gonçalves-rodrigues - sob a lupa do economista

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 Ádom Srnith e os benefícios d gfobolizaçõo 5bg n fup,^, ,c €co^orr\srn ÇqÊ,rc,: E .S. @;ç,*L\165 F'lnqO RoDRçJeS ra uma vez,há muítose muitosanos, m paísem busca e uma estratégia dedesenvolvimento conômico. erto ia, apósescutar sconselhoseseu minìstro'da economia o sisudoOmsinoicetorp opresidente a nação resolveu echar as ronteiras dopaísàs mportaçõese bens indosdo estrangei- ropara,assim,ajudar o desenvolvimentoaindústrianacional.Aprovadaa lei federal, os governadores os estados, esejosos e pramover a economia egional, seguiram a meslna oada do presidente echaram as portas do comércio os ou- tros estados a própria ederaçã0. o dia seguÌnte, oi a vez dos refeítos. derindo à doutrina vínda de cima, estes assaram etetos proibindo a comercialização cam utrzs municípios o mesmo stado. final, o que é bom para o país e para 0s estados ão pode er uim palã os municípios. inalmente, epois a confusão e- rada pela escassez e vários tens de clnsumo, os cidadãos, nicialmente hocados, adotaram 0 mesmo urso de ação dos sábios olíticos, ptando, les ambém, or fecharem-se m seus ares ara ìncentivar produção oméstíca. m pouco empo, no referido aís, odos stavam roduzíndo uas próprias oupas, lantando seus vegetais o quintal, criando uavaquinha,consertandoencanamento, abrícan- do seus róprios utensíIíos, nsínando s ilhos a ler e escreyer tc. A consequência? padrão de vida das pessoas o país etrocedeu passos e lebre. Mas o que é muito ruim dura pouco: endo os estragos erados elo e- chamento o comércí0, populaçã0, as eleições eguintes, xpulsou s políticos protecionistas o poder e elegeu andidatos e oposição uja príncípal promessa e campanha ra etomar abertura omercíal ntre municípios, stados ambém com o exterior- CAP 6 ìi 'ii ,;. 26 soB Á LUPÁ Dc ËcoNO^^rsr4 Adsrn ynitii *s baneiícÌos n çloboliracôr: ?7 Essa equena ábula ajuda-nosa ilustrar, evandoo argumentoao pa- roxismo, um ponto já encontrado no famoso ivro A Ríqueza asNações, e Adam Smith. o pai da teoria econômicamoderna, comércio é troca, e trocaréprecisoporgueapenasassimpodemosnosespecializar m produzir aquilo que fazemoscom mais eficiência.Não importa se as rocas sãó eita s entre nacionais ou com estrangeiros,o que importa é trocar. Por exemplo, nós,brasileiros, odemosproduzire exportarsojae, em troca, importar chips feitos no mundo mais rico ou, então, fabricar aviões pequenosem troca de aparelhosmédicosmodernos, ou nossas ovelas em fioca de vinho do Porto, ou minério de ferro em troca de brinque- dos chineses tc. Agora,sequiséssemosabricar udo o que consumimos, nossaprodutividade seria certamentemuito mais baixa do que é. Expe- rimente você mesmoa receitaprotecionistaem sua casa.Parede trocar com o mundo exterior e passea fabricarseupróprio lápis,por exemplo. Vocêverá comosuavida ficarábem maisdura em faceda mpossibilidade de se especializar o que você sabe azer melhor. As vantagensde comercializarnão param por aÍ.Quando vendemos nossos ensno exterior,ganhamosacesso mercadosmaisamplosque o intemo e, desse modo, todos os envolvidos são capazes e melhor apro- veitar o que os economistas hamam de ganhos de escala na produção (nome pomposo para {escrever a ideia de que, quando produzir algo envolve custos ixos altos, vender para mercados mais amplos significa produzir cada unidade mais barato, pois o custo ixo fica diluÍdo na alta quantidade). Ao reduzir custos, a escala pèrmite que os preços de ven- da sejam menores e, não menos importante, viabiliza maior variedade de bens nos mercados, o que beneficia todos. Mercados pequenos não sustentam variedade elevada. De fato, não apenas a riqueza otal da eco- nomia mundial evoluiu junto com o crescimento do comércio ntemacio- nal; a diversidade de bens disponíveis ambém seguiu a mesma rilha. AÌém disso, outros rês mportantes eÍeitos do comércio sobre o de- senvolvimento da economia, odos eles associados possibilidade e im- portar: i) a competição externa orça as empresas se manterem efi.cien- tes, sto é, a buscar eduções em custos e, consequentemente, os preços, o que é bom para os consumidores; ii) as mportações ntroduzem, ndi- retamente, novas ecnologias o país (dado que elas vêm embutidas nos bens que aqui chegam); iii) muitos produtores domésticos anham com a possibilidade de empregar, em seu processo rodutivo, bens ntermc-

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Sob a Lupa Do Economista

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  • dom Srnith e os benefciosda gfobolizao

    5bg n fup,^, o,c co^orr\srnq,rc,: E . S. @;,*L\165

    F'lnqO RoDRJeS

    ra uma vez, h mutos e muitos anos, um pas em busca de uma estratgiade desenvolvimento econmico. Certo dia, aps escutar os conselhos de seuminstro'da economia - o sisudo Omsinoicetorp - o presidente da nao

    resolveu fechar as fronteiras do pas s importaes de bens vindos do estrangei-ro para, assim, ajudar o desenvolvimento da indstria nacional. Aprovada a leifederal, os governadores dos estados, desejosos de pramover a economia regional,seguiram na meslna toada do presidente e fecharam as portas do comrcio aos ou-tros estados da prpria federa0. No dia segunte, foi a vez dos prefetos. Aderindo doutrina vnda de cima, estes passaram detetos proibindo a comercializaocam lutrzs municpios do mesmo estado. Afinal, o que bom para o pas e para 0sestados no pode ser ruim pal os municpios. Finalmente, depois da confuso ge-rada pela escassez de vrios itens de clnsumo, os cidados, inicialmente chocados,adotaram 0 mesmo curso de ao dos sbios polticos, optando, eles tambm, porfecharem-se em seus lares para ncentivar a produo domstca. Em pouco tempo,no referido pas, todos estavam produzndo suas prprias roupas, plantando seusvegetais no quintal, criando sua vaquinha, consertando o encanamento, fabrcan-do seus prprios utensIos, ensnando os filhos a ler e escreyer etc.

    A consequncia? O padro de vida das pessoas do pas retrocedeu a passos delebre. Mas o que muito ruim dura pouco: vendo os estragos gerados pelo fe-chamento do comrc0, a popula0, nas eleies seguintes, expulsou os polticosprotecionistas do poder e elegeu candidatos de oposio cuja prncpal promessa decampanha era retomar a abertura comercal entre municpios, estados e tambmcom o exterior-

    CAP 6

    i'ii

    ,;.

    26 soB LUP Dc coNO^^rsr4 Adsrn $yni t i i e *s banei cos dn lobol i racr: ?7

    Essa pequena fbula ajuda-nos a ilustrar, levando o argumento ao pa-roxismo, um ponto j encontrado no famoso livro A Rqueza das Naes, deAdam Smith. Como dizia o pai da teoria econmica moderna, comrcio troca, e trocar preciso porgue apenas assim podemos nos especializar emproduzir aquilo que fazemos com mais eficincia. No importa se as trocass feitas entre nacionais ou com estrangeiros, o que importa trocar.

    Por exemplo, ns, brasileiros, podemos produzir e exportar soja e, emtroca, importar chips feitos no mundo mais rico ou, ento, fabricar aviespequenos em troca de aparelhos mdicos modernos, ou nossas novelasem fioca de vinho do Porto, ou minrio de ferro em troca de brinque-dos chineses etc. Agora, se quisssemos fabricar tudo o que consumimos,nossa produtividade seria certamente muito mais baixa do que . Expe-rimente voc mesmo a receita protecionista em sua casa. Pare de trocarcom o mundo exterior e passe a fabricar seu prprio lpis, por exemplo.Voc ver como sua vida ficar bem mais dura em face da impossibilidadede se especializar no que voc sabe fazer melhor.

    As vantagens de comercializar no param por a. Quando vendemosnossos bens no exterior, ganhamos acesso a mercados mais amplos que ointemo e, desse modo, todos os envolvidos so capazes de melhor apro-veitar o que os economistas chamam de ganhos de escala na produo(nome pomposo para {escrever a ideia de que, quando produzir algoenvolve custos fixos altos, vender para mercados mais amplos significaproduzir cada unidade mais barato, pois o custo fixo fica diludo na altaquantidade). Ao reduzir custos, a escala prmite que os preos de ven-da sejam menores e, no menos importante, viabiliza maior variedadede bens nos mercados, o que beneficia todos. Mercados pequenos nosustentam variedade elevada. De fato, no apenas a riqueza total da eco-nomia mundial evoluiu junto com o crescimento do comrcio intemacio-nal; a diversidade de bens disponveis tambm seguiu a mesma trilha.

    Am disso, h outros trs importantes eeitos do comrcio sobre o de-senvolvimento da economia, todos eles associados possibilidade de im-portar: (i) a competio externa fora as empresas a se manterem efi.cien-tes, isto , a buscar redues em custos e, consequentemente, nos preos,o que bom para os consumidores; (ii) as importaes introduzem, indi-retamente, novas tecnologias no pas (dado que elas vm embutidas nosbens que aqui chegam); (iii) muitos produtores domsticos ganham coma possibilidade de empregar, em seu processo produtivo, bens intermc-

  • tl i, irios c mcluinas produzidas no exterior (por exemplo, tornos'de altaprcciso fabricados na Alemanha).

    Desde muito tempo os economistas chamam a ateno para o item(i) que, sem dvida, importante, mas talvez tenham enfatizado menosdo que deveriam a importncia do item (iii). Ao que parece, isso mudounos ltimos anos, dado que novos estudos empricos tm demonstrado arelevncia da importao de bens intermedirios para a produtividade dasempresas domsticas.

    As pesquisas de Adriana Schor e de Mary Amiti e Josef l(onings2 vojustamente nessa direo. Ambos os trabalhos usam dados de vrias in-dstrias no perodo que se segue a grandes movimentos de reduo ta-rifria - no Brasil e na Indonsia dos anos 90, respectivamente - paramostrar o mesmo ponto. Nos setores em que as tarifas de importaoincidentes sobre os insumos de produo foram mais fortemente reduzidas,a eficincia na produ o do bem final cresceu mais rapidamente (em com-parao a outros setores da indstria nacional), e a maior produtividade,em geral, desemboca em uma combinao de duas coisas desejveis: pre-os menores para o consumidor e sarios mais altos para os funcionriosenvolvidos na produo.

    O leitor mais atento a esta altura deve ter percebido a nfase at aquinos ganhos para a economia derivados da importa0, e no da exporta0.Apesar disso, na mdia e nos meios polticos, so as exportaes que rece-bem os louros, sengo as importaes em geral vilipendiadas. Tal vis estem desacordo com a boa teoria econmica, que enfatiza os benefcios dasimportaes. Mas se o bom importar, para que servem as exportaes?

    Como diria o prnlio Nobel de Economia, Paul I(rugman, as exporta-es so um fardo que precisamos incorrer para termos os recursos ne-cessrios a importar. Afinal de contas, os estrangeiros no vo querermandar os bens que eles produzem para ns sem teceber nada em troca,certo? justamente por isso que precisamos exportar: para pagarmos aosestrangeiros por nossas importaes.

    O leitor no est convencido? Pois ento pense de que serventia teriaexportar alguma coisa se nos osse terminantemente proibido importar.

    "Heterogenous Productity Response to Tariff Reduction: Evidence Irom BraziianManufacturing Firms", Journal of Development Economa, 2O04.2

    "Trade Liberaization, brtermediate Inputs, and Productivity: Evidence From Indo-nesia", Amercan Econmic Revew, 2007.

    28 sog r LUPA Do coNomrsrnIY 5OB LI .JP DO T.CNO{I5I

    W-os dlares fluiriam para dentro pas e alguns e conoristas e polticos prc-sos a noes mercantilistas de alguns sculos atriis ir.ariam felizes comos saldos positivos na balana comercia., Mas para quc serviriam esseslindos dIares estando vedadas as importaes? Rcsposta; para nada almde pura contemplao ao melhor estio Tio patinhas.j

    ,;Falamos um pouco da evidncia emprica existente reacionando que-da de tarias e produtividade das empresas de certos pases. Mas, e no ge-ra, h evidncia de que comercializar mais causa maior desenvoivimentoeconmico? ohando para as estatsticas internacionais, v-se claramenteque os pases que transacionam mais com o exterior so tambrn, emmdia, mais ricos. Porm, note que, a princpio, isso pode significar ape-nas que um pas, ao se tornar mais rico por motivos no reacionacl0sao comrcio (por uma melhora no sistema educacional, por exempo),opta, depois de desenvolvido, por maior insero internacional. Em pou-cas palavras, o problema que o desenvolvimento pode estar causandocomrcio em vez de o comrcio estar gerando mais desenvolvimento.Temos aqui o velho dilema do ovo e da galinha, ou do cachorro correndoatrs do rabo.a

    utilizando tcnicas estatsticas apropriadas para lidar com esse tipo dedificuldade, os economistas Jeffrey Frankel e David Romer, em artigohoje j dssico,5 mostram que mais comrcio de ato causa mas desen-volvimento econmico (e no o contrrio). Diga-se de passagem, esseaado est em consonncia com outra evidncia curiosa: a de que pasessem acesso a rotas martimas e mais distanciados dos grandes centros eco-nmicos mundiais so, emmdia, mais pobres.

    Terminamos este texto com a pergunta que frequentemente enfren-tamos em sala de aula: "Se o comrcio to bom assim, por que vemostanto protecionismo por a?"

    Parte da e>4plicao vem do fato de que os ganhos da abertura soespahados, diludos por toda a sociedade, enquanto os custos de curto

    r Na verdade, exportaes consistentemente acima das importaes fazem sentidose o pas tem endividamento extemo elevado. Mas, nesse caso. a situao advm dofato de o pas ter importado muito no.passado e, portanto. as exportaes correntesestarem pagando pelas importaes passadas.a veja a crnjca "o ovo e a gainha na economia do crime" para uma discusso deta-lhada sobre esse ponto.5 "Does Trade Cause Growth?", American Economc Review. 1999.

    dcm Smiih e, s benefc ics dc Alob,cl zac 29

    1,l

  • prazo da abertura se concentram sobre um pequeno grupo de perdedores(uma indstria ineficiente que precisa fechar as portas aps uma reduode tarifas, por exemplo).

    Ora, quem tem incentivos mais fofies a montar um lobby para de-fender seus interesses e protestar em Braslia: o consumidor que ganhaacesso a um bem do exterior mais barato e de melhor qualidade, ou oindivduo que perde seu emprego ou precisa fechar sua fbrica, com aliberaizao comercia? Claro que o itimo, pois a perda para cada umdentro desse grupo seguramente maior que o ganho individual no gru-po dos consumidores (mesmo sendo o ganho totalmaior que aperdatotalpara os dois gmpos conjuntamente).

    Para ajudar na desrnontagem de lobbies anticomcio e, no menosimportante, para minimizar o sofrimento dos temporariamente deslo-cados com a abertura comercial, de bom alvitre que os governos, aoplanejarem reduzir suas tarifas de importao, estabeleam esquemas deproteo social e recoiocao profissional.

    Por fim, a oposio ao comrcio vem tambm da genuna incompreen-so de seus benefcios. Esperamos que a eitura deste texto tenha ajudadoa dirimi-ia.

    30 soB LUpA Do EcoNoMrsr

  • OqP,.{3

    ir O contrsbondo G ser/iodo sociedqde

    odos os dias, centenas de sacoleiros cruzam a ponte da Amizade,trazendo do Paraguai os mais variados artigos para serem vendi-dos no mercado brasieiro. Nossa legislao, entretanto, impe umimite mximo equivaente a usgl00 em compras porpessoa, o que deixa

    espao para a importao de apenas itens mais baratos (como roupas ougarrafas de usque), mas dificurta o comrcio regal de produtos eletrni-cos' Por exempo, o imite impede que um sacoreiro traga regarmente doParaguai (sem pagar impostos) uma modema cmera digitat de us$600.Isso no evita, contudo, que esses produtos cruzem a rronteira, haia vistao enorme fluxo de contrabando existente entre os dois pases.

    o comrcio iegar de eretrnicos sintoma da brutal diferena de pre-os entre equipamentos eletrnicos nacionais e estrangeiros. podemoste uma boa ideia dessa discrepncia com uma breve visita ao websiteda De computadores, empresa que comerciariza produtos eretrnicospela Internet em versos pases. Na pgina norte-americana da Deil naInternet, o aptop Inspiron I5 anunciado por us$449, argo prximo deR$t'030' J em sua pgina bras'eira, a empresa vend.e um computadordo mesmo modelo, com configurao praticamente idntica, a um preoquase duas vezes e meia mais caro: Rg2.499.1I os preos foram coietados nas pginas americana e brasiieira da Del _ respectva_mente

  • Produtor

    B

    Custo de produo por unidadeR$900

    R$ r '100R$I.400

    Em nosso exemplo, se um computador pode ser importado por R$lmil (j incuindo os custos de transporte e entrega), somente o produtorinterno A participar do mercado, ucrando R$ 100 por unidade vendida.A concorrncia externa impossibilita que os demais, B e C, operem, poiso preo de venda (R$ I mil) no cobre seus clstos unitrios de produo.Como muito dificilmente o produtor A consegr sozinho abastacer todaa demanda interna, teremos, ento, importante participao de produtosestrangeiros nesse mercado.

    Agora suponhamos que o governo imponha uma tarifa de 50% sobreos computadores importados. Isso significa que, pala o consumidor inter-no, o preo do computador importado saltar para R$I.500 por unidade(R$ I mil ficam com o produtor externo, enquanto o restante arrecada-do pelo governo na forma de impostos).a A tarifa faz com que, juntamen-te com A, os produtores B e C passem tambm a ser empresas viveis,pois o preo de mercado agora supera seus custos unitrios. Desse modo,a tarifa faz com que as importaes sejam, em parte, substitudas por umaumento da produo nacional.

    Veja que a proteo tarifria propicia que empresas relativamente ine-fi.cientes (no caso, B e C) tomem-se lucrativas e passem, assim, a partici-par do mercado. A princpio, isso no parece ser um problema, j que seest incentivando a produo nacional. Porm, no podemos perder devista que so empresas pouco eficientes que esto agora operando, e isso,intuitivamente, no parece ser algo positivo.

    E de fato no . Ocorre que as ineficientes B e C, para produzrem,precisam atrair para si insumos de produo importantes, os quais pro-vavelmente vinham. at ento, sendo utilizados em outras atividadesmais produtivas. No nosso exemplo, um competente administradorde empresas pode deixar seu emprego em uma fbrica de automveis(setor exportador do pas) para trabalhar em uma empresa de compu-

    4Nota tcnica: estamos aqui fazendo a hiptese mplcita de que o pas no capaz deinfluenciar o preo externo do computador.

    lillHfiil

    66 SOS A LU? A DO ECONOMISf iEil"i#" i.'r; r;j,ti' I O cont i"abondo c serv ' ; c l soair . i ,ncr: 67

    sI

    _

    tadores cuja lucratividade oi artif,cialmente inflada pela restrj.o at,comrcio externo.

    Note que essa mudana no favorvel para a economia como umtodo- o fato de o pas exportar automveis indica que ee possui umavantagem em reao ao resto do mundo: pode fabricar esse produto acustos mais baixos. Assim, seria interessante, da perspectiva do pas, con-centrar seus recursos produtivos naquilo que se faz melhor: produzir eexportar veculos. O pas no ficaria sem computadores, pois, com o di-nheiro da venda dos automveis, aqueles poderiam ser adquiridos a pre-os menores no exterior. Mas a tarifa distorce essa alocao de insumosde produo dentro do pas, retirando recursos da atividade mais eficiente(a produo de carros) e desviando-os para o setor relativamente mais

    . ineflciente, porm protegido (computadores ) .A imposio da tarifa, assim, traz um custo para o pas como um todo

    - a chamada "ineficincia esttica" -, na medida em que os recursos dei-'

    ** de ser alocados nos setores de maior produtividade. Note que essecusto no distribudo iguamente na sociedade. os grandes beneficiriosda proteo so os empresrios e funcionrios da indstria naciona decomputadores, que passam a lucrar e receber salrios mais altos com odednio da competio internacional. o custo recai sobre os ouros sero-res da economia - que precisam competir por insumos com as indstriasprotegidas

    - e, principalmente, sobre os consumidores, maioria silenciosaque acaba pagando preos excessivamente atos.

    Mas, mesmo entendendo o problema cusado pela ineflcincia est-tica, ser que a questo sobre as tarifas est resolvida? o pas no ficariapara trs na corrida da modernidade caso insistasse na especiaizao emsetores tradicionais da economia, nos quais a inovao no a regra e osganhos de eficincia dinmicos so pfios?

    Como sugere a pergunta, h argumentos coerentes a favor da ideia deproteo indstria nacional, principalmente no caso de setores caracte-rizados por contnuo avano tecnogico - como a indstria de informti-ca. A ideia que, em atividades econmicas de alta tecnologia, os custosunitrios de produo decrescem medida que a indstria se desenvolve,ou seja, a indstria naconai pode ser ineficiente apenas inicialmente,sendo a situao revertida com o tempo, medida que as empresas vodescobrindo maneiras inovadoras de produzir, famiiiarizando-se com astcnicas de produo etc. a expanso fsica desses setores, sob as asas

  • -da proteo tarifria, que toma os ganhos de eficincia mais intensos,permitindo que as empresas possam, em uma etapa futura, produzir maisbarato e cobrar preos menores. No flm da histria, termina-se com umsetor eficjente e dinmico, mesmo que, para isso, seja necessrio conviverpor agum tempo com a tai ineficincia esttica.

    Em um pas j desenvoivido, no qua essas indstrias dinmicas estobem estabelecidas h algum tempo, o significativo estoque de conheci-mento acumulado sobre o processo de produo j se traduz em elevadaproclutividade. preos baixos e alta competitidade extema. Tarifas deproteo so, portanto, desnecessrias. Mas o que acontece com os pa-ses menos desenvolvidos, em que essas indstrias de ponta ainda enga-tinham? Nesse grupo de pases, a pouca experincia na produo de taisbens leva a custos demasiadamente altos, tornando as empresas internasincapazes de competir com os baixos peos praticados no exterior. Acompetio externa impede, ento, que essas indstrias se desenvolvame, assim, deixa-se de coher, no uturo, os ganhos de eficincia associados expanso dos setores tecnologicamente avanados.

    E aqui que entra a tarifa. Com ela, protege-se a indstria domsticados competidores estrangeiros, permitindo que a produo se expanda eque a produtividade se eleve. Ao longo do tempo, as empresas nacionaispoderiam se aproximar do nvel tecnolgico das estrangeiras, colocando--as em p de igualdade para competir no mercado internacional. Depoisdesse perodo de maturao, a tarifa poderia ser removida paa beneficiaros consumidores. Primeiro o crescimento do bolo, depois a partilha.

    Em nosso exemplo hipottico, ao preo internacional de R$l mil porcomputador, somente a empresa A competitiva em relao aos produ-tores estrangeiros e, portanto, apenas ela ir se desenvolver mesmo naausncia de restries comerciais. As demais empresas nunca saro dozera e, por conta disso, nunca acanaro patamares mais altos de eficin-cia. Mas com a imposio da tarifa, as empresas B e C tambm passam aparticipar do mercado e, com o aprendizado adquirido ao longo do tem-po, podem se tornar competitivas no futuro.

    Por exemplo, se aps 10 anos de operao essas empresas vivenciaremuma queda de 30% em seus custos unitrios de produo - de R$1.300para R$9I0 no caso da empresa B, e de R$.400 para R$980 no caso daempresa C - ambas se tornariam competitivas intemacionalmente, pas-sando a serem lucrativas mesmo sem tarifa.

    68 st1 A LUP4 Do coNo:,rsr O conrabsndo o servio d{ sociedcde 9

    Note que, nesse esquema, a proteo deve ser imposta apenas tempo-rariamente. Uma vez que a indstria domstica atinja o nvel internacio-na de eficincia, no h mais necessidade de proteg-la da competioexterna. A manuteno da tarifa apenas consewaria os preos em pata-mares altos, prejudicando, assim, os consumidores internos.

    .,Resumindo, de acordo com a teoria econmica, restries impor-tao, quando impostas de maneira temporria, possuem dois efeitoscontraditrios sobre a eficincia econmica. Por um iado, provocam umdeslocamento de recursos das atividades mais produtivas para as menosprodutivas, o que contribui para reduzir a eficincia agregada. Por outrolado, se aplicada a atidades intensivas em inovao e aita tecnologia(em que o aprendizado leva a quedas nos custos ao longo do tempo), apoltica pode propiciar s empresas desses setores a possibilidade de seexpandirem, aproximando-se do nvel tecnolgico de seus concorrentesintemaconais. O eeito lquido - e, em ltima instncia, a eficcia da po-ltica - depende de quem ganha a queda de brao: a ineficincia estticaou o possvel ganho de eficincia dinmica.

    Como se v, a teoria econmica aponta os efeitos esperados de umarestrio comercial, mas no nos permite aflrmar, a priori, se essa poticaelevar ou no o nvel de eficincia de um pas. Para obtermos uma res-posta mais clara, precisamos analisar empiricamente experincias espe c'ficas de determinados pases, nos quais barreiras comerciais foram postasem prtica.

    Sendo assim, toquemos na questo da'proteo indstria de infor-mtica brasileira. Nesse caso, polticas muito mais radicais do que tarifaselevadas estiveram em prtica durante a dcada de 1980, praticamentebanindo a participao estrangeira no mercado interno de microcompu-tadores (sob o objetivo de atingir autonomia tecnolgica no setor). Issogarantia um mercado interno cativo para um pequeno nmero de pro-dutores nacionais, pois, ainda que consumidores e empresas menores pu-dessem recorer ao contrabando, rgos governamentais e empresas demaior porte, por estarem mais expostos fiscalizao, no tinham alter-nativa a no ser comprar microcomputadores produzidos no Brasil.

    Por conta dessas polticas, o Brasil da dcada de 980 constitui um la-boratrio quase ideal para testar os efeitos de restries comerciais sobreuma indstria de alta tecnologia. Tirando proveito disso, os pesquisadoresEduardo Luzio e Shane Greenstein analisaram informaes sobre micro-

  • computadores vendidos no pas entre 1984 e 1992., A ideia bsica dosautores foi estimar a produtividade dessa indstria utilizando dados depreos: quanto mais eficientes as empresas desse setor, menores deveriamser seus custos e, portanto, mais baixos os preos praticados no mercado.

    Os resultados apontam que de ato houve ganho de produtidade noperodo de fechamento s importaes, o que evidenciado pela que-da no preo mdio dos computadores. Esse momento, todavia, apenasacompanhou a tendncia mundial, ou seja, os preos internos caram emuma proporo muito semelhante dos preos externos. Por conta disso,a diferena de preos entre o computador brasileiro e o similar anlericano,que j era enorne no comeo dos anos 80, manteve-se essencialmentea mesma ao longo da dcada. Isso indica que a tecnologia domstica noconseguiu se aproximar em quase nada da estrangeira. A convergnciaem direo eficincia internacional precisaria ter aparecido sob a formade preos cada vez mais prximos aos exterros, o que no ocorreu.

    Por que ento a produtividade da indstria brasileira de comptadoresno se aproximou dos nveis internacionais, mesmo com a pesada pro-teo concedida aos produtores domsticos? Os autores oferecem duasexplicaes. Primeiro, a proteo incide no s sobre computadores, mastambm sobre seus componentes. Isso significa que a poltica acabou for-ando as empresas nacionais a adquirirem internamente diversos de seusinsumos - tais como chips, placas, leitores pticos e discos rgidos - osquais eram mais caros e de pior qualidade em relao a seus similaresexternos, ou seja, as restries importao acabaram elevando tambmos custos de produo de computadores aqui no Brasil, contribuindo parareduzir a eficincia desse setor.

    Segundo, a proteo criou um incentivo perverso para as empresaslocais: a busca por favores polticos em vez de eficincia produtiva. Noteque de interesse dos produtores internos que a restrio aos importadosseja a mais duradoura possvel, j que ela reduz a competio e, assim,infla os lucros domsticos. Nesse sentido, provnel que as empresas lo-cais tenham investido no em inovar e ganhar competitidade, mas simem fazer lobby poltico para garantir a continuidade da proteo. Iuzio

    sLuzo, E.; Greenstein, S. (1995). "Measuring the Per{ormance o a protected InIantIndustry: The case o Brazilian Microcomputers". Review of Economics and statistics 77:622-633.

    70 sp t-up bo ta0NcMrs S ccnfrsbondo u serrrio du .sc,cieciode 7l

    .t

    _,

    e Greenstein notam que, de fato, a ilovao no era exatamente o Ir,..do setor de informtica brasileiro, uma vez que as empresas internas selimitavam, em grande medida, a produzir cpias pioradas dos microcom-putadores americanos, como o IBM-PC e o Apple.

    Em suma, os benefcios agregados da proteo * na forma de ganhos deefiincia ao longo do tempo - praticamente inexistiram, Os custos, poroutro lado, foram eno[nes, principalmente para os consumidores, que ti-veram que se contentar com equipamentos caros e de baa qualidade.

    Para piorar, os anos 80 foram um perodo em qe o computador disse-minou-se em todo o mundo, como ferramenta indispensve no local detrabalho em diversos setores da economia. Por conta da proteo indstriade inlormtica no Brasil, diversas empresas nacionais, para as quais o micro-computador foi se tomando insumo de trabalho importante, viram-se emposio de desvantagem em relao a seus competidores intemacionais. quetinham acesso a eqpamentos mais baratos e de melhor qualidade.

    E os custos da proteo no param por a.A expanso dos computadores no ocal de trabalho tende a benefi.ciar

    os mais familiarizados com esse tipo de equipamento (ou seja, aquelesque tiveram maior contato com computadores na infncia ou na juveu-tude). No entanto, a poltica de restrio s importaes tornou o equipa-mento proibitivamente caro para diversas pessoas, em particular para osmais pobres, que no podiam arcar com seu alto custo. Assim, a barreiracomercial no setor de informtica contribuiu para um ciclo vicioso: so-mente os mais ricos ganham acesso a comptadores e, portanto, somenteeles adquirem a qualificao adequada para encarar o mercado de traba-lho, conseguindo assim os melhores empregos. Esse mecanismo perpetuaa desiguadade social, ao impedir que os pobres tenham maior exposioao uso de computadores durante os primeiros anos de suas vidas.

    Conclumos chamando a ateno para o ato de que esses problemasseriam muito maiores caso no houvesse o comrcio ilegal de computa-dores. o contrabando prov uma vlvula de escape para quem precisa deum computador mas no tem condies de adquiri-lo por vias legais. Seno fossem os contrabandistas - e o Paraguai para sewir de porta de en-trada de eletrnicos importados mais baratos

    -

    um nmero muito maiorde brasieiros se encaixaria na definio de "analfabetos digitais", justoem uma poca em que possuir habiidades com computador quase pre-condio para alcanar o sucesso no mercado de trabalho.

  • Ili , rncentivos " utebof orte?l l l

    mpresas frequentemente empregam esquemas de incentivos competio entre seus empregados, com o objetivo de aumentarsua produtividade, por exemplo, um banco que deseja eevar seu

    nmero de ciientes pode oferecer um prmio - tar como uma viagem a

    savador, uma televiso de pasma ou mesmo dinheiro vivo - aos funcio-

    nrios que mais abrirem contas durante determinado perodo.Lgica semelhante foi empregada pela FIFA - rgo mximo do fute-

    bol mundia - ao mudar a regra de pontuao de vitrias em campeonarosoflciais de futebol. Na copa do Mundo de L994, a FIFA estipuiou que, emdeterminada partida, o nmero de pontos conquistados pero venced.orpassaria de 2 para 3. As pontuaes para empate e derrota continuaramcomo antes, ou seja, I e 0, respectivamente. Essa regra foi estendida aosdemais campeonatos de selees e clubes a partir de 1995.

    o objetivo da FIFA era craro: promover o jogo ofensivo. A ideia nosurgiu do nada. A copa do Mundo anterior, em r990, fora marcada peopredomnio das deesas, com jogos entediantes e a menor mdia de gorsda histria das copas: 2,2r por partida. Ao elevar o retorno de obter umatria, pretendia-se incentivar os times a buscar mais o ataque, privie-giando a habilidade de jogadores ofensivos em detrimento da destruiode jogadas por parte de zagueiros, ou seja, mais gols, tabelas, dribles emenos faltas, carrinhos, cartes. A volta do futebol artel

    O que os nmeros nos dizem a respeito da eficcia da medida?uma primeira inspeo reveia que a mdia de gols na copa de 1994(2,7r gols por jogo) foi superior em cerca de 4o% da copa d,e 1990 (2,2r

    gols por jogo). contudo, esse dado sozinho no fornece evidncia suficiente7? so8 L\r $o cohlr l r rsr

    para afirmannos que a nova regra levou a um jogo mais ofensivo. Aflna decontas, o que nos garante que no foi uma mehora na qualidade dos ata_cantes (ou piora na qualidade dos zagueiros) o fator causador do aumentona mdia de gols? ou uma mudana na mentaldade dos tcnicos? ou aemergncia dos africanos no futeboi, que so, em mdia, mais ofensivosque os demais? Na verdade, como acontece tambm em diversos exemplosno mundo econmico, possve que muitos outros fatores relevanres paraa mdia de gols tenham se aterado entre 1990 e L994.

    Assim, a simples comparao de mdias ao rongo do tempo no nos permiteinerir que a nova regra de pontua$o levou maior ofensividade no futebo.Porm, h uma maneira interessante d.e avaiarmos o efeito isolado da muda''_a na regra. A ideia consiste em compannos o que ocoeu em parridas quedeveriam, em tese, ter sido a-fetadas pera nova pontuao, com parridas nasquais a mudana no deveria ser importante para mexer com os incentivosdos jogadores e tcrricos. Esse po de comparao, olicada com mais cietahea seguir, gera uma medida fiel do real impacto da alterao da regra.

    uma estratgia emprica muito similar rargamente usad.a ranto poreconomistas como por pesquisadores na rea d.e medicina, para testar oefeito de uma nova pflua de emagrecimento, por exemplo, so rearizadostestes que anam mo de dois conjuntos de indivduos: um grupo quetoma o remdio

    - o chamado ,,grupo de t4atamento,, _ e um grupo muitosemelhante ao primeiro, mas que no exposto ao m'edicamento e, sim,a um placebo (uma plura de farinha e gua) - o chamado ,,grupo d.e con-trole". como os grupos so parecidos em tbdas as outras dimenses exce_to na exposio ao remdio, a efetividade do trtamento pode ser medidacom preciso pela diferena entre os efeitos mdios nos dois grupos. porexemplo, se as pessoas no grupo de tratamento perdem em mdia 5kg emum ano, enquanto as pessoas no grupo de controre perdem 2kg, o efeitoda plula reduzir, em mdia, o peso de um indivduo em 5 _ 2 = 3kg.

    uma anlise desse tipo oi adotada peros economistas Luis Garicano eIgnacio Palacios-Huerta para avaliar empiricamente o efeito da mudanada pontuao no futebol antedormente citada. A amostra compostapelos dois principais campeonatos de clubes na Espanha: o campeonatoEspanhol e a Copa do Rei.t No Campeonato Espanhol, 20 cubes jogamIGaricano, L.; Paacios-Huerta, I. (2005). "sabotage in Tournaments: Making theBeautiful Game a Bit Less Beautiul". working paper, London school of Economics.

    Ir,ce.nir.os oo fu'febaJ or.te? T3

  • entre si em turno e returno, sendo procamado campeo o time que maissomar pontos ao fim do certame. J a Copa do Rei um torneio no estiomata-mata, ou seja, a cada estgio da competio, os clubes envolvidosso organizados em pares. Cada par de times joga entre si, sendo que ovencedor contirrua na competio e o perdedor eliminado.2 Esse pro-cesso continua at chegarmos a dois clubes, que faro a final do'torneiopara definir campeo e vice.r

    Claramente, a modificao da regra de pontuao deveria afetar os in-centivos dos times no Campeonato Espanhol, uma vez que se sagra cam-peo quem acumuar mais pontos ao fim de um longo campeonato: maispontos por vitria, maior o incentivo a vencer. Este constitui, ento, nos-so grupo de tratamento (que tomou de fato o "remdio"). Enetnto, naCopa do Rei, o incentivo a vencer independe de quantos pontos a vitrialraz: 2,3, 10, 100; no h diferena alguma. Para continuar no torneio, preciso ganhar do oponente e ponto fina. No se acumulam pontosem uma competio no estilo mata-mata e, portanto, quantos pontos avitria traz uma varivei irrelevante. Para estes jogos que constituem ogrupo de controle, a alterao na regra uma "plula de farinha";

    Garicano e Palacios-Huerta utilizam justamente essa distino "rem-dio/placebo" para estimar o efeito da mudana na pontuao sobre osincentivos dos clubes durante uma partida.a Como dito, os jogos do Cam-peonato Espanho, em que a regra deveria importar, constituem o grupode tratamento. J o grupo de controle formado pelas partidas da Copado Rei, em que a pontuao no faz diferena para determinar o cam-peo. Nesse exemplo, interessante notar que os dois grupos so seme-lhantes em diversas outras dimenses relevantes, uma vez que a maioriados times tende a disputar ambos os campeonatos. Isso importante, poissignifica que no h outros fatores, como, por exemplo, a quaidade dosjogadores, influenciando sistematicamente a diferena na quantidade degols entre os dois torneios.

    2 Nas fases iniciais do tomeio, cada par de times joga entre si somente uma vez paradefinir quem continua na competio. Quando restam 32 times, passa-se a jogar duaspartidas por par, em ida e volta. J a final volta a ser disputada em um nico jogo.3 Esses dois torneios so bastante semelhantes ao atual Campeonato Brasieiro e Copa do Brasi.4 Os autore s comparam dois pontos do tempo: a temporada 1994-95 - a ltima antesda implantao da nova regra - e a temporada 1998-99.

    8m$l

    74 -" ,o8 LUP Do Ecof loMs IncE:ntrros ao futebol nre2 75

    -Y

    A concluso dos autores surpreendente (e estarrecedora para obamantes do futebol arte): o efeito da regra sobre a mdia de gos foi pra-ticamente nulo. Ao contrrio do pretendido pela FIFA, no h evidncia(pelo menos no caso espanhol) de que o futebol tenha se tornado maisofensivo como resultado do aumento da pontuao para vitrias, O quedu errado?

    Para explicar esse aparente paradoxo, precisamos entender quais osincentivos de cada time a buscar um goi a mais durante a partida. Obvia-mente, no incio do jogo, com os times empatados em 0x0. uma maiorpontuao para a vitria far com que ambos busquem mais o ataque.Isso porque, a partir do 0x0, um gol extra equivaleria a 2 pontos a mais(3 da tria contra I do empate) sob a nova regra, em oposio a apenasI ponto a mais na regra antiga (2 da vitria conta t do empate).

    O problema que os incentivos se modificam a parti do momento emque um dos times sai na frente no placar. Nessa situao, o clube que estperdendo tem incentivos a assumir uma postura ofensva, exatamentecomo na regra antiga - afinal, um gol a mais o leva da derrota para oempate, ou seja, traz um ganho lquido de I ponto. Mas, por outro lado,a nova pontuao muda signifi.cativamente o retorno (e, consequente-mente, os incentivos) de quem saiu na frente e est vencendo o jogo. Sepor um lado marcar um gol a mais poucp acrescenta (apenas diminui apossibilidade de o outro time empatar o jogo), por outro tomar um go1torna-se muito mais custoso do que sob a regra antiga: o clube sai de umasituao de tria para empate, mas agora isto impica perda lquida de 2pontos, e no mais I ponto. Como dizem os economistas, "na margem",sair da vitria para o empate agora mais custoso.

    Claro, times que esto vencendo sempre tendem a se compotar maisdefensivamente, mas a mudana na regra exacerba essa postura conser-vadora ao aumentar o custo de sair de uma posio vitoriosa para umade empate.

    De fato, outros resultados encontrados por Garicano e Palacios-Huertaso consistentes com essa tese. Os dados mostram ainda que a regra in-duziu os clubes, quando frente no pacar, a fazerem mais substituiesdefensivas, isto , a trocar mais atacantes por zagueiros durante o jogo.Pior ainda, essa postura levou a um jogo mais fsico e violento - com umaumento no nmero mdio de faltas e cartes amarelos -, estando tam-bm associada a uma queda na mdia de pbiico no futebol espanho. Ou

  • seja, o tiro da FIFA saiu peia culatra: alm de ter tdo eeito incuo sobre amdia de gos por partida, a mudana de regra levou a um jogo mais feioe trucuento no Campeonato Espanhol.

    Essa evidncia mostra como, ao se conceber a regra, ignorou-se que ostimes se adaptam ao novo ambiente. Faltou aos formuladores da mudan-a se perguntarem como a nova regra aetaria os benefcios e os custosde se buscar um gol a mais durante a partida. A hiptese da FIFA de queo jogo se tornaria mais ofensivo vlida somente quando a partida estempatada, situao em que para ambos vale a pena atacar mais. O proble-ma que o comportamento dos times se ajusta durante a partida: quemsai na frente do placar passa a ter muito a perder caso sofra um go, o queeva a um jogo mais defensivo e violento do que antes.

    Fechamos esse texto voltando ao primeiro pargrafo. por que incen-tivos ao bom desempenho funcionam relativamente bem nas empresas(como a proviso de bnus aos empregados mais produtivos),,mas deramerrado no futebo?

    Para mostrar ao chefe que ee o mais produtivo da turma, um fun-cionrio tem sempre duas opes: trabalhar duro e produzfu mais, ou"sabotar" o trabalho de seus coegas para que eles paream menos pro-dutivos. Mas se os empregados optarem pea estratgia da sabotagem, aprocutividade de todos ser muito baixa e o chefe poder ficar furioso,no clar bnus a ningum e, provavelmente, demitir aguns.

    No caso do futebol, ganhar o que mais importa, independentementede quo sofrve seja assistir ao jogo. No h, na regra, punio porjogarfeio (sabotar o jogo). a que reside o problema.

    Talvez iimites ao nmero de faltas ou punies mais rgidas a joga-das violentas sejam alternativas que concretamente beneficiem o futebolarte. O problema que, como vimos no caso da mudana na pontuao,os times se ajustam s novas regras e, assim, no h como prever todasas consequncias sobre a qualidade do jogo. Por exemplo, quem garanteque, com maior punio para jogadas faltosas, os atletas no comeariama smuar fatas, tombando diante do menor contato do adversrio? sobessa hiptese, atacantes habiidosos poderiam dar lugar a bons ,,cavado-res" de faltas, prejudicando, assim, a qualidade do jogo.

    O futebol no o esporte mais popuiar do planeta toa. Talvez sejamelhor alterar o menos possvel as suas regras.

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    i i Racionslidode individual eii rrocionslidade coletvot ij r

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    exempo vem do Prmio Nobel Thomas Selling, mas a cena conhecida: o trnsito comea a parar e as pessoas a pr as ca-beas para fora da janela. Aguns metros frente, um acidente

    bloqueia a pista da mo contrria, mas o engarrafamento na pista "liwe" to grande quanto o da pista bloqueada. Isso porque quase todo mundod-iminui a velocidade para olhar de perto o carro capotado a poucos me-tros. O interessante que cada curioso bisbilhota a viso do automvelacidentado por meros 5 segundos, mas por conta dessa atitude, cada umna fila se atrasa cerca de 30 minutos.

    Trinta minutos perdidos no trnsito tempo demais, mesmo para osmuito curiosos. Assim, seria claramente melhor para todos se menos gen-te parasse para olhar. Mas ponha-se no lugar de quem est exatamenteao ado do carro capotado e j esperou na fia por mais de 29 minutos.Para ee, reduzir a velocidade agora custa apenas 5 segundos de atraso- os minutos perdidos no podem ser recuperados. Por que ento nosacar a curiosidade mrbida, dado que o custo dessa ao reflete-se emquem est atrs na fila, um desconhecido qualquer?

    Sob o ponto de vista individual, parar para bisbilhotar a deciso ra-ciona e egosta de quem j chegou cena do acidente. Todavia, comtodos pensando assim, o resultado final um atraso de 30 minutos paracada um. Ou seja, a consequncia da racionalidade individual algo quepodemos chamar de irracionalidade coetiva. Todos perdem e,.ainda as-sim, impossve evitar o resultado tinclesejado. Nesse caso, o "ivre mer-

    9C sl lB / Lr.r?.t Do Eccl ' . . :oivlrs'r .q Rnc!onol ic iade indiv iduo e i r rncior ic l ic lcde cclz ivn 91

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    cado" (pessoas escolhendo o que melhor para elas) no suficienre paraequacionar a questo.

    Uma maneira fcil de resolver o imbrglio estabeecer uma multapara os curiosos de planto: por exemplo, reduziu a velocidade e atrapa-lhou a vida dos outros, R$50 de infrao. Com esse arranjo, a sociedadeestria melhor porque, agora, atasar a da de quem vem depois temcustos bem concretos.

    Veja que possvel que, ainda assim, algumas pessoas continuassemparando para tirar uma foto do acidente, pagando, para isso, R$50 demulta. Mas isso no seria algo ruim ou uma falha da soluo via muta.Por que no? Porque reduzir a velocidade para ver o acidente vale maisque R$50 para um dado cidado, ento de fato eficiente que esse curio-so insacivel atrase um pouquinho o trnsito dos que vm atrs. Afinade contas, o bem-estar do curioso tambm deve ser levado em conta nocmputo do bem-estar da sociedade. Alm disso, ele est pagando peainconvenincia gerada.

    O fato que sem a lei que multa quem desaceera, atrapalhar os ou-tros tem custo zero. A custo zeo, ser curioso muito fci, gerando umaenormidade de curiosos.

    Das ruas para os lares, por que a conta de gua nos apartamentos , emgeral, mais alta que nas casas? PeIo mesmo fenmeno de irracionalidadecoletiva descrito anteriormente. Que incentivos tem um morador de umprdio, onde a gua est includa no valor do condomnio, a reduzir otempo de seu prazeroso banho quente se, ssim procedendo, ele no seapropria plenamente de sua economia?

    De fato, ao consumir menos gua, o morador do prdio faz um favora todos. Contudo, ele mesmo ganha pouco com isso. O motivo simples:sua economia, que vem ao custo de aigum sacrifcio pessoa, repartida- em tennos de conta de gua coetiva menor - entre todos os outros mo-radores. Claramente, essa partilha de benefcios afeta adversamente seusincentivos a fazer sacrifcios, coisa que no ocorre nas casas, onde a contareflete to somente seus prprios hbitos.

    O pior que mesmo que todos os outros moradores do prdio estejamtomando banhos curlos, o melhor sob o ponto de vista individual conti-nua a ser banhar-se vontade, pois a conta mais gorda no recai sobrequem a gera excusivamente; ela dividida entre todos os condminos.Com todos raciocinando assim, o desperdcio no chuveiro torna-se praxe

  • .h9? soB LUpA bo EcoNoMrsA pr"ivotizaco dos rinocercnte.s 93

    difundida e uma bela conta de gua bate porta de tod.os no final do ms.os poucos que, por altrusmo ou conscincia, se sacrificaram em nome dobem comum, ficaro provavelmente to revoltados com a fatura que., noprximo ms, passaro a escovar os dentes com a torneira aberta.

    H, felizmente, uma soluo fci para o problema do consumo ex-cessivo de gua nos prdios: basta individualizar as contas, tornando osprdios similares s casas nesse quesito.

    J sabe agora o leitor por que a conta do bar nas reunies dos amigosda faculdade no fim de ano sempre to salgada? Nesses eventos, nin-gum tem incentivos a conter suas demandas de usque e camaro, vistoque os custos so repartidos sempre entre todos. o triste que essa racio-naiidade individual leva, no fim da noite, ao desespero coletivo,e at mes-mo a eventuais celeumas. Mehor ento evitar problemas, agendando oencontro do prximo ano em um bar com comandas individualizadas.

  • CAp. Zq

    Celebridades

    eebridades bem intencionadas so um verdadeiro perigo, comonos relata o economista catalo Xaer Sala-i-Martin.t

    A ocasio o Frum Econmico Mundial, em Davos. O ano 2005, e o paestrante o presidente da pobre Tanznia, que dispara audincia o argumento de que milhares de crianas de seu pas poderiamter suas vidas salvas da malria se o mundo rico se dispusesse a doar-Ihes alguns milhares de mosquiteiros. Ato contnuo, sharon stone - atrizamericana conhecida pelo filme "Instinto Selvagem,, - ergue-se de suacadeira com os olhos marejados e promete uma doao de US$IO milpara compra dos mlagrosos mosquiteiros. Mas a senhorita no para pora, e incita os presentes a seguirem seu belo exemplo, intimando-os adoar tambm a mesma quantia em prol das crianas da Tanznia. Mui-tos, constrangidos, levantam a mo em sinal de concordncia. Um dospresentes conta o nmero de braos erguidos e anuncia em tom triunfal:temos US$1 miiho em doaesl

    Fogo-ftuo. A_lguns meses aps a emocionante seo, apenas US$250mil haviam sido coetados, relatam os organizadores do evento. para notransformar a promessa em um vexame, a UNICEF entra na parada comos US$750 mil restantes, completando, assim, o US$l milho anunciadocom pompa alguns meses antes.

    Quantas crianas oram salvas com a iniciativa? isso que no final dascontas interessa, certo? Pasmem, ningum sabe, ningum viu, ningum

    120 soB LupA bo coNoinrsr

    foi in loco verificar a eficcia da medida. sabe-se, contudo, que muitosvestidos de noiva, fabricados com as redes roubadas dos mosquiteirosque chegaram aos portos da Tanznia, apareceram nos mercados ocais,fazendo a alegria de alguns comerciantes. sabe-se tambm, como noslembra sala-i-Martin, que morrem muito mais crianas na Tanznia dedirreia do que de malria, e que muitas delas sequer dormem em camas.Por fim, uma questo de aritmtica trivial o fato de que parte dos recur-sos da LINICEF, que poderiam ter ido para iniciativas mais producentes,foram ao socorro da reputao de Sharon stone e do Frum EconmicoMundial.

    Pouco alentadora a evidncia de que os cerca de US$3 trilhes gastoscom ajuda a pases africanos nas ltimas dcadas no renderam quase nadaem termos de desenvolvimento econmico-socia no quinho mais pobredo planeta.2 claro, parte da explicao que em um coninente infes-tado por govemos corruptos e ditatoriais, enviar ajuda quase sinnimode engordar a conta bancria na sua de alguns ladres, Mas no apenasesse o problema. A mensagem dos pesquisad.ores nessa rea , que, em boamedida, as doaes so ineficientes porque quem doa no conhecedireito as necessidades de quem eles almejam ajudar. sharon stone nosabia que as crianas da Tanznia morem mais de diarreia do que de ma-ria, e no dormem em camas onde se poss4m encaixar os mosquiteiros.

    No que se refere aos programas de ajuda aos pases muito pobres, a n-fase corrente est pum e simplesmente em doar, sem pensar ou planejardireito. o prprio Banco Mundial se vangloria de quanto gasta a cada anocom ajuda a iniciativas para o desenvolvimento dos pases pobres; porm,o quanto se gasta, ou melhor, se despeja, no a varivel que interessa. oque interessa o resutado final, a taxa de sucesso das iniciativas.

    Assim, parte importante da ineficncia da ajuda tem a ver com os in-centivos dos doadores, que parecem extrair benefcios (inclusive psico-gicos) em anunciar que doaram, mas nunca so responsabilizados quandosuas iniciativas naufragam (levando junto milhes de dares d.os contri-buintes). Muitas vezes h grande necessidade de doar, pouco importandopara qua projeto, pois no desembolsar o dinheiro orado pode significarmenor ingresso de recursos nos cofres da instituio, ou co departamen-to, no ano seguinte. E ningum gosta de gerenciar menos dinhero.

    2Eastery, W. (2003), "Can Foreign Aid Buy Growth?,,, Journal of Economic pe.rsoectives

    elelsr i i l ie+ 121

  • Veja que no setor privado a lglca oposta: um empresrio que gastamihes de dlares em um projeto furado termina no olho da rua ou, nomnimo, no recebe mais para desperdiar no ano seguinte' Justamentepor isso, ele escolhe com mais cuidado onde gastar do que Sharon Stoneou o Banco Mundial. os pobres da rica no podem despedir o presi-dente do Banco Mundial de seu cargo, infeizmente. Se eles pudessem, odinheiro dessa instituio seria melhor alocado s necessidades:de cadaregio.

    Xaer Sala-i-Martin, o professor da Universidade de Columbiai cita'do neste texto, passou diversos anos estudando a questo da desigualdadede renda no mundo. Xavier gosta de contar a seus alunos de doutorado ahistria de uma viagem que certa vezfez frica, na qual teve a oportu-nidade de entrevistar um agricultor de uma via rural - um africno sim-ptico que costumava pantar caju. Reproduzimos, com nossas palavras,o teor da conversa dos dois.

    A vila nem sempre fora to pobre. A plantao de gneros alimen-tcios era diversificada, e as pessoas iam vivendo mais ou menos bem,explicava o agricutor ao proessor. O caju era apenas um dentre vriosgneros cutivados. Mas ento o tal pantador recebeu a inesperada vi-sita de um homem branco, enviado de uma ONG chamada Oxfam, cujoobjetivo declarado impusionar o comrcio com os pases mais pobresdo mundo. Na inteno de ajud-Io e premi-lo por seu esoro, o sbiohomem branco resolveu comprar todo o estoque de caju do agricultorpor um preo quatro vezes maior do que o prevalecente no urercado.A renda do sortudo plantador de caju, obviamente, disparou, e por umtempo ele pde comer melhor, vestir melhor seus filhos, fazer uma pe-quena reforma na casa etc. Ah, se no fosse a ajuda desses ocidentaisr icos e generosos.. .

    O boato, ciaro, rapidamente se espalhou pelas vizinharlas: um ho-mem branco havia comprado caju por um preo quatro vezes maior queo de mercadol Foi o suficiente para que muita gente na regio parassede plantar os gneros aos quais vinham se dedicando, substituindo-os,na medida do possvel, pelo plantio do abenoado caju. Porm, comodiz o ditado, alegria de pobre dura pouco. Quando a hora da colheitano ano seguinte chegou, o tal homem branco no retornou viia (pro-vavemente estava "ajudando" algum agricultor em outro pas pobre),e a superproduo de caju gerou queda estupenda no preo,-arruinan-

    t?? soB LUP Do EcoNolrs e iebl idor jes L?3

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    do a vida de muitos agricultores da regio. Onde est voc, homer'^branco?3

    A lio dos casos mencionados que a ajuda a pases mais pobres sse tornar uma arrna eficiente no combate pobreza quando os doadoresforem, em alguma medida, responsabilizados pelos custos de suas aes,e primeiro passo a ser dado nessa direo mudar a medida de per-formance de "quanto se gastou" para "quais os benefcios associados aodinheiro gasto".

    Brad Pitt e Angelina Jolie: um casal simptico, no mesmo? Em janei-ro de 2009, Angelina pegava o avio para Adis Abeba, capital da Etipia,para efetuar mais uma adoo (a quarta do casa). Os dois j tm maisfllhos estrangeiros do que norte-americanos. Sem dvida, um casal decelebridades bem-intencionado. Mas a pergunta aqui no se Brad eAngelina tm bom corao, e sim se com essa atitude eles esto ajudandoo conjunto de crianas dos pases pobres. Infelizmente, possvel que aresposta seja no. Ainda que eles adotassem cem crianas africanas, o be-nefcio venciado pelas sorteadas na loteria da adoo poderia ser maisque compensado por um efeito colateral adverso: mais pais abandonandoseus filhos em orfanatos na esperana de que eles sejam adotados poragum fi.guro do exterior. Diga-se de passagem, esse efeito no deve serconsiderado desimportante em lugares mrlito pobres, onde a informaoe a educao de muitos pais so extremamente limitadas.

    Mudando de celebridade, Paul David Hewson loje um dos maioresdefensores do perdo da dvida dos pases inais pobres do mundo. Quem Paul David Hewson? Tavez voc o conhea pelo apelido, Bono Vox.Atm de defender o calote da dvida nas horas vagas, Pau, ou melhor,Bono, exece o papel de lder da banda de msica U2.

    O argumento de Bono parece correto: se os pases mais pobres domundo no precisassem repagar suas dvidas contradas com os mais ri-cos, sobrariam mais recursos em caixa, o que possibilitaria mais investi-mentos em educao e sade, em obras de inraestrutura e em programasde transferncia de renda para os necessitados. Am disso, como nosIembra seu amigo economista Jeffrey Sachs, ao. anunciat o calote de seus

    3 Melhor teria sido presentear o agricutor com a mesma quantia em dinheiro, tnassem pedir nenhum caju em troca. Nesse caso a ajuda no teria afetado os incentivosde todos os agricultores a plantar toneladas de caju.

  • compromissos com o exterior, os governos dos pases pobres sinalizariamde modo crvel uma reduo futura de impostos. Afinal, com menos dvi-da, haveria menor necessidade de taxar a produo interna para honrarseus compromissos financeiros. Percebendo isso, os empresrios locaisi.nvestiriam mais na produo j hoje (antecipando meno tributao nofuturo), trazendo o crescimento da economia a reboque.

    Parece consistente, mas a tese empiricamente frgii. Talvez o bene-voente Bono Vox e sua turma no saibam, mas os pases muito pobres dafrica j deram calote da dvida no passado e, apesar disso, continuaramsem investir em polticas pblicas que melhorassem a vida de seus cida-dos. Alm de tudo, como mostra Wiliam Easterly em seu provocativoIivro The Whte Man's Burden,a poucos anos aps o calote da dcada deI980, o endividamento nesses lugares j havia retornado aos nveis pr-calote. Nada surpreendente, dado que os incentivos dos governantes agastar sem limites - sobretudo em projetos que os beneficiarn diretamen-te - crescem proporcionalmente percepo de que eles podem escolhermpunemente no paga suas dvidas mais adiante, usando como descul-pa a situao calamitosa da economia nacionai; econornja que, diga-se depassagem, eles fi.zeram quase nada para desenvolver.

    Pior ainda se a iniciativa do perdo da dvida pegar. Quem pagar aconta sero os pases que precisam de emprstimos extemos para investirem sua economia e intencionam honrar seus compromissos - ou algumacha que os credores vo querer continuar emprestando, uma vez que setenha aberto o precedente de que pobre no precisa repagar seus com-promissos internacionais?

    Em suma, no basta ter boas intenes. No popular, muito ajuda quemno atrapaha, e preciso certificar-se de que a ajuda atingir o cerne doprobema, chegar a quem precisa e no criar incentivos pewersos aodesenvolvimento de longo prazo.

    a Pubicado pela Oxford Press, em 2005.

    t24 soB LUp o Ecol toMsr

  • cA?.2+

    A vido e c morte do dragonf locionrio

    ode um aumento nos impostos levar a uma queda na inflao? pormais estranho que possa parecer, a resposta a essa pergunta umsonoro sim. Isso no apenas uma fico de ivro-texto de Eco-

    nomia, visto que a Bolvia conseguiu erradicar uma inflao anua de20.040% em I985 com base em uma pesada elevao de tributos.r Masno deveria um aumento de impostos estr associado a preos mais aitos?O que expiica esse aparente paradoxo?

    Antes de mostrarmos que, de fato, no h paradoxo algum, precisa-mos aborda uma questo intermediria, mas crucial: a relao entre mu-danas no estoque de moeda e a inflao de um pas.

    Suponha que o Banco Central do Brasil coloque para funcionar a ma-quininha de imprimir dinheiro, elevando o estoque monetrio da eco-nomia repentinamente em LOo/o.2 O que acontece? Ora, o pbico, commais moeda em mos, despejar mais dinheiro no mercado na tentativade transform-o em maior quantidade de bens de consumo. Mas esseesforo se mostrar vo, e as pessoas no conseguiro, no frigir dos ovos,consumir mais aps a injeo extra de dinheiro. O problema todo que,ao injetar no mercado mais desses papis coloridos com desenhos de ani, Ver Sachs, J. (1987). "The Bolian Hyperinflarion and Srabiiz ation, , Amercan Eco-nomc Review, Papers an Proceedngs 77:279-283.2 Eetivamente, para pr mais dinheiro na economia, o Banco centra promove aschamadas operaes de mercado aberto, recomprando dvida governamenta em po-der do pbico.

    .

    A v idE e o mrt do droqo inf locioncir ic 131

  • mais, o Banco Central no cria, como em ,* Ourr. de mgica, mais benspara as pessoas consumirem. Temos, ento, mais notas correndo atrs damesma quantidade de bens. O que voc acha que acontecer, prezadoleitor? Que varive responder a essa enxurrada de moeda?

    Os preos subiro para fazer o ajuste. O ponto que a expanso mo-netria eleva a demanda por bens e servios, mas no contribui em nadapara alterar sua oferta. Para dirimir o desequilbrio criado entre demandae oferta, os preos tm que aumentar.

    Com efeito, os preos subiro exatamente em l0"/o, paripassu ao au-mento do estoque monetrio. Assim, apesar de haver mais moeda nomercado. o poder de compra do estoque monetrio total no muda. Porexemplo, uma pessoa com R$l mil antes da mudana podia comprar milbarras de chocolate a R$ I por unidade. Aps o aumento na quantidade demoeda em I07o, essa mesma pessoa agola passa a possuir R$1.100, masisso lhe de pouca serventia, dado que cada barra custa agora R$I,I0.No h mgica: mais dinheiro circulando no altera a realidade de queexistem apenas as mil barras de chocolate para serem consumidas.

    Em suma, a inflao - definida como a taxa de variao dos preos -est intimamente iigada taxa de expanso da moeda. Nesse exemploparticular, ambas so iguais a l0o/o.

    A histria simplificada contada descreve com grande acurcia o querealmente se verifica na economia no longo prazo: maior expanso damoeda, maior inflao. No curto prazo, entretanto, alguns preos (porexemplo, aluguis) no reagem mudana na quantidade de moeda emcirculao pelo simpes fato de estarem fi.xos em contratos que se reno-vam apenas de tempos em tempos. Isso signifi.ca que a mdia dos preosaumentar menos que I0% no curto pazo, provocando elevao realno poder de compra da moeda.r Mas, no longo prazo, aps os contratosvigentes na economia terem sido restos, a inflao acompanhar muitode perto a taxa de expanso monetria.

    Essa tese amplamente corroborada pela evidncia emprica: pasescom inflao mais alta so justamente aqueles que apresentam maior ex-panso de seus estoques de moeda. A relao fica evidente na Figura I, a

    I Ou seja, o estoque monetrio aumenta em 10%. mas os preos aumentam'em umaproporo inferior. Isso impiica que a moeda em circulao ser capaz de comprarmais bens e servios no curto prazo.

    L32 soB LUP Do EcoNOMrsT vido e q morta do drcqo inf lqcionr io 133

    FIGURA

    10000

    I: TAXA DE INFIAO E CRESCIMENTO DA MOEDA EM VRIOS TA5ES

    P toooIoo

    Er6qg 1ooEoFx

    1 10 100 1000 10000

    j *xa de Cescimento da Moeda (% ao ano)

    qual rene dados de mais de 200 pases, com mdias das taxas de inflaoe de crescimento da moeda ao longo da dcada de I990.4

    Essa relao entre moeda e preos ainda mais clara quando o pro-blema inflacionrio se torna crnico. O Brasil, por exemplo, passou adcada de 1980 e metade da dcada de 1990 utando contra o problemade inflao alta. Para se ter uma ideia, o ndice de inflao atingiu maisde 2.000% em 1993. Vale dizer que no estvamos sozinhos nesse barcofurado, pois diversos pases da Amrica Latina passaram por episdios se-melhantes'nos anos 80. Casos mais agudos ainda podem ser encontradosna dcada de 1920, em pases derrotados na Primeira Guerra Mundial, NaAlemanha, por exemplo, os preos aumentaram em mdia mais de 850mil vezes entre dezembro de 1923 e dezembro de 1924.5

    Todos esses casos de inflao muito ata guardam entre si um traocomum: elevaes impressionantes na quantidade de moeda em circuia-

    a O grfico est em escaa logatmica. Os dados foram extrados de World DevelopmenlIndicators (Banco Mundial). A inflao medida como a taxa de variao do ndice depreos ao consumidor; o estoque de moeda engloba pape-moeda (cduas e moedasmetlicas) e depsitos de curto prazo em bancos comerciais.5 Ver Sargent, T.J. (1982). "The Ends of Four Big Inflations" . In: H.alI, R. E. Inflation:Causes and Effecls. University of Chicago Press.

  • o. O interessante que, nesse tipo de situao, a relao entre preos emoeca verificada at mesmo em perodos cufios de tempo.

    A Figura 2 a seguir mostra o caso do Brasil nas Itimas duas dcadas.Note que aqui os dados so anuais, ao contrrio da Figura l, em que con-sideramos um horizonte mais longo de tempo (uma dcada). Claramen-te, picos de inflao so acompanhados de expanses na ofefia de moedade magnitude semelhante, e a queda da inflao aps 1994 veio juntocom uma freada fenomenal no ritmo de crescimento da moeda.

    Por que quando a inflao muito alta, sua relao com a taxa de ex-panso da moeda se veriflca j no curtssimo prazo?

    Em ambientes nos quais os preos mudam muito, a moeda perde suaIuno de referenciar os valores dos bens e servios transacionados paeconomia, fazendo com que as pessoas optem por no escrever contratosexpressos em vaores monetrios constantes. Imagine fixar o alugue deuma casa por um ano, quando os preos chegam a quase dobrar duranteum ms. Para se proteger dessas enonnes oscilaes, quando a inflao alta, vendedores de bens e servios geralmente passam a adotar umarefernca monetria mais estvel, em geral o dlar.

    Vejamos o que ocorre em uma economia em que a moeda nacionalperde toda sua altivez e praticidade, e tudo passa a ser cotado em dlares.Nessa situao, ao inundar o mercado com moeda domstica, o BancoCentra torna o dar escasso relativamente moeda nacional, o que pro-

    TGURA 2

    -

    Ta de Inllao.--... T ds cr*imeolo da moda

    1980 1981 1 9821983 1984 1985 1 986 1987 1988 1989 1990 1991 19921993 1994 1995 1996 19971998 19992000 2001ano

    50A LUP DO ECONOI/, 5T134 vds e o morte c io drogo inf lacionr io 135

    voca aumento no preo da moeda estrangeira. O que ocorre na prtica que as pessoas pegam esse excesso de moeda naciona e tentam troc-opor dlares, levando alta da cotao da moeda norte-americana. Comisso, os contratos baseados no dlar so automaticamente corrigidos paracima. Ou seja, quando a economia est indexada ao dlar (por conta dainfldo galopante), o aumento na oferta de moeda transmitido quaseque instantaneamente aos preos e, assim, a relao entre inflao e taxade crescimento monetrio aparece de forma bastante cristalina j no cur-to prazo, como iustra o caso brasieiro na Figura 2.

    Resumindo o que vimos at aqui, a inflao um fenmeno emi-nentemente monetrio, e processos inflacionrios crnicos so fruto daao de govenos que expandem rapidamente a quantidade de moeda naeconomia.

    Contudo, para ir ao verdadeiro cerne da questo, precisamos nos per-guntar por que govemos acabam tomando atitude desse tipo. Afinal decontas, uma inflao alta impe custos pesados populao, tornando'o ambiente econmico instvel e o valor de tudo muito incerto. Comoconsequncia, pouca gente se sente confortvel para investir. I.To toaque inflaes muito altas esto associadas a taxas de crescimento econ-mico baixas. Quem tem mais de 30 anos sabe do que estamos falandoporque sentiu na pele a desestruturao econmica gerada pela inflaoalta no Brasil. Aos mais novos sugerimos que perguntem a seus pais sobreo caos econmico que reinava no Brasil do flm dos anos 80 e incio dosanos 90.

    Ser que os governantes dos pases derrotados na Primeira GuerraMundial, ou dos pases latino-americanos na dcada de 1980, tinham al-gum prazer sdico em penalizar o povo com inflao ata? Haveria outrarazo por trs de gestes to caticas de poitica monetria?

    Na verdade, a causa undamental da inflao muito alta sempre umtotal desordenamento das contas pbicas, com gastos consta.ntementeacima das receitas de impostos.

    No setor privado, uma pessoa pode eevar seu consumo correntebasicamente de duas formas: trabalhando mais, e gerando mais rendacorrente, ou acumulando dvida (que precisar ser paga mais frente

    6 Bruno, M. & Easterly, W. (1996) "Inflation's Children: Tales of Crises That BegetReforms", American Economic Revew.

  • com uma reduo de consumo no futuro). O gov-erno dispe de opesanogas para fi.nanciar um aumento de gastos pblicos: elevar a arre-cadao de impostos (aumentando, assim, sua renda) ou emitir ttulosda dvida pbica (que tambm no fazem mgica, dado que,a dvidaprecisa ser repaga depois). Mas o problema - sim, muitas vezes trata-sede um problema - que o governo dispe ainda de uma terceira alter-nativa: ele pode imprimir moeda para cobrir seus gastos excessivos.

    Todos os episdios histricos de hiperinflao tiveram como origemo descontrole das finanas do governo. Na dcada de L920, Alemanha,ustria e Hungria eram pases destroados pela guerra e marcados pelainstabilidade poltica. A dificuldade em cobrar impostos e tomar empres-tado do resto do mundo, juntamente com a necessidade de pagar subs-tanciais reparaes aos aliados, colocou forte presso sobre as contas p-blicas desses pases. J nos anos 80, a alta dos juros intemacionais,fragilizousobremaneira as finanas dos j endividados govemos latino-americanos,que no conseguiram, na poca, cortar seus gastos e aumen-tar osimpostosde modo a equacionar a situao.

    Nos dois casos acima, o resultado final foi o mesmo: dficits:pblicossescentes flnancados por emisso de moeda e taxas de inflaoique, fre-quentemente, ultrapassavam a marca dos 1.000% ao ano.

    Essa igao entre finanas do govemo e inflao nos remete questo doircio deste texto. sendo a extrlanso monetria um fruto direto do descon-troe de gastos, segue-se logicamente que, para destruir o flagelo inflacion-rio, preciso, primeiro, pr ordem na "cozinha fiscal,,. Isso pode ser,feito como aumento dos impostos, corte de gastos ou, ainda, com a implementao deambos. seja como for, o crucia cortar pela raiz o processo doentio'de feclearo desequibrio das contas pblicas com impresso de moeda.

    Com esse arcabouo terico em mente, em 1985, o ento jovem eco-nomista americano Jeffrey sachs aportou em uma Bolvia acossada pelahiperinflao convite do govemo. sua misso era ajud.ar no desenho deum novo plano econmico para o pas. No foi muito difci para sachsidentificar que a raiz do problema era o dficit pbrico e sua causa princi-pal: uma receita de impostos insuficiente

    A principal fonte de receita do govemo boiviano provinha dos impos-tos cobrados sobre os hidrocarbonetos. o problema era que o preo dopetrleo - e, consequentemente, o,valor dos impostos arrecadados combase nee - s vinha sendo reajustado a cada 60 dias ou mais. En um am-13 soB LUpA Do EcgNoMrs'rA vido e c morte do droqo n{lacianri t37

    biente de inflao alta, essa poltica afetava tremendamente a arrecada-o do governo, que se deteriorava por conta da inflao, corroedora dasreceitas do petrleo. A consequncia bvia disso foram fortes dflcits (daordem de I0% do PIB), expanso monetria excessiva e hiperinflao.

    Antes de deixar a Bolvia com sua pequena equipe, sachs sugeriu umforte reajuste dos preos dos derivados do petrleo como meio de incre-mentar as receitas pbicas, fechar o dficit e, assim, pr fim inflao.Alguns meses depois, o recm-eleito govemo boliviano imprementou umpacote de reformas que inclua essa sugesto. Ato contnuo, o drago dahiperinfl ao caiu morto.T

    7 Ver o artigo: Sachs, J. (19S7) "The Bolian Hyperinflation and Stabiizaton,, Ame-rican Economic Review.

  • t9? 5g A LUPA DO FCONO1IS QWERTY 193

    O\p, {iOQWERTy

    r a uma festa em que pouca gente comparece bem pouco dverti-do dado que, em geral, extramos prazer de estar na companhia dcoutras pessoas. Assim, minha deciso de ir a uma festa depende do

    que eu espero que outas pessoas intencionam azer. Do mesmo modo,usar um software de edio de texto que ningum mais emprega no de grande seryentia prtica, uma vez que raramente escrevemos argo quetenha como destinatrio nico ns mesmos. portanto, minha deciso demudar ou no de software depende crucialmente do que penso que osoutros usurios esto fazendo ou planejando fazer, e investir vastas quan-tias de capital em uma economia em desenvolvimento sem que ningummais o faa no parece uma boa estratgia tambm, j que uma empresailhada em um mar de subdesenvolvimento no ter para quem venderseus produtos.

    Como deve ter percebido o leitor, todos os exempos citados tm umfio condutor comum. Neles, a ausncia de coordenao das aes indivi-duais prejudicial a todos.

    Queremos deixar claro de sada que, ao contrrio do que em geral sepensa" em diversas instncias nas quais ocorre algum tipo de interaoestratgica entre indivduos, o ganho de um no representa necessaria-mente perda para o outro.r Muitas vezes ocorre justo o contrrio. Nosexempos citados, se eu espero que o outro faa algo, como por exem-

    I Jogos em que o ganho de um representa necessariamente a perda do outro sochamados de jogos de soma zero, ou de soma constante, e so tambm usuais emEconomia.

  • plo investir recursos em dado pas, para mim torna-r. rr.ruriuo tambmfaz-lo. De forma recproca, minha ao de investir tambm gera ganhosao outro investidor, pois com ambos agindo similarmente, cria-se ummercado grande o suficiente para os dois produtos. Agora, se por um mo-tivo qualquer, minha expectativa que o outro permanecer inerte, paramim se torna desinteressante seguir adiante soznho. A palavra-chave ,ento, capacidade de coordenao.

    As letras Q, W, E, R, T e Y so as seis primeiras que aparecem, da es-querda para a direita, na imensa maioria dos teclados de computador.Com efeito, essa distribuio espacial das teclas carinhosamente conhe-cida entre os fabricantes do setor como layout "QWERTY". O leitor des-confla de quando data esse formato de teclado?

    A resposta , acredite se quiser,'de fins do sculo XIX. Claro, hmais de cem anos no havia computadores, mas j existiam as m-quinas de escrever, e essa disposio de teclas tinha orte razo de sernaquele tempo.

    Para quem no sabe, a l6gca implcita no teclado QWERTY a demaximizar a distncia entre as letras mais seguidamente tocadas na horade se digitar um texto. Tal caracterstica era considerada fundamental napoca das mquinas de escrever de uncionamento mecnico, que cons-tantemente emperravam. Para minimizar o inconveniente dos seguidosempenamentos que atormentavam os usurios, Christopher Scholes in-ventou a disposio de tecias que voc v em seu teclado. A ideia erasimples: aastar as tecas das letras que vm usualmente juntas na maioriadas palavras.

    Hoje em dia, contudo, no se usam mais as mquinas mecnicas de an-tigamente e, portanto, a motivao que deu origem ao teclado de Scholesesvaziou-se na era do microcomputador. Mais do que isso, h configura-es de teclado comprovadamente mais eficientes (principalmente comreiao velocidade de digitao) que a distribuio QWERTY, como ocaso do teclado DSI por exemplo. Em que pese isso, a grande maioriados teclados ainda segue o padro QWERTY. Por qu?

    Por um problema de coordenao semelhante aos coocados na intro-duo deste texto: como as consecutivas geras de usurios que iniciamsua vida no computador o fazem utizando teclados QWERTY, a estrat-gia tima para os fabricantes continuar produzindo nesse olmato emque as pessoas se habituam desde cedo a trabalhar. Centenas de milhes

    194 S0 i_, . , , j , ; , . i - i .? l lcNOi iST. [l'yiJf ;r'lar' t95

    :xru.

    de usurios, trenados airrda na infncia nesse tipo de teclado, no que-rem se dar ao trabalho de adaptao a outra configurao de tecas para,assim, economizar aguns minutos por dia. Remodelar suas habilidades,afinal de contas, custa tempo.

    Agora, se por um motivo qualquer muitas pessoas tivessem seu pri-meio contato com computadores de teclados do tipo DSK, a histria seriaoutra, pois passaria a ser interessante para as empesas fabricarem umamaior proporo desse tipo de teclado - e todos sairiam ganhando, dadoque ele mais rpido. O difcil fazer o salto de uma situao (ou equi-brio, como se diz em Economia) em que a grande maioria usa QWERTY,para a situao em que a maioria usa DSK. Ningum quer dar esse pulodesacompanhado, mas, se muitas pessoas o fizerem, ningum quer ficarpara trs.

    Em suma, mesmo havendo dois equilbros possveis, no sentido de queum dos dois tedados predominar dependendo da quantidade de pessoas

    ; nele treinadas, na prtica, por um motivo de precedncia histrica, muito' dicil coordenar as pessoas para usarem o mais modemo DSI(.

    Assim, acaba prevalecendo a situao, ou o equilbrio, em que as pes-soas aprendem no QWERTY, as empresas consequentemente fabricamcomputadores com esse modelo de teclado e mais gente acaba se familia-rizando com esse formato - o que ratifica a deciso das empresas de nofabricarem o DSK em larga escala.

    Indo para questes talvez mais substanciais, mas sem sair do tema deirrteraes estratgicas e equibrios de coordenao, uma importante ver-tente da teoria do desenvolvimento econmico, apresentada inicialmentenos anos 40 peio economista Paul Rhosenstein-Rodan, baseia-se na ideiada existncia de mais de um equilbrio possvel no mbito de um jogo decoordenao similar ao anteriormente descrito.

    Imagine o leitor uma economia em estado de desenvolvimento aindaagrrio, mas inserida em um mundo onde j est disponvel em outrospases a mais avanada tecnologia industrial. Em princpio, nenhuma for-a sobrenatural impede o pas atrasado de puar da arcaica tecnologiaagrna para a moderna tecnologia industrial. Ocorre, porm, que o sub-desenvolvimento pode facilmente persistir por conta da inrcia do "equi-brio agrrio", exalamente como no caso do QWERTY.

    Anaiisemos o quadro em questo lanando mo de um exemplo es-pecfico. Na tal economia agrrio-subdesenvovida, so.! o ponto de vista

  • cr ' , r l l l r rrrs i rrvcst idores planejando instaar uma montadora de carros, acslr.r t(igia cie ir adiante com o projeto s ser ucrativa caso o fabricante(l( autopeas, de pneus e o de vidros tambm decida abrir suas unidadesprodutivas. Mas, para cada um desses, s f.az sentido investir grandessomas de capita caso a montadora e os outros tambm o faam. Aest nosso jogo de coordenao: todos ganham se investirem conjunta-mente, mas, se cada um espera que o outro no ir investir, a melhorestratgia individual no investir sozinho. Como quebrar a inrcia doequilbrio em que ningum investe com medo de que os outros noprocedam similarmente, amarrando a economia em estado perene desubdesenvolvimento?

    Nesse tipo de situao, argumentam muitos economistas, o governopode desempenhar papel undamental como indutor do equibrio de co-ordenao onde todos investem, a economia se industrializa e, conse-quentemente, todos saem ganhando. Por exemplo, o governo pode sairna frente, ao construir uma rede de estradas que beneficia todos ao facili-tar o fluxo de produtos ou ao montar uma sidergica capaz de suprir asnecessidades de ao de vrios setores. Assim procedendo, ele d um ,,em-purro" e coloca a economia no equibrio bom, no qual todos, motivadospeia ao inicial do Estado, decidem investir tambm.

    No por acaso que, em ingls, essa teoria ficou conhecida pelo nomede "Big Push". O govemo d um empurro inicial que cataisa a coorde-nao e os agentes privados tratam, depois, de modernizar a economia,investindo.

    Para finalizar, vejamos o caso de uma questo econmica extrema-mente relevante para pases em desenvolvimento, na qual a alta de co-ordenao pode gerar srios probemas: a deciso de rolagem da dvidaextema.

    Economias em desenvolvimento precisam investir largas quantias paracrescer e convergir em direo renda dos mais ricos, porm muitas ve-zes lhes falta poupana interna para financiar a empreitada. Nesses casos, mais do que natural que elas peguem dinheiro emprestado com a po-puao dos pases mais desenvolvidos,2 invistam na economia interna e,aps a colheita dos frutos do investimento, repaguem os cred.ores.

    '? Quei no tm tantas oportunidades de boa rentabilidade dentro de suas fronteiras.dado que ser rico sinnimo de j ter investido muito no passado.

    Tudo muito bonito, mas um srio problema de coordenao pode jogartudo por terra. O ponto-chave reside na formao das expectativas de cadaemprestador individual (bancos ou fundos de investimento que geren-ciam a poupana das pessoas nos pases desenvolvidos) que apofta dinhei-ro ao pas em desenvolvimento. Como o pas que toma emprestado usa osreursos para implementar projetos de investimento que, em gera, tmongo processo de gestao, este nunca tem recursos em caixa suficientespara pagar todos os credores no cufio prazo. Assim, caso estes venham ademandar seu dinheiro de volta de uma tacada s, a coisa pode azedar.

    Os possveis equilbrios em questo so os seguintes; (i) se todos oscredores decidem retirar seus recursos porque cada um individualmenteacha que os outros vo querer sacar sua grana do pas, este, de fato, notem como honrar seus compromissos (ratificando o temor inicia dos cre-dores assustados); (ii) se todos decidem rolar a dvida do pas em desen-volvimento porque esperam que os outros iro proceder de modo simiar,o pas completa seus investimentos e gera renda suficiente para saldartodas suas dvidas no futuro (ratificando a crena otimista dos credoresque decidem rolar a dvida).

    Claro est que, enquanto no primeiro caso todos saem perdendo, nosegundo, todos saem ganhando - credore3 e pas em desenvolvimento.

    Na prtica. qual equilbrio prevalece?Em tempos normais, so grandes as chances do segundo, mas o pro-

    blema que, em tempos de crise, como a que o mundo enfrenta no mo-mento em que este texto est sendo escriio, em 2009, o equilbrio per-verso torna-se mais provvel. Isso porque cada investidor passa a temer apossibilidade de que a ausncia de crdito internacional impea a roagemda dvida dos pases em desenvolvimento. Nesse sentido, ele tem incen-tivos a retirar seu dinheiro antes que a crise, de ato, seja deflagrada eo pas anuncie o calote na dvida extema. Mas os diversos investidorespens;m da mesma forma, o que dispara uma forte sada de capitais queacaba culminaldo na prpria crise.

    Assim, se por algum motivo os mercados passarem a esperar que o pasno honre seus compromissos, uma crise pode, de fato, ocorrer, confir-mando os temores iniciais dos investidores. Note que ela acontece mesmoque as expectativas pessimistas no tenham nenhum fundamento. Emoutras palawas, uma mera mudana de "humor" nos mercados pode lan-ar a economia no equibrio ruim.

    19 soB LUp Do EcoNoMsr Q!,VERY T97

  • cComo evitar esse tipo de situao?uma possibilidade acionar organismos mutilaterais, como o FML

    no intuito de coordenar os credores no bom equilbrio - no qual os em-prstimos so rolados

    - em momentos de alta tenso. Fornecendo elemesmo dinheiro e, por conseguinte, um selo de credibilidade aos,pasesem desenvolvimento com boas polticas econmicas, pode-se minimizarchances de que o pas quebre e que credores e devedores saiam perdendo.Isso funciona como um mecanismo de coordenao entre os investidores:na medida em que o risco de calote minimizado (como consequncia dainterueno dos organismos internacionais), esvaem-se os motivos pararetirar os capitais dos pases em desenvolvimento, possivelmente,previ-nindo a ocorrncia de uma crise de maiores propores.3

    Para concluir, os exemplos descritos neste texto nos mostram que,quando h fahas de coordenao, o mercado deixado por si s no ne-cessariamente atinje o melhor equilbrio.

    r caro, se o pas estiver praticando poticas econmicas ruins. no ser a ajudaterna que o savar. Nada substitui um gerenciamento prudente da economia.

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