globalização aumento da complexidade e sanção - controle pelo direito

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  • UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS UNIDADE ACADMICA DE PESQUISA E PS-GRADUAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIREITO

    NVEL MESTRADO

    WILSON ANDR NERES

    A GLOBALIZAO E A REGULAO DA COMPLEXIDADE SOCIAL POR MEIO DE SISTEMAS JURDICOS E SUAS REDES SANCIONATRIAS

    So Leopoldo

    2012.

  • WILSON ANDR NERES

    A GLOBALIZAO E A REGULAO DA COMPLEXIDADE SOCIAL POR MEIO DE SISTEMAS JURDICOS E SUAS REDES SANCIONATRIAS

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Direito da rea das Cincias Jurdicas da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, para obteno do ttulo de Mestre em Direito.

    Orientador: Prof. Dr. Andr Leonardo Copetti Santos

    So Leopoldo

    2012.

  • N444g Neres, Wilson Andr A Globalizao e a Regulao da Complexidade Social por meio de Sistemas Jurdicos e suas Redes Sancionatrias / Wilson Andr Neres - So Leopoldo: Unisinos / 2011.

    Orientador: Andr Leonardo Copetti Santos Dissertao de Mestrado

    Universidade do Vale do Rio dos Sinos

    1. Globalizao. 2. Complexidades. 3. Redes Sancionatrias. 4. Sistemas.

    CDU: 351

  • A meus pais, modelos de perseverana, amor sem dvida, os grandes exemplos para toda minha vida.

    A meu filho Alexandre, representao mais perfeita do significado da palavra amor.

    A Sinara, pela compreenso e pela total

    cumplicidade.

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus, pelas grandes oportunidades;

    A meus pais, pelo apoio incondicional;

    A minha esposa e filho, pelas palavras e gestos de carinho;

    A meu orientador, Professor Doutor Andr Leonardo Copetti Santos, pela simplicidade com que ensina, pela disposio em acompanhar a pesquisa e, acima de tudo, por enriquecer a todos com sua sabedoria e enorme humildade;

    Ao doutor Luciano Fernandez Motta, por auxiliar na realizao desse trabalho, as professoras Maria Aparecida e Kelly Cardoso da Silva, sempre dispostas a colaborar.

    UDC e a todos aqueles que auxiliaram na elaborao desse trabalho e fizeram com que essa conquista fosse possvel.

  • Para alguns globalizao o que devemos fazer se quisermos ser felizes; para outros, a

    causa da nossa infelicidade. Para todos, porm, globalizao o destino irremedivel do mundo, um processo irreversvel; tambm um processo que afeta a todos na mesma medida e de mesma maneira. Estamos todos sendo globalizados e isso significa basicamente o mesmo para todos .

    (Zigmunt Bauman).

  • RESUMO

    A globalizao, as grandes alteraes sociais, cientficas, tecnolgicas fizeram com que a sociedade atual passasse, cada vez mais, a tornar-se um ambiente complexo. Tamanha complexidade gerou nos cidados uma sensao crescente de medo e insegurana. Como reflexo destes sentimentos, o Direito chamado para regular as novas relaes sociais. Entretanto, diante da fragilidade de seus recursos tradicionais, ineficazes a uma realidade social globalizada, surge a necessidade de construir uma nova forma de regulao social pelo Direito. A teoria dos sistemas concebida como uma possvel alternativa, uma teoria complexa para uma sociedade complexa que encontra na diferena a forma de auxiliar o homem a compreender a complexidade social. Uma complexidade evidenciada na Constituio que passa a consagrar inmeros elementos que agora se projetam para o Direito Penal. A posio de protagonista do Direito Penal passa a ser uma das grandes alternativas ao problema social do medo, da insegurana, configurando um modelo de poltica criminal de expanso. Entretanto, o embate entre um Direito Penal mnimo e mximo revela a possibilidade de adoo de outras formas de regulao social, aptas a compartilhar as responsabilidades com outros ramos do direito, posturas de controle social, consideradas satisfatrias a uma poltica criminal moderna. De tal modo, no presente trabalho sero abordadas diferentes redes sancionatrias a fim de que se identifique a melhor forma de responder ao problema de uma sociedade cada vez mais complexa.

    Palavras chave: Complexidade. Risco. Teoria dos sistemas. Expanso Penal. Redes Sancionatrias.

  • ABSTRACT

    Globalization, the great social changes, science, technology made the company now passed, increasingly becoming a complex environment. Such complexity led citizens in a growing sense of fear and insecurity. Reflecting these sentiments, the law is called to regulate the new social relations. However, given the fragility of their traditional resources, ineffective social reality of a globalized, there is a need to build a new form of social regulation by law. Systems theory is conceived as a possible alternative, a complex theory to a complex society that finds a difference in the way of helping men to understand the social complexity. Complexity is evident in the constitution that enshrine the many elements that now protrude into the criminal law. The leading role of criminal law becomes a major alternative to the social problem of fear, insecurity, setting a model of criminal policy of expansion. However, the clash between a criminal law reveals the minimum and maximum possible use of other forms of social regulation, able to share responsibilities with other branches of law, positions of social control, satisfactory to a modern criminal policy. So, in this work are discussed various networks penalties so that it identifies the best way to address the problem of an increasingly complex society.

    Keywords: Complexity. Risk. Systems theory. Expanding Criminal. Networks penalties.

  • SUMRIO 1 INTRODUO............................................................................................................ 10 2 COMPLEXIDADE CONTEMPORNEA E REGULAO JURDICA............ 14 2.1 SOCIEDADE GLOBALIZADA E AUMENTO DA COMPLEXIDADE................. 14

    2.2 A REGULAO DA COMPLEXIDADE PELO DIREITO ................................... 25 2.3 A AMPLIAO DO ROL DE BENS JURDICOS CONSTITUCIONAIS EM RAZO DA COMPLEXIDADE..................................................................................... 31 2.4 PROJEO DO AUMENTO DA COMPLEXIDADE CONSTITUCIONAL NO CAMPO NORMATIVO PENAL..................................................................................... 38

    3 COMPLEXIDADE E EXPANSO PENAL ............................................................ 44 3.1 O DIREITO PENAL DE PRIMEIRA VELOCIDADE............................................. 47

    3.2 O DIREITO PENAL DE SEGUNDA VELOCIDADE............................................. 49

    3.3 O DIREITO PENAL DE TERCEIRA VELOCIDADE.............................................. 53

    4 O SISTEMA JURDICO E A SUA ESTRUTURAO EM REDES SANCIONATRIAS..................................................................................................... 58 4.1 A REDE SANCIONATRIA PENAL..................................................................... 59 4.2 A REDE SANCIONATRIA ADMINISTRATIVA.............................................. 67 4.3 A REDE SANCIONATRIA CIVIL....................................................................... 78 4.4 A REDE SANCIONATRIA DE MEDIAO..................................................... 84 4.5 A CONTAMINAO DA REDE SANCIONATRIA PENAL PELAS MEDIDAS PUNITIVAS DAS DEMAIS REDES.............................................................................. 92

    4.6 A REDUO DAS POSSIBILIDADES DE INCIDNCIA DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE................................................................................................................ 95

    4.7 A AMPLIAO DO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR NA ESFERA CRIMINAL..................................................................................................................... 100

    5 CONCLUSO............................................................................................................. 103 REFERNCIAS.............................................................................................................. 108

  • 10

    1 INTRODUO

    A sociedade globalizada, os riscos, a sensao de insegurana e o medo demandam uma resposta jurdica para os novos problemas sociais. Um modelo de sociedade repleto de complexidades, que passa a exigir novas formas de regulao diante da descontruo dos intrumentos tradicionais at ento utilizados pela cincia do direito.

    A presente pesquisa procura demonstrar que a sociedade complexa no pode ser explicada por uma teoria simples, carecendo de um modelo tambm complexo que possa auxiliar o indivduo na compreenso de problemas que transcendem a possibilidade de compreenso. A teoria dos sistemas visa diminuir essa complexidade, estabecendo uma identidade para cada sistema, de acordo com sua funo.

    Esta proposta reconhece a complexidade social num nvel tal que seria impossvel ao indivduo compreender sozinho essa nova realidade, evidenciada a partir de novos elementos e nas novas relaes entre esses elementos.

    Complexidade que est presente no texto constitucional pelas novas valoraes, pelos novos bens jurdicos e as relaes travadas entre eles. Numa breve comparao entre a Constituio de 1988 e as suas antecessoras fcil perceber que a presena de novos elementos constitucionais se contitui numa realidade presente na lei fundamental.

    Uma realidade que se dissipa aos diversos campos do Direito, em especial ao Direito Penal, que passa a ser uma das grandes apostas para o problema de regulao social numa sociedade complexa. Entretanto, o Direito Penal clssico, desenvolvido para tutelar comportamentos lesivos a bens jurdicos de cunho liberal-individualista, passa, rapidamente a um paradigma neoliberal difuso.

    A poltica de expanso passa a ser, em diferentes perspectivas uma forma de contrapor o modelo penal clssico, passando a figurar como instrumento mais intenso de tutela jurdica dessa sociedade complexa.

    A dificuldade de se escolher um sistema de controle social que possa ofertar uma resposta satisfatria sem que ela configure um ato de violncia estatal contra os direitos humanos, to caros vida em sociedade.

    O problema aparece vinculado as novas e complexas realidades sociais, oriundas de um contexto cada mais denso, interligado e de difcil observao, onde os

  • 11

    mtodos tradicionais utilizados pelo Direito, tornan-se ineficaz e incapazes de ofertar respostas eficientes.

    Por essa razo, diferentes sistemas sancionatrios sero abordados buscando que, por meio de um mtodo sistmico se possa estebeler o que pode ser feito para que o direito se configure num sistema de controle social eficiente, seja por meio de uma expanso penal seja por meio de diviso de atribuies com outros sistemas sancionatrios.

    O mtodo sistmico visa uma aproximao em relao ao conhecimento, um critrio de comunicao onde o sistema, delimitado a partir de uma identidade possa reduzir a complexidade ao relao ao seu entorno.

    Uma estrutura fechada que exclui todos os outros cdigos mas que esta disposta a apreender e no apreender com outras estruturas, razo pela qual o sistema tambm aberto.

    Para tanto, o presente trabalho ser dividido em trs captulos, que descrevem de forma individualizada os seguintes contedos: No primeiro, as caractersticas do modelo social comtemporneo, onde a complexidade atinge patamares nunca antes experimentados, passando a exigir do Direito respostas mais contextualizadas, j que os instrumentos jurdicos tradicionais se mostram ineficazes para a resoluo das novas demandas sociais.

    Demonstrar que a complexidade se projeta para o Direito Constitucional em razo do surgimento de novos bens jurdicos, novas valoraes e das interaes entre esses elementos e que, a partir da, passam a projetar para os mais variados ramos do Direito, em especial para o Direito Penal.

    A complexidade passa a sugerir uma alterao significativa desse ramo do Direito, que resurge como principal protagonista no quesito - controle social, fazendo com propostas de expanso penal se torne poltica pblica de combate ao problema da criminalidade moderna. Por vezes uma verdadeira substituio do Estado Social pelo Estado Penal.

    Dentre as propostas de expanso penal, so inmeras as possibilidades, no entanto, seguindo as lies do modelo preconizado por Silva Sanchez, que dividem o Direito Penal em trs nveis distintos: primeira, segunda e terceira velocidade, esta ltima, consagrando um modelo penal conhecido como Direito Penal do inimigo. Na primeira velocidade a manuteno da pena privativa de liberdade e das garantias materiais e formais do processo.

  • 12

    Na segunda velocidade uma mitigao das garantias e a adoo das penas retritivas de direitos e por fim, na terceira velocidade a consagrao do modelo denominado Direito Penal do inimigo, que prope a manuteno da pena privativa de liberdade bem como a reduo das garantias formais e materiais, numa perigosa mescla da primeira e segunda velocidade.

    No entanto, o Direito deve ser visto como um sistema, onde tamanha complexidade deve ser reduzida por meio de uma teoria organizada e sistematizada, de modo que, cada subsistema tenha uma identidade, uma rede sancionatria que permite sua individualizao dentre outros subsistemas.

    Trata-se de uma perspectiva onde o sistema tem uma expectativa normativa, um cdigo binrio lcito/ilcito, contudo, onde cada subsistema consiga operar por uma caracterstica exclusiva sua rede sancionatria.

    Uma perspectiva que busca por meio da teoria dos sistemas encontrar uma reduo da complexidade por meio de uma nica caracterstica, identidade do prprio sistema. Para o Direito o cdigo seria a opo de Direito e no Direito.

    A partir disso, ser possvel atender as demandas de um modelo social gravado por novas e complexas demandas e ainda indentificar melhor a rea de atuao da cada um dos subsistemas, organizando melhor e de forma mais sistematizada o conjunto de respostas aos problemas da sociedade comtempornea caracterizada pela extremada complexidade.

    O trabalho foi assim dividido para facilitar o entendimento das questes aqui levantadas, de modo, num primeiro momento se discuta as caracterisitcas que tornam o modelo social atual to complexo e garador de medo, insegurana e complexidade.

    A partir disso como o Direito pode se apresentar na resoluo dos novos problemas sociais onde a complexidade esta presente no s no texto da lei fundamental, mas em toda a ordem jurdica que sente os efeitos dessa projeo.

    No terceiro captulo so tratadas as questes relacionadas a expanso penal, numa diviso do Direito Penal em nveis bem como o Direito Penal do inimigo. Por fim, no quarto captulo so abordadas as redes sancionatrias penal, administrativa, civil e de mediao para que se demonstre que o critrio atual revela uma contaminao das redes sancionatrias, em especial da rede penal e ainda uma ampliao da utilizao de medidas administrativas com significativa diminuio da rede sancionatria penal.

  • 13

    Em verdade fenmenos que contrariam a teoria dos sistemas, tendo em vista a violao do cdigo que identifica cada um destes subsistemas, prejudicando a qualidade da resposta a ser ofertada aos novos e complexos problemas sociais.

  • 14

    2 COMPLEXIDADE CONTEMPORNEA E REGULAO JURDICA

    O modelo social da atualidade carrega consigo grandes alteraes e novos riscos, uma dicotomia que se reflete nos mais variados campos de conhecimento, demandando uma nova forma de organizao social frente as novas demandas. Para o Direito, visto como sistema de regulao social destinado a organizar a vida em sociedade, regulando por meio de normas jurdicas a atuao humana, indispensvel o reconhecimento de novas realidades, num processo que permite sua atualizao e adaptao a complexidade social experimentada na realidade atual. Deste modo, para melhor discorrer sobre o tema, dividimos em dois itens, tratando no primeito sobre as caractersticas dessa nova realidade social frente a nova complexidade para, num segundo momento, discorrer sobre a forma de regulao dessa complexidade pelo Direito.

    2.1 SOCIEDADE GLOBALIZADA E AUMENTO DA COMPLEXIDADE

    notrio que a sociedade passa por um momento histrico sem precedentes, sendo assolada por fenmenos crescentes e complexos que a tornam um ambiente hostil, marcado por acontecimentos de grandes propores e extremada periculosidade.

    Essas modificaes sociais podem ser percebidas de maneiras distintas: algumas so verdadeiramente intensas e facilmente perceptveis a exemplo da passagem da sociedade medieval com seu meio de produo totalmente rudimentar para a um processo inovador de produo conhecido como Revoluo Industrial, uma nova realidade que resulta na dissoluo da sociedade agrria do sculo XIX e d origem a um modelo industrial de produo.

    Na tica de Beck1: los riegos presumen decisiones y consideraciones de utilidad industrial, es decir tecnoeconmica. As novas caractersticas sociais, em especial as inovaes das cincias tecnolgicas so causas produtoras de efeitos colaterais, problemas que passam a atingir um patamar nunca antes imaginado, numa exposio que transcende os limites da individualidade e da temporalidade, passando a expor como sujeito passivo toda a coletividade da atual e das futuras geraes.

    1 BECK, Ulrich. La sociedade del riesgo global. Siglo Veentiuno de Espana Editores, 2004, p. 79.

  • 15

    Trata-se de uma progresso aritmtica onde as inovaes tecnolgicas so diretamente proporcionais aos riscos que elas proporcionam ao corpo social. A produo desenfreada de novas tecnologias e as profundas novidades trazidas pelos avanos das cincias nos seus mais variados campos do conhecimento, fazem com que a sociedade passe a solucionar problemas antigos, propiciando uma melhor qualidade de vida, trazendo, entretanto, riscos que no haviam sido pensados.

    Nesse sentido afirmam Giddens, Beck e Lash,2 pois o risco proveniente da sociedade industrial e no de uma escolha planejada e decorrente da interveno poltica e que representa a transio para uma sociedade de risco que se d de forma no perceptvel.

    O sucesso da primeira modernidade foi inquestionvel, porm, as consequncias so nefastas, alterando significativamente a realidade social, agora marcada pelo medo, pela insegurana e pelo risco.

    A ideia de sociedade de risco surge com o socilogo Ulrich Beck3, que assim a define como: Riesgo es um enfoque moderno de la previsin y control de las consecuencias no deseadas de la modernizacin radicalizada.

    A teoria da sociedade de risco nasce, pois, com a percepo social dos riscos tecnolgicos globais, refletindo a mudana da estrutura da sociedade e, ao mesmo tempo, o conhecimento da modernidade e de suas consequncias.

    A noo de risco passa a ser inerente ao conceito de sociedade, tanto que a cincia j se preocupa com critrios para melhor distribuir os riscos, por consider-los no neutralizveis.

    Esses riscos possuem suas causas e origens em decises e comportamentos humanos produzidos durante a manipulao dos avanos tecnolgicos, ligados explorao e manejo de novas tecnologias (energia nuclear, engenharia gentica e de alimentos, produtos, etc.). Porm, os avanos tecnolgicos no os nicos responsveis pela gerao de riscos.

    As alteraes sociais so fatores que tambm contribuem, como a escassez de recursos naturais, utilizados em larga escala pela indstria, a degradao ambiental, provocada pela atividade industrial e problemas sociais. No se concebe mais a possibilidade a um retorno, logo, os riscos e sociedade se tornam conceitos interligados.

    2GIDDENS, Anthony. BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernizao reflexiva: poltica, tradio e esttica na ordem social moderna. So Paulo: Unesp, 1995. 3 BECK, Ulrich, La sociedade del riesgo global. Siglo veintiuno de Espaa Editores, 2004, p. 09.

  • 16

    Nas palavras de Octavio Ianni, a globalizao est presente na realidade e no pensamento.4

    O termo risco para alguns no consegue expor com exatido a realidade da sociedade atual, por essa razo so utilizados outros termos como insegurana. Bauman ensina que:

    Ao contrrio dos riscos-que permitem ser computados quanto mais se aproximan espacial e temporalmente dos atores sociais-, as incertezas se expandem e se adensam quanto mais se afastam dos indivduos. E com o crescimento da distncia espacial, crescem tambm a complexidade, a densidade da malha de influncia e interaes, ao passo que a partir do crescimento da distncia temporal, cresce tambm a impenetrabilidade do futuro, aquele outro absoluto, notoriamente incognoscvel.5

    Logo, no possvel atribuir com exclusividade a gerao de riscos e insegurana s inovaes tecnolgicas. Outros fatores tambm contribuem como fontes geradoras de problemas, tornando ainda mais complexa a realidade social.

    o que assevera Silva Snchez:

    Por um lado, cabe considerar a conformao ou generalizao de novas realidades que antes no existiam ou no com a mesma incidncia , e em cujo contexto h de viver o indivduo, que se v influenciado por uma alterao daquelas; assim, a mero ttulo de exemplo, as instituies econmicas de crdito ou de inverso. Por outro lado, deve-se aludir deteriorao de realidades tradicionalmente abundantes que em nossos dias comeam a manifestar-se como bens escassos, aos quais se atribui agora um valor que experimentam, como conseqncia da evoluo social e cultural, certas realidades que sempre estiveram a, sem que se reparasse nas mesmas; por exemplo, o patrimnio histrico-artstico.6

    Dentre esses fatores, tem-se a nova realidade econmica, cujos efeitos alteram a insero dos indivduos em relao s cadeias produtivas, e delas todos os recursos para suprir as necessidades bsicas.

    Uma situao preocupante que se soma a crise do Estado, que a partir do sculo XX tornou companheira inseparvel, seja pelo prprio envelhecimento ou diante da impossibilidade de sustentao diante das novas realidades como globalizao econmica, mundializao dos vnculos sociais, universalizao das pretenses, da

    4 IANNI, Octavio. Teorias da globalizao. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1999. p. 9.

    5 BAUMAN, Zigmunt. Globalizao: as consequncias humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p.

    129. 6 SNCHEZ, Jess-Mara Silva. A expanso do Direito. Traduzido por Luiz Otavio de Oliveira Rocha.

    Reviso Luiz Flavio Gomes. So Paulo: RT, 2002, p. 27.

  • 17

    constituio de lugares mundiais de controle/garantia (e.g Tribunais Inter/ Supranacionais) de um cosmopolitismo poltico- institucional, etc.7

    Uma situao preocupante que se soma ao declnio do welfare stat8e deixando de atender adequadamente as questes de emprego, sade, e outros direitos sociais, num processo de excluso que se originou da no cobertura estatal. Um modelo Estado comprometido com a efetivao dos direitos por meio de polticas pblicas positivas.

    Para Bobbio:9 o Estado assistencial, de fato, no pretende apenas levar a fazer (por meio de normas positivas ou sanes positivas), mas ele mesmo faz, a previso dos direitos sociais na Constituio faz com o Estado adote polticas pblicas com o escopo de uma prestao estatal mais eficiente.

    Percebe-se uma tenso entre a poltica de incluso e a economia de excluso, numa peculiar marca que forma o modelo de bem-estar. Um equilbrio tem sido abalado na medida que o modelo capitalista tem ganhado nova consistncia no contexto atual onde capital e trabalho conjugam suas paixes e interesses.

    Uma realidade que vem corroborada pelo desfazimento da frmula de Estado Social, seja por suas prprias insuficincias e carncias para solucionar todos os dilemas modernos diante da impossibilidade de dar respostas satisfatrias s demandas, diante das crises10 que lhe abatem nesse momento. Para Bauman11: Os poderes reais que criam as condies nas quais todos ns atuamos flutuam no espao global, enquanto as instituies polticas permanecerm de certo modo, em terra, so locais.

    Crises que encontram um de seus pices diante de uma economia forte e influenciadora de um Estado frgil e incapaz de efetivar as promessas assumidas. Esse novo espao econmico projeta-se num sentido de ruptura com o modelo de solidariedade social e o resultado a a gerao de desemprego, pobreza e consequente, mais risco. Um processo que aliado a crescente privatizao de bens e servios bsicos impregna toda a rotina social, gerando um maior nvel de excluso e de conflitos.

    7 MORAES, Jos Luis Bolzan de. As Crises do Estado e da Constituio e a Transformao Espacial

    dos Direitos Humanos. Porto Alegre: livraria do advogado, 2002, p. 14. 8 SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13.ed. So Paulo: Malheiros, 1997,

    p. 116. 9 BOBBIO, Norberto. Da Estrutura Funo: Novos estudos de Teoria do Direito. So Paulo: Manole,

    2006, p. 11. 10

    MORAES, Jos Luis Bolzan de. As crises do Estado e da Constituio e a transformao espacial dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p.13, 34, 50 e 53. o Etado passa por um crise de natureza conceitual, estrutural, funcional e poltica10. 11

    BAUMAN, Zigmunt. Confiana e medo na cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009, p. 30.

  • 18

    A sociedade vive os prazeres e as dores de ser o que - produtora de tecnologias responsveis pelo aprimoramento do bem-estar individual e responsvel pelo consumo de recursos naturais escassos. Uma sociedade caracterizada pelo acmulo de riquezas para poucos, passando a contabilizar ininterruptas transferncias de capital, chegando a um nvel tal que passam de forma incontrolvel a influenciar as polticas nacionais nos pases e povos onde se instalam, especialmente naqueles em desenvolvimento, para se perguntar se toda a evoluo valeu a pena.

    Em uma de suas passagens Jos Angel Brandariz Garca ensina que: 12

    La retirada del Estado del campo socioeconomico, junto a la contracin de su papel em la asistencia social, y la prpia evolucin del modelo socioeconmico, han contribuido a generar, como se h reiterado, la proliferacin cualitativa e cuantitativa da la exclusin social.

    Vive-se cada vez mais uma sociedade de classes passivas,13 composta por desempregados, destinatrios dos servios pblicos educacionais, sanitrios, pessoas subvencionadas, consumidores, ou sujeitos pacientes dos efeitos nocivos de desenvolvimento.

    Neste contexto Bauman14 sustenta:

    Hoje, apenas uma linha sutil separa os desempregados, especialmente os crnicos, do burado negro da underclass(subclasse): gente que no se soma a qualquer categoria social legtima, indivduos que ficam fora das classes, que no desempenham alguma das funes reconhecidas, aprovadas teis, ou melhor, indispensveis, em geral realizadas pelos membros normais da sociedade; gente que no contribui para a vida social.

    Essas caractersticas prejudicam a estrutura familiar, j que muitos divrcios ocorrem pela ausncia de condies de provimento de necessidades bsicas, gerando outros problemas como alcolismo, dependncia qumica e desestrutura familiar.

    Neste contexto inclui-se a figura do imigrante, que surge como um dos fatores aptos a incidir no problema da gerao de riscos, uma categoria de sujeitos conceituados como grupo gerador de risco, consequentemente, um pblico destinatrio das instncias de controle social.

    12

    GARCIA, Jose ngel Brandariz. Itinerarios de evolucin del sistema penal como mecanismo de control social en las sociedades comtemporneas.tirant lo blanch: Valencia, 2004, p. 51. 13

    SANCHEZ, Jesus Maria Silva.Op. cit. p. 41 14

    BAUMAN, Zigmunt. Confiana e medo na cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009, p. 24.

  • 19

    A atuao dos meios de comunicao tambm representa um importante aspecto para o entendimento das questes da sociedade atual. Por um lado, representam o exerccio do direito de expresso garantido pela Constituio Federal.

    Para Pinto Ferreira:15

    A liberdade humana no se concretizaria na pratica se no fosse dado ao homem o direito de liberdade de expresso. Essa liberdade abrange os direitos de manifestao da opinio, de discurso e de imprensa. Abarca ainda a menifestao do pensamento pelo rdio e pela televiso.

    A liberdade de expresso se configura como bem constitucional que durante a evoluo da sociedade passou por grande provao, logrando xito em resistir a violncia do perodo militar que marcou a sociedade brasileira durante anos.

    Uma resposta da Constituio de 1988 para aqueles que foram os algozes da democracia no Brasil durante dcadas e que agora no podem mais calar a voz do povo por meio da censura e da violncia.

    A liberdade de expresso representa o exerccio de uma prerrogativa com capacidade para mobilizar multides, uma poderosa arma que pode auxiliar, mas que pode prejudicar em demasia nossa sociedade. Quando a mdia se presta a realizar servios de utilidade pblica, apresenta-se sociedade como um importante instrumento democrtico capaz de auxiliar na resoluo de seus problemas atuais.

    Quem no se recorda do escndalo do mensalo, das constantes notcias de corrupo em Brasilia, responsvel pela queda de vrios ministros do atual governo, do gasto indevido de dinheiro pblico, do vazamento de leo no litoral brasileiro. Por outro lado, a mdia pode ser um recurso extremamente nocivo quando sua utilizao se d de forma incorreta, trasmitindo ou veiculando notcias de forma inexata, fomentando muito mais a emoo do que o razo, incrementando ainda mais sensao de insegurana.

    Assim j se afirmou com razo que:

    [...] os meios de comunicao, que so o instrumento da indignao e da colra pblica, podem acelerar a invaso da democracia pela emoo, propagar uma sensao de medo e de vitimizao e introduzir no corao do individualismo moderno o mecanismo do bode expiatrio que se acreditava aos tempos revoltos [...].16

    15

    FERREIRA, Pinto. Curso de DireitoConstitucional. So Paulo: Saraiva. 1998. p. 122. 16

    GARAPON, Juez y democracia, Barcelona, 1997, p. 94, que aduz Os assassinatos de crianas se convertem em acontecimentos nacionais para uma opinio pblica fascinada pela morte e a trangresso.

  • 20

    Uma atuao de cariz econmico, visando lucratividade, explorando acontecimentos sociais de forma a auferir lucro, vantagem, prestgio sem qualquer preocupao com a coletividade e com os efeitos nela causados.

    Ripollz ensina que:

    Ante todo, los medios de comunicacin social: su avidez lucrativa, em unos casos; su sesgo ideolgico, en otros, y la lucha por los lectores o la audiencia, en casi todos, les h hecho apurar al mximo las innegables potencialidades mediticas de la criminalid, a le que mantienem, una y outra vez, em sus portadas. No importa, a tales efectos, que la imagem social que se transmita de la delincuencia y de su persecucin se asiente sobre ancdotas y sucessos aislados descontextualizados; que se incremente, sin fundamento real, la preocupacin y miedo por el delito y las consequente demandas sociales de intervencin, o que se haya de ocultar la ignorancia y falta de preparacin de sus profesionales a la hora de entender los complejos conflictos sociales que estn narrando.17

    Os meios de comunicao de massa, em especial o rdio e a televiso e internet, configuram na contemporaneidade um espao privilegiado da poltica, tornando-se possvel a afirmao de que, sem o preciso auxlio da mdia, no h meios de adquirir ou exercer o poder, diante do fenmeno denominado de poltica informacional.18

    A informao passa a ser vista com descrdito, muitas vezes pela grande quantidade, pela forma com que apresentada. Algumas prticas de comunicao, por vezes, divulgam determinadas notcias propalando sem responsabilidade notcias sensacionalistas, procedimentos que, em especial, contam com a participao das prprias instituies responsveis pela represso criminal e que acabam contribuindo para a difuso da sensao e insegurana.

    Para Manuel Cancio Meli:19

    [...] los medios de comunicacin de masas como agentes que exigen no slo atencin a casos concretos vendibles em trminos de audincia/ediciones, sino tambin a la hora de reclamar que determinados conflictos sean resueltos por el ordenamiento juridico y, sit venia verbo, ya que estamos, por el medio del derecho penal.

    Sua exasperao pelos meios acabar por fazer crer ao cidado menos avisado que este tipo do crime frequente, o que no o caso. 17

    Vese um interesante estudio de la campaa maditica desatada entre 2001 y 2003 por um dirio tan influyente como El Pas, y secundada luego por numerosos medios de comunicao, sobre el pretendido incremento de la criminalidad em Espaa durante esos aos, en Soto Navarro, op. cit, passin. 18

    CALLEGARI e WERMUTH. Andre Luis e Maiquel Angelo Dezordi. Op. cit. p. 51. 19

    MELI, Manuel Cancio. JAKOBS, Gunther. Dogmtica y politica criminal em uma teora funcional del delito. Buenos Aires: Rubinzal-Cuzoni Editores, 2004, p. 134-135.

  • 21

    Tal discurso tem contribudo para a ampliao da sensao de medo e de insegurana, onde o medo passe a ser vendido como mercadoria valiosa, j que os ndices de audincia disparam diante de notcias sensacionalistas.

    Na viso de Maiquel ngelo Dezordi Wermuth:

    Na verdade refletem o medo uma mercadoria da industria cultural, de modo que a busca pelo sensacional, o espetacular, do furo jornalstico o princpio daquilo qie pode e daquilo que no pode ser mostrado, o que definido pelos ndices de audincia ou pela presso domeio econmico, do mercado, sobre os jornalistas20.

    Por essa razo, a atuao dos meios de comunicao, embora de grande relevncia para o processo democrtico, tem se tornado um dos meios mais eficazes no aumento da sensao da insegurana e do medo, quando em muitos casos, objetivamente os nveis so bens menores do que a mdia divulga.

    A sociedade de maneira geral pode ser mais bem definida como a sociedade da insegurana sentida, j que um de seus principais traos da era ps-industrial a sensao de insegurana e medo.

    Este sentimento possui, sem dvida, uma grande dimenso subjetiva como reao dos indivduos integrantes da grande e complexa rede social - novos e complexos fenmenos. Seja como for, o caso que, em medida crescente, a segurana se converte em uma pretenso social a qual se supe o Estado e, em particular, o Direito deve responder.

    O fato que a sensao de insegurana sentida pelos cidados dificilmente corresponde com o nvel de existncia objetiva de riscos que possam vir a trazer prejuzo, um temor desmedido de um colapso ou catstrofe capaz de pegar a todos despreparados e indefesos.21

    notrio que o Brasil ainda registra um nmero elevado de fatos sociais geradores de medo e insegurana, ao ponto de ser denominado endmico para OMS22.

    20

    WERMUTH, Maiquel Angel Dezordi. Medo e DireitoPenal, reflexos da expanso punitiva na realidade brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1996. p. 46. 21

    BAUMAN, Zigmunt. Globalizao: as consequncias humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, pg. 12. O autor explica que esse temor desmedido da sociedade chamado de sndrome de titanic. 22

    O ndice de criminalidade brasileiro ainda considerado endmico pela OMS (Organizao Mundial da Sade). Enquanto o pas apresenta uma taxa anual de aproximadamente 22 homicdios a cada 100.000 habitantes, os Estados Unidos e a Frana considerados exemplos registram 6 e 0,7 assassinatos, respectivamente. Disponvel em Acesso em 22/12/2011.

  • 22

    Tal sensao ganha flego quando se compara a ndices de pases desenvolvidos como Frana e Estados Unidos percebe-se uma diferena significativa.

    Entretanto, a forma com que se trata o problema tem gerado uma ampliao dessa sensao de insegurana que no contribui para a resoluo dos problemas sociais, beneficiando poucos na obteno de audincia e lucros exorbitantes, outros cuja atuao poltica recorre a prticas oportunistas, utilizand-se do incremento da insegurana e de medo para ampliar sua clientela eleitoral.

    Mais um exemplo onde o interesse particular de poucos supera o interesse da grande massa da populao, em que muitos sequer tm condies de entender enventuais manipulaes da notcia.

    Na lio de Jos Angel Brandariz Garca:23

    [...] lo relevante a los efectos del presente texto no es tanto que la existencia de factores obejtivos de pelgro d lugar a uma sensacin subjetiva de inseguridad o de riesgo, por mucho que sta pueda ser desproporcionada em relacin con la entidad efectiva de aquelles peligros.

    As vtimas voltam para o discurso penal, razo pela qual Garland defende24 uma tendncia dos partidos polticos na instrumentalizao das vtimas para anunciar e promulgar leis penais, as quais assumem, no raras vezes, o nome dessas vtimas.

    Exemplos dessa prtica poltica podem ser facilmente encontrados: casos como os sequestros dos empresrios Ablio Diniz e Roberto Medina, em 1990, o assassinato da atriz Daniela Perez, em 1992, e a veiculao de cenas de tortura e assassinato por policiais na Favela Naval, em Diadema, Grande So Paulo, em 199725.

    Outro exemplo a lei nmero 11.340/2006, conhecida como lei Maria de Penha promulgada para coibir a violncia domstica e familiar contra a mulher, em homenagem a uma vtima dessa modalidade delitiva.

    23

    GARCA, Jos Angel Brandariz. Politica criminal de la exclusin. editorail comares Granada: 2007, p. 65. 24

    Na anlise de Garland (2005, p. 241) si las vctimas alguna vez el resultado olvidado y ocultado del delito, ahora han vuelto para vengarse, exhibidas pblicamente por polticos y operadores de los medios masivos de comunicacin que explotam permanentemente la experincia de la vctima que sufre se h convertido em um producto apreciado em los circuitos de intercambio poltico y meditico y se colocam individuos reales frente a las cmaras y se los invita a jugar esse papel, muchas veces conviertindose, durante el processo, en celebridades miditicas o activistas do movimento de vctimas. 25

    Disponvel em: Acesso em: 28/12/11.

  • 23

    A juno desses novos problemas sociais est compreedida no modelo de sociedade globalizada, um novo modelo social onde as transformaes so rpidas, intensas e perigosas.

    A globalizao representa uma srie de mudanas, de diferentes ordens: financeiras, estatais, sociais, tecnolgicas, ambientais, de produo. Por essa razo Boaventura de Souza Santos a define:

    A globalizao consiste em um processo complexo que atravessa as mais diversas reas da vida social: da globalizao dos sistemas produtivos e financeiros a revoluo da tecnologias e praticas de informao e de comunicao; da eroso do Estado Nacional e redescoberta da sociedade civil ao aumento exponencial de desigualdade sociais; das grandes movimentaes fronteirias de pessoas (como emigrantes, turistas e refugiados) ao protagonismo das empresas multinacionais e das instituies financeiras multilaterais, das novas prticas culturais e identitrias aos estilos de consumo globalizado.26

    Este um fenmeno de grandes propores e de diferentes caractersticas que o tornam extremamente heterogneo, com diferentes faces e demasiadamente complexo. Uma complexidade que dificulta sua anlise por uma s cincia. Para Octavio Ianni: a reflexo sobre a sociedade global, em suas configuraes e movimentos, ultrapassa os limites desta ou daquela cincia.27

    A presente pesquisa acentuada com relao ao Direito, j que os reflexos da sociedade globalizada so sentidos em novas e complexas demandas, que devem ser respondidas pelo Estado atravs do seu sistema de normas.

    O fenmeno da globalizao altera de forma significativa o atuao do Estado no tocante a resoluo das demandas sociais em especial quando a economia globalizada passa a ocupar espaos que antes pertenciam exclusivamente ao Estado.

    Para Francis Rafael Beck:28

    [...] plos dominantes e centros decisrios localizados em empresas, corporaes e conglomerados transnacionais. Deles nascem diretrizes relativas a desestatizao, desregulao, privatizao, liberalizao, e regionalizao que instituies como Fundo Monetrio Internacional (FMI) e Banco Mundial (BIRD) encarregam-se de codificar, divulgar, implementar e administrar.

    26

    SANTOS. Boaventura Souza. Os processos da globalizao, a globalizao e as cincias sociais. So Paulo: Cortez, 2002. p. 11. 27

    IANNI, Octavio. Teorias da globalizao. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1999. p. 248. 28

    BECK, Francis Rafael. Perspectivas de controle ao crime organizado e critica a flexibilizao das garantias. So Paulo:IBCCRIM. p. 30.

  • 24

    O presente aspecto revela uma crise funcional do Estado, j que outros organismos passam a operar em substituio ao Estado. Porm a globalizao traz ainda outras consequncias. No campo conceitual, o Estado passa a sentir forte influncia de regras de livre mercado, capital e das finanas estrangeiras passam a modificar algumas de suas caractersticas essencias, em especial soberania. No campo estrutural a realidade no outra, poblemas de caixa e crescimento e complexidade das demandas tornam ainda mais difcil a posio do Estado.

    Assim, o Estado enfrenta uma realidade social globalizada com enormes limitaes, dificultando ainda mais a tarefa de responder as novas demandas sociais.

    O Direito enfrenta essa mesma realidade, tendo que tutelar as crescentes e complexas demandas sociais de uma sociedade globalizada, situao que pode ser explicada utilizando-se, metaforicamente, Gabriel Garcia Marques,29 que no seu Cem Anos de Solido, relata que em macondo30 o mundo era to recente que muitas coisas careciam de nome e para mencion-las precisava-se apontar com o dedo.

    Alm disso o direito tem que enfrentar uma panorama que indica um sistema jurdico de incluso social dentro de uma perspetiva econmica de excluso. Essa tenso entre a poltica de incluso e a economia de excluso demonstra um precrio equilbrio que tem sido abalado na medida que o modelo capitalista tem ganhado nova consistncia no contexto de globalizao.

    Se no passado a tutela jurdica era feita com base nas relaes entre, explorador-explorado, que mesmo nessa condio permanecia vinculada ao sistema, na globalizao, ocorre a susbtituio pelas relaes dos includos e excludos, enquanto o ltimo perde seu espao.

    O mercado se torna, ao mesmo tempo, um igualador e um diferenciador social, o que para Maiquel ngelo Dezordi Wermuth resulta31: essa polarizao social resulta na dicotomia social entre aqueles que produzem riscos e aqueles que consomem segurana.

    Para Zigmunt Baumann:32

    29

    MARQUES, Gabriel Garcia. Cem Anos de Solido. Rio de Janeiro So Paulo: Record, 2010, p. 43. 30

    Macondo era ento uma aldeia de vinte casas de pau a pique e telhados de sap construdas na beira de um rio de guas difanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pr-histricos. 31

    WERMUTH, Maiquel Angel Dezordi. Medo e DireitoPenal, reflexos da expanso punitiva na realidade brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1996. p. 38. 32

    BAUMAN, Zigmunt. Globalizao: as consequncias humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 94.

  • 25

    Todo mundo pode ser lanado na moda do consumo; todo mundo pode desejar ser um consumidor e aproveitar as oportundades que esse modo de vida oferece. Mas nem todo mundo pode ser um consumidor. Desejar no basta; para tornar o desejo realmente desejvel e assim extrair o prazer do desejo, deve-se ter uma esperana racional de chegar mais perto do objeto desejado. Essa esperana, racionalmente alimentada por alguns, futil para muitos outros.

    O desafio a ser enfrentado pelo Direito passa ainda pela necessidade de identificar quem so os responsveis pela criao dos riscos, medo e insegurana, em especialmente no contexto de irresponsabilidade organizada.33

    Cuidado especial merece a questo, evitando que os sistemas sociais de controle voltem a recorrer a punio de poucos, os pobres, desempregados, toxicmanos, enfim, pela classe mais abastada da sociedade, historicamente a principal destinatria das regras de controle social, numa proposta de punir determinados grupos populacionais que seriam considerados fonte de perigo e insegurana.

    Novamente Bauman34 defende que:

    As classes perigosas originais eram constitudas por gente em excesso, temporariamente excluda e ainda no reintegrada, que a acelerao do progresso econmico havia privado de utilidade funcional, e de quem a rpida pulverizao das redes de vnculos retirava, ao mesmo tempo, qualquer proteo. As novas classes perigosas so, ao contrrio, aquelas consideradas incapacitadas para reintegrao e classificadas como no-assimilveis, porque no saberiam se tornar teis nem depois de uma reabilitao.

    Especialmente pelo fato de o Direito no encontrar nos meios tradicionais instrumentos destinados a compor, solucionar, harmonizar determinados interesses e necessidades surgidas com a globalizao.

    A globalizao, em suas mais variadas formas, est descontruindo os parmetros formais de direito, o qual passa a buscar novas maneiras de solucionar o problema.

    2.2 A REGULAO DA COMPLEXIDADE PELO DIREITO

    A complexidade gerada pelo fenmeno da globalizao revela uma grande dificuldade a ser enfrentada pela cincia do Direito, em especial pela notria fragilidade

    33

    BECK, Ulrich, La sociedade del riesgo global. Siglo veintiuno de Espaa Editores, 2004, p. 09. 34

    BAUMAN, Zigmunt. Connfiana e medo na cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 22.

  • 26

    do Estado em resolver, atravs de seus instrumentos jurdicos tradicionais, as demandas que lhe so submetidas.

    Essa complexidade causa produtora de novos riscos, que podem ser encontrados nas mais variadas formas, riscos nucleares, degradao ambiental, riscos sanitrios, genticos, tecnolgicos.

    Essas novidades so introduzidas na sociedade de forma extremante clere, fazendo com o Direito, acostumado a um processo mais moroso, se afaste cada vez mais da possibilidade de ofertar respostas que acompanhem a dinmica social atual.

    Por essa razo Leonel Severo da Rocha35 afirma que:

    O grande problema jurdico na atualidade como pensar o Direito, como operar com o Direito neste perodo de grandes transformaes pelo qual se passa, nesta forma de sociedade que muitos chamam, por uma questo de comodidade de globalizao. Examinar o Direito dentro da globalizao implica relacion-lo com a complexidade, com todos os processos de diferenciao e regulao social que esto surgindo.

    Diante da impossibilidade de enfrentamento dessas questes oriundas de um contexto cada vez mais complexo, recorre-se a uma teoria tambm complexa para explic-los e resolv-los.

    De acordo com Niklas Luhmann36 a expresso complexo designa:

    [...] aquela soma de elementos, que em razo de uma limitao imanente de capacidade de conexo do sistema, j no possibilita que cada elemento permanea vinculado. Como as relaes possveis entre elementos aumentam quando o sistema cresce, apresentam-se limites drsticos na capacidade de relao dos elementos, principalmente quando se consideram os diferentes tipos de sistema: clulas, crebros, comunicao, ou quando se parte, por exemplo de possveis contatos que os indivduos possam estabelecer, em uma poca determinada.

    Essa inaptido do Direito e desconstruo de seus instrumentos ocorreram aps profundas mudanas nas caractersticas da sociedade, economia e da tecnologia. Conforme a viso de Leonel Severo da Rocha,37 sob esse ponto de vista, a crise do Direito no somente uma deficincia de sua estrutura tradicional, mas uma crise de integrao de seus pressupostos dogmticos para funcionarem dentro da globalizao.

    35

    ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia Jurdica e Democracia. So Leopoldo: Editora Unisinos, 2003. p. 185. 36

    LUHMANN, Niklas. Introduo a Teoria dos Sistemas. Petrpolis: Editora Vozes, 2009. p. 185. 37

    ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia Jurdica e Democracia. So Leopoldo: Editora Unisinos, 2003. p. 186.

  • 27

    Nessa perspectiva globalizada, a complexidade seria resultante da interao entre elementos e relaes, ou seja, os novos elementos apresentados pela sociedade moderna, que permanecem unidos como sistema e as possveis relaes que se estabecem num processo de comunicao dentre as mltiplas possibilidades de vivncia e de aes que esto compreendidas no conceito de sociedade globalizada.

    O meio, entendido como o possvel nmero de relaes, acontecimentos e processos decorrentes de uma sociedade globalizada infinitamente superior ao que o sistema pode aceitar, sendo necessria uma seleo das possibilidades e excluso de outras, que permanecem ainda como oportunidades.

    Essa extremada complexidade do mundo atual no pode ser compreendida pelo indivduo, considerando a infinitude de suas possibilidades e acontecimentos. Por essa razo, a teoria dos sistemas procura reduzir essa complexidade, j que as possibilidades so maiores do que os fatos que se podem realizar.

    A respeito disso Niklas Luhman38:

    Por isso, surgiu a expresso reduo de complexidade, no que se refere a reduo da complexidade, no que se refere relao do sistema com o meio, mas tambm consigo mesmo, principalmente quando se tratava de compreender as instncias de racionalidade, as agncias de planejamento localizadas dentro de prprio sistema.

    A complexidade o problema central da teoria, exigindo uma anlise de fatores imprevisveis que passam a ser sistematizados. Leonel Severo da Rocha39 explica que: (...) os sistemas que ordenam essa complexidade a partir de certo tipo de perspectiva, conforme o tipo de diferenciao funcional evolutivamente consagrado.

    Assim, possvel se dizer que existem sistemas de economia, de poltica, de Direito, como sistemas funcionalmente diferenciados, cada qual fornecendo critrios de identificao correlatos s suas respectivas reas de conhecimento, logo, cada uma possui sua autonomia, mas uma autonomia que existe na diferena dela com a sociedade.

    Ao aplicar a teoria dos sistemas autopoiticos ao Direito, possvel se reduzir essa complexidade uma pela diferena com relao ao entorno. O sistema serve para auxiliar na compreenso da complexidade, entretanto, nem o prprio sistema tem condio da arcar com todas as respostas. 38

    LUHMANN, Niklas. Introduo a Teoria dos Sistemas. Petrpolis: Editora Vozes, 2009. p. 179. 39

    ROCHA, Leonel Severo. KING, Michael. SCHWARTZ, Germano. A verdade sobre autopoiese no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 19.

  • 28

    Em razo da tamanha variedade de estmulos provenientes do meio, torna-se necessrio o desenvolvimento de uma disposio especfica destinada a ignorar, rechaar, criar indiferenas e fechar-se.

    O sistema aquilo que se diferencia de um entorno. Ter-se-ia assim, uma sociedade marcada por novas tecnologias, novos atores, novas definies, novos perigos, todos formando um complexo dinmico de relaes, cujos limites podem ser alterados.

    Na tica de Niklas Luhmann,40 o ponto de partida para a sociologia deve derivar de um preceito terico baseado na diferena. Ponto pacfico na comunidade cientfica, onde se mantm o mesmo referencial.

    Logo, todo o sistema de Direito deve estar separado do ambiente, uma separao de resulta da diferena entre o Direito e todas as complexidades sociais oriundas da globalizao. Na autopoiese, o sistema a unidade da diferena entre sistema/ambiente41.

    A questo que passa a ser a diferena entre o Direito como sistema e ambiente est apoiada num paradoxo de base: o sistema a resultante da diferena entre sistema e meio. Cada sistema constitui por si mesmo, tudo aquilo que funciona como uma unidade para o sistema. Isto no se refere apenas unidade do sistema, s suas estruturas e processos, mas tambm aos elementos que o constituem (autopoiesis). Para essa contnua produo e reproduo de unidade, so requeridas distines que permitam indicar o que ser utilizado e o que no ser.

    A reflexo de Leonel Severo da Rocha42: (...) sistemas autopoiticos so sistemas que conseguem partir da criao de um espao prprio de sentido e se autoreproduzirem a partir de um cdigo e de uma programao prpria.

    Esse processo de construo de um sistema implica numa atuao seletiva, indicando aquilo que parte do sistema e aquilo que no parte do sistema, tanto no plano das estruturas como no plano dos processos: sempre h outras possibilidades que se possam selecionar quando se busca uma ordem, ele mesmo se torna complexo, j que se obriga a fazer uma relao entre seus elementos.

    Sobre esse aspecto Niklas Luhmann:43

    40

    LUHMANN, Niklas. Introduo a Teoria dos Sistemas. Petrpolis: Editora Vozes, 2009. p. 80. 41

    ROCHA, Leonel Severo. KING, Michael. SCHWARTZ, Germano. A verdade sobre autopoiese no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 37. 42

    ROCHA, Leonel Severo. KING, Michael. SCHWARTZ, Germano. A verdade sobre autopoiese no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 19.

  • 29

    [...] trata-se de uma estrutura circular, (autopoitica), que produz a si mesma circularmente, que surgiu em um momento determinado da evoluo, sem que suas causas possam ser exatamente definidas. A partir do momento em num s principio de operao e consequentemente um processo de diversificao mltipla, baseado, porm, em um s princpio de operao.

    O sistema autopoitico representa um sistema que realiza sua prpria construo, atravs de um processo de codificao. Partindo de uma viso sistmica, comprometida com a sua reproduo, surge a necessidade de eliminar qualquer paradoxo nesse processo de codificao.

    Uma vez estabelecida sua identidade, o Direito como sistema se caracteriza por ela, ou seja, pela expectativa de uma pretenso normativa, se sua comunicao promete que dita expectativa ser mantida mesmo em caso de desiluso, ou seja, exclusivamente por uma manifestao subjetiva.

    Sobre isto, Luhmann afirma que:44

    [...] la garantia de la autodescripcin de las operaciones al sistema y, com ello, la garantia de la clausura operativa del sistema, requiere de um cdigo nico como esquematismo binrio que excluya otras condificaciones y otros valores (terceros, cuartos, quintos) del cdigo.

    Ao se permitir que este conceito de norma possa ser integrado em uma teoria da autopoiesis do sistema jurdico a comunicao autopoitica do Direito transmite, tanto no cotidiano como na prtica organizada da deciso, a qualidade normativa da comunicao para a comunicao, e reproduz, com isso, a si mesma.

    A ambivalncia contraditria assegura a universalidade do cdigo; ele pode ser aplicado a todo comportamento humano e a todas as situaes relevantes neste contexto, j que tudo ou jurdico, ou antijurdico, mas no meio jurdico.

    O sistema funcional para o direito significa que o direito no pode importar as normas jurdicas de um ambiente social, tampouco pode criar expectativas normativas para este ambiente, ou seja, as normas jurdicas no podem valer como Direito fora dele.

    De acordo com Niklas Luhmann45: a teoria geral dos sistemas aupoiticos exige que se indique exatamente a operao realizada pela autopoiesis do sistema,

    43

    LUHMANN, Niklas. Introduo a Teoria dos Sistemas. Petrpolis: Editora Vozes, 2009. p. 89 . 44

    LUHMANN, Niklas. Introduo a Teoria dos Sistemas. Petrpolis: Editora Vozes, 2009. p. 293. 45

    LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedad. Mxico: Universidad Iberoamericana, 2002. p.125.

  • 30

    delimitando, assim, o sistema em relao ao restante. No caso dos sistemas sociais acontece mediante a comunicao.

    A normatividade o modo interno de trabalhar do direito, e sua funo social consiste, precisamente, em que cumpra a misso de disponibilidade e modificao do Direito para a sociedade.

    Todo contato do sistema jurdico com o ambiente deve, portanto, utilizar uma forma diversa de expectativa. Toda orientao do Direito com relao ao seu ambiente utiliza a cognio (abertura cognitiva). Em total contraposio com a atividade normativa, a atitude cognoscitiva est disposta a aprender.

    Segundo a lio de Niklas Luhmann46:

    A comunicao uma realidade emergente, em estado de coisas sui generis. Obtm-se a comunicao mediante uma sntese de trs diferentes selees: a) seleo da informao; b) a seleo do ato de comunicar; c) seleo realizada no ato de entender (ou no entender) a informao e o ato de comunicar.

    Pressupe um esquema de aprendizagem com suficiente clareza, o que entraria em jogo como expectativa substitutiva, ao no se cumprir uma expectativa normativa. Na medida que semelhantes esquemas de aprendizagem possam ser desenvolvidos, tambm o Direito poder aprender e adaptar-se ao seu ambiente.

    Este conceito terico possibilita a reformulao do paradoxo constituinte do direito: o sistema jurdico opera simultaneamente sob premissas normativas e cognoscitivas; est disposto a aprender e a no aprender, na medida de sua prpria estrutura diferenciadora. um sistema fechado e aberto: fechado por que aberto e aberto por que fechado47.

    A questo se coloca desta forma: como pode o sistema combinar aprendizagem e no aprendizagem, no sentido de uma relao de mtuo incremento e, por meio disto, adaptar-se evoluo social.

    Na sociedadade globalizada encontrar-se-ia um sistema complexo, formado pelas variantes das relaes estabelecidas nesse ambiente. O direito, como um de seus subsistemas seria responsvel por comunicar-se com os demais, adaptando-os e aps um processo cognitivo as constantes novidades introduzidas na sociedade. Sua evoluo ocorre na interao da parte interna, absorvida pelo externo (social).

    46

    Op. cit. p. 297. 47

    LUHMANN, Niklas. O Enfoque Sociolgico da Teoria e Prtica do Direito. In: Seqncia, n. 28, Junho/94, pg. 15

  • 31

    Definida sua identidade, o Direito deve, por meio de seu cdigo binrio, estabelecer respostas por meio da comunicao aos problemas, selecionando o que jurdico e atende as expectativas normativas e o que antijurdico.

    Nas palavras de Leonel Severo da Rocha, no caso do Direito, o sistema opera a partir do cdigo: Direito/ no Direito,48 desse modo, demarca sua prpria unidade, formando sua diferenciao funcional e adquirindo um sentido, uma vez que seu entorno pura complexidade.

    A autopoieses passa a ser cosiderada uma possibilidade de ofertar respostas aos complexos problemas sociais da sociedade globalizada, numa metodologia inovadora que visa pela diferena, pela organizao sistmica e pela observao uma forma de auxiliar o homem a solucinar os problemas da sociedade moderna.

    2.3 A AMPLIAO DO ROL DE BENS JURDICOS CONSTITUCIONAIS EM RAZO DA COMPLEXIDADE

    A Constituio Federal de 1988 caratectizada por elencar uma srie de direitos e garantias fundamentais, ao ponto de ser classificada como Constituio garantia.

    Segundo Paulo Bonavides49:

    A Constituio de 1988, a poca de sua promulgao, composta de 245 gordos artigos, escoltados de mais 70 outros, no menos volumosos, contendo disposies constitucionais trasitrias. A produo constituinte foi to caudalosa que os atos das disposies constitucionais transitrias guardam a dimenso de uma constituio.

    Um dado meramente quantitativo, vez que a Constituio atual supera os nmeros de artigos da Constituio de 1967 com seus 189 artigos, da Constituio de 1947 com 218 artigos, acompanhados por 36 artigos referentes aos atos das disposies constitucionais transitrias e da Constituio de 1937 com 187 artigos.

    Uma superao tambm qualitativa, j que o Brasil, ao constituir-se como Estado Democrtico de Direito, uma noo que transcende a vinculao formal entre

    48

    ROCHA, Leonel Severo. KING, Michael. SCHWARTZ, Germano. A verdade sobre autopoiese no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 21. 49

    BONAVIDES, Paulo. ANDRADE. Paes de. Histria Constitucional do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. p. 485.

  • 32

    Estado e Direito, a partir de 1988 passa a incluir os valores fundantes da comunidade em seu texto.

    Ao se acrescentar o termo democrtico, novidade em relao s constituies anteriores, o Estado passa reconhecer a superao do vnculo formal estabelecido pelo termo que era Estado de Direito.

    Uma primeira incluso socorre quando se acrescenta o termo democrtico, quando nas constituies anteriores o termo era Estado de Direito. Na lio de Miguel Reale:50

    (...) o Estado deve ter origem e finalidade de acordo com o Direito livre e originariamente pelo prprio povo, excluda por exemplo, a hiptese de uma adeso a uma Constituio outorgada por uma autoridade qualquer, civil ou militar, por mais que ela consagre os princpios democrticos.

    O adjetivo democrtico indica a passagem para um Estado de Direito e de Justia Social, comprometido com a efetivao dos direitos. Outra importante incluso feita pela Constituio de 1988 foi a dignidade da pessoa humana, que nas palavras de Miguel Reale51 representa: (valor fonte de todos os valores). Trata-se de um modelo constitucional dirigente, que se obriga a realizao de perspectivas futuras.

    Nessa esteira Ingo Wolfgang Sarlet afirma que:52

    [...] a constituio, a despeito de seu carter compromissrio, confere a uma unidade de sentido, de valor e de concordncia prtica ao sistema de direitos fundamentais, que, por sua vez, repousa na dignidade da pessoa humana, isto , na concepo que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado.

    Quando comparada s constituies anteriores, percebe-se que o rol de direitos fundamentais abarcados pela Constituio de 1988 ultrapassa em muito o contedo das cartas polticas anteriores. A constituio de 1967 tinha disposio dos direitos e garantias individuais apenas 2 artigos, abrindo o capitulo IV. O artigo 151 com seus 35 pargrafos e o artigo 152 juntamente com seu pargrafo nico, no manifestando em seu texto qualquer aspecto relacionado proteo dos direitos difusos e coletivos.

    50

    REALE, Miguel. O Estado Democrtico de Direitoe o conflito de Ideologias. So Paulo: Saraiva, 2005. p. 2. 51

    Op. cit. p. 3. 52

    SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituio Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2011. p. 91. No mesmo sentido J. C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais, p. 101.

  • 33

    A Constituio de 1967 representa um notrio desprestgio da democracia, j que os militares optaram por uma interveno no poder, que serviria para a implantao de procedimentos destinados a manuteno da democracia, sem prazo para terminar:

    A reflexo de Paulo Bonavides e Paes de Andrade53: Queremos devolver o Brasil a democracia, diziam os militares, mas antes vamos aproveitar para introduzir algumas reformas e mudanas que possam garantir a longevidade de nossa democracia e a articulao do Brasil como economia mundial.

    Outro aspecto relevante est relacionado ao perodo que a Constituio de 1967 levou para ser promulgada, pouco mais de 40 dias, tendo chegado ao congresso em 12/12/66 e promulgada em 24 de janeiro de 1967.54

    Tais aspectos demonstram que a referida carta poltica tornou-se uma mera formalidade, de modo que no haveria sentido um captulo promissor relacionado proteo dos direitos e garantias fundamentais.

    Da Constituio de 1946, no se pode dizer o mesmo, afinal ela representou o retorno democracia, encerrando a ordem jurdica de exceo que perdurou no Brasil desde o golpe de 1937.

    Ao contrrio da carta poltica de 1967, que continha uma clusula da excludncia55, a Constituio de 1946 optou pela incluso do acesso ao judicirio, especificamente em seu artigo 141 4, que qualquer leso ou ameaa de leso a direito fosse analisada pelo Poder Judicirio.56

    Segundo Paulo Bonavides e Paes de Andrade:57 tem-se nesta regra de direito constitucional a melhor das garantias com que prevenir se despenhe o Estado numa legislao ofensiva do exerccio dos direitos da pessoa humana.

    A Constituio de 1946, embora generosa no tocante aos direitos e garantias individuais, pecou ao tentar conciliar as caractersticas do Estado Social com a do Estado Liberal. Pode-se dizer que a constituio era ao mesmo tempo conservadora, que

    53

    BONAVIDES, Paulo. ANDRADE, Paes de. Histria Constitucional do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. p. 429. 54

    Op. cit. p. 430. 55

    Op. cit. p. 432. Clusula de excludncia representa o dispositivo que eliminava o exame at mesmo do Judicirio e, portanto, de qualquer autoridade, determinados atos do Poder Revolucionrio. 56

    Art 141 - A Constituio assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade dos direitos concernentes vida, liberdade, a segurana individual e propriedade, nos termos seguintes: 4 - A lei no poder excluir da apreciao do Poder Judicirio qualquer leso de Direitoindividual. 57

    BONAVIDES, Paulo. ANDRADE, Paes de. Histria Constitucional do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. p. 415.

  • 34

    estabelecia o princpio da separao de poderes; e ao mesmo tempo progressista (teor programtico) marcada por largas conquistas como salrio mnimo, direito de greve, previdncia social.

    O fato que a referida constituio dedicou grande ateno aos direitos e garantias individuais, dedicando 3 artigos e 38 incisos de teor progressivo e inovador, mas que sofreram com a precaria situao poltica, econmica e social do pas.

    Ao traar a mesma comparao com a Constituio de 1937, percebe-se que a diferena com a constituio atual tambm significativa. Conhecida por ter sido a primeira constituio a ter dispensado o trabalho de representao popular constituinte, portanto um texto outorgado, que pode ser facilmente identificado por um poder executivo centralizado e extremamente forte e por uma tmida presena de dois dispositivos em captulo dedicado aos direitos e garantias fundamentais.

    Por essa razo foi-lhe atribuda a mesma a denominao de Constituio Polaca, em razo de seu contedo e ideologia semelhantes a Constituio Polonesa, de origem fascista e totalitria.

    A constituio de 1988 foi sem dvida a que obteve maior participao popular, j que sugestes chegavam ao Congresso, com milhes de assinaturas e eram submetidas a Comisso de Sistematizao, com possibilidade de os subscritores exercerem a palavra em plenrio.

    Passa a consagrar uma proteo bem mais detalhada e de contedo infinitamente maior do que as constituies anteriores, incluindo em seu corpo uma srie de direitos sociais, refletindo mais do que uma tendncia, uma necessidade de tutela de novos interesses que passam a fazer parte da sociedade.

    A respeito disso Jos Afonso da Silva58, os direitos sociais representam:

    prestaes positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condies de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualizao de situaes sociais desiguais. So, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade.

    Por essa razo, o Estado passa a assumir a posio de garantidor de todos os princpios e valoraes constitucionais que revelam a posio dominante da comunidade, consagrada pela Constituio, atravs de polticas pblicas, no sentido de realizao desses contedos constitucionais.

    58

    SILVA, Jos Afonso da. DireitoConstitucional Positivo. So Paulo: Malheiros Editora, 1998, p. 289.

  • 35

    De acordo com Andr Copetti:59

    [...] o Estado Democrtico de Direito, em relao aos demais modelos do passado, consiste em ter incorporado ao ordenamento positivo, transformando-os em fonte de legitimao interna de natureza constitucional, os princpios de direito natural que funcionavam como fonte de legitimao externarelativamente ao quando e ao como do exerccio dos poderes pblicos.

    O artigo 6 da Constituio de 1988 estabelece que so direitos sociais a educao, a sade, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados, na forma desta Constituio.

    Nas palavras de Paulo Bonavides e Paes de Andrade:60

    A ordem social, envolvendo a previdncia, a sade, a educao, o idoso, assistncia em geral, a comunicao de massa o captulo mais importante no conjunto de matria constitucional, por que tem profundas implicaes com direitos do cidado e muito especialmente com aqueles que dizem de perto informao, ao acesso a notcia, universidade, vida digna, fsica e culturalmente.

    Alm disso, passa a considerar estruturas difusas, coletivas, que transcendem o limite da individualidade, como ordem econmica, relao consumo, patrimnio histrico e cultural e meio ambiente.

    Todas essas valoraes, aqui denominadas bens jurdicos, passam a ocupar lugar no texto constitucional, funcionando como novos elementos que passam a dar uma nova dimenso na seara constitucional.

    Especificamente com relao a ordem econmica, pode-se afirmar que o texto constitucional de 1988 consagra as ideias de liberdade de iniciativa, condies de consumo, emprego e sade, bem como a possibilidade de o Estado intervir quando a iniciativa estiver sendo exercida em desacordo com os anseios sociais.

    Traando uma comparao com as cartas anteriores, possvel dizer que a Constituio de 1937 tinha a sua disposio o artigo 135,61 revelando o

    59

    COPETTI, Andr Leonardo. DireitoPenal e Estado Democrtico de Direito. Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2000, p. 56-57. 60

    BONAVIDES, Paulo. ANDRADE, Paes de. Histria Constitucional do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. p. 478. 61

    Artigo 135 da Constituio de 1937: Na iniciativa individual, no poder de creao, de organizao e de interveno do indivduo, exercido nos limites do bem pblico, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A interveno do Estado no domnio econmico s se legitima para suprir as deficincias da iniciativa individual e coordenar os fatores da produo, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competies individuais o pensamento dos interesses da nao, representados

  • 36

    intervencionismo do poder pblico. Para Luis Regis Prado62: (...) disps o artigo 135 sobre a interveno do Estado no domnio econmico, estabelecendo como e quando a ela deveria ocorrer.

    J para a Constituio de 1946, a ordem econmica foi inserida no artigo 148,63 numa perspectiva de punir as condutas abusivas, destinadas a ampliao dos lucros, mediante abuso do poder econmico. Para demonstrar essa perspectiva foi editada a Lei 4.137/62, cujo objetivo era regular a represso ao abuso do poder econmico e criado o CADE, cuja atribuio permitia a investigao e represso do abuso do poder econmico.

    Na Constituio de 1967, o artigo 157,64 revela a preocupao com justia social, estabelecendo uma tutela constitucional para concorrncia e vedando lucros excessivos e domnio dos mercados.

    Uma ampliao significativa percebida pela Constituio de 1988, consagrando as ideias de liberdade de iniciativa, condies de consumo, de emprego e de sade, bem como a possibilidade de interveno do Estado em favor dos interesses sociais.

    De acordo com Luiz Regis Prado:65 a ordem econmica e financeira vem disciplinada de forma minudente no texto constitucional (arts. 170 a 181, CF), formando parte denominada Constituio Econmica (...)

    Entretanto, as inovaes no so restritas a esse aspecto; a Constituio Federal de 1988 extremamente rica em novas valoraes e bens jurdicos. Nesse vis, as relaes de consumo passam a ser tuteladas juridicamente pela referida carta, que se torna um marco histrico para defesa do consumidor ao proclamar que o Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor, ex vi do artigo 5, XXXII. pelo Estado. A interveno no domnio econmico poder ser mediata e imediata, revestindo a forma do contrle, do estmulo ou da gesto direta. 62

    PRADO, Luiz Regis. DireitoPenal Econmico. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 29. 63

    Artigo 148 da Constituio de 1946: A lei reprimir toda e qualquer forma de abuso do poder econmico, inclusive as unies ou agrupamentos de empresas individuais e sociais, seja qual for a natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrncia e aumentar arbitrariamente os lucros. 64

    Art 157 da Contituio de 1967: A ordem econmica tem por fim realizar a justia social, com base nos seguintes princpios: I - liberdade de iniciativa; II - valorizao do trabalho como condio da dignidade humana; III - funo social da propriedade; IV - harmonia e solidariedade entre os fatores de produo; V - desenvolvimento econmico; VI - represso ao abuso do poder econmico, caracterizado pelo domnio dos mercados, a eliminao da concorrncia e o aumento arbitrrio dos lucros. 65

    PRADO, Luiz Regis. DireitoPenal Econmico. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 31.

  • 37

    No mesmo sentido, destaca-se ao proclamar a tutela do patrinnio cultural, em suas mais variadas manifestaes: direitos autorais, como patrimnio brasileiro, como preservao da cultura dos ndios, compreendendo sua organizao, lngua, crenas e tradies.

    Por essa razo Jos Afonso da Silva66 define a cultura como: direito a cultura um direito constitucional fundamental, que exige ao positiva do Estado, cuja realizao efetiva postula uma poltica cultural oficial.

    O patrimnio cultural foi protegido pelo art. 216 da Constituio Federal e constitudo pelos bens naturais, materiais ou imateriais, individualmente ou em conjunto, portadores de referncia identidade, ao, memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.

    No menos importante a proteo constitucional do meio ambiente, revelando a preocupao da Constituio de 1988 em declarar esse direito constitucional como pertencente presente e s futuras geraes, determinando que pessoas fsicas e jurdicas que vierem a atentar contra esse bem, sejam punidas.

    A insero da problemtica ambiental como parte integrante da Constituio Federal, sua atribuio de funo social e ambiental propriedade; a imperatividade da preveno de danos e agresses ao meio ambiente, conjugada responsabilizao ampla do degrador, nas esferas civil, penal e administrativa; e o ideal de cooperao internacional na matria, constituem as ideias basilares e o prprio desiderato do sistema-jurdico ambiental em vigor.

    A Constituio de 1988 traz em si algumas caractersticas marcantes: primeiro o rompimento com o passado, o que nas palavras de Flvia Piovesan67:

    Enfatize-se que a Constituio brasileira de 1988, como marco jurdico da institucionalizao dos direitos humanos e da transio democrtica no pas, ineditamente consagre o primado do respeito aos direitos humanos, como paradigma propugnado para a ordem internacional.

    O momento social atual indica que as novas valoraes constitucionais revelam a existncia de inmeros elementos que passa a ocupar lugar no texto constitucional, ocupando uma posio privilegiada ordenamento juridico ptrio, mais do que isso, tornando ainda mais complexa realidade experimentada pelo Direito. 66

    SILVA, Jos Afonso da. Ordenao Constitucional da Cultura. So Paulo: Malheiros editores, 2001. p. 48. 67

    PIOVESAN, Flvia. Direitos Humanos e Globalizao, in temas de direitos humanos. So Paulo: Max Limond, 1998. p. 205.

  • 38

    Numa simples projeo possvel dizer que toda essa complexidade transmitida aos ramos do direito infraconstitucional, passando a figurar no campo normativo penal.

    2.4 PROJEO DO AUMENTO DA COMPLEXIDADE CONSTITUCIONAL NO CAMPO NORMATIVO PENAL

    No campo penal, a complexidade gerou a apario de uma nova modalidade de resposta, centrada num paradigma dogmtico cujo objetivo a preveno da criminalidade, com a qual pretende controlar e combater todas as prticas ilcitas, nocivas aos bens e interesses consagrados pela Constituio.

    O Direito Penal passa a ser considerado a principal e mais eficiente forma para se tutelar os bens jurdicos mais relevantes, consequentemente torna-se uma possvel soluo para o controle das condutas consideradas ilcitas, em especial aquelas que sejam nocivas s novas tendncias constitucionais (direitos difusos).

    No se trata de abolir a punio de comportamentos que lesionem individualmente o cidado, tampouco de eliminar a liberdade deles, porm vislumbra-se uma proteo adicional, de carter coletivo, seguindo a nova orienteo constitucional. Hassemer adverte que:

    certo que o Direito Penal tradicional continuar sempre tendo com que se ocupar, como roubo, corrupo, estupro. Aqu nao vejo ensejo para se falar em modernizao. Neste campo nuclear do Direito Penal, preciso continuar procedendo com seriedade, exatido e prudncia, caso contrrio os direitos fundamentais dos protagonistas do conflito no sero devidamente salvaguardados.68

    O Direito Penal passa a se moldar para atender as novas complexidades, os novos bens jurdicos, as novas valoraes e necessidades de uma sociedade em constante mutao.

    Uma ruptura com os critrios penais tradicionais, que agora se justifica em razo da grande mudana das relaes sociais e dos riscos delas decorrentes, numa perspetiva de atualizao e renovao. Por essa razo Wassemer afirma que: o Direito Penal necessita manter seus laos com as mudanas sociais.69

    68

    Op. cit. p. 59. 69

    HASSEMER, Winfried. Trs temas de Direitopenal. Fundao Escola Superior do Ministrio Pblico. Porto Alegre: 1993. p. 58.

  • 39

    A efetivao da tutela dos bens jurdicos indicados pela Constituio projeta para o Direito Penal uma demanda infinitamente maior. Neste contexto, o Direito Penal e as instituies do sistema punitivo so eleitos como instrumentos privilegiados para responder eficazmente aos anseios de segurana.

    Cncio Mela70, quanto ao fato, observa que:

    [...] la actividad legislativa en materia penal, desarrollada a lo largo de las ltimas dcadas en los pases de nuestro entorno, ha puesto, alrededor del elenco nuclear de normas penales, un conjunto de tipos penales que, vistos desde la perspectiva de los bienes jurdicos clsicos constituen hiptesis de criminalizacin del estado previo a lesions a bienes juridicos cuyos marcos penales, adems, establecen sanciones desproporcionadamente altas.

    O Direito Penal passa a tutelar novos bens jurdicos, uma vinculao que possui diferentes aspectos. A cincia do Direito Penal limita a matria que pode ser objeto de tutela, estabelecendo quais as condutas podem ser objeto de responsabilidade por meio da cincia penal. Tal posio deriva de uma noo de Direito Penal mnimo, restrito a esse mbito de atuao.

    Contrariamente, a ampliao dos bens jurdicos constitucionais indica uma forte possibilidade do Direito Penal de ampliar a essas novas valoraes, sejam decorrentes de uma maior complexidade social, sejam elas novos interesses merecedores de tutela. Em sntese, o Direito Penal pode ser tanto maior, quanto maior fossem as valoraes e as complexidades sociais.

    Uma outra forma de ampliao comtempla a criao de novos critrios de reafirmao da vigncia da norma71 e de seu carter intimidatrio, decorrentes de penas mais graves; de outro desenvolvimento de uma poltica criminal que diminua as possibilidades para delinquir criando medidas de segurana de todo tipo, incorporando meios tcnicos, vinculando a comunidade a executar uma parcela de controle social.

    Esta tem sido a opo de muitos Estados para responder crescente complexidade: o recrudecimento penal que os direciona para a uma poltica de expanso, um momento indito, onde cada vez mais as condutas so submetidas a essa modalidade de controle. Neste sentido so as palavras de Cncio Meli, para quem:

    70

    MELI, Manuel Cancio. Derecho Penal del Inimigo. El discurso penal de La exclusin. Editorial IB d F. Buenos Aires-Montevideo. p. 344. 71

    JAKOBS, Gunther. Sociedade, norma y persona en una teora de um derecho penal funcional, traducin de Manuel Cancio Meli y Bernardo Feij Snchez. Madrid: Editorial Civitas, 1996. p. 11. (Prlogo)

  • 40

    As caractersticas principais da poltica criminal praticada nos ltimos anos podem resumir-se no conceito de expanso do Direito Penal. Efetivamente, no momento atual pode ser adequado que o fenmeno mais destacado na evoluo atual das legislaes penais do mundo ocidental est no surgimento de mltiplas figuras novas, inclusive, s vezes de setores inteiros de regulao, acompanhada de uma atividade de reforma de tipos penais j existentes, realizada a um ritmo muito superior ao de pocas anteriores.72

    Sem dvida, as teses expansionistas apontam para um Estado mais vigilante e para uma menor liberdade dos cidados, para uma maior interveno e maior punitivismo. Na tica de Sanchez:

    A sociedade do risco ou 'da insegurana' conduz, pois, inexoravelmente, ao 'Estado vigilante' ou 'Estado preveno'. E os processos de privatizao e de liberalizao da economia, em que nos encontramos imersos, acentuam essa . tendncia. Nesse contexto policial-preventivo, a barreira de interveno do Estado nas esferas jurdicas dos cidados se adianta de modo substancial.73

    A noo clara acerca do embate existente entre o Direito Penal mnimo e o Direito Penal mximo, de suas caractersticas e de suas consequncias, demonstra que a opo escolhida determinante para a estruturao do Direito Penal.

    O Direito Penal mnimo segundo Ripollez:74

    En efecto, conocido com diferentes denominaciones a lo largo del pasado silgo XX, este ,modelo de caracteriza en todo momento por desarollar uma estructura de intervencin penal autolimitada, hasta el punto de que h llamado a si mismo derecho penal mnimo, girando em torno de unos pocos princpios[...]

    Um sistema poltico onde fica clara a proteo do cidado contra arbtrios estatais, que pode atuar em conformidade dentro de certos limites, ou na lio de Navarrete e Jakobs75:

    Competencia por organizacin, em ejercicio de su reconocida libertad. En este sistema, el ciudadano es tratado como mayor de edad, o sea, como um sujeto autoresponsable a quien se reconoce uma amplia libertad de movimientos y de crecion de riegos propios, que sern licitos siempre que no lesionem bienes o valores ajenos.

    72

    JAKOBS, Gunther. MELI, Manuel Cncio. Direitopenal do Inimigo. Noes e Crticas. Organizao e Traduo Andr Luiz Calegari e Nereu Jos Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 75 e 76. 73

    SANCHEZ, Jesus Maria Silva. A expanso do Direitopenal. Traduo Luiz Otavio de Oliveira Rocha. Reviso Luiz Flavio Gomes. So Paulo: RT, 2002, p. 127. 74

    RIPOLLS, Jos Luis Dis. Op cit. p. 62. 75JAKOBS, Gunther e Navarrete, Miguel Polaino. El derecho Penal ante las sociedades modernas. Mxico: Flores editor e distribuidor, 2006, p. 69.

  • 41

    Um modelo que confia no cidado, que parte da responsabilidade da cada um, onde o indivduo pode atuar com tranquilidade frente a essa interveno mnima, e que somente surtir efeitos quando forem lesivas a bens jurdicos.

    Segundo a lio de Luigi Ferrajoli76: Direito Penal mnimo, quer dizer, condicionado e limitado em relao ao Direito Penal mximo, corresponde no apenas ao grau mximo de tutela de liberdades dos cidados frente ao arbtrio punitivo, mas tambm a um ideal de racionalidade e de certeza, logo para que possa conquistar resultados positivos, preciso uma postura de interveno limitada, rechaando uma postura de concentrao do poder punitivo nas mos do Estado.

    O modelo clssico de interveno penal encontra srias limitaes no enfrentamento da complexidade social da atualidade. J para o segundo, o Direito Penal mximo, intervencionista, a tarefa consiste numa regulao exaustiva de atividades prejudiciais ou perigosas, tornando o mbito de atuao do indivduo demasiadamente reduzido, j que a complexidade e os riscos sociais so demasiadamente agressivos.

    Diante desse potencial lesivo, torna-se imprescindvel que o Direito Penal oferea respostas para os novos problemas sociais, num movimento de expanso penal onde a teoria de bens jurdicos est longe de ser considerada um ponto pacfico.

    Para os funcionalistas imprprios, o princpio da proteo dos bens jurdicos pode ser utilizado para sustentar uma ampliao da tutela penal, desde que seu conceito seja ampliado. A respeito disto Roxin:77 Um conceito de bem juridico semelhante no pode ser limitado, de nenhum modo, a bens jurdicos individuais; ele abrange tambm bens jurdicos da generalidade.

    Para os funcionalistas prprios, a teoria dos bens jurdicos no relevante, j que a funo do Direito Penal a manuteno da vigncia da norma. Mesmo no havendo consenso doutrinrio, inegvel o carter de vinculao estabelecido entre o Direito Penal e o texto constitucional, de modo que haja uma correspondncia entre a tutela dos bens jurdicos constitucionais e das novas valoraes.

    De acordo com Juarez Tavares:78

    76FERRAJOLI, Luigi. Direitoe Razo, Teoria do Garantismo Penal. So Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2010, p. 102. 77

    ROXIN, Claus. A proteo dos bens jurdicos como funo do DireitoPenal. Traduo Andr Luis Callegari e Nereu Jos Giacomolli. Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2009. p.19. 78TAVARES, Juarez E. X. Bien jurdico y funcion en derecho penal. Buenos Aires: Hammurabi, 2004, p. 15.

  • 42

    [...] podemos trazar cuatro corrientes conceptuales: una positivista, uma neokantiana, una ontolgica y uma funcionalista, las cuales, apesar de caracterzarse por una determina orientacin, estn muchas veces impregnadas de parmetros y argumentos que no corresponden, en el fondo, a su programa inicial.

    Em que pese as diferentes orientaes, a teoria dos bens jurdicos reflete a opo do Estado e consequentemente atribui ao Direito Penal a regulao das condutas consideradas nocivas, em total consonncia com as regras dos direitos fundamentais.

    Na mesma proporo, toda a complexidade que est presente nos bens jurdicos constitucionais transferida ao Direito Penal, cuja funo passa a ser a proteo de todos os direitos escolhidos pela sociedade e consagrados pelo texto constitucional.

    Seja pelo critrio de proteo dos bens jurdicos, seja pela manuteno da vigncia da norma, a complexidade constitucional se irradia ao Direito Penal, demonstrando a realidade e a necessidade de ofertar respostas s novas e complexas demandas socias.

    Uma complexidade que comprovadamente se irradia a todo o ordenamento jurdico, em especial ao Direito Penal que transforme essa projeo em novos bens jurdicos tutelados da forma mais intensa. Para exemplicar essas inovaes, a Lei 9.605/98, chamada de lei de crimes ambientais, representa a perfeita correlao entre o meio ambiente consagrado pela Constituio e a referida tutela penal desse importante bem jurdico.

    Na mesma esteira, a Lei 8.078/90, passando a regulamentar aspectos vinculados proteo da relao