sanção jurídica

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Lição VI 119 SANÇÃO JURíDICA Sumário: 22. Noção de sanção. 23. Sanção e coação (sanção concreta). 24. Espécies de sanção. 25. Aplicação da sanção. 26. Sanção estatal e não estatal. Todas as normas éticas, sejam religiosas, morais, de trato social ou ju- rídicas, foram formuladas para ser cumpridas e executadas. Sendo, pois, da sua essência a obediência e o cumprimento, é natural que todas aquelas normas se garantam, de uma forma ou de outra, para que não fiquem apenas no papel, para que não sejam tão só letra morta. As formas de garantia do cumprimento dessas normas denominam-se "sanções". 22. NOÇÃO DE SANÇÃO Sanção, portanto, é "toda c2!:1seguência que s~ a.~rega, intencionalmen- te, a uma norma, com o fim específico de ~~§~UP.lRrimento obriga- tório" (Reale - 1988:207). Note-se o sentido distinto dado à palavra "sanção", quando usada em relação à ~ão da lei, passando a ser, então, o ato pelo qual o chefe do Executivo sz.-nfirma e aprova aleivotadªw~lº!-egi_s~~~.i~, para levar à pro- mulgação e à publicação. Não é possível conceber uma "ética sem sanção", ou seja, sem se prever uma consequência que se acrescente à regra ética, na hipótese de sua vio- lação. A sanção "é o correlato de toda e qualquer obrigação ética", escreve Reale (1988:207). Assim não há norma ética (religiosa, moral, social, políti- ca ou jurídica) desprovida de sanção. Dissemos que a consequência liga-se intencionalmente à norma. Por- tanto, resulta de uma tomada de posição do homem; ela sobrevém como fruto da interferência de um ato volitivo, e não de uma forma necessária. l -----------------------------------------------------

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Aborda o conteúdo do direito referente à sanção jurídica.

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Page 1: Sanção Jurídica

LiçãoVI

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SANÇÃO JURíDICA

Sumário: 22. Noção de sanção. 23. Sanção e coação (sançãoconcreta). 24. Espécies de sanção. 25. Aplicação da sanção.26. Sanção estatal e não estatal.

Todas as normas éticas, sejam religiosas, morais, de trato social ou ju-rídicas, foram formuladas para ser cumpridas e executadas. Sendo, pois, dasua essência a obediência e o cumprimento, é natural que todas aquelasnormas se garantam, de uma forma ou de outra, para que não fiquem apenasno papel, para que não sejam tão só letra morta. As formas de garantia documprimento dessas normas denominam-se "sanções".

22. NOÇÃO DE SANÇÃO

Sanção, portanto, é "toda c2!:1seguência que s~ a.~rega, intencionalmen-te, a uma norma, com o fim específico de ~~§~UP.lRrimento obriga-tório" (Reale - 1988:207).

Note-se o sentido distinto dado à palavra "sanção", quando usada emrelação à ~ão da lei, passando a ser, então, o ato pelo qual o chefe doExecutivo sz.-nfirma e aprova aleivotadªw~lº!-egi_s~~~.i~, para levar à pro-mulgação e à publicação.

Não é possível conceber uma "ética sem sanção", ou seja, sem se preveruma consequência que se acrescente à regra ética, na hipótese de sua vio-lação. A sanção "é o correlato de toda e qualquer obrigação ética", escreveReale (1988:207). Assim não há norma ética (religiosa, moral, social, políti-ca ou jurídica) desprovida de sanção.

Dissemos que a consequência liga-se intencionalmente à norma. Por-tanto, resulta de uma tomada de posição do homem; ela sobrevém comofruto da interferência de um ato volitivo, e não de uma forma necessária.

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No mundo físico, à diferença do mundo ético, a consequência pelodesrespeito às leis naturais ocorre necessariamente. Por isso, a sanção nãoé compatível com o plano das leis físico-naturais.

É verdade que quem desrespeita a natureza sofre uma consequência;se alguém pula do vigésimo andar, o ato provocará um efeito de consequên-cia desastrosa; uma ponte construída sem levar em conta as leis sobre re-sistência dos materiais poderá cair de um momento para outro. O nãocumprim~!Q,_p-º-lli,_(Lel,lffia~~!.natural implica uma consequência. Porém,ilãõ(fe,;emos chamar a essa consequência de "sanção", porque ela estáimanente no processo; o efeito já seS2-flt~"IJl..d1Q.l<ili>,resultando de formapredeterminada, postos certos antecedentes. No plano da natureza, não épossível ou necessária a interferência de nenhum ato volitivo para que aconsequência sobrevenha. A consequência não é resultado da interferênciade algo externo ao processo, mas resulta do fato mesmo em seus nexos econsequências. A rigor, portanto, dizer que quem desrespeita a naturezasofre uma sanção é dar indevidamente a um "efeito físico" o nome de sanção.Em suma, as leis naturais não são sancionadas, nem sancionáveis, porqueas consequências por elas previstas resultam necessariamente do fato emseus nexos causais.

23. SANÇÃO E COAÇÃO '{SANÇÃO CONCRETA}Uma vez que a sanção juriclica -é a consequência agregada à norma :para

garantir-lhe seucurepríraentoobrígatórío, ela pode contar ou nãooema-esecu-ção espontânea dos obngados. Quando não aceita espontaneamente, J.\Ia liçãode Reale (1990:673), "o Poder Público, a serviço do Direito, prossegue em suasexigências, substitui-se ao indivíduo recalcitrante ou materialmente impossibi-litado de cumprir o devido, obriga-o pela força a praticar certos atos, apreende--lhe bens ou priva-o de sua liberdade. Eis aí a cQa~o de que trata o jurista: é asanção física, ou melhor, a sanção enquanto se concretiza pelo recurso à forçaql!-~J!:t~~IllJ>Ie.~~_l!!ll2!:gª.9,nos limitesede conforInidade com os fins do Di-reito".

Assim, a coação é uma espécie de sanção: é a sanção concreta ou asanção de ordem física. A coação, como execução compulsória, liga-se ao"dever-ser" do direito, pois quando a norma jurídica, que contém o preceitode conduta, não é espontaneamente cumprida, impõem-se certas conse-quências: realização do que foi ordenado e reparação do não cumprimento.Quanto ao cumprimento forçado da regra infringida, a coação procura tornarefetivos os resultados que normalmente derivariam da conduta espontâneado obrigado (se o devedor, por exemplo, não pagou a dívida, o pagamentoserá feito por execução judicial, que pode chegar à penhora de seus bens eà hasta pública); com outras palavras, a coação obriga a que se faça outracoisa quando não tenha sido feito o que se devia fazer; nessa hipótese,Franco Montoro defme a coação como sendo a "~Ql±s~çãoforçada da sanção"(1997:468), exemplificando: no caso do não cumprimento de um contrato,

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a sanção mais frequente é a multa contratual; se a parte culpada se recusara pagá-Ia, pode ser obrigada a fazê-lo por via judicial. Quanto à reparaçãodo não cumprimento, há uma pena retributiva do mal praticado; por exem-plo, a indenização dos prejuízos ou a ,!nulação do ato violador ou a conde-nação do homicida que, embora não restitua o bem da vida, normativamen-.te faz valer o valor atingido. Como já lembrado, temos aqui a coação em suaforma juridicamente válida, porque estatal e legal. De outro modo, aplicadapor um particular, sob a forma de coação moral ou de coação física, constituiato ilícito e redunda em vício de consentimento.

24. ESPÉCIES DE SANÇÃOApresentam-se tantas espécies de sanções quantas são as dos distintos

preceitos éticos: religiosas, morais, de trato social e jurídicas.

24.1 . Sanções religiosasSão as J;.e..trib.uiçõ.es..dadas.n.uma-vida-ultffiw+eoa, segundo o valor éti-

co da existência e conduta de cada um; o r.!;mo.r;sptambém é para o crenteuma forma de sanção religiosa, a qual geralmente é prefixada.

24.2. Sanções moraisComo vimos, as regras morais, geralmente, são cumpridas por motiva-

ção espontânea, M~ quandoalguéra deixa de cumprir, a desobediênciaprovoca determinadas consequências, que valem como sanção. E, como ohomemvive dentro d.o<espaçosocial duas dímensões-c-como ríndívíduo" ecomo "membro" de uma sociedade -, a sanção moral obedece a essa di-mensão individual-social, P~dº~LdeJ!ature~;L.Í!lti:!:.llâ:..nu.:s.u.cial".

a) Como sanção deforo íntimo, temos o remorso, o arrependimento etc.Ela depende, até certo ponto, da formação de cada um. Geralmente encontra-mos dentro de nós mesmos uma censura, quando violamos um preceito moral.

b) Mas pode haver também uma reação por parte da sociedade, quan-do agimos de modo contrário à tábua de valores vigentes: é a ~, acondenação, a..!!largin~,ª.,Q, a opinião pública que se forma contra. Temos,agora, uma sanção externa, de natureza social, que não se encontra toda-via organizada mas "difusa" na sociedade, isto é, incerta, imprevisível, e comgrande força de pressão (como é também a sanção das normas de tratosocial).

24.3. Sanções jurídicasa) São sanções organizadas de forma predeterminada. Isso se faz

necessário em face da ineficácia para muitos das sanções religiosas ou morais,o que leva a sociedade a organizar as sanções no campo do direito. MiguelReale (1984:74) exemplifica: "Matar alguém é um ato que fere tanto um man-damento ético-religioso como um dispositivo penal. A diferença está em que,no plano jurídico, q sociedade se.-n.rganízaCIlntra o homici,d.a,através do apa-relhamento policial e do Poder Judiciário. Um órgão promove as investigações

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Page 3: Sanção Jurídica

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e toma as medidas necessárias à determinação do fato; um outro órgão exami-na a conduta do agente e pronuncia um veredicto de absolvição ou de conde-nação. Condenado, eis novamente a ação dos órgãos administrativos paraaplicar a pena".

Em razão de ser, a sanção jurídica, previamente estipulada, sabemosde antemão a que sanções estamos expostos se violarmos uma norma jurí-dica. Igualmente se formos lesados em nossos direitos, de antemão sabemosque poderemos recorrer à justiça para a devida reparação.

b) Sanções "penais" e "premiais". Enfocar a sanção da lei como sen-do prêmio ou castigo, que decorrem como consequência do seu cumprimen-to ou da sua transgressão, não é novo. Ulpiano já escrevia: "Com base nestedireito Celso nos denomina sacerdotes: pois cultuamos a justiça e professa-mos o conhecimento do bom e do justo, separando o justo do iníquo, discer-nindo o lícito do ilicito, desejando que os homens se tomem bons não sópelo medo das penas, mas também pela motivação dos prêmios, aspirandonão a uma filcsofia simulada, mas a uma verdadeira filosofia" (0.1.1.1.1).Santo Tomás de Aquino também já enfocava a sanção da lei como sendoprêmio ou castigo, como vemos neste trecho da Suma contra os gentios:

"A observância ou a transgressão da reta ordem por parte do homemdeve ter como consequência um bem ou um mal; visto, porém, que o atohumano se difer-encia da atividade natural graças a sua Jiberdade.as r-eferi-das consequências não ocorrem cem necessidade natural, mas -em conso-nâncía eoma ati:Wdade h1l1IDarnl,que é pessoal:; ;por -essa razão também assanções devem revestir um caráter pessoal; em outros t'€1TIl0S, devem provirdo próprio legislador, em forma de recompensa pela observância da retaordem, e de castigo pela sua transgressão" (Summa contra gentiles, III,140).

Régis Jolivet (1995:382), por sua vez, ensina em seu curso de filosofiaque "a sanção nasce da responsabilidade, e é, no seu sentido mais geral, arecompensa ou o castigo exigidos pela observância ou violação do dever".Ou, segundo o Dicionário de Filosofia de Cambridge, sanção é "qualquercoisa cuja função é penalizar ou recompensar".

O empobrecimento do conceito de sanção, vendo-a apenas sob o aspec-to penal, é devido ao positivismo jurídico, que a reduziu à coação, ou seja,à execução compulsória da norma jurídica. Como adverte Reale (1990:158),"a visão kelseniana do Direito como ordem coercitiva da conduta humananão podia levar a outro resultado".

O fato é que não podemos negar a existência de consequências posi-tivas e negativas em função do cumprimento ou descumprimento do dis-posto em uma norma ética. E muitas vezes observamos uma norma emvirtude do interesse pelas vantagens que nos advêm desse cumprimento.Assim, por exemplo, a quitação espontânea dos débitos no prazo estabele-cido importa em benefícios no mundo dos negócios, como a aquisição dec~lº e<?!:>~.~_1!_ome~mPr.~!3a.!i~LEssa conseqüência positiva do pagamen-

to das dívidas opera como verdadeira sanção premial, à margem da sançãojurídica prevista pelo legislador. Somente nos casos excepcionais de nãopagamento do débito é que ocorre a consequêncía negativa prevista em lei,ou seja, a sanção penal; esta é uma espécie de reserva de garantia que atuasó quando comprovado o descumprimento da obrigação (Reale -1990:159).

Pois bem, se a norma jurídica visa à realização de determinada condu-ta, nada impede que o legislador, além das consequências negativas doinadimplemento (sanção penal), sirva-se também de estímulos à sua conse-cução, representados por conseqüências positivas do adimplemento danorma jurídica (sanção prernial). O direito não precisa nem deve ser exclu-sivamente "coativo"; pode ser também "persuasivo". A sua função não selimita a aplicar sanções repressivas ou penais. Possui também uma "funçãopromocional'', no sentido de incentivar, premiar e assegurar a execuçãoespontânea de suas regras. Portanto, não é somente mediante a aplicaçãode penas que se pode obter a atualização das normas jurídicas. É oportunolembrar que a psicologia, a pedagogia moderna e as ciências sociais acentu-am hoje a importância primordial dos estímulos positivos, mais do que a dosaspectos punitivos, na obra da edificação ou da direção do comportamentohumano. Norberto Bobbio, em Dalla struttura allafunzione, analisa deti-damente a função prornocional do direito e as sanções positivas ou premiais,observando que Il0 Estado contemporâneo toma-se cada vez mais frequen-teo uso de técnicas de -eneorajamento. .

H@je,começa-se-a pereeber a natureza binada da sanção, em razãoda polaridade existente -entre o valor positivo do adimplemento da normajurídica (sanção premial) e o valor negativo do inadimplemento (sanção penal).Perante essa compreensão axiológica da sanção, a visão meramente coercitivado processo sancionatório mostra-se parcial e acanhada. Por isso, essacompreensão vem-se afirmando dia a dia e as sanções premiais tomam-secada vez mais frequentes. Ao lado das sanções penais, intimidativas por in-fligirem penas, procura-se obter o cumprimento da norma jurídica por meiode processos que, propiciando incentivos e vantagens, possam influenciar naadesão espontânea dos seus destinatários. São as sanções premiais, que ofe-recem um benefício ao sujeito obrigado, para facilitar o cumprimento dopreceito: um desconto, por exemplo, ao contribuinte que paga o tributo antesda data do vencimento; ou a previsão, na celebração de um negócio jurídico,de vantagens na hipótese de adirnplemento da obrigação em tais ou quaiscircunstâncias .

Podemos, em suma, concluir com Mário Bigotte Chorão (2000: 129) que,sob esse enfoque, o legislador assim se comporta: 1Q

) perante as condutasindesejadas, reage, a priori,,,erevenindo-as por vários meios, como a indi-cação das penas a que se sujeita quem as praticar etc. (ação preventiva), e,a posteriori, reprimindo-as efetivamente (sanções penais ou negativas); 2Q

)

perante as condutas desejadas, reage, a priori, promovendo-as, e, a pos-teriori, premiando-as (sanções premiais ou positivas).

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Page 4: Sanção Jurídica

c) Multiplicidade das sanções jurídicas. São múltiplas, pois, as san-ções jurídicas. Vão desde a ~~E-llião 9.a.mJl.iJja.de..ç}eum contrato ao .I2E9-~_~~~.9de uma letra de cãmbio; desde o [~.ª,r.f.t.m~to de perdas e danos atéo ªf~.t'!D1e}Jt()_Q~.lk!!!çêi~§J2llbllcas ou privadas; desde a perda da liberdadeaté a perda ..da.própría.vida, nos países que consagram ;-Pe~d; mo;te'desde a límitação.de.direitos até a Q.utorgªde Yª-~lli destinadas a incen-tivar o cumprimento da norma ...

É claro que pode haver a aplicação simultânea de várias sanções penais,como, por exemplo, a aplicação de multa juntamente com a de indenizaçãopelos danos causados.

do talião (limitando a reação à ofensa a um mal idêntico ao praticado: sanguepor sangue, olho por olho, dente por dente ...).

25.4. Monopólio do EstadoFinalmente o Estado coloca-se em]ugar dosjndivíduQs, chamando a si a

distribuição da justiça, o que assinala um momento decisivo na história dahumanidade. No estágio atual, a sanção e a coação são monopólio ou priuilégio do Estado, não se admitindo o emprego da força particular, a não rquando, pela natureza do evento, não for possível invocar-se a proteção doEstado, como acontece, por exemplo, nos casos em que se permite a "legítimadefesa". Assim se evitam arbitrariedades e tomam-se possíveis a ordem e asegurança social.

No Estado, algumas autoridades são investidas no poder de aplicar asanção. Em primeiro lugar, há a organização policial, à qual incumbe aprevenç,ill> dos ilícitos, a repre.§.Sã,oem casos de ilícitos consumados, a a"pJ)-r:ação da..I~on§~billilªde de suspeitos pela prática de ilícitos e a execuçãode ordem judicial de aplicação de sanções. Além da atividade policial, temosa 9!:.fl!!:Eiza.çtifJJ1MLic.iár.:ia.É princípio constitucional que "nenhuma lesãoou ameaça a direito pode ser excluída da apr-eciação do Poder Judiciário"(CF, art. 5º, XXXV). Em face damultiplícidade e complexidade das questões,a competência do Poder Judiciário está distribuída entre muitas pessoas eórgães ;pliblic0s distintos, estando ;tl@das:asiunç-õesjudicantes estnrturadassob a forma de uma 'hierarquia d-e,órgãos, aos quaís é atribuída a capacida-de de revisão de decisões, -em grau <derecurso {v-era -estrutura judiciária:n. -66).

26. SANÇÃO ESTATAL E NÃO ESTATAL

Dizer que o Estado detém o monopólio da sanção não significa negar a suaexistência também fora do Estado, em organizações jurídicas não estatais. Defato, se há um "ordenamento jurídico" em cada país, formam-se "ordenamentosmenores" subordinados a ele, com seu direito e suas sanções (Teoria da Plura-lidade das Ordens Jurídicas Internas). Sejam como exemplos as "organizaçõesesportivas" e os "grupos profissionais ou sindicais", com um conjunto de normas,as primeiras até mesmo com Tribunais, impondo a um grande número de indi-víduos determinadas formas de conduta sob sanções organizadas. Como reco-nhece A. Santos Justo (2001:164), professor português de introdução ao estu-do do direito, há também grupos ou instituições que tutelam suas normas jurí-dicas. Embora o Estado seja a principal instituição que cria e tutela o direito,ele não tem o monopólio disso: o direito não permite caracterizar-se pela esta-talidade.

Em nenhuma dessas organizações, contudo, encontramos certas carac-terísticas próprias da sanção aplicada pelo Estado, quer em extensão, querem i!.!tensigade: sua universalidade e sua condição de detentor da sançãoem última instância.

25. APLICAÇÃO DA SANÇÃO

Na passagem da sanção "difusa" para a sanção "organizada predeter-minadamente" podemos ver a passagem paulatina do mundo ético em geralpara o mundo jurídico, segundo Reale (1984:74).

Foi pela Q!:gªlJá~?:,Ç,ã.Qp'r.Qgr~~§~vªQª.pfQprja sanção que o direito foi-sedesligando das regras religiosas e morais que enfeixavam primitivamentetodo o mundo jurídico, até atingir contornos próprios. De fato, verifica-sena solução dos conflitos uma passagem gradual do plano da força bruta parao plano da força juridica.

Assim, nassoci-edades primitivas, tudo se resolve -emt-ermos de vingan-ça, prevaleoendo a "força", quer do mdividuo, 'quer da tribo a que -ele per-tenc-e, a qual f-oisendo submetida a regras, at-éo Poder Público chamar as!a distribuição da justiça.

25.1. Vingança "social"Primeiro existiu a vingança social, ou seja, ofendido o indivíduo, a ofen-

sa se estendia imediatamente ao clã, que reagia contra o outro grupo social,numa forma de responsabilidade coletiva. A ofensa era um assunto comum'assim, por exemplo, quem derramasse o sangue de um, derramava o sanguede todos, e, por isso, todos os membros do clã ou da tribo eram obrigados avingar o sangue derramado.

25.2. Vingança "privada"Depois surgiu a vingança privada, isto é, o ofendido contra o ofensor,

De certa maneira, esta já representa um progresso, porquanto personalizaa responsabilidade.

25.3. Força submetida a regrasCom o correr do tempo, o fenômeno da vingança privada veio sendo

submetido a regras que delimitavam o uso da força. Há uma passagem lentado período da vingança privada, como simples força bruta, ao período emque as contendas passavam a ser resolvidas ainda pela força, mas já contidaem certos limites. É o período dos duelos, das ordálias ou juízos de Deus,

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Page 5: Sanção Jurídica

26.1. Universalidade da sanção estatalSe podemos escapar à sanção "grupalista'', abandonando o grupo ou a

organização, ninguém pode abandonar o Estado, fugindo à sua sanção. Elenos cerca de tal maneira que até mesmo quando saímos do território nacio-nal continuamos sujeitos a uma série de regras que são do Estado, do direi-to brasileiro. Podemos dizer que o Estado, com seu direito, acompanha-nosaté mesmo após a morte, porquanto determina a maneira pela qual os nossosbens devem ser divididos entre os herdeiros, preserva nosso nome de agra-vos e injúrias etc. Ele está presente até no próprio ato da concepção, já queentre nós o aborto é proibido; assim, quando um óvulo é fecundado, surge anorma jurídica com sua sanção para proteger o nascituro.

26.2. Última instânciaNum país em que são múltiplos os entes que possuem ordem jurídica

própria, só o Estado representa o ordenamento jurídico soberano, ao qualtodos recorrem para dirimir os conflitos recíprocos; é o detentor da coaçãoem última instância.

ta entre outras coisas, mas uma força que se integra em um sistema de forças,sem se desprender do todo. A sanção na Moral obedece a essa dimensão indi-vidual-social do homem, porquanto opera tanto no plano da consciência quan-to no plano da chamada consciência coletiva. Há uma reação por parte dasociedade, quando o homem age de modo contrário à tábua de valores vigen-tes. É o que se denomina mérito ou demérito social, como formas de sançãodas regras morais" (Miguel Reale, Lições preliminares de direito, São Paulo:Saraiva, 1984, p. 73).

2. Natureza binada da sanção"A sanção jurídica se situa numa trama e balanceamento de múltiplas

sanções, o que demonstra quão parcial e acanhada é a visão forense e coer-citiva do processo sancionatório. Começou-se, então, a perceber a nature-za binada da sanção, em razão da polaridade existente entre o valor po-sitivo do adimplemento da norma jurídica (sanção premial) e o valornegativo do inadimplemento (sanção penal). No contexto da Jurisprudên-cia de Valores, cerne da terceira fase do Direito Moderno, essa compreensãoaxiológica da sanção vem-se afirmando cada vez mais" (Miguel Reale, Novafase do direito moderno, São Paulo: Saraiva, 1990, p.159).QUESTIONÁRIO

1. Qual o conceito de sanção?2. A sanção é compatível comas leis naturais? Por quê?3. EX1'll1quecomo podem ser as sanções morais.4. Que distingue assanções morais das sanções jurídicas?5. As sanções jurídicas podem ser "penais" e "premiais". Que significam?6. Explique a sinonímia: "coação - sanção concreta".7. Como se operou a passagem do plano da força bruta para o plano da

força jurídica, na solução dos conflitos?8. Quem é competente, hoje, para aplicar a sanção jurídica?9. Por que é possível uma sanção "não estatal"?10. Explique as características da sanção aplicada pelo Estado.11. Há norma ética desprovida de sanção? Por quê?12. Pode haver aplicação da sanção sem coação? Explique.

3..SaRçêes f)05itivase san.çôe5 ueg:at:;v.as"':1. t(i) termo "sanção' pode ser tornado, !ll@ âmbíto jurídico, -em várias

acepções.N:t'lmâ. acepção mais r-estrita e comum, significa a reação desfavorável

da ordem jurídica ao incumprimento das normas, consistindo essa :reaçãona privação de um bem. Esta é a sanção negativa, que funciona comofacto r repressivo e, ao mesmo tempo, elemento dissuasótiQ das condutasatentatórias do direito.

Num sentido mais amplo e menos comum, aquele termo abrange nãosó aquelas consequências negativas, mas também as reações favoráveis aocumprimento das normas, consistentes na atribuição de vantagens. Estasúltimas reações constituem sanções positivas, que contribuem para a rea-lização dos fins do direito de uma forma premial e 'promocional'.

lI. Numa breve síntese, poderia dizer-se que a ordem jurídica reage dosseguintes modos: perante as condutas indesejadas, reage a priori, prevenin-do-as (já atrás se falou dessa ação preventiva), e, a posteriori, reprimindo--as (mediante sanções negativas); face às condutas desejadas, reage, apriori, promovendo-as, e, a posteriori, premiando-as (com sanções posi-tivas).

Ill. Tem-se ressaltado e estudado mais a dimensão sancionatória ne-gativa (ou 'penal') da ordem jurídica do que a dimensão positiva (ou pre-mial).

Todavia, mais recentemente, tem vindo a adquirir importância crescen-te o aspecto premial e 'promocional' do direito, objecto de algumas contri-buições doutrinais relevantes.

LEITURA COMPLEMENTAR

1. Sanção moralMiguel Reale assim explica a dimensão individual-social da sanção moral:

"Existe, porém (além da sanção do foro íntimo) também uma sanção extrín-seca ou externa que se reflete na sociedade, pelo mérito ou demérito que oindivíduo granjeia, em razão ou em função dos atos praticados, A sanção denatureza social tem força bem maior do que se supõe. Nós não vivemos apenasvoltados para nós mesmos, mas também em função do meio, da sociedade emque agimos. O homem é como Jano bifronte, com uma face voltada para sipróprio e outra que se espelha no meio social. O homem não é uma coisa pos-

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Este facto aparece relacionado com fenómenos de ordem política (comoa transição do Estado-gendarme para o Estado social de Direito) e jurídica(a evolução do direito de sistema coactivo de controlo social para sistema'promocional', ou instrumento de realização da justiça e do bem comum).De qualquer modo, é certo que muitos afirmam a necessidade de se reforçarno direito a componente premial e promocional" (Mário Bigotte Chorão,Introdução ao direito, Coimbra: Almedina, 2000, v. 1, p. 128-129).

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