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I PEL 0IMPÉRIO GLÓRIAS RIOS ÇÃO pelo GENERAL N .°54 II E FERREIRA DA COLONIZA- PORTUGUESA MARTÍ-- MARTINS LI SB 0 A / 19 39

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GLÓRIASRIOSÇÃO

pelo GENERAL

N.° 54

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COLECÇÃO PELO IMPÉRIO

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REPÚBLICA PORTUGUESAMINISTÉRIO DAS COLÓNIAS

DA

COLOf~~ZAÇÃO PORTUGUESA

pelo General FERREIRA MARTINS

DIVISÃO DE PUBLICAÇÕES E BIBLIOTECAAGÊNCIA GERAL DAS COLÓNIAS

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Angoche1864

Joaquini _Mousinho de Albuquerque, no seu notávelrelatório «Mo çambique, T896-T898», citava uma passagemda narrativa de Duarte de Lemos sôbre a acção daarmada de Jorge de Aguiar, em que, referindo-$e a An-goche, êle dizia : «dos mouros de Angoche estão comoestavam : danam todo o bato de Sofala» ; e, queixando-sedos mercadores que secretamente tratavam com os deAngoche, afirmava serem êsses os que danavam .o servi çodo rei e «que havia mister todos pinchados» (sic) .

A situação de Angoche, assim curiosamente comentadapor Duarte de Lemos em 1508, era a que se mantinhaainda três séculos depois, quando em 1847 o governadorgeral, brigadeiro Abreu Lima, resolveu pôr termo ao trá-fico de escravos que ali faziam, como comércio regular,alguns negreiros, cujo arrôjo chegou a fazer construirfortificações, ocupadas por artilharia e infantaria .

Foi assim que, de combinação com o almirante inglês

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do Cabo, se aprestou uma pequena armada anglo-lusa,a bordo da qual o major Azevedo Campos ia encarre gadopelo Govêrno de impôr a o sultão de Angoche um tratadoque éste teria de assinar dentro de 24 horas depois denotificado. Ao contrário, porém, aquelas fôrças navaisforam recebidas a tiro, a que responderam com tal vio-lência que, dentro de uma hora, punham em debandadao inimigo, sendo, mau grado seu, for çadas a retirar porfalta de água . Na confusão da luta, os escravos que esta-vam para embarcar num brigue americano conseguiramfugir, e o brigue foi aprisionado e levado para a baía deMoçambique .

Embora fôsse dura a li ção, continuaram os de Angocheo seu comércio ilícito, e, con quanto três anos depois osultão Hassani-Issufo enviasse emissários a Mo çambiquepara declarar obediência às autoridades portu guesas, quelha receberam mediante condi ções, não tardou èle a faltaraos compromissos que aceitara, voltando a dar sinal de siquando, já velho e abatido, se deixava dominar por al-guns dos seus súbditos, rebeldes impenitentes ao nossodomínio, capitaneados por seu próprio irmão, conhecidopor Mussa-Quanto . Foi éste ambicioso bandido que, em1857, convenceu o irmão a fazer uma incursão no territó-rio chamado dos macololos ( :1), que foi mal sucedida, mas

(I) Não é inteiramente exacto chamar %territórioo dos macololos» àregião onde foi derrotado o Mussa-Quanto em 1857 (segundo TeixeiraBotelho) ou -em 1855 (se gundo J . Azevedo Couitinho), porque só em 186 5os macololos foram ocupar aquela região . (Vide J . Azevedo Coutinho,(cAs duas conquistas de Angoche», Vol . ii da colecção ((Pelo Império»,da Agência Geral das Colónias) .

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teve como complemento o assalto às aringas indefesas daMaganja da Costa, empreendido com êxito por Mussa-7Quanto, com o fim, certamente, de compensar a derrotaque, entre Quelimane e Téte, acabava de sofrer .

Residia ao tempo em Quelimane um português arren-datário de um prazo, João Bonifácio Alves da Silva,que, tendo sido uma das vítimas daquele assalto, apeloupara o governador geral, o então major vasco Guedesde Carvalho e Meneses, propondo-lhe ir, com gente suae à sua custa, bater o sultão insubmisso. Ao governadorpedia apenas duas peças de artilharia, 18 praças de Caça-dores da guarnição de Quelimane e um lanchão. Só emAgosto de 1861 conseguiu, porém, João Bonifácio con-centrar, no prazo de Licun go, a sua 'expedição, constituídapor mil cipais armados de espingarda e pelos soldados eas peças que o governador lhe cedera ; e só em 25 deOutubro,- depois de uma penosa marcha e de ter vencidoas sérias resistências que encontrou no percurso, che gou aexpedição às proximidades do rio Angoche.

Feito um reconhecimento, verificou-se que os de An-goche se preparavam, ao som de tambores de guerra,para resistir às nossas fôrças. Estas, porém, se guindo obravo João Bonifácio, assaltaram a ilha de Angoche econseguiram desbaratar o inimigo, apesar da tenaz resis-tência que êste lhes ofereceu . E em 26 de Outubro de 18 57a bandeira portuguesa -era arvorada no povoado do sul-tão, por éste abandonado na fuga.

Assim, conseguira João Bonifácio o que não tinhamconseguido outras expedições anteriores, . sendo promo-vido, como recompensa, a coronel de 2 . a linha, e nomeado

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capitão-mor e comandante militar de An goche, cargo emque lhe sucedeu seu irmão Vitorino quando êle morreu,vítima de ferimentos recebidos em combate .

Fugira o sultão vencido para Madagascar, de ondeseguiu para Zanzibar, onde veio a morrer - envenenado,segundo a lenda cafreal - enquanto o irmão Mussa-Quanto, foragido depois do combate, era preso em Mo-cambo e internado na fortaleza de S . Sebastião, emMoçambique, da qual conseguiu evadir-se para Madagas-car, onde se preparou para voltar a repetir as suas anti gasproezas. E, com efeito, em Novembro de 1863, tendoconseguido che gar a Purgue com alguns pangaios car-regados de munições, armas e fazendas (moeda daa época),ali desembarcou e, atravessando o sertão, alcan çou assuas terras, lançando-se contra o xeque de Sangage, cujapovoação tomou, o que lhe permitiu estabelecer comuni-caçoes com os pangaios de Madagascar e recomeçar sempeias o seu ilícito comércio de escravos .

Pediu aquele xeque auxílio ao governador geral, queordenou ao capitão-mor a perseguição de Mussa-Quantocom a gente dos régulos fiéis que pudesse reunir. foientão que, em janeiro de 1864, concentrados no Mocambo,orca de i.ooo homens do régulo de Sancul - nosso fortealiado - armados de espingarda, :21 soldados com duasbocas de fogo, sob o comando do tenente Desidério Gui-lhermino, e io marinheiros comandados pelo tenenteMetzener, se deu, em 25, o primeiro encontro, em Infusse

'com a gente aguerrida de Mussa-Quanto. Apesar da des-moralizaçao dos indí genas de Sancul, a nossa pequena

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expedição foi vencedora em 25 e 26 ; mas foi em 29 queo combate pelo fogo foi mais violento, das 6 às 9 horas .

Fugiu então o inimigo, deixando muitos mortos, mastornou-se impossível aguentar a gente de Sancul, que, em-bora vitoriosa, abandonou o campo como se fôssevencida .

Bem árdua foi a peleja dêsse dia 29 de janeiro e bemsevero o castigo infligido aos sequazes de russa-Quanto,que mais uma vez abalou para Madagascar, de onde vol-taria mais tarde, em 1867, com mais armamento, para re-começar a sua odisseia de rebelde intransigente e de saltea-dor incorrigível . Derrotado novamente por i .6oo sipais ar-mados, que, sob o comando de um decidido portu guês,Manuel Simões, o atacaram em 1872, Mussa-Quanto nãodesistiu ainda, e só a morte o venceu, cinco anos depois,vitimado pelos ferimentos recebidos nos vários recontrospassados .

A sua morte, contudo, não modificou a situa ção in-submissa de Angoche, «valhacouto, de malfeitores e derebeldes, foco de escravatura e de contrabando» ; e ainda,em 18g8, Joaquim Mousinho, comissário régio, podia es-crever, como Duarte de Lemos quási quatro séculos antes :«os mouros de An goche estão como estavam»

Nessa época dizia Mousinho : «sem submeter o sultão(Ibrahimo) na ilha e o Farelay (seu aliado) no continenteera impossível obstar ao contrabando» e assegurar emAngoche a nossa soberania . Projectava Mousinho levar aefeito essa dupla submissão, em 18g8, propondo-se utilizara expedição que ali se encontrava ainda fresca (de cujabataria de artilharia tive a honra de fazer parte como

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capitão-mor e comandante militar de An goche, cargo emque lhe sucedeu seu irmão Vitorino quando êle morreu,vítima de ferimentos recebidos em combate .

Fugira o sultão vencido para Madagascar, de ondeseguiu para Zanzibar, onde veio a morrer - envenenado,segundo a lenda cafreal - enquanto o irmão Mussa~Quanto, foragido depois do combate, era preso em Mo-cambo e internado na fortaleza de S . Sebastião, emMoçambique, da qual conseguiu evadir-se para Madagas-car, onde se preparou para voltar a repetir as suas anti gasproezas. E, com efeito, em Novembro de 1863, tendoconseguido chegar a Pungue com alguns pangaios car-regados de muniçoes, armas e fazendas (moeda da época),ali desembarcou e, atravessando o sertão, alcan çou as

terras, lançandb-se contra o xeque de Sangage, cujapovoação tomou, o que lhe permitiu estabelecer comuni-caçoes com os pangaios de Madagascar e recomeçar sempeias o seu ilícito comércio de escravos .

Pediu aquele xeque auxílio ao governador geral, que. queordenou ao capitão-mor a perseguição de Mussa-Quantocom a gente dos régulos fiéis que pudesse reunir. foientão que, em janeiro de 1864, concentrados no Mocambocêrca de i .ooo homens do régulo de Sancul - nosso fortealiado - armados de espingarda, 2i soldados com duasbocas de fo go, sob o comando do tenente Desidério Gui~ler o, e ro marinheiros comandados pelo tenenteMetzener, se deu, em 25, o primeiro encontro, em Infusse 'com a gente aguerrida de Mussa-Quanto. Apesar da des-moralização dos indígenas de Sancul, a nossa pe quena.

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expedição foi vencedora em 25 e 26 ; mas foi em 29 queo combate pelo fogo foi mais violento, das 6 às 9 horas .

Fugiu então o inimigo, deixando muitos mortos, mastornou-se impossível aguentar a gente de Sancul, que, em-bora vitoriosa, abandonou o campo como se fôssevencida .

Bem árdua foi a peleja dêsse dia 29 de janeiro e bemsevero o castigo infligido aos sequazes de Mussa-Quanto,que mais uma vez abalou para Madagascar, de onde vol-taria mais tarde, em 186 7 , com mais armamento, para re-começar a sua odisseia de rebelde intransigente e de saltea-dor incorrigível. Derrotado novamente por i .6oo sipais ar-mados, que, sob o comando de um decidido portu guês,Manuel Simões, o atacaram em 1872, Mussa-Quanto nãodesistiu ainda, e só a morte o venceu, cinco anos depois,vitimado pelos ferimentos recebidos nos vários recontrospassados .

A sua morte, contudo, não modificou a situa ção in-submissa de An goche, «valhacouto, de malfeitores e derebeldes, foco de escravatura e de contrabando» ; e ainda,em 1898, Joaquim Mousinho, comissário régio, podia es-crever, como Duarte de Lemos quási quatro séculos antes :«os mouros de An goche estão como estavam» .

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Nessa época dizia Mousinho : «sem submeter o sultão(Ibrahimo) na ilha e o Farela y (seu aliado) no continenteera impossível obstar ao contrabando» e assegurar emAngoche a nossa, soberania . Projectava Mousinho levar aefeito essa dupla submissão, em 1898,, propondo-se utilizara expedição que ali se encontrava ainda fresca (de cujabataria de artilharia tive a honra de fazer parte como

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ba.1 thrrno) . Mas, precisamente «dias antes da data quemarcara para o embarque (para Angoche) das fôrças»que a essa missão destinava, chegava a Moçambique anoüfic,aç~Io telegráfica do decreto que originou a sua exo-ne.-,ação de comissário régio da Província .

gio caberia a Massano de Amorim, ao tempodo distrito de Mo çambique, a glória de dirigir

eraçôes em que, finalmente, aprisionados Ibrahimo,Farelay e outros régulos rebelde s, numa série de oito com-bates vitoriosos para as nossas armas, ficariam dominadosos mouros de Angoche,

'cuja rebeldia se mantivera durante

séculos da nossa soberania nominal nessa rica região dagrande colónia do Leste africano . (:1)

(i ) Uma informação ulterior, espontânea e obsequiosamente prestadapelo tenente-coronel José Augusto da Cunha, bravo oficial que à colóniade Moçambique e especialmente à capitania-mor de Angoche deu largosanos da sua vida e o melhor do seu valoroso esfôrço militar, diz-me : a)que «os mouros de Angoche (habitantes da ilha dêste nome) foram do-minados em 1907, data em que o sultão Ibrahimo teve de fugir, indohabitar no continente e não voltando à ilha» ; b) que «a região de An-goche (continente, habitado por pretos) foi realmente batida por Massanode Amorim, mas estava já parcialmente ocupada desde 1904, e só foidefinitivamente dominada, não em i gio mas em i g i7 , data em que apopula ção foi desarmada e muitos régulos presos (entre os quais oMussa de San gage) -e enviados para Timor» . Aqui fica a rectificação que,vinda de quem vem, não carece de confirma ção, por ser digna do maiorcrédito .

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rl%US mecon q uisfadores de Tun gue1867

Na costa oriental de África encontra-se a baía deTungue, ao sul do Cabo Delgado, o ponto mais- setentrio-nal da nossa colónia de Mo çambique antes da GrandeGuerra, que nose permitiu, mais ao norte, a reocupaçãode Quionga .

Doada a Portu gal em i3 io pelo rei de Quiloa, foi aprópria autoridade indígena portuguesa - o xeque deTungue, Amade Sultane - quem, em meados do séculoXIX, se bandeou com o, sultão de Zanzibar, permitindoa êste apoderar-se de Tungue e Meningani, arvorando alia bandeira de Mascate a cujo poderoso chefe árabe eraentão subordinado .

Ficando aquela baía já ao sul da divisória, de longadata tacitamente estabelecida, entre Mo çambique e Zan-zibar, a sua ocupação deu lugar, como era natural, aoprotesto dos sucessivos governadores portugueses que du-rante anos diri giram a nossa colónia e a -quem o sultão -

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já independente desde 186-2, em que foi criado o reino deZanzibar, com a protecção dos ingleses - recebia comas

'maiores atenções e amistosas palavras, mas sem que

fosse possível arrancar-lhe a assinatura de um tratado quedefinisse o limite norte de Moçambíque, restituindo-nosaquilo de que foramos espoliados e em cujo res gate estavamoralmente empenhada a honra da Nação, embora mate-rialmente nos não fôsse de grande proveito a posse dabaía, extremamente insalubre e, ao tempo, fre qüentadaapenas por pescadores indígenas e arábicos .

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Assim se che gou a 1886, ano em que, por um convéniocom a Alemanha - recentemente instalada como nossavizinha na costa oriental africana - se fixava o limitenorte da nossa colónia e a Alemanha se obri gava a deixarde futuro, exclusivamente entregues à nossa ac ção os ter-ritórios ao sul do Rovuma, que compreendiam, portanto,a discutida baía de Tungue.

Foi nestas circunstâncias que o capitão de fragataAugusto de Castilho, governador geral de Moçambique de1885 a 1889, aproveitando, em janeiro de 188 7, a fôrçanaval alemã então fundeada nas águas de Zanzibar, àqual se juntariam navios nossos, pretendeu reocupar Tun-gue e efectivar as disposi ções do recente tratado com aAlemanha .

Verificou-se, porém, com natural estranheza, que estasdisposições estavam em contradi ção com uma convençãoultimada em 4 de Dezembro anterior (o nosso tratado coma Alemanha tinha a data de 3o do mesmo mês) pelosgovernos da própria Alemanha, da França e da Inglaterra

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com o sultão de Zanzibar, segundo a qual o limite sul doterritório deste era demarcado pelo rio Meningani .

Posto ao facto, o Govêrno central resolveu que Casai--lho insistisse pelo reconhecimento da fronteira definida notratado luso-germanico, com o apoio moral do cônsul ale-mão, sendo possível, ou com o apoio material das nossasarmas, se tanto fosse necessário .

Como a insistência perante o sultão não produzisse oresultado desejado, enviou-lhe Castilho u ultimato emxI de Fevereiro para que no prazo de 24 horas dissessese estava ou não decidido a ceder os terrenos reclamados .

Mais uma vez se firmou o sultão no convénio assinadocom as três grandes potências, negando-se a responderconcretamente, do que resultou considerarmo-nos emguerra e rompermos as hostilidades em 16 de Fevereiro,começando por aprisionar-lhe na baia de Tungue o vapor« iiwa » que se recusara a cumprir certas determinaçoesdo comandante da corveta «Afonso de Albuquerque»,que, com as canhoneiras «Douro» e «Vou ga», ali seachava fundeada .

Em 18, a «Douro» bombardeava a posição de Menin-gani, na margem esquerda do rio, e, em 22 , o governadordo distrito, tenente-coronel de cavalaria Dose Raimundoda Palma velho, atacava aquela margem, ocupada porgente armada do sultão.

Era como sempre deminuta a nossa fo . :ça : ape-nas 3o homens de Caçadores n ." i de África e um canhão--revolver ocupavam a margem direita do rio .

Cinco escaleres com 30 marinheiros armados, tomarama bordo os caçadores para irem assaltar a outra margem

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(norte), quando, navegando a meio do rio, foram ataca-dos pela infantaria e artilharia do adversário a que pron-tamente se respondeu de bordo.

E enquanto dos tres navios ancorados se bombardea-vam os terrenos arborizados onde os árabes se ocultavam,

f rças dos escaleres, lançando-se à água, avançaramdebaixo de intensa fuzilaria, e, dominada a resistencia "doinimigo, acabou este por fugir, ficando os portuguesessenhores da margem norte .

Queimada a povoação, arrecadada uma bandeira,duas peças de artilharia e algumas espingardas, reembar-cavam os nossos ao fim de tres horas de acção, seguindorio acima algumas embarca oes, na intenção de queimarmais povoações cio inimigo .

Nao se deu, porem, por vencido o foragido governadorde Tungue, Saidi Alibo, que, refugiado no denso matoque cerca a baia, ali ai-v.-ou de novo a bandeira do sul-tão, sendo preciso que Palma Velho voltasse, quatro diasdepois, com a sua gente ao ataque, repetindo-se o tiroteiovivíssimo e o assalto violento, perante o qual o inimigoabandonou definitivamente o campo.

Estava feita, em 27 de Fevereiro de 1887 a reocupaçãoda bala de Tun gue, que nunca mais deixou de perten-cer-nos, apesar de várias recriminações ulteriores da Ingla-terra, que o meu distinto camarada e ilustre académicosr. general Teixeira Botelho menciona e comenta na suavaliosa e interessante « H stória Militar e Política dos Portu-gueses em Moçambique» .

Dias depois recebia Portugal, por intermédio da Ale-manha, o pedido de paz do sultão de Zanzibar .

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Coubera a glória de obter pelas armas essa reivindi .-cação dos direitos de Portugal, longamente ultrajados, aum punhado de bravos portugueses sob o comando dePalma Velho, em cuja homenagem a povoação de Menin-gani, reconstruida na margem norte do rio, passou a deno--min.ar-se Palma bem tristemente conhecida dos portu-gueses que na última Grande Guerra se bateram emMoçambique .

Coube a honra de resolver esse dilatado pleito e de verfinalmente delimitada, de facto, a fronteira norte da nossacolónia pelo Rovuma e pelo paralelo que parte da co --fluencia dêste com o l essinge, conforme estipulara o con-venio luso-alemão de 1886 (mais tarde renegado pela Ale-manha!) -coube essa honra ao governador geral Au-gusto de Castilho, ilustre oficial da. nossa Marinha deGuerra, que um ano depois devia engrandecer ainda maisos seus relevantes serviços a Patria naquela colonia, ani-quilando de vez o poderio da famosa geração dos Bon gase pacificando a Zambézia portuguesa .

o facto, porventura esquecido dos velhos e ignoradodos novos, merecia bem éste sumarissimo registo, como asmemórias dos dois oficiais seus principais protagonistasmerecem a gratidão e o respeito de todos os bons portu-gueses .

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E 9um combafe trágico1891

Realizara-se em i8, go a campanha de Geba, onde, noombate de Carantabá, em 13 de Dezembro, foi ferido o

bravo civil Domingos Gomes de Araújo, conhecido entreos indígenas por Mancamá, que dos ferimentos veio a fa-lecer dias depois, patriota em cujo valor sintetizo o demuitos civis que, com êle, nessa árdua campanha foramlouvados pelos relevantes serviços que prestaram nas ope-rações e em combate .

Declarada, porém, em princípios de 18 91 a revolta emBissau, para esta se voltaram as aten ções do Govêrno dacolónia, que, em 1 de Março, mandava organizar umacoluna de opera ções destinada a bater os régulos rebeldes,Papeis e grumetes da Ilha de Bissau .

Dessa coluna fazia 'parte a fôrça disponível do Bata-lhão de Caçadores n.° i, de África, e a bataria de artilha-ria da colónia e mais 154 auxiliares, beafadas e mandingas,comandados pelo célebre chefe de guerra Galona, que já

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se distinguira em campanhas anteriores . juntou-se aindaà coluna uma companhia de Polícia de Cabo Verde, que,desembarcada em Bissau, em 5 de Março, apenas tomouparte no combate de 9, retirando-se em seguida.

Foi renhido êsse combate de 9 de Março, em que asnossas .forças se bateram rijamente contra o aguerridogentio, que, em número dezenas de vezes superior, pre-tendia, com .incansável tenacidade, atacar a praça deBissau . Mas foi no combate de 19 de Abril que, às portasda fortaleza, a luta se tornou mais feroz e as conseqüên-cias foram mais trágicas .

Nele se empenhou o máximo esforço das nossas tropascontra a violência e a ferocidade do atacante, cooperandono combate a lancha-canhoneira «Zagaia », comandadapelo 2.° tenente Álvaro Herculano da Cunha, que tantose aproximou de terra que ^ o seu fo go pôde ser, por vezes,correspondido pelos revoltosos .

Enquanto as forças de terra' se batiam em campoaberto, fora das muralhas da fortaleza, uma companhiade Marinha era desembarcada dos navios surtos no parto,para ir guarnecer a pra ça de Bissau . Dessa companhia sedistinguiu o marinheiro-chegador Elísio, que, não lhe so .-frendo o ânimo assistir de dentro das muralhas à lutaencarniçada que se travava, a dois passos na sua frente,saiu sozinho da pra ça e deu provas de coragem e denodoa bater-se valentemente com o gentio .

Mas, actos individuais de valor, como éste e outros quemereceram especial louvor, não conseguiram evitar que asuperioridade numérica dos rebeldes e a sua atroz feroci-

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dade transformassem em chacina terrível esse combatememorável de ice de Abril de 1891.

Nele foi morto o comandante da coluna, capitão Joa-quim Antônio do Carmo Azevedo, como trucidados foramo capitão Heitor Alberto de Azevedo, o i .o tenente deartilharia Jorge de Lucena e o alferes José Moreira, todosdo exército de África ocidental . : a chacina atingiu maistrês sargentos e quarenta e uma outras pra ças, sem contarcom os numerosos desaparecidos, cu ja sorte ficou parasempre ignorada .

. Entre os actos de abne gação praticados no combateconta-se o do bravo alferes Nogueira Ferrão que, comrisco de vida, tentou levar para dentro da pra ça, o cadá-ver do i .' tenente Lucena, transportando-o às costas, porlargo tempo, até que irresistivelmente caiu sem fôr ças .Foi esse mesmo oficial - que neste combate demonstrouas suas altas qualidades de valor, coragem e dedicação (')

quem, com o auxílio do soldado Manuel Afonso e docorneteiro José de Freitas, socorreu o 2.0 tenente Co.n-ceiçao Gonçalves, da bataria de artilharia, que, grave-mente ferido e exausto de fôr ças, teria morrido no campoe teria tido a negra sorte dos trucidados, se êsses seus três

(r) Carlos Nogueira Ferrão foi um daqueles antigos alunos do Colé gioMilitar, meus contemporâneos, que, nas mesmas condições do desditosoalferes Chamusca e de tantos outros, foram servir no Ultramar, ondefizeram com brilho a sua carreira militar . A Nogueira Ferrão ornaramo peito numerosas condecorações a atestar o seu valor militar demons-trado sobejamente nas várias operações em que tomou parte. No espaçode tempo que mediou entre a primeira publicação destas linhas e a apa-rição do presente volume, finou-se o bravo oficial, a quem deixo aquiregistado o preito sincero da minha saudade .

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bravos e dedicados camaradas o não tivessem transpor-tado, debaixo de fogo, para o interior da fortaleza .

Nogueira Ferrão e conceição Gonçalves, o salvador eo salvado, que vivem ainda na quela obscuridade a quegeralmente são votados os bravos, recordar-se-ão certa-mente dessa tragédia inolvidável da sua vida militar .

Conta-se que, depois do combate, a um dos 'oficiaistrucidados o gentio arrancou o coração e, cortando-o aosbocados, distribuiu-o pelas mulheres grávidas para queseus filhos nascessem tão bravos como êle ! Triste masjusto preito de homena gem tributado à bravura do oficialportuguês .

«Tempos depois - diz um narrador da época, hojecoronel Nunes da Ponte - vinham (os rebeldes) à praçaenfeitados com os dentes dos brancos, que enfiaram emcordéis ; e as cabeças penduraram-nas nas árvores» .

Eram desta força os selváticos instintos dos papeis deBissauu contra os quais, em igo8, mais uma vez se bateram'os portugueses, na campanha realizada quando era gover-nador da colónia o i .<> tenente Muzanty, o bravo mari-nheiro que há poucos anos ac ompanhámos à sepulturaque prematuramente o ocultou para sempre, quando aindao vigor da sua inteligência lhe permitiria continuar, noposto de vice-almirante prestes a atin gir, a servir -utilmentea Marinha que tanto amou, a Pátria por que abnegada-mente tantas vezes se sacrificou .

A modesta homenagem que, nesta simples evocaçãodo combate trágico da Guiné, de i g de Abril de 18 91,presto à memória honrada das suas vítimas e ao valor

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esquecido dos seus sobreviventes, sej a-me permitido jun-tar o tributo de saudade devida ao ilustre contra-almiranteque a morte roubou, depois de ter dado às Colonias, emespecial a Guine, durante anos o melhor do seu dili-gente e valoroso esfôrço, com que sempre primou em bemservir a Nação

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Os Voluntarios de Lourenço Marques

Correra agitado em Moçambique o ano de 18go . Afamosa CIiartered, a Companhia Britânica da África doSul, onde pontificava o celebre Cecil Rhodes, animadapela situação aparentemente precária em que ficara onosso prestígio na colónia após o ultimato de Janeiro desseano, pretendera apossar-se dos territórios de Manica, au-tenticamente portugueses, e onde, ao tempo, começavaos seus trabalhos de exploração industrial a Companhiade Moçambique, sob a direcção do coronel de artilhariaPaiva de Andrada .

Em 15 de Novembro foi este bravo oficial, acompa-nhado por João de Resende, representante em Macequecedaquela Companhia e da autoridade portuguesa, e porManuel António de Sousa, capitão-mor de Manica, aoencontro do régulo Mutassa, para ouvir deste a afirmaçãoda sua vassalagem a Portugal, aliás prestada havia mui-tos anos, ou, pelo contrário, a confirmação da atoarda

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que a Chartered fazia correr de que êsse régulo tinhaassinado um contrato de cedência dos territórios de Ma-nica, que, sob êsse pretexto, a Companhia britânica sedispunha a ocupar com as suas forças .

Completamente sós e desarmados, os três portuguesesconversaram pacificamente com o ré gulo, que lhes afir-mou, . diante de ingleses, «não ter assinado papel al gume que se alguem provasse tal, que lhe cortasse a mão queêle levantava» ; e mais «que as terras eram do rei e dêle,Mutassa» e, apontando a bandeira portu guesa arvoradano local, «que bem viam todos qual era 'a bandeira queali flutuava, que era a que sempre tinha prote gido osrégulos de Manica» .

Terminada, porém, a reunião, quando, numa outrapalhota, Paiva de Andrada conversava ainda com o régu-lo, -foi surpreendido pela chegada de alguns polícias daChartered, armados de espin gardas, que lhe intimavamordem de prisão. Em roda, sôbre os rochedos, estavampretos do Mutassa, armados com espingardas in glesas. Eraevidente a trai ção! Na impossibilidade de resistirem,Paiva de Andrada e os seus dois companheiros conside-raram-se presos, embora protestando enèrgicamente «con-tra a violência que lhes erg. feita, como um ata que desalteadores» .

Foi êste o facto que determinou a efervescente indigna-ção dos portu gueses em Lourenço Marques, onde o presi-dente da Câmara Municipal, en genheiro António Mariade Sousa Pereira, convocou a reunião desta, em io deDezembro, e nela disse entender «que era dever de todosos portugueses correr' em auxílio dos cativos, res gatá-los

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pela força se fôsse necessário, e manter o bom nome deportugueses . . .» Ali ficou resolvida, por proposta dovereador tenente António de oliveira, a organização dumbatalhão de voluntários, ideia acolhida com tal entusiasmoque dentro em pouco contava o batalhão com cêrca deSoo alistados, voluntários civis . 0 Corpo Policial de Lou-renço Marques ofereceu-se todo para acompanhar o ba-talhão .

Arrefecidos, porém, como é vulgar, os primeiros entu-siasmos, o batalhão ficou reduzido a uma companhia, defacto' mobilizada, que, com um destacamento de Caça-dores 4 (de Africa), outro do Corpo Policial de Louren çoMarques - ao todo iSo europeus - e uns 40 soldadosindígenas, constituíram a expedi ção, cujo comando foiconfiado ao bravo e prestigioso major Caldas Xavier, que,apesar de doente, não se recusou a assumi-lo .

Não acompanharemos na sua lon ga e penosa marchapelo interior essa expedição, que só quatro meses depoischegou a Macequece, em 5 de Maio, tendo-se-lhe reünidono trajecto, em Sarmento, contingentes indígenas de Ca-çadores i,e 4 e duas peças Hotchkiss . Iam também duasmetralhadoras Nordenfeldt .

Ao entrar em Macequece a expedição estava reduzidaa 112 europeus, 47 soldados da guarnição de Moçambiquee 93 cipais de Inhambane .

Enquanto se preparava a construção de um redutopara se instalarem umas pe ças de 7 cm . encontradas en-terradas em Mace quece, verificava-se que a Charteredreunia, perto do rio Chua, «a bom alcance e dentro dosterritórios que nos eram -garantidos pelo modus vivendi,

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elementos de força que nos podiam ser fatais», incluindouma peça de artilharia, contra a qual as nossas seriamimpotentes, as otch iss por demasiado fracas, as de7 cm- por falta absoluta de munições, que, j á requisitadas,não se previa quando pudessem chegar . Nestas circuns-tâncias resolveu Caldas Xavier pedir autorização ao go-vernador para ir, de noite, com gente escolhida, tomaraquela peça, o que lhe não foi consentido . E assim, limi-tou-se a mandar intimar o posto britânico a que passassepara alem da nossa fronteira, intimação que não produziuresultado imediato .

Entretanto avolumavam-se os indicios de que o Mu-tassa mobilizava a sua gente, o que foi confirmado em ii,pela aparição de muitos negros perto do posto britânico.Resolveu então caldas Xavier efectuar com uma partedas suas fôrças uma demonstração que pusesse os negrosem debandada .

Para êsse fim saiu, pelas 14 horas, uma força, coman-dada por ele próprio, a qual não tinha ainda andado Soometros q uando a artilharia adversa rompeu fogo, tomandoassim a iniciativa do ataque no nosso próprio território,o que não impediu que continuasse o avanço. Mas poucodepois, ao atingir uma crista, era alvejada por fogo demetralhadora e fuzilaria, a que os nossos responderamvivamente durante S5 minutos, pondo em debandada osnegros do Mutassa, como se pretendia . Tivemos 6 mortose vários feridos, entre estes um oficial o capitão Au-gusto cesar Bettencourt e três voluntários .

Reconheceu-se, porem, que a posição inimiga erabastante forte para não poder ser assaltada sem artilharia

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eficaz, motivo por . que se efectuou a retirada para Mace-quece, donde fora imediatamente evacuados para Sar-mento os doentes e feridos. E toda a expedição, semmunições, sem pessoal sanitário, se viu forçada a retirarpara Chimoio, onde chegaram, em 16 de Maio, esfal-fados e esfomeados, os patriotas voluntários de LourençoMarques .

Foi em O imolo que tiveram conhecimento, em 29 deMaio, de que a C artered ia receber ordem para recuarI5 milhas para além de Macequece, cuja povoação foraincendiada em 12, em se g .ida á retirada dos nossos, edinamitadas as instalações da Companhia de Moçambiquee as nossas bocas de fogo ali deixadas .

Recebida em i6 de Agosto ordem para retirar, a ex-pedição dos voluntários desembarcava em Lourenço Mar-ques em 4 de Setembro, sendo recebida no cais porJoaquim Mousinho, ao tempo governador do distrito, emeia dúzia de amigos particulares . (`O restante da popu-lação portuguesa e a Câmara Municipal diz CaldasXavier no seu relatório nem deram pela nossa chega-da, ou, se deram, foi-lhes tão indiferente este facto comoo da nossa partida . Eram doidos e cobardes os que che-gavam? Não. Era que a fúria patriótica da população deLourenço Marques se tinha esgotado em discursos pom-posos, feitos na re'ünião havida na casa da ' Câmara, paraalistamento dos voluntários . . . dos muitos que se alista-ram e dos poucos que partiram» .

Não fora, na verdade, culpa destes a sua retirada ine-vitável, depois do combate de Mace quece, onde as baixasdo inimigo, segundo todas as informações, foram de 35

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mortos e feridos, dos quais io daqueles e 5 custes erameuropeus .

Demais- como comenta Mousinho no seu precioso«Moçambique - quando se travou o combate já fôra

finado o tratado com a Inglaterra que definia os limitesda província ; mas houvera ao menos um protesto feito airo de bala contra a violência de que um oficial português(Paiva de Andrada) fóra vítima» .

]esse protesto fê-lo o bravo caldas Xavier com os vo-luntários do seu comando, cuja ac ção em combate, foielogiada pelos próprios in gleses .

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0 ocupador do Moxico

1894

.Nos episódios da nossa história contemporânea quevenho recordando, tenho sempre procurado, de preferên-cia, exaltar a memória veneranda dos mortos, notáveisservidores da Na ção, a pôr em foco as virtudes dos vivos,embora não menos di gnos da veneração de coevos e vin-douros, pelo muito que a Pátria lhes deve em dedica ção ebons serviços .

É que, embora a adulação não entre na lista dos meusinúmeros defeitos - como o provam sobejamente a minhavida passada e presente e continuará a provar a futura -não quero dar aso a que a maledicência indígena me atri-bua propósitos de bajulice, sempre tão alheios ao meupensamento como estranhos ao meu feitio .

Abro, porém, uma excepção para o velho militar ecolonial que vou pôr diante dos olhos dos compatriotas queme lerem .

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Recordando os seus serviços e apontando-o como maisum exemplo aos novos,. pratico apenas um acto de justiçaque ninguem terá o direito de malsinar .

QE , posta esta explicação prévia, vou entrar em matéria .

uem conhecer regularmente a nossa história colonial,e particularmnente a da nossa grande colónia da África

idental, lembrar-se-á talvez de que, ha bastantes anosprecisamente em 1906 foi resolvido, por sentença

arbitral do Rei de Itália, o pleito que se arrastara durantemais de quinze anos entre Portugal e a Inglaterra, a pro-pósito da delimitação da fronteira oriental de Angola naregião de Barotze .

Essa arbitragem, que garantiu a Portugal a posse efec-tiva duma vasta região entre o Zambeze e o alto Quanza,com que ficou definitivamente ampliada a nossa colóniade gola, foi, sem duvida, facilitada pelo reconhecimen-to, por parte do arbitro, do facto consumado comohoje está em uso dizer-se na política internacional .

Visse facto consumado era a ocupação efectiva, levadaa cabo em 1895, de cerca de 300 .000 quilómetros quadra-dos na região de Moxico .

essa ocupação, que representou um esforço quásisobrehumano, marca na história da colónia um feito degrandeza tal que merece ser descrito, embora a traçoslargos .

Em IS94 resolveu o governador geral de Angola, coma anuencia e apoio do Governo da metrópole, mandar es-tabelecer no Moxico região longínqua, para além doBie, então recentemente submetido pelo notável colonialArtur de Paiva uma Colónia Penal Militar Agrícola,

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destinada a receber os degredados que e Angola iamcumprir a sua pena .

Com esse fim pretextado, mas certamente com o objec-tivo mais grandioso de ocupar os vastos territórios quenaquela região se estendiam ate ao alto Zambeze, organi-zou-se uma expedição para cujo comando foi convidadoum modesto oficial de infantaria, que, tendo ingressadoem i88o, como alferes, no Exercito da África ocidental,era ao tempo capitão e exercia o cargo de chefe do conce-lho de Ambriz, cargo que nessa época era, considerado dosmenos incómodos e dos mais rendosos dIa Província . Issonão obstou a que o bravo capitão, pondo de parte ocomodismo e os proventos, aceitasse a honrosa missão quelhe confiavam, embora não duvidasse de quanto ela seriaespinhosa e difícil, desde a longa e penosa marcha a em--preender através do ser tão até aos . perigos que antevia naocupação dum território quási inteiranmente desconhecidoe na organização e comando duma colónia de degredadosem tão longínquas paragens .

Tinham-lhe prometido que em Benguela receberia 25osoldados e que, para primeira instalação da Colonia Penal,levaria consigo alguns degredados escolhidos entre os demelhor comportamento. Promessas vãs, como e vulgar1em Africa ! Em Benguela havia apenas recrutas em ins-trução e, quanto a degredados, o Deposito de Luandaforneceu-lhe 72 . . . dos pior es que la tinha !

Foi com esses 72 condenados, rapidamente instruidosno manejo das armas que lhes foram distribuidas, acorn-panhados de 2 corneteiros e enquadrados por 7 oficiais e4 sargentos, que o capitão partiu de Benguela em 15 de

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Agosto, levando atrás da pequena coluna 18 carros boers,1cada um puxado por 12 juntas de bois, carregados demantimentos, de fazendas e presentes, para comércio eoferta ao gentio e de materiais de constru ção para insta-lação da colónia Penal .

É preciso ter conhecido um pouco a nossa África dehá 4o anos para bem se avaliar quanta energia, quantacoragem, quanta fôrça de vontade seria necessário despen-der para fazer marchar, sem desalento, uma coluna assimconstituída, levando-a a vencer tôdas as d ificuldades, to-dos os obstáculos que, a cada momento, lhe surgiam nesseinterminável trajecto de cêrca de i .Soo quilómetros, nosertão em grande parte desconhecido ainda e nunca per-corrido por autoridades portu guesas 1

São aqui os areais onde os carros se enterram e de ondesó fôrças hercúleas conseguem arrancá-los ; é além a mon-tanha, onde novos esforços se consomem para lhe subir asencostas escarpadas e descer em se guida por desfiladeirosabruptos ; agora, árvores que é preciso abater a machadopara desobstruir o caminho, logo, rios caudalosos que comenorme dificuldade se transpõem .

E, a j untar a esta luta constante bom a natureza, inci-dentes de outra espécie, a atrasar a marcha e a quebrarenergias : hoje, um incêndio que devora a floresta, obri-gando a coluna a procurar novo caminho, amanhã, casosde disenteria que forçam a uma paragem de quinze dias ;e, de quando em quando, com desesperadora frequência,um boi que fica pelo caminho, morto pela caonha! E asavarias nos carros, e a falta de água e de pasta gens, asmil dificuldades, enfim, que em pleno mato africano põem

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à prova a iniciativa, a paciência e o engenho de quemtem de as vencer com os seus próprios recursos - de tudoisso sofreu e tudo suportou com abne gação notável a pe-quena coluna em marcha para o Moxico .

Chegada a coluna ao Blé em 14 de Novembro, e acam-pada em Caiala no dia seguinte, nova dificuldade a espe-rava. A travessia do Quanza, lar go e profundo, eraimpossível para os carros . As cargas tinham de passar aser transportadas por carregadores, mas a dificuldade dero ecrutamento dêstes demorou a coluna até 18 de janeiro(1895), data em que conseguiu partir de Caiala .

Começaram então as chuvas torrenciais a prejudicara marcha, a inutilizar os mantimentos ! E, como se issonãõ bastasse para contrariar o esfôrço inquebrantável docomandante da coluna, fogem-lhe, em Chindumba, insti-gados, ao que parece, por missionários estran geiros, todosos carregadores, abandonando as car gas, e 36 degredados,armados e municiados! .

Instalado em -Chindumba um primeiro posto, em iode Fevereiro a coluna punha-se novamente em marcha, e,em 3 de Março - quási sete meses depois da partida deBenguela !- chegava, finalmente, ao Moxico, onde o seucomandante, ao mesmo tempo que faz construir o forte«Ferreira de Almeida», desenvolve com rara habilidadea sua política com os indígenas, procurando captar-lhes assimpatias e contrabater a intriga formidável com que de-votos missionários estrangeiros tentam indispô-los contraas autoridades portu guesas.

já anteriormente, ainda no caminho, torturado pelasmil contrariedades que a sua inesgotável coragem ia con-

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seguindo vencer, soube o comandante que uma expediçãopartira do Cabo, com250 cavaleiros e duas metralhado-ras, com o mesmo destino da pequena coluna portuguesae idêntico objectivo de ocupação. 0 bravo comandanteafirmou então que ao alto Zambeze chegaria, ainda quefôsse sèzinho, e que só se morresse no trajecto, deixariaa bandeira portu guesa, de ser ali hasteada antes de qual-quer outra!

Realizara-se o seu honroso compromisso . Primeiroque nenhuma outra, Autuou na região do Moxico a ban-deira portuguesa em Março de 1895 . E com grande as-ombro dos ingleses, que depois, se tornou admiração eaplauso, uma série de postos militares ocupava dentro empouco uma vasta região de 300 .ow quilómetros quadra-dos, conquistados por esse punhado de portugueses ani-mados pela coragem e pelo exemplo do seu enérgico edenodado comandante .

Teve êste seguidamente de vencer ccm a sua energia,menos a

resistência do indígena que a sua diplomaciasoube captivar, do que a ferocidade da queles brancos con-d ados - assassinos sem escrúpulos - confiados à sua

rda na Coló a Penal em instalação, que, revoltadoscontra o excesso de trabalho que, pela fôr ça das circuns-tâncias, o comandante lhes exi gia, chegaram a resolverliquidá-lo e fu gir, desistindo perante a audaciosa coragemcom que éle se lhes apresentou, sózinho e com um chicotepor única arma, a ímpôr-lhes a obediência e a mandaralgemar meia dúzia dos que deviam ter sido os cabeçasde motim .

Tal era a têmpera dêsse bravo capitão a quem a Na-

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cão deve o inestimável serviço de ter ampliado a colóniaportuguesa de Angola com o vasto território do Moxico,cuja posse a arbitragem de igo6 nos garantiu definitiva-mente .

Chama-se ele Frederico César Trigo Teixeira .Arrasado pela doença que contraiu naqueles matos

inhóspitos onde o destino o levou, já depois de 14 anosde permanência em África durante os quais outros ser-viços importantes já prestara, embora de menor vulto --foi reformado em 1896 e tem hoje o posto de tenente-,,oronei por - ter sido recentemente qualificado de Invá-lido de Guerra, considerado, como justamente foi, «decampanha» o seu período de permanência no comando daColónia Penal .

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Guerras em Timor

1895

Ao longo período de paz que cómodamente, gozaramsucessivos governadores da nossa colónia de Timor su-cedeu, a partir de 1894, a época de maior actividadebélica que os timorenses conheceram em . nossos dias,sob o impulso enérgico do governador Celestino daSilva, que não hesitou em submeter pelas armas ospovos indígenas, que, pelos meios suasórios e pacíficos,não conseguia dominar, visto que a sua submissão e aocupação dos seus reinos seriam a primeira e essencialcondição para se poder desenvolver a decadente a gricul-tura daquela soberba ilha do oriente, de lon ga data di-vidida entre portugueses e holandeses .

Foi numa dessas primeiras guerras do novo gover-nador que, em 6 de Setembro de 18 95 , morreu bárbara-

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mente chacinado pelos ti morenses, como quási tôda afôrça que comandava, o bravo capitão de infantariaEduardo Inácio da Câmara .

Educado no Asilo dos Filhos dos Soldados, Eduar-do Câmara sentara praça de voluntário em 1869 e doisanos depois era promovido a alferes para o batalhãodestinado a reforçar o exército do Estado da India. Em1877 era colocado no i . ° batalhão do Re gimento de Infan-taria do Ultramar, com o qual serviu na provínciade Moçambique por forma a ter merecido dois louvoresregistados na sua bio grafia militar . E em 28 de Fevereirode 1894, quando já contava quási seis anos no posto detenente, foi promovido a capitão - sem prejuízo dos ofi-ciais mais antigos, nos termos da anti ga lei de io deSetembro de 1846 - para ir servir em Timor, onde ogovernador, Celestino da Silva, o propôs para secretáriodo Govêrno «atendendo às suas aptidões, inteligência ededicação pelo serviço » .

Voltou, porém, ^ o capitão Câmara ao exercício da suafunção militar logo que se tornou necessário e fez «bri-lhantemente» - segundo o relatório do governador aguerra de Obulo e Marobo, de que resultou «além demuita glória para as nossas armas», a submissão de seisreinos rebeldes do Oeste da colónia .

Pouco depois viu-se o governador ameaçado de guerrano Sul, com o reino de Manufahi e outros coli gados . Eporque todos os seus esfor ços para a evitar foram inúteis,porque os rebeldes queriam a guerra que se lhes figu-rava vantajosa, forçoso foi aceitá-la, dispondo-se as nos-sas ffi.ru.-,as em três alas para o combate inevitável .

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Ao capitão Eduardo Câmara foi confiado o cornandoda ala direita, que devia fazer «uma diversão em oeste,para evitar que aqueles povos entrassem na luta» . Infe-lizmente, porém, o governador, que pessoalmente co-mandava o centro e em ii de Setembro (:r895) conquis-tava o reino de Aituto, era informado,, nesse mesmo dia,da bárbara chacina que, em 6 vitimara o bravo coman-dante da ala direita e quási toda a sua fôrça. Os rebeldes,que êle próprio dominara no ano anterior, acabavam dese vingar, feroz e traiçoeiramente, do seu dominador!

Assim se perderam num dia Mas as vantagens que,na campanha antecedente, tinham sido alcançadas noOeste, cujos povos, agora animados pelo desastre quenos causaram, voltavam com maior audácia à sua an-tiga rebeldia. «A guerra era absolutamente indispensável

- nao so para vingar a- diz o relatório do governadorafronta que nos tinha sido feita em 6 de Setembro, maspara sustentar o nosso prestígio, não só na importanteregião central de oeste, mas em tôda a colónia, pois emdiversas partes começavam a aparecer sintomas de rebe-lião» .

Dificuldades de organização impediramm que a guerrafôsse imediata ; e assim só em julho de :r896 tiveramcomêço as operações, embora ainda menos confiado ogovernador nos seus pequenos recursos do que «no seuplano de campanha e muito mais na bravura, cora gem,dedicação e patriotismo dos dois oficiais, o capitão EI-vaim e o alferes Francisco Duarte, que tinham por certoa parte mais difícil a desempenhar» .

Não me alongarei na descrição das opera ções que se

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desenrcJaram de io de julho até iS de Agosto, em quefoi tomada Sanirihi (ou ganir), importante centro de re-sistência dos rebeldes, após uma série de sangrentoscom-bates, em que «pela primeira vez foram empregados fo-gos de artilharia contra nós e onde os indí genas estavamarmados com algumas espingardas de retrocarga» .

Prosseguiram as operações contra Cová, que, ao con-trário do que se. esperava, não resistiu, entrando ali asnossas fôrças em 2o de Agosto ; «os cobardes assassinosdo valoroso capitão Câmara e dos seus valentes compa-nheiros desmentiram as suas tradições, abandonaramtudo, deixaram magníficas posições que tinham fortifi-cado com cuidado e puseram-se em fuga para o terri-tório holandês, deixando, contudo, em poder dos nossosalgumas cabeças. As nossas fôrças fizeram uma marchatriunfal através do reino de Cová, destruindo e incen-diando tudo, matando os que lhes resistiam e vin gandoa morte de tantos dos nossos que naqueles terrenos ti-nham deixado a vida em diferentes ocasiões desde re-mota época. Assim acabou a lenda de Cová, assim finda-ram as tradições de vitórias, assim terminou a reputa çãoque aqueles salteadores e assassinos tinham de invencí-veis» .

E o relatório do governador continua ainda nos se-guintes termos : «os despojos tomados pelas nossas fôr-ças foram importantes e em Cová, capital do reino, en-contraram-se muitas cabeças em uma árvore junto aopomal ; muitas eramm de brancos, sem dúvida, e cortadasem diversas épocas, mas entre elas apenas se pôde reco-nhecer, e de uma maneira que não admitia contestação,,

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a do valente capitão Câmara», que, devidamente acondi-cionada, foi enviada para Lisboa ao cuidado da família .

Fôra vingada, em 2o de Agosto de 1896, a morte afron-tosa do bravo e malogrado capitão português, cujo nomeficou inscrito na lista dos sacrificados da ocupação colo-nial do século XIX, com os dos humildes soldados seuscompanheiros de infortúnio 1

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OU bravo de Marracuene1895

A data de 2 de Fevereiro, a Candelária da Igreja, maisconhecida do povo por Senhora das Candeias, é por trêsvezes assinalada nos fastos da África Oriental Portuguesa,como nos diz, no seu interessante volume «Cartas deMoçambique», o tenente Mário Costa, paciente e incansá-vel investi gador da história desta nossa preciosa colónia .Em 2 de Fevereiro de 1811, diz-nos êle, chegaram a

Tete dois negociantes indígenas de Angola, que, quatroanos e oito meses antes ( !), tinham partido de PungoAndongo portadores duma carta do coronel Honorato daCosta para o governador dos Rios de Sena .

Foram ésses dois modestos africanos, Pedro JoãoBaptista e Amaro José, os primeiros que fizeram a tra-vessia do continente negro, precursores de Serpa Pinto ede Capelo e Ivens, que, já em nossos dias, realizaram acélebre via gem «de Angola à contra-costa» (1) .

(1) Parece M o verdadeiro nome do segundo dos pioneiros citados,seria Anastácio Francisco e não amaro José, segundo se depreende do

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EM 2 de Fevereiro de 1864 desembarcam em Moçam-bique 6 oficiais e 33 praças da metrópole, os primeirosmilitares portu gueses - diz ainda o autor citado - quevoluntàriamente se ofereceram para ir servir nas colónias .

, Não lhes foi favorável o Destino . Na primeira expe-dição contra o «Borga» - o famigerado capitão-mor deMassangano, revoltado em 1866 - encontraram êsses vo-luntários a morte na chacina traiçoeiramente preparadapor êsse potentado rebelde, que, a despeito das sucessivasexpedições organizadas contra êle - e contra os seus su-cessores da mesma fôr ça - conseguiu manter insubmissaa Zambézia, só muito mais tarde pacificada .Em 2 de Fevereiro de 1895 travou-se em Moçambique

o primeiro - e único conhecido - combate em que umquadrado de tropas na defensiva, rôto pela incursão vio-lenta do atacante por uma das faces, conse gue reconsti-tuir-se, resistir, expulsar do seu interior o ousado inimi goe transformar a derrota iminente numa vitória retumban-te. Assim foi o combate de Marracuene, joia das maisbrilhantes da nossa coroa de glórias militares .

Primeiro acto do drama militar que em 1895 se desen-rolou, por ?4agul e Coolela, e teve o seu epilogo em Chaí-

interroga:tório que lhes fez o governador Constantinoo de Azevedo, cujorelato se encontra no Arquivo Histórico Colonial, como obse quiosamentequis informar-me o sr. dr . Manuel Múrias, em carta publicada no «Diáriode Notícias» 4-2-INQ- 0 mesmo ilustre investigador põe em dúvidaque fôssem ésses dois ponzbeiros de Francisco Honorato da Costa, directorda Feira de Cassange, os admeiross a fazer a travessia do continentenegro. Mas o próprio livro -do tenente Mário Costa 'esclarece que foramos primeiros que fizeram a travessia de ida e volta .

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mite, o oombate de Marracuene é das acções guerreirasmais notáveis da nossa História, quer se observe apenasno seu aspecto militar, quer se encare sob o ponto de vistamenos restrito das suas conseqüências, da sua benéficainfluência na nossa política colonial .

Tinha-se revoltado, a propósito duma divisão das suasterras, justificadamente determinada pela autoridade por-tuguesa, o régulo da Magaia - o devasso Mahazul, em-brutecido desde criança, dizia-se, pelos abusos do alcoole do amor - e com Me se mancomunara o régulo daZichacha, o ambicioso Matibejana -que, ao contrário doseu aliado, era inteligente, ousado e de instintos cavalhei-rosos na opinião dos que melhor o conheciam.

A revolta alastrou e em breve campeava em tôdas asentão chamadas terras da coroa, do distrito de LourençoMarques, territórios cujos re gulos, vassalos imediatos doreino, deviam cumprir os actos de vassala gem que lheseram exigidos : pagamento do imposto de palhota e pres-tação de gente para trabalho e para guerra .

«Para além -das terras da coroa - escreveu AntónioEnes - nunca se tinham estendido as mais ligeiras reali-dades do nosso domínio em África» .

Pois mesmo dentro delas, a gora em revolta, era tal afraqueza do nosso domínio, que a própria séde do seucomando - Angoane - tinha sido evacuada em Setem-bro de 1894, deixando o campo aberto aos indí genas re-beldes .

Assim, o nosso domínio efectivo no distrito achava-selimitado à cidade, deprimente situação que os próprios

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pretos proclamavam altivos, dizendo que Lourenço Mar-ques era dos brancos mas o mato era deles .

Apenas a cidade se encontrava em permanente estadode defesa, mal garantida por uma linha de arame farpadoque a circundava, pela periferia dos bairros excêntricos,desde o pântano até à praia, fortalecida, a espa ços, portoscos block-hauses instalados nos sítios mais expostos,que durante -a noite eram guarnecidos por forças armadas .

Era na guarnição desta pseudo-linha defensiva que seocupavam as fôrças da expedição que, indo da metrópole,desembarcara eme Lourenço Marques em 12 de Novembrode 1894 .

Uma companhia de caçadores e uma sec ção (divisão)de artilharia das fôr ças expedicionárias e umas 2oo pra ças(angolas) do batalhão de caçadores n.o 3, de África, tudosob o comando do próprio comandante da expedição, ma-jor José Ribeiro, efectuou em 2 de Dezembro, sem difi-culdade, a reocupação de Angoane .

As restantes forças da expedição, reunidas, em De-zembro, em Lourenço Marques, eram empregadas exclu-sivamente no penoso serviço das linhas, que, sem utilidadecompensadora, lhes arruinava a saúde, ao mesmo tempoque perdiaim, pela sua inacção, o prestí gio de que care-ciam perante os landins rebeldes .

Assim, o estado de revolta persistia, dando tempo aosindígenas sublevados para aliciar novos adeptos e orga-nizar a sua defesa, en quanto o famoso Cecil Rodes eoutros aventureiros forjavam planos que tenderiam aexplorar a revolta em seu proveito e os próprios governosestrangeiros interessados estavam de alcateia, preparando

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possivelmente uma intervenção violenta se nos mostrás-semos impotentes para dominar a insurreição dos cafres .

Tal era, em resumo, a situa ção política dos portugue-ses na África oriental quando em 18 de janeiro de 1895desembarcou, em Lourenço Marques, António Enes, no-meado pelo Governo Central comissário régio em Mo-çambique.

Viu êle imediatamente que uma tal situação não podiamanter-se, que o nosso brio de portugueses exigia queagíssemos, que saíssemos dessa defensiva passiva que nosdeprimia, e que o fizéssemos sem demora, antes que seaniquilassem por completo, na inacção doentia em quese estiolavam, as forças militares recem-chegadas da me-tropole .

Foi assim que, de acôrdo com Freire de Andrade ePaiva Couceiro, que o acompanharam da metrópole, ecom o experimentado colonial Caldas Xavier, que aotempo comandava em Lourenço Marques a defesa da ci-dade, o comissário régio decidiu um plano de ofensivaimediata contra os rebeldes, que teria como primeiroobjectivo Marracuene, povoação a uns 30 quilómetros dacidade e servida pelo rio Incomati, que concorreria eficaz-mente para o abastecimento da coluna de ata que .

Desta feliz decisão resultou o combate de Marracuene,cuja vitória, pelas circunstâncias excepcionais em que foialcançada, não só abateu desde logo a arrogância doslandins revoltosos como quebrou os dentes à maledicênciade todos quantos supunham degenerada a raça dos por-tugueses, que no Buçaco, nas Linhas de Tôrres Vedras ena Legião Portuguesa ao serviço de Napoleão tinham al-

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cançado a justa fama de soldados dos mais bravos doMundo.

A vitória litar de Marracueine foi a primeira vitóriaPoIítira de Portugal em Moçambique!

Digamos agora, em duas palavras, como foi dura-mente alcançada essa vitória militar .

As fôrças que saíram de Lourenço Marques pelas 5horas de 28 de janeiro, sob o comando do major Ribeiro,marcharam sôbre Angoane, onde se reuniram às que alise achavam, para no dia imediato se guirem pela margemdirei-'s--a do Incomati, batendo as povoa ções que encontras-sem até Marracuene, ponto de passagem para a margemesquerda, onde, se as circunstancias o permitissem, ata-

V,,punga, que se dizia ser residência habitual dorégulo rebelde Mahazul e onde se supunha ter éste a maiorparte da sua gente de guerra reunida com a do seu aliadoMatibejana .

Se não -falhassem os auxiliares dos ré gulos fiéis daMatola, e da Moamba, passariam êles o rio em Mutua eassim ficariam os rebeldes encurralados entre os dois gru-pos de fôrças atacantes .

Confiada a defesa de Louren ço Marques a fôrças demarinha desembarcadas dos navios surtos no pôrto,«Rainha de Portugal» e «Afonso de Albuquerque», tôdasas fôrças regulares disponíveis, da cidade e de Angoane,constituíram a coluna que assim ficou composta pelo ba-talhão de caçadores 2 e a bataria de artilharia (fôr çaseuropeias expedicionárias ) , pelo batalhão de caçadores 3de África (Angola) e por uma fôrça de infantaria e cava-laria do Corpo de Polícia de Louren ço Marques, que

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passava por ter excelentes soldados, como de facto seprovou .

Levava como chefe do estado maior o saudosoEduardo Costa, que tinha como adjuntos Aires de Ornelase Paiva Couceiro ; como oficiais às ordens os alferes Vir-gílio dos Santos (hoje coronel reformado) e Raúl Costa,irmão de Eduardo e, como êle, há muito falecido .

A marcha, que até Angoane se tinha efectuado em boascondições, tornou-se depois penosíssima, por que foi feitadebaixo de chuva torrencial e quási contínua .Em :29 àà tarde bivacava a coluna, em quadrado - a

formação já clássica nas campanhas de África - no altode Massinga, e horas -depois surgia-lhe ein frente, acolhidacom entusiasmo, a esquadrilha que, tendo subido o Inco-mati, não sem grandes dificuldades, ia cooperar na ocupa-ção de Marracuene e na travessia do rio .

Não era o local do bivaque o mais próprio para seguardar a passa gem do Incomati . Mas a violência dachuva impediu que se transferisse para outro mais con-veniente, que chegou a ser escolhido .

Amainou um pouco o tempo na manhã de i de Feve-reiro . Saiu uma leva de angolas a talar as povoações maispróximas, trazendo gado e vários objectos que foramreconhecidos como dos abandonados na anterior evacua-cão de Angoane .

Inimigo . . . apenas um cabo de Caçadores 2 agarraraum landim, que, pela maneira como se apresentou e comorespondeu ao interro gatório, não deixou dúvidas de queera um espião dos revoltosos. Levou o negro destino dos

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espiões quando têm a pouca sorte de ser apanhados noexercício das suas funções

Foi calma a noite de i para 2. Nem sombras de ini-migo, . . .

Às quatro horas de 2, noite ainda, ao simples to que desentido - que substituia, por precaução, o prolongadotoque de alvorada, demasiado indiscreto - o quadradoformou, como de costume . Era a hora fatídica das sur-presas cafreais .

E formou a tempo . Passada uma meia hora, ouvem-se,de súbito, tiros a distância . Que seria ? ! Que se estariapassando nos postos avan çados do Incomati? ! . . .

A resposta não se fez esperar . Uma massa negra, quemal se distingue na escuridão da noite, vem avan çandosôbre a face esquerda do quadrado, a face dos angolas .

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Dessa massa que avança parte distintamente o grito repe-tido e traiçoeiro : «escamarada angola!» . Mas os angolasnão se iludem. Um dêles que, mais adiantado, sonda aescuridão, lança o grito de alarme : «Vêm nus! Não sãoangolas, são landins ! » .

Eram, com efeito, landins inimigos, que já arremetiamousadamente contra aquela face do quadrado, a despeitodum tiro de pe ça e da descarga de fuzilaria que dês-teimediatamente partira .

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E tal foi o ímpeto dessa arremetida violenta contra aface dos angolas, que estes, recuando em desordem diantedas azagaias dos landins, descobriam as faces laterais,,pi,iarnecídas por Ca çadores 2 e pela Polícia, que assim

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ficavam com o inimigo pelas costas, jà, dentro do qua-drado .

«À luz intermitente das descargas - descreve Aires deOrnelas, testemunha presencial - única luz que então ilu-minava o campo, viam-se os landins ágeis e atrevidossaltando como cabritos, brandindo a terrível aza gaia ; aosseus brados de «avança landim, avan ça landim !» quegritavam à manga (que devia segui-los de perto), respon-dia a vozearia ensurdecedora dos angolas, recuando,ameaçando levar a desordem às faces brancas, às guarni-ções das peças, onde a admirável serenidade e o pasmososangue frio dos soldados permitia aos oficiais um ténueraio de esperança em tão duro momento. Mercê de Deus,foi curto : Caldas Xavier e Eduardo Costa, com o capitãoAguiar à frente duma esquadra de Polícia, repelem êssegrupo de landins, que retirava tendo ferido gravemente oalferes Antônio Manuel» .

Foi então que, impelidos por Couceiro, Ornelas e RaúlCosta, convencidos pelo alferes Pinto, de An gola, que lhesfalara ao brio na sua própria língua, os caçadores angolasrecobraram ânimo e, unindo-se, reconstituiram a face doquadrado que tinham deixado romper .

Começaram os landins a ceder terreno, e quando amanhã clareava entravam em franca retirada, perse guidospelo fogo do quadrado, que cessou pelas 6 horas .

O rijo combate, assou apenas esbo çado em meia dúziade linhas, durara quási hora e meia!

Comenta Aires de Ornelas : «Havia meio século queforças portu guesas regulares se não batiam, e para todos,

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excepto o major Caldas Xavier e o tenente Couceira, ocombate de Marracuene foi o baptismo de fogo ., Qualquerelogio a soldados que debutam no fogo por esta formacremos que será supérfluo ; notemos apenas que o com--bate de Marracuene oferece o exemplo único de um qua-drado roto de noite e que se reforma debaixo de Logo» .

Não se sabe, com efeito, que mais admirar, se a dis-ciplina e o sangue frio com que soldados brancos, neófitosno fogo, se aguentam nas suas posições, mantendo ínte-gras as faces do quadrado que guarnecem, sabendo já quetêm pelas suas costas o inimigo selvagem, pronto a aza-gaiá-los, se a bravura calma com que os homens da Po-lícia, obedecendo cegamente ao seu chefe, no meio daquelabarafunda infernal, arremetem contra os landins e vãotapar a brecha aberta na face dos an golas!

Mas acima de todos se destaca êsse chefe, que teve adecisão precisa e o prestigio suficiente para se colocar àfrente dos seus soldados e, com a sua bravura indómita,arrastá-los contra os ousados inimigos, que, já dentro doquadrado e azagaiando à doida, a guardam triunfantes ache,gadaa do grosso da sua manga, de que êles eram apenasas avançadas, fortes e intemeratas!

sse chefe foi o capitão Roque de Aguiar, a quempodemos chamar «o bravo de Marracuene», como fi gurasimbólica da bravura de que deram provas tantos outrosque nessa rija peleja contribuíram galhardamente paraurna das mais brilhantes vitórias das armas portuguesas!

Morreu, ainda não há muito, em Louren ço Marques,quando já roçava pelos 8o anos, êsse valente militar que

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â colónia de Moçambique consagrou toda a sua vida elegou seus ossos, a descarnarem-se hoje numa campa mo-desta do cemitério do Alto-Mahé .

Curvem-se reverentes -os novos, coloniais do presente,perante a terra que cobre os restos mortais desse velhomilitar do passado, sem o qual, possivelmente, Moçam-bique há muito teria deixado de ser portuguesa, porque,sem ele, Marracuene teria sido, para nós, em vez de umafeliz e auspiciosa vitória, uma tremenda e irreparávelderrota .

Perante essa campa, sua última jazida, prestemos ho-menagem a memória do «bravo de Marracuene», comoele a prestava anualmente, em 2 de Fevereiro, a memóriasaudosa dos seus valentes companheiros de armas, pe-rante o modesto padrão -que, no local do combate, cobreas ossadas daqueles que ali sucumbiram, nessa heróicamadrugada em que Portugal despertou finalmente da sualetargia colonial

Foram, na verdade, esses bravos e tantos outros dasua têmpera que fizeram Moçambique .

Foram os homens do seu tempo, hoje mortos ou enve-lhecidos, que desbravaram, nas colónias portuguesas, ocaminho por onde outros, melhor ou pior, têm singradoaté hoje em busca do seu progresso .

Foram êles que, sobre o montão de ruínas que entãoverdadeiramente encontraram, construiram os sólidos ali-cerces em que assenta o que hoje oficialmente se chamao Império Colonial Português !

Honra seja prestada a memória veneranda dos muitos

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deles que já deixaram de existir ! justiça seja feita aoesfôrço honesto, benemerente e. patriótico dos poucos so-breviventes que ainda restam dessa pleiade gloriosa quetanto honrou, na guerra de Africa, o nome de Portugal naúltima década do século XIX, como na primeira o tinhamhonrado os bravos, nunca esquecidos, da Guerra Penin-sular, como vieram a honrá-lo, anos mais tarde, os sol-dados portugueses da Grande Guerra!

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O Incomati1895

o Incomati - é um rio tortuoso que, vindo do Trans-vaal, entra na nossa colónia de Moçambique pela mesmaportela dos Libombos, por onde o caminho de ferro atra-vessa a fronteira . Recebe mais longe, depois de descrevercaprichosas curvas, as águas do Sábie, que o engrossamum pouco ; continua em larga curva até próximo de Ma gu-de, onde inflecte para leste, bifurcando-se em Xinavanepara abraçar a ilha Mariana, voltando a reunir-se as águasao entrar na região da Manhiça, onde alarga grandementeo seu leito, mas ainda os baixios que o atravessam em tôdaessa largura continuam a dificultar sobremodo a navega-çáo . Seguindo agora para sul, contorna a ilha dos Limões,descreve em Marracuene um arco de circunferência «tãoregular como se fosse traçado a compasso» como disseAntonio Enes, que dele fez uma interessante descrição li-terária tendo ai bastante fundo e mantendo-o até ailha de Benguelene. Dai para jusante muda de aspecto,

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parecendo «menos um rio do -que dois bra ços de mar queenvolvem uma enfiada de ilhas : a Benguelene, a ChefinaPequena e a Chefina Grande», até se perder no Oceâno .A irregularidade dos seus fundos e a impetuosidade desor-denada das suas correntes tornam a nave gação tão difícile precária que, como escreveu António Enes, « quem em-preende a via gem no Incomati nunca sabe quanto tempogastará para chegar ao seu destino nem se chegará lácom o barco inteiro» .

Antes do combate de Marracuene a esquadrilha do In-comati era constituida pelo pequeno vapor Neves Ferreirae pelas lanchas Che/ma e Bacamarte, mas só esta últimapodia aguentar serviço ; e, contudo, «nunca, uma bandeirade -guerra tinha tremulado na pôpa de mais humilde cascade noz ! . . . Só por ironia lhe podiam dar o nome guerreiroe estrepitoso que tinha» .

Armada em canhoneira, à. falta de melhor, foi a bordoda Bacamarte que morreu o tenente Felipe Nunes, seucomandante, vítima duma bala trai çoeira vinda da praiado Finísh, alcunha posta pelos indígenas a um negro rela-tivamente abastado que, estabelecido perto da foz do In-comati, comerciava com Louren ço Marques e se pusera,não se sabe por que motivo, ao lado dos rebeldes doMahazul .

Substituiu o malogrado Felipe Nunes oo jóvem tenenteFelipe vieira da Rocha (hoje contra-almirante) e foisob o seu comando que a frágil Bacamarte se cele-brizou no Incomati como o mais constante e o

mfatigavelauxiliar das tropas de terra, sempre nave gando rio abaixo,rio acima, «seguindo impassivel enquanto as balas, no

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costado, no cano e nas pranchas de defesa, lhe iam escre-vendo a gloriosa história», como escreveu algures Aires deOrnelas, testemunha presencial dos inestimáveis servi çosda valorosa lancha

Duma vez que foi a Lourenço Marques levar a corres-pondência e buscar mantimentos, a sua minúscula guar-nição (7 homens apenas, incluindo a gente da máquinae de fôgo) avistou, na altura das Chefinas, uma lanchaque, carregada de negros, atravessava à força de braçospara a margem direita. Eram fatalmente revoltosos e aBacamarte não hesitou em persegui-los. Quando mais seaproximaram puderam os nossos marinheiros reconhece rna lancha perseguida o batel de Carlos Lopes, desventu-rado neto do famoso patrão Joa quim Lopes, de Paço deArcos, valoroso rapaz que se empregava na pesca e umdia, a pescar nas águas da baía, 'surpreendido por umtemporal, foi abrigar-se na Chefina Grande, onde os re-voltosos - presumivelmente o Finish ou gente sua - des-cobrindo-o o mataram e se apossaram do barco . Viriamno batel os próprios assassinos? . . . Esta dúvida mais ani--mou os marinheiros da Bacamarte ., esperançados agora-em vingar a morte deplorada da quele seu compatriota .Lançaram-se ao rio os perseguidos quando se viram maisapertados pela canhoneira, procurando alcan çar, a: nado,o mangai da margem, mas choveu sobre êles a metralhatão densa e certeira que raros lhe teriam escapado . Apri-sionada a lancha, re stavam a bordo, agachadas debaixodos bancos, uma velha preta e quatro crianças ; e lá seencontrou o relógio e alguma roupa do infortunado CarlosLopes, cuja morte a Bacamarte acabava de vingar .

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Depois de Marracuene, era forçoso prosseguir as ope-rações, de que êsse notável combate fôra apenas um aus-picioso prelúdio. Para isso era preciso contar com viasseguras de comunicação e reabastecimento das tropas queiam internar-se na zona dos revoltosos . Os transportespor terra eram difíceis e precários por falta de gado e deviaturas capazes de dar o necessário rendimento e semcarreiros competentes para as conduzir no mato . «Eraimpossível!» diz António Enes . «Ou se havia de apro-veitar o Tncomati, até onde houvesse uma folha de á guaem que pudesse flutuar um barco de papel, ou a emprêsade sufocar a revolta custaria milhões e duraria a eterni-dade» . Mas para isso era necessário ocupar gradualmenteas margens do rio, de modo a garantir-se a navegaçãofutura .

Foi isso o que se fez a partir de 28 de Fevereiro, dataem que se ocupou a Chefina Grande, situada mesmo nafoz do rio e que já se encontrava abandonada, como sereconheceu na batida feita pela fôr ça de Caçadores de-Âfríca, que, sob as ordens do ,saaüdoso Eduardo Costa,efectuou a ocupação da ilha .

Seguiu-se, em 8 de Mar ço, a ocupação da Chefina Pe-quena por uma fôrça que, sob o comando de Freire deAndrade, ali foi transportada em batelões rebocados pelaBacamarte, e ali se instalou defensivamente, não sem difi-culdade .

Mais difícil, contudo, foi a ocupa ção de Marracuene,onde a Bacamarte, em reconhecimento, foi recebida a tiro,em _i8 de Março, efectuando-se a ocuparão só no dia se-guinte . Nos principios de Abril saltou-se na ilha de Ben-

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guelene, refúgio de rebeldes, que foi necessário atacar poruma fôrça destacada das Chefinas, sob o comando dobravo Caldas Xavier e ali conduzida ainda pela Baca-marte, fugindo perante a fôr ça os negros que a ocupavam .

Por último, em i de Maio, ocupava-se Incanine e daí,lançada uma ponte para a margem esquerda, partiram asfôrças que, em 17, iam a Mapun ga e regressavam depoisde terem incendiado a povoação, residência do Mahazul,chefe dos revoltosos ; e a 21, atacava a Macaneta umafôrça desembarcada no pôrto do Finish, fôrça que regres-sou depois de incendiar a povoa ção, onde descobriu, acasa do célebre negro, com um certo luxo de mobília edando indícios de fuga recente e precipitada .

Assim ficou ultimada a batida ao território do Mahazule moralmente vencidos os rebeldes dêste régulo, . aomesmo tempo que se garantiu, pela ocupação das mar-gens, a navegação no Incomati, que na segunda partedas operações contra o Gun gunhana ia desempenhar im-portante papel, como segura via de comunicaçoese reabas-tecimento .

E a Bacamarte? . . . Continuou brava e incansável aprestar durante a campanha os seus preciosos serviços.Mas no ano seguinte, quando a reboque do

'transporte

Ãfrica se dirigia para Moçambique, para auxiliar as ope-rações contra os namarrais, afundou-se no canal de Mo-çambique o famoso barquinho que foi' glória da MarinhaPortuguesa .

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Magul

1895

Recordo-me de ter ja escrito algures que de tôdas asacções militares da famosa campanha de Moçambiquede 1895 apenas três --- no dizer dos próprios herois dessanossa epopeia colonial do final de século XIX podemser consideradas como verdadeiros, combates : por ordemcronológica, Marracuene, Magul e Coolela . Já relembrei osfeitos notáveis do célebre quadrado ' de Marracuene. Re.-lembrarei hoje Magul, êsse combate heróico que mais pa-rece como escreveu António Enes --- um feito cavalei-roso do que uma operação de guerra . Em verdade, foiuma e outra coisa .

Batidos, após Marracuene, os territórios do Matibe-jana (Zichacha) e do Mahazul, estava, pode dizer-se,sufocada a rebelião das Terras da Coroa, mas os régu-los rebeldes, embora moralmente vencidos, conseguiramfugir e o Matibejana fôra estabelecer-se perto de Magul,na margem esquerda do rio Incoluane, que liga o finco--

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mati ao lago Chuale. Aí preparava o Gun gunhana a suaresistência com os seus adeptos fieis da Cossine, Matibe-jana, Magioli e gente do Limpopo, enquanto ao norte,no seu curral de Manjacaze, ganhava tempo em discus-sões estéreis com os nossos enviados diplomáticos .

Era, pois, contra Magull que ia dirigir-se uma dascolunas de operações organizadas em Maio : a coluna deLourenço Marques, quando, concentrada em Chinavane(na margem direita do Incomati, onde o rio se divideem dois bra ços, contornando a ilha Mariana), recebeu, em23 de Agosto, ordem do comissário régio para romper ashostilidades .

Foi em 3 de Setembro que, pelas 8 horas, che gou àmargem direita do Incoluane a pequena coluna que aba-lara de Chinavane comandada pelo capitão de en genha-ria Freire de Andrade e constituida por i2o homens doregimento de infantaria 2, uma metralhadora servida porartilheiros e dirigida pelo tenente Sanches de Miranda,io cavaleiros, em explora ção, comandados pelo tenentede artilharia Paiva Couceiro, e 25 soldados angolas .Acompanhavam-na al guns carregadores transportandomantimentos, munições e dois escaleres da lancha-canho-neira «Lacerda», que ficava em Chinavane, escaleresque serviriam para transpôr o Incoluane .

Passaram êste rio a nado uns mil e tantos auxiliares,comandados pelo intérprete Silva (o Maneta), anti go evalentíssimo soldado da Polícia de Lourenço Marques,os quais, atacando logo umas povoa ções próximas, ma-tando gente e apresando gado, se dispuseram a prosse-guir sem demora na direc ção de Magul. Seguiu-os Cou-

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ceiro com 6 dos seus cavaleiros . E, desembocados nagrande planice de Magul, avançaram os auxiliares em li-nhanha de colunas (mangas), não já com muito entusiasmomas arrastados pelos cavaleiros, que os levam a passarpara além da povoação de Magul, deixada à direita .

Fechava a planície uma suave linha de alturas cu j asárvores já se avistavam e, por entre elas, numerosos gru-pos de negros. Os nossos tímidos auxiliares, demorando acadência, acabaram por estacar a cêrca de i quilómetrodestes e não houve já fôrças humanas que dali os arrancas~-sem . Galopavam os cavaleiros para a frente, distancian-do-se dos auxiliares imobilizados pelo mêdo, quando o sar-gento Pita deu notícia de quatro negros inimigos maisavançados e ameaçadores. Pararam os nossos cavaleiros, eCouceiro - êle próprio o diz - bradou com voz forte :« Pasman ! », nome dum irmão do régulo da Cossine, queêle conhecia e se mancomunara com o Matibejana . Porfeliz acaso era êle efectivamente um dos quatro negrose acudiu à'chamada, chegando-se à fala . Intimou-o ou-sadamente Couceiro a que entregasse o Matibejana, sobpena de o atacar imediatamente com os brancos e os au-xiliares que tinha atrás de si . Mal sabia Pasman a fôrçamoral dos auxiliares e a fôr ça numérica dos brancoscom que Couceiro o ameaçava ! . . .

Respondeu que Matibejana não estava ali e que a suaentrega dependeria de êle conferenciar com outros chefes,resposta que Couceiro aproveitou hábilmente para lheconceder três dias para a consulta : com o sol do quartodia sairíamos a atacá-los, se até então não fôsse entregueo régulo rebelde. E, voltando vagarosamente para junto

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das mangas dos auxiliares pregadas ao solo, Couceirofê-las retroceder e se guiu ao encontro do quadrado dosbrancos. Assim, duas horas depois dêsse acto de'teme-ridade - relatado com a maior simplicidade pelo seu in-trépido heroi, a quem «deveram a salvação os seus com-panheiros de armas e a Pátria não ficar esmaecido o pres-tígio da sua bandeira» (A. Enes) - Freire de Andradetomava conhecimento do ocorrido e resolvia regressarcom a coluna a Chinavane, onde ocuparia a queles trêsdias em preparar novo avan ço das suas deminutas tro-pas, que, entretanto, esperava reforçar. Com efeito, acoluna, acrescida com o reforço que Couceiro foi buscara Magude, atingia o ainda bem parco efectivo de 264praças europeias e ii oficiais, incluindo ii cavaleiros(mas apenas 7 cavalos) e 3o artilheiros, com 4 metra-lhadoras., e mais 32 soldados angolas e ioo carre gadores .A maneira como se tinham portado os auxiliares levoudesta vez o comando a dispensá-los, para que, visto se-rem galinha, como se diz em linguagem cafreal, «ficas-sem de largo a ver como pelejavam os galos brancos» .Convocaram-se outros, da Moamba e da Matola, mas . . .nem sequer se atreveram aatravessar o rio!

No dia 7, transposto o Incomati, alcançou a colunaa margem direita do Incoluane, onde se construiu umpequeno posto, que ficou guarnecido, por 28 praças doen-tes, sob o comando do tenente Leote Tavares, de en ge-nharia. À tarde, toda a coluna acampava na mar gemesquerda, uns 3 quilómetros à frente, na orla do arvo-redo para além do qual se estendia a planície de Ma gul .Ia cumprir-se pontualmente a intimação feita a Pasman.

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, Na manhã de 8, depois duma li geira refeição, põe-seo quadrado em marcha . Avança ligeiro, precedido pelos7 cavaleiros de Couceiro, que, chegados a i .Soo metrosda orla do bosque que se defronta, verificam que ali osespera forte massa inimi ga, certamente decidida a com-bater. Une o quadrado aos cavaleiros, faz alto, encurtaas faces, que passam a três fileiras, e a guarda o ata que .Entretanto, as mangas inimigas formam e manobram,más acabam por sentar-se, parecendo esperar-nos . Foinecessário provocá-los por descar gas dos an golas, saídosdo quadrado, para que os negros inimigos se resolves-sem a avançar, não de frente mas de flanco, descendo ààplanície pela es querda do

'nosso quadrado. Foi então pos-

sível contar 13 mangas, que a 400 ou Soo homens, re-presentavam cêrca de 6 .ooo negros, contra os quais iambater-se os nossos 300 soldados.

Ao chegarem à planície dispõem-se, frente à es querda,em largo arco de círculo, amea çando mais directamentea face esquerda do quadrado . E aí, sob o sol ardentedo meio-dia, sentam-se de novo . Que fazer ? Melhoram--se as condições defensivas do quadrado, cobrindo-lheas faces com ramos de árvores ali cortados, que se entre-laçam com arame farpado, en quanto o velho feiticeiroChibanza, saindo do quadrado e avançando fleugmàtica-mente para o inimigo, sobe a um morro de mucliem edali o invectiva «com uma volubilidade nervosa de lin-guagem acentuada por gesticulação enfática» .

Decidem-se então os negros a atacar o frágil qua-drado, que apenas conta 17 homens de frente em cadaface ! Rompe sobre êles o fôgo da metralhadora de San-

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ches de Miranda, quando chegam a uns centos de metros,e segue-se o fo go de infantaria e das outras metralhado-ras, duas das quais logo se encravam, continuando apenasa funcionar a primeira com o nervosismo que lhe incuteo seu bravo comandante ; Freire de Andrade tenta, elepróprio, ~ pôr uma delas a funcionar, mas em vão ; atrásdéle cai varado um artilheiro que lhe passava cartuchos .Couceiro é ferido no rosto, perto do ôlho esquerdo ; su-põe-se que esteja cego, mas continua, «sorrindo debaixodo bigode ensopado na san gueira», a animar os comba-tentes e a socorrer os feridos .

Dizimado pelo fogo intensíssimo com que, durantemeia hora, o alvejámos, o inimi go abandonou a luta,deixando morto no campo, a uns 50 metros dó 'quadrado,o seu valoroso chefe Pope, e pondo-se fora do alcancedas nossas armas, a coberto do denso fumo por estasproduzido .

Do nosso lado, jaziam mortos i sar gento e 4 soldadosde infantaria ; feridos 26 . Mas em volta do quadrado, àáuma distância mínima de 50 metros, grande número decadáveres negros patenteava o efeito mortífero do fo go-do minúsculo quadrado branco, que -em Magul acabavade alcançar a vitória - de i contra 20 ! -' que desenga-nou definitivamente os vátuas quanto ao valor dos, por-tugueses, de que tanto escarneciam .

,Glória aos nossos mortos e sobreviventes dêsse com-bate temerário, em que, mais uma vez, o valor, nuncapor demais exaltado, dos nossos soldados, supriu vitorio-samente a flagrante deficiência do seu número !

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A Esquadrilha do Limpopo1895

Alcançada a vitória de Magul e reconhecida prèvia-mente a navigabilidade do rio Limpopo, a esquadrilha,constituida apenas pelo vapor Neves Ferreira (Com. Diogode Sá) e pela lancha-canhoneira Capelo (Com. Soares An-drêa), recebia ordem para que, subindo o rio, intimasseos povos marginais a submeterem-se e a entre garem oschefes rebeldes, Matibejana e Mahazul, sob pena de seremseveramente castigados .

Em cumprimento dessa missão subiram os dois barcoso rio até Languéne, em 4 de outubro de 1895 , separan-do-se ali a Capelo, que seguiu para montante da IlhaVerde, enquanto o comandante do Neves Ferreira, de-sembarcando em Languéne, aprazava com os chefes eindunas da terra uma conferência, que se efectuou à som-bra duma árvore frondosa com a presença de grande eaparatoso senado negro. Intimou-os o tenente Sá a fa-zerem saber ao Gungunhana que, se dentro de oito dias

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não fôssem entregues aqueles dois chefes rebeldes, a es-, quadrilha romperia fo go contra as povoa ções marginaisdo rio, destruindo aquelas que não se submetessem leal-mente, intimação que foi recebida com acatamento e pa-lavras esperançosas de paz e submissão .,, Intimações semelhantes do comandante Andrêa, nou-tras povoações, foram acolhidas com menos mansidão,talvez porque a pequena lancha infundisse aos ne grosmenos respeito do que o Neves Ferreira, em que Diogode Sã apoiava as suas palavras de amea ça.

Em 7 desciam o rio, reunidos, os dois «arautos flu-tuantes», como lhes chamou Antônio Enes, e iam levarao Chai-Chai a mesma intimação, recebida sem hostili-dade por mais de cem maiorais da rainha ausente, a fa-mosa Bafú, irin5ã do Gungunhana. Mas a má vontadecontra nós manifestou-se na resistência do mercado, ondeDiogo de Sá, para adquirir gado e mantimentos para asguarnições dos navios, se viu for çado a mandar agarrardois vitelos, atirando para o chão três libras, valor emque os computou, por não haver boca que lhes fizessepreço nem mão que se estendesse para receber o dinheiro .E claro que, logo que o comandante e a sua escolta vol-taram costas, apressaram-se os negros a apanhar as li-bras, e ocaso foi comentado entre êles, aparecendo jápela tarde quem viesse oferecer venda, desrespeitandocertamente as ordens do seu soberano vátua! Mas aoespirito dos negros não passou despercebido o gesto no-bre do inimigo, que pagava generosamente a quilo de quefacilmente poderia ter-se apossado sem retribui ção.

Três dias depois, perante a informa ção dum emis~

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sário do Gungunhana de que êste não queria a guerra,mas não sabia onde paravam os dois chefes rebeldes queprocurávamos, Diogo de Sá resolveu prorrogar por cincodias o prazo para a sua entrega. Mas, sem novas notíciasaté 12, resolveu o comandante largar com a esquadrilhario acima, fundeando em Languéne, e seguindo a Capelo,em 14, mais para montante, a tomar posição para rom-per o fogo em 16, data final do prazo marcado, se atéentão se não modificassem as circunstâncias . .

- Naquele dia nova embaixada, que se dizia vinda docurral do Gungunhana, pediu ao comandante Sá quemandasse alguém ali buscar os dois chefes, que já esta-

vam nas mãos do poderoso régulo . Não caiu o . coman-dante na presumível cilada,' respondendo que os man-dasse o régulo, entregar a Languene ou a chicorro, masque as hostilidades não seriam novamente adiadas «na-fé :de promessas e declara ções de quem sempre mostrarafalsa fé» .

, De facto, no dia 16 rompia o fogo, dos dois naviossabre as povoações marginais, encontrando ainda, a Ca-pelo maiores veleidades de resistência do que o seu com-panheiro de, combate . A medida que a artilharia de bordoia bombardeando as povoações, os marinheiros saltavamem terra, incendiando-as e aventurando-se pelo interiordo mato na esperança de ali encontrarem resistência --dosbandos armados, que iam fugindo espavoridos. Debalde,'porém, procuravam os bravos marinheiros o combatepara satisfazerem o seu brio, confrangidos por -aquelaaforma, inevitável mas bárbara, de castigar o inimigo

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vátua, cuja valentia parecia ter desaparecido por encantono meio daquele inferno de fo go!Em 22, no Chai-Chai, encontrava Dio go de Sã, em

vez da sede de vin gança que era lícito esperar, a súplicafervorosa de paz e o desejo ansioso de pactuar com osbrancos. «Nesta conjuntura - diz António Enes - o te-nente Sã mais uma vez interpretou as minhas instruçõescomo o fariam o meu cérebro e o meu coração . Nuncative subordinado que me entendesse melhor ! Não recusoua submissão oferecida, cuidou só de assegurá-la. Que con:-vacassem uma banja - disse - -em que solenemente sefirmasse o pacto pacifico que desejavam» . E nessa nume-rosa assembleia lhes fez sentir que, se de facto «obedeces-sem às autoridades do rei na paz como na guerra,não só os navios lhes não fariam estra go, senão que fica-riam ali perto para os defender . Guardassem-se, porém,de deslealdades e perfidias os que haviam suplicado 'apaz a quem não lha oferecera, porque se o fizessem rece-beriam tremendo castigo» . Palavras firmes e generosasque os negros aplaudiram, talvez com sinceridade .

Enquanto no Chai-Chai ficava fundeada a Capelo,seguia o Neves Ferreira até ao Biléne, onde também «naodivisou sinais de resistência ou de vindicta» . Só na sem-pre indócil Ilha verde houve necessidade de fazer sentira fôrça, o bastante para que três indunas fôssem a bordopedir paz com promessas de irem ao Manjacaze solicitardo régulo actos e não palavras que satisfizessem os bran-cos . De regresso ao Chai-Chai teve a diplomacia de Dio gode Sã de serenar,os ânimos um pouco exaltados na suaausência e «restabelecer o pacto de concórdia que antes

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firmara » . E a 27 partia para Lourenço Marques, dei-xando o Limpopo submetido ou pelo menos atemorizado,em todo o caso suficientemente preparado para permitiras operações da coluna do Chicorro, que ia seguidamenteentrar ali em acção .

Segue-se, com efeito, a vitória de Coolela, o incêndiodo Manjacaze, a entrada em Chico ro . E finalmente, em28 de Novembro, é ainda o Neves Ferreira que trans-porta de Lourenço Marques a pequena fôrça de infantese artilheiros que vai estabelecer na margem direita doLimpopo o posto de Languéne, que fica sob o comandode Sanches de Miranda e cuja 'guarnição viria a consti-tuir, um mês depois, o punhado de bravos que, com Mou-sinho, praticavam o heroico feito de Chaimite!

Aqui fica esboçada a traços largos a acção importanteda esquadrilha do Limpopo na campanha de 1895 , onde,,semm desmerecer os serviços prestados pelos bravos ofi-ciais Soares Andrêa e valente da Cruz (imediato do Ne-ves Ferreira) , ressalta, todavia, a energia ponderada eo tacto diplomático de Diogo de Sã .

Este oficial, a quem o comissário régio António Enesprestou justa homenagem nas palavras que atrás ficamtranscritas das suas «Memórias» e nomeando-o governa-dor do distrito de Louren ço Marques após a prisão doGungunhana (cargo em que voluntàriamente se não de-morou), dedicou às colónias uma grande parte da suavida, aliás bem curta, pois faleceu aos 46 anos, vítima dedoença adquirida na sua permanência nos trópicos .

Como governador do distrito de Mossâmedes or ga-

'6r-,N

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ninou a coluna que, sob o comando do bravo Artur dePaiva, castigou em 1898 os indígenas revoltados. Maistarde governou Macau, onde já tinha servido como ca-pitão do porto, e em vários actos dêsse govêrno mani-festou a sua energia e a nobreza do seu carácter, o quelhe valeu referências elogiosas dos ingleses de Hong--Kong e dos chineses da nossa colónia . Era 2 .° coman-dante da Escola de Torpedos, em Vale do Zebro, quandoda primeira revolta de marinheiros contra as instituiçõesmonárquicas. Diogo de Sá, apesar das suas tendênciasrepublicanas, não hesitou em tomar tôdas as disposiçõespara meter os navios no fundo se não se rendessem,dando assim, como militar, um exemplo notável de leal-dade, própria do seu carácter íntegro, que só tinha para-lelo na sua excessiva modestia.

Tal era a figura notável do ilustre marinheiro quecomandou à esquadrilha do Limpopo na campanha glo-riosa de 1895, levando a cabo com o melhor êxito em,27 de Outubro, as penosas e in gratas operações que alilhe '=amm incumbidas, e que tanto contribuiram paraabalar o prestigio do colosso vátua que se chamou Gun-gunhana .

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U esfoico vencedor de Coolela1895

Numa antiga lista oficial de efemérides de históriamilitar, que tenho presente, leio, na data de i g de janeiro,referente ao ano de 1896, a seguinte menção :

«Entrada em Lisboa da coluna expedicionária do co-mando do coronel Galhardo, onde foi recebida entusiàs-ticamente» .

tste lacónico registo da chegada à metrópole das fôr-ças, que, sob o comando do coronel Galhardo, se tinhambatido em Moçambique e alcan çado a vitória de Coolelapodia provocar-me comentários sobre o entusiasmo comque nessa época ainda vibrava a alma popular ao acolher,na volta das campanhas de África, os soldados que, fi-sicamente exaustos pelas agruras da guerra e as incle-mências do clima, mas moralmente animados pela glóriade vencedores, re gressavam aos seus lares convictos esatisfeitos de bem ter servido a Pátria. 0 simples con-fronto dêsse vibrante entusiasmo com a frieza glacial com

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que o público da capital recebeu, geralmente, as tropasque regressavam dos campos de batalha, quer das coló-nias, quer da Fran ça, onde durante a Grande Guerra co-laboraram honrosamente na vitória dos Aliados, cons-tituiria por si só matéria suficiente para um lon go artigofilosófico .

Não é êsse, porém, o meu intuito . Deixemos em paza filosofia

Aquela mesma simples menção histórica evoca nomeu espirito a figura austera do coronel Galhardo, e éà memória veneranda dêsse notável militar e patriotaque desejo hoje, prestar públicamente a minha singelahomenagem.

Oficial de infantaria desde 186 5, depois de ter cur-sado o Colé gio Militar e a Escola do Exército, EduardôAugusto Rodrigues Galhardo destacou-se desde nove en-tre os camaradas da sua época pelas qualidades milita-res que o distinguiam . .

Ainda como alferes e depois como tenente serviu, pri-meiro na arma de engenharia, mais tarde na de artilharia- como era freqüente nesses tempos em que . os quadrosde oficiais destas armas eram deficientemente preenchidos- e não só aí revelou aptidões que o consa graram, comodêsses estágios a sua inteligente dedicação tirou ensina-mentos que, anos depois, certamente lhe aproveitaramquando, exercendo o car go de chefe do Gabinete da Se-cretaria da Guerra (1892), deu aso a que dêle escrevesseo Ministro com quem serviu : «desonerou-se muito a meucontento do laboriosoo encargo de que foi incumbido e

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onde por vezes patenteou conhecimentos não superficiaissôbre vários ramos de servi ço de outras especialidades » .

Ainda como oficial subalterno prestou servi ço no Colé-gio Militar, onde fora educado e onde fez educar seu filho,deixando o cargo que, ali desempenhava pouco antes deser promovido a capitão .

Foi neste posto que Galhardo começou a ter ensej ode revelar as suas qualidades de comando, quando lhefoi confiado o espinhoso cargo de comandante da com-panhia de correcção, então aquartelada no forte de S .Juiião da Barra .

Ali se tornaram notáveis - escreveu o inspector deinfantaria Pinheiro Furtado (o mesmo que -mais tarde,Ministro da Guerra, o chamou para chefe do seu Gabi-nete) - «desde as menores particularidades do comandoaté à,espinhosa missão de disciplinar incorrigíveis, a ener-gia de carácter a par da prudência e exemplar interpre-tação das leis, que distinguem éste oficial.»

Como major e tenente-coronel (1886 a 1894) desem-penhou entre outros cargos o de Chefe de Estado Maiorda Inspecção de infantaria, onde, segundo informaçãodo inspector, «se manifestaram claramente as boas qua-lidades de zêlo, estudo aturado e tacto com que sempre,preciso, judicioso e conhecedor dos variados assuntos dasua arma, procurou manter e soube conservar a inte gri-dade e prestígio da comissão que desempenhava» .

Por êste conjunto de servi ços prestados foi propostopara ser condecorado com a Medalha Militar de bonsserviços.

Foi neste mesmo período da sua vida que Eduardo Ga-

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lhardo foi eleito deputado pelo círculo de Mafra (1:893),quero crer que mais pela fôrça do seu prestígio pessoale mutar e como prémio dos seus servi ços no Gabinetedo Ministro da Guerra, do que por dotes especiais que orecomendassem para uma eficaz Facção política parla-mentar.

Chega, porém, em 1894, com a promoção a coronel,a fase mais notável da sua carreira profissional, onde assuas virtudes militares, já reveladas na Paz, tiveram oca-sião de "se confirmar nas agruras e amarguras da Guerra .

Sendo comandante do regimento de infantaria n .° 2,era o coronel Galhardo nomeado, em 4 de Março de 1895,para comandar as fôrças expedicionárias a LourençoMarques e embarcava, com êste destino, três dias depois .Em 13 de Abril desembarcava o coronel Galhardo

naquela cidade, onde era recebido pelo Comissário Ré-gio António Enes «como um colaborador pedido e dese-jado, não para me den-iinuir as responsabilidades - dizêste nas suas Memórias - mas para me fortalecer a au-toridade . »

Conversámos muito - continua o Comissário Régioe depressa me convenci de que tinha mais um braço,

simultáneamente rijo e destro . . . Nas nossas melindro-sas situações, mal de nós e da expedi ção e do País se nãonos encostássemos um ao outro e caminhássemos pelamesma vereda, a passo certo e com esfôrço harmónico!»

Tôdas as fôrças militares regulares então em serviçonos distritos de Lourenço Marques e Inhambane, por de-creto do Comissário Régio, passaram a constituir, uma

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brigada de operações, cujo comando foi confiado ao co-ronel Galhardo .

Viste «entrou logo em funções e dava gôsto vê-lo nasua faina quotidiana, activo, á gil, juvenil, galopando pe-las ruas e estradas de Louren ço Marques à torreira dosol, firme e esbelto no selim, irrepreensível e ele gante nouniforme europeu, apenas modificado por um chapéu defeltro de abas largas, que ia bem àà sua fisionomia mar-cial» .

Decidido que a brigada de -opera ções fosse divididaem duas colunas, uma destinada às operações no distritode Lourenço Marques (coluna sul), outra às do distritode Inhambane (coluna norte), reservou Galhardo lógica-mente para si o comando directo desta última, a maisforte e a,que tinha por objectivo imediato a ocupação deChicorro, donde rapidamente se chegaria a Manjacazekraal do Gungunhana —se as circunstâncias o permi-tissem .

Através de inúmeras dificuldades, -que {longo seriaenumerar e que tanto puseram à prova a sua ener giafísica e moral, chegou a Chicomo, em 28 de Julho, o co-ronel Galhardo com a maior parte das suas fôr ças (agorasubdivididas em dois troços), acampando a cavaleiro doComando militar da localidade .

Foi então que ocorreu o pavoroso incêndio do Chi-como (3o de julho), onde a enérgica decisão do coman-dante e as suas rápidas -e acertadas medidas evitaramque êsse trágico incidente constituísse um desastre irre-parável para as forças em operações .

Entretanto iam-se arrastando, pela doblez do Gungu-

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nhana, as negociações com éste entabuladas para que en-tregasse os rebeldes refugiados no seu território, até queo Comissário Régio resolveu sustá-las, sendo enviado aorégulo, em 7 de Setembro, um verdadeiro ultímaturn :dentro de oito dias estariam entre gues os rebeldes ou,como refens, os dois indunas taba e Manhune ; no casocontrário, no dia se guinte, as terras de Gaza seriam in-vadidas .

Expirava o prazo marcado em 14 de Setembro e nessemesmo dia chegava ao Chicomo a notícia da vitória al-cançada no combate de Magul pelas fôrças de LourençoMarques, vitória, que constituía o fecho e a corôa dos tra-balhos da coluna sul .

Não podia, porém, a coluna norte realizar imediata-mente, por deficiências ainda não remediadas, a sua mar-cha sôbre Manjacate, como lhe impunha o cumprimentodo ultimatum que enviara ao régulo .

Fizeram-se, entretanto, várias incursões é razias, emterras de Gaza, até se chegar ao principio de Outubro,época fixada para o avanço sôbre o Kyaal do Gungu-nhana . E com efeito o momento era oportuno . 0 tempoestava bom e o combate de Magul trouxera como conse-qüência o avassalamento dos povos da Cossine ; todo opaís entre Zavala e a Mabuingela, da margem esquerdado Limpopo, se acolhia à nossa protecção .

Mas a fôrça das circunstâncias impediu ainda que seaproveitasse desde logo esta boa maré e só em 4 de No-vembro ia come çar, de facto, o decidido avanço sôbreManjacaze .

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o batalhão de Caçadores 3, unidade principal da co-luna, não tinha levado bandeira porque, sendo o 2.° e não• io batalhão do re gimento, não tinha, burocràticarnentefalando, direito a usá-la. Compreendeu o coronel Ga-lhardo quanta falta faria às suas tropas êsse símbolo daPátria pela qual iam bater-se, e quando na madrugadade 4 de Novembro a coluna formada aguardava a ordemde marcha, viu-se sair do reduto o oficial às ordens docomandante trazendo hasteada a bandeira nacional . Saü-dando-a, apresentaram-se as armas e abateram-se as es-padas «como se um choque eléctrico corresse por todos .E ao começar a marcha, desfilando por diante do chefe,os olhares de todos lhe mostravam quantoo lhe agradeciamtê-los compreendido . »

Informações colhidas no trajecto levaram o coman-dante a fazer bivacar a coluna, na noite de 6 para 7, nalângua de,Coolela, deixando para o dia seguinte o ataquea Manjacaze. E na madrugada de 7, quando o quadradoesperava a voz `de marche foi atacado súbita e rápida-mente -pela guerra do Gungunhana.

Não é éste o momento oportuno para uma descrição,embora muito rápida, do notável combate de Co olela .Transcrevo apenas das Memórias de Antônio Enes a se-guinte curiosa impressão : «0 coronel Galhardo a cavalo,• portanto com o busto todo oferecido para alvo, coman-dou com voz tão firme e tran qüila como se marcasse umcotíllon» . Mas as balas e aza gaias do inimigo pouparam•

estoico comandante e apenas dois raspões de bala fica-ram marcados na garupa -do seu cavalo .

0 comandante Galhardo,, enaltecendo num relato tele-

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gráfico, enviado ao comissário Régio, a tranqüilidadedos soldados e a «admirável serenidade e valor dos ofi-ciais», acrescentava : «tais oficiais e soldados são o or-gulho dos chefes que têm a honra de os dirigir, exaltamo seu País e o seu Rei e bem merecem da Pátria . »

Na verdade, porém, o primeiro a bem merecer daPátria fôra êle próprio, cuja serenidade e valor dir-se-iaterem-se comunicado a todos os seus subordinados .

A vitória de Coolela acabara de desmoralizar o altivoGungunhana. E quando, em ii de Novembro, a coluna,,de novo em marcha, bombardeou, da lân gua do Man-guanhan

-a, o kraal de Manjacaze, avan çando depois só-

bre êste, foi encontrá-lo abandonado . O kraal foi incen-diado. O coronel Galhardo em pessoa deu o sinal doin-cêndio, lançando fôgo à palhota principal do régulo, edurante tôda a noite o clarão dessa imensa fo gueira ilu-minou o bivaque das nossas tropas na lângua .

A coluna do coronel Galhardo cumprira honrosamentea sua missão . 'Coolela, com Galhardo, determinou a quedado império vátua ; Chaimite, com Mousinho, ia comple-tá-la aprisionando-lhe o poderoso soberano .

Em 16 de Dezembro embarcava o coronel em Lou-renço Marques, de regresso à metrópole, onde chegou emig de janeiro de 18 96.

Um decreto de i de Fevereiro exonerava-o do co-mando das fôrças -expedicionárias, «comissão que exerceucom valor, inteligência e muita dedica ção, dirigindo comelevado critério as operações que foram cometidas àsfôrças do seu comando» . E em Ordem do Exército n .° 3,do mesmo ano, êle era louvado «por se ter dedicado tão

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valorosamente pela pátria, obtendo pelos seus esforçose valentia o brilhante resultado a que se chegou» .

Valeu-lhe a sua conduta em campanha o Grande Ofi-cialato da Tôrre e Espada e a medalha de ouro de ValorMilitar, assim como as honras de ajudante de campo deEI-Rei .

Foi um ano depois (Março de 1891) governar Macau,govêrno em que mereceu dois louvores, não só por servi-ços prestados, como «pela inteligência, solicitude e inte gri-dade de carácter de que mais uma vez deu provas . . . »

Nesse mesmo ano foi a graciado com a medalha deouro de servi ços relevantes no Ultramar e com o títulode Conselho .

Do 'Govêrno de Macau foi transferido para o da India,em Março de 1900, exercendo--o até junho de 1905, comuma interrupção de cêrca cie um ano, em que veio à me-trópole prestar as suas provas para general, posto a quefoi promovido em 28 de Maio de 1903 .

Não se encontra no arquivo do Ministério da Guerraqualquer vestígio da vida de Eduardo Galhardo neste maisalto posto da hierarquia militar .

Não foi, porém, certamente, nesse último período dasua vida que mais ocasião teve para continuar a distin-guir-se o ilustre comandante de Coolela .

Exerceu durante bastante tempo, se a memória menão traí, o alto cargo de director geral da secretaria daGuerra, e outras comissões teria exercido, sem dúvida,mas nenhuma teria suplantado a que desempenhou nagloriosa campanha de Mo çambique, donde regressou aula-

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orado, como bem mereceu, pela multidão de Lisboa, repre-sentando a Pátria agradecida .

Falecido em 8 de Fevereiro de i go8, legou à sua des-cendência um grande exemplo de honestidade, de valor,e -de integridade de carácter que bem pode igualmenteser apontado aos novos que queiram, como devem, me-recer da Pátria a honra de, com orgulho, lhes chamarseus filhos .

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Coolela1895

, Abstraindo do feito excepcional do quadrado de Mar--racuene, prelúdio auspicioso da famosa campanha de Mo-çambique de 1895 , e do golpe audacioso de Chaimite, seuassombroso epílogo, foi o combate de Coolela, ,comoacção militar, a página mais brilhante que, nesse anofeliz para as nossas armas, se inscreveu na história con-temporânea das colónias Portu guesas. E assim como ocombate de Magul foi o fecho glorioso da, ac ção da colunade operações do sul (distrito de Louren ço Marques) epermitiu as operações secundárias subseqüentes que, como valioso auxílio -da esquadrilha do Limpopo, nos torna-ram senhores do país entre êste rio e o Incomati, assimtambém o decisivo combate de Coolela trouxe à colunado norte a glória de ter conseguido a queda definitivado império vátua, objectivo final das nossas opêra çõesem 1895 na Africa oriental .

Desde os últimos dias de Junho a guardava em Chicomo

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a -coluna norte, sob o comando do coronel Galhardo, a-oportunidade de se lan çar, sôbre o Manjacaze - kraaldo Gungunhana -,enquanto as suas fôrças se iam de-pauperando nessa situação pouco activa e -em que o rigordo clima e a deficiência das acomodações iam produzindoos seus inevitáveis estragos. Foi a notícia da vitória deMagul que veio finalmente determinar a oportunidadeda acção da coluna de Chicomo, visto que o Gungunhanajá não podia esperar auxilio do sul do Limpopo nem jámesmo de -algumas regiões do norte .

Expirado em 14 de Setembro o prazo que ao fami-gerado régulo tinha sido imposto para a, entregaa dos seussúbditos Matibejana e Mahazul, revoltados de Louren çoMarques, e chegada nesse mesmo dia aquela feliz notíciade Magul, logo em 15 se começaram -as razias no terri-tório -além Chicomo, as quais se foram prolongando en-quanto a coluna acabava de preparar-se para marcharsôbre Manjacaze, preparativos que, por serem morosossobretudo quanto à, reunião de meios de transporte, leva-aram o Comando a fixar a partida para os princípios domês seguinte . As mesmas dificuldades, porém, forçarammais uma vez o adiamento da marcha, continuando a co-luna a ocupar-se em reconhecimentos e incursões no ter-ritório inimigo, até que em 3 de Novembro, sendo impos-sível prolongar por mais tempo a situação, o coronel Ga-lhardo resolveu dar ordem de 'marcha para o dia ime-diato .

Convencido, * depois de Ma gul e das razias da colunade Chicorro, de que era inevitável a guerra, Gun gunhanatinha feito retirar as suas mulheres, o seu tesouro e grande

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parte dos seus gados para a mata de Simbirrime, a doisdias de marcha para NO . de Manjacaze, onde tambémconcentrou -as suas principais fôr ças. Do nosso lado, oadiantado da esta ção não permitia -que o comando seabalançasse a perseguir o régulo para além do rio Chen-gane, limitando-se por isso o objectivo -das opera ções àdestruição do kraal e à derrota das fôrças vátuas .

Foi tal o entusiasmo que despertou nas tropas a notí-cia -de que - finalmente ! - iam sair de Chicomo depoisde longos meses de forçada inacção, que os própriosdoentes hospitalizados, consumidos pela febre, quizeramteimosamente marchar ! E para lhes satisfazer o desejofoi preciso o coronel Galhardo assumir a responsabili-dade com que os médicos não quizeram arcar (I) .

Eram 6 horas e meia de 4 de Novembro quando acoluna começou a atravessar a ponte sôbre o Chícomo,na sua marcha ofensiva sôbre Manjacaze. Tão penosafoi ela que só pelas 16;3o horas chegava a coluna pertoda lagoa Nhalifotuane, onde bivacou, tendo gasto dezhoras a percorrer iS quilómetros, sob um sol ardente!Continuou a coluna no dia se guinte o -avanço, sem inci-dente notável, percorrendo em nove horas os i8 quiló-metros que a levaram junto da lagoa Ballele onde esta-

(I) Esta afirmação colhida no capitulo «Coolela», da autoria de Airesde Omelas, do livro «A campanha das tropas portu guesas em LourençoMarques e I-nhambane» (pág . 196), em nada diminue a acção do pessoalda benemérita Cruz Vermelha Portuguesa, a quem estavam confiados osdoentes hospitalizados do acampamento de Chicomo, e que, sob a direc-ção do ilustre Wdico militar dr. Mascarenhas de Melo, muito contribuiu,com o seu diligente e patriótico e~ ~, que o maior número dedoentes pudesse, sem receio, acompanhar a coluna na sua marcha ofensiva .

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cionou, para prosseguir no dia imediato a marcha comque devia atingir o Manjacaze ; mas o calor ardentíssimoe a pouca consistência do terreno dificultaram por talforma o avanço, nesse dia 6, que pelas x4 horas ficavainstalado o bivaque na lángua de Coolela, por ter resol-vido o comandante deixar para o dia seguinte o ataqueao seu objectivo final .

Bivacou a coluna em ,quadrado, segundo o uso, e namanhã seguinte, ás 5 horas, quando em armas aguar-dava a voz de «marche», avistou o inimigo a uns 250metros da face da frente, ocupada por um pelotão deCaçadores 3, ao mesmo tempo que uma patrulha de au-xiliares indígenas chegava ao campo gritando : «ImpiGungunhana ! n guerra do Gungunhana . Na verdade,a imPi dos vátuas avançava rápida e ousadamente, cin-tilando ao sol nascente o aço das azagaias .

À voz do coronel Galhardo rompeu o fogo o pelotãoda frente e logo os das outras faces do quadrado . A ca-valaria, já montada para a marcha, entrou no quadradoe apeou, e a artilharia desengatava dando o seu primeirotiro quando a linha de fogo inimiga já se apresentava ernmeia lua, envolvendo três faces do quadrado, com umdesenvolvimento de cerca de i .8oo metros .

Perante as nossas descargas regulares e certeiras,afrouxou o avanço impetuoso dos vátuas que, abrigadosno capimm da lângua, abriram então um fogo violentocontra o quadrado . Calou-se este deixando apenas emfogo a artilharia que, pausadamente, ia batendo as hos-tes inimigas. Estas, porem, ao abrigo do seu fogo, cujasbalas zuniam por cima do quadrado, foram-se concen--

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Irando na, direcção do ân gulo das faces da frente e es-querda ; e essa massa de negros viu-se no mato oscilarum momento -e, num admirável impulso, atirar-se cora-josamente -contra o quadrado . Mas as descargas dêstevarriam-lhes -agora as fileiras unidas e cada tiro da nossaartilharia,, no expressivo dizer de um soldado, «abriauma rua de negros» .

Repelida assim a arrojada carga, o fogo dos vátuasdiminuiu -de intensidade, demorando-se contudo, masvindo a cessar por completo ao fim de quarenta minutos,que tal foi a duração do violento combate . Tínhamos aofim três oficiais feridos : o major Sousa Machado, deCaçadores 3, o chefe do estado maior -da coluna EduardoCosta e o -alferes Costa e Silva . Ferido fôra também ocavalo do coronel Galhardo 'e o de Mousinho (que co-mandava a cavalaria) morrera debaixo d êle . Contáva-mos -mais 5 soldados mortos e 30 feridos, dos quais 9auxiliares .

-A mortandade e os ferimentos nos cavalos e bois e o

estado dos carros crivados de balas completavam -a de-monstração de quanto fôra violento o fo go do inimigo,cujo efectivo foi computado, por várias ori gens de infor-mação, em i2.ooo homens, e compreendia tôda a gentede guerra, a mais valente e experimentada que o famosorégulo pudera reunir. Se notarmos que a coluna de Ga-lhardo já nessa data não contava mais -de 6oo brancosválidos c uns 400 auxiliares que, dominados pelo terror,nada, auxiliaram, de facto, no combate, concluiremossem exagêro -que a vitória de Coolela foi de i contra w !

Ás 18 horas ;dêsse glorioso dia 7 de Novembro de 1895,

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os nossos soldados mortos em combate eram conduzidosem macas pelos seus amigos mais íntimos - -que assim osolicitaram - aos covais abertos para os seus cadáveres,na orla do a SO do quadrado. Acompanha. irra o fú-nebre cortejo o " comandante Galhardo e todos os oficiaisdisponíveis, que recolhidamente ajoelhavam quando aque-les sacrificados do Dever desceram à sepultura e as des-cargas da ordenan ça lhes prestaram a última homenagemmilitar ! Foi esta cerimónia comovedora que provocouaquela conhecida frase de Mousinho numa carta . familiarem que descrevia o combate : «Chega-se a ter in -ve1*,a dosmornos .1 » .

Dêsses bravos se poria dizer - como escreveu Ai-res de Ornelas numa sua descrição do combate em quetomou parte - o que jacinto Freire disse dos herois deDiu : «domem com saudade maior da ¡á ia . em hu-irLüde jazigo, do que aqueles que, em urnas de alabastro,deixaram, de uma vida sem noine, ociosa memória»,.

Quatro dias depo.;s a nossa artilharia bombardeavao Manjacaze, d~.stnfindo-o pelo fogo e levando o pánicoaos que ainda ali se mantinham apesar da ausência doseu potente chefe, que fugira, em lo, a caminho de Chai-mite, onde, em 28 de Dezembro, iria aprisione-lo Mow~Í-,nho de Albuquerque, última e feliz conse qüência do glo-rioso combate de Coolela .

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O herol de Chaimife

No dia 28 de Dezembro de 1934 teve, em Lisboa,comemoração condigna o 39-0 aniversário da acção heróicade Chaimite .

Por iniciativa particular de uma agremiação regiona-l sta, foi prestada solene homenagem aos companheirossobreviventes de Joaquim Mousinho, seus dedicados cola-boradores, quer naquele feito militar --- o mais notávelgolpe de mao ' que regista a nossa história contemporânea

quer na obra grandiosa de ocupação e administraçãoda colônia de Moçambique, realizada seguidamente porMousinho, governador geral e comissário régio. E até umdos bravos, dos mais humildes, que o acompanharam aChaimite, o hoje velho soldado Manuel Bento, viu agoraornado o peito com as insignias da Tôrre e Espada, gra-ças a generosidade, bem louvável, dos seus comprovincianos, que assim efectivaram materialmente a justa recom-pensa concedida pelo Estado há perto de 4o anos !

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Bem hajam os da iniciativa ! Se nao fôssem eles, adata aniversaria do ousado aprisionamento do Gungu-nhana teria passado quási despercebida .

Vindo ho je, de novo, a propósito recordar o herói dehai:rnite e o seu glorioso feito, não me sofre o animo

perder esta outra oportunidade de os apontar aos novos .o herói, como um belo exemplo a imitar, de temeridadeponderada, de decisão firme, de energia inteligente e opor-tuna ; o seu feito assombroso, como um daqueles actosque a História raramente regista, em que da iniciativa deum chefe resulta a glória militar de um povo e a suarehabiitação perante o Mundo, esquecido e quási des-crente das façanhas dos portugueses de outrora .

As sucessivas vitórias alcançadas, e 1895, pelas ar-mas portuguesas, nos tres famosos combates que a Histó-ria designa com os nomes inolvidáveis de Marracuene,Magul e tJ oolela, tendo desfeito entre os negros da regiãoa persuasão em que os embalaram de que os brancos dePortugal eram raça de galinhas, foram, por assim dizer,as acções preparatórias do feito heróico de Cha nt te, epi-logo famoso, quásii sobrenatural, da gloriosa campanhadesse ano na África oriental portuguesa

.Eram evidentes, depois de Coolela, os sintomas dedesagregação do famigerado império vátua, até entãomantido pelo despotismo feroz do seu chefe, Gungunhana,apoiado no terror que inspirava o tradicional valor militardos mangune a raça de onde provem esses belos solda-dos landins, que em 1934 admirámos na metrópole .

E porque assim o compreendeu o bravo capitão decavalaria Joaquim Mousinho de Albuquerque, então re-

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centemente nomeado governador do novo distrito de Gaza- em organização depois da vitória de Cooleia - julgouèle, asado o 'momento para realizar, enf'- i, o sonho que hámuito acalentava : prender -o ousado e insubordinadorégulo .

Fugira Gungunhana do seu ré gio curral de Manjacaze,bombardeado e incendiado após o combate de Coolela, efôra refugiar-se perto de Chaimite, onde - veio .a saber-se

recrutava, já com dificuldade, gente de guerra, com aqual certamente se dispunha !a oferecer nova resistência .

Por outro lado, porém, a espontaneidade com quemandara entregar ao Muambaxeca (nome por que eraconhecido entre os indígenas o valoroso tenente Sanchesde Miranda, que comandava o posto militar de Languene)o célebre Matibejana, régulo de Zichacha o primeiroque se tinha revoltado em Louren ço Marques' e que acoluna vencedora de Marracuene não conse guira prender

essa espontaneidade, fôsse qual fosse o seu verdadeirointuito, dava bem a entender. que o estado de espírito doGungunhana não era já o do soberbo potentado que sejulgava até então invencível no interior do seu impérionegro .

Daí a resolução de Joaquim Mousinho de efectuar,sem demora, o golpe de mão de Chaimite.

E animado nesse seu propósito pelos bravos e decidi-dos tenentes Sanches de Miranda -e Costa e Couto, e con-tando com a dedicação do médico dr. Francisco do Ama-ral, únicos três oficiais de que se fez -acompanhar, partiuMousinho, com 46 soldados brancos - que mais não ti-nha ao seu dispor, e esses mesmos . . . mais mortos do

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que vivos - 207 auxiliares indígenas - porque mais nãoquiz utilizar, sabendo por experiência que quantos -maissão menos valem - e 76 carregadores - os precisospara o transporte de abastecimento para dez dias, para ajornada heroica onde êsse punhado de bravos ia correrà morte quási certa, se a vitória desejada e prevista nãopremiasse a sua temerária audácia .

éFDi a loucura de Mousinho que os arrastou a essamarcha audaciosa, ao encontro do grande régulo, dogrande senhor, cujo prestígio, embora abalado, era aindabastante para dominar a maioria das tribus suas antigasvassalas ? Não . Foi a confiança que aos companheiroseuropeus de Mousinho, oficiais e praças, inspirava jáêsse notável condutor de homens, que mais tarde veio aconfirmar nos Namarrais e em Macontene, as suas admi-ráveis qualidades de chefe militar, como na governaçãoda Província os seus dotes excepcionais de diplomata ede administrador .

Bem sabiam êles, os brancos, que Mousinho, anteside se decidir a essa marcha triunfal do Natal de 18 95 ,tudo tinha preparado, tudo tinha organizado com intelí-gente previsão e meticuloso critério

Bem sabiam os indígenas de quanto Mousinho era ca-paz, porque êle tivera o cuidado de, no curto espa ço detempo que precedeu a sua audaz resolução, proceder, noGovêrno de Gaza, por forma a incutir-lhes no espíritoo prestígio que lhes merece o chefe branco que sabe pres-tar-lhes justiça e mostrar-lhes a fôr ça .

Eram êsses os trunfos com que contava Mousinho aopôr em prática o seu grandioso feito, temerário talvez

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mas nao louco, porque foi bem meditado, cuidadosamentepreparado -e hàbilmente executado,

A pequena coluna de Mousinho, onde lanches de Mi-randa comandava a fórça europeia, e Costa e Couto osauxiliares, foram-se juntando pelo caminho várias imnpisindígenas, que, já convencidas do poderlo dos brancos,pretendiam, à sombra destes, saciar os seus ódios contrao déspota negro, que por tanto tempo os dominara . Con-sentiu Mousinho em que o acompanhassem, mas com acondição de nao levarem armas de fogo. Assim se elevoua 1 . 5oa ou mais o número dos auxiliares da coluna, por-tadores de armas gentílicas ; mas esses mesmo, ao che-gar a coluna à entrada de Chaimite, como que dominadosainda pelo medo de se defrontarem com o famoso regulo,mantiveram-se cautelosamente a respeitosa distancia . .

Foram só os brancos, com Mousinho a frente, quearremeteram contra a povoação e nela entraram sem dis-parar um tiro .

«Ainda hoje me causa espanto escrevia mais tardeo próprio Mousinho a maneira como aquilo se passou !-Mal avisado andou o Gungunhana em nao tentar umderradeiro esfôrço para se defender. Disparasse a armaum dos 250 ou 300 vátuas que se achavam dentrodo kracl, 'e, naturalmente, estava tudo perdido, porqueos milhares de pretos que cercavam a povoaçào cair-nos--iam em cima» .

A ousadia inconcebível desse punhado de portu gue-ses, cuja fama de invulneráveis por feitiço - já vinhacorrendo entre os indígenas desde o combate de Coolela,desarmara os defensores do Gun nhana, que se entre-

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gava, sem resistência, nas mãos dos seus audazes apri-~ .sionadores

A habílissima demonstração de fôrça e de justiça deMousinho mandando fuzilar diante do régulo manietadoe da sua comitiva espantada, o Queto e o Manhune, al-mas danadas do Gun gunhana e ferozes inimigos dos por-tugueses, acabou de lhe exaltar o prestígio perante osvácuas estarrecidos de assombro, que o vitoriaram comrepetidos bayetes (vivas) .

Essa súbita demonstração de fôrça explicava-a Mou-sinho, no seu relatório, dizendo que «se não mandassematar ninguém, todos os cafres suporiam que --ainda tinhamedo do Gungunhana e voldriam, a dizer : Português emulher, não mata nin guém!

E a justiça na escôlha das suas vítimas foi confirmadapelos próprios indígenas nesta frase respeitosa, logo pro-ferida e apoiada p&> alguns dos principais : Branco sabetudo, até adivinha quem deve matar!

Tal é, em estreitíssima súmula, a pá gina admirávelda nossa história militar e colonial contemporânea, ondebrilha a figura quási lendária de Joaquim Mousinho deAlbuquerque .

Evocam-na com sincera emoção os amigos e compa-nheiros de armas de Mousinho e todos quantos puderame souberam apreciar, a par das suas virtudes como chefemilitar, a sua inteligente acção governativa em Moçam-bique, subitamente interrompida pela inveja de uns, pelodespeito de muitos outros e, sobretudo, pelo orgulho fe-rido de governantes do Terreiro do laço, apoiados naimperdoável in gratidão do seu rei .

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Ao decreto de 7 de julho de 18 98, que o Govêrno daMetrópole fazia publicar poucos dias depois do seu reem-barque em Lisboa para -a colónia onde supunha ir podercontinuar a sua obra, decreto que lhe cerceava as atri-bulções de que até,então usara livremente como comissário

régio, respondia Mousinho com a sua altivez 'de sempre,pedindo a imediata exoneração do cargo. E el-rei D.Carlos, que êle respeitava e amava até à idolatria, assi-nava, em 21 de julho, o lacónico decreto que lhe con-cedia a exoneração pedida do cargo que exercera - comose diz de toda a gente - «com acrisolado patriotismo einexcedível zêlo e valor» 1

Banal adjectivação para quem, servira a sua Pátriacomo Mousinho soubera servi-la durante os dois anos doseu governo 1 . . .

Bem sabia êle próprio quanto seria difícil encontrarquem ,o substituisse com vanta gem, tão raramente se en-contram :aliados o critério e o prestígio do governadorao valor e às qualidades de comando do verdadeiro chefemilitar .

Numa circular de despedida, dirigida aos governado-res dos distritos e publicada no Boletim oficial (3o deJulho), explicando largamente o seu pedido de exone-ração pela redução das atribuições do comissário régio,«cuja acção e iniciativa ficavam anuladas, passando aProvíncia a ser de novo administrada, quási directamentepela Secretaria de Estado do Ultramar», Mousinho ter-minava com as seguintes afirmações, de sincero e justi-ficado orgulho :

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«Nunca fiz programas de govêrno, salvo quanto àsucessiva o, c-ãpação do território e às obras do porto deLourenço Marques, por isso sómente ao govêrno de S.M. dava contas dos meus actos, como comissário régio .Agora, porém, tive que explicar a todos o meu procedi-mento, para que ninguém julgue que prometi sem tençãode cumprir, ou que perdi a fé no êxito da empresa a que,enquanto para isso tive as atribuições necessárias, metiombros, talvez não com todo o critério que seria paradesejar, mas com dedicação e boa vontade, que reputodifíceis de exceder .

«Estão V . S .-"' num caso muito diverso . Podem suce-der-se os ministérios, mudarem-se os governadores geraise, com êles, a orientação a dministrativa . S. M. EI-Reie o País são sempre os mesmos ; a servi-los, e nada mais,estão V. S." e os seus subordinados comprometidos, edêste compromisso, tenho por certo, se continuarão adesempenhar com o mesmo acêrto e dedicação com queaté hoje o têm feito» .

E, na Ordem à Fôr ça Armada, da mesma data,chefe militar, despedindo-se dos seus subordinados e lem-brando-lhes campanhas realizadas sob o seu comando,concluia :

«Srs . oficiais, oficiais inferiores e mais pra ças destaguarnição : No momento em que deixo de vos comandar,julgo escusado recomendar-vos que continueis a dar aoExército e ao País os bons exemplos que lhes prodigali-zastes, pelo vosso intemerato esfôrço e ininterrupta su-bordinação, enquanto tive a honra de vos comandar .Tenho a consciência que, enquanto estivestes sob as mi-

gr

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nhas ordens, não teve o vosso brio de soldados portu gue-ses que sofrer a afronta de ver pactuar com rebeldes,poupar o castigo a traidores ou recuar perante os m*imi-gos de El-Rei e da Pátria. Entregando o comando, res-ta-me a esperança de que continuem a manter-se intactasnesta Província ,a honra da nossa bandeira e as gloriosastradições do Exército e: da Armada portugueses» .

Assim se despedia Mousinhoda colónia onde vira des-pontar e engrandecer-se a sua glória de mandar! ,

Pouco mais de três anos depois de deixar o alto car goonde a sua actividade se exer cera com sua satisfaçãopessoal e com indiscutível proveito da Nação, para virestiolar-se, êle, o heroi da selva, na vida palaciana depreceptor de um príncipe, Joaquim Mousinho, neuraste-nizado talvez, punha termo à sua existência, trá gica emisteriosamente, em 8 de janeiro de i go2 .

Deixava na viuvez o coração amantíssimo de sua vir-tuosa espõsa, a excelsa sr .a D . Maria José Gaivão, com-panheira carinhosa das suas horas de -alegria, como dosseus dias de infortúnio, e dolorosamente surpreendidosos seus amigos e admiradores, cujos sobreviventes pran-teiam ainda ho je, com imorredoira saudade, 'a perdadêsse grande português, que teve a desgraça de viverfora do século em que o seu espírito cavalheiresco teriapodido vencer !

A êsses e aos homens do seu tempo, já hoje no decli-nar da vida, é grato, embora triste, lembrar a sua figuraaltiva e prestar sentida homenagem à sua egrégia me-mória.

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Aos novos, que o nao conheceram, e preciso apontarJoaquim Mousinho como alguém que, com o seu altovalor militar e com a sua notável acção colonial, marcouum lugar de destaque na historia do século XIX ; alguémque, com as suas virtudes dedicadamente postas ao ser-viço da Pátria, tão alto soube elevar o prestígio da NadoPortuguesa !

FIM DO SEGUNDO VOLUME

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