godelier, m. o ocidente, espenho partido: uma avaliação parcial da antropologia social

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  • 7/25/2019 Godelier, M. O ocidente, espenho partido: uma avaliao parcial da antropologia social.

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    O OCIDENTE, ESPELHO PARTIDO: uma avaliao parcial da antropoloia !ocial,

    acompan"ada d# aluma! p#r!p#ctiva!

    $auric# %od#li#r

    Meus Caros Colegas,*

    Fazer, diante dos senhores, em uma hora, o balano da antropologia - definir

    seu objeto, evocar suas origens, esboar seu futuro - , evidentemente, uma tarefa

    impossvel ue irei tomar simplesmente como um desafio, um prete!to para formular

    diante dos senhores perguntas ue os senhores costumam formular para si mesmos a

    respeito de sua pr"pria pr#tica cientfica$ Mas por ue essa f"rmula enigm#tica

    %o Ocidente, espelho partido"?

    &odos sabem ue as ci'ncias sociais nasceram no (cidente e ue elas trazem

    necessariamente as marcas dessa origem$ Mas ser# ue isso as condena a n)o

    passar de uma perspectiva etnoc'ntrica entre outras, importante unicamente devido

    influ'ncia do (cidente sobre o destino do mundo atual+ orue desde de novembro

    de ./ e da ueda do muro de 0erlim, ue precipitou o fim do %socialismo cientfico%,

    parece ue a hist"ria retoma tran1ilamente seu curso sob a dire)o do (cidente

    capitalista$ 2 idia do socialismo n)o era, ao mesmo tempo, uma idia ocidental

    proposta a todos os povos do planeta como uma forma de organiza)o da sociedade

    superior ao capitalismo, portanto fadada a tornar-se igualmente a medida do

    desenvolvimento da humanidade+

    ( pr"prio fato de ue o (cidente prop3s dois modelos, de ue um implicava a

    crtica devastadora do outro, leva-nos a perguntar-nos se o (cidente n)o para a

    humanidade menos uma medida ue uma miragem$ 4ssas uest5es dizem respeito

    diretamente s ci'ncias sociais$ Mas uem, dentre os especialistas das ci'ncias

    sociais, seria capaz de prever, h# dez anos, ue um sistema econ3mico e social de

    e!pans)o mundial como o sistema socialista iria rachar por todo lado e desmoronar,

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    em seus aspectos essenciais, em alguns meses, e!ceto em Cuba e na 6sia+ Muitos

    haviam imaginado ue isso iria acontecer, mas poucos previram um fim t)o pr"!imo$

    &alvez seja porue as ci'ncias sociais, malgrado seus progressos, ainda n)o t'm

    condi5es de fazer mais ue correr atr#s dos fatos, analisar sociedades sem perceber

    ue essas sociedades j# est)o em processo de desaparecimento, sempre incapazes

    de prever o ue est# nascendo$ &alvez seja porue as ci'ncias sociais ainda n)o s)o

    ci'ncias$

    7eja como for - e sem partilhar, em absoluto, a vis)o pessimista ue acusa as

    ci'ncias sociais de serem incapazes de desvendar realidades ue agem sobre omovimento das sociedades antes ue essas realidades sejam objeto de uma tomada

    de consci'ncia clara e e!plcita por parte dos atores sociais -, preciso constatar ue

    os acontecimentos ocorridos recentemente na 4uropa abrem uma espcie de cai!a de

    andora, soltando foras e realidades hist"ricas de todo tipo, encobertas e bloueadas

    h# dcadas pela tampa de chumbo de um sistema poltico-econ3mico policial$ 4ssas

    foras e realidades constituem, agora, um campo novo e imenso para a antropologia e

    as ci'ncias sociais$ 2 recusa de in8meros povos e na5es de continuar vivendo no

    interior das fronteiras em ue a hist"ria deste sculo as havia confinado, a reafirma)o

    de identidades antigas, reais ou imagin#rias, a necessidade de encontrar as formas e

    os meios para uma nova transi)o - desta vez muito mais desejada pelas massas mas

    ainda forada - para a economia de mercado e um sistema poltico %democr#tico%,

    todas essas mudanas hist"ricas abrem campos novos para as ci'ncias sociais, ue,

    ali#s, s" poder)o analis#-las com o au!lio indispens#vel e o distanciamento

    proporcionado pelas ci'ncias hist"ricas$

    Mas tambm no 9mago do (cidente, aparentemente triunfante, ue se abrem

    campos novos, visto ue as sociedades ocidentais empurram para sua periferia

    milh5es de indivduos cada vez mais marginalizados economicamente, socialmente e

    culturalmente, indivduos transformados em massas %assistidas%, como s)o assistidos

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    pelo (cidente os povos da 6frica ou da antiga :ni)o 7ovitica$ ( (cidente fratura-se,

    mais ue nunca, numa hieraruia de subsociedades, de semicastas, a mais bai!a das

    uais composta pelos desempregados contumazes, drogados e outros p#rias$

    4stou convencido de ue a antropologia, como as, demais ci'ncias, porm no

    lugar ue lhe pr"prio, tem muito a fazer, s" ue mais ue nunca ela tem necessidade

    de fazer o ue se prop5e mantendo uma consci'ncia crtica de seus pr"prios

    pressupostos te"ricos e culturais$

    ; preciso admiti-lo< as ci'ncias sociais nascidas no (cidente s" se tornaram

    ci'ncias depois ue conseguiram descentrar-se - mesmo parcialmente - em rela)o ao

    (cidente ue as originou$ ; esse movimento contradit"rio ue deve prosseguir hoje,

    numa escala crtica jamais atingida antes$ =ou, portanto, tentar mostrar esse car#ter

    contradit"rio do desenvolvimento de nossas disciplinas escolhendo o e!emplo da

    antropologia, disciplina ue pratico, e respondendo a tr's perguntas simples< %>"s, os

    antrop"logos, de onde viemos+% %( ue j# fizemos+% %( ue deveramos fazer+%

    D# ond# vi#mo!&

    2 antropologia n)o surgiu um belo dia, prontinha, sob a forma de uma disciplina

    cientfica com pretens5es universais$ >asceu pouco a pouco, da necessidade

    e!perimentada no (cidente de conhecer melhor dois campos da realidade ue no

    incio eram totalmente divorciados um do outro< de um lado os povos da 6frica, da

    2mrica pr-colombiana e da 6sia ue a 4uropa estava descobrindo e

    progressivamente submetendo a seu comrcio ou ao poderio de suas armas$ 4m todo

    lugar, para governar, comerciar ou evangelizar, militares, mission#rios e funcion#rios

    eram obrigados, mais cedo ou mais tarde, a dedicar-se ao estudo das lnguas - em

    sua maioria n)o escritas - e observa)o dos costumes desses povos, uando mais

    n)o fosse para erradic#-los$

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    orm na 4uropa, igualmente, a partir pelo menos do sculo ?=@, in8meros

    personagens a servio dos 4stados-na5es em forma)o ou das @grejas tratavam de

    conhecer os costumes de bascos, eslovenos, val#uios, etc$, e isso por raz5es as

    mais diversas, por e!emplo para arbitrar os conflitos ue opunham as comunidades

    camponesas aos senhores ou ao 4stado no momento em ue aueles ou este

    tentavam apropriar-se das tersas comunais, esmagando sob os ps os antigos

    %direitos%$

    >o sculo ?@?, por e!emplo, no momento em ue a Arcia tornou-se

    independente do imprio otomano e ue as pot'ncias europias escolheram paragovern#-la um prncipe alem)o, viu-se um grande jurista, Maurer, conselheiro do novo

    Bei, organizar a coleta de todos os costumes locais dos gregos do continente e das

    ilhas com o objetivo de elaborar o novo direito nacional$ Maurer publicou uma obra

    magistral, "O Laos Hellenicos" (O Povo Grego), ue at hoje funciona como obra de

    refer'ncia$ =emos como antrop"logo profissional foi precedido por numerosos

    personagens ue j# faziam um pouco a mesma coisa ue ele - e por raz5es diferentes$

    =iajantes, administradores, comerciantes e mission#rios ficaram sendo, ali#s, seus

    companheiros de jornada mesmo depois ue a antropologia estabeleceu-se em toda a

    sua diferena$ 4is-nos chegados, portanto, ao ponto essencial< %Due diferena

    essa+%

    Eogo adiante a obra de Eeis Morgan vai ajudar-nos a defini-la$ 2ntes, porm,

    eu gostaria de voltar a e!aminar as condi5es do nascimento da antropologia$ 4sta

    8ltima apresenta-se como uma %atividade de conhecimento% constituda

    fundamentalmente pela utiliza)o de um mtodo, a observa)o participante, ou seja, a

    imers)o prolongada de um observador, uase sempre estranho, num meio observado$

    &rata-se, portanto, de uma atividade de conhecimento ue se mostrou necess#ria e

    8til a cada vez ue o (cidente uis saber mais um pouco acerca do funcionamento de

    outras sociedades ou sobre aspectos de si mesmo sem encontrar, para tanto, aruivos

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    escritos ou outros testemunhos hist"ricos$ 4m decorr'ncia tornava-se necess#rio

    coletar as informa5es no campo dos acontecimentos$ >este ponto, duas observa5es

    se imp5em$

    Eevando-se em conta os dois conte!tos em ue se desenvolveu a antropologia

    no (cidente - sua e!pans)o colonial para o e!terior e a subordina)o crescente, no

    interior da 4uropa, de grupos tnicos e do campesinato aos processos de forma)o

    dos 4stados-na5es e ao desenvolvimento da economia de mercado -, a pr#tica

    etnogr#fica sempre se realizou sobre um pano de fundo de rela5es de domina)o e

    desigualdades de condi)o entre o observador e o observado$ 4sse pano de fundocontinua pesando sobre o desenvolvimento de nossas investiga5es$

    Guas historinhas pessoais ilustram o ue acabo de dizer$ :ns poucos meses

    depois de minha chegada terra dos 0aruia - uma tribo muito isolada ue vive nas

    montanhas da >ova Auin - fui procurado sucessivamente pelo militar australiano ue

    vigiava auela regi)o e pelo mission#rio alem)o, luterano, ue tentava convert'-la ao

    cristianismo$ 2mbos desejavam ue eu lhes fornecesse informa5es ue ambos

    julgavam e!tremamente 8teis$ ( oficial ueria ue eu lhe dissesse o nome

    dos fight leaders tradicionais da tribo, tendo rapidamente descoberto ue os 0aruia

    haviam submetido aprova)o de 7ua Majestade a Bainha da @nglaterra, como

    candidatos chefia dos povoados, nomes de indivduos sem ualuer autoridade real

    sobre os outros$ Duanto ao mission#rio alem)o, esse ueria ue eu lhe ensinasse o

    ue havia aprendido a respeito da religi)o dauelas pessoas$ 4stava particularmente

    interessado nas pr#ticas de %feitiaria%$ Dueria conhecer seus ritos e ao mesmo tempo

    saber os nomes dos homens e mulheres ue eram %feiticeiros%, tudo isso para poder

    travar com maior efic#cia sua luta contra o dem3nio$ Convm observar, de passagem,

    ue em baruia aueles ue denominamos %feiticeiros% s)o designados por um termo

    e!tremamente respeitoso, ue significa %auele ue trata com os espritos%$

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    Claro, em nome da deontologia profissional e tambm de minhas convic5es

    filos"ficas e polticas eu nada disse ueles dois, tornando-me suspeito, por isso, aos

    olhos dos brancos$ 2o mesmo tempo, n)o pretendo disfarar o fato de ue sabia ue

    agindo assim preservava minhas chances de conuistar a confiana das pessoas e

    e!ercer meu ofcio$ arado!o de uma profiss)o e!ercida por um branco e ue e!ige

    ue esse branco se formalize diante dos outros brancos-mission#rios, funcion#rios e

    militares chegados antes ou depois dele$

    >)o atormentemos o (cidente, porm$ (utras civiliza5es j# dominaram

    muitos povos para depois tentar conhecer de mais perto esses povos$ >)o precisoseuer recuar at os registros dos viajantes chineses da @dade Mdia$ Hoje, na China

    %comunista%, a antropologia uma disciplina voltada uase e!clusivamente ao estudo

    das minorias %nacionais%, ou seja, de etnias como os Iao, os Eisu, etc$, ue aos olhos

    dos chineses ainda n)o atingiram o grau de civiliza)o dos Han, tendo direito a

    vantagens econ3micas e medidas polticas e culturais especiais, ue levam seus

    costumes em considera)o e ao mesmo tempo sublinham sua inferioridade$ @sso

    e!plica o fato de tolerar-se ue eles tenham tr's filhos por famlia e ue a palavra de

    ordem %uma famlia, um filho%, imposta a toda a China, n)o se apliue a eles$ Ga o

    parado!o de ue hoje seja possvel ver grupos ue lutaram dcadas para ser

    reconhecidos pelo 4stado como chineses plenos proceder de forma a serem

    reconhecidos como minorias tnicas n)o-Han, beneficiando-se das vantagens dessa

    condi)o inferior$

    >a ndia, terra de grande civiliza)o, a antropologia inicialmente ficou

    reservada ao estudo das tribos remanescentes fora do sistema das castas$ 4m suma,

    em todos esses costumes da antropologia adotados tanto pelo (cidente como pelas

    grandes civiliza5es do (riente encontra-se o mesmo pressuposto$

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    2 antropologia apresenta-se como uma disciplina dedicada ao conhecimento

    de povos ou grupos sociais ue aos olhos de outros povos ou outros grupos sociais

    parecem estar atrasados culturalmente e ser menos desenvolvidos econ3mica e

    socialmente$ >ossa profiss)o est# marcada por esses estigmas$ @sso e!plica por ue

    muitos dos pases ue hoje se tornaram independentes recusam-se a receber

    antrop"logos, declarando ue %n"s n)o somos selvagens, somos pessoas como as

    outras, estamos precisando de soci"logos, n)o de antrop"logos%$

    @sso me conduz segunda observa)o ue eu desejava fazer$ 7em d8vida, a

    antropologia uma pr#tica de conhecimento$ 7eu objetivo e!plcito descobrir ossentidos e as raz5es de ser dos modos de vida e de pensamento ue se podem

    observar nas diversas sociedades ue hoje coe!istem na superfcie do planeta,

    compondo, todos juntas, a ess'ncia atual, m8ltipla, da humanidade$ 2 ambi)o da

    antropologia conhecer suficientemente cada uma dessas sociedades para poder

    compara-@as todas$ >o entanto, n)o a 8nica a uer'-lo e a faz'-lo$ 4ssa ambi)o

    partilhada pelo historiador e pelo soci"logo$ &odas essas disciplinas pretendem-se

    universais e n)o e!cluem, a priori, nenhuma sociedade e nenhuma poca de seu

    campo de an#lise$ >a pr#tica, porm, o desenvolvimento de cada uma de nossas

    disciplinas realiza-se no interior de um compromisso celebrado tacitamente desde

    nossa origem$ 4vouemos em duas palavras os termos desse compromisso$

    2 antropologia e a sociologia interessam-se mais pelas sociedades vivas ue

    pelas do passado - abandonadas aos historiadores$ Gentre as sociedades vivas, a

    antropologia interessa-se mais ue a sociologia pelas sociedades n)o ocidentais ue

    pelas sociedades ocidentais, e mais pelos aspectos tradicionais das sociedades

    ocidentais ue por seus aspectos modernos$ 4sse compromisso, ue canalizou o

    desenvolvimento da antropologia, hoje est# ficando ultrapassado$

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    ; evidente ue nenhuma ci'ncia social tem condi5es de dar conta sozinha

    dos fatos sociais ue estuda$ Cada vez mais, os historiadores recorrem a concep5es

    antropol"gicas para reconstituir a vida em Boma ou na Arcia antiga$ ( antrop"logo,

    por sua vez, associa-se ao soci"logo para estudar a evolu)o das comunidades

    urbanas - e ambos t'm necessidade, em seguida, dos dados fornecidos pelos

    dem"grafos ou pelos economistas$

    4ssa evolu)o, ue determina um alargamento dos campos de a)o da

    antropologia - tanto sozinha como, agora, cada vez mais, associada s outras ci'ncias

    sociais -,foi acelerada pelo fato de ue a antropologia, no final dos processos dedescoloniza)o, foi-se tornando cada vez menos bem-vinda na (ceania, na 6frica e

    na 6sia, vendo-se empurrada, em decorr'ncia, na dire)o da 4uropa ocidental e da

    2mrica$ &al recuo, porm, ocorre em uma poca em ue apropria 4uropa ocidental

    est# se abrindo para a 4uropa central e a 4uropa do leste, uando se constata na

    0ulg#ria, na Bum9nia e na B8ssia uma nova onda de interesse pela antropologia

    associada sociologia$

    4ntre os novos campos inaugurados - com graus muito variados de sucesso -

    citemos a antropologia urbana, a antropologia industrial, a antropologia da doena, a

    an#lise dos sistemas de educa)o e, na linha de frente, a an#lise das rela5es entre

    os homens e as mulheres em todas essas sociedades$ 4sta enumera)o demonstra

    imediatamente ue todos esses novos territ"rios, com e!ce)o do 8ltimo, das rela5es

    entre os se!os, em ue a antropologia domina, em grande medida j# est)o ocupados,

    e h# muito tempo, pela sociologia$

    4m suma, assistimos a um duplo movimento, parcialmente contradit"rio$ 2

    antropologia, ao aperfeioar seus mtodos, estendeu seu campo de aplica)o a todos

    os tipos de campos ue na origem pareciam-lhe impens#veis, ao passo ue sua

    associa)o pregressa - para n)o dizer sua coniv'ncia desde a origem - com os

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    vnculos de poder mantidos pelas sociedades ocidentais com outras culturas tendem,

    hoje, a e!clu-la dos campos por ela ocupados tradicionalmente$

    4m tudo isso, porm, n)o h# mistrio algum e a obra de Morgan, um de nossos

    pais fundadores, ilustra bem as contradi5es presentes desde a origem de nossa

    disciplina$

    4sse advogado de Bochester, amigo e defensor dos ndios, tomado de

    pai!)o pelo estudo de seus costumes$ >o decorrer de suas pesuisas junto aos ndios

    7oneca descobre ue os laos de parentesco dos 7oneca manifestam uma l"gica

    pr"pria, diferente dos sistemas de parentesco europeus$ Gescobre ue auilo ue os

    europeus distinguem atravs dos termos diferentes %pai% e %tio%, um pai e seu irm)o, os

    ndios n)o separam, designando esses dois homens e todos aueles ue lhes s)o

    euivalentes pelo mesmo termo, traduzido por Morgan como %pai%$ ortanto, Morgan

    acabara de introduzir no campo da refle!)o cientfica a e!ist'ncia de diferenas

    significativas entre os sistemas de parentesco$ Giante disso, prop5e ue se faa uma

    distin)o entre os sistemas classificat"rios, como o dos @roueses, e os sistemas

    descritivos, como os dos europeus ou dos 4suim"s$ Mostra, igualmente, ue nos

    @roueses a organiza)o dos grupos e!"gamos e!plica-se pelo acionamento de um

    princpio de descend'ncia atravs das mulheres, um princpio ue distingue os

    sistemas %matrilineares% dos %patrilineares%$ &ais grupos e!"gamos, Morgan denomina

    %gens%, e n)o por acaso$

    2cabara de descobrir, portanto, ue os termos de parentesco, os princpios de

    descend'ncia e as regras de resid'ncia tendem a formar um sistema$ 2 partir da,

    julgou necess#rio comparar entre si uma dezena de outras sociedades indgenas -

    sociedades essas ue, convm ressaltar, j# nessa poca viviam encerradas nas

    reservas, longe do mundo dos brancos mas por isso mesmo oferecidas a sua

    curiosidade cientfica$

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    Foi ent)o ue, diante da regularidade das estruturas terminol"gicas ue ia

    descobrindo, Morgan teve a idia de empreender uma pesuisa sobre parentesco em

    escala mundial$ Mais de mil uestion#rios foram enviados a mission#rios,

    administradores coloniais, etc$, e, graas a suas respostas, Morgan teve condi5es de

    reunir pela primeira vez na hist"ria a mais vasta uantidade de informa5es de ue se

    tem notcia sobre os vnculos de parentesco no seio da humanidade$ 2 sntese da

    pesuisa foi publicada em Sistemas de Consanginidade e finidade da !amlia

    H#mana,./JK$

    &erceiro grande passo frente< nessa obra ele mostrava ue auelas centenasde sistemas de parentesco agrupavam-se em torno de algumas f"rmulas %tipos%, ue

    hoje denominaramos %sistema havaiano%, %sistema esuim"%, etc$

    Araas obra de Morgan, portanto, desvenda-se a enorme diferena e!istente

    entre a etnografia dos mission#rios, dos viajantes, etc$, e a etnografia dos

    antrop"logos profissionais$ 4ssa diferena decorre do aci5namcnto de diversas

    hip"teses$ 4m primeiro lugar, a idia de ue os vnculos sociais Lno caso de Morgan os

    laos de parentesco formam %sistemas%$ 4m segundo lugar, a hip"tese de ue a

    imensa diversidade emprica dos sistemas resulta das varia5es de alguns tipos

    fundamentais de organiza)o do parentesco - aos uais essa diversidade pode ser,

    feita a an#lise, de certa forma %reduzida%$ Finalmente, a idia de ue a evolu)o

    desses vnculos, suas transforma5es, n)o produto do mero acaso, mas manifesta

    regularidades ue, como acreditava Morgan, talvez apontassem para a e!ist'ncia de

    leis$

    2 antropologia nasceu efetivamente como disciplina cientfica, portanto, uando

    alguns indivduos estabeleceram para suas atividades a meta e!plcita de descobrir

    tais l"gicas, reduzir a diversidade emprica a tipos e encontrar o fator determinante da

    necessidade dauelas varia5es em meio s conting'ncias da hist"ria$ Giante do

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    enunciado desses objetivos percebe-se imediatamente ue o uadro epistemol"gico

    da antropologia totalmente id'ntico e paralelo ao ue na mesma poca a sociologia

    se propunha fazer$ ortanto, o ue distingue afinal essas duas disciplinas , em

    primeiro lugar, o mtodo empregado para coletar os dados, ou seja, a observa)o

    participante no caso dos antrop"logos, e em seguida as caractersticas

    especficasdas sociedades ou dos fatos sociais privilegiados por cada disciplina, as

    sociedades %primitivas% ou %n)o-capitalistas% pela antropologia, e as sociedades

    ocidentais, industriais e urbanas pela sociologia$

    (ra, preciso sublinhar ue a diferena, ou talvez fosse o caso de dizer aruptura, instaurada a partir de Morgan entre a etnografia dos mission#rios,

    administradores, etc$ e a pr#tica dos antrop"logos, criou imediatamente as condi5es

    para uma descentraliza)o da antropologia em rela)o ao (cidente, visto ue os

    sistemas ocidentais de parentesco passaram a ser vistos simplesmente como algumas

    das formas possveis do e!erccio humano do parentesco, formas dotadas de uma

    l"gica pr"pria ue as op5e a outras, mais e!"ticas, nas uais tambm se reconhece

    uma$ l"gica original$ >)o obstante - o ue ilustra as contradi5es da antropologia

    ocidental -,depois de ter dado um objeto, um mtodo e os primeiros resultados

    cientficos antropologia, Morgan imediatamente passou a dedicar-se tarefa de

    utilizar suas descobertas para construir, emncient Societ$ L./NN, uma vis)o

    especulativa da hist"ria da humanidade em ue esta era vista percorrendo as longas

    etapas da %selvageria primitiva% e da %barb#rie% para depois dar lugar %civiliza)o%$

    4sta, a seus olhos, havia aberto caminho primeiro na 4uropa ocidental, depois na

    2mrica anglo-sa!3nica, republicana e democr#tica, desembaraada das se1elas

    feudais ue continuavam a marcar as sociedades do velho continente, de onde

    partiam uase todos os ue imigravam para a 2mrica$

    >este ponto chegamos ao cerne das contradi5es de nossa disciplina e de

    nosso ofcio$ 4!atamente no momento em ue cria as condi5es para a

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    descentraliza)o de uma ci'ncia social em rela)o ao (cidente, Morgan a coloca a

    servio de uma vis)o da hist"ria ue fazia do (cidente o espelho onde a humanidade

    inteira podia ao mesmo tempo contemplar suas origens e avaliar a dimens)o de seus

    progressos$ ; por essa raz)o, ali#s, ue Morgan, ao descobrir a e!ist'ncia de cl)s

    matrilineares na sociedade irouesa, decide batiz#-los com o termo latino %gens&'2

    partir dauele momento os @roueses passavam a ser testemunhas ainda vivas da

    etapa da organiza)o %gentlica% da sociedade, ue a 4uropa conhecera na poca dos

    gregos e dos romanos mas ue em pouco tempo dei!ara para tr#s$ Com a diferena

    de ue a geras romana era patrilinear e a %geras irouesa% matrilinear, remetendo a

    uma etapa ainda mais arcaica da organiza)o %gentlica%$ Finalmente, a rela)o de

    supremacia entre o (cidente e o resto do mundo, presente no segundo plano do

    trabalho de Morgan, vinha imprimir-se bem no centro de seu trabalho te"rico, ao passo

    ue este 8ltimo, de certa forma, abria a possibilidade de uma descentraliza)o da

    an#lise cientfica em rela)o ao universo cultural de refer'ncia do antrop"logo$

    &odo o problema est# a< preciso descentralizar a pr#tica cientfica do

    universo cultural de refer'ncia etnoc'ntrico - dos antrop"logos$ @sso possvel e

    Morgan o demonstra$ Mas o ue Morgan tambm demonstra - contra si mesmo - ue

    a ci'ncia dei!a novamente de e!istir no momento em ue comea a legitimar uma

    supremacia cultural ue jamais uma simples uest)o de idias, acompanhando

    outras formas de supremacia, menos abstratas, menos ideais$

    &odas as escolas antropol"gicas surgidas depois de Morgan puseram-se de

    acordo para repudiar o evolucionismo ue aparecera como o ponto fraco de sua teoria

    e o obst#culo ue era preciso retirar para poder avanar$ >enhuma delas, porm, p3de

    fugir s contradi5es presentes desde o incio na pr#tica da an#lise antropol"gica$

    &alvez isso se deva ao fato de ue no sculo ?@? o (cidente passou por uma ruptura

    com seu pr"prio passado, uma ruptura ue o colocou a uma dist9ncia agora

    irreversvel e praticamente intransponvel em rela)o aos outros universos culturais

  • 7/25/2019 Godelier, M. O ocidente, espenho partido: uma avaliao parcial da antropologia social.

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    ue continuavam e!istindo ao seu redor$ 4ssa ruptura o ue Ma! Oeber denominou

    %o desencantamento do mundo%, f"rmula ue enuncia de outra maneira o ue Mar!

    escrevia no incio do Manifesto' 4m toda parte no (cidente os vus ue encobriam as

    rela5es sociais, os grandes sentimentos, as religi5es, eram substitudos pelo

    espet#culo frio da sede do lucro e da satisfa)o dos interesses privados$ 2 sociedade

    aparecia simplesmente como um instrumento a servio das metas do indivduo$

    Ge acordo com essa vis)o, todas as grandes religi5es, todos os costumes,

    apareciam como ilus5es ou complica5es criadas pela humanidade em seu

    desenvolvimento e ue agora n)o passavam de obst#culo busca do progresso$ ;sobre o fundo desta vis)o crtica da sociedade e de sua evolu)o ue as ci'ncias

    sociais se constituram e continuam a desenvolver-se, com a conse1'ncia nada

    parado!al de ue, de acordo com essa vis)o, as institui5es ocidentais aparecem

    sempre e necessariamente como as mais racionais e como o destino da marcha da

    humanidade$

    4ssa vis)o desencantada do mundo n)o a 8nica a resumir a forma como o

    (cidente passou a representar-se a sociedade, ou seja, toda sociedade humana$ (

    paradigma ue bem antes do sculo ?@? lhe serve de refer'ncia ue toda a

    sociedade uma unidade org9nica ue s" e!iste porue determinadas fun5es s)o

    assumidas por diversas institui5es e s" sobrevive na medida ue as transforma5es

    ue tal sociedade produz a partir do interior ou sofre a partir do e!terior s)o

    compatveis com a reprodu)o dessas institui5es e fun5es$ 4mbora o car#ter

    %organicista% de tal vis)o da sociedade tenha sido objeto de crticas pertinentes, ela

    continua sendo um dos paradigmas fundamentais das ci'ncias sociais, porue na

    realidade por tr#s dessa vis)o abstrata, formal, de ualuer sociedade possvel,

    encontra-se alguma coisa do esuema particular de organiza)o das sociedades

    ocidentais$

  • 7/25/2019 Godelier, M. O ocidente, espenho partido: uma avaliao parcial da antropologia social.

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    Com efeito< na 4uropa, rios pases onde a economia capitalista de mercado

    desenvolveu-se e finalmente se imp3s, assistiu-se a uma autonomiza)o progressiva,

    mais ou menos r#pida, das atividades e vnculos econ3micos no ue diz respeito s

    atividades e institui5es polticas e religiosas$ 4m suma< no mais desenvolvido

    (cidente capitalista as fun5es sociais diferentes ue muitas vezes eram assumidas

    por uma mesma institui)o - o parentesco ou a poltica, por e!emplo -, acabaram

    sendo assumidas por institui5es diferentes$

    (ra, esse desencantamento da economia e essa separa)o das fun5es n)o

    e!istia no (cidente em outros momentos de sua hist"riaP e o processo ainda n)o est#concludo em muitas sociedades da 6frica, da 6sia ou da (ceania, onde vnculos ue

    julgamos n)o-econ3micos, como os vnculos de parentesco ou de comunidade de

    religi)o, assumem fun5es - como por e!emplo a mobiliza)o da fora de trabalho, o

    controle da terra, a rcdistribui)o dos produtos do trabalho, etc$ - ue, na 4uropa,

    integram-se defini)o do econ3mico$ &al era o caso, por e!emplo, das institui5es

    religiosas no antigo &ibete lamasta$

    4sse processo hist"rico de separa)o de fun5es ue outrora - ou em outros

    lugares ue n)o o (cidente - se entrelaavam umas s outras deu origem, parece, a

    uma espcie de luz epistemol"gica favor#vel - s" ue mais uma vez de forma

    contradit"ria - ao desenvolvimento das ci'ncias sociais$ ( (cidente esforou-se para

    definir %o poltico%, %o religioso%, %o parentesco%, %o econ3mico%, apoiando-se no fato de

    ue em seu universo cultural essas fun5es se haviam separado umas das outras - a

    f#brica da famlia, a famlia da @greja, esta 8ltima do 4stado, etc$

    Gessa forma constituiu-se uma grade de an#lise dos fatos sociais ue parecia

    permitir comparar todas as sociedades entre si$ 2s sociedades distinguiam-se umas

    das outras n)o mais atravs das fun5es, e sim da maneira como essas fun5es

  • 7/25/2019 Godelier, M. O ocidente, espenho partido: uma avaliao parcial da antropologia social.

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    assumiam formas institucionais particulares, ocupavam lugares especficos e se

    e!primiam em sistemas ideol"gicos e simb"licos originais$

    4 essa grade, essa representa)o das sociedades concebidas como

    combina5es particulares de fun5es universais, ue est# na origem da divis)o do

    trabalho imperante em todas as ci'ncias sociais$ orue se a antropologia subdividiu-

    se em antropologia poltica, antropologia religiosa, antropologia econ3mica, ctc$, a

    sociologia e a hist"ria fizeram o mesmo, assim como todas as outras disciplinas das

    ci'ncias sociais$

    4sse passou a ser o uadro analtico utilizado por toda e ualuer ci'ncia

    social ue uisesse coletar e classificar os dados recolhidos - fosse ual fosse a

    sociedade estudada$ >o entanto um mesmo dilema apresentou-se sempre ue foi

    preciso constatar ue esse uadro tinha sua utilidade, mas ue %auilo% n)o

    correspondia realmente s representa5es ue os membros dessas sociedades

    faziam para si mesmos de seus pr"prios laos sociais, nem s l"gicas ue inspiravam

    seus atos$ 2ssim, rapidamente, a antropologia viu-se confrontada com o problema de

    desenvolver duas an#lises paralelas< uma an#lise ue partisse das representa5es da

    sociedade pr"prias aos atores indgenasP outra ue interpretasse os mesmos fatos

    atravs dos instrumentos conceituais de um observador estrangeiro em busca de uma

    e!plica)o %cientfica% para eles$

    Hoje todo antrop"logo ue se preze combina a an#lise %'mica% an#lise

    %tica%$ Mais adiante retomaremos esses pontos, mas antes lembremos ue o ponto

    m#!imo ue as ci'ncias sociais desejavam atingir no sculo passado e incio deste

    sculo era, imagem das outras ci'ncias, a descoberta de vnculos de causalidade

    ue introduzissem uma ordem no encadeamento dos fatos sociais e portanto,

    finalmente, a descoberta de %leis%, ou seja, segundo a f"rmula clebre, de vnculos

    %necess#rios derivados da natureza das coisas%$ >essa busca de fatores ue tivessem

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    maior peso na forma)o e na transforma)o das sociedades, fatores essesue no

    plano metodol"gico deveriam, conse1entemente, ser escolhidos como ponto de

    partida para a interpreta)o dos fatos sociais, houve antrop"logos ue escolheram o

    econ3mico como fator preponderanteP outros, como 4vans ritchard, o polticoP outros,

    como Eouis Gumont, a religi)o - cada um apresentando sua perspectiva como capaz

    de e!plicar a configura)o global de uma sociedade e de sua din9mica$ Mais adiante

    voltaremos a e!aminar esses aspectos, o ue significa descrever uma parte do ue

    fizemos$

    O 'u# () *i+#mo!&

    4videntemente n)o se trata de fazer um invent#rio e!austivo dos resultados da

    antropologia, mas de escolher, a ttulo de e!emplo, um dos campos privilegiados pelos

    antrop"logos para esclarecer a natureza de suas atitudes e o valor de seus resultados

    e fazer aparecer o ue os op5e uns aos outros$

    4scolhi, assim, um campo especialmente privilegiado pelos antrop"logos, ou

    seja, o da an#lise dos vnculos de parentesco$ Comearei chamando a aten)o para

    um ponto< uando Morgan evidenciou o fato de ue em certos sistemas classificat"rios

    chamava-se %pai% a uma categoria de indivduos ue tinham, em rela)o a %ego%, um

    vnculo euivalente, isso ainda n)o informava nada de preciso sobre o ue os

    membros de uma sociedade pensam em lugar dauilo ue denominamos

    %paternidade% ou %maternidade%, etc$ Giante disso foi preciso tentar determinar as

    representa5es ue as diversas culturas faziam para si mesmas da paternidade ou da

    maternidade$ >esse momento surgiram novos problemas, suscitando por duas vezes

    no decorrer deste sculo debates inflamados$ :ma primeira vez no incio do sculo,

    uando Fison e outros afirmaram ue os aborgenes australianos desconheciam

    ualuer cone!)o entre as rela5es se!uais e a concep)o, e uma segunda vez na

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    dcada de .N, depois da famosa Henr$ $ers Lect#re pronunciada em .QQ por

    4dmund Eeach a respeito da %=irgin 0irth%, a concep)o sem m#cula$

    >a primeira fase os trabalhos de Fison e Hoitz junto aos aborgenes

    australianos e, mais tarde, de MalinosRi entre os habitantes das ilhas &robriand,

    tiveram um papel muito importante$ ara resumir brevemente os dados de MalinosRi,

    dados esses ue 2nnette Oeiner completou e corrigiu sessenta anos mais tarde,

    digamos ue uma mulher, para os &robriand, fica gr#vida uando um esprito-criana

    pertencente ao estoue de espritos de seu cl) matrilinear Lue residem em uma ilhota

    ao largo de Siriina penetra nela e se mistura a seu sangue menstrual$ ortanto osfilhos s)o concebidos sem a interven)o direta do pai, embora este 8ltimo

    desempenhe um papel indireto na medida em ue abre caminho para o esprito-

    criana e principalmente porue depois da concep)o nutre o feto com seu esperma e

    modela sua forma$ 4ssa a raz)o pela ual muitas vezes os filhos parecem-se com o

    pai, mesmo ue este n)o os tenha engendrado$

    ; claro ue a no)o de paternidade das ilhas &robriand nada tem a ver com o

    ue se acredita no (cidente e ue disso preciso concluir ue a no)o de

    %consang1inidade%, ou seja, a idia de ue o filho partilha o sangue de seus dois pais,

    n)o tem a universalidade ue os europeus espontaneamente lhe atribuem$

    4m compensa)o, tomemos o e!emplo de uma sociedade fortemente

    patrilinear como a dos 0aruTa, da >ova Auin, onde a supremacia dos homens sobre

    as mulheres e!ercida de forma coletiva atravs das grandes inicia5es masculinas e

    da segrega)o geral dos meninos em rela)o ao mundo maternal e feminino< a

    encontramos uma teoria completamente diferente do processo de concep)o$ 2

    criana nasce do esperma do homem, ue produz os ossos e a carne do embri)o e

    depois o nutre$ ( esperma, neste caso, engendra e nutre o feto$ >)o obstante, o

    esperma do pai n)o totalmente suficiente para fabricar a criana$ Cabe ao 7ol,

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    concebido como pai de todos os 0aruTa, e!ecutar o acabamento da criana no ventre

    da m)e$ 4le constr"i as e!tremidades de seus membros, os dedos das m)os e dos

    ps e o nariz, ue onde reside o esprito$

    4sses dois e!emplos demonstram ue e!iste uma certa correspond'ncia entre

    a natureza dos laos de parentesco e a natureza das representa5es da pessoa

    humana$ ( papel diferente ue cada uma dessas duas sociedades atribui ao esperma,

    por e!emplo, atesta sobre a e!ist'ncia de tal correspond'ncia$

    Mas os dados ue hoje se multiplicam acerca das representa5es do corpo em

    diversas sociedades mostram ue tal correspond'ncia jamais mec9nica$

    Certas sociedades patrilineares, por e!emplo, n)o atribuem maior import9ncia

    ao esperma$ Certos grupos da >ova Caled3nia estudados por 2lban 0ensa acreditam

    ue a carne e os ossos da criana v'm da m)e e ue ela concebida graas s

    magias do irm)o da m)e$ Duanto ao pai, esse transmite seu nome e suas terras ao

    filho caso se trate de um menino, juntamente com a fora tot'mica de seus ancestrais$

    Duando um homem morre, o cad#ver entregue a sua famlia maternal, ue por sua

    vez, depois ue a carne do morto se decomp5e, devolve os ossos a sua famlia

    paternal, ue os enterra no cemitrio de seu cl)$ Mas os espritos dos mortos, bem

    como sua carne, supostamente v)o ter a um lugar pr"prio do cl) de suas m)es,

    situado em algum ponto sob as #guas do mar, onde dever)o esperar pela

    reencarna)o$ >essa sociedade patrilinear, portanto, nada se diz sobre o esperma$

    2s diferenas entre esses e!emplos estimulamnos a formular a hip"tese de

    ue o corpo n)o apenas traz em si a marca dos vnculos de parentesco como tambm

    de outros vnculos sociais, polticos, religiosos, etc$ 4ntre os 0aruTa, ali#s, o uso do

    esperma, ue circula entre iniciados puros de ualuer contato com as mulheres por

    ocasi)o das inicia5es masculinas -portanto um uso poltico-religioso - ue e!plica em

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    parte a 'nfase particularmente forte atribuda ao esperma nas representa5es do

    corpo$

    Mas se os vnculos de parentesco - bem como outros vnculos - se imprimem

    no corpo, isso n)o significa ue todos os aspectos desses vnculos a fiuem

    impressos$ 4ntre os 0aruTa o corpo nada tem a dizer, por e!emplo, sobre as regras de

    aliana ou outros aspectos da vida social$ =oltaremos a essas uest5es uando

    demonstrarmos ue a se!ualidade funciona como uma m#uina ventrloua atravs da

    ual a sociedade fala sobre si mesma$

    =oltemos, no entanto, ao campo dos estudos sobre o parentesco para analisar

    outros de seus desdobramentos e ver surgirem outras contradi5es$ Claro, para tanto

    necess#rio ue eu tenha adotado uma defini)o do ue seja parentesco$ 7ugiro a

    defini)o de ue me sirvo, ou seja, o conjunto dos princpios ue definem uni5es

    legtimas entre indivduos dos dois se!os, bem como a identidade e a jurisdi)o dos

    filhos nascidos dessas uni5es$ 4ssa defini)o n)o necessariamente aceita por todos

    os antrop"logos< Gavid 7chneider, em 2 Criti#e of the St#d$ of *inship (+-.), rejeita

    totalmente a idia de ue o parentesco esteja ligado universalmente aos processos de

    concep)o e apropria)o dos filhos$ Malgrado toda a minha simpatia pelo esforo de

    7chneider para adotar, como ponto de partida de nossas an#lises, e!clusivamente os

    smbolos e conte8dos das representa5es caractersticas de cada cultura, n)o

    acredito ue ele tenha oferecido uma prova para sua crtica radical$ Mesmo ue

    7chneider tenha raz)o uando afirma ue em Iap n)o se estabelece cone!)o entre

    as rela5es se!uais e a concep)o dos filhos, visto ue estes 8ltimos supostamente

    s)o fabricados por um esprito ue fecunda as mulheres para satisfazer s preces dos

    homens ue vivem nas terras onde vai viver c trabalhar a mulher depois de casada,

    em Iap, como em toda parte, h# regras ue definem as uni5es legtimas e a

    apropria)o dos filhos nascidos dessas uni5es$

  • 7/25/2019 Godelier, M. O ocidente, espenho partido: uma avaliao parcial da antropologia social.

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    ortanto em ualuer sociedade h# um campo do parentesco, embora raz)o

    alguma determine ue o parentesco tenha em todo lugar o mesmo estatuto e a mesma

    estrutura ue auilo ue denominamos %parentesco% no mundo moderno ocidental$

    =ou tentar mostrar como, na pr#tica antropol"gica, o problema da descentraliza)o

    relativamente ao (cidente volta sempre a colocar-seP para tanto, abordarei tr's

    aspectos da an#lise do parentesco ue estiveram - ou ainda est)o - no centro das

    mais acirradas disputas$

    ( primeiro debate diz respeito natureza dos termos de parentesco$ 7er# ue

    em todos os casos eles designam as posi5es geneal"gicas de indivduos situados emuma grade centrada em ego, ou ser# ue definem categorias de indivduos ue est)o

    entre si na mesma rela)o relativamente a um ego ou uma classe de ego-euivalentes

    sem ue haja necessidade, ou mesmo possibilidade, de reconstituir as cone!5es

    geneal"gicas capazes de lig#-los a ele+ 4sse o conte8do do debate entre Hocart,

    Eeach e Eouis Gumont, de um lado, e 7cheffler, EounsburT e os adeptos da an#lise

    componencial, do outro$ 4stes 8ltimos defendem a hip"tese de ue uma terminologia

    se constr"i atravs de uma srie de e!tens5es a indivduos em posi5es euivalentes

    relativamente a ego de termos ue designam, em seu sentido prim#rio, o %pai e a

    m)e%, o %irm)o e a irm)%, etc$ - em suma, os parentes mais pr"!imos$ arte-se do

    pr"!imo para o distante e os caminhos percorridos s)o rela5es geneal"gicas$

    ara Gumont e muitos dentre aueles ue estudaram os sistemas de

    parentesco australianos e dravdicos, ao contr#rio, os termos de parentesco aparecem

    como categorias ue designam rela5es entre classes de indivduos$ >)o mais o

    termo %pai% ue estendido aos %irm)os do pai%P um termo ue designa desde o

    incio uma categoria de homens ue mant'm um mesmo vnculo com ego, e nessa

    categoria est# presente, por e!emplo, %o marido de minha m)e%, a uem me refiro com

    a mesma designa)o ue utilizo para todos os outros indivduos pertencentes

    mesma categoria atravs de um termo ue se pode traduzir como %pai%$ >)o mais o

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    termo %pai% ue %estendido%, mas um termo muito mais vasto ue pode ser reduzido

    a designar unicamente %o marido de minha m)e%$ Bedu)o, e!tens)o, o debate pega

    fogo$ 4 evidente ue a hip"tese %e!tensionista% combina com os sistemas europeus de

    parentesco - sistemas cogn#ticos, descritivos e centrados no ego$ >"s partimos do

    %pai% para chegar ao %pai do pai%, ue chamado %av3%, etc$, e esse mesmo

    procedimento ue sugerimos aos antrop"logos uando estes se dedicam a pesuisas

    de campo sobre os vnculos de parentesco$

    Mas evidente ue essa hip"tese dificilmente d# conta das terminologias

    australianas de parentesco, ao menos uando as consideramos no jogo das rela5esentre as categorias matrimoniais, ue s)o as metades, se5es e subse5es$ >enhuma

    das duas hip"teses, portanto, tem valor absoluto, universal$ ara abreviar as coisas,

    digamos ue uanto mais nos apro!imamos dos tipos de sistema australianos e

    dravdicos, mais o aspecto categ"rico dos termos de parentesco se imp5e sobre seu

    conte8do geneal"gicoP e uanto mais nos apro!imamos dos sistemas esuim"s ou

    europeus, mais o aspecto geneal"gico se imp5e sobre o car#ter categ"rico$ &omemos

    o termo oncle, em franc's, o# anele, em ingl's< ele designa tanto os irm)os do pai

    como os da m)e e constitui uma categoria$ Mas esse termo n)o pode ser estendido a

    um n8mero infinito de indivduos, como no sistema australiano, por isso ele n)o passa

    de uma uase-categoria, ue conta tantos elementos uantos irm)os tenham meu pai

    e minha m)e$ 2 enumera)o dos indivduos ue pertencem a essa uase-classe faz-

    se por e!tens)o$

    >esse debate, portanto, h# mais ue oposi5es metodol"gicas ou te"ricasos

    sistemas europeus a sociedade divide-se em %parentes% e %n)o-parentes%P nos

    sistemas australianos a categoria dos %n)o-parentes% n)o e!iste$ &odos os membros

    de uma mesma sociedade consideram-se parentes em graus variados$>os sistemas

    europeus o casamento transforma %n)o-parentes% em %parentes por aliana%, ue na

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    gera)o seguinte transformam-se em %consang1neos%$ (u seja, o casamento cria

    parentesco$ >os sistemas australianos o casamento n)o cria parentesco, apenas

    muda o lugar de certos indivduos em rela)o a outros ue j# eram seus parentes$ >o

    caso de eu me casar com minha prima cruzada matrilateral, essa mulher j# era filha do

    irm)o de minha m)e - portanto uma parente - antes de tornar-se minha esposa -

    portanto uma aliada$ 2ui, parentes s)o transformados em aliadosP l#, n)o parentes

    viram aliados$

    @sso nos conduz ao segundo grande debate ue divide os antrop"logos a

    respeito do parentesco$ 4sse debate diz respeito uilo ue poderamos denominartentativas de definir %a ess'ncia% ou %o aspecto principal do parentesco%$ 2lguns v'em

    esse aspecto principal nos princpios de descend'ncia e nas estruturas decorrentes,

    outros nos princpios da aliana e nas estruturas decorrentes$ Ge um lado 4vans-

    ritchard e MeTer Fortes, de outro Evi-7trauss e Gumont$

    ara os primeiros o parentesco, antes de mais nada, s)o as rela5es de

    filia)o e!istentes entre indivduos conectados por vnculos geneal"gicos e reunidos

    em um mesmo grupo de depend'ncia, linhagem, cl), graas a um princpio ue

    privilegia seja a descend'ncia pelos homens Lsistema patrilinear, seja a descend'ncia

    pelas mulheres Lsistema matrilinear, ou ue combina esses dois princpios em

    diversos tipos de estruturas bilineares, ou ent)o re8ne todos os descendentes Ltanto

    pelos homens como pelas mulheres de um casal de ancestrais ou de um par de

    primos germanos de se!o oposto$ 7)o esses os sistemas cogn#ticos a respeito dos

    uais MeTer Fortes observava, com raz)o, ue s" podem engendrar grupos fechados

    de descendentes fazendo intervir, alm do parentesco, outros princpios - como a co-

    resid'ncia, a fidelidade poltica, etc$ 4 por essa raz)o, a saber, ue o parentesco

    cogn#tico n)o determinava automaticamente a composi)o dos grupos locais, ue

    MeTer Fortes conclua - impropriamente, em nossa opini)o - ue eles n)o eram

    verdadeiros grupos de parentesco$ >a perspectiva de Fortes, portanto, o casamento

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    desempenha um papel secund#rio$ 7em d8vida ele a condi)o principal da

    reprodu)o dos grupos de descend'ncia considerando-se a proibi)o do incesto, mas

    a aliana n)o estrutura em profundidade o campo do parentesco$

    ara Evi-7trauss, ao contr#rio, ue usava como ponto de partida o e!emplo

    dos sistemas australianos ou o dos Sachin, o parentesco, no fundo, aliana,

    interc9mbio, e esse interc9mbio c um interc9mbio de mulheres entre homens$

    Conforme o interc9mbio das mulheres for regulamentado por princpios positivos - ue

    determinam ue cada um tome esposa ou esposo nessa ou nauela categoria de

    parentes - ou, ao contr#rio, por princpios negativos - ue probem voltar a tomaresposa na linhagem da m)e, em sua pr"pria linhagem, na da m)e da m)e, etc$ -,

    passamos de estruturas elementares a estruturas semi-comple!as e comple!as de

    parentesco, de sistemas fechados a sistemas abertos, de sistemas em ue as

    rela5es de parentesco ligam entre si todos os membros da sociedade a sistemas em

    ue elas ligam apenas se5es da sociedade$ 2os olhos de Evi-7trauss o aspecto

    principal do parentesco est# a, e n)o no fato de e!istirem grupos de descend'ncia

    patri-, matri- ou n)o-lineares$

    7em pretender resolverem algumas palavras esse dilema eu gostaria de dizer

    o seguinte< n)o h# sistema ue dei!e de combinar os dois mecanismos - o da

    descend'ncia e o da aliana$ 2 oposi)o entre esses dois princpios n)o pode ser

    auela ue op5e o principal ao secund#rio, visto ue estamos lidando com dois

    princpios complementares mas diferentes$ ( casamento, porm, n)o tem o mesmo

    sentido ao unir n)o parentes e ao unir indivduos ue j# s)o parentes$ 2lm disso, n)o

    a mesma coisa unir parentes pr"!imos e parentes distantes$ >em sempre possvel

    escolher entre desposar um parente mais distante ou um outro mais pr"!imo$ or

    outro lado, deveria ser evidente ue a e!ist'ncia de interc9mbio entre dois grupos

    pressup5e a e!ist'ncia desses grupos, n)o podendo, ao mesmo tempo, engendr#-los$

    Conse1entemente, no parentesco e!iste alguma coisa ue n)o se reduz ao

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    interc9mbio e ue c a afirma)o de uma certa continuidade, de uma certa identidade

    entre indivduos dos dois se!os pertencentes a gera5es sucessivas$

    ortanto, n)o devemos dei!ar-nos envolver pela oposi)o

    descend'nciaUaliana$ Aostaramos ainda de mostrar como um ponto essencial da

    teoria apresentada por MeTer Fortes abre uma vasta perspectiva sobre os vnculos de

    parentesco$ MeTer Fortes distingue entre %filia)o% e %descend'ncia%$ 2firma ue em

    toda sociedade e seja ual for o sistema de parentesco o indivduo nasce %filho% ou

    %filha% de indivduos ue t'm antecipadamente direitos sobre sua pessoa - iguais ou

    desiguais, semelhantes ou diferentes - e lhe conferem, antes mesmo de seunascimento, uma parte de seu estatuto social$ MeTer Fortes supunha ue era possvel

    isolar, em todo sistema de parentesco, uma camada de rela5es bilaterais em torno de

    ego, camada ue batizou %domnio da filia)o% e ue mais ou menos identificou com o

    universo da famlia, unidade de procria)o e educa)o$ 2lm dessa camada e

    atravessando-a e!istem conjuntos mais vastos de parentes, linhagens, cl)s, etc$,

    construdos atravs da reuni)o de todos os descendentes de umLa ancestral comum

    passando seja pelos homens, seja pelas mulheres, seja pelos dois se!os$ >este 8ltimo

    caso, no entanto, n)o s)o as mesmas coisas ue passam por um se!o e por outro$

    Einhagem e cl) aparecem como constru5es sociais abstratas, engendradas pela

    manipula)o de certas partes do universo das rela5es geneal"gicas, cogn#ticas, ue

    partem de um indivduo - morto ou vivo - ou desembocam nele$ Mas o ue leva a

    manipular essas rela5es, a escolher entre elas, a apagar algumas dentre elas+ 2

    resposta de MeTcr Fortes importante sem ser totalmente convincente$

    MeTer Fortes buscava a raz)o disso em duas dire5es$ or um lado, procurava

    e!plicaras necessidades ue se podiam ter de construir comunidades de parentes,

    linhagens, cl)s, e!travasando e integrando a famlia e agindo em determinadas

    circunst9ncias como um s" corpo em nome de uma identidade comum$ Gemonstrou

    ue tais estruturas podiam edificar-se igualmente em torno da posse comum da terra e

  • 7/25/2019 Godelier, M. O ocidente, espenho partido: uma avaliao parcial da antropologia social.

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    em torno da posse de mitos e ritos sagrados, de poderes espirituais a transmitir s

    gera5es seguintes, e ue essa transmiss)o de terras, de poderes, em benefcio de

    determinados parentes e!clus)o dos outros, via-se sempre legitimada no universo

    do parentesco em nome de uma identidade comum de sangue ou de ossos ou de

    ualuer outra subst9ncia-ess'ncia partilhada por determinados descendentes de

    umLa ancestral comum e n)o por outros$

    or outro lado, Fortes interessou-se pelas fun5es polticas ue essas diversas

    comunidades de parentes muito fre1entemente assumiam na sociedade$ >a vis)o

    africanista de ue era partid#rio, linhagens e cl)s apresentavam-se como estruturassegmentares, ue combinavam diversos nveis de agrupamento social em unidades

    polticas ue se associam ou op5em conforme as circunst9ncias$ 4 o modelo dos

    >uer, de 4vans ritchard$ Einhagens e cl)s assumem o governo da sociedade,

    sozinhos se a sociedade acfala e o poder c partilhado entre esses cl)s, ou

    relacionados a um 4stado se o poder na sociedade concentra-se em torno de um

    chefe ou rei$ 2o destacar as fun5es polticas dos grupos de parentesco, McTer Fortes

    e 4vans-ritchard contriburam para impulsionar as pesuisas sobre os sistemas

    polticos africanos e evidenciaram a riueza e a diversidade$ >o entanto essas

    pesuisas jamais conseguiram evidenciar ualuer vnculo de correspond'ncia

    necess#rio entre tal ou ual sistema poltico, acfalo ou de 4stado, e tal ou ual tipo

    de sistema de parentesco$

    2 abordagem de MeTer Fortes inaugura, porm, uma perspectiva de grande

    alada ao demonstrar ue os vnculos de parentesco constituem os suportes de

    processos de apropria)o e uso da terra ou de ttulos de estatutos - em suma, de

    realidades, tanto materiais como imateriais, essenciais para a reprodu)o da

    sociedadeP suportes ue funcionam como vetores, canais atravs dos uais essas

    realidades s)o transmitidas e herdadas$ MeTer Fortes demonstrou, assim, com muita

    clareza, como os vnculos de parentesco s)o constantemente penetrados e investidos

  • 7/25/2019 Godelier, M. O ocidente, espenho partido: uma avaliao parcial da antropologia social.

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    por realidades sociais ue, em sua origem e conte8do, nada t'm a ver com o

    parentesco nem com a se!ualidade ue os vnculos de parentesco s)o a primeira

    institui)o a gerar na vida dos indivduos$

    ercebe-se imediatamente ue formid#vel trabalho ideol"gico o esprito

    humano obrigado a realizar para conseguir ue as representa5es do sangue, da

    carne, dos ossos ou do esperma assumam duas fun5es complementares,

    indispens#veis ao e!erccio do parentesco e ao mesmo tempo reprodu)o das

    realidades sociais, econ3micas, polticas e religiosas ue o investem a partir de dentro$

    Ge um lado preciso legitimar a e!clus)o de numerosos parentes, pr"!imos eUouafastados, do processo de transmiss)o dessas realidades, e de outro preciso

    legitimar a forma como aueles ue as herdam devem utiliz#-las para estarem

    habilitados a transmiti-@as, por sua vez, ueles dentre seus descendentes eleitos

    segundo o mesmo princpio de descend'ncia$

    2 idia b#sica ue os indivduos s" t'm acesso a tais realidades caso se

    encontrem no caminho de parentesco ue d# direito a elas$ Eevando mais longe a

    sugest)o de MeTer Fortes eu diria ue, em toda sociedade, no funcionamento dos

    vnculos de parentesco, presenciamos a uma d#pla metamorfose/ de um lado

    realidades econ3micas, polticas ou outras, ue n)o t'm muito a ver com parentesco e

    menos ainda com se!ualidade, metamorfoseiam-se em aspectos, em atributos de

    certos vnculos de parentesco Lpelos homens ou pelas mulheres, etc$$ Mas o

    processo n)o se interrompe a, pois uma segunda metamorfose vem juntar-se a essa

    primeira, visto ue tudo o ue diz respeito a parentesco marca os indivduos segundo

    seu se!o e sua idade, metamorfoseando-se, portanto, em atributos de seu corpo, de

    sua pessoa$

    ortanto, ao enfatizar antes de mais nada a distin)o entre filia)o e

    descend'ncia, Fortes abriu amplas perspectivas$ 7" ue em sua abordagem a aliana

  • 7/25/2019 Godelier, M. O ocidente, espenho partido: uma avaliao parcial da antropologia social.

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    e o casamento pareciam reduzir-se a um aspecto secund#rio do parentesco, a servio

    da reprodu)o dos grupos de descend'ncia$

    Evi-7trauss posicionou-se no ponto de vista oposto$ 4m sua refle!)o n)o se

    encontra ualuer considera)o te"rica sobre a descend'ncia$ 2 seus olhos os

    sistemas podem ser patri - ou matrilineares, mas sua estrutura profunda continua

    sendo a mesma, embora ele pr"prio tenha chamado a aten)o para o fato de ue um

    sistema matrilinear n)o a imagem inversa, espelhada, de um sistema patrilinear$

    2demais, a respeito dos vnculos entre poltica e parentesco, Evi-7trauss limitou-se a

    algumas observa5es$ Gestacou - mas n)o era o primeiro nem o 8nico - o fato de ueos sistemas matrilineares de regime desarm3nico, ou seja, em ue a resid'ncia depois

    do casamento virilocal, colocam um problema para o e!erccio do poder masculino e

    para o controle pelos homens de suas irm)s e sobrinhos e sobrinhas uterinos, ue,

    mesmo sendo seus futuros herdeiros, residem com o cl) do pai$ Evi-7trauss sugeriu

    ainda ue as estruturas do interc9mbio generalizado implicam a superioridade dos

    fornecedores de mulheres sobre os ue as recebem, e podem coadunar-se com

    sociedades aristocr#ticas e estratificadas e mesmo favorecer seu surgimento$

    ( aspecto principal do parentesco para Evi-7trauss, porm, n)o esse, e sim,

    como dissemos, a idia de ue o parentesco interc9mbio, interc9mbio esse ue

    decorre da proibi)o do incesto e assume a forma de interc9mbio das mulheres entre

    os homens e pelos homens$ Gebrucemos-nos alguns instantes sobre essa tese, ue

    fez correr muita tinta$ 7em uestionar-nos por enuanto a respeito dos fundamentos

    da proibi)o do incesto, eu gostaria de mostrar como Evi-7trauss forou as coisas em

    sua an#lise$

    orue evidentemente a proibi)o do incesto abre simultaneamente tr's

    possibilidades< ou os homens trocam as mulheres entre si, o ue pressup5e ue os

    homens dominam as mulheres na sociedadeP ou as mulheres trocam os homens entre

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    si, o ue pressup5e ue elas e!ercem um papel de predomnio na sociedadeP ou os

    grupos de parentesco trocam homens e mulheres entre si, o ue n)o significa, a priori,

    predomnio de um se!o sobre o outro$ Claro, Evi-7trauss n)o ignora a e!ist'ncia

    dessas tr's possibilidades, porm ele s" considera uma delas< a troca das mulheres

    pelos homens, considerando as duas outras %ilus5es ue a humanidade gostaria de

    alimentar sobre si mesma%$ ara ele, portanto, o predomnio masculino um fato

    trans-hist"rico, de certa forma natural, ue surgiu com a emerg'ncia da capacidade do

    homem de utilizar smbolos e estabelecer culturas$ Evi-7trauss afirma, em 0str#t#ras

    elementares do parentesco/ %2 emerg'ncia do pensamento simb"lico devia e!igir ue

    as mulheres, como as palavras, fossem coisas intercambi#veis%$

    Due ningum nos entenda mal$ >)o negamos ue o predomnio masculino

    e!ista, mas n)o acreditamos - contrariamente a Evi-7trauss e Franoise Hritier - ue

    esse seja um princpio constit#tivo do parentesco$ ara provar ue o predomnio

    masculino n)o pertence ao fundo indestrutvel do parentesco, basta oferecer um

    contra-e!emplo$ (ra, n)o preciso ir muito longe para encontrar um$ >)o temos mais

    ue constatar ual a pr#tica de casamento adotada no seio de numerosas camadas

    das sociedades europias e americanas, onde se v'em irm)os e irm)s dei!arem suas

    famlias e estabelecerem-se com seus c3njuges sem ue uns ou outras tenham

    trocado os demais com uem uer ue seja$ &emos a, portanto - embora o

    predomnio masculino e!ista na 4uropa em todos os tipos de #reas da vida social

    -,uma pr#tica, a do casamento, em ue, em in8meros casos, esse predomnio n)o

    intervem ou j# n)o intervem, e em ue a no)o de interc9mbio das mulheres n)o se

    aplica$ 4 isso n)o uer dizer ue o predomnio masculino n)o e!ista em seguida, na

    vida familiar$

    >o plano dos fatos, portanto, a f"rmula %o parentesco se baseia no interc9mbio

    das mulheres pelos homens% n)o tem o alcance universal ue lhe atribui Evi-7trauss$

    or um lado porue, como acabamos de demonstrar, em muitas sociedades,

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    principalmente nas cogn#ticas, v'em-se homens e mulheres dei!ar suas famlias para

    casar sem ue se possa dizer ue uns ou umas trocam os demais$ 7)o famlias ue

    trocam seus membros, n)o um se!o ue troca o outro$ or outro lado, porue tambm

    conhecemos e!emplos de sociedades matrilineares e matrilocais ounde os homens

    ue circulam entre as mulheres por ocasi)o de seu casamento Los &etum de &imor, os

    Bhades do =ietn), os >agovisi das ilhas 7alom)o, etc$$

    Mas a crtica a Evi-7trauss n)o se limita ao fato de ue sua hip"tese n)o tem

    o alcance universal ue ele lhe atribui$ orue preciso ir mais longe, at os

    fundamentos dessa teoria$ 4les est)o no artigo publicado por Evi-7trauss em .JQintitulado 1he !armil$' Evi-7trauss, retomando a f"rmula de &Tlor j# utilizada por

    Freud em . em 1otem e 1a2#, e!plica-nos nesse artigo ue a humanidade

    primitiva, para libertar-se da luta selvagem pela e!ist'ncia, viu-se diante da

    necessidade de fazer uma escolha simples< Veither marr$ing o#tor 2eing 3illed

    o#t&' Evi-7trauss tem uma vis)o da humanidade primitiva como formada por famlias

    biologicamente isoladas, dominadas por machos, esmagadas pelo medo e a

    ignor9ncia, ue se teriam obrigado conscientemente ajuda m8tua intercambiando

    entre si suas mulheres$ Gesse contrato social teria nascido o ue ele denomina %uma

    sociedade humana aut'ntica sobre a base artificial dos vnculos de aliana%$ ;

    interessante observar, ali#s, ue nessa vis)o de nossas origens a famlia e!iste mas a

    sociedade n4o, e ue a famlia se perpetua por si mesma, portanto praticando vnculos

    se!uais incestuosos entre seus membros$ 2o instituir a proibi)o do incesto a

    humanidade primitiva teria inventado a sociedade, opondo a cultura natureza$

    Mesmo ue hoje parea prov#vel ue nossos ancestrais n)o vivessem cm

    famlias isoladas, mas em bandos com muitos machos e muitas f'meas controlando

    um territ"rio determinado, imagem das mais comple!as sociedades de primatas,

    como a dos chimpanzs, por e!emplo, o problema n)o esse$ >)o fica claro como o

    homem teria podido ser levado a inventar a sociedade para p3r limites a sua %luta

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    selvagem pela e!ist'ncia%$ =iver em sociedade n)o decorre de um contrato$ 4sse o

    modo de e!ist'ncia caracterstico de nossa espcie, bem como de outras espcies

    animais, e um efeito da evolu)o da natureza$ Gentre todas as espcies, porm, o

    homem o 8nico capaz n)o s" de viver em sociedade como de transformar a

    sociedade onde vive, ou seja, de prod#5ir sociedade para viver' 4m lugar de acreditar,

    como Evi-7trauss, ue os homens viviam em famlias isoladas e incestuosas e foram

    compelidos a inventar a sociedade proibindo-se o incesto e obrigando-se ao

    interc9mbio das mulheres, parto do fato de ue a humanidade j# vivia em sociedade e

    ue alguma coisa aconteceu ue obrigou o homem a intervir so2re s#a

    se6#alidade para geri7la socialmente' Due poderia ter obrigado a humanidade a

    intervir sobre sua pr"pria se!ualidade no decurso de sua evolu)o biol"gica e social+

    :m aspecto da evolu)o do homem ue podia representar uma ameaa para a

    reprodu)o da sociedade humana$ 4sse aspecto, para mim, est# na emerg'ncia da

    possibilidade, para a raa humana, de estabelecer um comrcio se!ual n)o mais

    submetido ao ritmo sazonal e s imposi5es da naturezaP no surgimento de uma

    se!ualidade generalizada, ue se seguiu ao desaparecimento do cio na f'mea

    humana$ (ra, sabemos ue nas sociedades dos primatas a se!ualidade fonte de

    tens5es e competi)o e ue os momentos em ue as f'meas est)o no cio s)o

    momentos em ue essas tens5es, essa competi)o, est)o mais fortes, contrapondo-

    se durante algum tempo coopera84oentre os membros do bando$ ( aparecimento

    dessa se!ualidade generalizada ocorreu no seio de uma espcie ue se caracterizava

    igualmente pela dura)o da matura)o dos filhos - a mais prolongada matura)o de

    todas as espcies de primatas$ (ra, essa matura)o tardia provoca a presena, nos

    grupos familiares, de jovens ue no momento da puberdade tambm podem comear

    a participar do jogo da se!ualidade generalizada$

    ; nessa perspectiva ue formulamos a hip"tese de ue a se!ualidade humana,

    cerebralizada e n)o mais atrelada a perodos sazonais de cio, transformou-se em

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    fontepermanente de conflitos potenciais no seio de uma comunidade, entrando em

    conflito com as necessidades da amplia)o da coopera)o material e social entre os

    humanos atestadas pelas 8ltimas etapas da forma)o do Homo 7apiens e

    possibilitadas pelo desenvolvimento de suas capacidades de abstra)o e

    simboliza)o$ ode-se muito bem imaginar ue toda vez ue grupos humanos

    atingiam esse est#gio do desenvolvimento biol"gico e social, a mesma situa)o se

    apresentasse, e!igindo a interven)o consciente dos homens para regulamentar uma

    se!ualidade %des-naturada%, de forma ue essa se!ualidade n)o representasse uma

    ameaa para a reprodu)o da sociedade e ses#2ordinasse a ela$ >essa perspectiva,

    a proibi)o do incesto estaria ligada desde o incio n)o apenas ao parentesco como ao

    processo de produ)o-reprodu)o da sociedade$ Gesde a origem ela teria

    ultrapassado campo do parentesco e resumido em si toda a humana condi)o

    contida na f"rmula ue o homem n)o vive apenas em sociedade, mas produz

    sociedade para viver$

    2ssim, teria sido preciso sacrificar alguma coisa da se!ualidade humana, ou

    seja, amputar e reprimir alguma coisa ue diz respeito ao desejo e rela)o com

    o outro, seja ele do mesmo se!o ou do outro, para ue a vida social pudesse continuar

    e!istindo$ Mas, visto ue o homem p3de intervir sobre sua pr"pria se!ualidade para

    subordin#-la reprodu)o da sociedade, j# n)o era a mesma sociedade ue era

    reproduzida, mas uma outra, onde o homem tornara-se co7a#tor, ao lado da natureza,

    de seu pr"prio desenvolvimento$ 2 proibi)o do incesto, a meus olhos, n)o teve como

    raz)o de ser criar a sociedade ou criar o parentesco$ 7ua conse1'ncia, porm, foi

    provocar o surgimento de vnculos sociais de um novo tipo, ue se interpuseram entre

    os indivduos e suas famlias de origem e a sociedade como um todo, como totalidade

    ue se reproduz atravs da reprodu)o das famlias e alm delas$ 4sses vnculos

    sociais novos s)o os vnculos de parentesco ue apresentam, portanto, a

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    particularidade de ter uma origem puramente social e controlar socialmente o processo

    biol"gico da reprodu)o da vida$

    Geste ponto em diante samos do campo da antropologia$ 4stamos em um

    lugar para onde convergem dados etnol"gicos, dados etol"gicos e considera5es

    crticas sobre os conceitos Lo de contrato social, por e!emplo utilizados pelas ci'ncias

    sociais e a filosofia$ Certamente n)o irei negar ue as hip"teses ue defendo para dar

    um sentido a isso tudo resultam igualmente de um procedimento te"rico especulativo$

    4las t'm a vantagem, apenas, de nos levar a fazer a economia de idias ue s)o

    evid'ncias no (cidente, ou seja, ue a famlia precedeu a sociedade, ue a sociedadese ap"ia sobre um contrato, etc$

    @remos concluir esta r#pida resenha das pesuisas sobre parentesco evocando

    um 8ltimo ponto ue igualmente objeto de grandes debates e cuja interpreta)o

    difcil$ (s sistemas de parentesco evoluem+ 4m caso positivo, o ue os leva a faz'-lo

    e uais as conse1'ncias disso+ @nicialmente preciso entrar em acordo sobre o ue

    denominamos %sistemas de parentesco%$ 7istemas de parentesco s)o, inicialmente,

    conjuntos de rela5es sociais designados por termos, portanto por terminologias de

    parentesco$ (ra, de Morgan em diante e a partir das classifica5es realizadas por

    Bivers, MurdocR, EounsburT, etc$, constata-se ue as centenas de terminologias de

    parentesco recolhidas pelos antrop"logos em suas pesuisas de campo s)o,

    fundamentalmente, varia5es ou combina5es de sete grandes tipos de terminologias,

    ue se distinguem umas das outras conforme se faa ou dei!e de fazer uma distin)o

    entre primos germanos, primos paralelos e primos cruzados e conforme o parentesco

    em linha direta seja ou n)o distinguido do parentesco em linhas colaterais, etc$ 4sses

    sete tipos reconstitudos foram batizados Havaiano, 4suim", Gravdico, @rou's,

    7udan's, Cro e (maha, com estes dois 8ltimos apresentando-se como

    transforma5es do tipo @rou's$ L(s sistemas de parentesco europeus derivam do tipo

    4suim"$ 2 distin)o entre Gravdico e @rou's feita por Badcliffe-0ron imp5e-se

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    hoje, depois das an#lises de Gumont, &rautman e muitos outros$ 4sses dois tipos de

    sistemas distinguem-se por uma maneira diferente de definir os parentes paralelos e

    os cruzados e pelo fato de ue tal distin)o conservada ao longo de diversas

    gera5es no caso dos sistemas dravdicos$

    or outro lado, vimos ue h# um n8mero limitado de f"rmulas de

    descend'ncia$ 4sta pode ser unilinear, bilinear ou n)o-linear$ >o primeiro caso pode

    ser patrilinear ou matrilinearP no segundo pode ocasionar combina5es paralelas ou

    cruzadasP no terceiro estamos diante de sistemas cogn#ticos$

    Gesse modo confirmam-se as primeiras descobertas de Morgan$ ( uadro dos

    sistemas de parentesco , sem d8vida, muito mais comple!o hoje, mas ele sempre se

    reduz a um n8mero finito e muito limitado de tipos e princpios de base - e isso apesar

    da grande diversidade dos sistemas observados no campo$ >)o h# d8vida de ue h#

    menos diversidade entre os sistemas de parentesco ue entre os sistemas

    econ3micos ou polticos e, obviamente, ue entre os sistemas filos"ficos e religiosos$

    ( fato ue o n8mero dos tipos de parentesco seja assim limitado interpela todas as

    ci'ncias sociais e sugere ao pensamento te"rico ue deve haver alguma raz)o para a

    e!ist'ncia dessas combina5es, bem como para o fato de ue a hist"ria humana n)o

    nos apresenta um n8mero infinito delas$

    4is-nos novamente diante de grandes uest5es especulativas$ 4!iste uma

    correla)o entre um ou outro desses sete tipos de terminologias e um ou outro dos

    princpios de descend'ncia+ &udo o ue se pode dizer hoje ue foi constatado ue

    os sistemas havaianos e esuim"s s)o, em geral, coogn#ticosP ue os sistemas

    dravdicos, iroueses e sudaneses s)o, fre1entemente, patrilineares ou matrilineares,

    mas ue s vezes tambm podem ser - como os sistemas dravdicos da 2maz3nia -

    marcadamente cogn#ticos$ Finalmente, as duas transforma5es - os Cro e os

    (maha - tendem a dividir-se entre matrilineares LCro e patrilineares L(maha$

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    Duanto aos sistemas australianos, ue t'm um aspecto dravdico, de modo geral n)o

    possvel consider#-los unilineares ou bilineares, visto ue acionam simultaneamente

    um princpio de descend'ncia pelos homens e um princpio de descend'ncia pelas

    mulheres, engendrando ciclos masculinos e femininos ritmados de acordo com

    diferentes temporalidades$ ( parentesco diferenciado em um e outro se!o,

    apresentando uma estrutura totalmente oposta aos sistemas cogn#ticos

    indiferenciados ue encontramos na @ndonsia ou na olinsia$

    7empre se coloca a uest)o de descobrir os fatores ue levaram ou levam a

    escolher um princpio patrilinear ou matrilinear de descend'ncia ou um princpiocogn#tico$ 2s pesuisas nessa #rea n)o chegaram a conclus)o alguma$ Houve uem

    formulasse a hip"tese de ue os sistemas matrilineares corresponderiam a sociedades

    apoiadas sobre uma agricultura e!tensiva, em ue as mulheres desempenham um

    papel muito importante e utilizam uma tecnologia simples, o bast)o de escavar, por

    e!emplo, ue tambm uma ferramenta utilizada na colheita$ Gavam-se como

    e!emplo as sociedades pertencentes uilo ue denominamos cintur)o matrilinear da

    6frica ou s zonas matrilineares dos indgenas da 2mrica do >orte$ >o mesmo nvel

    de tecnologia, porm, e apoiados nos mesmos sistemas hortcolas, encontra-se igual

    n8mero de sistemas patrilineares ou cogn#ticos$ Chamou-se a aten)o, igualmente,

    para o fato de ue as sociedades ue t'm como base uma economia pastoral

    n3made, em ue os homens desempenham o papel principal na cria)o e prote)o do

    rebanho, s)o todos patrilineares, com e!ce)o, talvez, dos &uaregs, cujo sistema

    poltico tem caractersticas matrilineares$ >)o fomos alm dessas constata5es,

    porm, e ningum ainda conseguiu evidenciar os mecanismos ue engendrariam tais

    correla5es$

    Go mesmo modo, muitas vezes colocamos-nos a uest)o de saber se os

    sistemas de parentesco evoluem e se h# entre eles rela5es de certo modo

    %geneal"gicas%, ou seja, se suas caractersticas determinam ue certas

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    transforma5es de um tipo de sistema engendrem um outro tipo de sistema j#

    repertoriado$ Fizeramse diversas tentativas te"ricas muito interessantes, de construir

    uma #rvore genal"gica de todos os sistemas conhecidos, por e!emplo a de 7cheffler,

    apoiando-se na an#lise componencial, ou a de >icR 2llen e outros, utilizando uma

    abordagem matem#tica$ @sso nos oferece a oportunidade de esclarecer ue h# muito a

    antropologia utiliza a matem#tica e a ling1stica para tratar de parentesco e ue os

    resultados disso n)o s)o estreis nem in8teis, independentemente do ue se tenha

    dito a respeito$ 2s terminologias de parentesco s)o, antes de mais nada, conjuntos de

    palavras em uma lngua para designar determinadas rela5es sociais caractersticas

    de uma sociedade$ ; normal ue a ling1stica possa esclarecer as regras de

    constru)o desses conjuntos terminol"gicos$ 4 como esses termos designam rela5es

    engendradas por princpios de descend'ncia e aliana ue t'm sua l"gica pr"pria,

    igualmente normal ue uma an#lise matem#tica das terminologias de parentesco faa

    aparecer a aruitetura abstrata desses conjuntos de rela5es socialmente

    privilegiadas, bem como suas condi5es de reprodu)o, levando-se em conta as

    press5es internas ue as definem$ 2 partir das an#lises de CourrWge, Oeil e Auilbaud

    suscitadas por Evi-7trauss, assistiu-se a um desenvolvimento importante dos estudos

    matem#ticos e l"gicos do parentesco atravs dos trabalhos de BomneT, 0oTd,

    0allonof, Ohite, Xorion, Gemeur, &jon 7ie Fat, etc$, sem esuecer os do matem#tico

    chin's de &aian, Eiu$

    2 meu ver, a tentativa mais interessante de constru)o de uma #rvore

    geneal"gica ue ilustre as transforma5es possveis dos sistemas de parentesco a

    de >icR 2llen, de (!ford$ 7egundo sua hip"tese, possvel engendrar todos os tipos

    de sistema a partir de sistemas de tipo australiano e, eliminando progressivamente

    diversas caractersticas desses sistemas, iriam engendrar-se, por e!emplo, os

    sistemas dravdicos, depois os sistemas iroueses, etc$ ( percurso iria de sistemas

    completamente fechados, em ue o tempo anulado porue se dobra sobre si mesmo

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    e volta a zero a cada duas ou tr's gera5es Le!ist'ncia de sistemas com gera5es

    alternas, a sistemas cada vez mais abertos, em ue as rela5es de parentesco n)o

    s)o co-e!tensivas a toda a sociedade, em ue os grupos de descend'ncia se reduzem

    parentela pr"!ima de um ego e onde os indivduos casados pelo grupo n)o s)o

    determinados antecipadamente no interior do sistema, portanto sistemas em ue a

    aliana totalmente aberta, e!ceto no ue diz respeito s poucas rela5es vetadas

    pela proibi)o do incesto$ >o final dessa evolu)o chega-se, assim, a sistemas

    cogn#ticos como os ue encontramos nos 4suim"s, ou na 4uropa, ou em 0ornu$

    2llen n)o apresenta essa evolu)o como necess#ria, mas como l"gica e possvel$ or

    outro lado ele dei!a em aberto a uest)o da possibilidade de transforma5es

    reversveis, s" ue n)o fornece praticamente e!emplo algum$

    7eja como for, fato ue os vnculos de parentesco mudam e os sistemas

    evoluem- e isso por in8meras raz5es$ Mas o resultado da evolu)o de um sistema de

    parentesco sempre o aparecimento de um outro sistema de parentesco ue se

    revela uma variante de um tipo j# inventoriado$ :m sistema matrilinear torna-se

    bilinear, um sistema cogn#tico torna-se cada vez mais patrilinear ou o oposto, e nesse

    nvel do jogo das regras de descend'ncia conhecem-se e!emplos de transforma5es

    de um sistema em outro$

    ( ue se constata cada vez mais fre1entemente, porm, ue um sistema de

    parentesco pode sobreviver a imensas altera5es sociais e conseguir coe!istir durante

    sculos - ao preo de remanejamentos internos - com estruturas econ3micas e

    polticas muito diversas, ue se sucedem durante um longo perodo$ 2 acreditar-se em

    XacR AoodT, h# sculos uase todos os sistemas de parentesco europeus s)o

    cogn#ticos com uma infle!)o patrilinear$ 4les se adaptaram ao surgimento e ao

    desenvolvimento do feudalismo, depois ao surgimento e ao desenvolvimento do

    capitalismo com seus fen3menos macios de industrializa)o e urbaniza)o e de

    individualismo econ3mico e social$

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    >)o esueamos ue a tentativa de >icR 2llen de atrelar uns aos outros os

    tipos de sistema de parentesco engendrando-os uns dos outros atravs de

    transforma5es estruturais sucessivas guarda uma certa semelhana com a forma

    como Evi-7trauss classificou todos os sistemas de parentesco em fun)o de graus de

    comple!idade da aliana$

    Evi-7trauss distingue os sistemas elementares, em ue as regras da aliana

    s)o positivas e em ue o interc9mbio pode ser praticado sej a de forma recproca,

    direta, mas restrita, seja de forma n)o recproca mas generalizada$ 4le aponta como

    %semi-comple!os% os sistemas em ue o c3njuge j# n)o determinado pelo sistema,podendo ser escolhido n)o importa onde, e!cetuados uns poucos grupos de

    descend'ncia ue s)o proibidos$ or e!emplo os do pai, da m)e do pai, da m)e, da

    m)e da m)e, como no caso de certos sistemas omaha$ (s sistemas comple!os teriam

    incio uando as regras negativas da aliana passassem a dizer respeito unicamente

    aos indivduos ligados a ego pelos poucos graus de parentesco atingidos por

    interdi5es de casamento em decorr'ncia da proibi)o do incesto$

    Evi-7trauss sempre se negou a apresentar essa tipologia como a e!press)o

    de uma lei de evolu)oP sobretudo, j amais procurou associar a e!ist'ncia desses

    sistemas de sistemas econ3micos e sociais particulares nem a pocas especficas

    da hist"ria$ >esse ponto ele tem raz)o, mas alguns termos ue utiliza prestam-se a

    uma grande confus)o$ >a Frana, pelo menos, muitos historiadores e etn"logos

    tendem a associar %sociedades comple!as% de tipo ocidental e %estruturas comple!as%

    de parentesco$ Muitos esperam ue um belo dia algum antrop"logo descubra a chave

    ainda escondida do jogo das alianas matrimoniais no seio das estruturas comple!as e

    venha esclarecer as toneladas de aruivos onde ficaram registradas ao longo dos

    sculos as pr#ticas matrimoniais dos camponeses, da burguesia e da nobreza$

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    2 meu ver essa e!pectativa completamente ilus"ria e a e!press)o %estruturas

    comple!as% parece-me inadeuada$ ara ue uma estrutura seja comple!a preciso

    ue os a!iomas e princpios ue a engendram tambm sejam comple!os$ (ra, os

    sistemas europeus de parentesco s)o cogn#ticos e muito simples$ Gentro dessa

    perspectiva a!iom#tica, para mim s" s)o comple!os os sistemas ue Evi-7trauss

    chamou %elementares%$ orue na realidade o ue comple!o na 4uropa n)o o

    parentesco, mas as estratgias matrimoniais, determinadas por outros princpios ue

    n)o o parentesco, propondo-se como meta, atravs de uma sucess)o de casamentos,

    preservar um determinado estatuto econ3mico e poltico no seio de uma comunidade

    local ou regional ou aduirir uma nova, geralmente mais elevada$

    Finalmente, todas essas an#lises convergem sempre para a mesma grande

    uest)o< e!istem rela5es de causalidade+ 7implificando< h# uma correspond'ncia

    entre este e auele sistema de parentesco e este ou auele sistema econ3mico e

    social, entre este modo social de reprodu)o da vida e auele modo social de

    produ)o dos meios materiais de e!ist'ncia e de riuezas+ ; este o ponto onde

    tomam corpo e se defrontam grandes teorias - a de Mar!, a de Ma! Oeber, etc$

    2 prop"sito de Mar! e de sua hip"tese de ue as condi5es sociais e materiais

    da produ)o, o econ3mico no sentido amplo, seriam o fundamento geral da vida social

    e a causaprimeira de sua evolu)o, direi ue os trabalhos dos antrop"logos, para citar

    unicamente essa ci'ncia social, obrigam-nos a constatar ue n)o se v' ualuer

    correla)o direta e necess#ria entre este modo de produ)o e auele modo de

    reprodu)o$ 2li#s, poderamos fazer a mesma coisa a respeito da religi)o,

    demonstrando ue o cristianismo, cujos dogmas origin#rios se cristalizaram h# mais

    de dois mil anos no (riente r"!imo, viu-se em seguida associado ao

    desenvolvimento do feudalismo, depois do capitalismo - com os uais, evidentemente,

    nada tinha a ver, fosse em suas origens fosse em seus dogmas, precedendo um deles

    por mais de dez sculos e o outro por mais de dezesseis$ Mas essa religi)o, ao

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    associar-se a tais sistemas sociais, foi levada a co-evoluir com eles e a mudar muitas

    vezes sen)o seus dogmas, pelo menos a maneira %ortodo!a% de interpret#-los e deles

    e!trair conse1'ncias para a organiza)o da @greja e a atua)o no mundo$

    orm, mesmo ue isso se apliue aos vnculos do parentesco ou da religi)o

    com a economia, ser# ue isso significa ue a hist"ria puro acaso e ue tudo deve

    ser jogado na lata de li!o do pensamento de Mar!+

    >)o acredito, pois sempre preciso ue e!pliuemos por ue as sociedades

    mudam de princpios de organiza)o, por ue elas surgem, por ue desaparecem, por

    ue e!iste hist"ria$ 2 hist"ria nada e!plica porue ela mesma ainda n)o foi e!plicada$

    2li#s, o problema n)o a mudana social, visto ue sempre preciso mudar

    um pouco para poder-se reproduzir mais ou menos o ue se $ ( problema n)o a

    mudana da sociedade, mas a mudana desociedade$ (ra, parece ue ficou

    praticamente demonstrado ue as principais raz5es e foras ue determinam uma

    mudana de sociedade n)o est)o nem do lado da arte nem do lado dos laos de

    parentesco - nem mesmo, talvez, do lado da religi)o, embora as grandes religi5es

    universais tenham desempenhado e ainda desempenhem um papel muito importante

    na evolu)o de certas sociedades$ &ais foras e!istem e me d)o a impress)o de terem

    suas nascentes em dois campos da pr#tica social ue mant'm entre si laos de

    afinidade estrutural ue s)o mais ue a conse1'ncia de um processo de adapta)o

    recproca< as atividades voltadas para a produ)o dos meios de subsist'ncia e das

    riuezas materiais e auelas voltadas para o governo da sociedade e o controle dos

    homens$ ( ue pereceu definitivamente hoje em dia do pensamento de Mar! a

    met#fora ue descreve a sociedade como o empilhamento de uma infra-estrutura

    econ3mica e de uma srie de superestruturas, em cujo topo estaria empoleirado o

    pensamento e suas idias, as ideologias, ou seja, Mar! revisto por 2lthusser$

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    orue uma sociedade n)o tem alto nem bai!oP uando procuramos causas

    %primeiras% estamos simplesmente tentando determinar, dentre as atividades

    humanas, uais t'm mais peso no processo de produ)o-reprodu)o dessa

    sociedade$ @sso n)o significa absolutamente ue estas 8ltimas sejam a causa da

    e!ist'ncia das outras atividades$ (s laos de parentesco, por e!emplo, t'm seu

    fundamento pr"prio, ue diz respeito em 8ltima inst9ncia fabrica)o e apropria)o

    socialmente legtima dos filhos$ 2 sociedade tem muitos fundamentos, n)o apenas um$

    @sso n)o significa, porm, ue em sua reprodu)o tudo tenha o mesmo peso$

    Finalmente, para analisar processos comple!os como a transi)o de um sistema

    social para outro, aparentemente n)o se trata de recorrer a uma causa, mas sim a um

    par de foras - as foras ue se associam s formas de produ)o e s formas de

    poder$

    4is-nos chegados ao trmino deste percurso$ 2o optar por fazer uma avalia)o

    em grandes pinceladas dos procedimentos e resultados da antropologia limitando-nos

    ao campo - cl#ssico, verdade - dos trabalhos sobre o parentesco, temos a impress)o

    de ter abordado todos os grandes problemas epistemol"gicos com ue se defrontam

    as ci'ncias sociais e de ter demonstrado como a antropologia conseguiu realizar uma

    verdadeira descentraliza)o no ue diz respeito ao universo cultural ocidental, onde

    nasceu e onde continua, em ampla medida, a desenvolver-se$ &eremos compreendido

    ue a antropologia vai bemP ue ela enfrenta as crises ue enfrentam todas as

    ci'ncias sociais e ue est# convocada a desempenhar, por um bom tempo ainda, um

    papel indispens#vel$

    u# d#v#mo! *a+#r&

    2 antropologia apresenta o interesse de oferecer-nos informa5es sobre um

    grande n8mero de modos de vida e de pensamentos ue hoje continuam coe!istindo

    na superfcie de nosso planeta$ 4 tem a vantagem, ainda, de oferecer-nos seus dados,

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    de certo modo, em duas vers5es$ Ge um lado, nas m8ltiplas lnguas faladas nessas

    sociedades, portanto a partir de m8ltiplos universos culturaisP de outro lado em uma

    lngua analtica, abstrata, ue deve constantemente submeter-se a uma vigil9ncia

    crtica, ou, em outras palavras, a uma autodestrui)o purificadora, de tal modo ela se

    mantm pr"!ima das concep5es