giumbelli, emerson. reflexões para além do trabalho de campo

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  • 7/26/2019 GIUMBELLI, Emerson. Reflexes Para Alm Do Trabalho de CAmpo

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    Este texto procura refletir sobre as relaesentre antropologia e trabalho de campo ao propor

    uma releitura dos clebres esclarecimentos presta-dos por Bronislaw Malinowski no captulo deabertura dosArgonautas do pacfico ocidental, li-

    vro originalmente publicado em 1922. Conside-

    rando tanto a amplitude da questo quanto a im-portncia do escrito a ser comentado, tentarei, an-tes de mais nada, deixar claro o que este texto

    no pretende ser. Como se sabe, naquele captu-lo, Malinowski apresenta uma descrio dos m-

    todos utilizados na coleta do material etnogrfico(1978, p. 18) referente ao trabalho de campo

    que realizou entre os nativos das Ilhas Trobriand,uma populao de 1200 melansios da costa nor-deste da Nova Guin, durante a dcada de 1910.Pouco tempo depois, essa apresentao passou ater lugar paradigmtico na antropologia, aladaora a marco de uma verdadeira revoluo nos re-ferenciais tericos e nos objetivos gerais da disci-plina, ora a padro original e exemplar em termosmetodolgicos. Pois bem, meu propsito no discutir o lugar ou as contribuies de Malinowskipara a antropologia, nem analisar a produo de

    sua pesquisa tendo como parmetro o contextoespecfico ou geral em que se insere, nem me po-sicionar sobre a questo de se ele efetivamentecriou o trabalho de campo, nem, enfim, incur-sionar pelos modos pelos quais Malinowski cons-

    truiu a autoridade etnogrfica de suas ficesoucomo convenceuseus leitores do que disse.

    O propsito deste texto realizar uma leitu-ra de Malinowski, reconhecendo assim sua centra-

    PARA ALM DO TRABALHODE CAMPO:

    reflexes supostamentemalinowskianas*

    Emerson Giumbelli

    * Trabalho apresentado no XXV Encontro Anual da An-pocs (Caxumbu, 2001), na programao do Semin-rio Temtico A Antropologia e seus mtodos: o ar-quivo, o campo, os problemas. Aps a apresentao,introduzi algumas modificaes na verso original,derivadas das discusses que mantivemos durante oevento dameus crditos aos colegas de seminrio.

    RBCS Vol. 17 no 48 fevereiro/2002

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    lidade na disciplina, que consiga problematizar a

    associao privilegiada que costumamos fazer en-tre trabalho de campo e antropologia. Admito que

    halgo de disparatado entre os meios e os fins deminha empreitada. Afinal, Malinowski, indepen-

    dentemente das controvrsias em torno de ques-tes de precedncia quanto ao mtodo e de fide-lidade quanto ao ideal, considerado refernciaobrigatria em se tratando do modo padro dapesquisa etnogrfica (Kuper, 1996); aquele queestabeleceu a estratgia bsica que fundamentocomum entre antroplogos (Salzman, 1996, p.364). Ele o etngrafo do etngrafo, protagonis-ta da viagem paradigma para o outro-lugar-qual-quer paradigma (Geertz, 1988: pp. 4 e 75). oheride um mito, o trabalho de campo, e o ca-

    ptulo de abertura dos Argonautas, espcie demapaou roteiromticos para os antroplogos(Stocking, 1992, pp. 16 e 56; ver tambm Carri-thers, 1996, p. 230; Young, 1979, p. 1). Uma de

    suas alunas refere-se exatamente a uma das quali-

    dades das etnografias de Malinowski, a saber,

    transmitir ao leitor a sensao de estar l, passan-do ele mesmo pela experincia do contato com re-motos nativos (Richards, 1971). Esse, no entanto,

    era apenas parte do fascnio que exerceu na antro-pologia; outra dimenso muito importante o fato

    de Malinowski, por meio de seus textos e de suasaulas, ter se tornado referncia fundamental paramonografias hoje consideradas clssicas, igual-mente baseadas em trabalho de campo(Kuper,1996; Urry, 1984; Kilani, 1990; Boon, 1982).

    No por acaso, portanto, que o (re)nomede Malinowski consista em um elemento impres-

    cindvel da associao, jmencionada, entre an-tropologia e trabalho de campo. Urry, em um tex-

    to dedicado a traar a histria dos mtodos decampo, indica que em torno dos anos de 1930,o ideal do trabalho de campo individual em uma

    nica cultura havia se tornado a norma aceita dainvestigao antropolgica(1984, p. 54). Stocking,que, por sua vez, acompanha a elaborao desseideal na antropologia britnica, termina sua anli-se com Malinowski, confirmando que o trabalhode campo mediante observao participante, pre-ferivelmente em um grupo social de dimensesreduzidas bem diferente daquele ao qual perten-

    ce o investigador, o marco da antropologia so-cial/cultural (1992, 16). Estes e outros autoresapontam tambm o papel que Malinowski desem-penhou na constituio da antropologia como dis-ciplina cientfica autnoma (LEstoile, 1998; Ri-

    chards, 1971). E, embora seja geralmente admiti-do que desde os tempos de Malinowski atagoramuita coisa mudou na antropologia, a opinio deque o trabalho de campo seja o mtodo privilegia-do da antropologia e a sobreposio entre etno-grafia e trabalho de campo parecem hegemnicas(ver Maanen, 1996; Salzman, 1996; Sanjek, 1996a).

    Para muitos, o trabalho de campoconsiste emum ritual de passagem obrigatrio na formao deum antroplogo. A esse propsito, bastante sig-nificativo que George Stocking, ele mesmo um

    no iniciado, admita que tenha aconselhado es-tudantes interessados em se empregarem como

    antroplogos a escrever uma tese baseada emtrabalho de campo(1992, p. 14).1

    Fica ento a pergunta: existe antropologiasem trabalho de campo? O volume e a variedade

    de pesquisas conduzidas no mbito de espaos einstituies referidos antropologia que se utili-zam de fontes (s vezes exclusivamente) histri-cas e de tcnicas distintas da observao partici-pante no deixam margens dvida. O que, a

    meu ver, resta por fazer encontrar argumentosque fundamentem essa possibilidade. Minha con-

    tribuio vai no sentido de conceber uma relaoentre antropologia e trabalho de campo que noexclua outras possibilidades metodolgicas, utili-zando um texto e um autor que sempre aparece-

    ram e aparecem para sustentar o contrrio. Omaterial que alimenta meus esforos no vem daextensa reviso bibliogrfica que o tema deman-daria; seu resultado tambm no realiza umdebate sistemtico com as referncias e posiespertinentes. Consultei alguns estudos sobre me-todologia, trabalho de campo, etnografia,alm de textos sobre e do prprio Malinowski. Asinmeras lacunas derivadas do modo como reali-zei minhas buscas bibliogrficas foram, em parte,sanadas pelo recurso a um material de refern-cia: verbetes de enciclopdias de cincias sociaisou de antropologia. preciso ainda dizer que umadas motivaes para este texto nasce de uma ne-

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    cessidade de refletir sobre minha curta trajetria naantropologia, pensando as pesquisas que realizei

    em termos de problemas que no seriam apenasmeus. Dentro dessas condies, este trabalho ad-quire as feies de um ensaio (no duplo sentido

    da palavra), e espera despertar interesse pelasprovocaes que coloca.

    I

    O fato de que o trabalho de campo apareafreqentemente como essencial antropologiano significa que haja muita clareza a seu respei-to. Desde as orientaes que Rivers emitiu em1913 exigindo que os pequenos grupos pelosquais a antropologia se interessava fossem estu-

    dados durante um ano ou mais, em cada detalhede sua vida e cultura, por meio do contato pes-

    soal com cada membro da comunidade e com co-

    nhecimento do idioma nativo (ver Young, 1979;

    Stocking, 1992) , as definies do trabalho decampo antropolgico frustram ora pela carncia,ora pelo excesso. De um lado, encontram-se de-

    finies que perpetuam o modo pelo qual o tra-balho de campo originalmente se constitui, ou

    seja, por oposio pesquisa conduzida em labo-ratrio ou no gabinete (Clammer, 1984; Borgatta,

    1992; Oxford dictionnary apud Garber et al.,1996), ou que investem na clivagem entre as

    cincias humanas e as cincias naturais, ou seja,enfatizando a relao de intimidade, a convi-

    vncia com as pessoas, a imerso em outracultura (Wax, 1971; Clammer, 1984; Lawless et al.,

    1983). De outro lado, hdescries que parecemutpicas ou ao menos idealizadas quando aproxi-madas das condies que presidem a maior par-te das experincias de trabalho de campo. Umexemplo: sua meta crucial ouvir e mover-seto rapidamente quanto possvel nos cenrios na-turais da vida social, os lugares onde as pessoas

    estariam, fazendo o que estariam fazendo, como

    se o etngrafo no estivesse l(Sanjek, 1996a, p.196; ver tambm Salzman, 1996).

    No surpreende ento que, apesar da abun-dante e variada literatura (surgida especialmente

    depois dos anos de 1960, cf. Lawless et al., 1983

    e Carrithers, 1996) dedicada a refletir sobre a pr-

    tica antropolgica antes, durante e aps a ela-borao de seus textos, continuem a se ouvir la-mentos e queixas em torno da ausncia do queMalinowski denominou sinceridade metodolgi-ca (1978, p. 18, igualmente exigida por Sanjek,

    1996a, p. 198). Enquanto alguns reclamam da fal-ta de reflexo sobre a maneira de coletar e anali-sar dados e de construir interpretaes (Kilani,1990), outros apontam certos pressupostos empi-

    ricistas na tradio do trabalho de campo (Boon,1982), outros ainda notam que a prtica antropo-lgica continua pouco codificada e normatizada(Maanen, 1996). Stocking (1992), aludindo a cer-

    tas caractersticas da formao dos antroplogos,dnfase ao fato de que o trabalho de campono se sustenta sobre um treinamento formal o

    que parece dar razo observao de Salzman:Bem poucos pesquisadores dominam realmentequaisquer mtodos de coleta de informao, paraalm de acompanhar o pessoal e buscar elocu-brar o que estse passando(1996, p. 335). cla-ro que, nesse assunto, estamos tratando de algo

    muito mais complicado do que sinceridade me-todolgicae as supostas regras que ela solicita.Essas questes precisam ser discutidas no contex-to de uma malaise epistemolgica com a qual aantropologia (felizmente) convive e para a qual

    a literatura ps-1960 contribuiu em muito paraalimentar. Resta, no entanto, a constatao deque o que fazemos como pesquisadores e cientis-

    tas assenta-se em algo (a magia do etngrafo?)que no se traduz em cdigos explcitos e disci-plinamento estrito.

    Um outro ponto que merece ser menciona-

    do no deixa de ter vnculos com o que se aca-bou de tratar. Refiro-me s variaes no trabalhode campo, reconhecidas por muitos comentaristas

    e praticantes. Carrithers (1996, p. 229) chega a

    afirmar que o trabalho de campo pode assumirtantas formas quanto forem os antroplogos, osprojetos e as circunstncias, dando como exem-plos trs situaes bastante diversas quanto dis-tncia (geogrfica e cultural) que precisa ser ven-cida para o antroplogo chegar aos seus nativos.

    Vale tambm lembrar a distino possvel entreobservador integral, observador participante e

    participante observador (apud Bogatta, 1992).

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    Clammer (1984) encontra vrios estilosde pes-quisa etnogrfica, relacionando-os com uma sriede tcnicas de investigao. Neste aspecto, pare-ce haver um reconhecimento geral de que a pr-tica antropolgica vem abrindo, jhalgum tem-

    po, espao para uma pluralidade de tcnicas depesquisa (Sanjek, 1996a e 1996b; Holy, 1984; Urry,

    1984). Haqueles que conseguem classificar essapluralidade de acordo com a tradicional divisoquantitativo/qualitativo, cientificismo/humanismo

    (Clammer, 1984; Salzman, 1996), enquanto outros

    a consideram ultrapassada e tentam encontrar for-

    mas alternativas de aproximao ao objeto (Rap-port, 2000). Seja como for, parece-me significativo

    que o verbete metodologiade uma enciclopdiade antropologia (Salzman, 1996) traga uma lista

    disparatada de itens, na qual encontramos diver-sas tcnicas (arquivos, entrevistas, mensuraes,amostras,surveys, testes), vrias abordagens (estu-do de caso, histria de vida, network analysis),coisas que parecem compostos de tcnicas eabordagens (observao em contextos naturais,estudo de caso quantitativo), e atmesmo algoque se pode considerar um princpio geral (anli-se comparativa).

    Feita essa observao, o que parece estranho

    o fato de esse mesmo verbete se iniciar com a

    meno a Malinowski e a referncia observaoparticipantee ao trabalho de campo etnogrficocomo algo geral antropologia. Trata-se, a meu

    ver, de um exemplo de como a evocao do tra-balho de campofunciona como um sinnimo deantropologia, no sentido de que designaria a sua

    metodologia privilegiada ou apropriada. Se pensa-

    mos em termos histricos, essa operao desprezaque o trabalho de campono tenha surgido ape-nas na antropologia (Wax, 1971; Sanjek, 1996b) e

    que a antropologia tenha se desenvolvido tambmgraas a intelectuais que fizeram pouco ou nadade trabalho de campo(Mauss e Lvi-Strauss sotalvez os mais clebres). Em relao propriamentea questes metodolgicas, a mesma operaopode ter implicaes que considero igualmenteproblemticas. Uma possibilidade que o traba-lho de campoacabe, em vez de abrigar ou tradu-zir, subsumindo um conjunto geralmente plural de

    tcnicas e abordagens. Essa subsuno tende a dis-

    pensar uma reflexo sobre as prprias tcnicas eabordagens, vrias delas no exclusivas antropo-logia. Outra possibilidade que, quando se tratade antropologia das sociedades complexas (ouqualquer de seus equivalentes), a metodologia

    acabe pensada como uma composio entre tcni-cas antropolgicas (o trabalho de campo) e tc-nicas no antropolgicas (tudo que no impliqueum contato direto e intens(iv)o com os nativos) como se esse pesquisador fosse menos antrop-logodo que aqueles que se dedicaram integral-mente ao trabalho de campo.

    Reencontramos assim a associao entre an-tropologia e trabalho de campo. curioso comoessa associao foi pouco questionada mesmo nasreflexes recentes sobre a prtica antropolgica,

    as mesmas que proclamaram a existncia de umacrise na disciplina e questionaram a relao entresujeito e objeto de conhecimento. Limito-me a

    evocar uma celebridade, Clifford Geertz, tambmum dos antroplogos que recorreu, em seu traba-lho de campo, a tcnicas no to convencionaisde pesquisa (cf. Sanjek, 1996b) e autor de um dos

    textos sempre citados nas discusses sobre a pr-tica antropolgica. Neste texto, Geertz empreendeuma anlise da obra de quatro autores que tomacomo fundadores de discursividadena antropo-

    logia, Malinowski entre eles. A partir dela, tece al-gumas consideraes mais gerais acerca da antro-pologia: como descrever aquio que viveu l,levando em conta que hoje, em funo dos resul-tados da descolonizao e da crise da idia de re-presentao, le aquiesto mais prximos eimplicados? Nessa questo, ho pressuposto deque estar lfazer trabalho de campoe quea etnografia escrita aqui deve se apresentarcomo um relato autntico elaborado por algumpessoalmente familiarizado com o modo pelo

    qual a vida ocorre em algum lugar, em algum tem-

    po, entre algum grupo (1988, p. 143). O livro deGeertz interessante tambm por traar uma con-tinuidade entre alguns experimentos etnogrficostidos como ps-modernose o modelo realistadeixado por Malinowski em seu trabalho de cam-

    po, ambos igualmente desembocando em textos

    author-saturated(1988, p. 97). O que procurarei

    fazer aqui produzir um outro Malinowski, um

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    que sirva ao meu jdeclarado propsito de ques-tionar a associao direta entre antropologia e tra-balho de campo.

    II

    Mas antes de prosseguir com Malinowski, preciso que conte algo sobre minha trajetria deantrpologo. O termo antroplogo, nesse caso,no tem maior significado e nem maiores basesdo que aqueles devidos a uma insero institu-cional. Tiro as conseqncias do fato de ter cur-sado minha ps-graduao (mestrado e doutora-do) em um programa de antropologia social.Devo ser, por essa razo, antroplogo. E sexperincias de pesquisa pelas quais passei du-

    rante o mestrado e o doutorado que meu relatofaz referncia. Trata-se, evidentemente, de umatrajetria singular, mas espero que algumas desuas feies correspondam a situaes bem maisgerais compartilhadas por outros antroplogos eantroplogas. Alm disso, lembro que meu obje-tivo fundamentar a cidadania plena das pesqui-sas antropolgicas que no recorrem a experin-cias cannicas de trabalho de campo. Confessoque a motivao para isso vem, sobretudo, deum certo incmodo com a marginalidade do tra-

    balho de campoem minhas prprias pesquisas.Desse modo, trata-se, antes de mais nada, de

    convencer a mim mesmo de que sou antroplo-go em um sentido diferente daquele derivadode uma mera insero institucional. S esperoque o modo de argumentao escolhido sejaconvincente para outros tambm.

    Minha dissertao de mestrado (Giumbelli,1997) explora basicamente material histrico.Tem como objeto o processo de definio e legi-timao do espiritismo, levando em considerao

    vrios campos empricos: de um lado, a trajet-ria de uma instituio importante naquele pro-cesso, a Federao Esprita Brasileira, fundadaem 1884 no Rio de Janeiro; de outro, uma sriede discursos e intervenes, de natureza diversa(jurdica, mdica, jornalstica, policial, assisten-cial), cujo ponto em comum era o interesse pelo

    espiritismo. O trabalho cobre um perodo quevai das dcadas finais do sculo XIX ata dca-

    da de 1940. As fontes so basicamente documen-tais: publicaes espritas, processos judiciais,textos jurdicos, mdicos, jornalsticos etc. O in-teresse pelo passado no decorreu de nenhumaaverso ao presente; ao contrrio, havia o esfor-

    o em tratar de questes que demonstrassematualidade e em desenvolver uma perspectiva de

    anlise que pudesse ser aplicada situao con-tempornea do espiritismo. A incurso exclusiva-mente histrica justifica-se pela natureza do pro-blema que me interessava, definindo dois marcos

    cruciais: a condenao legal do espiritismo noCdigo Penal de 1890 e as configuraes estabe-lecidas na dcada de 1940 (quando aquela ver-so do cdigo substituda por outra). O curio-so que a ausncia de um trabalho de campo

    antropolgico no me causou ento incmodomaior, talvez porque estivesse estudando um

    tema tradicional como religio e a dimensoestritamente histrica da pesquisa tornasse im-possvel o contato com os nativos.

    O incmodo surgiu durante meu doutorado(Giumbelli, 2000). Desde o incio havia escolhidouma situao contempornea, que se desenrolavadiante de meus olhos. Aps alguns ajustes, definicomo objeto de pesquisa as controvrsias em tor-no da Igreja Universal do Reino de Deus, igreja

    pentecostal que se destaca no surto recente decrescimento evanglico no Brasil, crescimentoque, como se sabe, extrapola em muito o plano

    religioso para se manifestar nos terrenos da mdiae da poltica. A expanso da Igreja Universal trou-xe consigo o interesse e as desconfianas de umasrie de segmentos sociais: aparatos policiais e ju-dicirios, imprensa, a Igreja Catlica, outras igre-jas e lideranas evanglicas, alm dos prprios in-telectuais. Ao problematizar esse conjunto de dis-

    cursos e suas interaes, o propsito era refletirsobre os canais e as formas de definio do lugare do estatuto do religiosono Brasil. No falta-riam ocasies, pensava, para fazer trabalho decampo. Essa expectativa foi sucessivamente des-mentida. Primeiro, quando percebi que jpassarao momento no qual a controvrsia tinha geradosuas manifestaes mais interessantes. Isso ocor-rera no segundo semestre de 1995, sendo que eu

    comeara a reunir material apenas em meados de

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    1996. Os debates pblicos, o interesse da impren-sa em todos os seus ramos, as reaes da IgrejaCatlica e de outras igrejas evanglicas, os pro-nunciamentos da prpria Igreja Universal os lan-ces mais importantes do jogo que gostaria de

    acompanhar jhaviam se dado quando iniciei mi-nha pesquisa. claro que procurei, s vezes semsucesso, conversar com algumas pessoas que par-

    ticiparam desse momento, mas considerei que o

    material mais valioso estaria nos registros textuais

    das intervenes daquelas vrias personagens.Tive uma segunda oportunidade de realizar

    um trabalho de campo. Foi quando, por contadas condies propiciadas por uma bolsa-sandu-che na cole des Hautes tudes en Sciences So-ciales, em Paris, resolvi transformar a pesquisa em

    um empreendimento comparativo. Na Frana en-contrei tambm uma forte controvrsia que permi-tia refletir sobre canais e formas de definio doreligioso. L, o problema era o que se chama deseitas, termo utilizado sempre em tom franca-mente acusatrio e que aplicado a uma miradede grupos de natureza diversa, embora a maior

    parte se apresente como uma proposta religiosa.Tendo a participao da Igreja Catlica, da im-prensa e de intelectuais, as principais personagens

    na controvrsia so, de um lado, aparatos estatais

    e, de outro, associaes civis, ambos voltados es-pecificamente para o combate s seitas. Emboratenha acompanhado algo do cotidiano dessas as-

    sociaes anti-seitas, que funcionam como cen-tros de documentao e de recebimento e difusode denncias, esses contatos no atingiram a in-tensidade que se pode esperar de um trabalho decampo. Resolvi prosseguir na estratgia mais ge-ral de pesquisa, que era determinar a resultante

    da interao entre as vrias personagens da con-trovrsia acerca das seitasna Frana. Isso me le-

    vou, mais uma vez, a privilegiar os registros tex-

    tuais: relatrios oficiais, material de imprensa, pu-blicaes das associaes e da Igreja Catlica etc.

    Lembro que minha preocupao fundamen-tal era a conformao social do religioso. Nessadireo, a compreenso de certas definies his-tricas revelou-se crucial no caso francs. Por issoque procurei inserir, com a ajuda da bibliografiajexistente, a situao atual que se delineia atra-

    vs da controvrsia acerca das seitasnas confi-guraes histricas que assumem as relaes en-tre Estado e religio na Frana. Essa preocupaocom a dimenso histrica rebateu sobre o casobrasileiro. Quando voltei ao Brasil, incorporei

    pesquisa a mesma tentativa de relao histrica, oque me levou a levantar uma srie de fontes do-cumentais acerca do processo de definio das re-laes Estado/Igreja aps a proclamao da Rep-blica. Noto que, no caso do Brasil, esse recurso a

    fontes documentais sobre o passado juntou-se ao

    privilgio que jhavia concedido ao mesmo tipode fontes para tratar do presente. Feitas todas as

    contas, nada ou muito pouco de trabalho decampona Frana e no Brasil. Mas, como se pdeperceber, devido a razes distintas. No Brasil, no

    fiz trabalho de campo porque a situao con-tempornea de que tratava logo se deslocou parao passado, recente ou remoto. Na Frana, o pou-co trabalho de campoque fiz, em funo dascondies do tema e da pesquisa e de minhas op-

    es gerais de investigao, dissolveu-se em meioa outras formas de produo de dados.

    Para terminar esse relato, aponto para um

    trao comum s pesquisas do mestrado e do dou-torado, a saber, o foco sobre certas controvrsiassociais. No tambm sem importncia que em

    ambas as pesquisas o tema esteja relacionado religio, o que permitiu em determinados mo-mentos estabelecer algumas complementaridades

    e continuidades entre as duas anlises. Mas o quegostaria mesmo de fazer precisar o modo comoconsidero a idia de controvrsia. Quando se ob-serva uma polmica, na qual, acerca de um dadoassunto, intervm uma srie de agentes sociais,pode-se trat-la apenas como uma convulso ef-mera, fadada a arrefecer to logo outros assuntosganhem o centro das atenes. De fato, assimque se passa com a maioria das controvrsias. Noentanto, sem negar sua ocorrncia passageira,pode-se consider-las como um momento de ex-presso e redefinio de pontos e problemas, osquais permanecem importantes, s vezes atcru-ciais, na constituio de uma sociedade, mesmoquando no despertam interesse generalizado ouintenso. Se apenas em determinadas ocasiesque se polemiza sobre religio, isso no quer di-

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    zer que essa noo no seja essencial para enten-der traos constitutivos da sociedade de quefazem parte as personagens da controvrsia. Acontrovrsia uma espcie de drama social, querevela mas tambm reconfigura definies de rea-

    lidade, explicitando o conflito que existe emtorno dessas definies.

    III

    Para Malinowski, o trabalho de campode-veria produzir uma viso autntica da vida tribal(1978). Sua adequao media-se pela capacidadede ultrapassar alguns obstculos e de satisfazercertas regras. Do lado dos obstculos, haveria tan-to a falta de domnio da lngua nativa, sem o qual

    no se atingiria o significado intrnseco da vidatribal, quanto os preconceitos e opinies dos

    outros homens brancos que viviam na regio.Do lado das regras, o trabalho de campo, devi-damente integrado a problematizaes tericas,ao propiciar um contato o mais ntimo possvelcom o grupo estudado e permitir ao etngrafo

    tomar parte na vida da aldeia, forneceria os da-dos que cumpririam os objetivos da pesquisa et-

    nogrfica atravs de seus trs caminhos: a docu-mentao estatstica por evidncia concreta, a

    ateno aos imponderveis da vida real e a elabo-rao de um corpus inscriptorum. Cada um doscaminhos correspondia a uma tarefa determinada

    e produo de registros especficos: as regrassociais, a tradio, apresentadas por meio de qua-dros sinticos, recenseamentos, mapas; os com-portamentos reais, detalhada e minuciosamente

    descritos nos dirios etnogrficos; a mentalidadenativa, por meio da transcrio, preservando-se oidioma nativo, de palavras e asseres caracters-ticas, narrativas tpicas, frmulas mgicas.

    A partir dessa primeira apresentao do tex-to de Malinowski, que procura consider-lo na suageneralidade e que respeita sua seqncia original,seria possvel explorar uma segunda, desenvolven-do em certas direes algumas de suas pistas. Aapreenso das regras, dos comportamentos e dascategorias de pensamento apenas distinguem trscaminhos, trs tarefas e mesmo trs registros dis-tintos do trabalho antropolgico s custas de cer-

    tos deslocamentos ou entendimentos question-veis dentro da prpria lgica do texto. Malinowskiapresenta a primeira tarefa por referncia a umprincpio geral, mas logo o transforma em umdos aspectos da etnografia, jque se trataria ape-

    nas da dimenso legal, o que permanente efixo(1978, p. 24). Por isso, exige em seguida queapreendamos a forma como os nativos vivem suas

    tradies por meio de exemplos bem concretos,convertendo logo a tarefa no registro de sua vidareal(1978, p. 29). Por fim, sugere uma ateno es-pecfica quanto ao acesso aos estados mentaisdos nativos, mas o encaminhamento que confere

    ao problema parece interessar mais ao fillogo doque ao antroplogo (1978, p. 33). Ou seja, pode-se mesmo duvidar que esses mandamentos condu-

    zam todos mesma direo. O modo como o pr-prio Malinowski formula a idia de um conjuntonico o esqueleto, a carne e o sangue, o espri-to sugere, mais do que a imagem de um ser or-gnico, a sobreposio de camadas que no per-dem cada qual sua constituio prpria.

    O interessante que, em certo momento, Ma-linowski aponta para uma possibilidade analticaque conseguiria articular simultaneamente as trs di-menses da etnografia. As leis e regularidades queregem a vida tribal, afirma ele, no esto registra-

    das seno nos prprios seres humanos; mesmo as-sim, no na forma de leis, ou seja, regras geraise abstratas, que os nativos expressam sua tradi-oao etngrafo. Para chegar atelas, Malinowskisugere que interpelemos os nativos sobre a soluoque dariam a determinados problemas (1978, p.24), imaginrios ou, melhor ainda, reais. As opiniesemitidas manifestariam uma grande variedade depontos de vistae os comentrios levariam a desco-brir o mecanismo social ativado em certas situa-es (1978, p. 25). O que Malinowski no percebe

    que, dessa forma, o recurso elaborado para se teracesso estrutura sociale organizao da tribopermitiria apreender tambm as categorias coletivasque forjam a mentalidade nativae, em se tratandode um caso real, os prprios comportamentos comseus imponderveis. Alm de conseguir articularos trs mandamentos da etnografia malinowskiana,esse artifcio detm as condies para produzir umaanlise antropolgica que destoa claramente do re-

    PARA ALM DO TRABALHO DE CAMPO 97

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    sultado atingido pelo funcionalismo. Em vez de cul-

    turas ou sociedades orgnicas, estavelmente equili-bradas em estruturas ou com suas necessidades fun-

    cionalmente supridas por instituies, o que vislum-bramos so ordenaes instveis caracterizadas por

    regras que precisam ser perpetuamente efetivadas enegociadas. Em suma, uma sociedade em perma-

    nente controvrsia.2

    Isso, no entanto, ainda no o mais impor-tante. Pouco antes de propor o recurso para resol-

    ver a dificuldade com que se defronta, Malinowski

    esboa uma analogia curiosa: Da mesma formaque os membros mais humildes de qualquer ins-

    tituio moderna seja o Estado, a Igreja, o Exr-cito etc. pertencem a ela e nela se encontram,sem ter a viso da ao integral do todo e, menos

    ainda, sem poder fornecer detalhes de sua organi-zao, seria intil interpelar o nativo em termossociolgicos abstratos(1978, p. 24). O que essaaproximao sugere que no haveria diferenasubstancial entre o funcionamento de uma insti-tuio modernae o de uma instituio no-mo-derna. O mesmo se aplicaria ao que Malinowskiconsidera como o princpio geralda antropolo-gia, formulado nos seguintes termos: o objetivofundamental da pesquisa etnogrfica [...] estabe-lecer o contorno firme e claro da constituio tri-

    bal (1978, p. 24). Para ele, esse objetivo estavarelacionado a um ideal holstico, que exigia do et-ngrafo uma ateno voltada articulao entreos vrios aspectos de uma cultura. Malinowskilana mo, em 1922, de uma noo que foi recen-temente utilizada para nomear a prpria vocaoantropolgica. Refiro-me ao texto em que Latourdescreve a constituiodos modernos, preten-dendo assim revelar seu dispositivo central. Paratanto, Latour elege a cincia, em sua prtica atuale em seus fundamentos filosficos, como objetode estudo. Uma de suas inspiraes exatamentea antropologia, que, segundo ele, enviada aostrpicosacostumou-se a apreender integralmen-te uma sociedade ou a investigar seus elementos

    centrais (1994, pp. 91-102).

    A partir dessas observaes, o que deveriafazer Malinowski se lhe pedssemos para aplicarseu princpio geralao estudo de uma instituiomoderna? um pouco essa a provocao que

    faz Latour ao criticar a antropologia repatriada,

    cuja culpa seria se contentar na maioria das vezes

    em estudar os aspectos marginais de sua prpriacultura(1994, p. 100). O mesmo lamento en-contrado no texto de Kilani: a partir da perti-

    nncia postulada do olhar antropolgico e do tex-to etnogrfico clssico que essa antropologia pro-cura hoje fundar e legitimar a nova prtica(1990,p. 104). A referncia que ocorre noo de cls-sico presta-se a um comentrio crucial. Pareceque se prefere entend-lo, quando se trata de fa-zer a antropologia dizer diretamente algo sobre o

    universo a que ela prpria pertence, no pela ne-cessidade de reavaliar tcnicas e objetos de pes-quisa de acordo com um princpio geral, mascomo a replicao de suas metodologias tradicio-

    nais ou como a manuteno dos temas cuja an-lise se exercitou junto s sociedades primitivas.Dao predomnio dos aspectos marginais, sejano sentido de algo exgeno ou anacrnico em re-lao sociedade modernaou complexa, sejano sentido de algo que remeta metaforicamente scaractersticas associadas ao tradicional ou aosimples (isolamento, pequena escala etc.). Ma-neira curiosa de continuar fiel ao fascnio pela al-teridade a antropologia estuda o outroondequer que esteja e que arrisca nos transformar,

    pelo menos aos olhos dos colegas cientistas e dopblico leigo, em folcloristas do extico(Jackson,1987, p. 8; ver tambm Herzfeld, 1996).

    Nesse sentido, esclarecedor apreciar, mes-mo superficialmente, o contedo de dois verbe-tes sobre o assunto em pauta (Goldenschmidt,

    1968; Hannerz, 1996).3 Impressiona, apesar da

    distncia temporal e da mudana terminolgica, asemelhana entre eles. Goldenschmidt trata doestudo antropolgico da sociedade moderna,campo cujas origens esto localizadas entre asdcadas de 1930 e 1940. Destaco a classificaocom a ajuda da qual descreve as caractersticas docampo: 1) estudos de comunidades (que inclui

    no scidades interioranas, mas tambm gruposraciais, comunidades tnicas egangsurbanas); 2)campesinato; 3) instituies (fbricas, hospitais,escolas); 4) carter nacional; 5) culturas tribaistransformadas pelo mundo moderno. Uma pri-

    meira observao a ser feita permite reagrupar ou

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    relacionar esses subcampos. Enquanto o estudo

    de sociedades tribais aculturadas remete para uma

    antropologia que procura acompanhar as mudan-

    as em seu objeto tradicional, os demais subcam-pos, com exceo dos estudos de carter nacio-

    nal, identificam situaes bem circunscritas (insti-tuies e cidades interioranas) ou coletivos social-mente perifricos ou marginais (grupos e campo-neses). Mas esses dois blocos no deixam de es-tar relacionados sob uma outra perspectiva: ao es-

    tudarem grupos urbanos e rurais em sua prpriasociedade, antroplogos norte-americanos se de-pararam com muitos dos problemas encontrados

    por seus colegas britnicos contemporneos na

    frica (Urry, 1984, p. 59; ver tambm Sanjek,1996b). Uma segunda observao salienta o fato

    de que, em pelo menos dois daqueles subcampos,haveria, segundo Goldenschmidt, a idia de quemicrosituaes de algum modo seriam represen-tativasdas configuraes encontradas na socieda-de abrangente.

    O artigo publicado aproximadamente trinta

    anos mais tarde no esboa um quadro muito di-ferente (Hannerz, 1996). A terminologia agora

    muda para sociedade complexa, mas a histriacontada praticamente a mesma. A continuidadetambm bvia na classificao apresentada por

    Hannerz: estudos de comunidade, pesquisa de v-rios tipos de organizao informal (amizade, me-diao, redes sociais), grupos cuja forma de vidadiverge de padres hegemnicos ou valorizados(cada vez mais analisados mediante conceito de

    etnicidade). Essa ltima classe de situaes tam-bm aparece no verbete antropologia urbana,publicado na mesma enciclopdia (Sanjek,1996b). As vrias espcies arroladas por Hannerztm em comum o fato de demandarem anlises deunidades de pequena escala. Como ele explica:

    Sem dvida influenciada pelas tradies de estu-do de campo etnogrfico local, a pesquisa antro-polgica tem freqentemente se ocupado de uni-dades de anlise de pequena escala no interior desociedades complexas (1996, p. 122). Em con-traste com linhas de investigao bem estabeleci-das, o estudo do Estado e o da globalizao apa-recem como pistas recentes e pouco cristalizadas.

    No geral, considerando que pesquisas sobre ca-

    rter nacionalforam abandonadas, nota Hannerz:os antroplogos tm dado comparativamentepouca ateno ao desenvolvimento de marcos deanlise macroantropolgica para sociedades com-plexas como todos (1996, p. 123). Note-se a

    contraposio entre o micro e o macro. A obser-vao parece aplicar-se tambm antropologiaurbana, com a particularidade de que no casodessa especialidade esforos de macroanlise fi-cam associados a teorias do urbano que geral-

    mente devem pouco s tradies conceituais daantropologia.

    Um comentrio geral poderia tentar organi-

    zar esse conjunto de investimentos de pesquisa

    afirmando simplesmente que a antropologia estu-

    da grupos,4 objetivo que encontra correspon-

    dentes seja no mbito de uma sociedade inteira,seja de segmentos no seu interior. Ambas as alter-

    nativas tm seus problemas. Por um lado, estudar

    sociedades inteiras (o que diferente de apreen-

    der integralmente uma sociedade) tende a alimen-

    tar modelos baseados em algum dos grandes

    divisores (tradicional ou moderna, simples ou

    complexa etc.),5 que funcionam exatamente para

    solapar a desejada repatriao da antropologia.

    Alm disso, essa alternativa torna difcil transpor

    tcnicas e no

    es geradas em condi

    es bastantedistintas daquelas que sero exigidas por uma ma-

    croantropologia, e o mais provvel que esta pas-

    se a depender dos recursos de outras disciplinas.

    Por outro lado, estudar segmentos de uma socie-

    dade tende a favorecer a escolha de grupos em si-

    tuaes que permitam transpor automaticamente

    tcnicas e noes j presentes na antropologia.

    Dao privilgio a grupos pequenos ou perifricos

    e a dimenses que evocam fatores invisveis ou

    esquecidos. Os objetos acabam sendo restringidos

    queles que obedecem a essas condies e a mi-croantropologia da derivada pode se converter

    em uma cincia menor. Por fim, claro que se

    pode apelar para a idia, jevocada, de que um

    grupo possa representara sociedade toda e de

    que estud-lo significaria conhecer a totalidade

    dessa sociedade. O problema, nesse caso, consis-

    te em encontrar critrios que indiquem quais as-

    pectos seriam os mais representativos.

    PARA ALM DO TRABALHO DE CAMPO 99

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    Creio que Malinowski aponta para uma ou-

    tra alternativa ao se preocupar com os pontos devistae os mecanismos sociaispelos quais se al-canaria a constituio da vida tribal. Seria assimpossvel afirmar algo sobre uma sociedade em sua

    totalidade sem precisar partir de uma de suas par-tes, mas acompanhando as interaes e os fluxosresultantes da atividade de vrios de seus elemen-tos. Livramo-nos das imposies correspondentes

    marginalidade dos grupos (para se adequar atcnicas ou noes tradicionais) e representati-

    vidade das situaes (canal para manter a preten-so de estudar a sociedade inteira), sem nos ren-der a macrounidades de anlise. Analisar pontosde vistae mecanismos sociaispara afirmar algosobre uma sociedade em sua totalidade tem ainda

    como vantagem escapar dicotomia entre microe macro, sem precisarmos compartilhar do pressu-

    posto de que hentre eles uma relao especular.A idia, portanto, no que a antropologia deixede estudar grupos, mas chegar a um entendi-mento a respeito de seu princpio geralque con-siga justificar esse estudo em termos mais amplos,

    de modo que outras possibilidades de enfoque da

    realidade no estejam excludas. Finalmente, pen-so que a ateno aos dispositivos centrais deuma sociedade no obriga a uma delimitao de

    objetos supostamente centrais, mas uma articu-lao entre micro e macro na qual o ponto de par-tida permanece em aberto, podendo ser mesmo a

    mais perifrica das situaes.Retrospectivamente em relao ao mestrado

    e mais deliberadamente no caso do doutorado,

    creio que essa a perspectiva que sustenta meustrabalhos. Estudei religiono por ser um tematradicional da antropologia, ele mesmo referen-

    ciado a um aspecto tradicionaldas sociedadesmodernas; ao contrrio, busquei inspirao forada antropologia da religio e procurei exata-mente questionar a tradicionalidadeda religioenfatizando suas relaes intrnsecas com a mo-dernidade, sua natureza como categoria moder-

    na. Tambm no foi para me fixar apenas em al-gum grupo especfico; ao contrrio, a FederaoEsprita Brasileira e a Igreja Universal do Reinode Deus foram analisados do mesmo modo que

    outros atores sociais igualmente envolvidos nas

    controvrsias, estes no religiosos, ou seja, emfuno das caractersticas e das implicaes deseus discursos e prticas. Estudei religio, por-tanto, com o objetivo de destrinchar as contro-

    vrsias que a seu propsito ocorriam. E as con-

    trovrsias, ao mobilizarem vrias instituies edispositivos importantes, revelam algo sobre de-

    terminadas sociedades e sobre certas transforma-

    es que nelas ocorrem.

    IV

    Gostaria de voltar dimenso metodolgicapara tecer mais alguns comentrios sobre e a par-tir de Malinowski. verdade que, como afirmaHoly, a concepo da observao participante

    como a maneirastandardpela qual o trabalho decampo antropolgico conduzido deriva direta-mente da natureza da pesquisa antropolgica tpi-ca em uma sociedade pr-industrial(1984). Mali-nowski, no prprio captulo de abertura dosArgo-nautas, descreve sua chegada solitria a umapraia tropical prxima a uma aldeia nativa(1978,p. 19).6 Holy acrescenta que no se pode enten-der o modelo malinowskiano de trabalho de cam-

    po sem passar pelo seu vnculo com uma pers-pectiva funcionalista. E Malinowski bastante ex-

    plcito quanto a isso no ponto em que se refere cultura nativa como um todo coerente(1978, p.24). Leach revela outro aspecto interessante ao

    atribuir parte da popularidade de Malinowski,

    para alm dos crculos antropolgicos, aos seusinvestimentos intelectuais sobre a vida sexual dos

    trobriandeses (1966). A ligao entre a antropolo-gia e o extico manifesta-se, de maneira efetiva,no vocabulrio ocasionalmente evolucionista enos comentrios sobre a alma selvagemde Ma-linowski. A questo que fica se as observaesmetodolgicas de Malinowski podem ser lidas demodo que se encontre nelas algo mais do que as

    condies de pesquisa em uma sociedade pr-in-dustrial, a perspectiva funcionalista e o interesse

    pelo extico e o selvagem.Retornemos aos dois obstculos assinalados

    na introduo dos Argonautas: falta de domniodo idioma nativo e pouca valia das informaesprestadas por outros homens brancos. Essas fo-

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    ram dificuldades sentidas pessoalmente por Mali-

    nowski em seu primeiro trabalho de campo, du-

    rante alguns meses entre os magi da Nova Guin,conduzido basicamente com a ajuda de intrpre-tes e com o etngrafo morando fora da aldeia

    (Young, 1988). EmArgonautas, o autor taxativo:preciso aprender o idioma nativo, afastar-se doshomens brancos e transferir-se para dentro de

    uma aldeia. A partir disso, se configurariam as

    condies para um relacionamento naturalentreo etngrafo e os nativos, a tal ponto que o primei-ro deixaria de representar um elemento perturba-dor na vida tribal que devia estudar(1978, p. 21).Tais condies propiciariam ainda ao etngrafouma viso a um tempo integral e exaustiva do co-tidiano nativo: Tudo o que se passava no decor-

    rer do dia estava plenamente ao meu alcance eno podia, assim, escapar minha observao(1978, p. 22). Lembremos que essas orientaes seproclamavam constituir um relato das condiessob as quais foram feitas as observaes e coleta-das as informaes, cumprindo uma exigncia dametodologia cientfica (1978, p. 18), mas que tam-bm se destinavam a mostrar que o etngrafo en-trara realmente em contato com os nativos(1978,p. 22). a tenso, nem sempre tranqila, entre es-sas pretenses que, segundo Geertz (1988), mar-

    ca o estilo de Malinowski.No hdvida de que ambas as pretenses

    podem ser questionadas. Halternativas ao idealcientfico abraado ento por Malinowski e sabe-se que o contato que manteve com os nativos nopassava sem problemas ou limitaes e que noforam cortadas as relaes com o mundo dos ou-tros homens brancos(seja em um sentido estru-tural a situao colonial , seja naquele sentidoque se depreende da lista de agradecimentos de

    um autor). O texto de Stocking (1992), talvez mais

    do que os dirios pessoais de Malinowski publica-dos postumamente, revela o ritmo e as condiesefetivas em que se realizou seu trabalho de cam-

    po nas Ilhas Trobriand. Por meio dele sabemos

    que nosso heri nunca navegou nas canoas coma ajuda das quais ocorriam as expedies conhe-cidas como kula; que o tabaco que os nativos ob-

    tinham dele nem sempre eram propriamente

    doaes; que em vrias ocasies preferiu a com-

    panhia de comerciantes, missionrios e outros eu-ropeus lestabelecidos; que a tenda qual comorgulho se referia era uma maneira de viver en-tre os nativossem morar com eles. Nada disso in-

    valida a experincia de Malinowski, mas dificil-

    mente se pode acreditar que ela dependeu de umrelacionamento naturalcom os nativos.

    Entretanto, o ideal de observaodefendi-do por Malinowski talvez tenha algo alm da pre-tenso desmesurada e ilusria que o levava aachar que o etngrafo poderia ver tudo. Para ele,o etngrafo no conseguiria observar simples-mente vagando por uma aldeia: o que juntaria se-

    ria um material morto, que no podia levar aentender a verdadeira mentalidade e comporta-

    mento dos nativos (1978, p. 20). O imperativo

    do aprendizado da lngua nativa no um obje-tivo em si,7 mas a melhor forma de acesso ao

    significado intrnseco da vida tribal (1978, p.20). Em vrias ocasies, Malinowski foi enfticoquanto s limitaes dos mtodos de questiona-mento direto e de perguntas-e-respostas. O cru-

    cial seria poder observar os nativos conversando

    entre si, em situaes cotidianas, e poder discutircom eles a partir de acontecimentos concretos.8

    Isso, por outro lado, no quer dizer que o pon-to de vista dos nativos se manifestasse direta-

    mente nessas conversas ou nessas discusses. Jvimos a posio de Malinowski quanto a essaquesto. A compreenso viria da observao, eaqui recorro a uma expresso utlizada em CoralGardens, de comportamentos integrais umcomposto de aes verbais e manuais (Mali-nowski, 1935). Os dados concretosque se mos-travam limitados enquanto permaneciam mate-rial morto(1978, p. 20) agora serviriam para for-necer o contexto no qual os nativos expressam

    suas opinies e concepes (1978, p. 24). O tra-balho de campo propiciaria, ento, exatamente ascondies para realizar o que se poderia chamarde observao compreensiva.9

    Malinowski d indicaes de que sua pes-quisa entre os trobriandeses lanou mo de diver-sas tcnicas ou abordagens: algumas mais deriva-das da mensurao, como recenseamentos e ma-peamentos; outras que contavam com a utilizaode questionamentos diretos, s vezes com infor-

    PARA ALM DO TRABALHO DE CAMPO 101

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    mantes privilegiados, algo que pode no estarmuito distante do que chamaramos de entrevista;outras, ainda, que anteciparam o mtodo da his-tria de caso, como jfoi mencionado. Se no sa-bemos mais sobre essas tcnicas e abordagens,

    talvez seja porque a sinceridade metodolgicaexigida pelo prprio Malinowski resulte em orien-taes voltadas mais para a organizao e a apre-sentao dos dados do que para a sua obteno.Daque Stocking encontre no estilo malinowskia-no um fundamento para a falta de treinamento

    formal que reina na antropologia em se tratando

    de trabalho de campo: O estilo de trabalho decampo que ele validou era menos uma questo deprescrio concreta do que de se colocar em umasituao na qual se pode ter um certo tipo de ex-

    perincia(1992, p. 58). De minha parte, prefirochamar a ateno para uma aproximao que Ma-linowski realiza entre a histria e a etnografia: Naetnografia, o autor , ao mesmo tempo, o seu pr-prio cronista e historiador; suas fontes de informa-

    o so, indubitavelmente, bastante acessveis,mas tambm extremamente enganosas e comple-xas; no esto incorporadas a documentos mate-riais fixos, mas sim ao comportamento e memriade seres humanos(1978, pp. 18-19).10

    Somos assim conduzidos ao ponto que creio

    ser o mais importante nesta parte da discusso. Aconcluso que se pode tirar dessa ltima passagem,assim como de todas as consideraes anteriores, que o objetivo fundamental da pesquisa etnogrfi-cadeve ser buscado a partir de uma variedade defontes, cuja pertinncia avaliada pelo acesso quepropiciam aos mecanismos sociaise aos pontosde vistaem suas manifestaes concretas. Ora,hsituaes etnogrficas em que essas fontes soexatamente os documentos materiais fixosa quese refere Malinowski. Em se tratando de um objeto

    histrico, essas sero as nicas fontes para o traba-lho de um antroplogo. Mas mesmo quando esti-

    vermos diante de um objeto contemporneo, pos-svel que a anlise de fontes documentais seja maisindicada do que a busca de um contato o mais n-timo possvel com os nativos. Foi essa a conclusoa que cheguei medida que prosseguia na pesqui-sa do meu doutorado. Embora estivesse aberto para

    encontrar situaes nas quais um trabalho de cam-

    po fosse necessrio, considerei que o fundamentalconsistiria na sistematizao dos registros das inter-

    venes pblicas por parte das personagens queparticipavam das controvrsias sociais. A fonte tex-tual no ganha privilgio por oposio ao trabalho

    de campo, mas pela razo de estarem nela inscritasas informaes metodologicamente relevantes e so-cialmente significativas.

    Isso me leva a fazer uma breve digresso so-bre o recurso a entrevistas como tcnica de obten-o de dados. Trata-se de uma tcnica bastanteutilizada pelos antroplogos, parecendo ganharmaiores cuidados e aplicabilidade justamente en-

    tre aqueles cuja situao de pesquisa impede aobservao participante nos moldes de um traba-lho de campo. Exatamente por essa razo, tenho

    a impresso de que a entrevista assume, muitasvezes, o papel de simular o trabalho de campo,ou seja, permite obter uma informaode natu-reza igual quela que seria registrada pela obser-

    vao participante. Penso, ao contrrio, que im-prescindvel bem distinguir os dois procedimentos,uma vez que a observao participante obrigaa situar os dizeres em relao a comportamentosintegrais(a expresso, lembro, de Malinowski),enquanto a entrevista consiste em buscar a tradu-

    o de comportamentos em palavras. Nesse senti-

    do, a anlise de registros textuais consideradosem seus efeitos sociais tem um parentesco com a

    lgica da observao participante maior do queaquele que existe entre esta e a entrevista. Se na

    observao participante, o pesquisador deve dei-xar seus nativosfalarem, no uso de fontes tex-tuais ele deve lidar com o que j foi dito. Nadadisso invalida o recurso a entrevistas; afinal, hsituaes em que fundamental fazer certas per-sonagens falarem, assim como imprescindvelfazer emergir vozes que, de outro modo, perma-

    neceriam submersas. O que considero importante

    pensar adequadamente a relao entre entrevis-ta e trabalho de campo e no deixar de incluirnessa reflexo o lugar das fontes textuais.

    O estudo de controvrsias que ocorrem naprpria sociedade permite ainda outras considera-es derivadas da leitura de Malinowski. Vimosque sua observao compreensiva permite romper

    com uma dicotomia entre realidade e discur-

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    sos. Quando se trata de controvrsias, o que setem diante de si um conjunto, mais ou menosdiverso, mais ou menos agonstico, de discursos,os quais constituem, em si mesmos, a realidade a

    ser investigada. No h, portanto, nesse aspecto,

    dicotomia, como no havertambm se esses dis-cursos forem considerados atos, ou seja, o regis-

    tro de intervenes analisadas pelos resultadosque engendram, por si mesmas ou em funo dasua conjugao com as demais. Um outro pontodiz respeito s relaes entre etngrafo, outroshomens brancos e nativos, figuras que, paraMalinowski, poderiam ser claramente distinguidas

    e que acabam embaralhadas em situaes que en-volvem controvrsias na prpria sociedade do an-troplogo. Afinal, os prprios antroplogos ocu-

    pam a posio de personagens da controvrsia,seja como objeto de intervenes sociais, sejacomo produtores de representaes que interfe-rem na situao geral. O problema que se viveno deriva da necessidade de deslocamento, masde uma poltica do saber. Se quisermos manter atrade malinowskiana, eu diria que o dilema con-siste exatamente em como sustentar a autonomia

    do etngrafoem uma configurao na qual ne-nhuma operao metodolgica assegura, por sis, a distino em relao aos demais homens

    brancose aos seus nativos.Procurando encerrrar a discusso metodol-

    gica, retomo a idia de reconsiderar o vnculo ne-cessrio entre etnografia e trabalho de campo. Jtemos os elementos suficientes para entender por

    que, em um determinado momento, uma indisso-

    ciao se firma; elementos que passam pela situa-o colonial, pela inspirao em mtodos e exi-gncias vigentes em outras disciplinas cientficas epela crise das teorias evolucionistas (Stocking,

    1992; Urry, 1984). Uma certa sacralizao do tra-balho de campo obstacularizou, por exemplo, a

    discusso sobre as tcnicas de pesquisa que efeti-vamente se combinavam na prtica etnogrficados antrpologos. Com isso, no desejo reduzir otrabalho de campo a um mero agregado de tcni-cas. Apesar dos problemas que temos de adminis-

    trar em funo desse entendimento, no hcomoeludir uma dimenso experiencial do trabalho decampo, que sobrepe o efeito sinttico a qualquer

    decomposio analtica coisa para a qual, comovimos, o estilo malinowskiano contribuiu decisi-

    vamente. Tambm no estaria sendo bem enten-dido se algum enxergasse nas minhas reflexesum plano para invalidar o trabalho de campo

    como metodologia adequada s condies atuaisda prtica antropolgica. Ao contrrio, penso que,em meu prprio caso, se tivesse outras condiesde planejamento e realizao da pesquisa, o tra-balho de campo ocuparia mais espao no resulta-do final.

    No se trata de dissolver ou de invalidar otrabalho de campo, mas de ter uma concepomais ampla e aberta da investigao etnogrfica.11

    Em parte, isso se torna uma necessidade diante da

    natureza dos problemas e das situaes de pequi-

    sa com os quais os antroplogos se deparam hoje.No surpreende que Maanen observe uma multi-plicao de gneros etnogrficos, no mais orga-nizados por regio geogrfica, sociedade ou co-munidade(1996, p. 264). Dafazer sentido a con-cluso de Clammer, em seu texto sobre pesquisaetnogrfica: hcertos tipos de questes que sim-plesmente no se pode formular sobre dados de-rivados de trabalho de campo tradicional, uma

    vez que as tcnicas inerentes a esse mtodo noso capazes de respond-las ou mesmo de desco-

    bri-las. O trabalho de campo no pode ser o ni-co mtodo em antropologia, mas precisa ser com-plementado por outros(1984, p. 84). Mas creioser preciso tambm justificar uma concepo maisampla da etnografia com base no apenas nas li-mitaes do trabalho de campo ou seja, naconstatao de que hproblemas e situaes depesquisa nas quais o contato o mais ntimo pos-svelseja apenas parte ou atmesmo no tenhanada a fazer no processo de produo dos dados.

    A leitura que proponho sobre as recomendaesde Malinowski aponta para uma outra fundamen-

    tao, na medida em que procura entender o tra-balho de campo como a soluo para efetivar cer-tas exigncias colocadas pelo tipo de conheci-mento que se deseja obter com a antropologia.

    Segundo essa concepo, o trabalho de campo evrias outras tcnicas no se opem, mas apare-cem como caminhos complementares ou alterna-

    tivos para levar adiante tais exigncias.

    PARA ALM DO TRABALHO DE CAMPO 103

  • 7/26/2019 GIUMBELLI, Emerson. Reflexes Para Alm Do Trabalho de CAmpo

    14/18

    V

    Talvez, pela compreenso de uma formato distante e estranha da natureza humana, pos-samos entender nossa prpria natureza (Mali-

    nowski, 1978, p. 34). De fato, a antropologia,mesmo antes do que afirmou Malinowski na pe-

    nltima linha da introduo aos Argonautas, re-presenta um empreendimento que se sustenta so-

    bre o encontro de dois mundos. O encontro tem

    sua verso edificante: acabamos aprendendo algosobre ns mesmo quando squeramos desven-dar a vida deles. E sua verso cnica: quando nosinteressamos pelos outros sempre a ns que de-sejamos encontrar. Alm disso, ganha cada vezmais adeptos a impresso de que aquie lno

    mais correspondem a lugares distantes entre si.Seja como for, o fato que j faz algum tempoque se aceitou repatriar a antropologia, faz-la di-zer algo diretamente sobre ns mesmos. A ques-to que permanece sem resposta definitiva podereceber uma dupla formulao: como fazer falarsobre si um saber que se construiu, em termos de

    seu objeto e de sua metodologia, em um discurso

    sobre o outro? Ou: como a antropologia pode se

    manter fiel a si transformando o campo de aplica-

    o de seus conceitos e de suas tcnicas?

    No pretendo, evidentemente, responder aessas questes, mas apenas deixar mais claro apista que sigo para enfrent-las. Como se podedepreender de tudo que foi discutido at aqui,acredito que a antropologia no pode ser defini-da nem em funo de determinados tipos de ob-jetos, nem em funo de uma metodologia estrita.Hoje ningum saberia dizer o quexatamente aantropologia estuda e creio que a postura mais in-

    teressante tirar proveito da possibilidade de an-tropologizar tudo inclusive a prpria antropolo-gia. Concordo tambm com Salzman que o ladopositivo da indefinio metodolgica a liberda-de de usar um amplo escopo de mtodos(1996,p. 365) inclusive aqueles que dispensam o tra-balho de campo. E acho que Geertz tem razo emconsiderar a antropologia uma disciplina indisci-plinada(1995, p. 97). Mas, afinal, o que a tornauma disciplina autnoma ou ao menos distinta emrelao a outras (supondo, evidentemente, que

    ainda valha a pena considerar a antropologia com

    tal estatuto)? Se no possui um objeto e um mto-do prprios, o que pode definir a especificidadede sua perspectiva?

    Para tanto, a proposta de uma antropologia

    simtrica(Latour, 1994) talvez ajude a vislumbraruma resposta. Nos termos aqui dispostos, signifi-

    ca, a meu ver, a exigncia de que seja levadoadiante o ideal do encontro entre mundos diver-

    sos, entre nse eles. Ou seja, necessrio queas pesquisas sobre elesencontrem frmulas queconsigam pensar sobre ns; inversamente, preciso que as pesquisas sobre nsincorporemas noes que foram e continuam a ser desenvol-

    vidas para pensar sobre eles. Conceber a antro-pologia como uma perspectiva, portanto, supe

    dois movimentos simultneos. De um lado, nega-mos que se possa definir a disciplina seja pelo es-

    tudo de sociedades primitivas, tradicionais,simplesetc., seja apenas por meio das aproxi-maes metodolgicas consagradas na noo de

    trabalho de campo. De outro, afirmamos ser im-prescindvel que se estabelea um dilogo entre oque produzimos hoje sobre uma infinidade de ob-

    jetos e mediante uma variedade de tcnicas e oque a antropologia elaborou quando estava restri-

    ta aos primitivose ao trabalho de campo. Essa

    seria uma maneira de continuar e de subverter odesejo malinowskiano:spodemos entender nos-

    sa natureza considerando o que aprendemos e

    continuaremos a aprender sobre formas estranhas

    e distantes de vida humana, assim como enrique-

    ceremosnosso conhecimento sobre essas formas

    estranhas e distantes se as pensarmos consideran-

    do nossa prpria natureza.

    * * *

    Permito-me ainda duas observaes finais.Estou ciente de que a releitura que proponho de

    Malinowski no toca e muito menos resolve ne-nhum dos problemas metodolgicos, polticos eticos de uma pesquisa antropolgica que dispen-se ou relativize um trabalho de campo. Minha in-

    teno no seno desfazer o dilema que se criaquando se pretende exigir de um antroplogoque realize trabalho de campo. Desfeito o dile-

    104 REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 17 No 48

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    15/18

    ma, creio que podemos encarar, de uma perspec-

    tiva simtrica, os problemas aos quais me referiacima, considerando, por exemplo, as especifici-

    dades estabelecidas por diferentes situaes depesquisa e por distintos contextos nacionais de

    constituio da disciplina. O caso do Brasil, alis,constitui um quadro bem interessante, bastando

    lembrar algumas caractersticas do modo peloqual a antropologia aqui se desenvolveu. Ao lado

    das populaes indgenas, o outro objeto que estassociado s origens da antropologia brasileiraso os grupos negros. Como foram quase sempreestudados em ambientes urbanos, propiciaram o

    recurso a tcnicas de pesquisa variadas. Mesmona etnologia, ata dcada de 1970 predominavaum estilo de trabalho de campo marcado por es-

    tadias relativamente curtas (comparadas, porexemplo, aos moldes da antropologia britnica). Einteressante notar o que ocorre com o desenvol-

    vimento de estudos sobre o campesinato, entre o

    final dos anos de 1960 e os anos de 1980. A prin-

    cpio, expresso do interesse pelas margens, otema do campesinato gera na antropologia brasi-

    leira linhas de trabalho dedicadas a pensar certos

    aspectos centrais de nossa sociedade, como suas

    estruturas econmicas e as formas do capitalismo.Tenho tambm a convico de que a releitu-

    ra de Malinowski para os fins aqui propostos, adespeito do que possa contribuir para enriquecer

    ou ponderar a viso que cultivamos sobre um dospais fundadoresda nossa disciplina, representasobretudo uma operao retrica. Explico-me: nosentido de que haveria outras e melhores vias

    para problematizar a relao entre antropologia etrabalho de campo. Se, e no sem alguma ironia,escolhi Malinowski, foi para demonstrar que esse

    questionamento pode ser realizado mesmo atravsdo mais improvvel dos meios. Mas, sob outroponto de vista, o procedimento afigura-se neces-

    srio. Assim como no se pode definir a especifi-cidade da antropologia enquanto perspectiva sem

    fazer referncia a formas precedentes de delimita-o de objetos e de delineamentos metodolgi-cos, preciso constantemente remeter-se a auto-res e momentos que ocupam lugar crucial naquela

    delimitao e naqueles delineamentos. Nessecaso, a idia de releitura se ope de mera des-

    construo, to em voga quando se pretende re-considerar alguns dos clssicosda antropologia,geralmente para deles se afastar. Pois se trata me-

    nos de vislumbrar (ou simplesmente anunciar)

    novas bases para a antropologia e mais de atuali-

    zar princpios que foram colocados em momentosanteriores da disciplina. E, em se tratando disso,

    permanecer fiel a Malinowski no impede a pro-duo de leituras que subvertem planos originais.

    NOTAS

    1 tambm Stocking que admite: Mesmo aqueles cujapesquisa no correspondia (ou mesmo modelava-sesobre) s prescries dele [Malinowski] eram apoia-dos por sua arquetipificao prvia(1992, p. 59)

    2 Richards encontra nas etnografias de Malinowskiuma forma primitiva do que hoje se chamaria omtodo da histria de caso(1971, p. 211). O usoanaltico de um conjunto de casosjestanuncia-do nosArgonautas(Malinowski, 1978, p. 27). Ao lero captulo sobre trabalho de campo de The CoralGardens and their Magic, em que Malinowski apre-senta as vrias doutrinas e os argumentos quanto ocupao da terra entre os trobriandeses, difcilno vislumbrar a imagem de uma sociedade empermanente controvrsia a despeito dos esforosdo autor em demonstrar a harmoniaentre doutri-nas e argumentos e da reedio da metfora do es-queleto/carne (1935).

    3 Consideraes baseadas em avaliaes mais geraissobre a antropologia das sociedades complexaspodem ser conferidas em Peirano, 1991 e Goldman,1999.

    4 Essa afirmao bastante comum, mesmo que senote, por parte dos seus autores, preocupaes emrelativiz-la. Ver, por exemplo, Geertz (1988, em tre-cho jcitado). A opinio aparece nos dois verbetesetnografiaconsultados: o termo refere-se ao estu-do da cultura que um determinado grupos de pes-soas mais ou menos compartilha(Maanen, 1996, p.263); uma etnografia se ocupa de uma populao,um lugar e um tempo particulares(Sanjek, 1996a,p. 193).

    5 Sobre os grandes divisores na antropologia, verGoldman e Stolze, 1999.

    6 Em [...] minsculas e inacessveis ilhas, como diria,no mesmo esprito, Richards, 1971, p. 212.

    7 Esse um ponto que Malinowski procura deixarclaro no captulo sobre trabalho de campo em Co-ral Gardens(1935).

    PARA ALM DO TRABALHO DE CAMPO 105

  • 7/26/2019 GIUMBELLI, Emerson. Reflexes Para Alm Do Trabalho de CAmpo

    16/18

    8 Essas orientaes foram defendidas em outros tex-tos por Malinowski (1994, p. 172 e 1935). Ver aindaos comentrios de LEstoile (1998), Young (1988 e1979), Stocking (1992) e Richards (1971).

    9 possvel encontar conexes entre essa maneira deobservar a vida social e teorias pragmticas da lin-guagem no por acaso desenvolvidas pelo pr-prio Malinowski (cf. Tambiah, 1985).

    10 Mais adiante, Malinowski afirma que a nica dife-renaentre nossas sociedades e aquelas que os et-ngrafos estudavam residia em que as instituiesda sociedade civilizadapossuam historiadores, ar-quivos e documentos(1978, p. 24). O que no ficaclaro se Malinowski confere aos arquivos e aosdocumentos a mesma complexidade que encontrano comportamento e na memria dos indivduos.

    11 Estou ciente de que a prpria noo de etnografiapassa por questionamentos. Ver, por exemplo, Tho-mas (1991) e o comentrio de Peirano (1995). Acre-dito, no entanto, que as sugestes que fao contor-nam os problemas de que se culpa a noo. Paraoutras tentativas de ampliar a concepo de etno-grafia, ver Comaroff e Comaroff (1992), em que osautores se perguntam pela concepo de antropolo-gia necessria para compreender, inclusive na suadimenso histrica, os contatos de missionrios eu-ropeus com populaes africanas, e Clifford, apudGarber et al. (1996).

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    PARA ALM DO TRABALHO DE CAMPO 107

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    18/18

    PARA ALM DO TRABALHODE CAMPO: REFLEXESSUPOSTAMENTEMALINOWSKIANAS

    Emerson Giumbelli

    Palavras-chave

    Antropologia; Etnografia; Trabalho

    de campo, Malinowski

    O trabalho prope uma releitura,

    confessadamente interessada e irni-

    ca, dos clebres esclarecimentos

    prestados por Malinowski no captu-

    lo de abertura dos Argonautas do

    pacfico ocidental. Nesse texto,

    Malinowski expe suas justificativaspara o tipo de aproximao que

    realizou para estudar uma popu-

    lao melansia da dcada de 1910,

    aproximao desde ento consagra-

    da na antropologia mediante a idia

    de trabalho de campo. Pretendo,

    de minha parte, demonstrar que as

    mesmas justificativas, colocadas den-

    tro dos quadros propiciados por

    objetos bem diversos, podem funda-

    mentar uma outra aproximao

    metodolgica. Nesse sentido, conti-nuar fiel a Malinowski significa

    rel-lo (e mesmo subvert-lo) de

    forma a explorar certas virtualidades

    de seu texto, acionadas com base

    em situaes de pesquisa com que

    os antroplogos se deparam atual-

    mente, permitindo adequar disci-

    plina metodologias que no se

    definem estritamente como trabalho

    de campo. Essas reflexes assentam-

    se sobre uma trajetria pessoal carac-

    terizada exatamente por pesquisasque privilegiaram materiais arquivs-

    ticos e fontes textuais.

    BESIDES THE FIELDWORK:SUPPOSEDLYMALINOWSKIREFLECTIONS

    Emerson Giumbelli

    Keywords

    Anthropology, etnography, field-

    work, Malinowski

    The article proposes a re-reading

    (confessed to be interested and iron-

    ic) of the well-known explanations

    rendered by Malinowski in the

    opening chapter of theArgonauts of

    the Western Pacific. In this text,

    Malinowski explains the reasons forthe type of approach adopted to

    study a Melanesian population in the

    1910s, which has ever since become

    the consecrated approach in

    Anthropology known by the idea of

    fieldwork. The author intends to

    show that the same reasons used by

    Malinowski, placed within the propi-

    tiated framework by different

    objects, are able to base a different

    methodological approach. In this

    sense, to continue faithful toMalinowski means to re-read (or

    even to subvert it) in ordet to

    explore certain vital aspects of the

    text, based on real research situa-

    tions that anthropologists have come

    across at present time. This should

    allow the adequation of methodolo-

    gies in the field that do not need to

    be strictly defined as fieldwork.

    These reflections were defined after

    a personal trajectory characterized

    by researches using archive materialsand textual sources.

    AU-DELDU TRAVAIL SURLE SITE: RFLEXIONSSUPPOSES DEMALINOWSKI

    Emerson Giumbelli

    Mots-cls

    Anthropologie; Ethnographie;

    Travail de champs; Malinowski.

    Ce travail propose une relecture

    dlibrment intresse et ironique

    des clbres claircissements faits

    par Malinowski dans le chapitre qui

    ouvre les Argonautes du Pacifique

    Occidental. Dans ce texte,

    Malinowski expose ses justificativespour le genre dapproche quil

    entrepris afin dtudier une popula-

    tion de Mlansie dans les annes

    1910. Depuis, cette approche a t

    consacre dans lanthropologie par

    lide de travail sur le site. Dans

    une premire partie, nous dmon-

    trons que les mmes justificatives,

    insres dans un contexte propre

    par des objets divers, peuvent servir

    de fondement une autre approche

    mthodologique. Ainsi, continuerfidle Malinowski signifie le

    relire (et mme le corrompre) de

    manire explorer certaines virtu-

    osits de son texte, employes

    comme fondement dans des situa-

    tions de recherche auxquelles les

    anthropologues font face actuelle-

    ment. Cela permet dadapter la

    discipline des mthodologies qui ne

    se dfinissent pas strictement

    comme un travail sur le site. Ces

    rflexions sappuient sur une trajec-toire personnelle caractrise

    exactement par des recherches qui

    privilgient le matriel provenant

    darchives et de sources textuelles.

    RESUMOS / ABSTRACTS / RSUMS 227