código Civil de 2002 passou a estabelecer que a guarda dos filhos seriaatribuída a quem tivesse melhores condições para exercê-la, outorgando ao juiz o poder de regularde maneira diferente a situação dos filhos com os pais (arts. 1.583 e 1.584). Tal discricionariedadedo juiz já estava prevista na Lei 6.515/1977, art. 13. Em seguida, surgiram dois projetos de lei (PL6.315/2002 e PL 6.350/2002) para estabelecer como regra a guarda compartilhada, sendo o primeirovinculado às dissoluções conjugais consensuais, e o segundo, de forma mais ampla, abrangendo tantoas separações quanto os divórcios consensuais e litigiosos. Este último deu origem à Lei11.698/2008. Finalmente a Lei 13.058, de 22.12.2014, estabelecendo os contornos atuais da guardacompartilhada, inclusive nos casos de litígio entre os genitores.

Importa ressaltar que o direito à guarda compartilhada foi uma conquista dos filhos de nãoromper com o vínculo afetivo com ambos os pais. Neste sentido a lei visa preservar a relaçãoanterior com os filhos, e não criar vínculo afetivo em decorrência da separação. Assim, o pai ou amãe que nunca participou das decisões relativas aos filhos, de reuniões escolares, de escolha detratamentos médicos e dentários, que sempre viveu distante do filho, embora sob o mesmo teto, nãopoderia beneficiar-se com o novo instituto, pois faria surgir nova relação afetiva em decorrência daseparação, na contramão da ratio da lei.

A guarda compartilhada assegura ao filho a continuidade da relação afetiva com os pais(aspecto subjetivo), já que a relação material se perpetua por força dos deveres decorrentes dopoder familiar (aspecto objetivo), conforme anteriormente exposto.

Sobre este ponto, estaria o magistrado autorizado a excepcionar a regra da guardacompartilhada, se identificado prejuízo para os filhos, restando este evidenciado na falta de amor, decuidado e de afeto.

Questão da mais tormentosa para o magistrado é identificar o melhor interesse dos filhos paradeterminar a espécie de guarda no caso concreto, porque existe um complexo de fatores a seremconsiderados pelo juiz, e cuja decisão não passa por sua exclusiva análise e avaliação, sendo defundamental importância o decisor se socorrer dos conhecimentos técnicos de assistentes sociais,psicólogos, e até psiquiatras, sem se omitir de ouvir o menor, em ambiente neutro, que não interfirasobre a intelecção do filho cuja guarda está sendo judicialmente disputada.8

Para Eduardo de Oliveira Leite, a noção dos melhores interesses do menor não é tão simples deidentificar, por ser conceito que sofre as influências das estratégias empregadas pelos diferentesmeios profissionais convocados para intervir no campo familiar: magistrado, advogados, assistentessociais, psicólogos, clínicos, psiquiatras.9

Segue o mesmo autor, para quem o critério do interesse do menor só adquire eficácia quandoexaminada a situação de fato, a partir da consideração de elementos objetivos e subjetivos dacasuística, tendo a jurisprudência permitido identificar algumas tendências no tocante às relaçõesafetivas da criança e sua inserção no grupo social, como o apego ou a indiferença que ela manifestaem relação a um dos genitores; o cuidado para não separar irmão; as condições materiais, tais como

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o alojamento e as facilidades escolares e morais; o vínculo de afetividade entre o pai e o filho, seucírculo de amizades, ambiente social, qualidade de cuidados etc.

Sendo assim, não se trata de regra absoluta, devendo o magistrado, no caso concreto,determinar a continuidade da relação afetiva já existente entre pais e filhos, de modo que a separaçãodos genitores não enfraqueça a relação de filiação, assim como não faça nascer uma relação afetivaque nunca existiu.

Deste modo, uma vez identificada falta de apego ou indiferença dos pais com relação ao filho(ou o inverso), não haveria como o Juiz forçar o surgimento de uma relação de afeto por meio daguarda compartilhada.

O que se pretende com a nova lei é evitar o rompimento da relação de amor entre pais e filhosna perspectiva do melhor interesse para os filhos.10

CONCLUSÃO

O valor cuidado timidamente vem tomando espaço no direito brasileiro, na medida em que“efetivas mudanças de paradigmas no que concerne aos direitos vinculados às relações de filiação,d a pátria potestas e da valorização da convivência familiar, impõem novos caminhos para asociedade e para o Poder Público”.11

Por meio da lente do cuidado como um valor jurídico, o presente trabalho visou enfrentar arelação de filiação sob o aspecto objetivo (consubstanciado na responsabilidade parentaldeterminada por lei, decorrente do poder familiar) e sob o aspecto subjetivo (sentimento subjetivo deresponsabilidade), identificando a ferida causada pela guarda única em decorrência da restrição aoconvívio do filho com ambos os pais.

Pelas razões expostas, o âmbito de aplicação da guarda compartilhada deve ser o mais amplopossível, devendo o magistrado, no caso concreto, auferir o melhor interesse dos filhos, a fim depreservar relação de amor, de cuidado e de afeto preexistentes, afastando os reflexos negativos derelações dissolvidas entre os genitores.

Art. 1.632 do Código Civil – A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhossenão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, em terem em sua companhia os segundos.BOFF Leonardo. Justiça e cuidado: opostos ou complementares? O cuidado como um valor jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008.p. 7: “Sob uma dimensão afetiva e antropológica, o cuidado se expressa por duas formas ligadas entre si: na primeira, o cuidado éuma atitude (não um ato isolado) de desvelo, solicitude, afeto e amor (...). Na segunda, o cuidado significa preocupação e inquietaçãopara com o outro (...)”.BOFF, Leonardo. Princípio da compaixão e cuidado. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, p.SCHETTINI FILHO, Luiz. Amor perdido de amor – as relações afetivas na família. Recife: Edições Bagaço, 2000. p. 68.BOFF, Leonardo. Princípio da compaixão e cuidado. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, p. 12.“Não é nada infrequente os juízes depararem com disputas judiciais, cujos pais vindicam a primazia da condição de guardador, muitas

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vezes motivados por seus egoísticos interesses pessoais, onde visam causar danos psíquicos ao ex-cônjuge do que o verdadeiro bem-estar do filho, mera peça deste jogo de poder, vítima da ascendência e irreversível prepotência daqueles incapazes de criar epreservar vínculos simples de amor”. MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 273.“A quebra do vínculo de convivência com as pessoas que passam a ter uma significação afetiva para nós pode instalar um sentimentode ameaça ou perda e gerar angústia e sensação de abandono”. SCHETTINI FILHO, Luiz. Amor perdido de amor – as relaçõesafetivas na família. Recife: Edições Bagaço, 2000. p. 41-42.MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 273.LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. São Paulo: RT, 1997. p. 195-197.De acordo com as razões de veto do § 4.º da Lei 11.698/2008: “Os termos da guarda poderão ser formulados em comum acordo pelaspartes, entretanto quem irá fixá-los, após a oitiva do Ministério Público, será o juiz, o qual deverá sempre guiar-se pelo Princípio doMelhor Interesse da Criança”.PEREIRA, Tânia da Silva. O cuidado como um valor jurídico. A ética da convivência familiar e sua efetividade no cotidiano dostribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 231.

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VISÃO EM RAZÃO DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DODIREITO

MARIA LUIZA PÓVOA CRUZ

Sumário: 1. Notas iniciais – 2. Compartilhando a guarda em cidades diferentes – 3. Viagens ao exteriorou mudança de residência permanente – 4. Maior amplitude na supervisão dos interesses dos filhos – 5.Da pensão alimentícia – 6. O domicílio legal do menor – 7. A guarda compartilhada à luz de um novodireito de família – 8. Notas finais: da inconstitucionalidade da nova lei (as coisas têm preço e as pessoasdignidade) – Bibliografia.

NOTAS INICIAIS

A Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014, adentrou o ordenamento jurídico de imediato. E,nem precisava, pois a Lei nº 11.698, de 13.06.2008, cuidou da Guarda Compartilhada, no CapítuloXI, da Proteção da Pessoa dos Filhos.

Porém, enquanto o artigo 1.584, § 2º, determinava a guarda compartilhada “sempre quepossível”, o texto atual é imperativo: “guarda compartilhada será aplicada, salvo se um se um dosgenitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor”.

Porquanto, da análise do texto legal, a guarda compartilhada será uma regra, só não sendoaplicada pela vontade de um dos genitores, como também na hipótese de o convívio não atender oprincípio constitucional do melhor interesse do menor.

No tocante às alterações, podemos citar como primeira a quebra do pensamento cultural de quea guarda deve ser sempre da mãe. O que, aliás, há muito não ocorria. Hoje, tanto pais como mãesestão aptos para exercerem a guarda, desde que atendam ao princípio do melhor interesse do menor.Paternidade ou maternidade, inserido na afetividade que permeia todo Direito de Família, não é maisgênero, e sim função.

COMPARTILHANDO A GUARDA EM CIDADES DIFERENTES

Importante contribuição do legislador, a indicação de que a moradia dos filhos será aquelacidade que melhor atenda aos interesses daqueles. Daí se extrai que os genitores, para exercerem aguarda compartilhada, não necessitam morar na mesma cidade.

Aclarou o fato, que era motivo de dúvidas. Os genitores que exercem a guarda compartilhada

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devem morar na mesma cidade? Não! A guarda será compartilhada ainda que os genitores nãoresidam na mesma cidade ou Estado.

De significativa relevância é o compartilhar da educação, das atribuições ou atividades queemanam do poder familiar. A distância não impede que a guarda compartilhada seja exercida deforma efetiva, máxime os grandes meios de comunicação e transportes que dispomos na atualidade.

Aqui vale a máxima: “qualidade e não quantidade do convívio”.

VIAGENS AO EXTERIOR OU MUDANÇA DE RESIDÊNCIA PERMANENTE

Essa nova redação trazida pela nova Lei, aos artigos 1.634, incisos II e IV, do Código Civil, éde grande valia.

A necessidade de autorizações para os menores viajarem para fora do País, já era uma regraadotada nos Juizados da Infância e Juventude. Contudo, no tocante à mudança de residência domenor, o legislador era silente. Na maioria das vezes, o genitor detentor da guarda unilateral mudavade cidade sem qualquer comunicação ao pai ou mãe, criando uma intranquilidade. Não raro, semsaber o paradeiro do menor.

Essa providência, inquestionavelmente, atende ao princípio do melhor interesse do menor,evitando que o mesmo, de forma abrupta, tenha sua rotina interrompida e o convívio com o genitorafastado.

Esse alcance do legislador possibilitará que o pai ou mãe não detentor da guarda sejaconsultado, ouvido sobre a mudança do menor, quando então poderá ser aquilatado se a mudançaserá positiva.

MAIOR AMPLITUDE NA SUPERVISÃO DOS INTERESSES DOS FILHOS

A supervisão dos interesses dos filhos já era prevista na legislação anterior. Agora, porém, onovo texto legal dá mais amplitude ao tema, traçando inclusive diretrizes nas questões de ordemobjetiva e subjetiva.

O genitor não detentor da guarda será parte legítima para solicitar informações ou prestação decontas em assuntos que estejam ligados à saúde física e psicológica, bem como à educação. E, sobessa nova ótica do legislador, o genitor/a poderá supervisionar as questões de ordem patrimonial,como o uso inadequado da pensão alimentícia, e, também, o desenvolvimento psicológico e escolardos menores.

Acredito que os reflexos dessa nova redação contribuirão para coibir a forma abusiva, ou não,que alguns genitores fazem da Lei de Alienação Parental (Lei nº 12.318/2010). Isto porque qualquermodificação na postura do menor será abalizada ao início, evitando o nível de comprometimentopsíquico que um menor posto em alienação parental pode vir a suportar.

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DA PENSÃO ALIMENTÍCIA

Em nada mudará a pensão alimentícia, então acordada pelas partes, ou fixada pelo juiz. Isto emrazão de a obrigação de manter os filhos estar alicerçada no poder familiar e, dentre os deveres dospais: “sustento, guarda e educação dos filhos”, dicção do artigo 1.566, inciso IV, do Código Civil.

A divisão dos custos do sustento dos filhos não aumentará e tampouco reduzirá os conflitos,pois nada se acrescenta ao critério da fixação dos alimentos. Quais sejam: “os alimentos devem serfixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada ”, artigo1.694, § 1º, do Código Civil. Porquanto, a obrigação é de ambos os genitores. E o parâmetro parafixação da pensão decorre da possibilidade econômica do pai/mãe e das necessidades doalimentado.

Lembrando, ainda, que a Constituição Federal trouxe a igualdade do homem e da mulher, notocante a direitos e obrigações.

O DOMICÍLIO LEGAL DO MENOR

Nos termos do artigo 76, parágrafo único, do Código Civil, o domicílio do incapaz é o do seurepresentante legal ou assistente.

Porém, em razão das alterações trazidas pela novel legislação no tocante à guardacompartilhada, respeitando entendimentos em contrário, assevero que o citado artigo foi derrogado, edoravante, tratando da guarda compartilhada, o domicílio do menor, será o de ambos genitores.

A GUARDA COMPARTILHADA À LUZ DE UM NOVO DIREITO DE FAMÍLIA

O Direito de Família, em nome da moral e dos bons costumes, fez uma história de exclusões, deinjustiças. A categoria de filhos (legítimos, ilegítimos, naturais adotivos), a indissolubilidade docasamento, o casamento como única forma de constituir família, a suposta superioridade masculina.Enfim, alicerçado no Direito Canônico e na Moral, era o Direito de Família.

As concepções jurídicas e culturais se misturavam. À mulher cabia a função de cuidar do bem-estar do marido e dos filhos. Seu trabalho se limitava aos afazeres do lar. Ao pai, a figura deprovedor da família. Porquanto a guarda dos filhos estava ligada à figura materna. E, na hipótese deseparação dos pais, não se questionava com quem o filho ficaria, pois sua educação e criação eradever materno. Porém, com a derrocada do patriarcalismo, e com o ingresso da mulher no mercadode trabalho, o pai passou a compartilhar com a mulher as atividades domésticas e a criação dosfilhos.

Portanto, a guarda compartilhada surge em decorrência da nova postura adotada pela mulher noséculo XX, como consequência do pós-feminismo. E o discurso psicanalítico traz claramente asnoções de que paternidade e maternidade não são propriamente um dado instintual, mas uma função

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exercida.E, em razão do novo perfil da família contemporânea, a ordem jurídica não ficou à margem das

transformações.A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, sedimentou os novos valores. A

primazia da dignidade humana foi erigida a macroprincípio. Caminho seguro para o exercício, dacidadania, e o respeito à natureza de cada ser humano, em virtude de suas peculiaridades.

Em razão das transformações sociais, culturais, o Direito de Família Contemporâneo estáligado aos “Direitos Humanos” e à dignidade. A palavra de ordem do Direito de Família atual:cidadania, não exclusão, respeito a todos os vínculos afetivos, e diferenças. Enfim, o princípio dadignidade humana se traduz em respeito à liberdade e à autonomia dos cidadãos.

Portanto, partir do “espírito” e dos princípios fundamentais da Constituição da República, entreeles o da cidadania e dignidade da pessoa humana (art. 1.º, II e III), é que o Direito de Família teveque romper definitivamente com as velhas concepções (...) As concepções de inclusão e cidadaniainstalaram-se definitivamente no Direito de Família. Assim, a maioria das grandes discussões desteramo do Direito tornou-se uma questão de Direitos Humanos, pois a elas está ligada a ideia deinclusão ou exclusão na ordem social e jurídica, enfim, a palavra de ordem da contemporaneidade,ou seja, cidadania.1

NOTAS FINAIS: DA INCONSTITUCIONALIDADE DA NOVA LEI (AS COISAS TÊMPREÇO E AS PESSOAS DIGNIDADE2)

Na organização jurídica contemporânea da família não é mais possível prescindir de normasque não estejam assentadas ou não levem em consideração a dignidade da pessoa humana. Emboraesta noção tenha se tornado princípio expresso somente com a Constituição da República de 1988, asua conceituação já havia sido dada no século XVIII por Kant e é ela que nos dá ainda o suporte parasua compreensão mais profunda. A dignidade é também um princípio ético que paira, norteia epressupõe vários outros princípios, já que não é possível pensar em ser humano sem dignidade (...) Adignidade é um macroprincípio sob o qual irradiam e estão contidos outros princípios e valoresessenciais, como a liberdade, a autonomia privada, a cidadania, a igualdade e a solidariedade. São,portanto, uma coleção de princípios éticos. Isto significa que é contrário a todo o nosso direitoqualquer ato que não tenha como fundamento a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoahumana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Essas inscriçõesconstitucionais são resultado e consequência de lutas e conquistas políticas associadas à evolução dopensamento, ao desenvolvimento das ciências e das novas tecnologias. É a noção de dignidade eindignidade que possibilitou pensar, organizar e desenvolver os direitos humanos.3

Com isso, mudaram também os parâmetros hermenêuticos. A ordem jurídica nunca se encontraplena nas disposições das suas leis. As relações humanas são numerosas, complexas e mutáveis. A

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interpretação 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. tradicional, a norma, no seu relato abstrato, asolução para os problemas jurídicos, e o juiz, com a função de identificar no ordenamento jurídico anorma aplicável ao problema a ser resolvido (aplicáveis mediante subsunção), perdem espaço paraa interpretação constitucional. Isso porque a solução dos problemas nem sempre se encontra norelato abstrato do texto normativo. E ao juiz, intérprete da lei, já não caberá apenas uma função deconhecimento técnico, voltado para revelar a solução contida na norma. Exercerá a coparticipaçãodo processo de criação do Direito, “completando o trabalho do legislador”, ao fazer valorações paraas cláusulas gerais, aplicando-as ao caso concreto.

As transformações ocorridas no Estado, no final do século XX, tendo como marco acentralização dos “direitos fundamentais”, traz a expansão da jurisdição constitucional e areaproximação entre o Direito e a ética, buscando sempre a valorização da pessoa humana.

Portanto, a concepção jurídica positivista, um Direito fechado em regras, ruiu. O DireitoPositivo tornou-se insuficiente para a proteção efetiva da pessoa humana.

Mas qual é a fundamentação das decisões? A fundamentação se baseia em princípios jurídicos,ou em padrões a serem observados, por serem uma exigência de justiça ou equidade, ou de algumadimensão da moralidade.4

A jurisprudência brasileira passou a aplicar diretamente os princípios aos casos concretos, demodo a atribuir ao julgador, de acordo com os parâmetros hermenêuticos e valorativos existentes nasociedade e inscritos na Constituição e com a inevitável interferência da subjetividade naobjetividade. É com este rico material que se tornou possível construir o conteúdo normativo dosprincípios e, por conseguinte, aplicá-los diretamente às relações interprivadas (...).

Diante disso, o papel dos princípios é, também, informar todo o sistema, de modo a viabilizar oalcance da dignidade humana em todas as relações jurídicas, ultrapassando, desta forma, aconcepção estritamente positivista, que prega um sistema de regras neutro. Não mais se aceita umDireito adstrito a concepções meramente formais, enclausurado em uma moldura positivista. Énecessário ultrapassar esta barreira e visualizar que só é possível a construção de um Direito vivo eem consonância com a realidade se tivermos em mente um Direito principiológico (...) É essa fontedo Direito que faz tornar inaceitável para o jurista uma decisão judicial, ou uma solução no planosocial que não seja justa e não esteja de acordo com a equidade.5

Portanto, os princípios perdem seu caráter de supletividade, sendo a porta aberta para a leiturainterpretativa do Direito contemporâneo.

A Constituição Federal da República estabelece no Título I:

Dos Princípios Fundamentais.Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados eMunicípios e do Distrito Federal, constitui-se um Estado Democrático de Direito e tem comofundamentos: I – a soberania;

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II – a cidadania;III – a dignidade da pessoa humana;IV – os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa;V – o pluralismo político.

Estes princípios fundamentais expressos na Constituição Federal “são os princípios gerais”; daíque todo ordenamento jurídico e texto normativo dele devem emanar.

Sem os princípios não há ordenamento jurídico sistematizável nem suscetível de valoração. Aordem jurídica reduzir-se-ia a um amontoado de centenas de normas positivas, desordenadas eaxiologicamente indeterminadas, pois são os princípios gerais que, em regra, rompem ainamovibilidade do sistema, restaurando a dinamicidade que lhe é própria.6

E, na visão de Hans Kelsen, Teoria pura do direito, os princípios gerais são normas muito maisque qualquer outra, pois eles traduzem não somente o sentido de um ato de vontade, masprincipalmente o “conteúdo de sentido, e o espírito da norma”.

Também Norberto Bobbio, em Teoria do ordenamento jurídico : os princípios são as normasgerais do sistema e contêm o espírito que paira sobre todas as leis, cuja origem pode seridentificada, inclusive como uma norma fundamental.

E, cuidando o Direito de Família de relações complexas, dinâmicas, que envolvem o “estado”das pessoas, os textos legislativos não conseguem alcançar, acompanhar as mutações da família e suaevolução social. E, somente em bases principiológicas, a viabilidade para a aplicabilidade doDireito será devidamente sustentável de forma justa, sem exclusão de determinadas categorias depessoas.

Mas por que toda essa digressão a respeito de normas e princípios, quando o tema é guardacompartilhada?

A resposta é objetiva. A novel legislação está na rota de colisão com o Direito contemporâneo.O curto Texto Legal relega: o Princípio do melhor interesse da criança/adolescente, Princípio daautonomia e da menor intervenção estatal.

Também não podemos perder de vista que a criança e o adolescente têm posição privilegiadana família, por se encontrarem em processo de formação da personalidade. A Constituição Federalde 1988, art. 227, contém de forma sintetizada os direitos fundamentais dos menores, registrando queeles são a prioridade absoluta para a ordem jurídica.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, seguindo as diretrizes constitucionais, estabelecenormas protetivas à criança e ao adolescente, em seus arts. 3.º e 4.º.

O filho é alvo da tutela prioritária por parte do ordenamento e protagonista do próprio processoeducacional (...).7

E, após reflexão da nova ordem jurídica, tendo como vertentes a dignidade da pessoa humana e

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a aplicabilidade dos princípios, no Direito, passo à digressão da guarda compartilhada, sob a óticada subjetividade; pois como preconizava o jurista Del Vecchio: se o mundo civil foi criado pelohomem, os seus princípios devem encontrar-se na própria mente.8

A regulamentação da guarda compartilhada chega ao nosso ordenamento jurídico, festejada porexpressiva parcela de estudiosos do Direito de Família, como também por pais. O meu entusiasmo écontido. Direito de Família trata de relações afetivas, complexas. Não se resolvem questõescomplexas impondo condutas, de forma objetiva. A flexibilização é o melhor caminho. Como seorganizar juridicamente a família, se agora não há mais uma única forma de família, mas várias?Mães criando filhos sem os pais por perto e vice-versa, casais com filhos de casamentos anteriores etambém seus novos filhos, parentalidade socioafetiva, útero de substituição, casais homossexuais.Enfim, a família hoje está em movimento e é plural.

“Afeto, igualdade e alteralidade, pluralidade de famílias, melhor interesse dacriança/adolescente, autonomia de vontade e intervenção estatal mínima são os princípiosfundamentais e norteadores do Direito de Família contemporâneo, sob os quais está o macroprincípioda dignidade da pessoa humana. São esses princípios que nos possibilitam, estabelecer e optar porrazões mais universais, ou seja, pela ética” – Rodrigo da Cunha Pereira.

E, em meio a todas essas mudanças, o Prof. Luiz Edson Fachin: “Os fatos acabam se impondoperante o Direito e a realidade acaba desmentindo esses mesmos códigos, mudanças e circunstânciasmais recentes têm contribuído para dissolver a névoa da hipocrisia que encobre a negação de efeitosjurídicos”...

Psicanalistas, sociólogos, não têm a fórmula certa. Terá o legislador, com a nova redação dadaao art. 1.584 do Código Civil? Acredito que não. Difícil impor diretrizes, comportamentos, de formaobjetiva, no Direito de Família. Penso que o mais correto seria o intérprete aplicar a teoriatridimensional do Prof. Miguel Reale (norma, valor e fato) à situação, concreta, à realidade do casale filhos. A aplicabilidade do Direito em sua essência: “Dá-me o fato e lhe darei o Direito”.Obviamente, compartilhar a educação dos filhos seria o ideal. Pais presentes, participativos. Porém,essa premissa não é a realidade das Varas de Família. Nas relações judiciais, às vezes, o elodeterminante da família, o amor, o afeto, o respeito, perde espaço para conflitos, desentendimentos.E os filhos? Encontram-se no meio da história da degradação pessoal dos pais, auxiliados porestudiosos da psicologia, da psicanálise. Enfim, o caminho é sinuoso, porém repleto de vitórias seassim for dirimido.

Importa também considerar que família e parentesco são categorias distintas. O cônjugepertence à família, e não é parente do outro cônjuge. Enquanto perdura a relação conjugal, marido emulher são consortes, que compartilham uma comunhão de vida. Dissolvida a sociedade conjugal,não existirá liame jurídico entre os ex-cônjuges. Já os filhos continuam fazendo parte daquela relaçãofinalizada, e precisam conviver com aqueles que um dia formaram um casal. Portanto, a separação éda família conjugal e não da família parental.

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Surge, porém, um dilema. Com quem ficará o filho ou os filhos? Convivendo com ambos? Omelhor caminho. Mas a experiência mostra que isso só ocorre se os pais saíram daseparação/divórcio sem mágoas, ressentimentos, ou seja, amadurecidos. E, no caso de conflitos,determinar que a guarda seja concedida apenas a um (obedecendo ao melhor interesse do menor), eao outro, o direito de visitas. Que situação frustrante, tanto para as partes, como para o julgador.Porém, como nas relações de “estado”, as situações são momentâneas, vigorando a premissa “rebussic stantibus”, e posteriormente aquela situação poderá ser mudada, em qualquer tempo, pois a vidasegue seu curso.

Também é importante observar que nem sempre filhos de pais separados são infelizes. O tompara uma vida serena dos filhos será dado na infância. E é justamente na infância que se sedimentama pessoalidade, a história pessoal de cada indivíduo, a construção de seus valores morais, éticos, e amaneira de enfrentar as vicissitudes da vida.

Esse momento é importante.Sob outra ótica, também a situação de pais casados, que vivem em eterno conflito, traduz

problemas para a criação dos filhos. A história é repleta de acontecimentos nefastos, quando ocasamento é indissolúvel e a única forma de constituir família. Não havia como sair de uma relaçãode desamor. Prefiro o Estado Laico, Secularizado, com várias formas de constituir família, queprioriza a dignidade da pessoa humana, e tem o afeto, Princípio do Direito de Família.

Prosseguindo, tendo como norte a Constituição Federal de 1988, observo que o legisladorinfraconstitucional não alçou altos voos. A igualdade constitucional entre o homem e a mulher indicaque o poder familiar deve ser exercido em igualdade de condições; que o princípio do melhorinteresse do menor deve ser respeitado; e, também, que o planejamento familiar é do casal.

Assim, conjugando os princípios citados, e respeitando os vários posicionamentos a respeito danova redação dada ao art. 1.584 do Código Civil, entendo que a intenção, o espírito do legislador,alcançou o seu fim. Mas a efetividade não será alcançada. A dignidade do casal poderá serarranhada com a imposição de uma guarda compartilha (ex-cônjuges, que ainda não digeriram o fimdo casamento, sentarem juntos para resolver a escola, o médico etc. dos filhos).

É bom que o(s) filho(s) seja(m) educado(s) por pais que se odeiam? Onde anda o melhorinteresse do menor? O princípio da autonomia do casal (não observado pela novel Legislação),estabelecido no art. 226, § 7.º, da CF: “Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e dapaternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estadopropiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer formacoercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”.

Enfim, no exercício da então função de julgadora, (sem querer polemizar a chegada da novaLei), e agora no exercício da Advocacia, numa visão hermenêutica civil-constitucional, continuoafirmando: a nova lei é inconstitucional.

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Isso porque, fere a dignidade do casal, o melhor interesse do menor é relegado, e é uma formacoercitiva de se resolver a guarda, em razão da intervenção estatal na autonomia da vontade do casal.Melhor seria que a redação anterior fosse mantida, na qual se preservava o menor e as partes.

E como a vida segue seu curso, de forma inexorável e surpreendente a reflexão do prefácio, doProf. Luiz Edson Fachin, no Livro Princípios Norteadores do Direito de Família , de autoria deRodrigo da Cunha Pereira: “O tempo presente é de inquietudes e por isso mesmo de reflexões paramanter acesa a esperança e o sonho. É certo que, como Zeca Andorinho, da estória de Mia Coutosobre o último voo do flamingo em Moçambique, somos madeira que apanhou chuva. Agora nãoascendemos nem damos sombra. Temos que secar à luz de um sol que ainda há. E esse sol só podenascer dentro de nós. É desse sol que se faz a terra, as árvores e o céu, todos esses mundos que seabrem para acolher a genealogia dos princípios na origem, no meio e no fim da família, um corpo emmovimento mensageiro suscetível de arrostar o rapto da esperança e o sequestro da vida. É desse solque reafirma, no vital respeito à diferença, que um outro mundo, sim, é mais possível”.

BIBLIOGRAFIA

CRUZ, Maria Luiza Póvoa. Separação, divórcio e inventário por via administrativa: implicaçõesdas alterações no CPC promovidas pela Lei 11.441/2007. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012.

CUNHA PEREIRA, Rodrigo da. Princípios fundamentais e norteadores de direito de família. BeloHorizonte: Del Rey, 2005.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil. São Paulo: Saraiva.

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HOMOPARENTALIDADE E A GUARDA COMPARTILHADA

MARIANNA CHAVES

Sumário: Introdução – 1. As uniões homoafetivas como entidades familiares – 2. A união estável e ocasamento homoafetivo – 3. O afeto e a homoparentalidade – 4. Breves notas sobre a guarda – 5. Aguarda compartilhada e a homoparentalidade – Considerações finais – Referências.

INTRODUÇÃO

Os relacionamentos homoafetivos sempre existiram e, dia após dia, passaram a demandarsoluções judiciais por todo o mundo. Os cientistas, estudiosos e operadores do Direito não podemficar alheios a este fato social, que em boa parte dos ordenamentos existentes ainda não estájuridicamente tutelado. De acordo com a ILGA (The International Lesbian, Gay, Trans and IntersexAssociation) somente 22 Estados reconhecem o casamento entre pessoas do mesmo sexo e apenas 28legalizaram as uniões civis/parcerias ao redor do mundo.1

Alinhando-se com essa ideia, pode-se afirmar que as uniões homoafetivas constituem um núcleofamiliar e, como tal, fazem emergir reflexos jurídicos de toda sorte, como inclusive já foireconhecido pelo Supremo Tribunal Federal em mais de uma oportunidade. Seja pela constituição(ou desejo de constituição) da união, seja pelo seu término, seja pela parentalidade exercida por umou ambos do par, os efeitos jurídicos são infindáveis e nem sempre foram tutelados da formaadequada.

O Poder Judiciário pátrio, em virtude da falta de regulação normativa, se convenceu de que nãopoderia seguir oferecendo “respostas mortas a perguntas vivas”,2 afastando-se do Direito justo,cingindo-se a formalismos e desconhecendo a realidade social subjacente. Assim, o STF, guardiãoda Carta Magna, reconheceu que havia chegado a um ponto em que o vilipêndio a diversos direitosfundamentais não poderia continuar sendo ignorado pela Justiça e assumiu uma postura proativa e deinterpretação conforme à Constituição.

Nesse movimento emancipatório e de proteção das minorias, o matrimônio heterossexual deixoude estar no epicentro do pensamento sobre as famílias, que teve o seu horizonte alargado a novosgrupos familiares.3 Passou a reconhecer-se maior “plasticidade”4 ao Direito das Famílias pós-moderno, em uma lógica de pluralismo familiar, igualdade e não discriminação.

Essa ideia pavimentou o reconhecimento das uniões homoafetivas como entidades familiares

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juridicamente tuteladas. Após a legalização das conjugalidades entre pessoas do mesmo sexo, opasso a seguir foi a recognição da parentalidade, natural, por meio da adoção ou mesmo socioafetivapor homossexuais.

Não estando expressamente previstas dentro do âmbito de aplicação dos dispositivos da guardacompartilhada – que fazem menção apenas a “pai” e “mãe” –, estarão as famílias homoafetivasimpossibilitadas de se socorrem deste tipo de convivência familiar pós-ruptura? É essa a perguntaque o presente escrito busca responder.

AS UNIÕES HOMOAFETIVAS COMO ENTIDADES FAMILIARES

O “rol familiar” que se encontra expresso na Lei Fundamental brasileira não é exaustivo,tampouco numerus clausus. O legislador constituinte se limitou a citar expressamente as hipótesesmais usuais, como a família monoparental e a união estável entre homem e mulher. Entretanto, a baseda tutela não se encontra mais no matrimônio heterossexual, mas sim na família. O afeto terminou porser inserido no âmbito de proteção jurídica. Como afirma Zeno Veloso, “num único dispositivo oconstituinte espancou séculos de hipocrisia e preconceito”.5

Nessa lógica, o panorama constitucional não deve ser tido como taxativo, mas simexemplificativo. Assim, o caput do art. 226 da Carta Magna brasileira deve ser vislumbrado comocláusula geral de inclusão, devendo-se impedir a exclusão de qualquer entidade que ateste ospressupostos de ostensibilidade, estabilidade e afetividade.6 A família, como base da sociedade,deve ser compreendida a partir de um novo tecido normativo, permeado por valores mais éticos eharmonizado com a realidade que deve regulamentar. É a família do afeto, que exalta os valoresexistenciais dos indivíduos.

O Brasil, acompanhando os passos do bloco progressista,7 terminou por reconhecer a uniãohomoafetiva como entidade familiar e outorgou o regime – por equiparação – da união estável entrehomem e mulher. Curiosamente, muito embora o Brasil faça parte do sistema romano-germânico, quetem como um de seus elementos caracterizadores o fato de o Direito estar organizado em grandescodificações, traduzindo-se em um prestígio da lei escrita, terminou por se comportar, nessa matériada homoafetividade, como um país da common law, onde o Direito vinha sendo construído pelajurisprudência que se cristalizava ao longo de mais de uma década.

A tendência de uma maior aceitação popular e a incontestável omissão do poder legislativo,aliados ao inescusável dever de o guardião da Constituição brasileira se manifestar em relação àsuniões homoafetivas, cujos direitos fundamentais e civis de seus partícipes vinham há muito sendosonegados, levaram ao reconhecimento da família homoafetiva no território brasileiro. Críticas nãofaltaram dos setores mais conservadores da sociedade e do próprio Poder Legislativo (em especialpor parte da denominada “Bancada da Bíblia”).

Uma singularidade desse cenário que deve ser sublinhada é que os projetos de lei sobre

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regulamentação de uniões homoafetivas nunca chegam à votação em plenário nas Casas Legislativas.São jogados de uma Comissão para a outra, até serem engavetados ad eternum. O poder legislativoperemptoriamente acusa o judiciário de ativismo judicial, de afronta ao princípio da separação dospoderes, mas ninguém ousa falar sobre os projetos de lei que são propostos desde o ano de 1995 enunca chegam à votação. Não se menciona o fato de mais de seis anos terem se passado desde ojulgamento da ADI 4.277 e ADPF 132 sem que o legislativo se mova para regular os direitos LGBTI,mesmo tendo sido expressamente conclamado a se manifestar sobre a matéria.8

A UNIÃO ESTÁVEL E O CASAMENTO HOMOAFETIVO

Como foi referido anteriormente, o legislativo brasileiro vem deliberadamente se omitindo nodomínio da regulação das uniões homoafetivas. Em tal hipótese de inatividade, nada restava aojulgador, senão procurar as respostas em outras relações jurídicas, cujas circunstâncias de fatoapresentem semelhança com a situação do caso concreto. Como já diria Carlos Maximiliano, “forçaé adaptar o Direito e esse mundo novo aos fenômenos sociais e econômicos em transformaçãoconstante, sob pena de não ser efetivamente justo – das richtige Recht, na expressão feliz dostudescos”.9 O dever de dizer o direito, independentemente da existência de lei, é prescriçãonormativa oriunda do art. 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.

A analogia pode muito bem ser um instrumento valioso para o vazio legislativo existente, o jámencionado fosso assombroso que existe entre o mundo jurídico e a realidade. Entre todos osinstitutos que se encontram normatizados no ordenamento jurídico brasileiro, é indubitável asemelhança entre a união homoafetiva e a união estável. Por esse motivo, antes mesmo do julgamentoda ADI 4277 e da ADPF 132 pelo STF, em 2011, a doutrina majoritária, assim como boa parte dajurisprudência,10 já sustentavam a aplicação das regras relativas à união estável às uniõeshomoafetivas, por analogia.

Alinhando-se a uma noção larga de família, o STF (no julgamento da ADI 4277, em conjuntocom a ADPF 132) argumentou que o art. 226 da Constituição Federal não deveria ser consideradonumerus clausus ou um rol taxativo, mas apenas um elenco exemplificativo de entidades familiares,como aliás, já se defendia na doutrina há muitos anos.

Como adverte há muitos anos Paulo Lôbo,11 o caput do art. 226 trouxe uma profundatransformação, relativamente ao domínio de vigência da tutela constitucional à família. Não existequalquer menção a um certo tipo de família, como aconteceu com as Constituições anteriores. Aoeliminar a expressão “constituída pelo casamento” (art. 175 da Constituição de 1967-1969), semsubstituí-la por outra, o legislador constituinte ao abrigo da proteção da constituição “a família”, ouseja, qualquer família.

Assim, o dispositivo de exclusão desvaneceu, surgindo uma cláusula aberta, de inclusão.Assim, o caput do mencionado dispositivo da Carta Magna, que outorga a proteção à família, não

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poderia ter uma interpretação reducionista do que poderia ser família ou levar a um conceito defamília limitado aos modelos constitucionalmente explícitos. A heteronormatividadematrimonializada e cerceadora deu espaço a um pluralismo igualitário e democrático.

Nesse sentido, em 05 de maio de 2011, o Brasil viveu um momento histórico com o julgamentoconjunto da ADPF 132 e da ADI 4277, que representou uma quebra de paradigmas e um avanço parao Direito das Famílias. O STF entendeu que a união homoafetiva é entidade familiar e dela decorremtodos os direitos e deveres que emanam da união estável entre homem e mulher.12

Portanto, identificados os pressupostos legais para configuração da união estável,consubstanciada na convivência pública, continuada e duradoura, com intuito de formação defamília,13 casais homoafetivos “formam uniões estáveis aptas ao usufruto de todos os direitos e aoexercício de deveres decorrentes do mesmo sentimento: o amor”.14 Assim, as uniões homoafetivasforam equiparadas com as uniões estáveis compostas por pessoas de sexo diverso.

Como corolário da decisão, a celeuma doutrinária e jurisprudencial passou do questionamentosobre a existência ou não de entidade familiar, para a possibilidade – ou não – da conversão daunião estável homoafetiva em casamento civil.

A resposta é de clareza meridiana, sendo dispensável qualquer exercício hermenêutico maiscomplexo. Se o STF reconheceu a união entre pessoas do mesmo sexo como união estável e a própriaCarta Constitucional brasileira afirma que a lei deverá facilitar a sua conversão em casamento, outroentendimento não seria possível: a união estável, seja hétero ou homoafetiva, pode ser convertida emcasamento, nos termos do art. 1.726 da Lei Civil brasileira.

A despeito da decisão da Corte Constitucional que, reitere-se, possui efeito vinculante eeficácia erga omnes, aqui e acolá (até o surgimento da Resolução n.º 175 do Conselho Nacional deJustiça), não eram incomuns decisões em que o pedido de conversão de união estável homoafetivaem casamento era denegado.

Esse fato demonstra a necessidade de edição das normas existentes, tendo em vista tratar-se deum país onde a lei escrita é altamente prestigiada, muitas vezes interpretada em uma literalidadeafastada do espírito do sistema, no qual Ministério Público e magistrados de 1.º grau, ainda que emocorrências isoladas, insistem em questionar o julgado do STF. É mister que esteja consagrada, deuma vez por todas, a decisão do Supremo, encravada na lei de forma ostensiva e literal, seja pormeio de emenda constitucional,15 reforma no Código Civil ou aprovação do Estatuto da DiversidadeSexual.

Além do reconhecimento expresso das uniões estáveis homoafetivas, é necessário que seconsagre também legislativamente a possibilidade do casamento civil homoafetivo direto, alternativafactível de acordo com a doutrina e com a jurisprudência do STJ,40 que acatou o Recurso Especial deduas mulheres que tentavam casar-se diretamente.16-17-18

O REsp 1.183.378 – RS foi um leading case muito importante nessa matéria que, todavia, não

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sobrepuja a necessidade de uma legislação que trate do tema, tendo em vista julgados posteriores àdata do julgamento do STF que contestam a absolutamente inafastável possibilidade de casamentohomoafetivo por conversão da união estável.

Uma vez que tese do casamento direto é uma construção doutrinária e jurisprudencial recente,sem efeito vinculante, uma lei que chancele a possibilidade se mostra oportuna, de modo a suprimirqualquer dubiedade. Muito embora exista uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (n.º 175,de 14 de maio de 2013) que proíbe as autoridades competentes de se recusarem a habilitar, celebrarcasamento civil ou de converter união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo, talresolução vem sendo questionada pelo Poder Legislativo.19

O AFETO E A HOMOPARENTALIDADE

No domínio dos direitos LGBTI, não parece existir dúvida de que a questão dahomoparentalidade pode ser apontada como a mais ou uma das mais sensíveis. Neste âmbito, muitasdivergências e visões antagônicas ainda são encontradas na doutrina, ainda que depois da decisão doSupremo Tribunal Federal não restem mais dúvidas de que os casais do mesmo sexo podem adotarcrianças e adolescentes.20 Assim, estão plenamente aptos a exercer as responsabilidades parentaisrelativas aos seus filhos e compartilhar a guarda deles, em caso de divórcio ou término de uniãoestável.

Parece ser incontestável – apesar dos mitos intrínsecos à maternidade – que nem toda pessoapossui capacidade ou vocação para exercer a função parental. O vínculo de sangue não parece ser umseguro garantidor de uma boa criação; se assim o fosse, seria dispensável a existência de diversosmecanismos de proteção das crianças, como medidas de limitação e inibição das responsabilidadesparentais, além da guarda confiada a terceiros e a adoção.

Diante dos recorrentes casos de maus-tratos, violência psicológica e física, abandonosselvagens de neonatos perpetrados pelos pais biológicos, pode-se afirmar que o exercício adequadoda função materna e/ou paterna se vincula muito pouco ou quase nada ao sangue.21 As verdadessociológica e afetiva, não raras vezes, podem ser mais valiosas em eixo e sentido, e “mais útil àvocação ordenadora do Direito do que a nua realidade biológica”.22 O afeto, portanto, pode serconsiderado a “essência da verdade”23 nas famílias atuais.

Nessa lógica, parece claro que não será a orientação sexual do indivíduo que irá definir se esteconseguirá executar, com devotamento, afetividade e efetividade o seu papel parental. Aparentalidade – pouco a pouco – vem deixando de estar assentada em convenções morais (de ondeadvêm, por exemplo, as presunções de paternidade) para repousar no afeto, da intenção, naresponsabilidade, na confiança, no cuidado e, claro, no melhor interesse da criança.

O segredo do sucesso no cuidado parental reside na consciência das pessoas da “naturezainstrumental da sua função junto dos filhos”.24 Não parece ser razoável supor que a

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homossexualidade constitua, aprioristicamente, um óbice inafastável ao exercício da parentalidade,seja por meio do recurso à procriação (natural ou medicamente assistida), à adoção ou à guarda.

Um estudo25 com pesquisas empíricas levadas a cabo na Austrália indicou que não reconhecerlegalmente os pais de uma criança vai contra o melhor interesse da criança. A investigação, relativaa crianças criadas por casais de lésbicas, constatou que os infantes, ao descreverem o nãoreconhecimento de sua família, utilizaram palavras negativas como “tristeza”, “angústia”, “raiva”,“ansiedade” e “apreensão”.

Deve ser ressaltado que o reconhecimento do direito à parentalidade dos homossexuais nãoresulta apenas do respeito à dignidade desses indivíduos ou resultado dos princípios da igualdade,da não discriminação e do livre planejamento familiar. O fundamento maior é – e deverá sempre ser– o fato de que o exercício dessa parentalidade responde aos interesses da criança ou do adolescenteem causa, como impõe a legislação interna do Brasil, assim como todos os instrumentosinternacionais relativos às crianças e adolescentes.

Concebendo-se os direitos de família como direitos subjetivos típicos e em virtude da filiaçãopoder propiciar o engrandecimento da personalidade humana, parece ser sustentável a ideia de umdireito subjetivo de os homossexuais realizarem-se como progenitores, concedendo-lhes apossibilidade da adoção de crianças e adolescentes, assim como o acesso às técnicas de reproduçãohumana assistida.

A recognição das uniões homoafetivas como entidades familiares, derrubou muitos óbices paraa possibilidade do exercício da parentalidade pelos homossexuais. Todavia, ainda hoje é possívelnos depararmos com casos em que a filiação jurídica estará estabelecida apenas em relação a umapessoa do par. É nesse momento que emerge a importância da socioafetividade e do afeto como valorjurídico.

Socio-Legal Journal vol. 28, n.º 1, p. 28-42, 2010, p. 34.A exemplo de João Baptista Villela, 26 precursor da ideia de desbiologização da paternidade no

Direito brasileiro, Guilherme de Oliveira há muito já advertia que se pode considerar pai aquele quedá a vida e o Direito curva-se diante desta evidência; mas, com sustentáculo nos avançosbiotecnológicos, também deverá ser considerado pai (ou mãe) aquela pessoa que paga os “biberons”e, “felizmente, o Direito conhece esta outra verdade”.27

O exercício da parentalidade transcende o simples ato da reprodução, ultrapassa o fato natural,não se resume a uma ocorrência biológica. É um fenômeno complexo, que engloba elementos sociais,psicológicos e afetivos, de tal maneira que pode ou não existir uma relação de paternidade entre umhomem que contribuiu com seus gametas e uma criança ou um adolescente. Como já se ressaltou emacórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, o “instinto parental” se relaciona com o “mundoafetivo de cada um”.28 Como indicou o Tribunal da Relação de Évora, “para uma criança, mãe oupai, psicologicamente, são quem desempenha a respectiva função e vive como tal, duma formaautêntica e profunda”.29

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Além do mais, o fato de os casais homossexuais não disporem de capacidade reprodutiva(como par) não significa que não tenham ou não possam vir a ter filhos. Hoje vive-se um cenário demanifesto pluralismo procriativo, onde as pessoas podem fazer, inclusive, arranjos parentais quedesemboquem em uma multiparentalidade jurídica.30

Na hipótese de um filho de relação anterior, a posição do parceiro ou parceira do genitor(natural ou adotivo) se recobre de peculiar singularidade. Se, à primeira vista, ele (ou ela) não é opai nem a mãe do infante, parece certo que a convivência gera um vínculo de afetividade e afinidade.Ambos os companheiros passam a exercer a função parental, sendo habitual que o parceiro ouparceira do genitor participe ativamente na criação e educação da prole, avocando, por vezes, atémesmo o dever de sustento. Assim, parece que se encontram presentes todos os pressupostos para oreconhecimento de um vínculo de filiação socioafetiva.31 Na doutrina norte-americana,32 o pai ou amãe socioafetivos podem ser denominados de: de facto parent, equitable parent ou psychologicalparent.

De qualquer maneira, com o panorama desenhado pelo julgamento das uniões homoafetivas e damultiparentalidade pelo STF, em uma situação dessas, pode-se sempre recorrer ao reconhecimentoda parentalidade socioafetiva do filho de seu cônjuge ou companheiro, mesmo que essa criança játenha a filiação estabelecida em relação a dois pais.

O melhor interesse da criança vai no sentido de estar em uma família que lhe ofereça umambiente seguro e amoroso, independentemente da estrutura. Considerar que crianças e jovens sópoderiam crescer e se desenvolver harmoniosamente em determinado modelo familiar tradicional,seria desconhecer a própria diversidade humana.33

BREVES NOTAS SOBRE A GUARDA

A mais notável das relações de parentesco – a filiação – advém da vinculação jurídica dosprogenitores aos seus filhos e na obrigação de satisfazer suas necessidades, por meio da assistência,representação, proteção e cuidado que lhes compete. A relação materno e paterno-filial é, portanto,um complexo de relações entre pais e filhos que se denomina por “responsabilidades parentais”,“cuidado parental” ou “poder familiar” (terminologia anacrônica, ainda utilizada na legislaçãobrasileira), que indicam o múnus que os pais possuem na criação dos filhos.

A guarda compõe a estrutura das responsabilidades parentais, estando inserta naquele complexode direitos-deveres ou poderes funcionais. Assim, o cuidado parental abandonou as suascaracterísticas de poder subjetivo e alcançou contornos de um verdadeiro múnus jurídico-funcional,um ofício privado que – concomitantemente – se apresenta como autoridade e dever que os paisdevem exercitar no interesse dos seus filhos.34

Até o advento da Lei n.º 11.698, de 13 de junho de 2008, em que foi instituída e regulada aguarda compartilhada, o esquema clássico era o da guarda unilateral, onde as crianças residiam com

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um dos progenitores (normalmente a mãe) e conviviam com o outro em finais de semana alternados.A partir daquela data, o cuidado parental partilhado passou a ser o modelo automaticamenteaplicável, de acordo com exegese do § 2.º do art. 1.584, em sua redação revogada, que rezava:“Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre quepossível, a guarda compartilhada”.

A legislação definiu com clareza o que era guarda unilateral e o que era guarda compartilhada.Nesse sentido, desde 2008, a guarda compartilhada já era o modelo legal, devendo o Juiz, apenas emultima ratio, determinar a guarda unilateral, podendo o modelo compartilhado ser outorgado sem orequerimento das partes, ou, quando não houvesse consenso, desde que of Religious Freedom andEqual Protection for Same-Sex Couples. Journal of Legislation, vol. 42, n.º 2, p. 186-210, 2016, p.189-190. o Magistrado entendesse que estava sendo atendido o melhor interesse da criança, deacordo com a interpretação do § 2.º do art. 1584.35

Em 2014 a disciplina da guarda sofreu uma nova reforma, a partir da Lei n.º 13.058. A redaçãovigente do § 2.º do art. 1.584 do CC indica que, quando não houver acordo entre a mãe e o pai quantoà guarda da prole, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercerem as responsabilidadesparentais, será aplicada a guarda compartilhada, exceto se um dos genitores declarar ao juiz o seudesejo de não exercer a guarda da criança ou do jovem.

Em um primeiro olhar, a nova regra parece em harmonia com o espírito da disposiçãonormativa anterior e do instituto da guarda compartilhada. Entretanto, a mudança trazida pela novalegislação afigura-se desnecessária e apta a causar confusões, pois pode levar a uma situação devisão de obrigatoriedade absoluta da guarda compartilhada pela supressão da locução “sempre quepossível” existente na redação anterior do mesmo dispositivo legal.

Não obstante essa (suposta) compulsoriedade possa se afigurar quase absoluta, parece razoávelsupor que a exceção não deve se restringir apenas à hipótese em que um dos pais não queira exercera guarda compartilhada. É preciso relembrar que a legislação infraconstitucional deve ser lidasempre com os “óculos” da Constituição e com respeito irrestrito ao princípio do melhor interesse dacriança. Assim, quando se apresentar um motivo forte e patente, ainda que os pais desejem a guardacompartilhada dos filhos, entendemos que o magistrado poderá fazer com que a norma do DiplomaCivil ceda e aplicar a guarda unilateral se esta se mostrar a solução mais ajustada com o melhorinteresse daquela criança, naquele caso concreto.

Preocupa ainda a confusão legislativamente consagrada entre guarda alternada e guardacompartilhada. Esta última se mostra absolutamente compatível com o melhor interesse das criançase adolescentes, enquanto a primeira vai contra as orientações da maioria dos juristas, além deexperts na área da psicologia e psicanálise. A depender da idade da criança, a rotina é um elementoextremamente importante para o seu bem-estar físico e psicológico.

O art. 1.583 do Código Civil, em seu § 2.º, estabelece que “o tempo de convívio com os filhosdeve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai”. Ora, este dispositivo nos dá a ideia

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de que o tempo de convivência entre pais e filhos deverá ser dividido em termos de 50% para cada,como em uma sociedade, olvidando-se que uma divisão do tempo da criança ou adolescente comesses critérios poderá ser bastante danosa ao desenvolvimento de sua personalidade.

A maioria dos esquemas que proponham essa dinâmica não terão – em regra – bons resultados,pois a criança termina sem referenciais em sua vida, como se vivesse uma espécie de vida cigana,sempre com uma mochila nas costas, mudando de casa a cada tantos dias ou a cada tantas semanas.Mais uma vez, é preciso que essa norma seja interpretada de acordo com o melhor interesse dacriança.

Não se deve, todavia, “demonizar” toda e qualquer proposta de guarda alternada, devendo-seanalisar o plano parental com uma cautela redobrada.36 Por óbvio, é possível que a dinâmicaapresentada se mostre em harmonia com o superior interesse da criança, relativamente àquela famíliae àquela conjuntura específica (por exemplo, quando os pais vivem no mesmo bairro ou no mesmocondomínio após o divórcio e quando mantêm uma boa comunicação, conseguindo ajustar a rotina dacriança com a circulação equitativa entre as duas casas, mantendo os mesmos rituais diários evetores educativos do filho).

Por fim, uma pergunta que deve ser suscitada é: a lei, mesmo depois desta reforma posterior aoreconhecimento das uniões homoafetivas pelo Supremo Tribunal Federal, apenas faz referência a paie mãe. Nas famílias homoafetivas existem pais ou mães, ou até mesmo pais e mães, na hipótese demultiparentalidade. Portanto, questiona-se: é a normativa da guarda compartilhada aplicável no casode dissolução de uniões homoafetivas, em que existam crianças que coabitem com o casal?

A GUARDA COMPARTILHADA E A HOMOPARENTALIDADE

A expressa regulação legal da guarda compartilhada, veio garantir um esquema de convívioalargado, com mais comunicação e contato entre pais e prole.37

O art. 1.583, § 1.º, em sua última parte conceitua a guarda compartilhada como “aresponsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob omesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”. O art. 1.584, I, assevera ainda que:“A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe,ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estávelou em medida cautelar”. Podem ser suscitadas algumas dúvidas diante dos mencionadosdispositivos.

As famílias homoafetivas estão dentro do âmbito de aplicação da guarda compartilhada? Osverbetes “pai” e “mãe” teriam o condão de afastar a aplicação da normativa? Podem os casaishomossexuais acordar a respeito da guarda compartilhada de um filho comum? Podem os casais delésbicas planejarem a maternidade em conjunto com um doador conhecido, que deseje tambémexercer a parentalidade?

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Parece-nos que sim. Os casais podem acordar a respeito da guarda compartilhada, estando orelacionamento dentro do seu âmbito de aplicação; a guarda compartilhada pode ainda ser deferidapelo juiz, no caso de um casal homossexual em que a filiação esteja estabelecida apenas em relaçãoa um dos partícipes da relação, tendo-se em conta a socioafetividade daquele que não é progenitorjurídico. Em todos os cenários, há de se ter em conta que ambos os partícipes devem serconsiderados “pais” ou “mães”.

Essas novas molduras familiares evidenciam que “a definição da maternidade a partir do partosabe-se cientificamente falível”.38 Tal fato é perceptível na hipótese de recurso ao método ROPA –Reception of Oocytes from Partner. Por intermédio dessa técnica, os óvulos de uma das parceirassão fertilizados e implantados no útero da outra; aquela que gera o filho será mãe biológica, mas nãoserá a sua mãe genética, já que os embriões foram gerados a partir dos ovócitos da outra.

Já há algum tempo ventila-se a possibilidade de existir um arranjo ou um contrato entre pessoaspara a geração de filhos (em uma lógica de auto inseminação, por opções pessoais ou também peloalto custo dos tratamentos em clínicas de reprodução assistida) numa dissociação absoluta entresexualidade e parentalidade. Nesse cenário, o tripé casamento – sexo – reprodução restoucompletamente alterado e o exercício da parentalidade deixa de ser uma consequência da relaçãoamorosa dos pais da criança.39 Como adverte Rodrigo da Cunha Pereira, existem pessoas quesomente desejam estabelecer uma vida em comum com outra, mas não querem ter filhos. E há outrasque desejam ter a sua prole sem estabelecer um vínculo conjugal.40

A problemática emergia no caso de a mulher que se autoinseminou ou fez o arranjo de ter umacompanheira ou esposa. Neste caso específico, via de regra, ter-se-ia conhecimento de quem foi odoador de sêmen, mas o desejo era de que a filiação fosse estabelecida em relação às duas mulheres,já que o projeto parental foi levado a cabo por ambas. Poder-se-ia desejar também que a filiaçãofosse estabelecida em relação a todos: a mãe genética e gestacional, a sua cônjuge ou companheira(que será mãe de intenção) e o doador, que poderá exercer a função paterna.

Com o reconhecimento da multiparentalidade pelo Supremo Tribunal Federal (RE 898.060-SC), parece não existir mais óbice para que uma criança tenha mais de duas pessoas na titularidade eno exercício das responsabilidades parentais, desde que tal arranjo parental esteja em harmonia como melhor interesse da criança. Não há mais razão jurídica para se afastar atores parentais da vida deum nascituro ou recém-nascido pela simples alegação de impossibilidade jurídica do pedido de queuma criança possa ter mais de dois pais.

O Provimento n.º 52/2016 do CNJ pôs um fim à celeuma e ao calvário que enfrentavam osfilhos da reprodução assistida nas famílias homoafetivas. O documento, dispõe sobre o registro denascimento e a emissão da respectiva certidão dos filhos havidos por PMA, que será lavradoindependentemente de prévia autorização judicial, bastando o comparecimento de ambos os pais(seja o casal heteroafetivo ou homoafetivo), munidos da documentação exigida pelo provimento.Para além de regulamentar a dupla maternidade (que já vinha sendo deferida pela jurisprudência,

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mas impunha às partes a obrigação de terem de se socorrer do Judiciário),41 importa referir que oordenamento brasileiro também vem reconhecendo a multiparentalidade nos casos em que o doadorgenético também participa do projeto parental e deseja exercer a função paterna.42 Assim, parece nãoexistir mais quaisquer entraves para o reconhecimento legal da multiparentalidade derivada oumesmo ab initio.

Em território brasileiro, já se tem notícia de declaração de multiparentalidade ab initio de umnascituro em sede administrativa. Segundo o magistrado da 4ª Vara Cível de Santos, na hipótese defilho oriundo de reprodução assistida com duas mães, não há que se falar em socioafetividade. Emseu entendimento, ambas já são genitoras do nascituro, “mães desde a concepção”, já que o projetoparental foi construído pelas duas mulheres, unidas pelo casamento civil. Além das duas mães,também passou a figurar no registro de nascimento do bebê, o nome do doador de gametas – queexercerá a função paterna – e os seis avós.43 Na decisão, o juiz determinou a inserção do nome dostrês pais já na Declaração de Nascido Vivo, assim como a autorização para participação da segundamãe e do pai no parto.44

Em relação à adoção conjunta por homossexuais, os avanços jurisprudenciais já vinhamemergindo incessantemente no Brasil há quase duas décadas. Já eram inúmeros os casos de adoçãopor casais do mesmo sexo desde o final da década de 1990.

Decisão pioneira se deu no Estado do Rio de Janeiro, no ano de 1997.45 Na sentença, o JuizSiro Darlan de Oliveira, então titular da 1.ª Vara da Infância e Juventude e, atualmente,Desembargador do TJRJ, concedeu a adoção a uma requerente homossexual, que possuía a guarda defato do infante desde a tenra idade do mesmo, após dois anos de institucionalização. Na decisão, oMagistrado sublinhou a importância de um ambiente familiar e acolhedor para a criança, emdetrimento da impessoalidade de uma instituição, uma vez que o tratamento dispensado à criança écoletivo. O Ministério Público recorreu da sentença, apelo este que foi rechaçado em 23 de março de1999, sendo a decisão do julgador de 1.º grau confirmada pelo Tribunal de Justiça do Rio deJaneiro.46

No início do ano de 2009, foi concedida pelo Juiz da Vara da Infância e Juventude de RibeirãoPreto, interior do Estado de São Paulo, a adoção de quatro irmãos (três meninas e um menino) a umcasal de homossexuais do sexo masculino, que se relacionavam há mais de 15 anos. Os infantes seencontravam institucionalizados desde meados de 2003, quando foram abandonados pelos paisbiológicos. Em 2006, os pais adotivos obtiveram a guarda provisória das crianças. Foi amplamentenoticiada na mídia que a decisão do Juiz levou em consideração o desejo das crianças de permanecercom o casal, desejo este que foi manifestado por meio de uma carta, escrita pela mais velha.47

Enquanto a lei foi silente, as barreiras em relação à adoção homoafetiva no Brasil iam sendoderrubadas, pouco a pouco, pela prática judicial. Posteriormente, o julgamento da ADI 4277 e daADPF 132 pelo STF, em maio de 2010, a adoção por casais do mesmo sexo passou a poder ser

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facilmente equalizada dentro do atual contexto do ordenamento brasileiro. A leitura nua e crua dasnormas atinentes à questão nos levam facilmente à conclusão de que já não existem óbices legais dequalquer natureza para que um par homossexual pleiteie a adoção conjunta de uma criança ouadolescente. Tal entendimento foi, inclusive, sustentado pelo próprio STF no julgamento do RE615.261 e do RE 846.102.

O art. 42, § 2.o do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece como requisito para aadoção conjunta que os candidatos sejam unidos pelo matrimônio ou vivam em união estável,comprovada a estabilidade da família. A união homoafetiva foi equiparada à união estável paratodos os efeitos.48 Portanto, qualquer impedimento legal que fosse vislumbrado mediante umainterpretação mais restritiva, já não possui mais espaço no ordenamento brasileiro hodierno.49

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça advertiu no REsp 1.281.093 – SP que a totalequalização das uniões estáveis homoafetivas com as uniões estáveis heteroafetivas pelo SupremoTribunal Federal “trouxe como corolário, a extensão automática àquelas, das prerrogativas jáoutorgadas aos companheiros dentro de uma união estável tradicional, o que torna o pedido deadoção por casal homoafetivo, legalmente viável”. Ainda de acordo com o STJ:

Estudos científicos de respeitadas instituições (a Academia Americana de Pediatria e asuniversidades de Virgínia e Valência) apontam não haver qualquer inconveniente na adoção porcompanheiros em união homoafetiva, pois o que realmente importa é a qualidade do vínculo e doafeto presente no meio familiar que ligam as crianças a seus cuidadores. Na específica hipótese, háconsistente relatório social lavrado por assistente social favorável à adoção e conclusivo daestabilidade da família, pois é incontroverso existirem fortes vínculos afetivos entre a requerente eas crianças. Assim, impõe-se deferir a adoção lastreada nos estudos científicos que afastam apossibilidade de prejuízo de qualquer natureza às crianças, visto que criadas com amor, quanto maisse verificado cuidar de situação fática consolidada, de dupla maternidade desde os nascimentos, e seambas as companheiras são responsáveis pela criação e educação dos menores, a elas competindo,solidariamente, a responsabilidade.50

Estudos feitos no âmbito da Psicologia afirmam que pesquisas “(...) têm demonstrado que osfilhos de pais ou mães homossexuais não apresentam comprometimento e problemas em seudesenvolvimento psicossocial quando comparados com filhos de pais e mães heterossexuais. Oambiente familiar sustentado pelas famílias homo e heterossexuais para o bom desenvolvimentopsicossocial das crianças parece ser o mesmo”.51

No âmbito estadual, uma decisão do TJRS52 já ressaltou que diversas investigações nessamatéria “não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casaishomossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o âmbito familiar emque serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores”.

Será que uma leitura simplista e literal da lei, alegando-se falta de previsão legal para odeferimento da guarda compartilhada aos casais homossexuais pelo simples fato de a legislação fazer

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referência a pai e mãe ainda se sustenta? Parece-nos que não.Não havendo uma adoção conjunta ou estabelecimento da filiação, mas tendo a criança vivido

com o parceiro do pai ou a companheira da mãe, é indubitável a existência de uma parentalidadesocioafetiva em causa, o que também possibilita o deferimento da guarda compartilhada. O melhorinteresse da criança vai no sentido de manutenção de todos os vínculos afetivos.

Pesquisas feitas em famílias formadas por lésbicas e a prole biológica de uma delas (resultadode Procriação Medicamente Assistida ou natural), levaram à conclusão de que o papel de ambas asmães (a biológica e a socioafetiva) possuem a mesma intensidade na vida dos infantes. As criançasresponderam a questionários sobre o que sentiam em relação a sua mãe biológica e mãe afetiva,relativamente à sensibilidade, afeto e ternura dispensados a eles, assim como autoridade por elasexercida. Disparidades não foram encontradas. Para além disso, restou provado que as mães sociaisse encontram tão envolvidas no processo de educação das crianças quanto as mães biológicas.53

Diversas investigações vêm avaliando o desenvolvimento e os resultados psicossociais decrianças cujos pais são gays ou lésbicas. Em regra, o resultado é sempre o mesmo: observam que osrecursos sociais e econômicos da família e a força (e qualidade) das relações entre os membros daentidade familiar são variáveis muito mais importantes para o desenvolvimento saudável e bem-estardas crianças do que a orientação sexual dos pais.54

Assim, não possui um fundamento lógico-racional excluir aprioristicamente a mãe ou o paisocioafetivo da possibilidade de requerer a guarda compartilhada sob o falacioso argumento de faltade previsão legal, repita-se. Como bem explicita Waldyr Grisard Filho, importa concluir que asexpressões “pai” e “mãe” encontradas nos dispositivos citados “não se limitam aos sujeitosbiologicamente vinculados, mas se estendem a todas as pessoas que exercem essas funções”.55

Como afirma Zeno Veloso, “se a expressão verbal leva ao extremo rigorismo, à dureza injusta,o juiz deve buscar no espírito da lei, na ratio legis a solução que se concilie com as atuais emelhores aspirações e expectativas da sociedade”.56

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em nome dos princípios da dignidade humana, direitos igualitários devem ser outorgados aoshomossexuais, como o de contrair matrimônio, o direito à parentalidade, enfim, o direito de assumirsua orientação sexual sem o receio de rechaço e exclusão social, além da supressão de direitos eliberdades fundamentais.

Esse pensamento está consubstanciado na certeza de que a família, tutelada nas mais diversasConstituições ao redor do mundo, está focalizada no une famille non traditionnelle. In: GROSS,Martine (Ed.). Homoparentalités, etát des lieux. Toulouse: Éditions Érès, 2005. p. 244.desenvolvimento das pessoas humanas que a integram. A entidade familiar não é tutelada para si,senão como meio de realização pessoal dos seus componentes.

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O julgamento das uniões homoafetivas pelo STF (e a consequente edição da Resolução n.º 175e do Provimento n.º 52 pelo Conselho Nacional de Justiça) proporcionou uma viragem deparadigmas. Emergiu uma noção democrática e plural de família, com a consequente consagração daigualdade entre as suas mais diversas formas.

Com respeito à diferença e à liberdade, foram legitimadas todas as ilhas que formam ocontinente familiar protegido da dignidade da pessoa humana. Direitos fundamentais, bens depersonalidade foram, por fim, assegurados às famílias LGBTI. Uma infindável quantidade deinvestigações desenvolvidas em todos os cantos do planeta vêm certificando que as pessoas e casaishomossexuais em nada diferem dos heterossexuais em termos de vocação e capacidade para oexercício da parentalidade.

Assim, toda a normativa relativa à guarda compartilhada é aplicável às famílias homoafetivas,caso contrário estar-se-ia ferindo frontalmente os princípios constitucionais da dignidade da pessoahumana, da não-discriminação por razão de sexo e, de sobremaneira, a máxima da igualdade. E mais:há de se ter em conta o princípio do melhor interesse da criança que, nestes casos, é continuar amanter relações habituais com suas mães ou seus pais, sejam eles quantos forem.

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entidades familiares implicitamente constitucionalizadas, se manifesta CHANAN, Guilherme Giacomelli. As entidades familiares naConstituição Federal. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 9, n.º 42, p. 67-68, jun.-jul.2007. Não é distinta a posição de Jorge de Medeiros, para quem o processo de releitura e ressignificação da tradição leva àconclusão de existência de possibilidade de proteção, no âmbito do Direito das Famílias, de distintos projetos de compartilhamentoíntimo de vida, nomeadamente as uniões entre pessoas do mesmo sexo. Afirma o autor que “a releitura do significado da ideia defamília deve dialogar com a tradição, mas apenas no limite em que esse diálogo possa ajudar no conceito contemporâneo de família”.MEDEIROS, Jorge Luiz Ribeiro de. A constitucionalidade do casamento homossexual. São Paulo: LTr, 2008, p. 65. Não é outroo entendimento de Tânia da Silva Pereira, que defende a inclusão no âmbito de proteção estatal de todas as formas de família, entreelas a homoafetiva. PEREIRA, Tânia da Silva. Famílias possíveis: novos paradigmas da convivência familiar. In: PEREIRA, Rodrigoda Cunha (Org.). Afeto, ética e o novo Código Civil. Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte: DelRey, 2004. p. 649.Há pessoas que se refiram ao grupo de países que reconhecem direitos à população LGBTI como euro-americano. Contudo, diante doreconhecimento das uniões civis e de fato ho- moafetivas na Austrália e do casamento na Nova Zelândia, além do casamento naÁfrica do Sul, a restrição à América e à Europa não parece ser adequada. Assim, prefere-se uma terminologia mais abrangente egeral.Nas palavras do Min. Cezar Peluso: “O poder legislativo, a partir de hoje, deste julgamento, precisa expor-se e regulamentar assituações em que a aplicação da decisão da Corte será justificada também do ponto de vista constitucional. Há, portanto, uma como[sic] convocação que a decisão da Corte implica em relação ao Poder Legislativo, para que assuma essa tarefa, a qual parece queaté agora não se sentiu ainda muito propenso a exercer, de regulamentar esta equiparação”, Voto, p. 4.MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 28.APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOAHUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre dois homens de formapública e ininterrupta pelo período de nove anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetuou através dos séculos, nãopodendo o judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A uniãopelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais puraexteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui formade privação do direito à vida, bem como viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. AUSÊNCIA DEREGRAMENTO ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO. A ausência delei específica sobre o tema não implica ausência de direito, pois existem mecanismos para suprir as lacunas legais, aplicando-se aoscasos concretos a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, em consonância com os preceitos constitucionais (art. 4.º daLICC). Negado provimento ao apelo (TJRS, 7.ª C. Cível, AC 70009550070, Rel.ª Des.ª Maria Berenice Dias, j. 17.11.2004).APELAÇÃO. UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. A união homossexual mereceproteção jurídica, porquanto traz em sua essência o afeto entre dois seres humanos com o intuito relacional. Uma vez presentes ospressupostos constitutivos, de rigor o reconhecimento da união estável homoafetiva, em face dos princípios constitucionais vigentes,centrados na valorização do ser humano. Via de consequência, as repercussões jurídicas, verificadas na união homossexual, em facedo princípio da isonomia, são as mesmas que decorrem da união heterossexual. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO, PORMAIORIA (TJRS, 8.ª C. Cível, AC 70021085691, Rel. Des. Rui Portanova, j. em 04.10.2007).LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus, In: Família e cidadania: o novoCCB e a vacatio legis – Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família/ Rodrigo da Cunha Pereira (coord.). BeloHorizonte: Del Rey/ IBDFAM, p. 89-107, 2002, p. 94.CHAVES, Marianna. O STF e as uniões homoafetivas, em A Semana – Política, Economia e Comportamento. Ano 13, n.º 14, 13 a 20de maio de 2010, p. 22.Conforme reza o art. 1.723 do Código Civil brasileiro.Como afirma SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. Amor e Família Homossexual: o fim da invisibilidade através da decisão do STF.Disponível em: <http://www.ibdfam.org. br/?artigos&artigo=727>. Acesso em: 07.12.2014.Os Deputados Jean Wyllys e Érika Kokay estão em busca de assinaturas para apresentar uma proposta de emenda constitucional paraque o art. 226 da Constituição Federal passe a ter a seguinte redação: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteçãodo Estado. § 1.º O casamento é civil e é gratuita sua celebração. Ele será realizado entre duas pessoas e, em qualquer caso, terá osmesmos requisitos e efeitos sejam os cônjuges do mesmo ou de diferente sexo.

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§ 2.º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.§ 3.º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre duas pessoas, sejam do mesmo ou de diferente sexo,como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.Por exemplo, o PL n.º 5120/2013, de autoria dos Deputados Jean Wyllys e Érika Kokay, que visa alterar os artigos 551, 1.514, 1.517,1.535, 1.541, 1.565, 1.567, 1.598, 1.642, 1.723 e 1.727 do Código Civil, para reconhecer o casamento civil e a união estável entrepessoas do mesmo sexo, que foi apensado ao PL n.º 580/2007, de autoria do falecido Deputado Clodovil Hernandes. É imperiosoressaltar que o texto do PL de 2007 já se mostra ultrapassado, em virtude da equiparação das uniões homoafetivas com as uniõesestáveis, além da desarmonia com o julgado do STF, já que criaria uma figura jurídica própria, que visaria tão somente regularsituações patrimoniais.Anteprojeto de lei, elaborado pela Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB, que será apresentado àComissão de Direitos Humanos e Participação Legislativa do Senado Federal, que visa instituir um microssistema com a imposiçãode normas afirmativas relacionadas à população LGBTI, a exemplo do que aconteceu com o Estatuto da Criança e do Adolescente,o Estatuto do Idoso e o Estatuto da Igualdade Racial.STJ, REsp 1.183.378 – RS, 4.ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 25.10.2011.Alguns grupos parlamentares visam suspender os efeitos da Resolução do CNJ por meio de dois projetos de decreto legislativo desustação de atos normativos do poder executivo. Consultar PDC 871/2013 e PDC 1054/2013.Paraná – Recurso extraordinário. Constitucional. Reconhecimento de união estável homoafetiva e respectivas consequências jurídicas.Adoção. Ação direta de inconstitucionalidade n.º 4.277. Acórdão recorrido harmônico com a jurisprudência do Supremo TribunalFederal. Recurso extraordinário ao qual se nega seguimento. Relatório 1. Recurso extraordinário interposto com base na al. a do inc.III do art. 102 da Constituição da República contra o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Paraná: “Apelação cível. Adoção porcasal homoafetivo. Sentença terminativa. Questão de mérito e não de condição da ação. Habilitação deferida. Limitação quanto aosexo e à idade dos adotandos em razão da orientação sexual dos adotantes. Inadmissível. Ausência de previsão legal. Apeloconhecido e provido. (STF, RE 846.102, Rel.ª Min.ª Cármen Lúcia, j. 05.03.2015).Como afirmamos em CHAVES, Marianna. Amor materno: mito ou realidade?. Disponível em: < http://www.advogar.pt/2016/amor-materno-mito-ou-realidade/>. Acesso em: 10.05.2016. Também no sentido de desconstruir mitos, recomenda-se a leitura de AA.VV.The Good Mother Myth: Redefining Motherhood to Fit Reality. Avital Norman Nathman (editor). Berkley: Seal Press, 2014, umacompilação de histórias maternas que questionam o mito da boa mãe ou da mãe perfeita.OLIVEIRA, Guilherme de. Sobre a verdade e a ficção no Direito da Família, Temas de Direito da Família. 2. ed. Coimbra: CoimbraEditora, p. 5-16, 2001, p. 15.Expressão de HEIDEGGER, Martin. A Essência do Fundamento. Ed. bilíngue. Lisboa: Edições 70, 2007, p. 19, 21.Como advertem CORTE-REAL, Carlos Pamplona; PEREIRA, José Silva. PEREIRA, José Silva. Direito da Família – Tópicos parauma Reflexão Crítica. 2. ed. Lisboa: AAFDL, 2011, p. 201.GERBER, Paula. The Best Interests of Children in Same-Sex Families. Law in Context: AVILLELA, João Baptista. Desbiologização da paternidade. Sep. da Revista de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais,Belo Horizonte, ano XXVII, n.º 21, p. 409, maio 1979.OLIVEIRA, Guilherme de. Sobre a verdade e a ficção no Direito da Família, cit., p. 16.TRC, Proc. 3.079/12.9TBCSC.C1, Rel. Des. Carlos Moreira, j. 06.10.2015.Cfr. TRE, Proc. 2.037/06-2, Rel. Manuel Marques, j. 25.01.2007.Rio de Janeiro – Agravo de instrumento. Ação de guarda compartilhada ajuizada pelo genitor. Maternidade socioafetiva dacompanheira da mãe biológica. Litisconsórcio passivo necessário. 1 – Ação de guarda compartilhada c/c regulamentação deconvivência ajuizada pelo genitor (pai biológico). Irresignação da parte ré (mãe biológica) em face do indeferimento do pedido deinclusão no polo passivo de sua companheira (mãe socioafetiva). 2 – Relevância da paternidade/maternidade socioafetiva e suapreponderância à biológica, como fruto das relações sociais civis contemporâneas e ao novo conceito de família ,consagrando o valor fundamental da dignidade da pessoa humana, a que deu destaque a Carta Social de 1988. 3 – Consoante anorma do art. 1.593 do CC/02, o parentesco pode ser natural ou civil, caso resulte de consanguinidade “ou de outra origem”,abrangendo esta última a paternidade socioafetiva, que encontra abrigo no art. 227, § 6º da CFRB/88. 4 – Menor concebido atravésde inseminação artificial com o material genético do Autor e da Ré, ambos homossexuais. 5 – À época da inseminação a ré já viviaem união estável há alguns anos com sua companheira, fato que o próprio Agravado reconhece e está comprovado por escriturapública. 6 – Inegável o interesse da companheira na ação de guarda proposta pelo genitor (art. 1.854, inciso I, do Código

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Civil). 7 – Mera ausência de vínculo biológico não tem o condão de afastar o direito da mãe socioafetiva de exercer adefesa de seus interesses. 8 – Decisão que surtirá efeitos tanto para a mãe biológica como para a socioafetiva. Litisconsórciopassivo necessário (art. 47 do CPC) em razão da natureza da relação jurídica em tela, considerando que a mãe socioafetiva, à todaevidência, será afetada em sua esfera jurídica pelo provimento jurisdicional na ação de guarda ajuizada pelo genitor. 9 –Harmonização da estrutura familiar criada pelas partes constituída de um pai e duas mães, predominando tanto os laçosbiológicos como os afetivos. 10 – Solução que tutela com mais amplitude os direitos da personalidade, o princípio dadignidade da pessoa humana e o melhor interesse do menor. 11 – Reforma da decisão. 12 – Provimento do recurso. (TJRJ, AI0054488-46.2013.8.19.0000, 7ª C. Cív., Rel.ª Des.ª Teresa de Andrade Castro Neves, j. 30.04.2014) (grifo nosso).Cfr. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2007, p. 335.Por todos, ver FEINBERG, Jessica. Consideration of Genetic Connections in Child Custody Disputes between Same-Sex Parents: Fairor Foul. Missouri Law Review, vol. 81, n.º 2, p. 331-376, 2016, p. 349.Em sentido análogo, ver LYEW, Samantha R. Adoption and Foster Care Placement Policies: Legislatively Promoting the Best Interestof Children Amidst Competing InterestsPara Jorge Duarte Pinheiro, as responsabilidades parentais, “são enquadradas predominantemente como expressão de um ofício oufunção”. PINHEIRO, Jorge Duarte. Novos pais e novos filhos: sobre a multiplicidade no Direito da Família e das Crianças. ICongresso Luso-Brasileiro de Direito/Jorge Bacelar Gouveia (Coord.). Coimbra: Almedina, p. 173-182, 2013, p. 179.Cfr. CHAVES, Marianna. Guarda compartilhada. Jornal O Liberal, Belém, 1.º set. 2008, p. 15.Agravo de Instrumento. Guarda Alternada. Descabimento. Se restritivas são as hipóteses em que a guarda compartilhadapropriamente dita é viável e adequada, muito mais limitado é o cabimento da guarda alternada, modalidade que, em verdade, foiaplicada pela decisão agravada. Isso em razão da evidente instabilidade que acarreta ao equilíbrio psicológico da criança, que ficasubmetida a um verdadeiro “cabo de guerra” entre seus genitores, o que muito mais se exacerba quando há acirrado conflito entreeles, como no caso. Por fim, convém frisar que a decisão de origem não se baseou em qualquer avaliação social ou psicológica dacriança e seus pais, o que acentua a temeridade da implantação desse sistema. Deram provimento. Unânime. (TJRS, 8ª C. Cível, AI70067405993, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 18.02.2016). Apelação Cível. Ação de homologação de acordo. Sentença quehomologou o acordo. Equivocada. Pedido de guarda compartilhada com natureza de guarda alternada. Impossibilidade. Necessidadede realização de audiência especial, para avaliar a conjuntura fática, visando priorizar o melhor interesse do menor. Recursoconhecido e provido. I- A guarda compartilhada e a alternada possuem naturezas distintas, não podendo as partes entabular acordopara requerer um deles, visando na prática estabelecer o outro, como foi feito no caso dos autos. Nesses termos, a homologação dequalquer um desses institutos exige observâncias distintas e cautelosas. II- A guarda na prática pretendida é a de natureza alternada,como explanado, o que requer uma análise específica, com informações suficientes e necessárias para verificar se é ela ou não amais adequada; daí por que o Ministério Público, visando o melhor interesse do menor requereu a designação de audiência especial,para que após a oitiva das partes, houvesse uma avaliação fática no sentido de verificar qual dos institutos de guarda trará melhoresbenefícios para o filho das partes. III- Desse modo, em consonância com o parecer Ministerial, voto pelo conhecimento e provimentodo presente recurso, para que seja anulada a sentença atacada, determinando o retorno dos autos ao Juízo de origem, para realizaçãode audiência especial, pelos fundamentos já expostos. (TJPA, 1ª C. Cível, AC 00089886520158140051, Belém, Rel.ª Des.ª GleidePereira de Moura, j. 22.08.2016.Sobre a questão, assevera Waldyr Grisard Filho que “o exercício compartilhado da guarda obrigará os pais a conciliar e harmonizarsuas atitudes pessoais a favor do bem-estar dos filhos, afirmando a coparentalidade e o direito de serem criados e educados porambos os pais em condições de plena igualdade e com eles manter relações pessoais e estreito contato direto. Para os filhos, aestabilidade mais importante é a emocional, na medida em que percebem que ambos os pais continuam por eles responsáveis. Oenvolvimento dos dois pais na criação dos filhos garante a eles uma forte estabilidade psicológica”. GRISARD FILHO, Waldyr.Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2009. p. 193.Neste sentido se manifesta REIS, Rafael Luís Vale e. O direito ao conhecimento das origens genéticas. Coimbra: Coimbra Editora,2008. p. 482.Cfr. CHAVES, Marianna. Famílias ectogenéticas: os limites jurídicos para utilização de técnicas de reprodução assistida. Famíliasnossas de cada dia – Anais do Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte: IBDFAM, p. 309-340, 2016, p. 323.PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de direito de família e sucessões: ilustrado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 184.Rio de Janeiro – Apelação cível. Direito civil e processual civil. Jurisdição voluntária. Pedido de declaração de dupla maternidade.Parceiras do mesmo sexo que objetivam a declaração de serem genitoras de filho concebido por meio de reprodução assistida

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heteróloga, com utilização de gameta de doador anônimo. Ausência de disposição legal expressa que não é obstáculo ao direito dasautoras. Direito que decorre de interpretação sistemática de dispositivos e princípios que informam a Constituição da República nosseus artigos 1º, inciso III, 3º, inciso IV, 5º, caput, e 226, § 7º, bem como decisões do STF e STJ. Evolução do conceito de família.Superior interesse da criança que impõe o registro para conferir-lhe o status de filho do casal. 1. o elemento social e afetivo daparentalidade sobressai-se em casos como o dos autos, em que o nascimento do menor decorreu de um projeto parental amplo, queteve início com uma motivação emocional do casal postulante e foi concretizado por meio de técnicas de reprodução assistidaheteróloga. 2. Nesse contexto, à luz do interesse superior da menor, princípio consagrado no artigo 100, inciso IV, da Lei nº. 8.069/90,impõe-se o registro de nascimento para conferir-lhe o reconhecimento jurídico do status que já desfruta de filho das apelantes,podendo ostentar o nome da família que a concebeu. 2. Sentença a que se reforma. 3. Recurso a que se dá provimento. (TJRJ, AC0017795-52.2012.8.19.0209, 20ª C. Cív., Rel. Des. Luciano Barreto, j. 07.08.2013).Rio Grande do Sul – Apelação cível. Declaratória de multiparentalidade. Registro civil. Dupla maternidade e paternidade.Impossibilidade jurídica do pedido. Inocorrência. Julgamento desde logo do mérito. Aplicação artigo 515, § 3º do CPC. A ausência delei para regência de novos. E cada vez mais ocorrentes – fatos sociais decorrentes das instituições familiares não é indicadornecessário de impossibilidade jurídica do pedido. É que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, oscostumes e os princípios gerais de direito (artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil). Caso em que se desconstitui a sentençaque indeferiu a petição inicial por impossibilidade jurídica do pedido e desde logo se enfrenta o mérito, fulcro no artigo 515, § 3º, doCPC. Dito isso, a aplicação dos princípios da “legalidade”, “tipicidade” e “especialidade”, que norteiam os “Registros Públicos”, comlegislação originária pré-constitucional, deve ser relativizada, naquilo que não se compatibiliza com os princípios constitucionaisvigentes, notadamente a promoção do bem de todos, sem preconceitos de sexo ou qualquer outra forma de discriminação (artigo 3,IV, da CF/88), bem como a proibição de designações discriminatórias relativas à filiação (artigo 227, § 6º, CF), “objetivos e princípiosfundamentais” decorrentes do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Da mesma forma, há que se julgar a pretensãoda parte, a partir da interpretação sistemática conjunta com demais princípios infraconstitucionais, tal como a doutrina da proteçãointegral o do princípio do melhor interesse do menor, informadores do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), bemcomo, e especialmente, em atenção do fenômeno da afetividade, como formador de relações familiares e objeto de proteção Estatal,não sendo o caráter biológico o critério exclusivo na formação de vínculo familiar. Caso em que no plano fático, é flagrante o ânimode paternidade e maternidade, em conjunto, entre o casal formado pelas mães e do pai, em relação à menor, sendo de rigor oreconhecimento judicial da “multiparentalidade”, com a publicidade decorrente do registro público de nascimento. Deram provimento.(TJRS, AC 70062692876, 8ª C. Cív., Rel. Des. José Pedro de Oliveira Eckert, j. 12.02.2015).“O juiz Frederico dos Santos Messias, da 4ª Vara Cível de Santos (SP), decidiu pela multiparentalidade na certidão de nascimento deum bebê. A grande inovação neste caso é que o juiz não embasou na decisão que uma das mulheres é mãe pelo princípio dasocioafetividade. ‘Quando recebi o caso, o parecer do Ministério Público era por reconhecer a multiparentalidade, mas a partir darelação socioafetiva. Isso não existe. São duas mulheres oficialmente casadas. O direito dela de ser mãe nasce do fato de elas teremconstituído família’, disse. Na decisão, o juiz foi além: ‘Reputo que ambas as requerentes, mulheres oficialmente casadas, sãogenitoras do nascituro, não se cogitando de que uma delas o seja pela relação socioafetiva. Ambas são mães desde a concepção!’.Segundo Frederico Messias, estamos diante de uma nova geração, com valores e conceitos diversos das gerações anteriores, ‘quemuitas das vezes oprimiam os relacionamentos homoafetivos, cabendo-nos agora a função de nos educarmos e de educarmos nossosfilhos a aprender conviver com uma nova família, que em nada difere do modelo até então conhecido, pois que todas são baseadas noprincípio da afetividade’.Além do nome das duas mães, o registro terá o nome do pai (doador do material genético) e dos seis avós. Segundo o juiz, o própriogenitor manifestou a vontade de assegurar no assento que configurasse como pai. Ainda na decisão, o juiz indaga se o caráterfamiliar da relação entre pessoas do mesmo sexo, baseada no princípio da afetividade, nasceu da decisão judicial: ‘É claro que não!A formação da família, enquanto entidade fundada na afetividade dos seus membros, nasce do amor, da cooperação mútua, dorespeito, características que independem do sexo das pessoas que a integram. Por isso mesmo, com o devido acatamento, édesnecessária a edição de qualquer diploma legislativo para reconhecer a possibilidade do casamento entre pessoas do mesmo sexonos mesmos moldes do casamento entre pessoas de sexos diferentes’”. Cfr. “Decisão inédita em São Paulo reconhecemultiparentalidade sem necessidade de configurar socioafetividade”. Disponível em:<http://www.ibdfam.org.br/noticias/6017/Decisão+inédita+em+São+Paulo+reconhece+multiparentalidade+sem+necessidade+de+configurar+socioafetividadeAcesso em 10.06.2016.Tratou-se de Pedido Administrativo para registro de multiparentalidade formulado por duas mulheres casadas e o doador de gametas,

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para fins de processo de procriação medicamente assistida. (TJSP, 4ª Vara Cível de Santos, Pedido de Providências – Registro Civildas Pessoas Naturais, n.º 1007915-90.2016.8.26.0562, Juiz de Direito Frederico dos Santos Messias, j. 19.05.2016).1.ª Vara da Infância e da Juventude do RJ, Proc. 97.103710-8, Juiz Siro Darlan de Oliveira, j. 20.07.1998.ADOÇÃO CUMULADA COM DESTITUIÇÃO DO PÁTRIO PODER. ALEGAÇÃO DE SER HOMOSSEXUAL, OADOTANTE. DEFERIMENTO DO PEDIDO. RECURSODO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. Havendo os pareceres de apoio (psicológico e de estudos sociais) considerado que o adotado,agora com dez anos, sente agora orgulho de ter um pai e uma família, já que abandonado pelos genitores com um ano de idadeatende a adoção aos objetivos preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e desejados por toda a sociedade. 2.Sendo o adotante professor de ciências de colégios religiosos, cujos padrões de conduta são rigidamente observados, e inexistindoóbice outro, também é a adoção, a ele entregue, fator de formação moral, cultural e espiritual do adotado. 3. A afirmação dehomossexualidade do adotado, preferência individual constitucionalmente garantida, não pode servir de empecilho à adoção de menor,se não demonstrada ou provada qualquer manifestação ofensiva ao decoro e capaz de deformar o caráter do adotado, por mestre acuja atuação é também entregue a formação moral e cultural de muitos outros jovens. Apelo improvido (TJRJ, 9.ª C. Cível, AC1998.001.14332, Rel. Des. Jorge Magalhães, j. 23.03.1999).Cfr. Juiz autoriza adoção de 4 irmãos a casal homossexual. Disponível em: <http://www.opovo.com.br/brasil/849768.html>. Acessoem: 28 jan. 2009; Juiz autoriza adoção de 4 irmãos a casal homossexual. Disponível em:<http://www.dm.com.br/ultimas/brasil/124292,juiz_autoriza_adocao_de_4_irmaos_a_casal_homossexual>. Acesso em: 28 jan. 2009.Minas Gerais – Apelação cível. Destituição de poder familiar. Abandono da criança pela mãe biológica. Adoção por casal do mesmosexo que vive em união estável. Melhor interesse da criança. Registro de nascimento. Recurso conhecido e provido. I – Adestituição do poder familiar é medida extrema, só devendo ser concretizada se comprovada a impossibilidade de permanência domenor com os pais. II – Sempre que se tratar de interesse relativo às crianças e adolescentes, o magistrado deve se ater ao interessedo menor, considerando, para tanto, primordialmente, o seu bem-estar. III – O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta deInconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceu a existênciade entidade familiar quando duas pessoas do mesmo sexo se unem, para constituição de uma família. IV – A vedação àdiscriminação impede qualquer interpretação proibitiva de que o casal homoafetivo, que vive em união estável, adote uma criança. V– Demonstrado nos autos que a genitora, com histórico de conduta agressiva e envolvimento com prostituição, abandonou a menorentregando-a aos cuidados das requerentes, e que a convivência com o casal homoafetivo atende, de forma inequívoca, o melhorinteresse da criança, a destituição do poder familiar é medida que se impõe, nos termos do artigo 1.638, II e III, do Código Civil. VI –O pedido de adoção deve ser deferido em nome de ambas as autoras, sob pena de prejuízos à menor de ordem material (direito deherança, alimentos, dentre outros). (TJMG, AC 1.0470.08.047254-6/001 [AC 0472546-21.2008.8.13.0470], 8.ª C. Cív., Rel. Des.Bitencourt Marcondes, j. 02.02.2012).CHAVES, Marianna. Algumas Notas sobre as Uniões Homoafetivas no Ordenamento Brasileiro após o Julgamento da ADPF 132 eda ADI 4277 pelo STF. Revista Síntese de Direito de Família, v. 13, n.º 66, jun./jul. São Paulo: Síntese, p. 7-15, 2010, p. 14.STJ, REsp 889.852-RS, 4ª T., Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 27.04.2010.STJ, REsp 1.281.093 – SP (2011/0201685-2), Rel.ª Min.ª Nancy Andrighi, j. 18.12.2012.TJRS, AC n.º 70013801592, 7ª C. Civ., Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 05.04.2006.Cfr., neste sentido, VANFRAUSSEN, Katrien; PONJAERT-KRISTOFFERSEN, Ingrid; BREWAEYS, Anne. L’inseminationartificielle dans les familles lesbiennes: grandir dansNesse sentido, ver PERRIN, Ellen C.; SIEGEL, Benjamin S. Siegel; Committee on Psychosocial Aspects of Child and Family Healthfrom the American Academy of Pediatrics. Promoting the Well-Being of Children Whose Parents Are Gay or Lesbian. Pediatrics,vol. 131, n.º 4, p. e1374-e1383, 2013, p. e1377; GOLDBERG, Abbie E.; KUVALANKA, Katherine A. Marriage (In)equality: ThePerspectives of Adolescents and Emerging Adults With Lesbian, Gay, and Bisexual Parents. Journal of Marriage and Family, vol.74, p. 34- 52, 2012, p. 36.GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada, cit., p. 198.VELOSO, Zeno. Comentários à lei de introdução ao código civil, cit., p. 87.

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GUARDA COMPARTILHADA, CUIDADO COMPARTILHADO

MARÍLIA CAMPOS OLIVEIRA E TELLES

ANTÔNIO CARLOS MATHIAS COLTRO

“Como as plantas somos seres vivos,Como as plantas temos que crescer.

Como elas, precisamos de muito carinho,De sol, de amor, de ar pra sobreviver”. –

Toquinho, Natureza distraída,– Coletânea Canção de Todas as Crianças.

A Lei 11.698/2008, que alterou os arts. 1.583 e 1.584 do Código Civil instituindo a guardacompartilhada em nosso ordenamento jurídico, havia chegado em boa hora. Agora, o legisladoraperfeiçoou a norma para possibilitar que a guarda compartilhada seja a regra e não a exceção, emvista da necessidade de se compartilhar a convivência e os cuidados com o filho entre o pai e a mãeao editar a Lei nº13.058 de 2014.

Ainda que antes de 2008 a guarda compartilhada não fosse proibida e houvesse a possibilidadede o casal a adotar, na separação judicial ou quando finda a união estável, é de suma importânciasuscitar o debate sobre o cuidado com os filhos, principalmente nas condições enunciadas e inerentesà tal forma de guarda, quando todos os membros da família estão emocionalmente abalados enecessitam de uma maior atenção daqueles que, por uma circunstância profissional ou outra, acabempor se envolver com a melhor solução para as consequências resultantes do término da união afetivae familiar.

Embora possa parecer óbvio em diversas famílias e na atuação dos profissionais do direitoenvolvidos no processo de transformação que então se instaura, ainda não é prática corrente adiscussão sobre a responsabilidade conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe comrelação aos filhos, ulteriormente ao fim a parceria entre eles existente, seja ela formal (casamento)ou informal (união estável ou mesmo namoro), limitando-se, na maioria das vezes, à definição dosalimentos, do regime de visitas, cuja denominação melhor se tem como a de convivência e àatribuição da guarda a um dos genitores, apenas, como costume.

É chegada a hora de destacar a importância da atuação conjunta do pai e da mãe, no sentido do

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cuidado para com a sua cria, não economizando esforços para atender realmente ao melhor interesseda criança, segundo o que o próprio Código Civil preconiza ao estabelecer em seu art.1584 que aguarda poderá ser requerida por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer um deles, em açãoautônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar, sendo ojuiz responsável por informar o significado da guarda compartilhada em audiência de conciliação,explanando sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sançõespelo descumprimento de suas cláusulas.

Ainda foi além a nova lei estabelecendo que, não havendo acordo quanto a isso, encontrando-seambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo seum dos genitores declarar ao magistrado que não deseja ter a guarda do menor.

O STJ, inclusive, firmou entendimento definindo os termos em que se dá a interpretação daregulamentação concernente ao assunto, sendo ao julgado imposta a seguinte ementa, em quedelimitados os termos a serem extraídos para sua compreensão:

Civil. Processual civil. Recurso especial. Divórcio. Guarda compartilhada. Não decretação.Possibilidades.Diploma legal incidente: Código Civil de 2002 (art. 1.584, com a redação dada pela Lei13.058/2014).Controvérsia: dizer em que hipóteses a guarda compartilhada poderá deixar de ser implementada, àluz da nova redação do art. 1.584 do Código Civil.A nova redação do art. 1.584 do Código Civil irradia, com força vinculante, a peremptoriedade daguarda compartilhada. O termo “será” não deixa margem a debates periféricos, fixando a presunção –jure tantum – de que se houver interesse na guarda compartilhada por um dos ascendentes, será esseo sistema eleito, salvo se um dos genitores [ascendentes] declarar ao magistrado que não deseja aguarda do menor (art. 1.584, § 2º, in fine, do CC).IV. A guarda compartilhada somente deixará de ser aplicada, quando houver inaptidão de um dosascendentes para o exercício do poder familiar, fato que deverá ser declarado prévia ouincidentalmente à ação de guarda, por meio de decisão judicial, no sentido da suspensão ou da perdado Poder Familiar.Recurso conhecido e provido.(REsp 1.629.994/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 06/12/2016, DJe 15/12/2016)

Segue no mesmo dispositivo a previsão de que caso o juiz constate que os filhos não devamficar com o pai ou a mãe, deferirá “a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza damedida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade”.

Assim, a Lei nº13.058 de 2014 revela verdadeira atitude de cuidado com as crianças eadolescentes, na medida em que explicita as condições em que se dará a guarda compartilhada, bem

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como organiza seu funcionamento, até mesmo com previsão de aplicação de multa pecuniária parainstituições que não prestarem informações a qualquer dos genitores sobre os seus filhos.

Com tal preocupação, tanto o Código Civil quanto o Estatuto da Criança e do Adolescentetrazem em seu bojo o cuidado, como valor jurídico imaterial, em especial no que toca aos filhosmenores ou incapazes,

atribuindo aos pais obrigação, situação jurídica peculiar, que, conforme Orlando Gomes, “[...] secaracteriza por ser, ao mesmo tempo, uma faculdade e uma necessidade” na tutela dos interessesdaqueles a que se destinam, discriminando o art. 1.634 o que compete aos genitores, no seuexercício.1

Dos dispositivos legais correspondentes, fica evidente que os deveres estão estreitamenterelacionados,

tanto com o interesse superior dos filhos, enquanto menores, quanto com o cuidado que deve a elesser destinado, com vistas à sua manutenção, educação, formação e defesa dos seus direitos e queacaso venham a ser atingidos por quem quer que seja.2

Para a consideração da guarda compartilhada é preciso observar que a questão surge quando aguarda comum deixa de existir, não sendo ela mais possível em função do relacionamento do casalconjugal3, sendo necessário, então e em função do melhor interesse da criança, definir como, a partirda ruptura conjugal, a guarda será exercida, com os olhos voltados ao melhor cuidado para com osfilhos.

Como bons herdeiros do Direito Romano, historicamente, a questão da guarda dos filhos noBrasil era resumida e centralizada no pátrio poder, que foi premissa do Código Civil de 1916, esegundo a ótica sobre o que seria mais adequado, segundo o ideal da época.

Modernamente, entretanto, aparece na obra de grandes autores, como Silvio Rodrigues,Washington de Barros Monteiro, Caio Mário da Silva Pereira, Orlando Gomes e Tânia da SilvaPereira, a quebra deste paradigma, amparada pela jurisprudência, que teve como expoente nadoutrina, Edgard de Moura Bittencourt, preocupando-se como julgador e escrevendo sobre o tema daproteção integral do menor.

Começou, assim, a ser esboçado um novo tratamento ao Direito de Família, com olhar para “ainevitabilidade de alicerçar os estudos jurídicos da família com os subsídios multidisciplinares dafilosofia, da sociologia, da política e da economia, sem o que a compreensão dos problemas queenvolvem essa fecunda área ficará carente de indispensáveis noções, com prejuízo inevitável para ojulgamento de controvérsias rotineiramente ocorrentes nesse campo da vida cotidiana”, conformeGuilherme Gonçalves Strenger.4

Ainda que não de forma expressa, o cuidado esteve e permanece presente nessa evolução, por

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ser ingrediente cotidiano das relações humanas, que estão em constante mutação, exigindo do direitode família que também seja flexível, sem ignorar o processo histórico e cultural e tudo o que deledecorre, tanto em relação à forma como o judiciário deva se comportar no trato do assunto, como aoque o legislador deva considerar, naquilo que lhe cabe.

Verifica-se isto, no momento atual, com a institucionalização da guarda compartilhada, como jáocorreu com o fim da dita família “legítima”, passando-se a considerar que os filhos fossemacolhidos como filhos que são, repudiando-se diferenças grotescas como as que se impunham ao“filho adulterino”. Atualmente, grande preocupação social existe em criar um sistema amplo deproteção à infância, com mecanismos efetivos a garantir para os menores e também aos maiores semcapacidade mental ou física, a teor do art. 1.5905 do CC, o respeito e a tutela dos principais valoresjurídicos necessários em qualquer momento da vida, com destaque à expressão do cuidado.

Nesta trajetória, foi de grande importância o reconhecimento da igualdade jurídica entre oscônjuges e entre os companheiros, acima de tudo no exercício das funções materna e paterna, cujocontorno foi dado pela assunção da reciprocidade de direitos e deveres, afastada a ideia de, notocante aos pais, “[...] constitua apenas um múnus, no sentido exclusivo de obrigação, cuidado,proteção e zelo”, na lição de Moura Bittencourt,6 devendo-se, na observação de Tânia da SilvaPereira, perceber a criança ou o adolescente como “‘sujeito’ e não como objeto dos direitos dosadultos”.7

A respeito, aliás, deve-se observar, como referido por Moura Bittencourt, que, “Não escapa aalguns autores e julgados, ao cuidarem da guarda dos filhos em face da separação de seus pais, apreocupação de atender-se a felicidade da criança”, atentando o autor para que, “No mesmo passo,Cunha Gonçalves põe em relevo a condição de felicidade da criança. Nos tribunais, o rumo nãopodia deixar de ser idêntico. Julgados se referem à necessidade de ‘proporcionar à criançafelicidade e alegria’, ao dever de se ‘levar em conta o tempo de convivência, com dias felizes dacriança (...)’e ao carinho de que ela precisa”8.

Observe-se em tal trecho da obra do renomado autor, a utilização do vocábulo convivência emvez do direito a visitas, como antes já referido. Aliás, inclusive por advertir Fernanda Levy ser talexpressão mais adequada, pois “[...] visitar significa ‘ir ver alguém’ e induz a pensar em ato social,de cortesia e esporádico”, melhor se apresentando “[...] a utilização do termo direito ao convívio,pois o instituto se apresenta como o meio de cumprimento ao mandamento constitucional do direito àconvivência paterno-filial, na hipótese de a guarda material ser exercida por somente um dosgenitores, como nas hipóteses de reconhecimento unilateral de paternidade ou na dissolução dorelacionamento conjugal dos genitores”9.

Em harmonia com este movimento, em 2011 foi acrescido parágrafo único ao art.1.589 paraestender o direito de visita a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses dacriança ou do adolescente como, aliás, já previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, que noseu artigo 16, inciso V, dispõe sobre a garantia do menor em participar da vida familiar e

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comunitária sem distinção, e artigo 19, que determina que toda criança ou adolescente tem direito aser criado e educado no seio de sua família.

É bom apontar que a palavra “guarda” tem significado de cuidado, vigilância, de algo que nos éconfiado para ser protegido. Talvez por também ser empregada para definir um destacamento desegurança, uma polícia, tenha perdido um pouco de seu sentido social e até mesmo familiar, e oguardião tenha passado a abusar de seu poder, deturpando seu fundamento, uma vez que “custodire,ser cuidadoso e atencioso, não significa controlar” e “Nossa palavra ‘cuidadoso’ vem do latim cura.Expressa a atitude de cuidado, desvelo, preocupação e interesse pela pessoa amada ou por um objetode estimação”, na referência de Anselm Grün.10

E a guarda, por ser um instituto abrangente, traz dificuldades para sua conceituação, bemanotando Edgard de Moura Bittencourt, em outra época, mas de forma que ainda se pode afirmaratual:

Não se pode dizer que constitua apenas um múnus, no sentido exclusivo de obrigação, cuidado,proteção e zelo. Pois é certo que envolve, em contraposição aos deveres que acarreta, algumasvantagens materiais e imateriais em favor de quem a exerce, que podem ser erigidas na qualidade dedireitos. Direitos morais, como o desfrute da companhia da criança, mantendo-a ou integrando-a naprópria família, orientando-lhe a educação; direitos materiais, com proveitos patrimoniais diretos ouindiretos, como, em alguns casos, o usufruto dos bens do menor, a faculdade de reclamar a restituiçãode gastos, da pessoa que deva alimentar àquele. Quanto aos proveitos materiais indiretos, poderãoser lembrados os serviços que o menor venha a prestar, no lar ou no trabalho, aos quais nem sempredeva corresponder uma contribuição salarial.11

Se hoje em dia não se fala dos proveitos materiais indiretos, são os chamados direitos moraisque devem ser profundamente discutidos.

Ambos os pais têm iguais direitos de acompanhar o crescimento e o desenvolvimento de seusfilhos cotidianamente, não sendo suficiente um período de visitas, geralmente restrito a dois finais desemana mensais e, com sorte, um jantar semanalmente – aliás, o termo visita, utilizado pelolegislador, demonstra o distanciamento daquele que não detém a guarda, sendo que a nova lei falamais apropriadamente em “tempo de convívio”. Portanto, não se trata de escolher juntos a escolaonde o filho irá estudar, mas de terem o prazer e a obrigação de conferir as lições de casa e ostrabalhos escolares. Da mesma forma, mais que escolher o médico, é preciso acompanhar o filho àsconsultas, ter conhecimento efetivo sobre o estado de saúde física e mental da prole, participando,segundo o que for possível, de sua vida cotidiana.

A guarda compartilhada estabelece que o cuidado deva ser igualmente compartilhado, em seuônus e bônus.

Na defesa dos interesses dos filhos menores ou incapazes, considerados estes interesses em

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sentido amplo – sentimental, moral, material –, não há caráter definitivo na atribuição deste cuidado,pois a convivência e a experiência produzem fatos novos que podem reclamar alterações.

Assim, como já era expresso no Código Civil, a guarda, qualquer que seja sua espécie, bemcomo os direitos e deveres dela decorrentes, podem ser modificados a qualquer tempo e inclusive deofício, quando for o caso e tome conhecimento disto, atuando o juiz, neste aspecto, como umverdadeiro cuidador, segundo o necessário à defesa do superior interesse da criança e à procura desua felicidade, tratando-se de tema em que, inclusive e como advertido por Edgard de MouraBittencourt, “não se pode falar em julgamento extra ou ultra petita”.12

Novamente, referindo o direito à felicidade da criança, “Dir-se-á – conforme MouraBittencourt –, que a felicidade da criança deve ser assentada em bases morais, a fim de que, emboracom relativo sacrifício durante a infância, se possa construir o clima superior de sua felicidade paratoda a vida”13.

A ideia é ter a possibilidade de organizar as relações entre pais e filhos no seio da nova famíliaacaso constituída após o rompimento do laço que unia o casal, restando apenas o casal parental, seusfilhos e, talvez posteriormente, os seus novos parceiros.

No sentido de propiciar ao pai e à mãe o exercício cotidiano de suas funções paternas ematernas, as alterações legais que trouxeram a Guarda Compartilhada ao nosso ordenamento jurídicovem atender ao anseio de parte da sociedade, inclusive dos que trabalham com o direito e que,muitas vezes, se deparavam com a recusa do magistrado ou do promotor público quanto a acordocom tal avença, justificada pela falta de previsão legal – ainda que tal acordo já ocorresse na prática–, ou mesmo com a dificuldade em se interpretar no que ela consista e a própria confusão quanto àguarda conjunta.

A lei de 2008 foi auspiciosa ao garantir esta convivência, porém trouxe preocupações quanto acomo se daria sua aplicação, de modo que a lei de 2014 procura facilitar seu emprego ao alterartambém o art.1634 do Código Civil que trata do Exercício do Poder Familiar.

A grande questão que sempre foi colocada pondera que se já os pais não estão em condições dedefinir a guarda dos filhos, como é que conseguirão compartilhar o cuidado, que envolve uma sériede circunstâncias, pessoais, sentimentais, materiais e psicológicas e principalmente a necessidade deum canal aberto de comunicação, com um contato maior entre eles, para bem cumprir as atribuiçõesque lhes forem conferidas?

Ou seja, como realizar o compartilhamento daquilo que diz respeito ao superior interesse dacriança, em uma relação na qual o que impera é o descompartilhamento das emoções?

O Desembargador do TJRS Luiz Felipe Brasil Santos, autor de qualificadas obras sobre odireito de família, bem descreveu tal cenário em voto:

Agravo de instrumento – Guarda compartilhada. 1. Pequenas são as chances de bom êxito noestabelecimento da guarda compartilhada e, no caso dos autos, praticamente certo é o seu insucesso,

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uma vez que do relato da petição do recorrente se percebem as dificuldades em superar a ruptura darelação do casamento, em geral recoberta de mágoas e ressentimentos. 2. Esta circunstância fazfracassar a convivência pós-separação livre de conflitos e prejudica o projeto de guardacompartilhada que exige um nível de relacionamento ausente entre os litigantes. 3. O desejo paternode convivência com os filhos e a consideração aos melhores interesses das crianças autorizam queseja ampliada a escala de visitas, com inclusão de um dia a mais por semana. Por maioria, deramprovimento para ampliar o regime de visitação, vencida a presidente que dava provimento parainstituir a guarda compartilhada.14 Lamentavelmente, é fato corriqueiro, muitas vezes, o casalconjugal ou que vivia em união de fato e que venha a se separar usar os filhos para continuar comdisputas e ataques, usando o exercício da guarda para incomodar seu desafeto, aspecto em que aguarda compartilhada consciente e responsável poderá diminuir a eventual “concorrência” entre osgenitores, porquanto cada um terá a oportunidade de exercer plenamente sua função.

E, felizmente, no § 3.º do alterado art. 1.584, o legislador andou bem ao expressar que: “Paraestabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, ojuiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com opai e com a mãe”, reconhecendo, assim, a importância do apoio interdisciplinar quanto ao direito defamília.

Como corolário e segundo o aí disposto, será preciso usar da orientação técnico-profissionalproporcionada por equipe interdisciplinar justamente para definir qual a melhor forma de guarda aser adotada, de modo a propiciar o melhor cuidado aos filhos, especialmente em momento no qual oantigo casal não demonstra condições de fazê-lo consensualmente.

Neste sentido o voto da Ministra Nancy Andrighi no Recurso Especial nº 1.251.000 – MG(2011/0084897-5):

Não se pode perder de foco o melhor interesse do menor – princípio que norteia as relaçõesenvolvendo os filhos –, nem tampouco a sua aplicação à tese de que a guarda compartilhada deve sera regra.Sob esse prisma, é questionável a afirmação de que a litigiosidade entre os pais impede a fixação daguarda compartilhada, porquanto se ignora toda a estruturação teórica, prática e legal que apontampara a adoção da guarda compartilhada como regra.A conclusão de inviabilidade da guarda compartilhada por ausência de consenso faz prevalecer oexercício de uma potestade inexistente. E diz-se inexistente, porque, como afirmado antes, o PoderFamiliar existe para a proteção da prole, e pelos interesses dessa é exercido, não podendo, assim,ser usado para contrariar esses mesmos interesses.Na verdade, exigir-se consenso para a guarda compartilhada dá foco distorcido à problemática, pois

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se centra na existência de litígio e se ignora a busca do melhor interesse do menor.Para a litigiosidade entre os pais, é preciso se buscar soluções. Novas soluções – porque novo oproblema –, desde que não inviabilizem o instituto da guarda compartilhada, nem deem a um dosgenitores – normalmente à mãe, in casu, ao pai – poderes de vetar a realização do melhor interessedo menor. Waldir Grisard Filho sustenta tese similar, ao afirmar que: “Não é o litígio que impede aguarda compartilhada, mas o empenho em litigar, que corrói gradativa e impiedosamente apossibilidade de diálogo e que deve ser impedida, pois diante dele ‘nenhuma modalidade de guardaserá adequada ou conveniente’”. (Grisard Filho, Waldir. Guarda Compartilhada: um novo modelode responsabilidade parental. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 205).

Como dito anteriormente, o influxo em uma linha de pensamento importa na adoção de novoparadigma e esse, na hipótese sob discussão, é desvelado quando se conjuga um projetointerdisciplinar de construção dos novos papéis parentais com os comandos legais aplicáveis àespécie.

Em verdade, “merecerá tutela jurídica e especial proteção do Estado a entidade familiar queefetivamente promova a dignidade e a realização da personalidade de seus componentes”, segundoGustavo Tepedino, que também destaca configurar-se hoje a família como comunidade intermediáriafuncionalizada à realização da pessoa, em perspectiva nitidamente solidarista e não individualista,alinhado, assim, à perspectiva de Pietro Perlingieri.15

À guarda compartilhada é imprescindível; o cuidado compartilhado e o profissional do direitoenvolvido nesta questão precisa estar atento, “porque o entendimento do princípio do melhorinteresse da criança pode sofrer variações de diversas naturezas – culturais, sociais, axiológicas,etc.”16 como bem ressalta Roberta Tupinambá.

E mais, de acordo com essa jurista:

Ato contínuo, ao permitir que hajam as referidas variações, permite o legislador que a definição domérito do melhor interesse da criança e da proteção integral seja definido no caso concreto, em umasituação real. Assim, atende--se cabalmente ao princípio jurídico do cuidado, ao passo que, por nãohaver um entendimento preconcebido do que seja o melhor para a criança ou adolescente, pode-severificar qual a decisão mais justa no caso concreto.17

Sempre adstritos à natureza protetiva da guarda, é função precípua dos profissionais das váriasdisciplinas envolvidos nestes processos colaborar na criação de regras que criem a necessáriaestabilidade afetiva. “A liberdade conquistada pelos pais não deve molestar os filhos, impondo-sepor isso reafirmar a solidariedade do homem e da mulher em relação aos seus infantes”, comoafirmado por Strenger.18

Como consequência, pode-se afirmar que não se trata, assim, apenas de aumentar a quantidade

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da convivência, mas de melhorar sua qualidade, de forma que os efeitos decorrentes da separação,quanto aos filhos, sejam minorados ou suavizados, além de procurar-se, a partir de então, fazer comque o contato deles com os pais ocorra da melhor maneira possível, em benefício principalmente daspróprias crianças.

Tal solidariedade é, a bem dizer, garantia constitucional, na medida em que o § 5.º do art. 226declara que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelohomem e pela mulher, expressando o § 3.º do referido artigo, inclusive, que, para efeito da proteçãodo Estado, a união estável é reconhecida como entidade familiar.

Assim sendo, pai e mãe exercem hoje o poder familiar necessariamente de forma conjunta, naforma sustentada também no art. 229 da Carta Magna, ao tratar do dever de assistir, criar e educar osfilhos menores, o que, como consta no próprio Código Civil e se infere dos arts. 1.588 e 1.632,independe da união ou desunião dos pais.19

Mãe e pai têm que ter consciência da sua responsabilidade no papel que lhes cabe comoeducadores e cuidadores, pois, nesta passagem da vida, os filhos que necessitam da guarda ainda têmpostura bastante passiva quanto ao cumprimento, pelos pais, das obrigações de que deles sãocredores.

Assim, não há dúvida de que o acordo que entre os pais venha a ser celebrado é mais adequadoaos filhos, pois e em tese, estarão em melhores condições para cumprir aquilo a que eles mesmos sepropuseram, e são os conhecedores das limitações e possibilidades na rotina dos menores.

Entretanto, se o acordo de vontades dos pais não for possível, caberá ao juiz, apoiado porequipe multidisciplinar, agindo com cautela e o necessário cuidado, considerando os valorespróprios àquela família, balanceados com os princípios gerais de direito, os fins sociais da lei e asexigências do bem comum, como lhe é recomendado pela Lei de Introdução às Normas do DireitoBrasileiro (art. 5.º), fundamentando seus atos e exercendo inclusive a função criadora própria a suaatividade, de suma importância à realização da justiça e que atenda ao que dele espera a sociedade,segundo a moral e os standards da época em que examinado cada caso, além das circunstâncias reaisdo caso concreto.

Se antes da instituição da guarda compartilhada estabelecer a convivência entre o não-guardiãoe a criança poderia se resumir a uma questão puramente prática, agora será necessária uma análisemais profunda, sensível e subjetiva na atribuição da guarda, em que a devida consideração aocuidado e como uma verdadeira instituição jurídica acaba por se tornar irrecusável.

Os filhos deverão ser ouvidos, por seus pais ou pela autoridade judicial, uma vez quedemonstrem grau de discernimento para tanto, “de modo a verificar a possibilidade de ‘jurisdicizar’e validar a vontade do menor”,20 porquanto e como defendido no estudo de Teixeira, Nevares,Valadares e Meireles,

limitar o exercício da autonomia de crianças e adolescentes ao alcance da maioridade civil é o

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mesmo que lhes negar a qualidade de sujeitos da própria vida, (...). Em determinadas situações, anorma jurídica concede aos menores de idade a possibilidade de escolha válida.21

Esse ponto de vista, aliás, já era defendido por Edgard de Moura Bittencourt, mencionandodecisão do Tribunal Paulista, em que se chamou a atenção para o fato de que,

o expediente de uma observação direta e pessoal, por parte dos juízes, referentemente à vivência dodrama, ouvindo as crianças e, eventualmente aqueles que se propõe a guardá-las. Não para adicionaràs peças dos autos mais subsídios formais, que se colacionaram [...] mas simplesmente para tentaremos julgadores, partilhando embora fugazmente da ambiência real das crianças, discernir, com pontosde referência mais positivos, o que melhor convém aos menores.22

Ainda que essa decisão não seja nova e, inclusive, tenha sido proferida anteriormente aossistemas do Código Civil de 2002 e do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, a linha que aorientou, no tocante ao aspecto de que se cuida, tem apropriada aplicação, inclusive no âmbito daguarda compartilhada dependente de deliberação judicial.

Importa considerar, enfim e conforme a sensível advertência de Ana Carolina BrochadoTeixeira, Ana Luíza Maia Nevares, Maria Goreth Macedo Valadares e Rose Melo VencelauMeireles, que:

A família, instrumento de desenvolvimento da personalidade de seus membros, deve ter como uma desuas metas a efetivação do Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente. E, paraconcretizar este princípio em determinada situação jurídica, relevante se faz considerar a opinião eexpressão do menor, averiguando sua capacidade de entendimento, o que só pode ser apurado deforma individual, em cada caso concreto.23

Desta forma, o juiz, com substrato axiológico, poderá avaliar as circunstâncias envolvidas, como suporte de equipe interdisciplinar, e fixar a guarda – lembrando que é medida sujeita a alterações,dados os percalços da vida, pois, “as decisões sobre a guarda de filhos nunca têm, mesmo nasdecisões definitivas de divórcio, senão valor provisório”24, que duram enquanto durar aincapacidade dos filhos.

E, como bem coloca a Ministra Nancy Andrighi no voto já citado, “A drástica fórmula deimposição judicial das atribuições de cada um dos pais e o período de convivência da criança sobguarda compartilhada, é medida extrema, porém necessária à implementação dessa nova visão, paraque não se faça do texto legal, letra morta”.

De qualquer modo “resolvida” a questão da convivência paterno-filial, é preciso lembrar que aguarda compartilhada não traz somente profundas modificações no cuidado imaterial com osmenores, mas também traz novas discussões acerca do cuidado material, no que se refere, por

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exemplo, à prestação dos alimentos – matéria que desborda o objetivo deste estudo e cuja apreciaçãoé mais adequada em trabalho outro.

Pelo exposto, bem se vê que a alteração dos arts. 1.583, 1.584 e 1.634 do Código Civil é bem-vinda, ainda que possa causar amplo e fundo debate a respeito tanto quanto à adequação da medida,como quanto à maneira como redigidos os dispositivos.

No entanto, o indiscutível sucesso da implementação da Guarda Compartilhada permitiu arecente aprimoramento do capítulo que dispõe sobre a Proteção da Pessoa dos Filhos no diplomacivil. Porém ainda há muito trabalho no que diz respeito à forma como será aplicada a alteraçãolegislativa, não se podendo deixar de reconhecer a valia na tentativa de se procurar alternativas,contidas no próprio direito positivo, com vistas à busca da mais adequada solução no que respeita àguarda dos filhos após o fim da sociedade conjugal ou de fato existente entre os genitores.

De qualquer forma e isto não se pode negar, a guarda compartilhada traz em seu conteúdo apossibilidade de relações familiares baseadas na responsabilidade, no afeto, cumplicidade e,principalmente, no cuidado, que está presente não só nas relações intrafamiliares, mas também naprópria maneira como atuam os profissionais do Direito e aqueles das áreas interdisciplinaresenvolvidos nas questões concernentes à família

Finalizando, não se pode olvidar tratar-se, na espécie, de assunto em que sobreleva o superiorinteresse dos filhos e que se constitui em “[...] questão de fato a ser dirimida pelo juiz, sempre queocorrências graves – a separação, sem dúvida, como o divórcio, o caracterizam, anota-se emacréscimo, por conta das consequências que de uma e outro podem advir – demandem suaintervenção”, conforme uma vez mais Edgard de Moura Bittencourt, acrescentando: “Essa afirmação,que decorre de antigos arestos e lições de doutrina, é enfatizada pelos modernos civilistas: ‘ointeresse da criança é questão de puro fato: ao juiz cabe aplicar o Direito, flexível certamente, masque impõe uns tantos limites de constrangimentos’” 25.

Lógico e evidente que, embora tenha o magistrado amplo poder de decisão em assunto tal,assume relevo o ponto de vista que acaso seja externado e por assistentes sociais, psicólogos eoutros técnicos cuja presença se faça necessária, principalmente por e como já referido, cuidar-se dematéria de fato, relativamente a qual inclusive a prova testemunhal que seja produzida, poderáinterferir no quanto se venha a decidir.

Importa, enfim e ainda de acordo com Moura Bittencourt, que, “[...] a decisão deve serseriamente fundamentada, mas não está o magistrado preso a regras estritas”26, importando, emverdade, considerar “[...] a necessidade de ‘proporcionar à criança felicidade e alegria’”, comoacrescenta27, apoiado, inclusive, na jurisprudência.

Apropriada, como termo final e inclusive como orientação tanto aos pais, quanto a todos os quemilitam na área jurídica, com vistas à conduta que tenham no tocante ao assunto, a referência aBertrand Russel:

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Os nossos pais amam-nos porque somos seus filhos, é um fato inalterável. Nos momentos de sucesso,isso pode parecer irrelevante, mas nas ocasiões de fracasso, oferecem um consolo e uma segurançaque não se encontram em qualquer outro lugar!

BIBLIOGRAFIA

BITTENCOURT, Edgard de Moura. Guarda de filhos. 2. ed. São Paulo: LEUD, 1981. COLTRO,Antônio Carlos Mathias; TELLES, Marília Campos Oliveira. O cuidado e a assistência comovalores jurídicos imateriais, apud PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme. O cuidadocomo valor jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

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COLTRO, Antônio Carlos Mathias; TELLES, Marilia Campos Oliveira. O cuidado e a assistência como valores jurídicos imateriais,apud PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme. O cuidado como valor jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 103.Op. cit., p. 103.Na expressão “casal conjugal”, na falta do vernáculo, pretende-se compreender também os companheiros, unidos estavelmente e atémesmo namorados que tenham tido filho na constância deste relacionamento.STRENGER, Guilherme Gonçalves. Guarda de filhos. São Paulo: LTr, 1998. p. 24.“As disposições relativas à guarda e prestação de alimentos aos filhos menores estendem-se aos maiores incapazes.”Guarda de filhos. 2. ed. São Paulo: LEUD, 1981. p. 1, n. 1.O melhor interesse das crianças, apud PEREIRA, Tânia da Silva (coord.). O melhor interesse da criança: um debate interdisciplinar.Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 29.Guarda..., cit., p. 72, n. 95.Guarda de filhos, Atlas, SP, 2008, p. 88, n. 5.2.1.

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Despertar o cuidado. Rio de Janeiro: Vozes, p. 25 e 29, respectivamente.BITTENCOURT, Edgard de Moura. Op. cit., p. 1, n. 1.BITTENCOURT, Edgard de Moura. Op. cit., p. 96 e 98.Guarda de filhos, cit., p. 73, n. 96.TJRS, AI 70014577217, 7.a C. Cív., Rel. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 10.05.2006.TEPEDINO, Gustavo. Novas formas de entidades familiares: efeitos do casamento e da família não fundada no matrimônio, apudTEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 327.TUPINAMBÁ, Roberta. O cuidado como princípio jurídico nas relações familiares, apud PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA,Guilherme. O cuidado como valor jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 371.TUPINAMBÁ, Roberta. Op. cit., p. 371.STRENGER, Guilherme Gonçalves. Op. cit., p. 45.Cf., a respeito, STRENGER, Guilherme Gonçalves. Op. cit., p. 50.TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado e outros. O cuidado com o menor de idade na observância de sua vontade, apud PEREIRA,Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme. O cuidado como valor jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 355.TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado e outros. Op. cit., p. 356.BITTENCOURT, Edgard de Moura. Op. cit., p. 162, nota de rodapé n. 17.TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado e outros. Op. cit., p. 356.BITTENCOURT, Edgard de Moura. Op. cit., p. 95. Encontrando-se o precedente, segundo o autor, na Revue Trimestrelle de DroitCivil, 1902, vol. 1.Guarda de filhos, cit., pp. 72/73, n. 95Guarda..., cit., p. 72, n. 94Guarda..., ref., p. 72, n. 95

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A GUARDA COMPARTILHADA NO ÂMBITO DO LITÍGIO

MARLISE B. SCRETAS

Sumário: 1. Introdução – 2. A família e a guarda compartilhada – 3. O caminho para o compartilhar deinteresses – Bibliografia.

INTRODUÇÃO

A Perícia Psicológica na Vara de Família objetiva o estudo de uma determinada situação queenvolve as relações humanas, utilizando-se de técnicas próprias da ciência psicológica. Visa acompreensão dos fenômenos humanos em um referencial teórico cujo enfoque é o supremo interesseda criança.

O juiz, no curso da lide, determina a prova pericial, valendo-se da especificidade da formaçãodo expert, para que o interesse da criança prevaleça a despeito dos demais interesses envolvidos.

Portanto, quando o jogo de forças se estabelece entre as partes litigantes e frustrada apossibilidade de conciliação, o perito se incumbe de oferecer seu parecer focado no melhor interesseda criança e levando em conta os pedidos jurídicos colocados na lide.

Historicamente, a concessão da guarda era considerada sob o prisma do genitor que detivessemelhores condições para exercê-la. Portanto, partia-se do pressuposto de que um dos genitoresestava mais apto a exercer tal função do que o outro, o que sem dúvida alimentava ansiedades,tensões e rivalidades, as quais repercutiriam em algum momento nos filhos. Este maniqueísmo em“pensar” a família fomentava as dificuldades do casal e ainda usurpava aos filhos a possibilidadelegítima de internalizarem as figuras parentais sem uma escala valorativa, em que um genitor éconsiderado mais “valioso” que outro.

A guarda compartilhada contempla um novo enfoque da parentalidade no qual se privilegia nãomais relações calcadas em modelos de poder, mas sim na valorização das relações afetivas e noequilíbrio de forças no contexto familiar. É uma proposta ímpar numa sociedade historicamenteconstruída sobre relações de poder.

Vem ao encontro do anseio de muitas famílias que, a despeito de apresentarem conflitos naconjugalidade, são exitosas em discriminarem aspectos referentes à parentalidade e assimpreservarem este espaço de maneira equânime, estabelecendo o pacto de compartilharem deveres edireitos sem a necessidade da intermediação de terceiros alheios ao desenrolar da história pessoal

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2.

da família.No âmbito legal, a guarda compartilhada vinha timidamente fazer-se presente em situações em

que tal medida era acordada entre as partes, aflorada na própria dinâmica do casal parental. Nestecontexto, cabia ao juiz firmar e validar juridicamente a vontade das partes.

A nova perspectiva legal, que elegeu o compartilhamento como modalidade de guarda, modificasensivelmente este panorama, estendendo o leque de possibilidades jurídicas do pedido levado àapreciação do Judiciário.

A dificuldade para a utilização da guarda compartilhada reside quando há interessesconflitantes em questão e a guarda é resolvida em uma instância que ultrapassa os limites da família,sendo necessária a intermediação de terceiros, alheios ao contexto familiar, o que, a princípio, podeparecer contraproducente e pouco razoável. Ocorre em casos em que uma ou até ambas as partesrequerem a guarda unilateralmente, portanto cabendo ao Judiciário a decisão que melhor contempleos interesses da criança.

A FAMÍLIA E A GUARDA COMPARTILHADA

A família é um conjunto de pessoas vinculadas, que se relacionam em uma dinâmica própria eparticular, com lugares psíquicos definidos para os quais se pressupõe o desempenho dedeterminadas funções.

A formação vincular entre os membros de uma família pode ser balizada pela capacidade dediálogo, pela flexibilidade na assunção de papéis, pela contenção e resolução das angústias noâmbito familiar, pelo aspecto funcional de sua organização e pelas mudanças internas no indivíduoque favoreçam o seu desenvolvimento, entre outros aspectos.

Na sociedade moderna, a divisão de tarefas dentro de uma família entre seus membros e aespecial atenção que os pais dedicam à prole é medida necessária para garantir a funcionalidade e osucesso da intermediação entre a família e o mundo social.

A convivência com ambos os genitores propicia o desenvolvimento potencialmente sadio dacriança, possibilitando a esta vivenciar modelos diferenciados com cada um dos adultos que aassistem, enriquecendo suas relações e seu mundo interno.

Os conflitos de lealdade entre pais e filhos, que são contumazes em situações de separação, sãodesta forma mitigados, o sentimento de exclusão do genitor preterido na guarda unilateral dá lugar aofavorecimento de maior intimidade entre pais e filhos, bem como a possibilidade de um convíviomais centrado na criança e não nas dificuldades do casal.

No entanto, apesar de esta ser uma situação ideal, temos que considerar a enorme distância quese interpõe entre o ideal e a realidade por nós, peritos, encontrada nos casos em que somosdesignados a opinar.

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3. O CAMINHO PARA O COMPARTILHAR DE INTERESSES

Compartilhar, segundo o Novo Dicionário Aurélio, significa “ter ou tomar parte em; participarde; partilhar; compartir”. Entende-se a guarda compartilhada como uma modalidade de guarda quecontempla a efetiva participação de ambos os pais na educação, nos cuidados, no desenvolvimentode seus filhos, presumindo-se estes pais aptos em assumir as responsabilidades inerentes ao poderfamiliar.

Quando um casal se separa, há todo um conjunto ritualístico que contempla as necessidades deseparação, tais como definição de guarda, divisão de bens etc. Mas a isto correspondem asnecessidades internas dos indivíduos que se percebem confusos e angustiados ante o desmoronar deuma situação à qual estavam acomodados a despeito do sofrimento que alimentava o relacionamento.

Neste contexto, observa-se que a necessidade emergente para o êxito da continuidade dovínculo do casal, enquanto pais separados e capazes de zelar pelos filhos, parece estar colocada napossibilidade de conseguirem discriminar o que pertence a cada um, para que assim possamcontinuar um relacionamento despojado de lastros que os prendam ao passado.

As mágoas e os sentimentos de fracasso permeiam o desfazimento do vínculo conjugal, asdefesas de ego se acirram e o caminho mais fácil parece ser denegrir a imagem do outro, dissociá-lodos aspectos positivos que um dia permitiram o enamoramento daquele casal.

Famílias psiquicamente enrijecidas que vêm ao Judiciário trazem queixas nas quais se observauma grande desproporção entre a realidade e a intensidade com que se colocam nas discussões,demonstrando a inflexibilidade de lidarem com as diferenças, a falta de crítica para discriminaraquilo que é seu daquilo que pertence ao outro.

O litígio se alimenta deste sofrimento e impera a necessidade de haver um vencedor. Noentanto, o mais paradoxal é que todos perdem. Perdem na medida em que os mais afetados são osfilhos, frutos deste relacionamento e que sofrem as consequências de perceber seus pais enredadosem lutas, em vez de estarem atentos às suas necessidades.

A questão que muitos operadores do direito levantam é como a guarda compartilhada pode sercogitada ante um caos de tal proporção, como lançar mão de um procedimento que tem como esteio“construir” quando há tanta destruição ao redor.

Cabe à prova pericial demonstrar a possibilidade ou não de o casal levar a bom termo aproposta de uma guarda compartilhada, mesmo num processo em que o litígio se encontra instalado.

Para um olhar mais reflexivo e contextualizado da guarda compartilhada no curso de umprocesso em litígio, há que se ater a um duplo empreendimento.

Em primeiro lugar, devemos formular a questão inicial, que é a possibilidade fática de a guardavir a ocorrer, isto é, local de moradia de cada um dos genitores, idade das crianças envolvidas, apossibilidade real de organizarem-se de forma a contemplar os interesses dos indivíduos, enfim, oaspecto funcional do pretendido.

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Por fim, remeteremos tais questões ao universo psíquico de cada um dos genitores abrangendoseus, perfis psicológicos e, principalmente, a relação que estes mantêm com a ideia ou representaçãodo significante “compartilhar”.

A possibilidade fática do pedido presume a capacidade de adequação daquele casal parental àsexigências sociais de acomodação à nova situação, em que os deveres de arcar com questões derotina possam contemplar os interesses de cada um e, assim, não se transformar em exigências quedificilmente possam ser cumpridas. Esta divisão de tarefas precisa ser equânime para nãosobrecarregar ou comprometer a noção de espaço de cada um, e respeitados os seus limites.

A representação interna para cada um dos ex-cônjuges do conceito de “compartilhar” revela acapacidade em potencial da qual se revestirão as relações familiares, podendo facilitar a habilidadeem discriminar os insucessos da conjugalidade da necessidade da atuação participativa naparentalidade.

A análise da capacidade interna de tolerância e flexibilidade para se adequar aos constantesajustes que se fizerem necessários é uma medida que prevê, entre outras, a possibilidade de o casaladotar posturas de compartilhar.

Durante a avaliação psicológica de um caso em litígio, é muito comum que este “espaço”,embora não se configure como o setting mais adequado, possa levar a uma reflexão para o casal emconflito e permita um reposicionamento na relação, privilegiando não mais os interesses dos adultos,mas os das crianças.

Reconhecer as diferenças no relacionamento, discriminar o que cabe a cada um, parece-nos atarefa mais árdua a ser empreendida neste modelo de guarda. Esta tarefa exige um amadurecimentopsicológico. Portanto, percebe-se a dificuldade e a ousadia em lançar nos autos uma sugestão decompartilhamento de guarda quando o processo tem o litígio como fator propulsor. No entanto, éviável na exata medida de cada caso, analisando as questões circundantes e os aspectos queenvolvem a dinâmica psíquica do núcleo familiar em questão.

Recentemente, na avaliação de um caso no qual havia pedidos conflitantes, em que o autorrequeria a guarda compartilhada enquanto que a outra parte, que detinha de fato a guarda da criança,pleiteava a guarda na modalidade unilateral, pudemos observar a viabilidade do compartilhar nolitígio.

Na avaliação psicológica demonstrou-se a conveniência da pretensão do autor, uma vez que asituação fática daquele casal já revelava que o compartilhamento da guarda da criança era umarealidade exitosa, e o que se discutia no processo, na verdade, era a questão do poder.

Neste caso, aqui sumariamente descrito, assim como nos demais casos, nos quais ascontingências favoráveis à concessão de guarda compartilhada podem prevalecer a despeito dolitígio, observamos que a discussão e os conflitos restringem-se a rivalidades muitas vezes superadaspor meio de uma maior reflexão dos envolvidos.

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De qualquer modo, jamais a guarda compartilhada pode ser impingida às partes como umamedida coativa, pois ela não é uma pena acessória para um casal turbulento, mas é uma medidajurídica plausível que possibilita a reflexão.

É necessário ter em mente que a questão da guarda compartilhada não pode ser idealizada, eque mesmo um casal que demonstre condições de assumir o compartilhamento da guarda, pode estarsujeito às intempéries, pois hão de ocorrer situações constrangedoras, tangenciais aos limites de cadaum. Mas a flexibilidade de se adequar aos ajustes que se fizerem necessários e a manutenção de umespaço de reflexão para o casal parental podem em muito permitir a continuidade de uma medida tãodesafiadora para a nossa sociedade como a guarda compartilhada.

A guarda compartilhada é um caminho a ser seguido pelos profissionais e operadores dodireito, pois a ideia do compartilhar traz em si amplas vantagens para a formação de crianças ejovens.

A função dos pais é propiciar as condições para o desenvolvimento de seus filhos. Esta é apremissa básica repetida incansavelmente por todos os profissionais que atuam na área de família,mas por trás desta premissa há outra não tão revelada, porém igualmente contundente, que é o quantoos filhos são estímulos aos pais, para que estes possam dar o melhor de si, e assim tornarem-sepessoas melhores.

Sob este prisma, a Guarda Compartilhada é um desafio, um desafio que merece o nosso melhorolhar.

BIBLIOGRAFIA

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BLEGER, J. Temas de psicologia – entrevista y grupos. Buenos Aires: Ediciones Nueva Vision,1979.

CAMPO, M. L. A entrevista inicial. O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas . SãoPaulo: Martins Fontes, 1981.

DOLTO, Françoise. Quando os pais se separam. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1991.GOLDSTEI, J.; FREUD, A.; SOLNIT, A. No interesse da criança? São Paulo: Martins Fontes,1987.MOTTA, Maria Antonieta Pisano. Guarda compartilhada – uma nova solução para novos tempos.

Direito de Família, Ciências Humanas do Instituto Brasileiro de Estudos Interdisciplinares deDireito e Família. Caderno de Estudos n. 3. São Paulo: Ed. Jurídica Brasileira, 2000.

PICHON-RIVIÈRE, E. Teoria do vínculo. São Paulo: Martins Fontes, 2007.RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. A moderna visão da autoridade parental. Guarda

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Interlivros,1980.

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GUARDA DE FILHOS NÃO É POSSE OU PROPRIEDADE

REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA

Sumário: 1. Mudança de domicílio do menor e legislação atual – 2. Princípio da igualdade entre osgenitores – 3. Poder familiar após o desfazimento das relações de casamento ou de união estável dospais do menor – 4. Direito à liberdade na fixação domiciliar e alienação parental na mudançadesautorizada de domicílio do menor – 5. Suprimento judicial de outorga paterna – 6. Medidasapropriadas em caso de mudança de domicílio do menor, sem o consentimento do genitor que nãodetém a guarda ou sem o suprimento judicial dessa outorga – 7. Considerações finais – Bibliografia.

MUDANÇA DE DOMICÍLIO DO MENOR E LEGISLAÇÃO ATUAL

Não é incomum que, desfeitos os laços conjugais e fixada a guarda de um dos genitores, demaneira exclusiva ou unilateral, assim como reguladas as visitas do outro genitor, o guardião resolvamudar seu domicílio para outra cidade, outro estado ou outro país.

Nessa mudança de domicílio, quem exerce a guarda do filho menor pode levá-lo consigo, sem aautorização do outro genitor?

Essa é a questão cuja resposta será buscada neste artigo.Antes da recente alteração legislativa realizada no Código Civil de 2002 (Lei 10.406, de 10 de

janeiro de 2002) pela Lei 13.058 de 22 de dezembro de 2014, havia vedação legal à mudança dofilho sem autorização de ambos os genitores somente em caso de viagem ao exterior (ECA – Lei8.069/1990, art. 83). Essa lei modificou sobremaneira a regulamentação do tema em tela,introduzindo disposição no art. 1.634 do Código Civil, que estabelece a participação de ambos ospais no ato que autoriza a viagem dos filhos, não só em caso de viagem para o exterior, como jáprevia o Estatuto da Criança e do Adolescente, como também para a mudança permanente demunicípio e, portanto, também para outro estado:

Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício dopoder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: (...)V – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outroMunicípio;(...)

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Essa necessária autorização de ambos os genitores na mudança de residência permanente oudomicílio do filho para outra cidade já resultava da guarda compartilhada, que, por atribuir ao pai eà mãe a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres concernentes ao poderfamiliar sobre os filhos comuns (Código Civil, art. 1.583, § 1.º, com a modificação operada pela Lei11.698/2008) já exigia implicitamente esse duplo consentimento. Assim, a guarda compartilhada játinha o importante condão de impedir a realização de tais mudanças de domicílio para outro Estadoou Município sem o consentimento de ambos os genitores, que compartilham os poderes familiares.Como acentua Kátia Boulos em interessante artigo sobre a guarda compartilhada, publicado no livroGrandes Temas de Direito de Família e das Sucessões , v. 1, o compartilhamento da guarda tem emvista manter a aproximação entre pais e filhos, para que mantenham a referência de segurança que osresponsáveis por sua existência lhes podem propiciar1.

No entanto, na guarda unilateral ou exclusiva não havia, por força de lei, essa necessidade deconsentimento de ambos os pais para alteração de domicílio do menor e sua mudança para outracidade, embora sempre tenhamos considerado indispensável também nessa espécie de guarda aautorização do outro genitor ou o suprimento judicial da outorga, como expusemos na 1.ª edição destelivro.

Nesse mesmo sentido, já havíamos expressado nosso pensamento em artigo publicado em livrocoordenado por Sergio Couto, Rolf Madaleno e Mariângela Guerreiro Milhoranza, intituladoFamília Notadez, de julho de 2007, antes da Lei 11.698, de 13 de junho de 2008.

A guarda é instituto que tem natureza indiscutivelmente dúplice de direito/dever e com conteúdode cuidado para com os filhos, como tão bem acentua Antônio Carlos Mathias Coltro em obra de suacoordenação, intitulada “A Revisão do Direito de Família” e que contém coletânea de articulistas deelevado conhecimento jurídico, unidos para homenagear o grande jurista Edgard de MouraBittencourt2.

Quem ama cuida, diz o ditado. Quem guarda deve cuidar, dita o ordenamento jurídico. Ecuidado envolve o empenho que cada um dos pais deve fazer no sentido de manter a convivência dofilho com o outro genitor, salvo circunstâncias que justifiquem, em caso de necessidade comprovada,a mudança de seu domicílio.

PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE OS GENITORES

O sistema anterior ao Código Civil de 2002 dava prevalência à mulher no exercício da guardade filhos.

Exemplo de lei que oferecia essa preferência à mulher era a Lei 6.515, de 26 de dezembro de1977, cujo art. 10, § 1.º, estabelecia que se ambos os cônjuges fossem culpados na separaçãojudicial, os filhos ficariam sob a guarda materna.

A anacrônica prevalência materna adequava-se ao direito do início do século passado, fundado

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em costumes já ultrapassados, pelos quais a mulher dedicava-se, com exclusividade, aos filhos e aolar, e o homem buscava recursos, por meio do trabalho, para sustentá-los, razão pela qual a mãe eratida, ao menos em tese, como a melhor indicada para deles cuidar. À mulher cabiam as funções decriação dos filhos e ao pai as de provedor, com papéis absolutamente distintos.

Os costumes mudaram em especial a partir das últimas décadas do século passado, de modoque era necessária a adequação legal à evolução social, mas na lei permanecia ainda a desigualdadeentre pai e mãe.

A Constituição Federal de 1988 veio estabelecer absoluta igualdade entre homens e mulheres,inclusive no casamento e não mais somente como regra geral de paridade entre os sexos (arts. 5.º,inciso I, e 226, § 5.º).

A partir de então, qualquer preferência à mãe na fixação ou mesmo na manutenção da guardapassou a ferir os princípios constantes dos arts. 5.º, inciso I, e 226, § 5.º, da Constituição Federal,pelos quais há absoluta igualdade entre homens e mulheres, inclusive no casamento.

No entanto, essas normas constitucionais, embora fossem autoaplicáveis e dispensassemregulamentação expressa por norma ordinária, ainda careciam de aplicação imediata no instituto daguarda de filhos.

O Código Civil de 2002, em adequação à evolução social, atento aos costumes de hoje edistanciando-se definitivamente de conceitos ultrapassados, como o de que a mãe seria, via de regra,a pessoa mais adequada a exercer a guarda de filhos, estabeleceu em seu art. 1.584, em sua redaçãooriginal, que: “Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordoquanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la”.

Esse dispositivo legal já preservava os elevados interesses dos filhos na fixação da guarda,sem a prevalência feminina.

No parágrafo único daquele art. 1.584 do Código Civil de 2002, na sua redação original, foramestabelecidos critérios a nortear a fixação da guarda, dentre os quais a afinidade e a afetividade entreo postulante da guarda e o menor.

Observe-se que a expressão “condições”, que foi utilizada originalmente no dispositivo legalantes apontado, não foi seguida de qualquer adjetivo, de modo que em sua compreensão semprecoube a amplitude de aspectos educacionais, morais, de afinidade e afetividade, entre outros quetenham em vista o melhor atendimento aos interesses dos menores.

Em nossos dias, pai e mãe devem ser tidos, a princípio, em iguais condições de guardá-los,cabendo ao Juiz, em cada caso concreto, avaliar se é caso de fixação de guarda compartilhada, que éa preferência legal, mas sempre subordinada à aptidão dos dois genitores quanto a esse munus, ou deguarda unilateral, sem qualquer prevalência feminina e sempre sob o princípio da prevalência doselevados interesses dos filhos3.

E essa igualdade também se revela na convivência dos filhos com ambos os genitores após a

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separação de seus pais. Como já ensinava, sob a égide da redação original do Código Civil de 2002,o Professor Yussef Said Cahali 4: “a regulamentação do direito de visitas deve ser feita observando-se perfeita igualdade de direitos dos genitores, sopesados, é claro, os superiores interesses doinfante”. E com as modificações operadas pela Lei 13.058 de 22 de dezembro de 2014, a expressãovisitas, em consonância com a valorização de ambos os pais no exercício do poder familiar após aseparação ou divórcio do casal, deve ser substituída por convivência (Código Civil, art. 1.583, § 2.ºe 1.584, § 3.º).

Essa igualdade preserva os filhos, já que a separação dos pais não deve alterar ou prejudicar assuas relações com os genitores.

Com a Lei 11.698/2008, que alterou a redação dos arts. 1.583 e 1.584 do Código Civil,estabelecendo neste último artigo, em seu § 2.º, a preferência pela guarda compartilhada e, em seu §4.º, sanções no caso de um dos genitores utilizar manobras para evitar ou diminuir injustificadamenteo contato dos filhos com o outro genitor, consistentes na diminuição de suas prerrogativas do poderfamiliar, ainda mais presente ficou esse princípio da igualdade entre pai e mãe em suas relações comos filhos.

E com a Lei 13.058/2014 essa preferência da guarda compartilhada se manteve com maiorexpressão legal, nas modificações operadas nos §§ 2.º e 3.º do art. 1.584:

Art. 1.584. (...)§ 2.º. Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambosos genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dosgenitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.§ 3.º Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guardacompartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se emorientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibradado tempo com o pai e com a mãe.

Finda está a era da prevalência feminina, desde a Constituição Federal de 1988, na sua letragenérica, e no Código Civil de 2002, em sua redação original e ainda mais com as leis citadas, queenfatizaram a igualdade entre homens e mulheres na relação com os filhos, ao preferirem a guardacompartilhada.

Quem limita injustificadamente a convivência do filho com o outro genitor sujeita-se a sanções,genericamente previstas no Código Civil, art. 1.584, § 4.º, que serão neste artigo adiante detalhadas.

Aliás, já bem dizia Eduardo de Oliveira Leite, antes das modificações operadas no CódigoCivil5:

A destruição do “casal conjugal” não deve provocar o desaparecimento do “casal paternal”, isto é,

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3.

da comunidade dos pais...

A igualdade entre pai e mãe é um dos fundamentos para que se afaste a ideia de que a mãe, porter a guarda de um filho, possa alterar o domicílio do menor, a seu talante, mudando-se para outracidade, estado ou país, em prejuízo do direito de convivência do pai.

PODER FAMILIAR APÓS O DESFAZIMENTO DAS RELAÇÕES DE CASAMENTO OUDE UNIÃO ESTÁVEL DOS PAIS DO MENOR

O Código Civil dispõe expressamente no art. 1.632 que:

A separação judicial, o divórcio e a dissolução de união estável não alteram as relações entre pais efilhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.

Portanto, segundo essa regra, a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estávelnão importam a renúncia, a perda ou a suspensão do poder familiar.

Apenas o regime de convivência ou companhia entre os genitores e seus filhos éinevitavelmente alterado diante da quebra na comunhão de vidas do casal.

Desse modo, mesmo diante da atribuição da guarda com exclusividade a um dos genitores,conserva-se o poder familiar do outro genitor, ao qual é reconhecido o dever/direito de ter os filhosem sua companhia, chamado atualmente de direito de convivência.

Tamanha é a importância da convivência entre ambos os genitores e os filhos, que a suaregulamentação é requisito essencial à homologação da separação judicial ou do divórcio de umcasal, conforme dispõe expressamente o Código de Processo Civil, no art. 731, III.

A importância dessa convivência já estava reconhecida no Código Civil de 2002, em suaredação original, cujo art. 1.589 estabelece:

O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia,segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar suamanutenção e educação.

E a Lei 13.058 de 22 de dezembro de 2014, ao modificar o art. 1.583, § 2.º do Código Civil,estabelece que:

Art. 1.583. (...)§ 2.º Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de formaequilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dosfilhos.

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A convivência entre pais e filhos é um direito e também um dever, em razão da expressadisposição constante do art. 1.634, II, do Código Civil, pelo qual “compete” aos pais ter os filhos emsua companhia.

Trata-se, portanto, de um direito do filho ter a companhia de ambos os genitores, mesmo quandoa guarda é fixada unilateralmente.

Portanto, o genitor que não tem a guarda, conserva os deveres e direitos do poder familiar,conforme regulamentação constante do art. 1.634 do Código Civil, entre os quais se destaca odever/direito de ter os filhos em sua companhia.

Yussef Said Cahali, ao examinar o término da coabitação entre os cônjuges e a manutenção dopoder familiar de ambos os genitores, ensina6:

Cessando a coabitação entre os cônjuges, a atribuição dos filhos menores... a um deles... nãorepresenta para o outro uma sanção que se resolva na perda ou suspensão do poder familiar, uma vezque nem mesmo o divórcio vincular modifica os direitos e deveres dos pais em relação à prole,ainda que venham a contrair novo casamento (art. 1.588 do Código Civil). Tendo o problema daguarda do filho de ser resolvido necessariamente em favor de qualquer deles, ou mesmo com a suaentrega a terceiro (Código Civil, art. 1.584 e parágrafo único), é natural que o cônjuge privado daguarda tenha o direito de visitá-lo.

Diante das regras acima analisadas, é evidente que o genitor que detém a guarda de um filho nãotem o direito de afastá-lo do outro genitor, mudando o domicílio do menor para outra cidade, estadoou país, salvo concordância daquele ou suprimento de outorga por motivo justificado.

O poder familiar do outro genitor será prejudicado, tanto na fiscalização da educação do filho,como no que se refere à sua convivência com o genitor.

O filho terá seu direito à convivência familiar prejudicado, em violação ao art. 4.º do Estatutoda Criança e do Adolescente – Lei 8.069/1990 – pelo qual:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, comabsoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à alimentação, à educação, aoesporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e àconvivência familiar e comunitária.

No entanto, há um outro direito a ser analisado, que é o direito à liberdade de locomoção ou deir e vir, inclusive quanto à fixação domiciliar. Numa primeira vista, esse direito poderia parecerconferir ao genitor que guarda o filho o direito de mudar o domicílio do menor para onde bementender, mas, como já exposto e adiante detalhado, esse direito somente existe com a autorização dooutro genitor ou o suprimento judicial de sua outorga.

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4. DIREITO À LIBERDADE NA FIXAÇÃO DOMICILIAR E ALIENAÇÃO PARENTALNA MUDANÇA DESAUTORIZADA DE DOMICÍLIO DO MENOR

Direito à liberdade, conforme ensina o saudoso Professor Carlos Alberto Bittar, é a “faculdadede fazer, ou deixar de fazer, aquilo que à ordem jurídica se coadune”7.

O direito à liberdade é amplo, com diversas manifestações, como a liberdade de locomoção, depensamento e sua expressão, de culto, de comunicação em geral, havido como direito fundamentalpela Constituição Federal, em seu art. 5.º, caput e parágrafos.

Portanto, a fixação e a mudança de domicílio são manifestações do direito à liberdade.Porém, esse direito se sujeita às limitações ditadas pelas normas de ordem pública ou pela

ordem jurídica, como deixa expresso Carlos Alberto Bittar na definição da liberdade.E, entre tais limitações no exercício do direito à liberdade de locomoção do guardião que

detém a guarda de filho menor está o direito de convivência do outro genitor.Assim, embora nada possa impedir a pessoa de mudar seu domicílio, se esta pessoa é o

guardião de um menor e quiser continuar a exercer a guarda, terá de submeter-se a uma restrição emsua liberdade de ir e vir.

Portanto, somente diante de consentimento expresso do genitor que não detém a guarda ousuprimento dessa outorga pelo Juiz, essa mudança de domicílio do menor para outra cidade ou estadoou país pode ocorrer.

Note-se que, mesmo que se considere a regra disposta no art. 76, parágrafo único, do CódigoCivil, pela qual o domicílio do incapaz é o do seu representante legal, como apoio legal ao guardiãoque pretende mudar o domicílio do menor sem o consentimento do outro genitor ou suprimentojudicial dessa outorga, essa mudança deve ser enquadrada como abuso de direito, nos termos do art.187 do mesmo Código.

B. Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 101.Não nos olvidemos que a mudança de domicílio dos filhos para local distante, desautorizada

pelo outro genitor ou sem suprimento de sua outorga, é uma das hipóteses previstas na Lei12.318/2010, como alienação parental, por ser estratégia para afastar o filho do outro genitor, aoponto de desestruturar a relação entre eles8:

Art. 2.º Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança oudo adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham acriança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou quecause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declaradospelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros: (...)VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da

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5.

criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.

SUPRIMENTO JUDICIAL DE OUTORGA PATERNA

Como observa Ênio Santarelli Zuliani, em artigo abrangente e de grande utilidade sobre aguarda de filhos, realmente pode ocorrer que o guardião tenha “absoluta e imperiosa necessidade” demudar seu domicílio para outra cidade, estado ou país9.

Se o genitor que tem a guarda de filho tiver justificativa plausível para a mudança domiciliar domenor, justificativa essa que diga respeito aos interesses do filho, desde que negada a autorizaçãopara a viagem pelo outro, pode ser requerido e concedido o suprimento judicial da outorga.

Como assevera Ênio Santarelli Zuliani, em caso de falta de acordo entre os pais10:

o juiz deve observar se os interesses do menor estarão preservados com a anunciada mudança... otitular da guarda possui direito absoluto de guiar sua vida com autonomia, sem, contudo, gozar dessaplenitude em relação à vida do filho.

Trata-se de intervenção judicial, para solução do desacordo entre os pais, que divergem noexercício do poder familiar, regulada pelo art. 1.631, parágrafo único, do Código Civil:

Art. 1.631. (...)Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquerdeles recorrer ao juiz para solução do desacordo.

Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo retrata questão típica de suprimento de outorgaem atendimento aos interesses do menor, em que a mãe e guardiã obteve oportunidade de trabalho emoutro país, sendo que o pai contribuía insuficientemente para o sustento do menor:

Menor – Viagem ao exterior – Genitora que recebeu proposta de emprego em Lisboa – Novodomicílio da detentora da guarda – Pretensão a envolver melhorias nas condições de vida – Pai quenão ofereceu oposição séria e fundada ao pedido – Recurso provido (TJSP, 4.ª Câmara de DireitoPrivado, Agravo de Instrumento 278.124-4/4-00, Rel. Desembargador J.G. Jacobina Rabello, j.26.06.2003, JTJ 269/355).

Já em outro julgado do mesmo Tribunal de Justiça de São Paulo vê-se caso em que deveria ser,como foi, negado o suprimento, já que a mudança de residência seria temporária, porque o país dedestino possibilitava permanência de estrangeiro somente por determinado prazo, em prejuízo do anoletivo do menor, que seria afastado de seus familiares em relação aos quais mantinha grandeproximidade e afeto:

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6.

Menor – Suprimento de autorização paterna para viagem ao exterior – Indeferimento – Prejuízo àcriança que se afastaria da escola em pleno período letivo, além de mantê-la distante do meiosociofamiliar que tanto preza – Transtornos evidentes ao direito de visitas pelo genitor (TJSP,Apelação Cível 96.988-0/5-00, Câmara Especial, Rel. Desembargador Fábio Quadros, j.11.11.2002, JTJ 262/174).

Se a mudança de domicílio puder operar o afastamento definitivo entre pai e filho, o Tribunalde Justiça de São Paulo já se posicionou contra o suprimento de outorga:

Apelação cível – Pedido de suprimento judicial de consentimento paterno para viagem ao exterior –Sentença de improcedência – Bem-estar do infante deve prevalecer – Possibilidade de que a genitorado menor, ao viajar com ele para o Japão, possa não retornar mais ao Brasil, pois aqui não possuivínculo empregatício – Patente impossibilidade da criança ficar sem o convívio paterno –Desnecessário lembrar os riscos que uma mudança de vida dessa natureza importa – Apelante almejaresidir no Japão e caso seja esta sua escolha deverá arcar com as consequências e renunciar à guardado filho para deixá-lo no convívio do pai – Recurso Improvido (TJSP, Apelação 566.945.4/5-00, 5.ªCâmara de Direito Privado, Rel. Desembargador Oldemar Azevedo, j. 19.11.2008).

Em razão da urgência que, via de regra, se apresenta na necessidade do provimentojurisdicional do suprimento da outorga paterna, cabe a tutela de urgência no procedimento comumrespectivo (Código de Processo Civil, arts. 300 e seguintes), desde que preenchidos os requisitosprocessuais, consistentes no perigo de dano ou no risco ao resultado útil do processo.

O suprimento da outorga é decisão judicial indispensável em nosso modo de ver para evitaraplicação das medidas a seguir expostas, já que, lembrando novamente Yussef Said Cahali11:

... Regulamentada a guarda do menor pelo juiz, e consequentemente o direito de visita pelo genitorprivado da mesma, prevalece ‘‘si et in quantum’’ o estatuído na sentença, devendo como tal serrespeitada e observada por ambos os genitores enquanto não houver decisão posterior que a venhaalterar.

MEDIDAS APROPRIADAS EM CASO DE MUDANÇA DE DOMICÍLIO DO MENOR,SEM O CONSENTIMENTO DO GENITOR QUE NÃO DETÉM A GUARDA OU SEMO SUPRIMENTO JUDICIAL DESSA OUTORGA

Caso o guardião esteja na iminência de mudar o domicílio do menor para outra cidade ouestado, sem a autorização do outro genitor ou suprimento da outorga pelo Juiz, uma das medidasjudiciais cabíveis é a propositura de ação condenatória, com requerimento de tutela específica quevise à inibição desse ato, consistente na aplicação de pena de multa por dia de descumprimento desua obrigação de não afastar o menor do outro genitor ou de mantê-lo em local adequado ao

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exercício do dever/direito de convivência do outro genitor.Note-se que a viagem do menor ao exterior recebe o controle na saída do país, em que se exige

a apresentação do documento de autorização do genitor ausente ou do suprimento judicial de suaoutorga. Já para viagem interestadual ou municipal, essa autorização não é necessária. Por essemotivo, a medida em análise é útil e adequada quando a mudança de domicílio almejada peloguardião tem em vista outra cidade ou estado brasileiro.

Essa ação mandamental, que tem por objeto o cumprimento de obrigação de não fazer ou defazer, dependendo do ângulo em que se coloque, tem fundamento legal não só no ordenamentoprocessual geral (Código de Processo Civil, art. 497), mas também no Estatuto da Criança e doAdolescente (Lei 8.069/1990, art. 213), com a possibilidade de concessão liminar da tutela deurgência, liminarmente ou após justificação prévia.

O exercício da guarda por um dos pais obriga-o a respeitar o direito do outro genitor deconvivência com o filho, independentemente do modo pelo qual se operou a dissolução do casamentoou da união estável.

Como ensina Yussef Said Cahali12:

... Ainda que litigiosa a separação, aos genitores cumpre facilitarem reciprocamente a visita do outroaos filhos que estiverem sob sua guarda.

Assim, a modificação da guarda é a outra medida cabível caso a mudança do domicílio, queprejudique o exercício do dever/direito de convivência, já tenha se operado.

Aliás, a perda da guarda é medida expressamente prevista no Estatuto da Criança e doAdolescente – Lei 8.069/1990 –, em seus arts. 35 e 129, inciso VIII.

Essa modificação é perfeitamente aceita em nosso ordenamento jurídico e isto porque asentença que a fixa somente produz o efeito de coisa julgada no âmbito formal, com ainimpugnabilidade dos atos processuais, mas não opera o efeito de coisa julgada material, nãohavendo, portanto, a perpetuidade do direito material julgado no processo.

No instituto da guarda vigora o princípio rebus sic stantibus, pelo qual valem e são eficazes osfundamentos da sentença enquanto não forem modificados por circunstâncias ou fatos ocorridosdepois do julgado.

Caracteriza-se como fato grave posterior à atribuição da guarda a um dos genitores e àregulamentação das visitas do outro genitor em sentença judicial a mudança de domicílio do menorpelo guardião para outra cidade, estado ou país, que cause empecilhos no exercício do dever/direitode convivência, ou seja, que provoque o afastamento entre um dos pais e seu filho.

Já que a guarda não transita em julgado no plano material, mas apenas no formal, cabe apropositura de ação de modificação de guarda, pelo procedimento comum, com pedido de tutela deurgência (Código de Processo Civil, arts. 300 e seguintes).

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Como bem observa Ênio Zuliani:

Não custa lembrar que as decisões sobre guarda de filhos não transitam em julgado... o art. 1.586 doCC autoriza o Juiz intervir, sempre que for para o bem da criança, nas relações envolvendo guardade filhos, construindo, em correspondência, com as provas, outra sentença13.

A modificação da guarda já recebe há tempos o apoio doutrinário, como se vê na obra deYussef Said Cahali, pelo qual14:

... ao dirimir divergência entre os pais, acerca das relações com os filhos, não deve o juiz restringir-se a regular as visitas, estabelecendo-lhes datas e horários; a preocupação máxima deve ser nosentido de fixar regras que não permitam o desfazimento das relações afetivas que devem existirentre pai e filhos, entre estes e a mãe, podendo, assim, em qualquer tempo, ser chamado para rever adecisão, atento ao sistema legal, porque prepondera o interesse da prole, e não o dos pais.

E o doutrinador acima referido completa o seu pensamento sobre o direito de visitas lembrandoOrlando Gomes e dizendo:

Tratando-se de um direito impostergável, recomenda Orlando Gomes que, dele não devendo serprivado o pai, ou a mãe, sob nenhum pretexto, “sanções energéticas precisam ser previstas paraassegurar seu exercício contra as represálias do cônjuge inocente, que teve o seu amor-próprioferido”... À justiça cabe impedir que o exercício do direito de visitas seja dificultado porsentimentos abjetos, como também não atende aos interesses dos menores dificultar o desempenhodesse direito-dever: por presunção é de se esperarem resultados benéficos para a prole, dessescontatos periódicos com o outro genitor, contatos que permitirão não só u’a melhor fiscalizaçãoquanto à maneira como estão sendo tratados os filhos, como também acalentam aquele natural afetoque resulta do vínculo da paternidade... E, desse modo, a justiça deve assegurar ao cônjuge obstadono exercício do seu direito de visita os meios coercitivos à preservação desse direito.

A solução jurídica da modificação da guarda e seu consolidado apoio doutrinário também sedenota no artigo “O Menor na Separação” de Antônio Cezar Peluso15:

Como não é absoluto o pátrio poder, confinado às extremas da probabilidade de prejuízo material oumoral aos filhos, as mesmas restrições suporta o direito de guarda. Tal probabilidade próxima ébastante para excluir quando se esboce inaptidão para assegurar os valores pessoais dos menoresque o direito de guarda se preordena a proteger.

E esse remédio jurídico é atrelado à preservação dos elevados interesses dos filhos, comosalienta Guilherme Gonçalves Strenger16:

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A razão primordial que deve presidir a atribuição da guarda em tais casos é o interesse do menor,que constitui o grande bem a conduzir o juiz, no sentido de verificar a melhor vantagem para o menor,quanto ao seu modo de vida, seu desenvolvimento, seu futuro, sua felicidade e seu equilíbrio.

Julgado proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já continha interessante decisãosobre a matéria, em que, liminarmente, em tutela antecipada, foi determinada a abstenção pela mãe-guardiã quanto à transferência do domicílio da filha menor, sob pena de inversão da guarda ao pai:

Agravo de instrumento. Ação de modificação de cláusula proposta pelo agravado, objetivando aguarda provisória de sua filha, atualmente com a genitora--agravante. Decisão que defereparcialmente a tutela antecipada, determinando que a ré-agravante se abstenha de transferir aresidência da filha comum para outra cidade, sem a devida autorização paterna, sob pena de inversãoda guarda. Manutenção. Não se justifica que a genitora, por estar com a guarda, não necessite deautorização do pai, que, afinal, possui juntamente com a mãe, o poder familiar, cabendo-lhe tambéma preservação dos direitos da menor, o acompanhamento a sua educação, saúde, enfim o seucrescimento. Agravo de instrumento desprovido (TJRJ, Agravo de Instrumento 2005.002.19886, 7.ªCâmara Cível, Rel. Desembargadora Helda Lima Meirelles, j. 07.02.2006).

Com a entrada em vigor da Lei 11.698/2008, a possibilidade de modificação da guarda nahipótese de mudança não autorizada passou a ter previsão legal, em razão da sanção que passou a serprevista em lei, a qual foi reiterada pela Lei 13.058/2014, com a modificação do art. 1.584, § 4.º, doCódigo Civil, nos seguintes termos:

§ 4.º A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral oucompartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor.

Além do Código Civil, a Lei 12.318/2010, como antes visto, prevê a mudança de domicílio domenor para local distante entre as hipóteses de alienação parental (art. 2.º, parágrafo único, VII), etambém apoia a medida de modificação de guarda, ao estabelecer entre as sanções aplicáveis:

Art. 6.º Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte aconvivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá,cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da amplautilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade docaso:(...)V – determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;

Outra medida judicial cabível diante da mudança de filho menor, sem autorização do genitor

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que não tem a guarda ou suprimento judicial dessa outorga, é a ação de reparação de danos17,conforme previsto no art. 6.º da Lei de Combate à Alienação Parental, antes citado, já que a ilicitudedesse ato reside na violação ao direito de convivência do outro genitor pelo guardião e o dano moralevidencia-se no afastamento do filho, o que se enquadra no disposto no art. 186 do Código Civil,pelo qual:

Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causardano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As medidas acima vistas têm amplo apoio legal, constitucional e infraconstitucional.Além das normas antes vistas, cite-se o princípio de proteção à dignidade da pessoa humana,

constante do art. 1.º, III, da Constituição Federal, e do art. 3.º do Estatuto da Criança e doAdolescente – Lei 8.069, de 13.07.1990 –, já que o afastamento de um filho do seu genitor, salvojustificadas razões, acarreta ao menor ofensa à sua dignidade e danos em seu desenvolvimento.Segundo esse dispositivo legal:

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, semprejuízo à proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou outros meios, todasas oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, espiritual esocial, condições de liberdade e dignidade.

Assim, se houver necessidade de mudança de domicílio pelo guardião que quer levar o filhoconsigo, uma vez negada a autorização pelo outro genitor, cabe o suprimento judicial de sua outorga;em suma, não se pode dispensar o consentimento ou seu suprimento judicial.

Isso porque os filhos não são equiparáveis a “objetos”, que possam ser levados pela mãe oupai, para onde o guardião bem entender, mesmo que detenha sobre eles a chamada guarda exclusivaou unilateral, afastando-os do outro genitor.

Vemos pais em desespero, por mudança de menores, levados pela mãe para outras cidades eestados. Acompanhamos de perto essa angústia. E reiteramos que não se trata apenas de direitopaterno à convivência com o filho, já que o direito é também do filho de ter a companhia paterna.

A mera alegativa de que a mudança de domicílio não equivale a impedimento na visitação não éaceitável. É evidente que o distanciamento do menor, quando levado para outra cidade ou estado,prejudica o exercício do dever/ direito de visitas.

O pensamento de que o guardião pode modificar o domicílio do filho menor, levando-o paralocal distante da morada do outro genitor, está muito ligado ao exercício da guarda pela mãe e aosprivilégios maternos decorrentes de costumes ultrapassados pelos quais a maternidade estava

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intimamente atrelada à proteção de um filho.A mãe era sempre a pessoa melhor indicada para exercer a guarda dos filhos. O pai era sempre

o provedor dos meios necessários à subsistência dos filhos. Esses costumes se modificaram hátempos, mas ainda há um ranço de resistência na aplicação do princípio da igualdade absoluta entremãe e pai.

O respeito constitucional à liberdade de escolha domiciliar é da mulher, como pessoa e nãocomo mãe e guardiã, já que as relações entre pais e filhos não podem ser prejudicadas, a não ser quemotivos ponderáveis e benéficos ao menor exijam a sua mudança para outra cidade ou estado.

Os subsídios anteriormente apresentados serviram à evolução legal no sentido da igualdadeentre homens e mulheres no exercício da guarda, que finalmente prevê expressamente que a mudançade residência permanente de um filho menor de idade para outro município, e não só para outro paíscomo previa o ordenamento legal anterior, exija o consentimento de ambos os genitores, de modo aevitar o afastamento entre pais e filhos. Em suma, nossas expectativas na 1.ª edição deste livro, doano de 2009, concretizaram-se na Lei 13.058 de 22 de dezembro de 2014, em prol da proteção doselevados interesses dos filhos menores. Espera-se que a aplicação da lei pelo Poder Judiciário sejaeficaz. Afinal, a guarda de filhos não pode ser equiparada à posse ou à propriedade.

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A LEI DA GUARDA COMPARTILHADA

ROLF MADALENO

Sumário: 1. Conceito de guarda – 2. A guarda na separação de fato e judicial – 3. Guardacompartilhada – 4. A guarda compartilhada física pressupõe consenso – 5. Direito e dever deconvivência – Bibliografia.

CONCEITO DE GUARDA

A guarda não afeta o poder familiar dos pais em relação aos filhos, senão quanto ao direito deos primeiros terem em sua companhia os segundos (arts. 1.632; 1.634; 1.636 do CC). A guarda éatributo do poder familiar, e compete aos pais terem os filhos em sua companhia e guarda.

A custódia decorre da lei, como consequência natural do poder familiar, dos direitos de guarda,da tutela e da adoção.

Portanto, têm os pais o direito de ter consigo seus filhos, para cuidá-los e vigiá-los, e, emcontrapartida, têm os filhos a obrigação de viver em casa com seus progenitores, sendo dever dosgenitores dirigir a formação da sua prole, os encaminhando para a futura vida adulta e social, e umavez sobrevindo a separação dos pais, a guarda dos filhos pode ser conferida aos dois genitores pormeio da guarda compartilhada física, como agora ordenado pelo § 2.º do art. 1.583 do CódigoCivil, diante da redação acrescida pela Lei 13.058, de 22 de dezembro de 2014; a qualquer um dosgenitores, na clássica versão da guarda unilateral, e também podendo ser confiada a terceiro se poralguma razão a custódia não puder ser entregue a nenhum dos progenitores. Embora a guardadecorrente da separação dos pais tenha natureza de custódia permanente, ela poderá ser alterada sefor apurado ser em benefício do menor, mesmo porque é direito condicionado aos interesses daprole.

Com a instituição da guarda compartilhada legal ou jurídica aprovada pela Lei 11.698, de 16 dejunho de 2008, o art. 1.583 do Código Civil passou a adotar uma versão de guarda compartilhada dosfilhos comuns, e por conta da qual os pais, mesmo não mais morando sob o mesmo teto, deveriamdividir a responsabilidade e o exercício de direitos e deveres concernentes ao poder familiar dosfilhos comuns, que sequer precisaria ser ordenada em sentença ou estabelecida por expresso acordodos progenitores, considerando o disposto nos arts. 1.632, 1.634 e 1.636 do Código Civil quandodeterminam não se alterarem as relações entre pais e filhos com o divórcio, a separação ou

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dissolução da união estável dos genitores. Trata-se unicamente do reflexo natural do exercício dopoder familiar dos pais, que não deveria se alterar apenas em razão do afastamento físico de um dosascendentes que deixara de coabitar, mas que, obviamente, não se desliga de seus filhos.

Conforme Ana Carolina Silveira Akel, o maior pressuposto desse modelo de guardacompartilhada legal, pelo qual os pais dão sequência à sua função parental, que não sofre soluçãode continuidade por causa da ruptura da sua coabitação, e seguem rígidos os laços que uniam os paisdiretamente aos seus filhos antes da ruptura da sociedade conjugal e restam convictos de que odesentendimento dos genitores não pode, sob nenhuma forma, prejudicar o seu relacionamento paracom seus filhos.

Com o advento da Lei 13.058/2014, a guarda compartilhada bifurcou-se em duas espéciesdiferentes e independentes, denominadas, doravante, de guarda compartilhada jurídica (da Lei11.698/2008) e a guarda compartilhada física (da Lei 13.058/2014) e pela qual o tempo de convíviocom os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai. A dupla guardacompartilhada poderá ser estabelecida por consenso ou por decisão judicial quando não houveracordo entre os pais, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercerem o poder familiar, salvoque um deles declare ao magistrado que não deseja a guarda do menor (CC, art. 1.584, § 2.º).Entrementes, para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob aguarda compartilhada física, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderábasear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar adivisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe (§ 3.º, do art. 1.584 do CC).

Portanto, a imposição da guarda compartilhada física não é automática e generalizada, masmuito ao revés, segue sendo excepcional e dependente de uma orientação técnica que demonstre aojuiz a viabilidade e a pertinência da instituição de uma guarda compartilhada de divisão de tempo, eque também não precisa ser de um tempo obrigatoriamente equilibrado, de partes iguais, pois paraatender aos melhores e reais interesses dos filhos a qualidade da convivência é infinitamentesuperior ao mero tempo de utilização desta convivência de pais que, se já eram ausentes na vigênciado relacionamento, podem muito bem seguir com a mesma postura, deixando seus filhos seremcuidados por terceiros, como, por exemplo, os avós ou a atual companheira, ou algum parentecolateral ou um serviçal.

Mesmo na guarda compartilhada física consensual, a mera homologação judicial deste acordonão pode ser automática sem que o juiz obtenha diretamente dos pais um plano de parentalidade,pelo qual eles tratarão de informar ao julgador como farão frente às usuais necessidades dos filhosdiante da separação e do estabelecimento de uma guarda de divisão de tempo, levando exatamenteem conta que a guarda compartilhada legal tem em mira permitir a cada um dos pais o direito depoder participar das mais relevantes decisões pertinentes a seus filhos comuns, sempre na intençãode proteção da prole, durante seu estágio de crescimento, desenvolvimento e estabilidade emocional,devolvendo à vida dos filhos de pais separados a participação efetiva de ambos os genitores na sua

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formação social, psicológica, afetiva, espiritual e no tocante à sua educação.A guarda compartilhada poderá ser requerida por consenso dos pais, ou por qualquer deles, em

ação autônoma de divórcio, de dissolução de união estável, ou em antecipação de tutela, não obstanteo pleito liminar de antecipação de guarda sofra restrições em sede de provimento judicial, nostermos do art. 1.585 do Código Civil, quando determina que a decisão sobre guarda de filhos, mesmoque provisória, seja proferida preferencialmente após a oitiva de ambas as partes perante o juiz,salvo se a proteção aos interesses dos filhos exigir concessão de liminar sem a audiência da outraparte.

De outra parte, quando se trata de atribuir a guarda unilateral, prescreve o § 5.º do art. 1.583 doCódigo Civil que o pai ou a mãe que não detenha a guarda está obrigado a supervisionar osinteresses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será partelegítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ousituações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.Integra o conteúdo da guarda unilateral o exercício efetivo e por ambos os genitores da guardacompartilhada jurídica, que respeita ao exercício de fato do poder familiar, e do qual nenhum dospais deve dispensar ou lançar mão, pois não há mais espaço para um pai deliberadamente ausente davida do filho. O atual texto da lei obriga o genitor não guardião a fiscalizar a formação de sua prole,tornando-se grave omissão a voluntária alienação. Não há necessidade de imposição de uma guardacompartilhada física de pura divisão de tempo de permanência dos filhos com seus dois pais,quando esta modelagem nem sempre atende aos reais interesses da prole, notadamente quando sequerexistia entre os progenitores, na constância da vida conjugal, coabitando os dois pais, o hábito dogenitor varão de participar de fato da rotina diária de seus filhos, cuja tarefa sempre foi atribuída àmãe.

A guarda compartilhada física (do exercício efetivo do poder familiar) será endereçada aogenitor que, objetivamente, revele melhores condições para exercê-la, por reunir maior aptidão empropiciar aos filhos valores fundamentais relacionados com o afeto, a saúde, a segurança, aeducação, e estabelecida a guarda a um dos pais, ao outro genitor deve ser regulamentado o direitode convivência real e pela qual ele tem a obrigação de participar das decisões mais relevantes davida de seus rebentos, sempre quando os filhos não estiverem sobre a sua vigilância direta, sendoconsultado neste aspecto, e outorgando à mãe as decisões da rotina diária quando os filhos estiveremsobre a sua vigilância direta, além do fato de que ambos os genitores têm o dever de supervisionarsempre os interesses do filho (§ 5.º do art. 1.583 do CC).

De qualquer sorte, se o juiz verificar que o filho não deve permanecer nem sob a guarda do paie nem da mãe, irá deferi-la à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida,escolhendo, de preferência, pessoas próximas por vínculos de parentesco, de afinidade e afetividade(§ 5.º do art. 1.584 do CC).

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2.

3.

A GUARDA NA SEPARAÇÃO DE FATO E JUDICIAL

Existindo entre os pais mera separação de fato pelo afastamento voluntário ou pela expulsãoextrajudicial de um dos cônjuges da vivenda matrimonial, a guarda dos filhos segue sendo de ambos,considerando inexistir qualquer solução judicial a respeito da custódia oficial da prole, muitoembora já presente a fatual separação dos pais, a nenhum deles é dada a primazia legal da custódia,não obstante existisse uma tendência oficial de preservar a situação verificada por ocasião daseparação de fato, permanecendo os filhos com o genitor com o qual já se encontravam.

Agora, mais do que nunca, com a aprovação legal também da guarda compartilhada física, aJustiça deverá fazer mais concessões em termos de convivência e menos em termos de divisão pura esimples do tempo equilibrado dos filhos entre seus pais, pois prevalece a prioridade de sempre, deque em termos de guarda sobrelevam muito mais as conveniências dos filhos e muito menos osinteresses pessoais de seus pais. Quando o varão abandonava o lar, os filhos permaneciaminvariavelmente com a mãe na primitiva habitação familiar.

Em termos processuais, a decisão judicial pela guarda materna não era diferente quando aesposa ou companheira era expulsa de casa e ameaçada em sua integridade física, e, por conta desteincidente, era obrigada a ingressar em juízo com medida liminar de separação de corpos pararetornar ao lar e afastar compulsoriamente o marido da residência conjugal, de onde foraescorraçada. Com a separação de corpos também já era requerida em paralelo complemento a guardaliminar, ou a busca e apreensão dos filhos que a genitora não conseguiu levar ao ser expulsa do lar.Nestas realidades fáticas, algumas delas por vezes até permeadas de violência doméstica contra amulher, mas, cada vez menos importa o fato consumado com a precedente separação de fato doscasais, diante da evidência legal de que o juiz sempre deverá conciliar as necessidades específicasdos filhos, e concitar a ambos os pais, de forma igualitária, para a tarefa de educar e criar seus filhoscomuns, conferindo-lhes maiores responsabilidades, como deverá proceder agora o julgador comrelação ao estabelecimento de uma guarda compartilhada jurídica, circunstância que antes sequer eraconsiderada em razão do consenso sociojurídico quanto à fórmula legal da exclusiva guardaunilateral, mas cuja prática de uma guarda isolada, dizem os precursores do compartilhamento daguarda, era determinante para uma maior alienação parental do ascendente não guardião.

GUARDA COMPARTILHADA

Na guarda compartilhada jurídica, os pais conservam mutuamente o direito de custódia eresponsabilidade dos filhos, alternando em períodos determinados sua posse, sem que isto obrigue auma divisão equilibrada do tempo de permanência dos filhos com o pai e com a mãe, pois esta é aexpressão prática da nova guarda compartilhada física agora regulamentada pela Lei 13.058/2014,de que pais devem decidir em conjunto sobre as questões que digam respeito aos interessessuperiores dos filhos. A noção de guarda conjunta jurídica está ligada à ideia de uma cogestão da

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autoridade parental, como mostra Grisard: “A guarda conjunta é um dos meios de exercício daautoridade parental (...) é um chamamento dos pais que vivem separados para exerceremconjuntamente a autoridade parental, como faziam na constância da união conjugal”.

Conjunta, portanto, é a prática do poder familiar, porque somente unidos pelo casamento oupela estável convivência, em relação familiar de total harmonia, seria factível a adoção da guardacompartilhada física, pois nesse caso estariam os pais realmente compartilhando a custódia dosfilhos, conciliando com sua estável relação e seu fluído diálogo e em honesta cooperação osinteresses dos filhos comuns, sem alternar o tempo de estadia com a prole, cuja novidade foicolacionada na legislação brasileira com o advento da Lei 13.058/2014, construindo uma noçãocomplementar de custódia compartilhada.

Contudo, esta noção de divisão de tempo de permanência dos pais separados em relação a seusfilhos e absorvida pela redação conferida pelo § 3.º ao art. 1.584 do Código Civil, atribui ao juiz opoder de distribuir equilibradamente o tempo dos filhos, entretanto, em conformidade com as reaisnecessidades de convívio da prole com cada qual dos seus pais, exatamente para que eles possamefetivamente participar da vida cotidiana dos filhos, cuja presença era relegada pela via exclusiva daguarda unilateral, mas jamais poderá se tratar de um convívio aleatório e de mera divisão de tempo,de três dias para um e quatro dias para o outro genitor, ou de uma semana para cada um; um mês, ouperíodos maiores de convivência; porquanto, devem prevalecer os interesses dos filhos e estes quasenunca se restringem a uma partilha do tempo de convívio com seus pais, mas à qualidade destaconvivência, associada à efetiva participação dos pais na tomada das importantes decisões que irãoinfluenciar na vida da sua progênie.

Entretanto, não há como determinar a guarda conjunta quando casais empreendem umacampanha de desprestígio de um contra o outro ascendente, causando os transtornos da chamadaSíndrome de Alienação Parental (SAP), caracterizada por Richard Gardner, professor de psiquiatriaclínica do Departamento de Psiquiatria Infantil da Universidade de Colúmbia, como sendo: “Oconjunto de sintomas que resultam do processo pelo qual um progenitor transforma a consciência deimpedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro progenitor”.

Por isso mesmo Leila Maria Torraca de Brito conclamava a urgente realização de amplo debatenacional visando a devida explicação do significado fático e jurídico da guarda conjunta, pois paraboa parcela dos operadores do Direito a guarda compartilhada “significava a divisão dos dias dasemana nos quais cada pai permanece com os filhos”, e esta parece ter sido a alteração trazida com acomplementar Lei da Guarda Compartilhada (Lei 13.058/2014), enfatizando a divisão paritária deconvivência dos pais com relação aos seus filhos. Contudo, não é o critério de deslocamento dedomicílios de forma constante e contínua dos filhos o mais relevante para estabelecer a custódiacompartilhada, mas sim, não só as boas relações deles para com os seus respectivos pais, mas,sobremodo, a efetiva dedicação que cada um deles deve atribuir aos filhos quando eles estiverem emsua companhia direta.

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A capacidade de dedicação dos progenitores aos filhos é o critério mais importante paraoutorgar uma guarda compartilhada física, que implica em que ambos os progenitores assumamobrigações respeitantes aos seus filhos menores e com a mesma intensidade e quantidade,transformando a guarda compartilhada física em um modelo de organização dos afazeres parentais,assim entendido, no qual ambos os genitores estão dispostos a superarem suas desavençascircunstanciais pelo bem dos seus filhos e, diante deste propósito de realmente dedicarem seu tempoe sua atenção aos seus rebentos, apresentam ao juiz um plano conjunto de parentalidade.

É a partilha da guarda jurídica, é o exercício conjunto da autoridade de pai e de mãe, e que nãose esvai pela perda da companhia do filho apenas em troca das visitas ordenadas diante da separaçãodos pais. Contudo, para que a guarda conjunta tenha resultados positivos, se faz imprescindível asincera cooperação dos progenitores, estando honestamente empenhados em transformar suasdesavenças pessoais em um conjunto de atividades voltadas a atribuir estabilidade emocional esólida formação social e educativa aos filhos criados por pais separados. Os pais devem fazerconstar no plano judicial de parentalidade os compromissos que cada um deles irá assumir e noqual vão estabelecer os objetivos educacionais dos filhos e a repartição de suas responsabilidadescomo pais, seguindo à risca o modelo engendrado à semelhança de um “plano de governo” ou umacarta aberta de intenções.

Eduardo de Oliveira Leite fornece os pontos didáticos para alcançar a real noção do instituto daguarda conjunta, dizendo que: “Em Direito Civil, a expressão não tem sentido, ou é imprópria, comojá alertava Fulchiron, porque o conceito civilista da guarda é indissociável da presença da criança.Enquanto a família permanece unida, a guarda conjunta é perfeitamente admissível, questionar-se-iasobre a realidade de tal expressão quando a família já se encontra separada. A separação dos pais eo inevitável afastamento de um dos genitores da presença do filho impediriam a guarda conjunta”.

E, em arremate, conclui que guarda conjunta não é guarda, é atribuição de prerrogativas.Karen Nioac de Salles afirma ser o objetivo da guarda conjunta o exercício em comum da

autoridade parental em sua totalidade, estendendo aos pais as mesmas prerrogativas na tomada dedecisões acerca dos destinos de seus filhos criados sob a ótica da separação dos pais. Importante,portanto, para o desate da guarda compartilhada será a cooperação dos pais, não havendo espaçopara aquelas situações de completa dissensão dos genitores, sendo imperiosa a existência de umarelação pacificada dos progenitores, e um desejo mútuo de contribuírem para a sadia educação epara a hígida formação psíquica de seus filhos, especialmente por se apresentarem, de hábito,traumatizados pela separação de seus pais. Neste espaço de ideias, mostra-se imprescindível omulticitado plano de parentalidade, que deve ser seguido com seu necessário rigor, eis que por meiodele os genitores se comprometem e se identificam em relação aos cuidados prioritários de seusfilhos, sendo igualmente relevante ouvir a prole, se já estiver em idade de emitir sua opinião, acercado compartilhamento físico de sua custódia.

Fique, portanto, plenamente clarificado não interessar na guarda compartilhada a quem estará

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sendo atribuída a custódia física do filho, como acontece na guarda unilateral, na qual a guarda serásomente do pai ou somente da mãe, tratando os pais, em realidade, de repartirem suas tarefasparentais, assumindo cada um deles a efetiva responsabilidade direta por atos pessoais que refletirãona criação, educação e lazer dos filhos, e não só a um dos pais, como sucede na guarda unilateral.

A GUARDA COMPARTILHADA FÍSICA PRESSUPÕE CONSENSO

Embora a Lei 13.058/2014 viabilize a concessão judicial da guarda conjunta física, emrealidade ela não é modalidade aberta ao processo litigioso para disputa da companhia dividida dosfilhos, pois pressupõe para sua implementação um ambiente de total compreensão, colaboração ecoesão dos pais, razão pela qual o § 4.° do art. 1.584 do Código Civil, com a redação que lhe deu aanterior Lei 11.698/2008, estabelece que qualquer desvio ou descumprimento não autorizado ouimotivado de cláusula de guarda compartilhada poderá implicar a redução das prerrogativasatribuídas ao seu detentor. Isso porque a guarda compartilhada exige dos genitores um juízo deponderação, imbuídos os progenitores da tarefa de priorizarem apenas os interesses de seus filhoscomuns, e não os interesses egoístas dos pais. Deve ser tido como indissociável pré-requisito dacustódia compartida a ocorrência ou o pressuposto de uma harmônica convivência dos genitores,tanto que se não houver acordo entre mãe e pai quanto à guarda compartilhada do filho, sua partilhasó será deferida quando for possível conciliá-la com os efetivos interesses da prole, a seremapurados em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar (§ 3.º do art. 1.584 doCC). Em verdade, a guarda compartilhada pressupõe uma inafastável dose de consenso do casal e,não obstante tenha consolidado a perda de sua sintonia afetiva pelo desencanto da separação, por suamaturidade não se desconectou da tarefa de priorizar a fundamental felicidade da prole.

Para a adoção da guarda repartida ou compartilhada é preciso que ambos os pais manifesteminteresse em sua atribuição, porque, embora o § 2.º do art. 1.584 do Código Civil admita que elapossa ser judicialmente imposta, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja aguarda do menor, a lei adverte que o magistrado só irá aplicar a guarda compartilhada físicaquando encontrar condições favoráveis para sua implementação e não há como compelir um genitor acooperar em uma guarda conjunta quando ele não a deseja, sob o risco de não atingir o seu resultadoinicial.

Não é da índole da guarda compartilhada a disputa litigiosa, típica dos processos impregnadosde ódio e de ressentimentos pessoais, em que pensam os pais poderem ser compensados pela decisãojudicial da guarda unilateral, para mostrar a sentença ao outro contendor e, com esta vitóriaprocessual de acirrado dissenso, acreditar que o julgador teria encontrado no vencedor da demandapela guarda os melhores atributos de guardião, sendo o filho o troféu dessa insana disputa sobre apropriedade do filho.

Como a guarda compartilhada pressupõe o consenso, embora a Lei 13.058/2014 busque forçar a

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sua aplicação ao conferir poderes judiciais para uma eventual imposição de custódia conjunta, éforçoso reconhecer que casais separados têm dificuldades para exercê-la quando não mantêmqualquer diálogo e nenhuma relação de espontâneo entendimento, com espíritos pacificados pelatotal resolução das suas diferenças conjugais. Para permitir a serena adoção da guarda conjuntajurídica ou física, especialmente esta última que depende não somente do mútuo consenso para o seusucesso, como também de uma séria consulta aos filhos em idade de decidirem, sendo que, emqualquer hipótese não pode haver represa de dissensões pessoais.

Como observa José Sebastião de Oliveira, na guarda compartilhada: “Tudo é feito em conjunto(...). Diante do magistrado que dirige os trabalhos e procura manter o diálogo e entre os ex-cônjugessão fixadas todas as diretrizes que ambos cumprirão, em conjunto, para que não sofram seus filhos asconsequências da separação ou do divórcio”. Diretrizes foram impostas pelo art. 1.584 do CódigoCivil, e pelas quais o juiz procura orientar aos pais sobre o significado da guarda compartilhada; suaimportância e a simetria de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelodescumprimento das cláusulas, e se mesmo assim não houver franca disposição, poderá ser frustradoo exercício conjunto da guarda, mas uma vantagem adicional traz a legislação ao admitir a revisão dacustódia e transformá-la em guarda unilateral, podendo até atribuí-la a terceiro, para propiciar aofilho os interesses que não foram respeitados pelos pais.

Ainda subsiste alguma relutância judicial de forçar a guarda compartilhada em sentença judicialquando já se mostram ausentes a maturidade e o sincero propósito dos pais em fornecerem aos filhoso melhor de si, com seus olhos voltados para a doutrina dos efetivos interesses dos menores eadolescentes, e, embora a legislação se incline por preferir a guarda compartilhada dos pais, suaescolha e, em especial, a da guarda compartilhada física da Lei 13.058/2014, só encontraráadmissão na ação consensual de guarda ou de divórcio, apresentando os pais um detalhado plano deparentalidade observando todos os aspectos relativos ao exercício efetivo da custódia, com informessobre o domicílio onde viverão com seus filhos, o regime de convivência alternada, a manutençãoeconômica, o projeto educativo, os horários e atribuições pessoais das quais irão se encarregar cadagenitor, tudo sob a fiscalização do Ministério Público, ouvidos os filhos em idade de decidir ecuidando os pais para nunca separar irmãos.

Não obstante as Leis 11.698/2008 e 13.058/2014 facultem impor a guarda compartilhadajurídica e física, ainda assim é preciso reconhecer ser de fundamental relevância apurar a boaintenção e o espaço para diálogo dos pais, porque, em contrário, provavelmente uma guarda forçadapor decreto judicial terminará ascendendo novos e indesejados conflitos que colocarão a criança e oadolescente no centro de um turbilhão de desentendimentos e no surgimento de subsequentesdemandas que levarão à redução das prerrogativas conferidas aos pais, além de submeterem seusfilhos a uma indesejada rotina de alternância do domicílio, em um movimento pendular.

Não há lugar para a guarda conjunta física entre casais amargos, conflituosos e que encontramno filho o troféu de todas as suas desinteligências pessoais, sendo inevitável a sua denegação em

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especial no litígio intransponível dos pais, como se a divisão do tempo fosse a solução de todos osproblemas e de todas as aflições de casais em dissenso conjugal, muito embora a Lei da GuardaCompartilhada viabilize a maior distribuição do tempo dos pais para com seus filhos comuns,justamente para criar as condições de atendimento à função da guarda repartida, Contudo, existindosensíveis e inconciliáveis desavenças entre os pais separados, realmente não haverá como encontrarlugar para uma pretensão judicial à guarda compartilhada física, apenas pela boa vontade e pelaautoridade do julgador, quando ausente a boa e consciente vontade dos pais e, mesmo assim seconstatarem que o compartilhamento do tempo dos filhos se trata de medida que atenderá aossuperiores interesses da prole.

Nesse quadro de divergências, a cena de uma custódia compartida reverteria para o acirramentodos ânimos e para a perpetuação dos conflitos, repercutindo este ambiente hostil de modo negativo, acausar severos danos à saúde psicológica dos filhos, e a comprometer sua estrutura emocional.Relações de chantagens e de excesso de liberdade são prejudiciais ao desenvolvimento dos rebentos;são artifícios de pais em atrito para cativarem o agrado da prole, desconectados os pais dapercepção pessoal do altíssimo risco dessas suas licenciosidades criarem uma incontornável crise deautoridade e de adaptação dos filhos, que devem ser conduzidos para sua estável inserção na vidasocial.

A guarda compartilhada jurídica tem por objetivo dar continuidade ao exercício recíproco daautoridade parental e não servir como fomento aos nefastos mecanismos de patológica hostilidade,em que imperam as graves desavenças do casal, causa da ruptura e de seu insepulto desafeto,justamente quando pais são forçados a alternarem, contrariados, a guarda física dos filhos.

Desse modo, e em especial, a guarda conjunta física só será factível por acordo em processoamistoso de divórcio ou de guarda, pois apenas por consenso e consciência dos pais será possívelaplicar esta nova modalidade de custódia compartilhada que se mostra de todo inviável no litígio,com os pais em conflito, porque atentaria contra a saúde psíquica e emocional da prole, a qualperderá seus valores, seu rumo e suas referências, mantendo problemas reais de adaptação, perdidasem um mundo de insana disputa pela atenção dos filhos, em meio à crise da dupla autoridade dospais, que só terão olhos voltados para dentro de si e para construírem uma relação de amorunilateral, compensando com a atenção exagerada aos filhos a dor sofrida pela ausência daqueleamante e cogenitor que já não mais habita seu lamurioso coração.

DIREITO E DEVER DE CONVIVÊNCIA

Ainda no propósito dos interesses prioritários dos filhos, prescreve o art. 1.589, do CódigoCivil, que o pai ou a mãe em cuja guarda não esteja o filho poderá visitá-lo e tê-lo em sua companhiasegundo o acordado com o outro cônjuge, ou no que for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar suamanutenção e educação. Agora o art. 1.583, § 5.º, do Código Civil reforça a obrigação que tem o

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genitor não guardião de supervisionar os interesses dos filhos, isto porque prefere a lei que os paisdecidam e acordem sobre todas as questões relacionadas à dissolução de sua sociedade conjugal,inclusive no tocante à guarda e às visitas à prole pelo genitor não guardião. E assim deve ser visto,porque, não sendo deferida a guarda compartilhada, a convivência do genitor que não detém a guardavisa em primeiro plano ao benefício do filho menor ou incapaz, para ele poder manter, por igual, umsaudável e rotineiro vínculo de comunicação com o seu ascendente depois da separação de seus pais.

O direito denominado no passado de visitas já foi considerado como uma prerrogativareconhecida aos ascendentes de receberem seus descendentes menores confiados à guarda de um dospais ou terceiros, sendo evidente, pela doutrina “dos melhores interesses da criança”, tratar-se de umdireito de os filhos manterem rotineira comunicação com ambos os pais, atribuindo a atual redaçãolegal o dever do ascendente que não está com a guarda de supervisionar os interesses da prole.Quando as visitas representavam um direito e não uma obrigação dos pais, a ausência deles nãopassava de uma imprudente transgressão ao bom senso, porque não era aconselhável forçar umavisitação nutrida de rejeição e contrariedade e porque o dever das visitas não transpunha o foro daconsciência do visitante.

Ledo equívoco, agora identificado pelo Direito Familista brasileiro, estendendo ao ascendentenão guardião o dever de fiscalizar a manutenção e a educação dos filhos. As visitas representadaspor uma efetiva convivência com os filhos têm a concreta finalidade de favorecer as relaçõeshumanas e estimular a corrente de afeto entre o titular e o menor, porém, o mais valioso é o interesseda criança e do adolescente no caso de conflito, tanto que em mãos desaconchegadas pode seconverter em algo particularmente mau e perigoso para uma criança delicada e receptiva.

Portanto, mesmo sendo destituído da guarda, não perderá o outro cônjuge ascendente o seusagrado direito de conviver com os filhos mantidos por conveniência e interesse exclusivo da prolecom o outro genitor, como tampouco altera o direito de custódia um novo casamento do ascendenteguardião (art. 1.589 do CC), tudo porque a palavra de ordem está como ordenam os arts. 1.583 e1.589 do Código Civil, na constatação de os filhos estarem sendo tratados convenientemente.

E este tratamento conveniente também passa pela facilitação do contato da prole com oascendente não guardião, não tolerando o Direito e o bom senso a obstrução da convivência, comocorriqueiramente acontece quando os pais ainda não conseguiram se dissociar de seusdesentendimentos conjugais.

Por conta disso, tanto a guarda como o direito de convivência não têm caráter definitivo,podendo ser modificados a qualquer tempo, sempre sob o olhar do melhor interesse do menor, epodendo ser consideradas como atos de abuso e fonte de reversão da guarda, supressão ou suspensãoda convivência, quaisquer atitudes dos pais tendentes a causar dano ao ex-cônjuge, sem se daremconta de que estão em realidade danificando, sim, a estrutura psíquica dos seus filhos.

Não é outra a dicção acrescentada pelo § 1.º do art. 1.584 do Código Civil ao atribuir ao juiz odever de alertar aos genitores sobre as sanções causadas pelo descumprimento das cláusulas da

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guarda compartilhada.Ou como ensina Carlos Alberto Gonçalves, no sentido de o juiz resguardar os filhos menores de

todo abuso que possa ser praticado contra eles pelos pais, mesmo porque é dever da família colocara criança e o adolescente a salvo de toda forma de negligência (art. 227 da CF), sendo dos pais aobrigação de guarda e de educação dos filhos menores (arts. 22 do Estatuto da Criança e doAdolescente e 1.566, IV, do CC).

Desse modo, prevalece e sempre, o respeito à dignidade humana do filho em estágio deformação, podendo ser passíveis de punição e de reparação material os deveres parentaisdeliberadamente omitidos e cuja desatenção importa em uma afetação moral ao menor.

Convém, antes de encerrar o tema, consignar não haver como condicionar o direito deconvivência ao pagamento da pensão alimentícia quando existem meios processuais para o exercíciodestes direitos eventualmente desatendidos. A cobrança executiva dos alimentos tem como únicoescopo a satisfação de um direito material, financeiro, fundamental para a subsistência física doalimentando, porém de menor transcendência quando considerada a relação paterno-filial quepoderia ser legalmente interrompida na hipótese de inadimplemento dos alimentos e se assim fossepermitido, como defendem muitos, acabaria o menor sendo duplamente punido: a uma, por nãoreceber a visita de seu pai; e a duas, por não receber a pensão deste mesmo genitor, sendo estendidosestes princípios aos filhos maiores, mas incapazes, como clarifica o art. 1.590 do Código Civil.

Não pode ser esquecido ser o genitor guardião o administrador dos alimentos do filho menor eincapaz e, por isso, sempre tem a possibilidade de executar a pensão alimentícia impaga, inclusivesob o temeroso rito da prisão civil, sem precisar lançar mão do direito do filho de manter aimprescindível comunicação com o seu ascendente não guardião, devendo ser igualmente referidoque a guarda compartilhada física de divisão equilibrada do tempo de convivência dos filhos comcada um de seus genitores não afasta apenas por esta condição o pagamento de alimentos, mesmoporque os ingressos de um pai em comparação com o outro quase nunca são iguais e muito menosequilibrados.

Pudesse a suspensão das visitas por inadimplência dos alimentos realmente afetar o genitor,seguramente iria prejudicar ainda mais o filho destituído de discernimento suficiente paradimensionar adequada e corretamente o súbito afastamento de seu progenitor. Já bastam os atropelosdos adultos, ordinariamente condicionando convivência e alimentos, ou negociando a custódiacompartilhada física pela dispensa ou sensível redução da obrigação alimentar, como se fossemmoedas de negociação e distorcendo todo o sistema de interação entre pais e filhos.

Efetivamente, não há como antepor um direito material ao princípio preservado pela legislaçãobrasileira de respeito aos melhores interesses do menor e cuja função fundamental é a preservaçãopsicológica e emocional da prole, valores supremos, vinculados à hígida formação mental do filho.

No Direito argentino há largo debate acerca da suspensão das visitas diante do descumprimento

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dos alimentos, fundamentando-se a corrente favorável no fato de ser o poder familiar um conjunto dedeveres e de direitos dos pais sobre a pessoa e os bens dos filhos, não havendo nenhuma dúvidaquanto ao cumprimento das resoluções judiciais e servindo a suspensão das visitas como umconvincente meio de coerção. Essa corrente peca pelo fato de só focar o problema sob o ponto devista do ascendente não guardião e devedor dos alimentos, punindo com a perda da convivência oascendente que não honrar com o seu dever alimentar e olvidando-se o legislador argentino do danomaior causado à criança com a suspensão das visitas.

Uma segunda corrente defende a improcedência dessa medida, por não conter um embasamentoracional capaz de justificar a interrupção da comunicação do filho com seus progenitores, porquesempre o menor será o maior prejudicado, acrescentando Eduardo Zannoni equivaler a suspensão daconvivência à suspensão do poder familiar, pois na prática o genitor estaria impossibilitado deexercer os direitos e deveres integrantes da sua ascendência parental.

E, por fim, uma terceira vertente guarda uma postura intermediária e aceita a suspensão daconvivência somente em casos extremos, de gravíssima negligência, naquelas hipóteses dedeliberada e total inadimplência da pensão alimentícia, não cometendo suspender o direito deconvivência quando se refere a meros atrasos, ou ao pagamento parcial dos alimentos.

Felizmente, a cultura jurídica brasileira sequer cogita da suspensão do direito de convivênciaem decorrência do não pagamento do dever alimentar, mormente quando elas representam um direitodo filho e um imprescindível dever dos pais, e sua eventual suspensão levaria em muitas situações aocúmulo de servir como premiação ao contumaz devedor dos alimentos, especialmente ondeprevalecem espíritos emulativos e os filhos são meros instrumentos das desavenças dos pais.

A jurisprudência uruguaia assenta-se no argumento de a sanção afetar o devedor dos alimentos enunca o menor, ao lhe subtrair as visitas do genitor alimentante, como tampouco o inverso éverdadeiro, no sentido de tentar punir o guardião obstaculizador da convivência, interrompendo ofornecimento dos alimentos do filho sob sua custódia. Lembra María Inés Varela de Motta serjuridicamente procedente impor sanções pecuniárias cominatórias, as quais o juiz pode estabelecerde ofício ou a requerimento do credor alimentar, porque os juízes não apenas devem ditar sentenças,como devem também fazer cumprir os seus julgamentos.

É de ser consignado que a guarda compartilhada física não exclui o dever que têm os pais deatender com o pagamento de pensão alimentícia a essencial subsistência material da prole, devendoser de uma vez por todas desmistificada a falsa ideia de que a guarda compartilhada da divisão detempo dos filhos e que, por conta da divisão do tempo físico de permanência dos pais com os filhos,cada um deles trataria de custear diretamente suas despesas de manutenção. Nada mais errado,porque alimentos e guarda conjunta não dependem e tampouco se identificam com a mera divisão dotempo de custódia física da prole, quando o que efetivamente importa é a custódia afetiva,emocional, pedagógica e psicológica dos filhos que têm o direito de ser criados e educados porambos os pais e de não sofrerem qualquer solução de continuidade de suas requisições materiais,

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quer estejam na casa da mãe ou do pai.

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GUARDA COMPARTILHADA: A NOVA REALIDADE

SUZANA BORGES VIEGAS DE LIMA

Sumário: 1. Notas preliminares – 2. Equilíbrio e paridade no exercício da autoridade parental – 3.Guarda compartilhada e o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente – 4. A novarealidade da guarda compartilhada – 5. Aspectos práticos da guarda compartilhada – 6. A convivênciafamiliar – 7. Conclusão.

NOTAS PRELIMINARES

A guarda compartilhada tem provocado diversas reações naqueles que a estudam, assim comonos que desejam colocá-la em prática, seja pela confusão conceitual ou por mero desconhecimentodessa modalidade de guarda de filhos, incorporada ao nosso ordenamento jurídico de formagradativa e definitiva.

Em razão disso, é fundamental a tarefa dos estudiosos do Direito das Famílias no sentido decompreender o real significado da guarda compartilhada, para que possam transmitir à sociedade oseu verdadeiro conteúdo, de modo que ela seja corretamente aplicada. Com isso, torna-se essencialafastar as imprecisões que atingem a noção de guarda compartilhada, que vêm se disseminando,sobretudo após a tão aguardada Lei 13.058/14, que instituiu a guarda compartilhada como regra, parafinalmente eliminar o conflito conceitual e evitar as resistências que surgem em razão da falta deinformação acerca de sua utilização.

Segundo o psicanalista Sérgio Eduardo Nick, “o termo guarda compartilhada ou guarda conjuntade menores refere-se à possibilidade de os filhos de pais separados serem assistidos por ambos.Nela, os pais têm efetiva e equivalente autoridade legal para tomar decisões importantes quanto aobem-estar de seus filhos e frequentemente têm uma paridade maior no cuidado a eles do que os paiscom guarda única”.

Tem-se, portanto, como ponto de partida para a compreensão e aplicação da guardacompartilhada, a garantia do exercício igualitário da autoridade parental, que deverá ser preservado,sobretudo após o rompimento marital ou da união estável, sempre em busca do bem-estar e melhorinteresse da criança e do adolescente.

EQUILÍBRIO E PARIDADE NO EXERCÍCIO DA AUTORIDADE PARENTAL

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A partir da conceituação acima, surge a necessidade de analisar a guarda compartilhada doponto de vista da participação direta dos pais na vida de seus filhos, o que se dá por meio doexercício igualitário da autoridade parental.

Num primeiro momento, a guarda compartilhada já revela uma vantagem em relação à guardaúnica, ou seja, aquela que é conferida a apenas um dos pais. Trata-se da possibilidade de pai e mãe,embora não mais unidos por vínculos conjugais ou afetivos, exercerem a autoridade parental demaneira eficaz e equilibrada, como ocorre na constância do casamento ou da união estável.

O art. 1.632 do Código Civil deixa claro que o rompimento do casal em nada altera a relaçãoentre pais e filhos, senão quanto ao direito que lhes cabe de ter os menores em sua companhia.

A interpretação desse artigo gera polêmica, pois alguns autores entendem que, após aseparação, ambos os pais permanecem com igual titularidade e exercício da autoridade parental,enquanto outros opinam que apenas a titularidade é o que se mantém intacta. Isso se deve ao fato deque na prática, principalmente quando se adota o regime de guarda única, o exercício da autoridadeparental pelo não guardião sofre clara diminuição em sua intensidade, devido à distância física dosfilhos e à falta de comunicação efetiva com o genitor, ex-cônjuge ou companheiro.

O professor Gustavo Tepedino entende que “no sistema brasileiro a dissolução da sociedadeconjugal em nada altera as responsabilidades dos pais pelo exercício do chamado poder familiar”.

Nesse particular, nos filiamos à corrente do Professor Tepedino, que sustenta a inalterabilidadedo exercício da autoridade parental após a ruptura dos pais, posicionamento que em nosso sentirconfere maior efetividade aos preceitos da Lei 13.058/14. Com o seu advento, ficou superado oentendimento de que, em geral, a guarda compartilhada somente é viável quando o ambiente familiarpós-separação ou pós-divórcio é propício ao diálogo e à participação igualitária de ambos os pais.Do contrário, o exercício da autoridade parental por parte do não detentor da guarda física serestringiria a uma atuação distante e meramente fiscalizadora, o que por si contraria os clarosbenefícios que o modelo de coparentalidade traz para as famílias brasileiras, assim como vai deencontro ao que dispõe o § 2º do artigo 1.584 do Código Civil, modificado pela Lei 13.058/14:

Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos osgenitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dosgenitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.

A adoção do sistema da guarda compartilhada proporciona aos pais a possibilidade departicipação ativa e equilibrada no processo de educação e desenvolvimento dos filhos menores,que, por sua vez, serão beneficiários da presença física, afetiva e moral de ambos os pais, fatoresindispensáveis para o seu desenvolvimento saudável.

Como síntese de nosso entendimento, destacamos o posicionamento do Professor Paulo LuizNetto Lôbo, quem incentiva a adoção desta modalidade de guarda, afirmando que “a tendência

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mundial, que consulta o princípio do melhor interesse da criança, recomenda a máxima utilização daguarda compartilhada ou da guarda alternada, enfim, da manutenção da coparentalidade, de modo queo filho sinta a presença constante de ambos os pais, apesar da separação física deles”.

Deve-se ter em mente que, havendo a separação do casal, naturalmente haverá umdesdobramento da autoridade parental e, por consequência, da guarda, uma vez que esta é elementoda primeira.

Para que o exercício da autoridade parental não seja suprimido da figura do não guardião, poruma alegada ausência ou impossibilidade de comunicação com o pai ou mãe, torna-se necessárioreavaliar o modelo tradicional que vigorou durante muitos anos no direito brasileiro, o da guardaúnica, ou unilateral, normalmente concedida à mãe.

Devido ao caráter dinâmico, revolucionário e de constante mutação que tem marcado o Direitodas Famílias nas últimas décadas, surge um espaço propício para o desenvolvimento dessamodalidade de guarda, sob nova roupagem, incentivadora da participação equitativa dos pais noprocesso de criação, educação e desenvolvimento de seus filhos.

Portanto, sob a ótica do exercício da autoridade parental, a guarda compartilhada revela umcenário adequado para o desempenho equilibrado de direitos e deveres em benefício dos filhos,permitindo a ambos os pais participarem ativamente no processo de crescimento e formação dosmenores. Ela torna mais efetiva a interação da figura dos pais no cotidiano de seus filhos, eliminandoo rótulo de visitante ou de mero provedor, frequentemente imposto ao não guardião.

A Professora Giselda Hironaka explicita acertadamente o discorrer sobre o afeto, afirmandoque conjugalidade e parentalidade são expressões que nem sempre caminham juntas. Mas, apesar desua diferença conceitual, são situações interligadas entre si, dependendo do contexto familiar. Comisso, queremos acentuar, por mais óbvio que seja, que o fim da conjugalidade não importa,necessariamente, no fim da parentalidade. No entanto, na prática, lamentavelmente essas duas figurasacabam se divorciando junto com o casal.

A guarda compartilhada permite conservar a parentalidade, que se transforma emcoparentalidade, expressão que tomamos emprestada do direito francês, denominada coparentalité,permitindo que os pais detenham o exercício comum da autoridade parental após a separação ou odivórcio.

GUARDA COMPARTILHADA E O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DACRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Ao se avaliar a adoção de qualquer modalidade de guarda de filhos, é imperioso que sempre setenha como regra norteadora o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, uma vezque os menores ocupam a posição jurídica de sujeitos de direitos e não de meros objetos.

O mesmo ocorre com a guarda compartilhada. A sua adoção deve, necessariamente, ser pautada

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pelas reais necessidades dos menores envolvidos, que, por sua vez, se sobrepõem aos interesses deseus pais, porquanto o interesse dos menores é o cerne da questão ora tratada. O seu bem-estardeverá ser garantido, passando quaisquer interesses relativos à conveniência dos pais para segundoplano. Deste modo, acima da conveniência dos pais coloca-se o interesse dos filhos.

Cada caso se reveste de particularidades que merecem exame especial, significando que aescolha da modalidade de guarda a ser adotada deve obedecer, acima de tudo, ao princípio domelhor interesse da criança e do adolescente. Deve também atender às especificidades de cadafamília, de modo que a modalidade de guarda escolhida possa ser colocada em prática com sucesso.

Assim, para que uma modalidade de guarda seja adequada ao interesse do menor, ela deve serestabelecida em observância à sua realidade social e familiar, reunindo todas as condiçõesnecessárias para o seu pleno desenvolvimento.

A guarda compartilhada se revela uma modalidade que leva à efetivação do princípio domelhor interesse da criança e do adolescente, pois proporciona um maior convívio familiar, bemcomo permite a participação de ambos os pais na educação do menor, fator determinante para apreservação de seu bem-estar emocional.

A NOVA REALIDADE DA GUARDA COMPARTILHADA

Até o ano de 2008, a guarda compartilhada não estava positivada em nosso ordenamentojurídico. Contudo, já vinha sendo adotada com frequência nas varas de família a requerimento daspartes, por recomendação dos membros do Ministério Público, pelas equipes multidisciplinares eacolhida pelos magistrados. A sua implementação prescindia de lei, pois o Código Civil, em seuartigo 1.583, já facultava aos pais a escolha da modalidade de guarda que melhor atendesse aointeresse de seus filhos.

O referido artigo não fazia menção expressa ao regime da guarda compartilhada, mas tampoucoa vedava, tendo sido de extrema importância para a sua crescente aplicação.

Esse é apenas um dos fundamentos jurídicos da guarda compartilhada, que, juntamente com oprincípio da convivência familiar e da dignidade humana, já legitimava a sua adoção no direitobrasileiro.

A promulgação da Lei 11.698, de 13 de junho de 2008, não deixa dúvidas quanto à legalidade eaplicabilidade da guarda compartilhada. Contudo, apesar de positivada, o crescimento e o sucessodessa modalidade de guarda eram condicionados a fatores que hoje não mais obstam a suaimplementação. Prevalecia o entendimento de que a sua fixação somente poderia ocorrer medianteconsenso, seja por meio de um acordo prévio ou obtido pela mediação. Ressaltamos que este métodoautocompositivo é de grande importância para a pacificação de conflitos de família, oportunidade emque as próprias partes poderão optar pela guarda conjunta.

Paralelamente, a sua adoção também depende de um processo de conscientização a ser

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promovido pela comunidade jurídica, em especial, por advogados, juízes e promotores, cabendo aestes transmitir o seu real significado, suas vantagens, incentivando a sua utilização.

A guarda compartilhada é uma alternativa que se soma às demais formas de guarda, nãodevendo ser introduzida em exclusão aos regimes já existentes. Cada caso deve ser analisadocuidadosamente, com base no princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

Com o advento da Lei 13.058/14, o fator determinante para a aplicação da guardacompartilhada se desloca da vontade dos pais para o interesse dos filhos, conforme se depreende do§ 2º do artigo 1.584:

Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos osgenitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dosgenitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.

A divergência entre os pais quanto à guarda dos filhos era tida como óbice intransponível paraa adoção da guarda compartilhada, no entanto, o artigo em comento afasta condicionantes relativas aoconsenso entre os pais, no intuito de garantir a aplicabilidade da guarda compartilhada. Porém, háquem entenda que a imposição do regime da guarda compartilhada possa ser nociva para os filhos,razão pela qual pais beligerantes não estariam aptos ao exercício da guarda conjunta. Nesteparticular, é indispensável proceder com cautela, para que o pai ou a mãe que pretenda exercer aguarda unilateral por razões alheias ao melhor interesse da criança, não torne a lei letra morta.

ASPECTOS PRÁTICOS DA GUARDA COMPARTILHADA

Conforme ressaltamos, ainda há certa confusão e equívoco conceitual a respeito da guardacompartilhada. É comum se deparar com o emprego do termo “guarda compartilhada” quando se falaem “guarda alternada”, modalidade diversa da ora tratada.

É indispensável esclarecer que tais expressões não se confundem. A guarda alternada, emsíntese se traduz no revezamento dos filhos entre a casa da mãe e a do pai, durante períodospreestabelecidos, podendo ser de dias, semanas, meses, ou até anos de alternância. Enquanto um dospais detém a guarda no período que lhe cabe estar com o menor, ao outro é dado o direito de visitas.

É um regime cuja implementação tem revelado certo grau de rejeição nos juízos de família, porse acreditar que a criança necessita de um referencial – sua residência –, em torno da qualdesenvolve a sua rotina diária. É o que os psicólogos denominam “porto seguro” do menor.

Assim, o entendimento geral que prevalece é que a guarda alternada é inadequada, provocando,no menor, instabilidade emocional, em verdade, por representar uma espécie de guarda única, emperíodos alternados. Dessa forma, há o exercício exclusivo alternado da guarda, com todos os seusatributos, em contraposição ao direito de visitas que é conferido ao outro.

Com a vigência da Lei 13.058/14, surgiram discussões quanto a um eventual risco de se

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transformar a guarda compartilhada em uma forma velada de guarda alternada; entretanto, deve-selembrar que, na guarda compartilhada, as decisões são tomadas em conjunto, o que não ocorre naguarda alternada. O fato de estar prevista no Código Civil, em seu artigo 1.583, § 3º, a possibilidadede que os pais, ainda que residam em cidades diferentes, exerçam a guarda compartilhada, não atransforma em alternada, uma vez que continuará havendo o compartilhamento das decisões. Éimperioso lembrar que a guarda compartilhada não se resume à mera divisão do tempo deconvivência, mas, acima de tudo, refere-se à participação de ambos os pais no processo de educaçãoe desenvolvimento dos filhos. Em nossa opinião, a alternância física, ou seja, a convivência emperíodos alternantes não é elemento prejudicial ao bem-estar da criança, devendo ser avaliada emcada caso, para assegurar o seu bem-estar.

Havendo a fixação de uma residência de referência, escolha que fica a critério dos pais, aogenitor com quem a criança reside habitualmente caberá tanto a sua guarda física como a guardajurídica, as quais lhe conferem o poder de decisão quanto às questões de ordem prática relativas aoseu dia a dia, bem como o poder de decisão referente a aspectos mais significativos, tal como a suaeducação – entendida esta em seu sentido amplo –, abrangendo, desse modo, a educação formal,moral e religiosa.

Por sua vez, a mãe ou o pai com quem o menor não reside detém igualmente a guarda jurídica.Esta lhe permite exercer os direitos e deveres decorrentes da autoridade parental de maneira ativa edireta, permitindo que também participe das decisões de maior relevância, tal como o guardião.

Entretanto, em observância à previsão de distribuição do tempo de convivência de maneiraequilibrada, prevista no artigo 1.583, § 2º, do Código Civil, adotamos o entendimento segundo oqual, via de regra, ambos os lares são de referência.

De outro lado, é importante destacar que o regime da guarda compartilhada não traz consigo ointuito de generalizar o seu uso em qualquer situação, comportando algumas exceções, tais como arecusa da guarda por um dos pais ou nos casos em que o filho não possa permanecer sob a guarda dopai ou da mãe, conforme previsto nos §§ 2º e 5º do art. 1.584 do Código Civil. Entretanto, éimperioso frisar que a possibilidade de implementação e sucesso dessa modalidade de guarda nãodepende exclusivamente do consenso entre os pais.

Na prática, a guarda compartilhada, não se traduz em mera “flexibilização da regulamentaçãode visitas”. A guarda compartilhada incentiva a preservação dos laços afetivos por meio daconvivência familiar ampla e contínua. Dizer que na guarda compartilhada há um mero aumento donúmero de visitas é uma concepção equivocada, talvez decorrente da ideia provocada pela fixaçãodo lar de referência. A convivência familiar mais frequente e flexível com o outro genitor permiteque este continue a desempenhar um papel significativo no cotidiano de seus filhos, dotando-o depoder decisório nas questões relativas à sua educação e desenvolvimento, juntamente com o outrogenitor, ex-cônjuge ou companheiro.

Igualmente, é relevante frisar que no regime da guarda compartilhada não se recomenda a

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fixação de “visitação livre” sem a previsão de um regime de convivência claramente delimitado.Para que haja êxito nessa modalidade de guarda é indispensável que os pais respeitem o espaço decada um, sua intimidade, inclusive em suas famílias reconstituídas. Assim, a guarda compartilhadanão pode servir de instrumento de invasão de privacidade de pais separados, muito menos se prestarpara fins que não condizem com o melhor interesse dos filhos.

Apesar de se tratar de um sistema que propicia um amplo convívio entre pais e filhos baseadona comunicação e na flexibilidade, deverão ser observadas regras básicas, de maneira a preservar oexercício da coparentalidade, indispensável para a garantia do bem-estar da criança e doadolescente.

Portanto, sem prejuízo da maleabilidade implícita no regime da guarda compartilhada, deveráser previamente estabelecido um regime de convivência com regras elastecidas. Isso inclui apossibilidade de buscar o filho na escola, levar o menor para pernoite em dias de semana, bem comorealizar visitas mais frequentes nos finais de semana, evitando o distanciamento afetivo causado porum eventual contato escasso entre pais e filhos. Assim, é possível convencionar contatos próximos erotineiros com ambos os pais, desde que sem prejuízo à dinâmica escolar do menor. Com isto, oestabelecimento de uma rotina é primordial, de maneira a permitir que os pais possam fazer um bomplanejamento relativamente aos momentos de convívio com os filhos, férias, atividades escolares eextracurriculares do cotidiano, possibilitando a conciliação destes fatores com a sua vida pessoal.

A CONVIVÊNCIA FAMILIAR

Em nossa Constituição, recai sobre a família o dever de assegurar à criança e ao adolescente,com absoluta prioridade, a convivência familiar, conforme consta expressamente do caput do art.227. Nele identificamos o fundamento constitucional da guarda compartilhada, que, acima de tudo, émodalidade que estimula a manutenção dos laços afetivos entre pais e filhos, principalmenteconsiderando que estes não são obrigados a se separar de seus pais.

Por sua vez, os pais passam a ter maior convivência com os filhos, permitindo oestabelecimento de um regime de convívio amplo. Não se trata de dividir o tempo da criançamatematicamente entre as duas casas, mas viabilizar que ela passe mais tempo na companhia maternae paterna, convivência que deverá ser pautada pelas necessidades do menor.

Assim, sob a ótica da convivência familiar, além da atuação direta e efetiva de ambos os paisno processo de educação e criação dos filhos, a guarda compartilhada proporciona a manutenção doslaços afetivos que decorrem do convívio familiar. Isto reforça a relação materna e paterna com osfilhos, conduzindo à realização do melhor interesse dos filhos de pais separados.

Nesta modalidade, o menor não é privado da figura de um de seus pais, ambos fundamentaispara o seu desenvolvimento educacional, psicológico e social, eliminando o “pai de fim de semana”,personagem comum nas famílias que adotam o regime de guarda única.

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7. CONCLUSÃO

A nova sistemática introduzida pela Lei 13.058/14, que altera o Código Civil em seus artigos1.583, 1.584, 1.585 e 1.634, veio para regulamentar a guarda compartilhada e instituir a sua adoçãocomo regra. A sua fixação, em casos de disputas que envolvem filhos menores e pais e mãesigualmente aptos para o seu exercício, passa a observar critérios mais objetivos, tais como o melhorinteresse da criança e do adolescente e a capacidade dos pais para o desempenho dessa importantefunção. Seguindo-se o modelo da guarda compartilhada, minimizam-se os traumas porventuradecorrentes do desmembramento da família, que embora tome nova feição, permite que os menorescresçam em contato tanto com a figura materna quanto com a paterna, essenciais para a sua formação.Assim, evitam-se as crises de lealdade dos filhos em relação aos pais, bem como diminuisignificativamente a ocorrência da alienação parental, com alta incidência no regime de guardaúnica.

Certo é que, após a incorporação formal da guarda compartilhada em nosso ordenamentojurídico como modelo padrão de guarda de filhos, passamos a garantir direitos essenciais à família.Não se cuida de um modismo, nem de algo passageiro. Ao contrário. Constitui solução definitivapara a concretização dos princípios constitucionais da convivência familiar e do melhor interesse dacriança e do adolescente, indispensáveis para a garantia do bem-estar dos filhos.

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O DIREITO FUNDAMENTAL À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E AGUARDA COMPARTILHADA

TÂNIA DA SILVA PEREIRA

NATÁLIA SOARES FRANCO

Sumário: 1. Considerações iniciais – 2. Paternidade e Poder Familiar – 3. Guarda dos filhos: cuidadocompartilhado – 4. Conclusão – Referências.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A guarda compartilhada foi instituída no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei 11.698, de 13de junho de 2008, com as posteriores alterações da Lei 13.058, de 22 de dezembro de 2014, tendo olegislador modificado substancialmente o regime dos artigos 1.583 e 1584 do Código Civil. Noentanto, é importante observar que esta modalidade de guarda já se havia se consolidado comorealidade jurídica antes mesmo das alterações, sendo objeto de debates, polêmicas e múltiplasdecisões judiciais.

Em 2006, já havia uma orientação em prol do compartilhamento da guarda, com a aprovação doEnunciado 335 na IV Jornada de Direito Civil, que estabelecia que a guarda compartilhada deveriaser estimulada, “utilizando-se, sempre que possível, da mediação e da orientação de equipeinterdisciplinar”.

As modificações legislativas, fruto de uma grande mobilização social, buscaram atender comsupremacia os interesses dos filhos, cabendo àqueles que exercem o poder familiar o direito-deverde tê-los em sua companhia na forma participativa e igualitária.

A discussão em torno do tema nasce da preocupação de se garantir aos filhos a convivênciafamiliar preconizada pela no art. 227 da Constituição de 1988 e a proteção integral prevista noEstatuto da Criança e do Adolescente, após a ruptura do casamento ou união de fato dos pais.

Como direito fundamental, a convivência familiar prioriza a vida em família como ambientenatural para o desenvolvimento daqueles que ainda não atingiram a vida adulta, valorizando esteconvívio, quer na família natural, quer na família substituta.

Após dolorosas conquistas oriundas de leis esparsas, a Carta Magna consagrou a proteção da

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família, fundada no casamento ou na união estável, e, também, a família formada por qualquer dospais com os filhos (art. 226 §§ 1º, 3º e 4º, CF). As famílias monoparentais, mais comumenteidentificadas nos núcleos formados por mãe solteira, viúva, separada ou divorciada vive com osfilhos, não afastam a presença de famílias nas quais os filhos vivem com o pai, em decorrência, namaioria das vezes, da ruptura do casamento.

A equiparação dos filhos em direitos e deveres foi definitivamente conquistada (art. 227, § 6º,CF), vedando o legislador constitucional quaisquer designações discriminatórias. Outra conquistaconstitucional de maior relevância para a família consiste na igualdade de direitos dos cônjuges nocasamento e dos pais no exercício do poder familiar (art. 226, § 5º, CF).

A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989), preocupada na caracterizaçãoda família, considerou-a “grupo fundamental da sociedade e ambiente natural para o crescimento ebem-estar de todos os seus membros, e em particular das crianças, devendo receber a proteção e aassistência necessárias a fim de poder assumir plenamente suas responsabilidades dentro dacomunidade”.

Toda família tem um passado, vive um presente com as suas complexidades e contradições etem regras que provavelmente passarão para o futuro. Este modelo, que tenderá a se repetir nasgerações subsequentes, é um ponto de interesse também para uma análise da afetividade nas relaçõesfamiliares, o que terá um reflexo considerável na tutela jurídica da convivência familiar ecomunitária, visando, sobretudo, à proteção e ao desenvolvimento da população infantojuvenil.

A família constrói sua realidade através da história compartilhada de seus membros e caberá aoDireito, diante de realidades diversas, criar mecanismos de proteção, visando, especialmente, àspessoas em fase de desenvolvimento.

Novos valores influenciam na convivência familiar a exemplo da tolerância que mereceuprofundas reflexões por parte de Norberto Bobbio1, a solicitude definida por Antônio Houaiss2 comou m cuidado atencioso e tão bem analisada por Heloisa Szymanski3. Temos que assumir asolidariedade como um valor essencial a todas as formas de convivência humana.

Tratar a criança com afeto, carinho e respeito serve de amparo e estímulo, ajudando-a asuportar e enfrentar dificuldades, ao mesmo tempo em que lhe dá inspiração e ânimo para umrelacionamento pacífico e harmonioso com os que o cercam. A falta de afeto faz crianças tristes erevoltadas; mostram-se rebeldes, indisciplinadas, ou simplesmente incapazes de agir com segurançae serenidade.4

No âmbito do cuidado, a busca da delicadeza nas relações humanas extrapola a cortesia epolidez e compõe processo interativo envolvendo perspectivas culturais. O respeito às condiçõesindividuais desarma a agressividade e geralmente, reflete no próprio benefício daquele que aexercita no seu cotidiano.

Não obstante a intenção do legislador pátrio de assegurar o “melhor interesse da criança”, há

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que se refletir sobre o exercício da guarda de forma harmônica e participativa, o que significa dizerque a guarda compartilhada deve atender com prioridade os interesses dos filhos, observadas asreais condições dos pais de tê-los em sua companhia.

Para isso é de fundamental relevância que o cuidado esteja presente em todas as ações queenvolvam o cotidiano dos filhos, garantindo a efetivação de direitos fundamentais de crianças eadolescentes, sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento e, portanto, dignos de um tratamentodiferenciado em face da família e da comunidade.

Ao admitir também a guarda unilateral, a Lei 11.698, de 13 de junho de 2008 não afastou osdireitos e obrigações do genitor que não detenha a guarda. O parágrafo 5º do art. 1.583, com asmodificações promovidas pela Lei 13.058/2014, autoriza o pai ou a mãe que não seja o guardião asupervisionar os interesses dos filhos, podendo, inclusive, solicitar informações e/ou prestação decontas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúdefísica e psicológica e a educação de seus filhos.

Fato é que a regulamentação legislativa da guarda compartilhada veio consolidar uma práticajurídica já bastante conhecida, apesar de efetivas resistências no sistema de justiça. Antes daprevisão legal, os juízes decidiam sobre a guarda dos filhos a luz de critérios subjetivos, admitindo ocompartilhamento apenas na hipótese de entendimento entre os genitores. As alterações abriramespaço para uma maior participação do “genitor descontínuo”5, mesmo diante da impossibilidade deconsenso entre os pais.

Nota-se que o art. 1.584, § 2º, do CC consagrou a guarda compartilhada como regra, mesmo naausência de acordo entre os pais, apenas afastando este modelo de guarda se um dos genitoresdeclarar expressamente que não deseja a guarda, ou em caso de impossibilidades fáticas.6

Antes mesmo do advento da nova lei, o Superior Tribunal de Justiça já vinha decidindo quedeveria ser determinada a guarda compartilhada ainda que não houvesse consenso entre os pais. Em2011, a 3ª Turma do STJ, no julgamento do REsp n. 1.251.000/MG, de relatoria da Ministra NancyAndrighi, apontou que a guarda compartilhada é “o ideal a ser buscado no exercício do PoderFamiliar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões eadequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do idealpsicológico de duplo referencial”. Entendeu-se que “a inviabilidade da guarda compartilhada, porausência de consenso, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais”.7

No mesmo sentido, mais recentemente, a mesma Turma destacou a “impossibilidade de sesuprimir a guarda de um dos genitores com base apenas na existência de desavenças entre oscônjuges separados”.8 Dessa forma, tem-se efetivamente considerado a guarda compartilhada comoregra, cabendo aos pais a conscientização sobre seus papeis e sobre a importância de um cuidadocompartilhado para o desenvolvimento dos filhos.

Para Ana Carolina Brochado Teixeira “o mérito da guarda compartilhada tem sido muito maissocial do que jurídico, pois vem ao encontro do novo conceito de paternidade. A discussão em torno

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do assunto tem feito com que os pais busquem a implantação do modelo. Quando efetivada, porém,seus efeitos abrangem a experiência do pleno exercício da autoridade parental, nos exatos moldes doart. 1632 do Código Civil de 2002”.9

É importante observar que a guarda compartilhada não implica ausência de pagamento depensão alimentícia10 e também não exclui a fixação do regime de convivência.11 Cabe destacar,ainda, que a distribuição do tempo de convívio na guarda compartilhada não deve “representarconvivência livre ou, ao contrário, repartição de tempo matematicamente igualitária entre os pais”,devendo o magistrado atentar para as peculiaridades do caso concreto e dos sujeitos envolvidos paraalcançar uma divisão equilibrada da convivência.12

Merece também referência a possibilidade de compartilhamento da guarda de um dosgenitores com terceira pessoa, parente ou não de um dos cônjuges, que desempenhe as funçõespaternas ou maternas, assumindo a responsabilidade e o compromisso com o crescimento da criança.

Considerando que o parágrafo 5º, introduzido no art. 1584 do Código Civil pela Lei11.698/2008 e mantido pela Lei 13.058/2014, autoriza a transferência da guarda para pessoa querevele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau deparentesco e relação de afinidade e afetividade”, não se pode afastar a possibilidade da guardacompartilhada de um dos pais com quem efetivamente exerça as funções inerentes aodesenvolvimento e educação da criança.

Cite-se a decisão pioneira do Desembargador Custódio de Barros Tostes, em 2002, aindatitular da 17ª Vara de Família da Comarca da capital (TJ/RJ), na qual deferiu a guarda compartilhadade uma criança à mãe e à avó paterna, justificando que a criança vinha sendo criada, educada, eassistida por esta última. Os pais residiam sob o mesmo teto da requerente. A mãe da criança erasolteira, não trabalhava, nem estudava; em razão da gravidez não planejada, ela e o companheiropassaram a viver juntos e sendo ele cabo do Exército, naquele período de tempo estava impedido deconstituir família. A avó demonstrou efetivamente que seu objetivo era proteger a neta eproporcionar-lhe um adequado convênio médico, colocando-a como sua dependente junto ao planode saúde de seu empregador o que lhe foi concedido pelo juiz a quo. Desta decisão não houverecurso para superior instância, transitando em julgado. Justificou o Eminente Julgador: “acircunstância de residir o menor em companhia dos pais não se constitui em óbice ao deferimento dasua guarda à avó materna, o que não implica em qualquer inibição ao pátrio poder. A falta derecursos materiais dos pais, para prover as necessidades da menor, mormente as que dizem respeitoà educação e à saúde, autoriza, nos termos programáticos da Constituição e do Estatuto da Criança edo Adolescente, o deferimento da guarda à avó, que reúne condições para protegê-la” (Processo nº2001.001.024367-8).13

Merece referência, também, o Agravo de Instrumento n. 515337-4/2-00 da Oitava Câmara deDireito Privado (TJ/SP), tendo como Relator Desembargador Joaquim Garcia, que manteve a tutela

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2.

antecipada que concedeu a guarda compartilhada para o tio da criança e sua irmã, a genitora, a qualdetinha a guarda exclusiva do filho menor, nascido de um casamento judicialmente desfeito. (...)Acometida de doença terminal, com exíguo prazo de vida, temendo pelo destino e a orientaçãopedagógica da criança após seu passamento, a mãe dividiu o polo ativo com seu irmão, com quemrequereu a alteração da guarda simples para compartilhada e um novo regime de convivência para ogenitor. O tio e padrinho, a quem a criança já dedicava respeito, admiração e amor, há muito vinhaexercendo a contento a coobrigação de bem educar a criança. Embora a mãe não tenha assistido àsolução final da lide, a decisão que confirmou a tutela de urgência manteve a guarda compartilhadados dois irmãos, prestigiando a decisão monocrática do Juiz a quo. A guarda resta atualmenteconferida ao tio, até o final do julgamento que potencialmente – espera-se – confirmará a decisãoinicial.14 Comentando os conteúdos de fato e de direito do referido Agravo de Instrumento, Sergio deMagalhães Filho e Ana Maria Junqueira de Azevedo destacam: “no caso em testilha, com maiorrazão a amparar a decisão do juiz, avultava vontade materna, aquela que gerara a criara o filho atérecente passamento, sem concorrência material ou educacional do genitor, fato que, certamente,motivou o juiz a levar em conta seu desejo”.15

No mesmo sentido, a 4ª Turma do STJ, em 2010, no julgamento do REsp 1.147.138/SP, decidiupela determinação da guarda compartilhada de uma criança ao tio e aos avós paternos. Considerou-se a peculiaridade da situação concreta, já que o infante já convivia com a avó e o tio paternos desdeos quatro meses de idade, os bons cuidados àquele dispensados, e a anuência dos genitores, para aconcessão da guarda compartilhada.16

Esses julgados refletem a atitude corajosa dos ilustres Magistrados ao reconhecerem que afamília constrói sua realidade através da história compartilhada de seus membros e cabe ao Direito,diante de novas realidades, criar mecanismos de proteção visando, especialmente, às pessoas emfase de desenvolvimento.

O cuidado, o entendimento, o afeto e a responsabilidade compuseram a base desses núcleosfamiliares, desvinculados do casamento e a filiação biológica. O compartilhamento jurídico, emnome da regularização da guarda de fato, resultou no acolhimento e na proteção de pessoas em fasepeculiar de desenvolvimento.

PATERNIDADE E PODER FAMILIAR

A identificação do poder familiar como autoridade absoluta exercida pelo pai não mais secoaduna com o atual sistema jurídico. Os moldes sociais e legais consolidados refletem um novoconceito de autoridade parental diretamente relacionada com proteção, educação e formação dosfilhos.

A igualdade de direitos e deveres dos cônjuges referentes à sociedade conjugal (art. 226, § 5º,CF) e a equiparação dos filhos desvinculada do tipo de relação de conjugalidade dos pais (art. 227,

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§ 6º, CF) trouxe novas diretrizes ao exercício dos deveres paternos.Dirimiu-se, finalmente, qualquer dúvida no que concerne à titularidade à autoridade parental ao

declarar o art. 21 ECA que seus atributos serão exercidos em igualdade de condições pelo pai e pelamãe na forma que dispuser a legislação civil. Com o intuito de proteger a pessoa dos filhos,desvincula-se da excessiva preocupação pela defesa dos interesses patrimoniais, também presente noCódigo Civil de 2002.

Permanece inalterado o poder familiar na dissolução da sociedade conjugal ou na extinção daunião estável. O direito dos filhos à convivência familiar deve ser o novo norteador das relaçõesfamiliares, estabelecendo-se entre os genitores as condições deste convívio, independentemente deuma rígida regulamentação homologada ou determinada pela autoridade judicial.

O Código Civil de 2002 manteve o conceito de “poder”, o que representa flagrante retrocesso;há muito a Doutrina e Jurisprudência vinham indicando predominantemente as ideias deresponsabilidades e de direitos. A autoridade parental vem sofrendo consideráveis modificações ese apresenta no direito moderno preponderantemente, como uma relação de deveres dos pais paracom seus filhos.

Luiz Edson Fachin alerta no sentido de que não se trata de “poder”, nem de “função”. Não hárelação de “subordinação”. É mais que um direito-dever. E explica: “inexiste aí poder, há função deautoridade parental, exercida igualmente pelo homem e pela mulher, sob o comando constitucional doparágrafo 5º do art. 226”.17

Ao referir-se aos atributos da educação e criação, o legislador civil deu a entender que se tratade assuntos que envolvem conceitos diferentes. A ideia de criar os filhos visa atender àsnecessidades físicas e materiais do ser humano, e educá-los é levar em conta o intelecto, o processode aprendizagem, seu desenvolvimento social, sua personalidade e seu caráter.

A “paternidade responsável” como um dos princípios que norteiam o planejamento familiar noart. 226, § 7º, CF, não se dirigiu apenas a uma prerrogativa masculina. Em nome do princípio daigualdade entre os cônjuges e idêntico tratamento no exercício do Poder familiar, a expressãoenvolve o masculino genérico e representa a responsabilidade dos genitores.

A tríade “pai-mãe-filho”, tão discutida a partir dos escritos de Sigmund Freud, envolve aresponsabilidade materna e paterna na estruturação da criança em fase de seu desenvolvimento. Aausência ou privação de qualquer dos genitores implica, entre outros aspectos, a privação de suahistória, do contexto de vida de seus antepassados, de sua cultura e de seus valores. O elemento demaior riqueza do ser humano que lhe dá a característica ímpar é o fato de ele ser fruto de duaspessoas diferentes.

A ratificação pelo Brasil da Convenção Internacional dos Direitos da Criança- ONU/89(Decreto 99.710/90) trouxe ao cotidiano do nosso Sistema de Justiça o princípio do “melhorinteresse da criança” (art. 3.1), o qual reafirma direitos e deveres dos pais e responsáveis.

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A orientação americana fundada na Tender Years Doctrine, ao considerar que o “melhorinteresse da criança” se vinculava à “preferência materna”, influenciou por muito tempo os nossosTribunais; somente não seria considerada na hipótese de se comprovar o despreparo da mãe. Emmeados do século passado, assistiu-se nos Estados Unidos uma reação masculina conhecida como tiebreaker, teoria segundo a qual todos os fatores devem ser igualmente considerados e deveprevalecer uma aplicação neutra do best interest considerando, sobretudo, as necessidades dacriança em detrimento dos interesses de seus pais, exigindo uma análise do caso concreto.18

A realidade é que, dentro ou fora do casamento, não há dúvida quanto à importância dosgenitores na vida de uma criança.

Efetiva confusão envolve os conceitos de guarda e poder familiar. Ana Carolina BrochadoTeixeira esclarece que a guarda se mede na tutela da pessoa, a qual não tem apenas o escopoprotetivo, mas, principalmente, promocional da personalidade. Por isso abarcar maior aglomeradode funções. Diferentemente do que é proposto pela maioria da Doutrina, o “poder-dever” de proteçãoe provimento das necessidades, sejam eles materiais ou espirituais, encontra abrigo muito mais naautoridade parental do que na guarda, pois ambos os pais têm a função promocional da educação dosfilhos, em sentido amplo, que envolve a criação, orientação e acompanhamento. Tais tarefas nãoincumbem, apenas, ao genitor guardião.19

O primeiro passo cabe aos pais quando se propõem reconhecer em cada criança umapersonalidade singular, com temperamento, aspirações e ideias próprios, num permanente desafio dese encontrar o ponto de afinidade e equilíbrio entre gerações.

A “prioridade absoluta constitucional” para criança e adolescente e as conquistas técnico-científicas de comprovação da paternidade conduziram o legislador facilitar ao cidadão, criança ouadulto, o direito de conhecer o pai, e, sobretudo, conduzi-lo a assumir as suas responsabilidades.

Diante do interesse do ser humano em conhecer seus genitores, deve-se priorizar, dentro dopossível, a convivência familiar, dentro ou fora do casamento. Desta forma, na medida em que oCódigo Civil e a legislação extravagante cuidaram do reconhecimento da paternidade e apossibilidade de investigá-la, fizeram-no, também, com o intuito de atender a uma questão básica davida do ser humano em desenvolvimento: a formação de sua identidade pessoal e social.

Há que se abandonar a maior ênfase atribuída ao biologismo da paternidade, tão comum nospaíses latinos e considerá-la no âmbito de proteção e carinho dedicados a alguém que, por opção, seescolheu como filho, priorizando o compromisso com alguém que se escolheu como filho. Com aequiparação constitucional dos filhos, grande passo foi dado no sentido da valorização dapaternidade adotiva, por anos, identificada como uma “filiação de segunda classe”.

As famílias reconstituídas formadas com os novos casamentos ou uniões de fato, trouxeram aocotidiano dos Tribunais o reconhecimento da parentalidade socioafetiva, abandonando um modelotradicional de família e prevalecendo o vínculo afetivo que se forma entre a criança e a pessoa que

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lhe dispensa o cuidado e afeto. Esta renovada relação de parentesco por afinidade assume, muitasvezes, as funções e cuidados próprios da família biológica, destacadamente, na separação conjugal.Nesta hipótese, os genitores afins, quase sempre, participam do processo de socialização, do sustentomaterial e educação. Neste núcleo familiar o diálogo, o afeto e a solidariedade podem ajudar nosconflitos que se apresentam diversificados em cada configuração familiar.

Embora existam diferenças e necessidades específicas que podem ser mais bem atendidas pelamãe ou pelo pai, dependendo da idade da criança, o entendimento deve ser no sentido da importânciada complementaridade das funções materna e paterna que se atualizam no compartilhamento daguarda.20

Com a entrada em vigor da Lei 11.698, de 13 de junho de 2008 e da Lei 13.058, de 22 dedezembro de 2014, grande passo foi dado no sentido de se estimular esta cooperação entre osgenitores.

GUARDA DOS FILHOS: CUIDADO COMPARTILHADO

A guarda, um dos atributos do poder familiar, se concretiza no amparo e no cuidado dos filhos,assumindo-o como relação que transcende à uma maternagem eficiente ou efetiva disciplina dosfilhos na rotina cotidiana.

Martha Santos Pais alerta que “na promulgação de uma nova lei é essencial indagar se assoluções propostas são as melhores para a criança”.21 Dessa forma, a Guarda Compartilhada deveser interpretada sob a ótica do princípio do “melhor interesse da criança” nas relações parentais.Mendez e Beloff destacam o caráter interpretativo deste princípio ao cumprir uma funçãohermenêutica dentro dos limites do próprio direito da infanto-adolescência.22

Podemos afirmar que o exercício do poder familiar envolve, sobretudo, um cuidadocompartilhado, marcado por valores e sentimentos especiais que abrangem a responsabilidadematerna e paterna.

Reportando-se a Griffin (1983), Waldow observa que o cuidado é uma característica estruturalque acompanha o crescimento e desenvolvimento humano. Ao mesmo tempo em que o recebedor docuidado tem necessidades físicas e mentais, o cuidador deve apontar a maturidade, ou seja,consciência de si e consequentemente consciência dos outros e suas necessidades. A autora observaque o cuidar não se limita apenas à realização de uma tarefa; envolve o comprometimento moral eemocional e, ainda, o aspecto cognitivo da percepção do conhecimento e da intuição.23

Também merecem destaque as reflexões de Mayeroff (19971) ao enfatizar que o cuidar de outrapessoa, em sentido maior, é ajudá-la a crescer e se realizar. (...) “Cuidado é um processo, um modode se relacionar com alguém que envolve desenvolvimento e cresce em confiança mútua, provocandouma profunda e qualitativa informação no relacionamento”. (...) Prossegue Mayeroff: “ajudar o outroa crescer é, no mínimo, ajudá-lo a cuidar de algo ou alguém. Também é vir a ser capaz de ajudar a si

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mesmo e satisfazer suas próprias necessidades, tornando-se responsável por sua própria vida. Ocrescimento é no sentido de se tornar mais autodeterminado, de escolher seus próprios valores eideais de acordo com sua experiência.24

Leonardo Boff destaca uma dimensão afetivo-antropológica do cuidado, que se expressa porduas formas interligadas entre si. Na primeira, o cuidado é uma atitude (não um ato isolado) dedesvelo, solicitude, afeição e amor. Trata-se de um gesto amoroso para com o outro. É a mãoestendida buscando outra mão ou a mão que se abre para a carícia essencial. Na segunda, o cuidadosignifica preocupação e inquietação pelo outro, pois quem cuida se sente envolvido afetivamentecom ele e carrega responsabilidade por ele. Já diz o dito popular: “quem tem cuidados, nãodorme”.25

No exercício da guarda e do poder familiar, o cuidado envolve a responsabilidade, o carinho, orespeito à privacidade, a dedicação, a boa vontade, a paciência, a compreensão das deficiências, oslimites como forma de proteção e sentimento de segurança.

Especialmente no compartilhamento da guarda deve haver maior preocupação com a qualidadedo tempo no “cuidar”. A convivência deve envolver uma “aproximação” marcada pelo diálogo,saber ouvir, não enganar, não ludibriar ou iludir, não criar expectativas que não serão satisfeitas etc.

O pernoite na casa do “genitor descontínuo” é um modo de assegurar que, apesar de os paisterem se separado, a criança não será penalizada pela decisão dos adultos. (...) Pais e filhosprecisam desfrutar da convivência mútua com tudo o que isso tem de bom e de ruim, com suasvantagens e inconvenientes.26

O cuidado dos pais, mesmo separados, abrange, também, educar para a não violência,orientando os filhos no sentido de evitar brigas e discussões, trocar a raiva e hostilidade porcomportamentos pacíficos, evitar discussões triviais por motivos fúteis, estimular a tolerância, orespeito mútuo, o carinho.

Por outro lado, os fenômenos do descuido, descaso, negligência e abandono que compõem avedação do art. 227 da Constituição Federal27, devem ser interpretados como comportamentosomissos no exercício da guarda e da autoridade parental. O abuso da autoridade e o descumprimentodos deveres inerentes ao poder familiar autorizam o Juiz a adotar medidas que lhe pareçamreclamadas pela segurança do filho, podendo inclusive suspender suas prerrogativas. 28

A complementaridade, a cooperação e o compromisso compõem a essência do cuidadocompartilhado entre os pais, minimizando as conseqüências negativas decorrentes da separação.

Mais do que um valor, o cuidado, concretizando-se na dignidade da pessoa humana, afigura-secomo princípio constitucional implícito, que faz jus ao patamar de direito fundamental. O art. 227 daConstituição Federal, ao declarar direitos fundamentais da criança e do adolescente autoriza oreconhecimento do cuidado como denominador comum do exercício destes direitos, razão pela qualpodemos afirmar, com segurança, que o cuidado é um direito fundamental.

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4. CONCLUSÃO

Alcançar um regime de convivência saudável e harmônico entre pais e filhos, após a ruptura deuma relação conjugal, é uma tarefa difícil e de grande complexidade. As situações fáticascomprovam que o afastamento de um dos genitores do convívio familiar, independente das regrasestabelecidas para essa nova convivência, implica em sofrimento e desgastes para todos.

A guarda compartilhada traz consigo o intuito de amenizar os efeitos negativos advindos daseparação para garantir, ao máximo a convivência familiar e a proteção dos filhos. A dificuldade empraticá-la está no fato de que nem sempre os rompimentos conjugais, comumente cercados deconflitos, permitem a participação de ambos os cônjuges na rotina dos filhos.

O art. 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente é expresso ao proclamar que o poderfamiliar será exercido em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, sendo certo, ainda, aoreconhecer como direito fundamental “afastar toda forma de negligência, discriminação, exploração,violência, crueldade e opressão contra criança e adolescente”. A legislação civil garante àquele quenão detenha a guarda do filho, possa visitá-lo e tê-lo em sua companhia (art. 1.589 CC).

Há que se ter em mente, no entanto, que o exercício do poder familiar não se altera com aseparação, o divórcio ou a dissolução da união estável dos pais (artigo 1.632, do CC). O que ocorre,na maioria dos casos é a regulamentação de convivência, que apesar de representar uma diminuiçãono convívio entre um dos genitores, não pode restringir os direitos e deveres inerentes ao poderfamiliar.

A vulnerabilidade dos filhos deve ser atendida no intuito de protegê-los. Afastada a ideia de umdireito potestativo, o poder familiar representa, antes de tudo, um conjunto de responsabilidades, semafastar os direitos pertinentes. Assim é que, atender o melhor interesse dos filhos está muito além dosditames legais quanto ao estrito exercício do poder familiar.

A possibilidade de compartilhamento da guarda com terceiros apresenta-se como alternativa deacolhimento, ao refletir a cooperação, a continuidade e solidariedade entre aqueles que buscam aproteção da criança.

Ademais, compartilhar significa tomar decisões conjuntas e, para isso, ambos os genitoresprecisam manter diálogo constante, o que jamais será possível se não forem superados mágoas eressentimentos que possam vir a se confundir com a relação paternal. Evitar expor os filhos aosconflitos continuados entre os pais é o maior desafio.

Indiscutivelmente, o pleno exercício da guarda compartilhada se dá por meio do constantediálogo entre aqueles que a detêm. Contudo, o diálogo não é mais um pressuposto para aimplementação da guarda compartilhada, que tem como escopo principal garantir a ambos os paisuma participação equânime na vida dos filhos, ainda que o litígio perdure na relação do ex-casal. Seo pai e a mãe têm plenas condições de cumprir com os deveres decorrentes do poder familiar, nãopodem suas divergências pessoais se sobreporem ao exercício da autoridade parental plena por

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ambos. Nesse sentido, vale citar Rolf Madaleno: “tem por objetivo dar continuidade ao exercíciorecíproco da autoridade parental, e não para servir como fomento aos nefastos mecanismos jápresentes de patológica hostilidade, onde imperam as graves desavenças do casal, causa da ruptura ede seu insepulto desafeto”.29

A implementação da mediação no âmbito das ações de família, sobretudo com as inovações doCódigo de Processo Civil de 2015, busca dar efetividade ao modelo da guarda compartilhada, pormeio da transformação do conflito intersubjetivo entre as partes, que, na maior parte das vezes, asimpede de exercer o poder familiar de forma equilibrada e saudável.30

Deve-se buscar uma forma de convívio que, de fato, atenda a convivência familiar harmônica,respeitando-se, as atividades escolares dos filhos e a rotina de trabalho dos pais que devem envidaresforços para garantir uma convivência familiar tranqüila e desenvolvimento saudável, tendo o“cuidado” como preceito norteador da relação familiar.

O cuidado como denominador comum nesta convivência, deve abranger os ensinamentos deLeonardo Boff ao identificá-lo como “uma atitude de ocupação, preocupação, responsabilização eenvolvimento com o outro; entra na natureza e na constituição do ser humano. O modo de ser cuidadorevela de maneira concreta como é o ser humano. Sem cuidado ele deixa de ser humano. Se nãoreceber cuidado desde o nascimento até a morte, o ser humano desestrutura-se, definha, perde sentidoe morre. Se, ao largo da vida, não fizer com cuidado tudo o que empreender, acabará por prejudicara si mesmo por destruir o que estiver à sua volta. Por isso o cuidado deve ser entendido na linha daessência humana”.31

REFERÊNCIAS

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1990). Rio de Janeiro: Campus, 1992.BOFF, Leonardo. Justiça e cuidado: opostos ou complementares? O cuidado como valor jurídico.

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DJe 30.09.2016). Ver, ainda: STJ, 3ª Turma, REsp 1.642.311/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02.02.2017, DJe 10.02.2017.Ana Carolina Brochado Teixeira. Família, guarda e autoridade parental. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 110-111.Enunciado 607, VII Jornada de Direito Civil – CJF: “A guarda compartilhada não implica ausência de pagamento de pensãoalimentícia”.Enunciado 605, VII Jornada de Direito Civil – CJF: “A guarda compartilhada não exclui a fixação do regime de convivência”.Enunciado 603 da VII Jornada de Direito Civil – CJF: “A distribuição do tempo de convívio na guarda compartilhada deve atenderprecipuamente ao melhor interesse dos filhos, não devendo a divisão de forma equilibrada, a que alude o § 2º do art. 1.583 do CódigoCivil, representar convivência livre ou, ao contrário, repartição de tempo matematicamente igualitária entre os pais”.Esse mesmo juiz, em 2005, na mesma linha da decisão anterior, concedeu à tia a guarda compartilhada de uma criança de 6 anosjuntamente com a genitora, esta solteira, sem estudo e sem qualquer qualificação profissional para se inserir no mercado de trabalho.Tratava-se de família pobre, do interior do Estado da Paraíba, tendo o pai biológico da menor se eximido de qualquer responsabilidadequanto à paternidade. Preocupada em proteger a criança e proporcionar-lhe um adequado convênio médico, colocou-a como suadependente junto ao plano de saúde de seu empregador, valendo frisar que seus ganhos importavam em cerca de R$ 400,00.Acrescentou, finalmente, a ilustrada decisão: “ao Juiz não é dado pôr-se atrás de um biombo para fechar os olhos à realidadepalpitante, quando não chocante, que reina nos lares paupérrimos, esse lado sensível da solidariedade dos iguais, crianças sempaternidade assumida e condenadas ao desamparo, desinfluentes às razões dos adultos, deixando ao oblívio a alta obstinação socialda lei no campo da proteção previdencial-familiar” (Processo nº 2001.001.058544-9).Sergio de Magalhães Filho e Ana Maria Junqueira de Azevedo. Guarda compartilhada entre mãe e tio do menor. Revista Brasileirade Direito das Famílias e Sucessões, n. 04. Porto Alegre: Magister, p. 51/52, 2008.Sergio de Magalhães Filho e Ana Maria Junqueira de Azevedo, ob. cit., p. 61/62.STJ, 4ª Turma, REsp 1.147.138/SP, Min. Aldir Passarinho Júnior, j. 11.05.2010, DJe 27.05.2010.Luiz Edson Fachin. Elementos críticos do direito de família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, Título IV, nº 1.7 e nota 21, p. 222.Daniel B. Griffith apud Tânia da Silva Pereira. O melhor interesse da criança. O melhor interesse da criança: um debateinterdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 3.Ana Carolina Brochado Teixeira. Família, guarda e autoridade parental. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 109.Giselle Câmara Groeninga. Guarda compartilhada: a tutela do poder familiar. In: Tânia da Silva Pereira e Rodrigo da Cunha Pereira(coord.). A ética da convivência: sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 111.Martha Santos Pais. Le meiller intérêt de l’enfant. In: Tânia da Silva Pereira (coord.). O melhor interesse da criança: uma propostainterdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 545.Emílio Garcia Mendez e Beloff. Infancia, ley y Democracia. Buenos Aires: Depalma, 1998, p. 81.Vera Regina Waldow. O cuidado na saúde: as relações entre o eu, o outro e o cosmos . Petrópolis: Vozes, 2005, p. 25/26.Waldow (ob. cit., p. 28) busca em Roach (1993) a definição do comprometimento: “uma resposta afetiva complexa caracterizadapor uma convergência entre os nossos desejos e nossas obrigações e por uma escolha deliberada para agir de acordo com eles”.M. Mayeroff apud Vera Regina Waldow, ob. cit. pp. 21/22.Leonardo Boff. Justiça e cuidado: opostos ou complementares? O cuidado como valor jurídico. In: Tânia da Silva Pereira eGuilherme de Oliveira (coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 07/08.Eliana Riberti Nazareth. Guarda ou responsabilidade de visitas ou direito à convivência? O não dito. In: Tânia da Silva Pereira eRodrigo da Cunha Pereira (coord.). A ética da convivência: sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense,2006, p. 211.A Constituição Federal reconhece como direito fundamental da criança e do adolescente “colocá-los a salvo de toda forma denegligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” o que foi reiterado no art. 5º da Lei 8.069/90.Esse entendimento foi manifestado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao julgar Agravo de Instrumento que apreciava asuspensão do poder familiar, destacando que: 1- “provada a negligência e a falta de cuidado dos genitores para com os filhos, restaconfigurada uma situação de risco, que justifica a suspensão do poder familiar. 2- A finalidade da suspensão é permitir que osgenitores tenham condições de se reestruturar a fim de dar aos filhos, crianças e adolescentes, condições de se desenvolverem deforma saudável e possam ter uma vida com um mínimo de dignidade” (TJRS, Sétima Câmara Cível, Rel. Sérgio Fernando deVasconcellos Chaves, AI n. 70019363878 (origem Comarca de Camapuã), julgado em 27.06.2007.Rolf Madaleno. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 358/359.

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Estabelece o art. 694 do novo CPC que, “nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual dacontrovérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação”.Leonardo Boff. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 34.

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A LEI DA GUARDA COMPARTILHADA: UMA BREVE VISÃOPSICANALÍTICA1

TELMA KUTNIKAS WEISS

A guarda compartilhada que era uma opção, agora se torna norma.Em dezembro de 2014, a Presidente Dilma Rouseff sancionou o projeto aprovado pelo

Congresso que torna a guarda compartilhada regra no Brasil.O pressuposto dessa lei é permitir aos pais separados assumirem juntos as tarefas e desafios na

criação dos filhos. Responsabilidades como despesas relativas à educação, saúde, viagens etc. Éuma lei que trata dos deveres e direitos, deixando o desafio da criação das crianças e adolescentessobre a responsabilidade dos pais, e não de um só cônjuge.

A nova norma é uma mudança de perspectiva importante: oferecer um instrumental, agoraoficial, para se pensar em um acordo de cooperação na educação dos filhos: fomentar o diálogo parauma posição mais responsável do ex-casal em relação aos jovens. A guarda compartilhada é aoficialização da importância do lugar do poder paterno e da preservação do lugar materno. Cadaqual exercendo sua função, organiza a família, organiza o viver.

O que acontece na maioria dos casos é a guarda ficar com a mãe, e o pai fica mais afastado doconvívio dos filhos. Alguns pais não se incomodam com esse modelo, pois realmente querem partirpara um outro desafio, muitas vezes deixando os filhos em segundo plano. É triste, mas é real. Hácasos em que o pai gostaria de participar mais da educação e do dia a dia do filho, mas não sabecomo. Claro que, algumas vezes, a mãe pode dificultar.

E há casos de pais que realmente lutam pelos seus filhos e por preservar seu papel de pai.Certamente, a nova lei é um estímulo ao diálogo para se evitar um mal maior, como a alienação

parental: um dos pais, geralmente o que se sente abandonado por aquele que tomou a decisão de pôrfim à relação conjugal, passa a manipular os filhos para que se afastem do que “abandonou” o lar.

Entretanto, será que o legislador conseguirá mudar os costumes? Será que é possível mudar aspráticas do viver com uma nova norma?

O articulista Hélio Schwartsman, em um editorial da Folha de São Paulo em 14/01/2015,lembrou um bom ensinamento de Savigny, um dos maiores juristas alemães do século XIX: “não é avontade arbitrária do legislador que altera os costumes. Se queremos fazê-lo, melhor tentar aescola”.

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Guarda compartilhada não significa morar metade do tempo com a mãe e outra metade com opai. Significa, principalmente, o pai participar da educação dos seus filhos, trazendo mais equilíbrionas funções materna e paterna. Pai e mãe são oficialmente os responsáveis pela educação dascrianças.

Os pais que conseguem acordar valores fundamentais para a criação dos seus filhos iluminam opercurso das crianças e dos adolescentes, deixando a dor da separação em um plano de menorimportância.

Contudo, com o fim do casamento, todos os envolvidos, pai, mãe e filhos, estão sofrendo. Ecada um vai reagir à sua maneira, porque além das características individuais, cada família é única epossui sua própria dinâmica.

Um novo e trabalhoso arranjo terá que começar a ser construído.Essa nova construção será um desafio bem exigente, já que todos os envolvidos estão bem

frustrados pelo fim da união do casal. E cada um terá uma reação.Os filhos de pais separados que percebem que seus pais conversam, que se respeitam, têm

maior possibilidade de elaborar o trauma da separação.O que significa elaborar o trauma?Freud (1914)2, em seu clássico e genial artigo “Recordar, Repetir e Elaborar”, nos fala dos

embates da mente às voltas com o trauma, por não poder recordar o que se passou, do esforço paratentar não lembrar, enquanto a possibilidade de elaboração é representada pela inserção da históriana cadeia psíquica… esta elaboração das resistências pode, na prática, revelar-se uma tarefa árduapara o sujeito da análise e uma prova de paciência para o analista” (p. 202).

A elaboração é a oportunidade de ligar fatos que estavam desligados e, assim, efetuar avançosno mundo psíquico do sujeito.

O importante do recordar é a possibilidade de dar um outro destino à recordação, criar umanarrativa. Quando não pode recorrer à história, o sujeito não tem o instrumento do pensamento: viveexperiências concretas, e assim seu destino transforma-se em uma eterna repetição.

Com um ambiente mais respeitoso, mais harmonioso, as crianças, os adolescentes e os paisconseguem ter mais possibilidades de digerir a frustração do fim do casamento, um assunto que é daordem do trauma para toda a família: Para os filhos, é uma tristeza notar que seus pais não são maisum casal, e para o casal a frustração com o fim da união. É o fim de um sonho. É a interrupção de umprojeto de vida.

Importante salientar que mesmo o cônjuge que pede a separação também está se sentindo muitotriste. Junto com o casamento, há a família maior que está se rompendo como sogros, cunhados,amigos comuns, e os bens, que agora terão que ser divididos.

É uma construção que agora terá que ser redefinida, terá que ser pensada para ser administrada

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de outra maneira.Para a psicanálise, quando o sujeito consegue elaborar, digerir fatos difíceis, cria-se a

possibilidade de compreender o ocorrido. É importante ressaltar que elaborar fatos é da ordem dasemoções, a moral e os “bons costumes” ficam na direção oposta. No mundo emocional, a nossamente tenta colocar a história em um encadeamento psíquico, para poder fazer uma narrativa. Umanarrativa que não envolve julgamentos, mas sim, compreensão das questões humanas.

Quando a elaboração não é possível, quando o trauma paralisa a possibilidade de pensar emperspectiva, em refletir, para o sujeito só existe a chance de repetir essa triste história. Ou seja, paraFreud, ou o sujeito digere, pensa nos fatos ocorridos e revê sua própria experiência ou, sem eleperceber, ele vai repetir esses fatos, pois é a maneira do inconsciente lidar com a experiênciadolorosa.

Um caso de sucesso é quando a família consegue compreender as razões envolvidas na suaprópria história, perceber que são pessoas, e que, como seres humanos, todos temos nossasdificuldades, nossas limitações.

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Sendo uma modalidade mais evoluída de acordo para separações, a guarda compartilhadarequer certo grau de responsabilidade de ambos os pais. Mais ainda, exige amadurecimentoemocional, assim como pensamento e muita reflexão.

Assim, para que seja efetiva a decisão de compartilhar a responsabilidade dos filhos, éfundamental que os pais consigam deixar de lado mágoas do casamento, o que sabemos, é um desafiobem difícil.

E por que é um desafio bem difícil?Porque a frustração com a separação pode acender dores antigas, traumas passados. A prática

clínica mostra claramente que o mundo emocional, as histórias de cada um, é um mundo muitoparticular: todas as pessoas têm suas dificuldades e todas as pessoas foram criadas em ambientesbem diversos: uns mais amorosos, outros menos amorosos; uns mais agressivos, outros menosagressivos.

E o ambiente amoroso traz mais condições: uma personalidade formada em um ambiente maiscompreensivo tem mais chances de lidar melhor com os desafios da vida. A pessoa tem mais“estofo”, e assim mais possibilidades de enfrentar as intempéries da vida.

Logo, alguns terão mais, outros terão menos facilidade para enfrentar os desafios de umaseparação.

A personalidade da pessoa, com toda sua história, aparecerá na hora de se enfrentar umdivórcio. Logo, não existe ser rico/pobre, culto/inculto. Não existe classe social.

Dores da alma atingem a todos igualmente, e cada um vai reagir de acordo com sua própriatolerância à dor, à frustração.

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Então, o que fazer quando o casal não consegue se entender? Será que a responsabilidade de serpai e mãe tem que ser convocada legalmente?

A prática clínica mostra que é muito difícil legislar sobre os afetos; que a decisão da guardanão resolve a questão da dor da separação.

Acompanho vários casos. Lembro-me de um em particular, em que o juiz acordou a guardacompartilhada, mas o casal não conseguiu nenhum tipo de entendimento, nem um endereço de e-mailpara combinados básicos.

A frustração com o fim do casamento é uma ferida que muitas vezes demora muito paracicatrizar. É uma dor narcísica.

E essa dor não tratada, não cuidada, pode facilmente se transformar em ódio, em vingança.Infelizmente, esse é o cenário da vida real.Lembro-me muitas vezes da sensação de me sentir “toureando” pacientes: a dor, o ódio era

tanto, que conseguir colocar alguma perspectiva no caso, conseguir provocar algum questionamento,era bem difícil. Mas, essa é a única opção, conversar.

A conversa é a única saída para promover a reflexão, o pensamento. E essa conversa tem queser com profissionais capacitados a lidar com esse desafio.

A vizinha, o amigo, os familiares, vão ser passionais, e facilmente se deixarão levar pelo pontode vista da pessoa que estão ouvindo e muitas vezes até estimular tomar medidas impulsivas.Realmente, um cenário bastante perigoso.

Lembro-me também de um caso que a mãe tinha tanto ódio do ex-marido que a sua mãe (a avó)foi mentora de várias situações em que os filhos deixaram de ver o pai por muitos meses.

Para que o ex-casal consiga construir um diálogo embasado no que é desejado – o bem-estardos seus filhos –, sugiro serem acompanhados por um profissional: um mediador, um psicólogo ouum psicanalista.

Esses profissionais estão preparados tanto para acolher o paciente quanto para ajudá-lo acompreender e entender melhor sua própria história.

O desafio do profissional é ajudar os pacientes a abrirem suas mentes e inaugurarem uma novamaneira de pensar. Com outra perspectiva, o ex-casal tem espaço para a conversa e para o diálogo eassim, mais chances de perceber o que eles terão em comum agora: o desafio de educar e orientarseus filhos da melhor maneira possível.

Bion, um grande psicanalista britânico, nos chamou a atenção para a importância de “pensarmosnossos pensamentos”. E para pensarmos nossos pensamentos precisaríamos de um “aparelho” parapensar, ou seja, uma condição para poder pensar. Sua tese é que o “não pensar” pode estarrelacionado com o desenvolvimento das psicopatologias. Ele nos alerta que o colapso no

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desenvolvimento do aparelho para “pensar” pode estar relacionado a sérios problemas emocionais.3

Se o ex-casal ficar “preso” na decepção do casamento, ele não conseguirá enxergar aresponsabilidade que tem pela frente. E a educação e a orientação de seus filhos ficarão prejudicada.Assim como seu mundo emocional.

Pais que conseguem conversar tem mais chances de notar que uma coisa é o final da união eoutra coisa é a responsabilidade que ambos têm para com os filhos.

Essa conquista é uma condição fundamental para os pais compreenderem a importância que elestêm para seus filhos. E essa é a grande possibilidade para os jovens terem uma sensação de maisconfiança e segurança.

Uma base emocional que gera uma melhor condição, um melhor instrumental para enfrentar avida e os seus desafios.

O contrário, o não pensamento, a não reflexão, abre um perigoso caminho de atuação, que é aação impulsiva, a ação que vem sem ponderação, sem conversa. E aí, nesse campo da atuação é que“mora” o perigo. Daí que poderá vir mais ódio, mais dor, e mais frustração. Mais sofrimento.

Logo, ter um espaço profissional, com privacidade e confiança – principalmente nos diascorridos e rápidos de nossa época –, é fundamental para a pessoa poder pensar antes de agir. É achance de construir possibilidades criativas para lidar com a questão da separação em todas as suasdimensões.

Assim estaremos, de fato, ajudando essa família a se reorganizar, pensando no bem-estar detodos.

Agradeço ao Dr. Mário Luiz Delgado pelo convite para escrever esse artigo e a Dra. Giselle Câmara Groeninga pelo estímulo acolaborar com o debate interdisciplinar entre psicanálise e direito de família.FREUD, Sigmund. (1914) Recordar, repetir e elaborar. E.S.B. Rio de Janeiro: Imago, 1969.BION, W. R. Estudos psicanalíticos revisados – Seconds Thoughts. Rio de Janeiro: Imago, 1994.