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VILA SANÇÃO NO EIXO DA DESTRUIÇÃO I - INTRODUÇÃO O ano de 1980 pode ser considerado como o marco inicial da explosão demográfica na região sudeste paraense, embora haja iniciativas propiciadoras desde o ano de 1970, com os projetos de colonização ao longo da rodovia Transamazônica que motivaram o fluxo migratório rumo a este território. O principal fenômeno da época foi a descoberta de ouro nas terras do senhor Genésio Camargo, que depois de transformadas em um grande garimpo passam a ser denominadas de Serra Pelada. Rapidamente ouvido falar no Brasil inteiro e várias partes do mundo. Para a Serra Pelada migraram pessoas de diversas situações econômicas e de diversos interesses. Pessoas com dinheiro para investir na extração do ouro, outras com interesses de desenvolver a atividade comercial com venda de alimentos, máquinas e equipamentos, medicamentos, e uma grande maioria para trabalhar diretamente na extração mineral, o verdadeiro garimpeiro. Os que vieram para trabalhar eram originários do Nordeste brasileiro, principalmente do Estado vizinho, o Maranhão. A tradição e formação cultural destes trabalhadores era trabalhar na terra para garantir a produção de subsistência e reprodução familiar. Como o garimpo funcionava normalmente apenas no período de estiagem, ou seja, do mês de maio até outubro, muitos trabalhadores voltavam para suas terras para cuidar de suas lavouras, e boa parte ficava na região trabalhando em terras de latifundiários, as chamadas fazendas, integravam-se aos que lutavam pela conquista de terra ou se aglomeravam em vilas, povoados e cidades. Neste processo de constituição de vilas e povoados, e aglomeração nestes e em cidades é que se dá a expansão da cidade de Marabá e a criação das cidades de Eldorado dos Carajás, Curionópolis e Parauapebas, ainda pertencentes ao município de Marabá. É neste período que a Companhia Vale do Rio Doce – CVRD, avança no estudo de viabilidade econômica de várias jazidas de cobre, ouro, manganês e níquel, dentre estes destaca-se o que vem ser denominado de Projeto Salobo, para extração de cobre, no município de Marabá. Com a pressão provocada pelos trabalhadores com a ocupação dos latifúndios na região, a geração de conflitos por parte dos latifundiários com a contratação de jagunços, a expulsão de trabalhadores das terras conquistadas e assassinatos destes, o Estado procura defender a situação dos fazendeiros. Através do ITERPA – Instituto de Terras do Pará, na região entre Serra Pelada, o Garimpo das Pedras e o Projeto Salobo, o Estado promove a delimitação de uma área denominada Gleba Ampulheta, destinada aos trabalhadores rurais que quisessem para lá se deslocarem. São dados direitos de ocupação, em áreas de 50 hectares, para famílias de agricultores que tiveram como desafio enfrentar as grandes dificuldades de falta de estrada, de transporte, assistência técnica, crédito, educação, serviços de assistência à saúde, e conviver com o isolamento, a opressão e humilhação da Vale.

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VILA SANÇÃO NO EIXO DA DESTRUIÇÃO

I - INTRODUÇÃO

O ano de 1980 pode ser considerado como o marco inicial da explosão

demográfica na região sudeste paraense, embora haja iniciativas propiciadoras desde

o ano de 1970, com os projetos de colonização ao longo da rodovia Transamazônica

que motivaram o fluxo migratório rumo a este território.

O principal fenômeno da época foi a descoberta de ouro nas terras do senhor

Genésio Camargo, que depois de transformadas em um grande garimpo passam a ser

denominadas de Serra Pelada. Rapidamente ouvido falar no Brasil inteiro e várias

partes do mundo.

Para a Serra Pelada migraram pessoas de diversas situações econômicas e de

diversos interesses. Pessoas com dinheiro para investir na extração do ouro, outras

com interesses de desenvolver a atividade comercial com venda de alimentos,

máquinas e equipamentos, medicamentos, e uma grande maioria para trabalhar

diretamente na extração mineral, o verdadeiro garimpeiro.

Os que vieram para trabalhar eram originários do Nordeste brasileiro,

principalmente do Estado vizinho, o Maranhão. A tradição e formação cultural destes

trabalhadores era trabalhar na terra para garantir a produção de subsistência e

reprodução familiar.

Como o garimpo funcionava normalmente apenas no período de estiagem, ou

seja, do mês de maio até outubro, muitos trabalhadores voltavam para suas terras

para cuidar de suas lavouras, e boa parte ficava na região trabalhando em terras de

latifundiários, as chamadas fazendas, integravam-se aos que lutavam pela conquista

de terra ou se aglomeravam em vilas, povoados e cidades.

Neste processo de constituição de vilas e povoados, e aglomeração nestes e

em cidades é que se dá a expansão da cidade de Marabá e a criação das cidades de

Eldorado dos Carajás, Curionópolis e Parauapebas, ainda pertencentes ao município de

Marabá.

É neste período que a Companhia Vale do Rio Doce – CVRD, avança no estudo

de viabilidade econômica de várias jazidas de cobre, ouro, manganês e níquel, dentre

estes destaca-se o que vem ser denominado de Projeto Salobo, para extração de

cobre, no município de Marabá.

Com a pressão provocada pelos trabalhadores com a ocupação dos latifúndios

na região, a geração de conflitos por parte dos latifundiários com a contratação de

jagunços, a expulsão de trabalhadores das terras conquistadas e assassinatos destes, o

Estado procura defender a situação dos fazendeiros.

Através do ITERPA – Instituto de Terras do Pará, na região entre Serra Pelada,

o Garimpo das Pedras e o Projeto Salobo, o Estado promove a delimitação de uma

área denominada Gleba Ampulheta, destinada aos trabalhadores rurais que quisessem

para lá se deslocarem.

São dados direitos de ocupação, em áreas de 50 hectares, para famílias de

agricultores que tiveram como desafio enfrentar as grandes dificuldades de falta de

estrada, de transporte, assistência técnica, crédito, educação, serviços de assistência à

saúde, e conviver com o isolamento, a opressão e humilhação da Vale.

II – SOBRE O PROJETO SALOBO

A jazida de Cobre (Cu) do Salobo está localizada na margem direita do igarapé

Salobo, aproximadamente a 15 km de sua foz no rio Itacaiúnas, na Floresta Nacional do

Tapirapé-Aquiri, no município de Marabá, com coordenadas geográficas: Longitude

40°30’W de GW e 50°37’W de GW; Latitude 5°44’S do Equador e 5°51’S do Equador.

Esta jazida contém significativos teores de Cobre(Cu), Ouro(Au) e Prata(Ag),

sendo na época de conclusão dos estudos de viabilidade econômica a única jazida

conhecida onde ocorre mineralização com teores relativamente altos de Cobre, com

variações de 1 a 2%.

O estudo de viabilidade econômica concluído em 1988, apontava uma

produção de 225.000 toneladas/ano(t/a) de concentrado, contendo 85.000 t/a de

Cobre, 3 t/a de Ouro e 13 t/a de Prata. Já em 1994, com os estudos concluídos, os

números apontavam uma outra realidade: 530.000 t/a de concentrado, contendo

200.000 t/a de Cobre, 8 t/a de Ouro e 28 t/a de Prata.

O Plano de Lavra da empresa indica a extração de 784 milhões de toneladas

secas de minério, em 33 anos de operação, para uma remoção média de 54 milhões de

toneladas de estéril, por ano, para um total de 1,78 trilhões de toneladas. No final do

projeto, 33 anos depois do início, será formada uma cava com 2.700m de

comprimento, 1.400m de largura, com 525 m de profundidade. Não foi dimensionada

a quantidade de milhões de toneladas de rejeitos tóxicos a serem produzidos.

Como atividades de implantação do projeto estão sendo executadas:

desmatamento de áreas onde vai ser feito a lavra, onde serão construídos escritórios e

alojamentos, barragens de captação de água e retenção de rejeitos, paiol de minérios,

para passagem de estradas para escoamento do minério, para passagem de linhas de

transmissão de energia, sendo que a área a ser desmatada até o final do projeto

chegará ao total de 3.600 hectares.

Placas sinalizando implantação de linhas de transmissão de energia

Está previsto o consumo anual de 9.345t de explosivos (nitrato de amônia,

espoletas e dinamites), 13.440.000 litros de óleo diesel, 2.680.000 litros de

lubrificantes. Na produção do concentrado, para chegar a 30% do minério de Cobre,

pelo processo de flotação serão adicionados reagentes (produtos químicos): 2.153

t/ano de amil xanato de potássio, 269 t/ano de poliglicol éter, 3,4 t/ano de

poliacrilamida e 4.710 t/ano de cal.

É previsto que 5% do amil xanato de potássio usado no processo de flotação

fique com o rejeito na forma de dixantógeno, e 95% fique no concentrado.

Os rejeitos gerados no processo de transformação do minério serão contidos

em reservatório que será criado com a construção de uma barragem de terra

compactada no vale que drena para o rio Cinzento, ao sul da mina.

A barragem de rejeitos produzirá um efluente líquido proveniente das

descargas do extravasamento, podendo arrastar partículas (finos) a ponto de alterar a

qualidade das águas a jusante da barragem, no rio Cinzento. Na água extravasada

podem ocorrer níveis elevados de Ferro e Cobre.

As nascentes do igarapé Salobo e toda porção superior de sua bacia de

drenagem, onde serão implantados a barragem e o reservatório de acumulação de

água e a barragem de contenção de finos, sofrerão intervenção direta do projeto.

O divisor de águas constituído pelo platô delimitado entre as cotas 300 e

400m e que separa a bacia do igarapé Salobo do rio Cinzento, onde serão implantados

a usina de transformação e todo o complexo de apoio a mina, sofrerão intervenção

direta do projeto.

A encosta voltada para a bacia do rio Cinzento, onde serão implantadas a

barragem de rejeitos e a respectiva barragem de contenção, também sofrerá

intervenção direta do projeto.

Constituem impactos irreversíveis: desmatamento; alteração do padrão

topográfico pelo enchimento dos vales com a deposição de estéril; alteração do

padrão topográfico e interceptação dos lençóis de água na abertura da cava de

exaustão.

Madeira dos desmatamentos para linhas de transmissão

Um aspecto importante a considerar e que deve ser bem acompanhado é a

provável contaminação das águas com cobre, no igarapé Salobo, podendo atingir o rio

Itacaiúnas.

Para construção de uma estrada, de mais ou menos 80 km de extensão, que

servirá para escoar o minério extraído no projeto, até a pêra ferroviária, a implantação

de linhas de transmissão de energia, e a implantação de infra-estruturas nas

proximidades da mina, foram contratadas várias empresas.

Implantação de linha de transmissão

As empresas Construtora Norberto Odebrecht, Construtora OAS, CAENCO,

TRATERRA e ALUSA, contratadas pela Vale implantaram seus alojamentos a 7 Km da

Vila Sanção. A área de alojamentos chegou a concentrar até 7.000 homens que

prestam serviços para as diversas empresas, quase todos vindos de outras regiões em

busca de oportunidades de sobrevivência, sendo da Vila Sanção pouquíssimos os

contratados.

III – SOBRE A VILA SANÇÃO

Foto parcial da Vila Sanção

Trata-se de uma Vila de moradores iniciada em 1984, em área cedida por um

dos maiores posseiros de terra da região, senhor Odilon Rocha de Sanção, que tem

mantido o domínio sobre a maioria das pessoas, principalmente no período de

eleições municipais, para manter seu cargo de vereador na Câmara Municipal de

Parauapebas.

“... aqui era pra tá grande esta vila, mas o dono da terra segurou, e é aquela

laquera. E é uma humilhação, de vez em quando do dono da terra que promete

lote. Eu não tô achando futuro aqui, eu só tô aqui porque eu já apliquei”

(entrevistado).

Quando o entrevistado é interrogado sobre os principais problemas da vila,

desabafa:

“os problemas daqui que eu sei, completamente é só ele que diz que é dono da

terra, amarrou, e o pessoal com aquela ânsia de possuir um lote quando queriam

fazer uma invasão, ele ia pegava a polícia e botava o povo pra fora”.

A Vila é constituída de 163 lotes com o tamanho de 10x30 metros, em fase de

expansão, com mais 94 lotes recentemente cedidos pelo senhor Odilon com tamanhos

de 6x25 metros. A população hoje é estimada em 1200 pessoas, formadas por

agricultores da região e pessoas que chegaram nos últimos três anos.

Tem uma escola onde trabalham dezessete professores e estudam 360

alunos, de educação infantil e ensino fundamental, educação de jovens e adultos, e

ensino médio, em caráter modular. Sendo o último bastante precária.

Quase todos os professores moram em Parauapebas, passando apenas os dias

de aula, de segunda a sexta-feira, na vila.

Escola Alegria do Saber localizada na Vila Sanção

Existem oito igrejas evangélicas e uma católica, e quatro pequenas casas

comerciais com vendas de gêneros alimentícios, nove bares e seis casas consideradas

como locais de prostituição. Há uma associação de moradores e agricultores da região,

criada em 2007, com 160 associados que procuram discutir e reivindicar as

necessidades da população.

A vila fica a 70 km da sede do município de Parauapebas, tem como principal

meio de transporte dois micro-ônibus que fazem a linha para a cidade todos os dias, e

ainda um pequeno caminhão, em estilo pau-de-arara, com possibilidade de

transportar passageiros, mercadorias e produção agrícola.

Nas quase todas áreas de agricultores próximas da Vila já foram feitas

pesquisas a procura de identificação de minérios, mas pouco sabem as pessoas porque

os técnicos não revelam se quer para que empresa trabalham.

Pesquisa na área do Projeto Paulo Afonso

Existiram também vários garimpos de extração de ouro, todos já desativados

por forças que a população desconhece, como é o caso do “Garimpo da Cruz” que fica

a 3 km da Vila.

Garimpo de Santa Cruz desativado

IV – OS IMPACTOS SOBRE A VILA E REGIÃO

Na região existem moradores que já se encontravam na área quando o

ITERPA chegou para criar a colônia, viviam trabalhando para antigos donos de

castanhais, que acompanharam as mudanças que dizem ter acontecido depois dos

interesses da Vale.

Muitos que chegaram junto com o ITERPA dizem que sempre foram

perseguidos e humilhados pelos funcionários da Vale ou empreiteiras que trabalham

no serviço de segurança. Até porque para chegarem aos seus lotes tinham que passar

por dentro da área dominada pela Vale.

Como relata um entrevistado: “De 1986 a 1994 foi um sufoco... nosso

sofrimento era na Serra... logo no começo era muito mais perigoso, quando nós

chegava na guarita, lá em baixo, eles desmanchavam a nossa bagagem toda, revirava

tudo e mandava nós arrumar, quando chegava lá em riba da Serra, nos segurança, era

a mesma coisa”(entrevistado).

Quando não havia transporte e as pessoas tinham que ir dá cidade para o lote

ou do lote para a cidade, passando por dentro da área dominada pela Vale, e eram

abordados pelos guardas a serviço da empresa, era muita opressão e humilhação.

“Aí o guarda florestal passava pela gente e prendia, carregava lá prá segurança,

chegava lá e ficava. Chegava duas horas da tarde e ficava até quatro hora da

manhã assinando papel de toda natureza, que eu não sei nem pra que era. Até

hoje a gente não tem certa razão com a Vale”(entrevistado).

Nos dias atuais a opressão continua sobre as famílias que estão no entorno da

Floresta Nacional do Tapirapé-Aquiri, sob domínio da Vale, porque até provarem o

contrário são considerados invasores da área. Trafegar pelo rio Itacaiúnas, só da

margem até o meio, passou daí é repreendido e são tomados seus pertences de pesca

ou de caça.

“...se eles me pegarem no meio desse rio pra lá, eles me injustiçam, então eles

acham que são as maiores autoridades, que eles pode pisar, pode tudo, a gente

não tem que reclamar porque ela é a dona do poder. Então eu vivo aqui é porque

eu gosto”(entrevistado).

Agricultores reclamam que quando a área passou a ser de interesse da Vale,

muitos deles perderam seus direitos, através de uma ação da empresa junto com o

INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e o IBAMA – Instituto

Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis.

“Eu morava do outro lado do rio Itacaiúnas, depois dessa infância minha, lá no

Tapirapé, eu tirei um terreno lá pra mim, aí o INCRA mandou fazer um

levantamento, e disseram que nós tinha direito, eu já tava com doze anos lá, e a

Vale tirou nós de lá, a Vale indenizou esse povo todo lá, e quando foi no fim da

conversa eu fui lá, o dinheiro acabou na hora de pagar. O sítio lá era muito lindo,

e ainda hoje você chega lá de dia ou de noite, você não morre de fome porque

tem muita fruta. Eu não recebi nenhum cruzeiro porque eles me enrolaram e

disseram que não tinha dinheiro para pagar ninguém e eu aperreei eles, que era

a Vale e o IBAMA, tudo entrosado no meio deles”(entrevistado).

Outra situação que as famílias que moram na margem do rio Itacaiúnas

reclamam, é a do isolamento, porque depois que as famílias que viviam da exploração

da castanha-do-pará foram desapropriadas, o tráfego pelo rio perdeu sentido, não há

mais o movimento das embarcações, e as estradas são de estado precário.

“o rio a gente não usa mais porque o rio acabou aquele tráfego, não tem mais

aquele tráfego pelo rio, não tem mais tráfego fluvial, embarcação, agora aqui é

tudo pelas estradas, por aqui e pelo lado de lá... eu queria que eles morassem

junto comigo aqui e estudasse na vila Sanção, mas isso nunca aconteceu, por

causa daquela ladeira bem ali, então prá mim fica difícil toda vida desse jeito,

porque aí eu tenho que manter uma despesa minha aqui, manter eles lá na

escola lá na cidade” (entrevistado).

Para os filhos estudarem tem que serem encaminhados para as cidades de

Parauapebas ou Marabá, na maioria das vezes desestruturando a família, porque com

os filhos vai também a mãe, ficando apenas o pai na localidade.

A Área de Proteção Ambiental – APA, por onde passa a estrada para chega-se

à vila Sanção, onde os trabalhadores conquistaram o direito de permanecer na terra

dede 1979, mesmo sem a vontade da Vale, está quase inviabilizada, por estradas,

linhas de transmissão de energia, ferrovia e a barragem de rejeito do rio Gelado.

Das 271 famílias que ocuparam a área hoje ainda permanecem em torno de

26, muitos lotes foram comprados por funcionários da Vale e transformados em áreas

de pastos, são hoje pequenas fazendas, com algumas iniciativas de preservação.

“depois que a gente tinha ganhado a área, o poder chegou e foi conquistando

companheiros, foi comprando de um e comprando lote de outro, e hoje dos 271

morador parece que nós tamo com umas 26 pessoas” (entrevistado).

Mesmo assim a Vale, através de sua fundação, está implantando o que

chamam uma “Estação de Conhecimento” com o discurso de tornar a área produtiva e

promover a formação dos (as) filhos (as) das famílias de agricultores. O que nos parece

uma grande contradição, e mais uns prédios para cartão postal, como dizem alguns

agricultores.

“Um colégio que tão construindo ali é uma fachada da Vale com o prefeito...até

hoje nada disso tá funcionando. Se tu vê o projeto do gado que ta lá em casa que

eles fizeram pra mim, que foi onde eu me zanguei com eles, que eles faz uma

promessa, uma proposta, e na hora não é aquilo que tá fazendo...”(entrevistado).

Continua o desabafo: “a gente fez um projeto para dentro de um ano tá

vendendo leite, tá vendendo galinha, tá vendendo frango, tudo aqui, tranqüilo sem

problema nenhum. Isso não aconteceu. Eu tô com meu filho dentro de casa tem quase

dois anos, eu que tô mantendo toda despesa dele. Trouxe da rua por causa do projeto”.

As famílias se sentem ameaçadas mais uma vez pela ampliação da barragem

de rejeito, que desde o inicio da década de 90 tem causado sérios problemas e

prejuízos para algumas famílias que estão nas proximidades.

“...tem a barragem do Geladinho, eles vão reformar ela de volta. E quando fazer

o serviço dela aqui, isso vai ser atingido essa nossa aqui. Quer dizer, hoje, daqui

onde eu moro, pra água é cinqüenta metros, ela vai chegar cinqüenta metros

aqui. Dá pra entender essa coisa? Em cima de nós, tamos aqui. Aí vem a praga, a

doença, vem toda conseqüência. Vai ser obrigado daqui a pouco mudar nós daqui

pra outro setor, e pra onde é que nós vai? Se eu tô no que é meu?”(entrevistado).

Barragem de rejeitos do Projeto Ferro Carajás

Em um seminário realizado na Vila Sanção, com a participação de moradores

da Vila e da região, as problemáticas vividas como conseqüência da implantação do

Projeto Salobo, foram assim pontuadas:

Seminário com professores e moradores da Vila Sanção e região

Inchaço populacional e suas conseqüências: causou para a comunidade local,

vários danos, dentre eles a constante falta de energia elétrica e conseqüentemente a falta de água, já que a mesma chega as residências através de uma única caixa que abastece toda a vila, ou seja, depende de transformadores, os atuais são de pequeno porte e que não suportam a constante demanda. A falta de energia elétrica, além de causar prejuízos econômicos prejudicam também os estudantes de ensino médio que estudam à noite, é um grande transtorno.

Falta de mão-de-obra no campo: Os empregos oferecidos pelas terceirizadas da Vale interferem diretamente no modo de trabalho da comunidade, influenciando na queda de produção. Vários trabalhadores preferem o trabalho de braçal, de vigia ou na limpeza dos alojamentos nas empresas do que no campo.

Prostituição infantil: Com implantação de infra-estruturas do projeto Salobo, foram implantados a seis km da vila, acampamentos de três empresas, que hoje contam com 7000 homens. Como conseqüência o índice de prostituição infantil aumentou drasticamente, é possível constatar 03 casos de estupros. São adolescentes que deixam a escola pela prostituição, outras permanecem na escola à tarde e à noite cai na prostituição.

Alojamentos das empresas próximos da Vila Sanção

Desemprego: Devido à migração de muitas pessoas oriundas de outros

Estados e outras regiões em busca de oportunidades e não encontram, se dá o desemprego. O que causa esse acúmulo é a expectativa criada pela empresa da oferta de emprego, que não acontece, até porque as pessoas da vila não estão preparadas para as funções, como: armadores, motorista de caminhão pesado, técnico de meio ambiente, engenheiro civil, carpinteiro, topógrafo, operador de trator, eletricista...

“...a questão do emprego, prá nós aqui morador da região, morador antigo, não tem, porque esta pessoa é totalmente analfabeta ou semi. Ele não tem uma qualificação profissional (para as empresas). Ele sabe pegar na enxada, na foice, no facão, mas ele não tem além disso, outra coisa não sabe fazer. E quando às vezes vem emprego, aparece uma oportunidade, é de ajudante, ele vai ajudar em quê? Vai ajudar na limpeza de banheiro do alojamento, né? E é isso que sobra para as pessoas, para os moradores, mas dizer que vai ter um emprego bom, não vai”(entrevistada).

Especulação imobiliária e custo de vida alto: Para morar na vila é obrigado arcar com um alto custo de vida. Quem morava de aluguel na vila ficou impossibilitado de viver na mesma, pois a taxa de reajuste dos aluguéis ultrapassou 1000%, devido à instalação das empresas subsidiárias da Vale, por estas pagarem mais caro. Casa que se pagava um aluguel mensal de R$ 100,00, foi para R$ 1.000,00. Morar sem pagar aluguel como era de costume, apenas para cuidar da casa, já é coisa do passado. Tudo ficou muito caro.

Acúmulo de lixo: Isso ocorre devido o aglomerado de pessoas na vila, com isso aumenta o acúmulo de lixo trazendo uma grande quantidade de insetos, como mosquitos e animais roedores e conseqüentemente trazendo doenças para a população da vila. O lixo já passa a ser problema numa pequena vila como esta.

Poluição: igarapés da região e o rio Itacaiúnas sofreram grandes

transformações na coloração e qualidade de suas águas, é tanto que as pessoas tem

receio em até tomar banho. As margens do rio Itacaiúnas eram locais de lazer nos

finais de semana, mas depois do inicio dos desmatamentos e movimentação de terras

na área do projeto Salobo a água ficou prejudicada, é tanto que há uma grande

diferença da água acima e a baixo da foz do igarapé Salobo, assim também está

acontecendo com o igarapé Azul. Os peixes que eram em grande quantidade nos

igarapés, desapareceram, assim como também as caças foram afugentadas.

Águas turvas do rio Itacaiúnas abaixo da foz do igarapé Salobo.

“é era uma água mais purificada, limpa, e hoje ela é assim, hoje ela tá limpa,

queria que vocês viesse aqui era um dia que ela tivesse bem lameada mesmo,

ficou lameada depois que começaram o desmatamento das minas do Salobo, e aí

com o impacto ficou pior assim, aí ela veio ficar nessa situação, uma água que

não tem condição de usar prá nada, nem prá banhar. Aqui nós usa tudo água

potável (do poço) mesmo” (entrevistado).

Um outro entrevistado esclarece mais ainda: “mas o ITERPA fez todo o

sistema de colonização na região, na área aqui, mas o impacto maior que eu tô

sentindo aqui é sobre o projeto Salobo, que tá sujando a água do rio Itacaiúnas e

a área de lazer que a gente tinha acabou.”

Destruição: muitas nascentes de água e igarapés estão sendo soterrados e

destruídos, com a construção da estrada que dá acesso para a mina, o caso

emblemático é do igarapé Esquecido, foi aterrado ali nas proximidades da COBEL.

“Então lá aterrou praticamente o rio, não tem mais o rio, fizeram o desvio,

desviaram o curso do rio, e o rio corria direto e eles fizeram uma volta, né, então,

e aquilo que sobrou que eles vão cavando, vão trazendo, vão aterrando, e as

sobras vão empurrando tudo para dentro do rio... aí acabar o rio, que é o rio que

se chama rio Esquecido” (entrevistada).

Igarapé ameaçado de aterramento

V – CONSIDERAÇÕES

Sobre o que faz a Vale nesta região do projeto Salobo não passa de uma

repetição de um modelo que ela já implantou no sudeste paraense e se expande agora

para o sul, o caso do projeto Onça Puma em Ourilândia do Norte.

É o desmatamento; a remoção de grande volume de terras; destruição de

nascentes de igarapés e córregos; poluição das águas de rios, igarapés e córregos;

poluição do ar com gases e partículas; poluição sonora com ruído de máquinas,

equipamentos e detonações de explosivos; inchaço populacional de povoados, vilas e

cidades; especulação imobiliária; motivação para aumento do índice de criminalidade,

prostituição e tráfico de drogas; expulsão de famílias de trabalhadores de suas terras;

e isolamento de famílias que resistem em permanecerem em suas localidades.

O que faz o poder público?

O poder público arca com parte do ônus, porque a maior parte quem arca é a

sociedade, com maior gravidade as comunidades diretamente atingidas, desprovidas

de poderes e de possibilidades para enfrentar as sérias conseqüências do

“desenvolvimento” e do “progresso”.

De forma subserviente, o poder público coloca a serviço das empresas seu

aparato jurídico e policial, que age de forma opressiva e repressiva contra quem se

manifeste contrário a lógica imposta pelo capital, para que tudo possa ocorrer na mais

plena ordem de expropriação e espoliação.

Tendo o aparato jurídico e policial, do Estado, como seus defensores, e o

dinheiro público como principal recurso de seus investimentos, as empresas se tornam

as grandes poderosas diante das populações, econômica e politicamente.

A população da Vila Sanção, além de estar no eixo da destruição do que está

provocando a atividade minerária e por muito que ainda está por vir, está oprimida

pelo pretenso proprietário da terra, e pelo descaso do poder público. A não ser o

funcionamento da escola e o transporte escolar, não se percebe outra intervenção

positiva do poder público, na Vila e na região.

Porque pretenso proprietário da terra? Porque assim como muitos outros a

pessoa que se diz dona da terra não passa de um posseiro de terras da União e do

Estado, ou seja, posseiro de terras públicas, que estão sob jurisdição do INCRA ou do

ITERPA, como a área é muito grande, parte pode está sob jurisdição do INCRA e outra

do ITERPA.

As empresas atuam na mais plena liberdade, para fazerem o que bem acham

de direito, principalmente dentro da Floresta Nacional, que de área pública tornou-se

privada, onde o povo brasileiro não pode entrar, só o pessoal da Vale e das empresas

contratadas, destas últimas só quando em serviço.

A Vale impõe um lógica de monitoramento das pessoas da região, com

pesquisas minerarias constantes na zona rural e com “estudos socioeconômicos” na

Vila, sem que estes estudos possam representar em investimentos para os moradores,

e que assim possam superar suas necessidades.

Sugestões:

Que a população da Vila e região possa se organizar para enfrentar a situação

atual e as situações que virão com a implantação do projeto Salobo e de outros

projetos que já estão previstos, mas não tornado do conhecimento do público, como é

o caso do projeto Paulo Afonso, que fica a 03 km da vila Sanção.

Que a população organizada e através de ações concretas passe a cobrar da

Vale pelo reparo aos danos sociais e ambientais que ela vem promovendo na região,

antes que seja tarde.

Que os estudos feitos pela Vale não fique apenas sobre seu domínio, sejam

repassados para a população para que ela possa fazer suas reflexões e elaborar seus

planos para a Vila e região.

Que os órgãos públicos, municipais, estaduais e federais, saiam da situação

de observadores e servidores da Vale, e cumpram seu papel em defesa do patrimônio

público, que não pertence à Vale, mas sim ao povo brasileiro, no caso o minério.

Que a prefeitura faça junto ao ITERPA a aquisição da área da Vila passando

assim para sua jurisdição, e discuta com a comunidade um processo de

gerenciamento, que contemple a superação de suas necessidades, de educação,

saúde, saneamento básico e segurança, esporte, cultura e lazer.

BIBLIOGRAFIA

EIA/RIMA Projeto Salobo, 1996.

Plano de Manejo para Uso Múltiplo da Floresta Nacional do Tapirapé-Aquiri, Capítulo 3

– Manejo e Desenvolvimento, Tomo II, Janeiro, 2000.

RELAÇÃO DE ENTREVISTADOS(AS)

Antonio Silveira de Souza

Francisco Antonio da Silva

Gilmar dos Santos Silva

Ivoneide Lima Carvalho

João de Deus Silva Souza

José Maciel Araujo

Jofre Alves Lima

Nilson Severino de Lima

Raimundo Nonato da Silva

PARTICIPARAM DO ESTUDO, CONSTRUÇÃO DO TEXTO E

FOTOS: Estudantes do curso de Ciências Sociais: Milena Gabriele Almeida de Souza, Rafael

Rodrigues Lopes Edileuza Miranda Feitosa, Marcelo Melo dos Santos, Iara Fernandes

dos Reis.

Sociólogo, Engenheiro Agrônomo Raimundo Gomes da Cruz Neto

Sociólogo Thiago Martins da Cruz

Marabá, setembro de 2010.