grupo em uma unidade basica de saude

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23 Revista da Abordagem Gestáltica – XVII(1): 23-29, jan-jun, 2011 A r t i g o CLÍNICA GESTÁLTICA INFANTIL E INTEGRALIDADE EM UMA UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE Gestalt Clinic for Children and Attention to Basic Health Integrality Clínica Gestáltica Infantil e Integralidad en la Atención Básica de la Salud BRUNA GONÇALVES CAMPOS TATIANA BRUNO DE T OLEDO NILTON JÚLIO DE F ARIA Resumo: O artigo consta de um relato de experiência com grupo de crianças em uma Unidade Básica de Saúde de Campinas-SP. As atividades tiveram como referência teórico-metodológica a Gestalt-terapia e produções teóricas acerca da saúde pública. Con- siderando-se a grande demanda de atendimento de crianças advindas das escolas e famílias, deu-se preferência por atenção em grupo, visando contemplar a concepção de saúde proposta pelo Sistema Único de Saúde; desta forma, a prática incluiu o manejo de atividades lúdicas e o exercício da clínica ampliada. As atividades lúdicas facilitam o acesso à compreensão dos significados atribuídos às vivências, visto que permitem à criança experimentar e reproduzir situações cotidianas em um ambiente que lhe possibilite o exercício de ajustamentos criativos. Ressalta-se a importância deste procedimento para que ocorra a presentificação dos sentimentos e a ampliação de awareness. A clínica ampliada possibilitou uma compreensão mais abrangente da realidade vivida pela criança, e de como ela contribui para a constituição da subjetividade. Desta forma, são apresentados elementos im- portantes para que o processo terapêutico com crianças ocorra visando à integralidade da atenção à saúde. Palavras-chave: Saúde Pública; Integralidade; Psicoterapia Infantil; Gestalt-terapia; Atenção Básica em Saúde. Abstract: The article is about the experience of a group of children in a basic health care general practice in Campinas-SP. The activities had as theoretical-methodological reference the gestalt-therapy and theoretical production around the public health. Considering the vast request for treatment from the schools and families, it was given preference to work in groups in order to look on the health conception proposed by the public health policy; so the engagement includes handling playful activities and the exercise of the expanded general practice. Playful activities facilitate the access to comprehension of the assigned mean- ings to their ways of living life, in order to allow children to try and reproduce daily routine situations in a helpful environ- ment which enables creative adjustment exercises. The importance of this procedure is highlighted so that the presentification of the feelings and the expansion of awareness occur. The expanded clinic made possible a more broad comprehension of the children reality and how it contributed to the constitution of the subjectivity. Thus, important elements are presented so that the therapeutic process with children happens focusing on the attention to health integrality. Keywords: Public Health; Integrality; Children’s Psychotherapy, Gestalt therapy, Health Basic Attention. Resumen: El artigo se trata de un relato de experiencia con un grupo de niños en una unidad de atención básica de salud en Campinas-SP. Las actividades tuvieron como referencia teórica-metodológica la Gestalt-terapia y producciones teóricas sobre la salud pública. Tomando en consideración la gran demanda de asistencia de niños provenientes de escuelas y familias, se dio la preferencia por atención en grupo, con la visión de contemplar la concepción de salud propuesta por la política de salud públi- ca; así la práctica incluyó el manejo de actividades lucidas y el ejercicio de clínica ampliada. Las actividades lucidas facilitan el acceso a comprensión de los significados atribuidos a las vivencias, ya que permiten al niño experimentar y reproducir situacio- nes cotidianas en un ambiente que le permite el ejercicio de ajustes creativos. Se resalta la importancia de este procedimiento para que ocurra la presentificación de los sentimientos y la ampliación del awareness. La clínica ampliada permitió una com- prensión más grande de la realidad vivida por el niño, y de como él contribuye para la constitución de la subjetividad. Así, son presentados elementos importantes que el proceso terapéutico con niños ocurra visando la integración de atención a la salud. Palabras-clave: Salud Publica; Integralidad; Psicoterapia Infantil; Terapia gestalt; Atención Básica de Salud. Introdução O presente artigo consta de um relato de experiência com grupo de crianças no contexto da saúde pública, em uma Unidade Básica de Saúde na cidade de Campinas (São Paulo, Brasil). O tema que será discutido surgiu a partir da identificação da necessidade de maior emba- samento bibliográfico na área de atuação com crianças, principalmente no que se refere ao atendimento em grupo de crianças em Unidades Básicas de Saúde, tendo como referencial teórico a abordagem gestáltica. O atendimento baseado nesta abordagem valoriza o constante vir-a-ser no aqui-e-agora do setting terapêutico, onde é possível lidar com os fenômenos que se apresen-

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  • Clnica Gestltica Infantil e Integralidade em uma Unidade Bsica de Sade

    23 Revista da Abordagem Gestltica XVII(1): 23-29, jan-jun, 2011

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    clnica gestltica inFantil e integralidade em uma unidade Bsica de sade

    Gestalt Clinic for Children and Attention to Basic Health Integrality

    Clnica Gestltica Infantil e Integralidad en la Atencin Bsica de la Salud

    Bruna GonalVes CamPos

    tatiana Bruno de toledo

    nilton Jlio de Faria

    Resumo: O artigo consta de um relato de experincia com grupo de crianas em uma Unidade Bsica de Sade de Campinas-SP. As atividades tiveram como referncia terico-metodolgica a Gestalt-terapia e produes tericas acerca da sade pblica. Con-siderando-se a grande demanda de atendimento de crianas advindas das escolas e famlias, deu-se preferncia por ateno em grupo, visando contemplar a concepo de sade proposta pelo Sistema nico de Sade; desta forma, a prtica incluiu o manejo de atividades ldicas e o exerccio da clnica ampliada. As atividades ldicas facilitam o acesso compreenso dos significados atribudos s vivncias, visto que permitem criana experimentar e reproduzir situaes cotidianas em um ambiente que lhe possibilite o exerccio de ajustamentos criativos. Ressalta-se a importncia deste procedimento para que ocorra a presentificao dos sentimentos e a ampliao de awareness. A clnica ampliada possibilitou uma compreenso mais abrangente da realidade vivida pela criana, e de como ela contribui para a constituio da subjetividade. Desta forma, so apresentados elementos im-portantes para que o processo teraputico com crianas ocorra visando integralidade da ateno sade.Palavras-chave: Sade Pblica; Integralidade; Psicoterapia Infantil; Gestalt-terapia; Ateno Bsica em Sade.

    Abstract: The article is about the experience of a group of children in a basic health care general practice in Campinas-SP. The activities had as theoretical-methodological reference the gestalt-therapy and theoretical production around the public health. Considering the vast request for treatment from the schools and families, it was given preference to work in groups in order to look on the health conception proposed by the public health policy; so the engagement includes handling playful activities and the exercise of the expanded general practice. Playful activities facilitate the access to comprehension of the assigned mean-ings to their ways of living life, in order to allow children to try and reproduce daily routine situations in a helpful environ-ment which enables creative adjustment exercises. The importance of this procedure is highlighted so that the presentification of the feelings and the expansion of awareness occur. The expanded clinic made possible a more broad comprehension of the children reality and how it contributed to the constitution of the subjectivity. Thus, important elements are presented so that the therapeutic process with children happens focusing on the attention to health integrality. Keywords: Public Health; Integrality; Childrens Psychotherapy, Gestalt therapy, Health Basic Attention.

    Resumen: El artigo se trata de un relato de experiencia con un grupo de nios en una unidad de atencin bsica de salud en Campinas-SP. Las actividades tuvieron como referencia terica-metodolgica la Gestalt-terapia y producciones tericas sobre la salud pblica. Tomando en consideracin la gran demanda de asistencia de nios provenientes de escuelas y familias, se dio la preferencia por atencin en grupo, con la visin de contemplar la concepcin de salud propuesta por la poltica de salud pbli-ca; as la prctica incluy el manejo de actividades lucidas y el ejercicio de clnica ampliada. Las actividades lucidas facilitan el acceso a comprensin de los significados atribuidos a las vivencias, ya que permiten al nio experimentar y reproducir situacio-nes cotidianas en un ambiente que le permite el ejercicio de ajustes creativos. Se resalta la importancia de este procedimiento para que ocurra la presentificacin de los sentimientos y la ampliacin del awareness. La clnica ampliada permiti una com-prensin ms grande de la realidad vivida por el nio, y de como l contribuye para la constitucin de la subjetividad. As, son presentados elementos importantes que el proceso teraputico con nios ocurra visando la integracin de atencin a la salud.Palabras-clave: Salud Publica; Integralidad; Psicoterapia Infantil; Terapia gestalt; Atencin Bsica de Salud.

    introduo

    O presente artigo consta de um relato de experincia com grupo de crianas no contexto da sade pblica, em uma Unidade Bsica de Sade na cidade de Campinas (So Paulo, Brasil). O tema que ser discutido surgiu a partir da identificao da necessidade de maior emba-

    samento bibliogrfico na rea de atuao com crianas, principalmente no que se refere ao atendimento em grupo de crianas em Unidades Bsicas de Sade, tendo como referencial terico a abordagem gestltica.

    O atendimento baseado nesta abordagem valoriza o constante vir-a-ser no aqui-e-agora do setting teraputico, onde possvel lidar com os fenmenos que se apresen-

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    tam. No entanto, pouco h publicado sobre estes princ-pios e suas relaes com a concepo de sade proposta pelo Sistema nico de Sade. Com a inteno de aproxi-mar-se da realidade infantil, utilizam-se mtodos ldi-cos que favorecem a expresso de sentimentos, fantasias e vivncias de situaes cotidianas. Isso permite a am-pliao de awareness da criana e, assim, o reconheci-mento de novas possibilidades de escolha, favorecendo o ajustamento criativo.

    Ressalta-se a importncia da viso holstica do ser hu-mano, atendendo aos princpios da Gestalt-terapia e do Sistema nico de Sade, concomitantemente. Com isso, buscou-se uma atuao que valoriza a integralidade do indivduo atravs de aes que extrapolam os limites da clnica tradicional.

    1. sistema nico de sade e integralidade da ateno

    O modelo de sade baseado na viso biomdica, em que se tem como foco a cura da doena, define a sade como sendo a ausncia de sintomas. Esta prtica no considera o indivduo em sua integridade, pois no tem em vista a dimenso da subjetividade do sofrimento. A desvinculao deste conceito tem sido a grande bus-ca do Sistema nico de Sade (SUS), de acordo com os seus princpios. A proposta deste servio recente, mas j trouxe diversas mudanas em direo integralidade do cuidado, igualdade do acesso sade e multidiscipli-naridade no trabalho. Seus princpios valorizam a pre-veno e promoo da sade, com o objetivo de propiciar uma melhor qualidade de vida da populao.

    A partir da Constituio de 1988, estabeleceram-se como fatores de grande influncia na sade: o meio fsi-co (condies geogrficas, sanitrias, alimentao, habi-tao, etc.); o meio socioeconmico, a cultura e os fatores biolgicos. Tambm se determinou o direito de todos os cidados ao acesso aos servios que visem promoo, proteo e recuperao da sade, sendo o poder pblico o responsvel por prov-los populao. Por fim, decre-tou-se o Sistema nico de Sade (SUS), de carter p-blico, formado por uma rede de servios regionalizada, hierarquizada e descentralizada, com direo nica em cada esfera de governo, e sob controle dos seus usurios (Ministrio da Sade / Secretaria Nacional de Assistncia Sade, 1990, p. 4).

    O conjunto de servios oferecidos pelo SUS, assim, atua para um fim comum proteo, promoo e recu-perao da sade e parte dos seguintes princpios dou-trinrios: universalidade, ou seja, a garantia de ateno sade a todo e qualquer cidado; equidade, o atendimen-to de acordo com a necessidade que cada caso requeira; integralidade, o reconhecimento da totalidade: do indi-vduo integrante de uma comunidade; das aes de pro-moo, proteo e recuperao da sade, e tambm, das

    unidades prestadoras de servios (Ministrio da Sade / Secretaria Nacional de Assistncia Sade, 1990).

    A organizao do SUS regida pelos seguintes prin-cpios: regionalizao e hierarquizao, em que os ser-vios devem ser organizados em nveis de complexidade tecnolgica, dispostos numa rea geogrfica delimitada e com a definio da populao a ser atendida. Devem ser possveis a uma determinada populao todas as moda-lidades de assistncia. A resolubilidade trata da capaci-dade de resoluo com eficcia da demanda. A descen-tralizao a redistribuio de responsabilidade entre as esferas de Governo, sendo o municpio o principal en-carregado pelas aes em sade de seu territrio. E, por fim, o princpio do controle social visa participao da comunidade nas decises e formulaes de polticas relacionadas ao tema.

    Para a realizao desta nova perspectiva, o Sistema nico de Sade (SUS) buscou as seguintes propostas de auxlio: a Estratgia da Ateno primria sade (APS)/Ateno Bsica (AB) e o Programa de Sade da Famlia (PSF).

    A Ateno Bsica Sade deve atender a um territrio delimitado, e funcionar como a porta de entrada para o atendimento com resolubilidade s principais necessida-des primrias da populao. As demandas em sade que precisam de servios que envolvam maior complexidade tecnolgica devem ser referenciadas a outros setores de sade. A integralidade do servio realizada a partir de um trabalho interdisciplinar, entre profissionais, e in-tersetorial, com medidas sanitrias, educacionais, entre outras, de acordo com as peculiaridades da populao abrangida (Tanaka & Ribeiro, 2009).

    A Estratgia de Sade da Famlia foi regulamenta-da em 1994 pelo Ministrio da Sade, com o objetivo de aperfeioar e humanizar a assistncia bsica no Brasil. Foca-se no trabalho em conjunto com usurios, fam-lias e comunidade (Ministrio da Sade / Secretaria de Ateno Sade / Departamento de Ateno Bsica, 2006). Atravs da relao de corresponsabilidade da equipe de sade com a populao, cria-se um vnculo de compromisso com os usurios do servio (Ministrio da Sade. Braslia / Ministrio da Sade / Secretaria de Ateno Sade, 1997).

    A articulao entre a sade mental e a ateno bsica ocorreu apenas a partir de 2001, com documentos desen-volvidos pela Coordenao Geral de Sade Mental, que teve como principal diretriz o apoio matricial de sade mental s equipes de PSF. Porm, apenas no ano de 2007 foi apro-vada a incluso da sade mental como prioridade no Pacto pela Vida (Ministrio da Sade / Secretaria de Ateno Sade / Departamento de Ateno Bsica, 2006).

    O apoio matricial (equipe de apoio), de acordo com Figueiredo & Campos (2009), um suporte tcnico espe-cializado que ofertado a uma equipe interdisciplinar de sade a fim de ampliar seu campo de atuao e qualificar suas aes (p.130). Quando realizado por profissionais

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    da rea de Sade Mental, estes podem contribuir para uma ateno ampliada em sade que contemple a tota-lidade da vida dos sujeitos (p.130). Assim, possvel a compreenso dos determinantes objetivos na constitui-o do binmio sade/doena, bem como a distino de sofrimentos psquicos individuais e sociais cotidianos, que podem ser acolhidos pela equipe, daqueles que ne-cessitam de uma ateno especializada.

    Verifica-se que o ideal do SUS est distante da reali-dade socioeconmica e histrico-cultural do pas. H um longo caminho a ser percorrido, e para isso necessrio que haja investimentos direcionados ao aprimoramento da sade pblica. importante ainda destacar a necessi-dade de transformar teoria em prtica nos servios atu-ais relacionados sade no pas, desenvolvendo prticas menos fragmentadas, em conjunto com uma maior inte-grao e conscientizao dos profissionais, para buscar promover sade e estimular a autonomia dos usurios.

    Pode-se perceber que a nova forma de compreender a sade tem como base o indivduo e sua totalidade o que nos remete aos princpios da Gestalt-terapia e sua viso holstica do ser humano, buscando a superao do mode-lo biomdico. Este modelo tradicional trata o indivduo analisando-o em partes, em detrimento do todo, ou seja, fazem-se diagnsticos imprecisos baseados em um estu-do fragmentado do fenmeno. Neste contexto, o indiv-duo acaba se transformando em sintoma, e o trabalho de sade permanece com seu foco centrado em tcnicas que buscam apenas a preveno e cura, e no a promoo sade, desconsiderando as dimenses objetivas e sub-jetivas na constituio do sofrimento psquico.

    A promoo sade um incentivo ao crescimento, ampliao da conscincia e autonomia do indivduo que, assim como proposto na Gestalt-Terapia, facilita-ria o desenvolvimento do autoapoio e autorregulao do indivduo e da comunidade, necessitando de menores aes remediativas.

    2. gestalt-terapia e sade

    A Gestalt-terapia uma abordagem que valoriza o existir, o ser no mundo, a espontaneidade e autenticida-de do indivduo. Atravs de sua viso de homem, pos-sibilita ao terapeuta enxerg-lo em sua singularidade e totalidade a partir da relao que se estabelece no aqui-agora. Acredita-se nas potencialidades e capacidade de movimento do ser humano.

    Concebe-se o homem como um ser de liberdade, com possibilidades e escolhas, sendo assim livre de determi-naes diretas. O homem um ser no mundo que age ati-vamente sobre ele, ao mesmo tempo em que recebe influ-ncias em uma relao recproca; sendo assim, indivduo e mundo se constituem. Trabalha-se com a ideia de que o ser humano responsvel pelo que acontece consigo, por isso necessrio que se desenvolva o autoapoio. Isso

    possvel por meio da ampliao de awareness, o que possibilita a compreenso e utilizao de recursos pr-prios para lidar com as circunstncias dirias, facilitan-do a ascenso da autonomia.

    A metodologia utilizada a fenomenolgica, que es-tuda como os fenmenos se manifestam na conscincia, como estes realmente se apresentam no momento, dei-xando entre parnteses pr-conceitos, teorias, hipteses e valores. Estes princpios podem ser observados na pro-posio de Benjamin (2004), ao salientar que compreen-der significa nos livrarmos do nosso referencial e ado-tarmos o do outro, assim como ouvir no somente o que est sendo dito, mas tambm sugerido, empaticamente, ou seja, participar do mundo interior do outro, porm preservando a prpria individualidade.

    Utiliza-se de uma abordagem holstica que enxerga o organismo como totalidade e o fenmeno como exis-tente a partir do momento que apreendido. A relao sujeito-objeto de complementaridade, por isso no tem como dissoci-los. Esta impossibilidade de fragmentao rompe com a idia de determinao de um sobre o outro (Juliano, 1999). O princpio bsico o da organizao do todo na significao e percepo do fenmeno, ou seja, o homem no analisa partes isoladas do todo, sendo ele tambm um organismo unificado, no qual vontades, per-cepes, pensamentos, problemas fisiolgicos devem ser verificados como uma totalidade.

    O conceito de sade em Gestalt-Terapia implica a ca-pacidade do indivduo de manter um bom contato con-sigo e com seu contexto, perceber possibilidades de es-colha na sua atuao no mundo, de maneira a respon-sabilizar-se por suas atitudes. A sade um movimento para a vida, um constante vir-a-ser, visando ao equil-brio, ou seja, uma autorregulao satisfatria com o meio (Rodrigues, 2000).

    Segundo Antony (2010), o indivduo saudvel, atra-vs do processo de autorregulao desenvolve-se sendo capaz de estabelecer uma hierarquia de necessidades. Por meio de sua interao com o ambiente age de manei-ra criativa, a fim de satisfaz-las. Para a autora, sade viver experimentando e integrando todas as possveis formas de manifestao do nosso ser. um movimento constante de busca de novidades nutritivas no campo or-ganismo/ambiente (p.81).

    A partir do momento em que essas necessidades no so satisfeitas, os sintomas surgem como tentativas de ajus-tamentos criativos (comportamentos, gestos, pensamen-tos, tenses corporais) para neutralizar a angstia, sinali-zando que uma necessidade importante no est satisfeita e, por consequncia, uma gestalt est aberta. O adoecer representa uma forma de autorregulao que revela uma personalidade que usa recursos psquicos singulares para enfrentar o sofrimento, a dor, a tenso (Antony, 2010).

    Frazo (conforme citada por DAcri, 2007) ressalta que a busca repetitiva pelo fechamento de gestalten inacaba-das, que configuram o sintoma na tentativa de restaurar

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    um equilbrio, compreendida como um ajustamento criativo disfuncional. Segundo Lizias (2010), quando o indivduo permanece com o repertrio limitado e estereo-tipado de comportamentos, limita o surgimento de novas figuras e experincias, o que enrijece sua espontaneidade e no possibilita que haja mudana.

    3. a clnica infantil

    O trabalho com crianas necessita de uma viso am-pla e sistmica por parte do terapeuta. importante, tam-bm, destacar que os comportamentos que constituem as queixas apresentadas, apesar de causarem grande grau de sofrimento para a famlia e/ou para a criana, nada mais so que a tentativa desta de se autorregular.

    A criana atribui um significado ao seu mundo dife-rentemente do adulto. preciso considerar esse aspecto durante o ouvir. Ouvir a criana tentar compreender o significado do que diz, estimulando sua espontaneida-de e tentando evitar que sejam feitas restries impostas pelo referencial do adulto.

    O funcionamento e a dinmica da criana, seu jeito de transmitir ideias, pensamentos, sentimentos e a forma como entra em contato e se relaciona com o meio so os focos de ateno do gestalt-terapeuta, j que este no vai trabalhar com as causas dos sintomas (Antony, 2010). O modo com que a criana vivencia o contato e d sentido aos diversos campos em que est inserida pode ser com-preendido a partir da maneira que ela utiliza seu poten-cial criativo nas sesses psicoterpicas.

    A atitude do psicoterapeuta com crianas deve ser di-vergente daquela utilizada com adultos, j que elas no costumam estabelecer reflexes sobre o tema que julgam sentir necessidade de compreender. De acordo com Lizias (2010), (...) acompanhamos o fluxo de intencionalidades de cada movimento da criana e participamos de seu mundo ldico de cores e formas, aproximando-se de suas intensidades delicadas a cada momento (p. 68).

    Assim, a prtica realizada com o acervo de tcnicas e experimentos em que imprescindvel respeitar o mo-vimento, a espontaneidade e a singularidade da criana, preservando seu potencial de escolha das atividades a se-rem realizadas durante a sesso. Tambm se pode estabe-lecer uma conversa reflexiva com o cliente a respeito do que foi vivenciado. Neste processo, necessrio que haja um bom contato e uma boa relao, propiciados pela pre-sena autntica e segura do terapeuta (Antony, 2010).

    Ribeiro (1994) descreve os experimentos como fer-ramentas vlidas e estimulantes, que auxiliam na com-preenso das profundidades da personalidade, e na am-pliao das fronteiras do self. De acordo com Oaklander (1980), no importa que tcnica especfica seja usada, o bom terapeuta permanece com o processo que evolui junto com a criana. O procedimento ou a tcnica um mero catalisador (p. 219). Os experimentos facilitam a obser-

    vao dos mecanismos de evitao que podem estar sendo utilizados pelo cliente em forma de ajustamentos criati-vos. Dentre esses, ressaltam-se como mais aparentes, as introjees advindas do mundo do adulto e as projees realizadas pelas crianas.

    O trabalho com crianas ocorre na dinmica do con-texto teraputico. Para uma maior compreenso de seu campo vivencial, importante o contato com os pais e, quando necessrio, com a escola Lizias (2010). O contato com a escola, de acordo com Aguiar (2005), apresenta as seguintes finalidades: conhecimento da criana no con-texto escolar a partir da observao do ambiente e coleta de informaes para intervir, fornecendo orientaes aos profissionais envolvidos.

    Deve-se, porm, ressaltar a importncia de lidar com a criana conforme ela se apresenta, e no se apoiar em informaes a priori, que podem ser fornecidas atravs de cartas da escola, testes realizados e relatrios diag-nsticos. Isto permite que se estabelea um contato sem julgamentos e haja a relao com a criana no aqui-agora (Oaklander, 1980).

    s vezes, os pais ou responsveis responsabilizam a criana por um desequilbrio que ocorre na dinmi-ca familiar, e que na maioria das vezes no percebido pela famlia, fato que nos comprova a necessidade de ha-ver um trabalho associado s famlias. Os objetivos des-te so ouvi-los a respeito do andamento da terapia e da criana como um todo, escutar os assuntos emergentes pelos pais, fornecer informaes referentes ao desenvol-vimento infantil, quando houver demanda, e oferecer devolutivas importantes ao processo psicoteraputico (Aguiar, 2005).

    Alm disso, o envolvimento de pais ou responsveis no processo teraputico da criana permite a compreen-so de como so as relaes entre as pessoas daquela fa-mlia, como, por exemplo, o quanto de expectativas os adultos depositam nas crianas, quais as projees, de-flexes ou outros modos de evitao so atribudos s crianas. Esta compreenso favorece o desenvolvimento de awareness dos adultos envolvidos, possibilitando mu-danas significativas da dinmica familiar.

    importante que os pais falem na presena da crian-a a respeito do que os levou a buscar auxlio psicolgi-co. Esta atitude tem o sentido de aliviar as fantasias da criana sobre o que est errado, visto que geralmente elas imaginam algo pior que a realidade. possvel, atravs desta situao, observar a dinmica da relao entre os pais e o filho, as reaes da criana, bem como as verses de todos os lados. Tenta-se, a todo o momento, incluir a criana na conversa, demonstrando respeito e interesse pelo que ela pensa, sente e faz (Oaklander, 1980).

    A essncia de todo o trabalho est na relao dialgi-ca formada entre a criana e o terapeuta. Para isto, ne-cessria a presena genuna deste, sendo esta atitude, de colocar-se no lugar do outro, o reconhecimento da crian-a e de suas potencialidades (Aguiar, 2005).

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    2. relato de uma experincia

    Faremos agora um relato e discusso de experin-cia em grupo teraputico com crianas, vivenciado por duas discentes do ltimo ano do curso de Psicologia da Pontifcia Universidade Catlica de Campinas em uma si-tuao de estgio obrigatrio em Sade/Clnica. O campo de prtica uma Unidade Bsica de Sade, no territrio noroeste da cidade de Campinas, e as atividades foram supervisionadas semanalmente pelo docente respons-vel pela disciplina.

    O atendimento em grupo com crianas foi importan-te, porque permitiu a interao entre os seus membros, facilitando a socializao entre eles. Por meio de tcnicas ldicas foi possvel a troca de experincias e a vivncia de situaes cotidianas, que eram atualizadas no aqui-agora, trabalhadas coletivamente; estas experincias pos-sibilitaram a ressignificao do vivido como geradores de algum tipo de sofrimento para a criana.

    Os encontros com as crianas foram efetuados pelas duas estagirias que se revezavam entre os papis de te-rapeuta e coterapeuta; a alternncia de papis se dava a partir da percepo momentnea das terapeutas, que con-sideravam as demandas das crianas em suas dimenses relacionais e prticas. Esta atitude auxiliou de maneira significativa o desempenho do processo executado, faci-litando a observao mais ampla do que ocorreu no gru-po. A condio de awareness das terapeutas, desta forma, foi fundamental para que se pudesse desenvolver a ela-borao do pensamento diagnstico amplo, favorecendo intervenes mais precisas.

    A psicoterapia infantil demandou tcnicas e experi-mentos ldicos que tinham sempre uma finalidade, po-rm no um resultado esperado; isto implica dizer que os recursos teciam um objetivo experiencial, tais como favorecer relacionamento entre os integrantes do grupo, avaliar habilidades perceptomotoras, cognitivas, emocio-nais, sociais, dentre outros; mas no deveriam visar a uma determinada mudana, seja qualquer que fosse.

    Durante sua execuo, qualquer movimento da crian-a foi acompanhado pelas estagirias. Assim, permitiu-se que o fenmeno se apresentasse como ele era de forma espontnea e autntica.

    No momento dos atendimentos foi necessria a sus-penso de ideias e valores pessoais, possibilitando o de-senvolvimento da awareness das terapeutas, no aqui-agora. O ambiente teraputico foi um local de escuta criana, tendo em vista seu mundo vivido, deixando-a cir-cular naturalmente por seu espao vivencial. Foram res-saltados determinados limites com o intuito de se manter um convvio social em que se considerava o outro, assim como os meios disponveis para a realizao das ativida-des, como, por exemplo, a manuteno do espao fsico e dos recursos materiais utilizados. Foi indispensvel que houvesse o respeito ao prximo para que a criana com-preendesse o limite entre o eu e o outro.

    No processo teraputico, forneceram-se opes com o intuito de identificar o potencial de escolha, competi-es, cooperaes e consenso do grupo. Como j referido, foram propostos experimentos que possibilitam a avalia-o e interveno sob dimenses cognitivas, como jogos de estratgia e raciocnio; emocionais, identificados nos jogos de sorte, como dados ou roletas; e perceptomoto-ras, verificados nos jogos de execuo.

    Pde-se trabalhar com uma gama de opes ldicas como jogos industrializados ou criados pelos membros do grupo, pinturas, dramatizaes, construes de his-trias, colagens, entre outros. Utilizou-se um arsenal de materiais: diferentes tipos de papis (sulfite, crepom, car-tolina, jornal, revista), caneta hidrocor, lpis de cor, giz de cera, cola colorida, glitter, fantoches, bonecos e brin-quedos diversos.

    As atividades possibilitaram a identificao de movi-mentos que indicassem o ciclo de abertura e fechamento de gestalten, a interrupo de contato e o uso de mecanis-mos neurticos, por meio do esquema de funcionamento de cada criana demonstrado em seus valores culturais, seus gestos e relaes dialgicas. Com isso, o pensamento diagnstico pde ser elaborado como um processo cont-nuo e dinmico, tratando-se de hipteses que auxiliaram na conduo do trabalho em cada um dos encontros.

    A partir do pensamento diagnstico realizado durante o encontro com a criana, foi possvel ao terapeuta pro-por opes de atividades dirigidas, que eram escolhidas e guiadas pelo prprio cliente, como experincias com jogos industrializados ou construdos livremente pelas crianas, atividades de desenho individual e/ou coopera-tivo, histrias com fantoches, construo individual ou em grupo com massa de modelar ou lego. Desta forma, as atividades ldicas colocavam-se, ao mesmo tempo, como meio de construo de pensamento diagnstico e de in-terveno, sucessivamente.

    Vale destacar os desenhos cooperativos que foram realizados em dois momentos diferentes. Em um deles, utilizando-se de cartolina, lpis de cor, cola colorida e ca-neta hidrocor, foi proposto que se fizesse um desenho em conjunto, escolhendo o tema por consenso. A outra forma de execuo necessitou de uma folha de papel sulfite para cada integrante do grupo, giz de cera, lpis de cor, cola, barbante e palito de sorvete. O procedimento consistiu em cada um iniciar um desenho por tempo determina-do e troc-lo com outra criana para dar continuidade ao desenho alheio. Essa estratgia teve como objetivo iden-tificar e trabalhar a cooperao e a competio, visando desenvolver a percepo do eu e do no-eu, enfocando-se dimenses de frustraes, aceitao, socializao, de forma a favorecer o ajustamento criativo.

    Salienta-se a importncia de envolver os responsveis no processo teraputico; portanto, j no primeiro atendi-mento foi solicitado que os mesmos participassem jun-to dos filhos. Neste momento escutavam-se as queixas e expectativas dos pais, bem como a opinio das crianas

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    sobre o que estava sendo falado. Desde ento foi poss-vel ter indcios de como era a relao entre ambos e es-tabelecer as condies do contrato. Em seguida, a outra metade da sesso era dedicada a uma primeira conversa a ss com as crianas, com o intuito de escut-las sem a presena dos adultos. Com isso, verificavam-se a fala e o comportamento dos clientes nesta situao. Alm disso, oferecia-se uma atividade livre s crianas que possibi-litasse a construo de um vnculo entre elas, e entre elas e as terapeutas.

    A cada ocorrncia de trs encontros somente com as crianas, o quarto era realizado em conjunto com os pais, quando foram trabalhadas as necessidades e expectati-vas de ambos, alm de possibilitar a observao das re-laes pais-filho; para tanto, eram propostas atividades para serem executadas em conjunto.

    No encontro inicial, como j descrito, trabalhou-se com os pais e os filhos a exposio dos motivos que os levaram a procurar o atendimento psicolgico, e a opi-nio de ambos sobre as mesmas. Em seguida, apenas as crianas permaneceram na sala para que pudessem ex-por, por elas mesmas, estes motivos ou algo a mais que desejassem.

    Aps trs sesses com as crianas, os pais foram chamados para uma sesso em conjunto; nesta ocasio foi proposta a realizao de uma atividade de pintura em que estes tiveram que desenhar o que eles imagina-vam que os filhos faziam nos atendimentos, enquanto as crianas realizaram um desenho que representasse o que elas desempenhavam no espao teraputico. Tal ativida-de teve como objetivo avaliar e discutir como os clientes vivenciavam o processo teraputico, o dilogo existen-te entre crianas e seus responsveis, a desmistificao de crenas dos pais acerca do trabalho que estava sendo desenvolvido, bem como expectativas para os prximos atendimentos.

    Dentre as atividades realizadas, houve a proposio de um jogo de mmica em que os pais deveriam adivinhar a imitao dos prprios filhos e vice-versa. O objetivo era o de identificar como se estabelecia a relao entre eles - se era de cooperao ou competio, o grau de hierarquia na relao, manipulaes etc -; verificar como reagiam s dificuldades e frustraes, e se havia uma ajuda recpro-ca. Alm disso, ao longo da experincia foram pontuados esses aspectos ao grupo, para propiciar uma discusso e o desenvolvimento de awareness.

    Outro exemplo de experimento utilizado foi um de-senho em conjunto, entre pais e filhos, no qual deveriam representar algum lugar ao qual gostavam de ir juntos. Teve-se como objetivo observar a dinmica entre eles, desde a deciso sobre qual local representar no desenho at a forma de execuo do mesmo, verificando se ocorria uma parceria ou se havia uma das partes que liderava o processo. Outros aspectos que puderam ser trabalhados foram a aprovao ou desaprovao dos pais em relao ao que as crianas faziam, ou seu contrrio, e se realmen-

    te existiam momentos em que compartilhavam experi-ncias agradveis que pudessem ser colocadas no papel. No decorrer dos atendimentos, os fenmenos que se ma-nifestaram foram explorados por meio do favorecimento do dilogo entre criana-responsvel, destacando-se a im-portncia deste para o desenvolvimento da criana.

    Uma atividade que merece ser destacada refere-se utilizao de fantoches para a construo de histrias. Em sesses anteriores ao encontro com os pais, os mem-bros do grupo criaram e ensaiaram uma trama com tema livre, para ser apresentada queles. No dia da exposio, os pais poderiam escolher outro personagem disposio, para participar do enredo. Os objetivos da proposio fo-ram trabalhar a disponibilidade dos pais de integrarem-se s fantasias das crianas, contribuindo com suas ideias, verificar o movimento relacional das famlias e compre-ender a reao das crianas diante da entrada dos adul-tos na esfera ldica.

    No ltimo encontro com os pais foi feita uma avalia-o, na qual discutiu-se, na presena das crianas, o que lhes significou o processo psicoteraputico vivido; ten-do como referncia o aqui-agora, perguntou-se aos pais como eles percebiam seus filhos quando chegaram para o processo, como os percebiam naquele momento e o que ainda esperavam, envolvendo, assim, os responsveis na avaliao e encaminhamento do processo do filho, indi-cando-lhe a alta ou a continuidade do tratamento.

    Buscando-se um trabalho integral com o indivduo e de maior resolubilidade dos servios, utilizou-se da cl-nica ampliada, participando-se da reunio semanal de Equipe de Sade da Famlia (ESF) e de Equipe de Sade Mental (SM), em que se teve a oportunidade de obter trocas de conhecimento com profissionais de diferentes reas (agentes comunitrios de sade, enfermeiros, au-xiliares de enfermagem, mdicos, terapeuta ocupacional e nutricionistas). Eram discutidos casos com o objetivo de integrar a equipe na deciso de qual encaminhamen-to seria o mais adequado, alm de ampliar as formas de ateno dedicadas aos usurios. Com isso, foi ntida a percepo da importncia de todos os profissionais en-volvidos com a sade na promoo de qualidade de vida da comunidade.

    Alm disso, foi feito um trabalho intersetorial envol-vendo a escola, quando necessrio, para a compreenso das experincias vividas pela criana e suas outras for-mas de expresso que no somente a do mbito da sade. Esta demanda foi identificada a partir do grande nme-ro de crianas encaminhadas pelas escolas do territrio, com queixas relacionadas processo de aprendizagem ou relaes interpessoais no mbito escolar. O contato com professores, diretores e coordenadores possibili-tou a realizao de matriciamento intersetorial e a ao interdisciplinar.

    A experincia relatada possibilitou a identificao da importncia de um trabalho que valorize a criana em sua individualidade, considerando o contexto histrico-

  • Clnica Gestltica Infantil e Integralidade em uma Unidade Bsica de Sade

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    cultural no qual est inserida, sendo necessrio, portan-to, uma ateno integral sade.

    consideraes Finais

    Analisando a prtica vivenciada nos atendimen-tos com grupo de crianas em uma Unidade Bsica de Sade, foi possvel observar a identidade entre a clnica gestltica e os princpios do SUS, visto que ambos pre-conizam o indivduo na sua unicidade, constitudo por dimenses objetivas, tais como orgnicas e do contexto histrico-cultural, e as subjetivas, tais como as experi-ncias vividas, os desejos e as expectativas de futuro; esta constituio de indivduo, denominada subjetivi-dade, faz-se ao sempre no aqui-agora: nas relaes fa-miliares, escolares, amizades, afetos, sonhos, fantasias, dentre tantas outras aes que geram, por sua vez, novas experincias que viro a constituir subjetividade, num constante vir-a-ser.

    Acredita-se que para o bom desenvolvimento da clnica infantil, o setting teraputico deve estabelecer um ambiente de respeito mtuo, segurana e confiana entre as crian-as e entre as crianas e o terapeuta, favorecendo, assim, a valorizao de suas potencialidades e, ao mesmo tempo, o estabelecimento de regras e limites que esto presentes na convivncia social. Desta forma, as vivncias, em ses-so, das dimenses objetivas e subjetivas de constituio da subjetividade, favorecem, tambm, o desenvolvimento de ajustamento criativo diante da percepo de si mesmo e do outro, o que essencial para a possvel ampliao de awareness de cada membro do grupo e do prprio grupo. Assim, a tentativa da formao de um bom vnculo desde o incio fundamental neste processo.

    Por ltimo, ressalta-se a importncia da participao dos responsveis pelas crianas, no decorrer da psicote-rapia, para que as intervenes fossem mais satisfatrias no desenvolvimento de autoconhecimento e das relaes dialgicas, tendo em vista que a famlia um dos elemen-tos de grande influncia no campo holstico da criana, considerando-se as dimenses objetivas do contexto his-trico-cultural na constituio da subjetividade.

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    Bruna Gonalves Campos - Discente Estagiria de Psicologia da Pontifcia Universidade Catlica de Campinas. Email: Tatiana Bruno de Toledo - Discente Estagiria de Psicologia da Pontifcia Universidade Catlica de Campinas. Email: Nilton Jlio de Faria - Doutor em Psicologia Social pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo; Docente da Pontifcia Universidade Catlica de Campinas. Endereo Institucional: PUC-Campinas, Centro de Cincias da Vida - Faculdade de Psicologia. Av. John Boyd Dunlop s/n - Jardim Ipaussurama - CEP: 13.059-900 - Campinas-SP. Email: [email protected]

    Recebido em 15.04.11Primeira Deciso Editorial em 28.06.11

    Aceito em 26.07.11