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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
GISELE GOMES DE ALMEIDA
SENTIDOS COMPARTILHADOS SOBRE O COLÉGIO DE APLICAÇÃO DA UFPE:
UM ESTUDO COM PAIS E ESTUDANTES
RECIFE
2014
GISELE GOMES DE ALMEIDA
SENTIDOS COMPARTILHADOS SOBRE O COLÉGIO DE APLICAÇÃO DA UFPE:
UM ESTUDO COM PAIS E ESTUDANTES
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós Graduação em Educação da
Universidade Federal de Pernambuco como
requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Laêda Bezerra Machado.
RECIFE
2014
Catalogação na fonte
Bibliotecária Andréia Alcântara, CRB-4/1460
A444s Almeida, Gisele Gomes de.
Sentidos compartilhados sobre o Colégio de Aplicação da UFPE:
um estudo com pais e estudantes / Gisele Gomes de Almeida. – Recife:
O autor, 2014.
285 f. ; 30 cm.
Orientadora: Laêda Bezerra Machado.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CE. Programa de Pós-graduação em Educação, 2014.
Inclui Referências e Apêndices.
1. Representações sociais. 2. Colégio de Aplicação - UFPE.
3. UFPE - Pós-graduação. I. Machado, Laêda Bezerra. II. Título.
302 CDD (22. ed.) E (CE2014-59)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
GISELE GOMES DE ALMEIDA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
TÍTULO: SENTIDOS COMPARTILHADOS SOBRE O COLÉGIO DE APLICAÇÃO
DA UFPE: UM ESTUDO COM PAIS E ESTUDANTES
COMISSÃO ORGANIZADORA
MENÇÃO DE APROVAÇÃO: APROVADA
Recife, 27 de Junho de 2014
____________________________________
Profª. Drª. Laêda Bezerra Machado
1ª Examinadora/ Presidente
____________________________________
Profª. Drª. Lia Matos Brito de Albuquerque
2ª Examinadora
____________________________________
Profº. Drº. José Batista Neto
3ª Examinador
____________________________________
Profª. Drª. Daniela Maria Ferreira
4ª Examinadora
Dedico à minha avó Euridice Almeida que me ensinou a
não desistir
AGRADECIMENTOS
Certa vez, no Central, um amigo me sai com uma dessas: “O homem mais
fantástico do mundo não foi aquele que inventou a lâmpada, mas o que inventou a
gratidão”. O Embaixador estava certo. Agradecer é um dos atos mais lindos que se
pratica em vida. É o momento de dizer ao outro que você só conseguiu porque ele
esteve ali. É dar-lhe destaque no seu caminhar.
Toda pessoa sempre é as marcas
Das lições diárias de outras tantas pessoas
E é tão bonito quando a gente entende
Que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá
E é tão bonito quando a gente sente
Que nunca está sozinho por mais que pense estar
Gonzaguinha
Sou imensamente grata a minha avó, Dona Linda. Sim, esta é a mulher mais
linda que conheci.A companhia da Baronesa nos cafés da manhã me deram todo o
gás que eu precisava para produzir. És a mulher de cabelos brancos mais moderna
que conheço, o exemplo mais puro e simples de força, solidariedade, humanidade e
doação.
À minha mãe, irmã mais nova, Gilda- por ter me permitido ser. Pela teimosia,
ousadia e força que compõem o meu DNA, pelo empenho em torna-me alguém
melhor, pelo amor a mim dedicado.
À minha grande família (Branca, Greice, Zé Carlos, Gel, Graça, Lu, Érica, Lili,
Ninho, Vivi, Luca, Chico, Lala, Malu, Edmilson), aqueles que sempre me
compreenderam e impulsionaram. Saibam que vocês têm uma fé em mim que
muitas vezes me falta; eu não seria tão ousada se vocês não tivessem me permitido
ser.
À Xis por chegar na minha vida com o que tinha de melhor. Admiro tua
capacidade de sacudir, confundir, permitir. Obrigada pelo companheirismo de todos
os dias e por me ajudar a atravessar, Janeiro, Fevereiro, Março... o mestrado e a
vida sem desanimar. És minha mais profunda referência afetiva.
À Doctor Ana Amélia de Carvalho Coelho por todo apoio, consideração,
carinho e incentivo. Num mundo de soluções fáceis e “combinadinhos” teus
exemplos diários de honestidade são atos revolucionários.
À Daniela Maria Ferreira (Dani) por ser quem é. Pela escuta atenta, pelas
considerações e colocações sempre tão geniais e por todo o carinho que demonstra
ter por mim. Por ter sido a inspiração primeira dessa pesquisa, por me apresentar
Bourdieu e seu prazer irrefreável.
Sou grata a Laêda Bezerra Machado, por todas as experiências que nossa
parceria nos proporcionou. Sou grata pelas lições diárias de coerência, paciência e
dedicação. Agradeço por ter aguçado minha vontade de ir além. Por olhar cada uma
de suas orientandas com cuidado, tratando-as em suas diferenças. És uma
profissional dedicada e uma pessoa linda, uma figura que vale a pena conhecer e
conviver. Os que vivem em tua companhia carregam um que de mais feliz e
conhecem um exemplo de civilidade e humanidade em seu grau máximo.
À Aldenize Ferreira de Lima, protagonista das minhas melhores lembranças.
Que tem sentimentos tão bons dentro de si, que as vezes eu nem sei se, de fato, ela
existe ou é uma invenção minha para sobreviver a esse mundo no qual nos
deparamos com pessoas tão cruéis.
Sou grata a Adalgisa Leão por me servir de inspiração. Por ser a figura mais
genial que já conheci. Tua segurança, miúda leonina gigante, muitas vezes foi porto
para eu me assegurar também. Agradeço as inúmeras discussões travadas em
torno dos nossos projetos, os momentos de cuidado, os finais de semana de
passeios gastronômicos,os cafés, o companheirismo nos estudos e, sobretudo, na
vida.
À D. Denize Filha pela sinceridade no olhar e nas palavras. Sou grata por
nossos momentos juntas que sempre me dizem “seja leve e releve!”.
Aos meus amigos da graduação e do mestrado Aldenize Lima, Adalgisa Leão,
Cleiton Barros, Juliana Lima e Silvinha Rodrigues. Estamos caminhando lindamente-
poderíamos ser tudo que somos em separado, mas somos juntos – e isso é muito
bom!
Ao Embaixador e sua nobre família (Pipa, Marina, Tom, José, Sun, Dani e
Dona Fifi)- o meu muito obrigado pela presença constante. É lindo saber que um
atlântico não é o suficiente para nos separar, a vida precisa ousar mais que um
simples golpe de distância geográfica.
À Dra. B. Manzi, figura ilustre, alegre e diferente como Chanel.
Ao Grupo de Estudos em Representações Sociais pela paciência. Em
especial, sou grata a Andreza pela amizade, apoio e parceria. À Michelle e Thamyris
por serem lindas e presentes na minha vida. À Enivalda e Edneia pelas palavras de
incentivo de sempre. À Amélie por ser minha memória auxiliar. À Lu pela parceria.
À sala 23 da pós-graduação e aos amigos Auta, Talita, Cleiton, Procópio,
Gabriel, Al, Michelle, Thamyris e João.
Ao professor José Batista pela genialidade das colocações na qualificação.
Pela leitura atenta e aguçada do texto. A discussão que travamos em abril de 2013
foi norteadora dessa produção escrita.
À professora Lia pela gentileza e delicadeza das palavras, pela confiança e
por todos os sorrisos incentivadores. Agradeço pelas intervenções e proposições
dispensadas ao nosso trabalho, bem como pela leitura e revisão gramatical do texto.
À Alba Valéria por sua ajuda essencial na finalização da dissertação. “Me diz
o que é sufoco que eu te mostro alguém a fim de acompanhar...” Quem tem amigo
não sofre!
Sou grata aos estudantes e pais participantes desta pesquisa pela
disponibilidade em compartilhar suas experiências, por todas as risadas, cafés e
tardes agradáveis que me proporcionaram.
Aos profissionais do CAp, em especial aos responsáveis pelo SOEP, Viviane
Alves de Lima e José Aécio Chagas. Agradeço a recepção e apoio na pesquisa de
campo.
Sou grata a todo aquele que cruzou o meu caminho tornando este percurso
mais leve e feliz.
RESUMO
O presente estudo objetivou compreender as Representações Sociais do Colégio de Aplicação da UFPE segundo alunos e pais, caracterizando e analisando os sentidos e significados atrelados as perspectivas de futuro. Partimos do pressuposto de que as famílias que escolhem o CAp da UFPE, as camadas médias intelectualizadas, efetuam certo “malabarismo” para a aprovação na seleção de ingresso e mobilizam estratégias não necessariamente planejadas, mas orquestradas e orientadas para o sucesso escolar dos filhos. Isso ocorre porque carregam consigo uma certeza, uma garantia de sucesso que se deve ao habitus do grupo, e que é reforçada a cada êxito, ou resposta positiva que essas crianças lhes fornecem. Nesse sentido, a escolha do colégio não é aleatória, faz parte do campo dos prováveis, do leque de possibilidades que os pais possuem e está estritamente relacionada às perspectivas de futuro dessas famílias. O referencial teórico-metodológico adotado foi a Teoria das Representações Sociais proposta por Serge Moscovici e a Teoria do Núcleo Central de Jean-Claude Abric. A noção de habitus de Pierre Bourdieu (2007; 2008;2009;2011;2013) e autores como Zago (2002;2008) e Nogueira (2003;2008;2009) também nos serviram de referência teórica.Participaram da pesquisa 120 estudantes e 78 pais de estudantes do Ensino Fundamental do CAp da UFPE.O estudo se apoiou na abordagem da pesquisa qualitativa;para compreender as representações utilizamos como procedimentos de coleta:Teste de Associação Livre, Triagens Hierárquicas Sucessivas e Entrevistas Semiestruturadas. Na primeira fase do estudo, utilizamos o Teste de Associação Livre de palavras e, para análise, o quadro de quatro casas com o auxílio do EVOC. Na segunda fase, utilizamos a técnica de Triagens Hierárquicas Sucessivas, para análise o cálculo de frequências e a Análise de Conteúdo das justificativas. Na terceira fase, realizamos Entrevistas Semiestruturadas, tratamos o material com o suporte da Análise de Conteúdo Categorial. Os resultados indicaram que o Núcleo Central da representação do CAp da UFPE é composto por “Qualidade” e “Futuro”. Os discursos revelam que o CAp é uma instituição bem sucedida, com propostas inovadoras e diferenciadas dos demais estabelecimentos de ensino públicos e privados do estado de Pernambuco, supera os estabelecimentos escolares mais prestigiosos do país. Os sujeitos qualificam o colégio como instituição de excelência que reúne trunfos para construir conhecimento e produzir os melhores resultados nas avaliações das quais participa. Por se diferenciar dos demais estabelecimentos do estado, o colégio desperta o interesse de um público igualmente diferenciado, de pais pertencentes as camadas médias intelectualizadas, em sua maioria, professores universitários, funcionários públicos federais e profissionais liberais. As estratégias de ingresso na instituição ora são explícitas e direcionadas a aprovação, ora são de mobilização das disposições interiorizadas na trajetória escolar e familiar do estudante. O que nos foi possível apreender do habitus do grupo revela agentes dotados das mesmas referências e com perspectivas futuras semelhantes, embora um ou outro contexto de produção se diferencie dos demais. Esse estudo revela, ainda, que habitus semelhantes produzem estratégias semelhantes para acessar o espaço social pretendido. Nos sentidos compartilhados por pais e estudantes compor o grupo de estudantes do CAp da UFPE traz reconhecimento social, funciona como trampolim para realização pessoal, profissional e sucesso futuro dos estudantes. Palavras-Chave: Representação Social. Habitus. Colégio de Aplicação. UFPE.
ABSTRACT
The present study aimed to understand the Social Representations of the School of Application of second UFPE students and parents, characterizing and analyzing the meanings trailers future prospects. We assumed that families who choose the CAp UFPE, the middle strata intellectualized, perform certain "juggling" to approve the selection of entry and mobilize not necessarily planned strategies but orchestrated and geared towards academic success of children. This is because they carry with them a certainty, a guarantee of success is due to the habitus of the group, and that is reinforced every success, or positive response to these children provide them . In this sense, the choice of school is not random , is part of the field of likely , the range of possibilities that parents have and is strictly related to the future prospects of these families . The theoretical - methodological reference was the Theory of Social Representations proposed by Serge Moscovici and the Central Nucleus Theory of Jean - Claude abric. The notion of habitus of Pierre Bourdieu (2007, 2008 , 2009 , 2011 , 2013), and authors such as Zago (2002 , 2008) and Nogueira (2003 , 2008 , 2009) also served in the theoretical framework . Participated in the survey 120 students and 78 parents of elementary school students from the CAp UFPE. The study relied on qualitative research approach ; to understand the representations used as collection procedures : Free Association Test , Trials and Successive Hierarchical semistructured interviews . In the first phase of the study used the Test of Free Association words and, for analysis , the four-frame houses with the EVOC . In the second phase utilized the technique of Hierarchical Successive Trials for analysis to calculate the frequency and content analysis of the justifications. In the third phase we conducted semi-structured interviews, we treat the material with the support of categorical content analysis. The results indicated that the Central Nucleus of the representation of the CAp UFPE consists of " Quality " and " Future " . The speeches reveal that CAp is a successful institution with innovative and differentiated proposals from other establishments of public and private schools in the state of Pernambuco, surpasses the most prestigious schools in the country. The subjects qualify the school as excellent institution that brings together strengths to build knowledge and produce the best results in evaluations in which it participates. Why differentiate themselves from other establishments of the state, the college awakens the interest of an equally distinguished audience of professionals parents belonging layers highbrow medium, mostly university professors, civil servants and federal. Strategies for admission into the institution are hereby directed and explicit approval, are now mobilizing the provisions internalized in school and family trajectory of the student. What we were able to apprehend the habitus of the group reveals agents with the same results and future prospects with similar, although one or another production context is distinct from the others. This study also reveals that similar habitus produce similar strategies to access the desired social space. In shared by parents and students select group of students from the CAp UFPE senses brings social recognition, works as a springboard for personal fulfillment , professional and future success of students . Keywords : Social Representation. Habitus. College Application. UFPE.
LISTAS DE QUADROS
QUADRO 01- Modelo explicativo do quadro de quatro casas gerado pelo Software
EVOC.........................................................................................................................99
QUADRO 02-Distribuição dos estudantes participantes por Sexo..........................122
QUADRO 03-Distribuição dos estudantes participantes por idade..........................122
QUADRO 04-Distribuição dos estudantes participantes por composição familiar...123
QUADRO 05-Distribuição dos estudantes participantes por ocupação dos pais....124
QUADRO 06-Distribuição dos estudantes participantes por escola de origem.......124
QUADRO 07- Distribuição dos estudantes participantes por realização de cursos
preparatórios para a seleção de ingresso................................................................125
QUADRO08-Distribuição dos estudantes participantes por atividades
extraclasse...............................................................................................................127
QUADRO 09-Distribuição dos participantes por gênero.........................................132
QUADRO 10-Distribuição dos pais participantes por faixa etária...........................132
QUADRO 11-Distribuição dos pais participantes por nível de Formação
Acadêmica................................................................................................................133
QUADRO 12-Distribuição dos pais participantes por Profissão..............................133
QUADRO 13-Quadro de quatro casas gerado pelo EVOC resultante das evocações.
dos pais à expressão indutora “Colégio de Aplicação”............................................140
QUADRO 14-Quadro de quatro casas gerado pelo EVOC resultante das evocações
dos pais a expressão indutora “Colégio de Aplicação”............................................159
QUADRO 15- Distribuição dos termos que permaneceram na 1ª etapa das triagens
hierárquicas sucessivas dos estudantes com as respectivas frequências..............177
QUADRO 16-Distribuição dos termos que permaneceram na 2ª etapa das triagens
hierárquicas sucessivas dos estudantes com as respectivas frequências..............178
QUADRO 17-Distribuição dos termos que permaneceram na 2ª etapa das triagens
hierárquicas sucessivas dos estudantes com as respectivas frequências..............179
QUADRO 18-Distribuição dos termos que permaneceram na 1ª etapa das triagens
hierárquicas sucessivas dos pais com as respectivas frequências..........................185
QUADRO 19- Distribuição dos termos que permaneceram na 2ª etapa das triagens
hierárquicas sucessivas dos pais com as respectivas frequências..........................186
QUADRO 20- Distribuição dos termos da 3ª etapa das triagens hierárquicas
sucessivas dos pais com as respectivas frequências..............................................186
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 01- Áreas de residência..........................................................................128
GRÀFICO 02-Áreas de residência das famílias.......................................................135
GRÁFICO 03-Renda familiar mensal.......................................................................137
LISTAS DE TABELAS
TABELA 01-Grau de vinculação, níveis e modalidades de ensino dos CAps......41
LISTAS DE SIGLAS
ABA- Associação Brasileira Americana
ANPED- Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação
ANDES- O sindicato Nacional dos Docentes das Instituições do Ensino Superior
BDTD- Biblioteca Digital de Teses de Dissertações
CAp- Colégio de Aplicação
CCAA- Centro Cultural Anglo Americano
COLUNI- Colégio Universitário
CONDICAP- Conselho Nacional dos Dirigentes das Escolas de Educação Básica
das Instituições Federais de Ensino Superior
EF- Educação Fundamental
EF1- Ensino Fundamental I Séries Iniciais
EF2- Ensino Fundamental II
EI- Educação Infantil
EJA- Educação de Jovens e Adultos
EM- Ensino Médio
EMN- Ensino Médio Normal
ENEM- Enxame Nacional do Ensino Médio
ENEU- Encontro Nacional nas Escolas Universitárias
EVOC- Software Ensemble de Programmes Permettant Lánalyse dês Évocations
IDEB- Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
INEP- Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
ITA- Instituto Tecnológico de Aeronáutica
MEC- Ministério da Educação e Cultura
MF- Médias de Frequência
NC- Núcleo Central
OMC- Ordem Média de Evocação
PPGE- Programa de Pós-graduação em Educação.
PROVOC- Programa de Vocação Científica para Alunos do Ensino Médio
RAP- Relação Aluno Professor
RMR- Região Metropolitana do Recife
RS- Representações Sociais
SENAC- Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SOAE- Serviço de Orientação e Apoio ao Estágio
SOE- Serviço de Orientação Educacional
SOEP- Serviço de Orientação e Experimentação Pedagógica
TRS- Teoria das Representações Sociais
UFPE- Universidade Federal de Pernambuco
USP- Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................... 20
CAPÍTULO 2- COLÉGIO DE APLICAÇÃO: ORIGENS, EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS ........................................................................................................38
2.1. HISTÓRICO DO COLÉGIO DE APLICAÇÃO NO BRASIL...............................38
2.1.1.Como nasce uma ilha de excelência? .......................................................... 38
2.1.2.Colégio de Aplicação: o projeto .................................................................... 38
2.1.3.Pensando e repensando os colégios de aplicação ..................................... 42
2.2. O COLÉGIO DE APLICAÇÃO DA DA UFPE: DAS ORIGENS AOS CAMINHOS DA EXCELÊNCIA ..................................................................................................... 45
2.2.1. O Colégio de Aplicação da UFPE hoje ........................................................ 48
2.3. A SELEÇÃO PARA INGRESSO NO CAP ......................................................... 51
2.3.1. Critério neutro na seleção dos “melhores” ................................................ 51
2.3.2. A escolha do colégio ..................................................................................... 53
2.3.3. A corrida é desigual, mas a escola prega como justa ............................... 54
CAPÍTULO 3 - REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E HABITUS: ABORDAGENS, CONCEITOS E APROXIMAÇÕES ........................................................................... 56
3.1. Bases epistemológicas: Das representações coletivas as representações sociais.......................................................................................................................56
3.2. O homem pensa e elabora: A teoria das Representações Sociais .............. 59
3.3. Mas afinal, o que são as Representações Sociais? E por que são construídas?.............................................................................................................62
3.4. O processo de construção das Representações Sociais ............................. 67
3.5. Diferentes abordagens no estudo em RS ...................................................... 70
3.6. Abordagem estrutural das Representações Sociais: a Teoria do Núcleo Central.......................................................................................................................71
3.7. AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E A NOÇÃO DE HABITUS EM PIERRE BOURDIEU- APROXIMAÇÕES PRELIMILARES..................................................75
CAPÍTULO 4- METODOLOGIA................................................................................84
4.1. Procedimentos de Coleta.................................................................................85
4.1.1. Teste de Associação Livre de Palavras.......................................................88
4.1.2. Triagens Hierárquicas Sucessivas...............................................................89
4.1.3. Entrevistas Semiestruturadas.......................................................................92
4.2. Participantes da pesquisa...............................................................................96
4.3. Procedimento de Análise..................................................................................98
4.3.1. Análises das Evocações provenientes do Teste de Associação Livre-
EVOC.........................................................................................................................98
4.3.2. Análises das Justificativas das Evocações, Triagens e Entrevistas -
Análise de Conteúdo..............................................................................................100
4.4. Percurso em Campo........................................................................................102
4.4.1. A aplicação do Teste de Associação Livre com os estudantes..............105
4.4.2. A aplicação do Teste de Associação Livre com os pais..........................110
4.4.3. O momento das Triagens Hierárquicas Sucessivas com os estudante113
4.4.4. As entrevistas com os estudantes.............................................................116
4.4.5. O contato direto com os pais para Triagens e Entrevistas......................118
CAPÍTULO 5- RESULTADOS: Análise e Discussão ..........................................121
5.1. Perfil do grupo investigado: Quem fala? De onde fala? .............................121
5.1.1. Perfil dos estudantes...................................................................................121
5.1.2. Perfil dos pais...............................................................................................130
5.2. CONTEÚDO GERAL E POSSÍVEL ESTRUTURA DA REPRESENTAÇÃO
SOCIAL DO CAP DA UFPE POR PAIS E ESTUDANTES..................................138
5.2.1. A Estrutura da Representação Social do Colégio de Aplicação para
estudantes...............................................................................................................138
5.2. 2. A Estrutura da Representação Social do Colégio de Aplicação para pais
de estudantes.........................................................................................................157
5.3. O NÚCLEO CENTRAL DAS REPRESENTAÇÕES DE PAIS DO CAP
SEGUNDO OS ESTUDANTES E SEUS PAIS......................................................176
5.3.1. Triagens Hierárquicas Sucessivas por estudantes..................................176
5.3.2. Triagens Hierárquicas Sucessivas por pais..............................................183
5.4. OS SENTIDOS COMPARTILHADOS SOBRE O CAP DA UFPE POR PAIS E
ESTUDANTES.........................................................................................................191
5.4.1. Buscando Sentidos: Representações Sociais e a Noção de habitus.....191
5.4.2. Caracterização familiar dos estudantes do CAp da UFPE: Sobre a
construção progressiva de práticas, sentidos e disposições duráveis e
favoráveis a escolarização....................................................................................193
5.4.2.1. Processos de Socialização e percursos escolares e profissionais dos
pais..........................................................................................................................194
5.4.2.2. Processo de Socialização e percursos escolares dos estudantes.....200
5.4.3. Sentidos Compartilhados sobre o Colégio de Aplicação da UFPE.........203
5.4.3.1. "O CAp como instituição de excelência"................................................203
5.4.3.2. "O CAp como instituição que preza pela formação integral e
humanização do sujeito.........................................................................................220
5.4.3.3."O CAp como trampolim para a realização pessoal, profissional e
sucesso futuro do estudante"...............................................................................229
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................248
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 257
APÊNDICES .......................................................................................................... 266
APÊNDICE 1- Teste de Associação Livre de palavras ....................................... 266
APÊNDICE 2- Carta aos pais.................................................................................272
APÊNDICE 3- Cartelas com os termos das triagens hierárquicas
sucessivas..............................................................................................................273
APÊNDICE 4- Tabelas para Hierarquização ........................................................280
APÊNDICE 5- Roteiro das entrevistas com os pais e estudantes..................284
20
1. INTRODUÇÃO
A presente pesquisa se insere no âmbito dos estudos sobre êxitos escolares,
estabelecimentos escolares de excelência e escolarização das camadas médias
intelectualizadas. Tomamos como objeto de estudo um colégio da Rede Federal de
Ensino, o Colégio de Aplicação da UFPE, destaque nas avaliações externas das
quais participa e que atrai um público intelectualizado. O estudo adotou como
referencial a Teoria das Representações Sociais, proposta por Serge Moscovici, em
interlocução com o conceito de habitus de Pierre Bourdieu. Além de abordar como
pais e alunos representam o colégio, nos preocupamos com as estratégias
familiares de acesso à instituição.
O interesse em realizar a pesquisa surgiu no curso de pedagogia. Como
educadora em formação, me inquietavam os debates centrados no fracasso escolar
e o pouco contato com estudos sobre êxitos escolares e estabelecimentos de
excelência. Os estabelecimentos de excelência, quando discutidos, eram tomados
como “modelo a seguir”, no entanto, não havia uma problematização dos fatores que
contribuíam para construção e retroalimentação dessa excelência. Nesse momento,
também, desenvolvemos as práticas pedagógicas nas escolas públicas municipais
dos anos iniciais do Ensino Fundamental da cidade do Recife/PE, um cenário em
que prevaleciam as situações de fracasso.
O ensino público brasileiro não consegue escolarizar seus alunos de maneira
satisfatória. Apesar das inúmeras tentativas governamentais para corrigir os
problemas escolares os resultados das avaliações das quais participam estudantes
do Ensino Fundamental público de todo o Brasil, em especial da Região Nordeste,
indicam que grande parcela das crianças não atinge padrões mínimos de leitura e
escrita. Os indicadores apresentados no IDEB mostram que um terço dos alunos da
Região Nordeste chegam aos 08 anos sem estarem alfabetizados1.
Nas séries finais do Ensino Fundamental a crise da educação pública se
agrava e as defasagens tornam-se cumulativas. Mais de 37% das cidades
brasileiras ficaram abaixo da meta estabelecida pelo MEC (3,9) para analisar o
desempenho dos estudantes dos últimos anos do Ensino Fundamental. A região
1 Fonte: http://ideb.inep.gov.br/
21
nordeste apresentou os índices mais baixos do IDEB em todos os níveis de ensino
avaliados (INEP, 2012).
Em contraposição aos resultados insuficientes das escolas públicas
(municipais e estaduais) que se referem às avaliações externas de desempenho do
alunado algumas instituições se sobressaem. Dentre elas, os Colégios de Aplicação
(CAps), vinculados às universidades federais que lideram os rankings das
avaliações as quais são submetidos. Além disso apresentam altos índices de
aprovação nos exames públicos de vestibular, obtendo, em alguns dos casos2,
resultados superiores aos das escolas privadas mais conceituadas do país. Tais
colégios funcionam como uma realidade a parte, com resultados que vão além do
esperado, formando as elites intelectuais3 brasileiras.
Um exemplo próximo dessa ilha de excelência, que se distingue das escolas
públicas comuns tem sido o Colégio de Aplicação da Universidade Federal de
Pernambuco (CAp). Localizado na região que tem os piores índices de
desenvolvimento da educação básica (IDEB) do país, o CAp-UFPE mantém o
melhor IDEB do Brasil, pois é o primeiro colocado no exame, desde que este foi
instituído. No ano de 2011, a média do colégio foi de 8,1- mais que o dobro da média
nacional (4,1) e estadual (3,5). Além do alto índice de qualidade da educação
básica, expresso nas avaliações, o colégio lidera o ranking estadual de classificação
no Enem (UFPE, 2012).
Associado a estes resultados, o colégio apresenta boa infraestrutura e quadro
docente bem qualificado4, o que desperta o desejo de inserção das crianças neste
espaço de referência. Ao final do ano letivo, a instituição realiza um rigoroso e
competitivo processo de seleção, para compor as turmas do 6º ano do Ensino
Fundamental, que envolve testes de matemática e português. Cerca de
2.000crianças participam da seleção a cada ano. Esses candidatos enfrentam uma
2O colégio de Aplicação da UFV (Minas Gerais) ocupa o 8º lugar geral no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) 2011, o Colégio de aplicação da UFPE é o primeiro colocado das escolas públicas na classificação estadual e o 2º lugar entre as escolas públicas do Brasil e o Colégio de aplicação da UFRJ (Rio de Janeiro) ocupa o 5º lugar do estado. 3 O termo elite intelectual é aqui utilizado para designar as camadas médias intelectualizadas: grupos
com formação superior ou pós-graduação e que ocupam posições sociais de prestígio na área de
atuação, funcionários públicos, bem como os professores universitários que compõem a elite
acadêmica, por assim dizer. 4 Atualmente o colégio possui 51 professores efetivos e 06 substitutos. Dentre os efetivos, 10 são
especialistas, 24 mestres, 16 doutores e 01 graduado.
22
concorrência que supera a dos cursos prestigiosos das universidades mais
conceituadas do país. No ano de 2010, a concorrência foi maior do que a dos cinco
cursos mais procurados no vestibular da Universidade de São Paulo (USP);em
2013, a concorrência foi de 32,3 candidatos por vaga (UFPE, 2013).
No Trabalho de Conclusão de Curso de Pedagogia5, observamos que há por
parte dos alunos um esforço notório à classificação na referida escola, que se deve,
em parte, ao capital simbólico da instituição. Os alunos acreditam que fazer parte do
colégio os possibilita estar em altas condições de competição no vestibular e obter
sucesso futuro. Assim, os estudantes empreendem suas ações em direção ao topo,
ao destaque. Ao conseguir a aprovação, essas crianças constroem uma identidade
de “alunos de sucesso”.
É como se os alunos entrassem numa lógica de sucessos sucessivos. Isso se
dá, inicialmente, pelo fato de que a escola tende a favorecer ainda mais o grupo
seleto, reservando aos “melhores” o que tem de melhor em termos de ensino e
aprendizagem. Esse êxito escolar inicial, conseguir a aprovação, compor o grupo, é
circunstância produtora de sentidos, disposições e práticas, que tendem a reforçar
as práticas iniciais e ensejar novas práticas que promovem o êxito.
A decisão de frequentar um estabelecimento de ensino que ocupa uma
posição privilegiada na hierarquia escolar advém de uma ideia de sucesso futuro
que se concretiza na escola. Tal ideia é pautada na crença meritocrática de que, por
meio da educação, a ascensão social pode ocorrer e depende unicamente do
esforço individual. A escola se apropriou dessa perspectiva seletiva e competitiva
difundindo a ideia de mérito. Os sujeitos passaram a crer que os seus esforços
aliados à escolarização garantiriam uma mobilidade social (DUBET, 2008).
Numa época em que o capital predominante é notadamente escolar (ZAGO,
2008) e os títulos escolares falam por si só, dizem mais sobre os sujeitos do que
eles próprios, os pais dessa elite acadêmica se valem de estratégias, ações
orquestradas e direcionadas para obter um posto de prestígio na cultura escolar
5ALMEIDA, Gisele Gomes de; LIMA; Aldenize Ferreira. “Quer comer poeira ou quer levantar
poeira?” Representações sociais do sucesso por alunos de uma escola de referência do Recife. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Pedagogia)- Centro de Educação, UFPE. Recife, 2011.
23
ranqueada (BOURDIEU, 2010). Os sujeitos empreendem as estratégias de forma
consciente, no entanto, as motivações para escolher as estratégias são
inconscientes. A busca pela escola de excelência como destino natural do grupo da
camada média intelectualizada é um dos aspectos que os diferencia dos demais.
Como bem caracteriza Xavier (2011), o grupo que ingressa no colégio de excelência
é possuidor de um senso prático. Um grupo tão envolvido no jogo que chega ao
ponto de esquecer que joga.
As crianças são inseridas desde cedo nessa cultura de competição e os pais,
que vislumbram para os filhos uma escolarização com êxito, não medem esforços
para garantir as condições das crianças nessa corrida por sucesso e entram no “jogo
escolar” esperando obter êxito. Até mesmo os que não possuem os trunfos
suficientes para obter êxito escolar, o almejam. Para os que possuem tais trunfos o
sucesso escolar se torna quase uma certeza e as estratégias e socializações
diferenciadas deixam de ser percebidas, nos fazendo acreditar que as propriedades
são corpo do proprietário (BOURDIEU, 2008; 2009). Nessa lógica que dá ênfase ao
sucesso individual, os pais acabam aderindo ao “jogo escolar” e jogam com o que
tem de melhor.
No Brasil, os estudos que versam sobre êxitos escolares e excelência escolar
ocuparam, por muito tempo, lugar discreto e pouco atraiam os pesquisadores. As
pesquisas em Educação, com ênfase em Sociologia da Educação, que têm como
objetos de estudo o sucesso, a excelência escolar e escolarização das elites
acadêmicas e econômicas são recentes. Tais temáticas começaram a ganhar
visibilidade no cenário nacional há pouco mais de dez anos, momento em que se
iniciam publicações de coletâneas sobre o tema6. O foco das discussões, antes
centrado no fracasso e desvantagem social, dá espaço à investigação de trajetórias
de sucesso, estabelecimentos de excelência e processos de escolarização das
camadas médias intelectualizadas e elites econômicas. Destacamos que são
pontuais os estudos sobre os Colégios de Aplicação, instituições de excelência que
6ALMEIDA, Ana Maria F.; NOGUEIRA, Maria Alice (Orgs.). A Escolarização das Elites: Um
Panorama Internacional da Pesquisa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002, p. 120-134.
24
atraem a camada média intelectualizada. Tais estudos tornam-se ainda mais
escassos nas abordagens simbólicas.
No intuito de buscar referências para compreender o objeto, realizamos,
inicialmente, uma pesquisa na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
(BDTD) com o descritor “Colégio de Aplicação” para obter um balanço nacional das
produções, a níveis de mestrado e doutorado, que tomaram os CAps como objeto de
estudo e saber como a instituição era abordada nas pesquisas. Foram encontradas
oito dissertações e uma tese, produzidas entre os anos de 2002 a 2011. Destas, seis
tomavam os colégios de aplicação como campo de estudos, outras duas como
objeto. Nenhuma das pesquisas versava sobre o Colégio de Aplicação da UFPE.
As pesquisas que tomaram algum colégio de aplicação como objeto de
estudo foram dissertações realizadas nos anos de 2008 e 2010. Discutiremos, neste
momento, apenas as que tomaram os CAps como objeto de estudo.
Barbalho (2008) tentando compreender como se construiu uma memória
coletiva de histórias de sucesso sobre o Colégio de Aplicação- CAP-COLUNI, da
Universidade Federal de Viçosa, investigou a história da instituição e os relatos
contados por ex-alunos do Ensino Médio. Constatou que a história do colégio se
entrelaça com a história de sucesso dos alunos. Para o autor a memória que conta o
sucesso a partir da vivência na escola é responsável pela difusão da excelência de
ensino ali praticada. Entende, ainda, que a manutenção dessa memória e a
qualidade do ensino é uma via de mão dupla, ambas atuam no sentido de reforçar a
outra.
Os resultados identificaram a existência de redes de relação familiares nas
quais vários membros de um mesmo grupo familiar estudaram no colégio. Assim,
quem ali estudava incentivava outros familiares a fazê-lo. Essas redes familiares se
constituíram como relevantes para a manutenção e reprodução dessa “tradição
inventada”, do discurso de “melhor colégio do mundo”.
Barbalho (2008) destaca que as escolas que oferecem ensino de qualidade
têm seu sucesso reforçado pelo destaque nas avaliações externas, a exemplo do
ENEM. No entanto, ele não se abstém de discutir o fato da seleção de ingresso
constituir um grupo “diferente”, de “destaque”, que comungará dos valores do
colégio e reforçará a sua qualidade.
25
O segundo estudo investiga o Colégio de Aplicação da Universidade Federal
de Santa Catarina e foi realizado por Soares Júnior (2010). Com a pesquisa o autor
procurou definir o perfil socioprofissional dos alunos que compuseram as primeiras
turmas de 2º grau do colégio e a relação desses perfis com a cultura escolar. Os
resultados indicaram que os alunos investigados eram oriundos de camadas médias,
filhos de professores universitários e servidores públicos. O autor observou que
havia, de fato, afinidades entre a cultura escolar e o capital cultural dos estudantes.
Ao atrair um perfil de aluno bem-sucedido, a escola recuperava um prestígio que,
por um tempo, tinha perdido na universidade. O autor chega a afirmar que a escola é
dependente desse perfil de estudante para manter o seu prestígio, e que o critério
de seleção abertamente elitista não contribuía para a formação de todo e qualquer
aluno, mas servia a uma pequena parcela da sociedade.
Tendo em vista o pequeno número de estudos que tomaram o colégio como
objeto e a relação da instituição com o sucesso e excelência escolar, decidimos por
realizar esta pesquisa, abordando escolarização das elites, sucesso e excelência
escolar. Acreditamos que tais temáticas precisam ser consideradas para melhor
compreensão do CAp-UFPE.
Pesquisamos no banco de dados da ANPEd7a produção dos últimos dez anos
referentes às temáticas. A escolha pela ANPED se deu por ser o espaço de
referência em produção e divulgação das pesquisas em Educação.
O recorte temporal para a pesquisa considerou a emergência dessas nas
pesquisas em educação no país, ou seja, na primeira década do ano 2000. É
importante destacar que os trabalhos produzidos nessa direção se concentram no
grupo de trabalho de Sociologia da Educação. Todos os trabalhos aqui discutidos
fazem parte deste grupo. Para a pesquisa utilizamos os descritores escolarização
das elites, sucesso e excelência escolar. Foram localizados dezenove trabalhos. O
ano de maior concentração foi o ano de 2008 (seis trabalhos). Nos anos 2002 a
2005, foram encontrados apenas três trabalhos; nos anos seguintes, exceto 2008, a
produção média foi de dois trabalhos por ano. Os trabalhos provem da região
sudeste, os pesquisadores são, predominantemente, das universidades federais do
Rio de Janeiro e de Minas Gerais.
7Associação nacional de pós- graduação e pesquisa em Educação.
26
Dois trabalhos tomam como campo de estudo Institutos de Tecnologia e
Escolas Técnicas Federais. Outros dois estudos tomam como campo os colégios
federais do Rio de Janeiro e de Minas Gerais e o fazem numa perspectiva
comparativa com colégios privados e os da rede estadual e municipal de ensino,
considerados de elite.
Organizamos a produção localizada discutindo o significado do termo elite,
“elite acadêmica” que tem sido amplamente utilizado nos estudos de
estabelecimentos escolares de excelência, e suas repercussões no campo da
educação. Em seguida, apresentamos as pesquisas que versam sobre os diferentes
capitais mobilizados durante a escolarização, as estratégias familiares de que se
valem as famílias para além de sobreviver ao “jogo escolar”, nele obter êxito, como a
escolha do estabelecimento de ensino que torna os percursos escolares
diferenciados. Os estudos abordam também a constituição de disposições
favoráveis ao sucesso escolar, que são convertidas em habitus escolares, e os
aspectos que favorecem a construção da excelência escolar.
O debate acerca do significado do termo elite é polêmico. Para Brandão e
Martinez (2005, p.1) conceber a elite num sentido plural seria considerar uma
“variedade de tipos de elites: intelectuais, econômicas, profissionais, etc. Nesse
sentido o termo abrange os setores de camadas médias que ao se matricularem
nestas escolas passam a integrar as elites escolares”.
Na pesquisa que realizamos, não utilizamos o termo elite intelectual ou elite
econômica, mas camadas médias intelectualizadas: grupos com formação superior
ou pós-graduação e que ocupam posições sociais de prestígio na área de atuação,
funcionários públicos, bem como os professores universitários que compõem a elite
acadêmica, por assim dizer.
Lacerda (2008) discute a produção da excelência escolar, a imagem de
excelência construída das instituições de prestígio. A autora o faz a partir de estudo
que toma como campo o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). De acordo com
a pesquisadora, questões como instalações de qualidade, constituição histórica,
princípios seletivos próprios, estilo educativo, rendimento social dos títulos escolares
e o compartilhamento da imagem de excelência pelos estudantes do ITA e
sociedade em geral, colaboram para definição de sua alta qualidade.
27
O fator seletividade contribui para a alta qualidade da instituição por produzir
um grupo que possui propriedades sociais homogêneas que os diferenciam de
outros excluídos desse tipo de escola. Os mais aptos escolarmente são separados
dos demais através da rigorosa seleção que ocorre no exame de ingresso. Bourdieu,
apud Lacerda (2008), argumenta que nas escolas de prestígio “[...] há todo um
sistema de meios institucionais, incitações, constrangimentos e controles que
reduzem toda a existência dos alunos a uma sucessão ininterrupta de atividades
escolares intensas” (LACERDA, 2008, p. 08). Tais atividades, rigorosamente
regradas e controladas, fazem com que os alunos sejam constantemente incitados
ao esforço. Essa forma de organização escolar tem efeitos de ordem identitária,
produzindo uma adesão à escola. A autora destaca que a adesão aos valores do
grupo é relevante na produção da excelência escolar.
O capital simbólico engendrado pelo grupo dos eleitos, escolhido para
perpetuar a excelência escolar da instituição, reforça as posições sociológicas de
que as escolas da elite são escolas de chefes. Os títulos adquiridos são rentáveis e
possuem valor e reconhecimento social de excelência. Isso permite aos egressos do
instituto escolher os postos de trabalho que considerem melhores em termos de
chances de progresso profissional.
A autora observa, ainda, que a unificação do grupo de alunos de colégios de
alta qualidade se dá pela imagem compartilhada de excelência acadêmica da
instituição. Os estudantes gozam de um sentimento de altivez, encantamento de si,
reconhecem-se como grupo distinto. Essa marca de reconhecimento de grupo de
exceção é reflexo da constituição de um habitus cultivado, decorrente do processo
de socialização na instituição.
Xavier e Marzocchi (2008) realizaram uma pesquisa em três escolas do Rio
de Janeiro, consideradas como “as elites escolares” por propiciar ensino de
excelência, com o intuito de promover reflexão acerca das particularidades da
relação entre os pares, do planejamento e da rotina que ocorrem nesses espaços.
Os resultados indicam que a clientela das escolas com perfil de elites
escolares é caracterizada pela presença de alunos portadores de autonomia
intelectual; estudantes que são frequentemente estimulados em relação ao
conhecimento, assimilam de maneira satisfatória, são preparados desde pequenos
28
para o ritmo de estudos, sabem lidar com uma grande quantidade de informações e
fazer associações. Aliada às características dos discentes, a apresentação do
conteúdo também é diferenciada. Os alunos são estimulados e desafiados em
relação ao que aprendem e recebem uma formação crítica.
No que se refere à constituição de habitus escolares que favorecem o
sucesso escolar e/ ou práticas familiares que contribuem para a constituição desses
habitus, estudos como o de Brandão (2010) e Xavier (2011) se destacam. Brandão
(2010, p. 2) discute as “estratégias e ações que objetivam e/ou favorecem a criação
de determinadas disposições (habitus) para o estudo e o domínio das habilidades
necessárias ao bom desempenho escolar”. O estudo revela que para as famílias
investigadas, a escolha da escola representa um primeiro movimento familiar na
construção da trajetória escolar dos filhos. Dentre os fatores considerados
importantes para a escolha destes estabelecimentos estão a escola ter boas
referências e ensino de qualidade, além de aprovação no vestibular, característica
mais requerida pelo público da rede privada de ensino do que por usuários da rede
pública.
Os dados empíricos obtidos levam a autora a afirmar que o sucesso e o
fracasso escolar não podem ser interpretados como derivados, mecanicamente, dos
perfis familiares, mas precisam ser compreendidos a partir das relações entre as
famílias e as escolas. No contexto da pesquisa, os pais dos estudantes das escolas
municipais possuíam níveis de escolaridade superiores à média da população
brasileira. Eles representam os setores das camadas médias que possuem maior
nível de informação, melhores níveis de renda e maiores expectativas quanto à
educação dos filhos. Isso explica o acompanhamento intenso da escolaridade das
crianças e as tentativas de ampliação cultural (ampliação das fontes de informação,
acesso à internet, escola de qualidade, dentre outros), favorecendo o
desenvolvimento de disposições para o estudo.
Em consonância com os estudos da autora supracitada, Xavier (2011)
investigou o comportamento acadêmico dos alunos das escolas consideradas de
prestígio e suas disposições favoráveis ou não ao bom desempenho escolar,
disposições, que estão explicita e implicitamente convertidas em habitus escolares.
Para a pesquisadora, o habitus e os capitais dos sujeitos se combinam ao contexto
29
para se desdobrarem em sucesso ou insucesso escolar. Ela observa que se
quisermos saber o que pensa um estudante matriculado no 8º e 9º ano do Ensino
Fundamental devemos nos perguntar: “Qual é o jogo que se joga nesta escola?”
(XAVIER, 2011, p. 7). A nossa resposta nos conduziria a um comportamento que
pode estar tanto relacionado às atitudes requeridas pela instituição quanto às
perspectivas de futuro que construímos com nossos pais.
Em estudo sobre os perfis familiares e escolha dos estabelecimentos de
ensino, Nogueira et al. (2009) investigaram famílias de colégios privados, colégio
federal, escolas estaduais e municipais, de alto desempenho. A hipótese inicial dos
autores era de que “[...] em cada tipo de escola existiam famílias com graus
diferenciados de mobilidade escolar” (NOGUEIRA et al, 2009, p.4) .
Os dados indicaram que famílias cujos filhos estudam na federal e nos
colégios particulares apresentam um perfil mais favorável à escolarização, conforme
a literatura sociológica na área. A escolha do estabelecimento de ensino continua
associada às características sociais da família. Deste modo, famílias com perfis
sociais diferenciados escolhem tipos de escola adequados aos seus perfis. Os pais
mais escolarizados ou com proximidade maior do universo escolar tendem a utilizar
para a escolha do colégio critérios mais pedagógicos (como qualidade de ensino,
métodos e referências positivas do colégio) e menos questões utilitaristas
(proximidade da residência, horários, dentre outros). Os pais das escolas Estaduais
e Municipais comuns apontam critérios funcionais para escolha da escola dos filhos,
no entanto, aqueles que têm crianças estudando nas escolas de melhor
desempenho atribuem sua escolha a aspectos relacionados à qualidade do ensino e
aprendizagem. Os pais da escola federal escolhem levando em consideração a
qualidade e métodos de ensino, além da recomendação dos amigos. Os pais da
escola privada entendem como importante a qualidade do ensino, mas sobre a
escolha pesam, também, critérios tais como: valor da mensalidade, localização e
formação cristã.
Os autores acreditam estarem continuadamente confirmando a hipótese de
que a “[...] vinculação das famílias da amostra investigada a diferentes tipos de
estabelecimento de ensino está relacionada a formas desiguais de mobilização à
30
escolaridade dos filhos” (NOGUEIRA et al, 2009, p. 11). Isso é expresso nas
concepções e estratégias diferenciadas de cada família na escolha da escola.
Quanto ao nível de aspirações escolares e projeto de futuro das famílias para
os filhos, os pais da escola federal apresentam uma ambição escolar bem superior
aos demais, entendem que o filho deve entrar no mundo do trabalho após os 21
anos, e almejam que as crianças alcancem a pós-graduação. São eles também que
mais se dedicam ao processo de escolarização dos filhos, auxiliando-os nos deveres
de casa, esclarecendo dúvidas e sugerindo material de consulta quase todos os
dias.
Em geral, os indicadores de mobilização foram mais evidentes no colégio
Federal do que nas instituições privadas ou nos colégios Estaduais e Municipais.
Apesar do ingresso na instituição ser por sorteio- tido como mais democrático- o
público no colégio é seleto e detentor de capital cultural. Para os pesquisadores isso
é um indicativo de que a seleção por sorteio não atende à diversidade, mas a um
grupo que possui a posse de recursos sociais diferenciados. A escola Federal
atende a famílias já relativamente favorecidas, em relação ao meio social, capital
informacional e práticas culturais rentáveis do ponto de vista educacional.
No que se refere à produção do sucesso escolar, Arco Netto (2001) toma
como campo de estudo um colégio público considerado de excelência, a Escola
Técnica Federal. O objetivo da pesquisa foi “investigar como o vestibulinho para
ingresso na instituição produz uma seleção rigorosa a priore de um público
altamente suscetível a ação pedagógica da instituição”. (ARCO NETTO, 2001, p.1).
O autor atenta, inicialmente, para o fato dos colégios Federais possuírem
características atribuídas às escolas particulares de ensino, pois a seleção que
orienta o egresso dos estudantes compõe “[...] um corpo discente estável e
altamente qualificado, um grupo seleto de estudantes” (ARCO NETTO, 2001, p.2).
Os dados revelam que os alunos desse contexto “[...] cursaram escolas privadas
durante o Ensino Fundamental, possuem um relativo privilégio cultural e econômico
herdado” (ARCO NETTO, 2001, p.3), tem pais que possuem curso superior completo
e são pertencentes à classe média paulistana. Esses concorrentes, com seu capital
simbólico e social, são os que ocupam as vagas do colégio, em detrimento de outros
31
grupos das camadas populares, não permitindo a “democratização” do Ensino Médio
de qualidade.
Essa aproximação preliminar com os estudos sobre as elites intelectuais,
sucesso e excelência escolar dá um indicativo de como ocorre a mobilização das
famílias para a escolarização dos filhos, as socializações diferenciadas e as
estratégias empreendidas durante a escolarização, como exemplo da escolha do
estabelecimento de ensino, visando alcançar sucesso escolar e um êxito profissional
futuro. Em geral, os estudos focalizam a constituição de disposições que,
convertidas em habitus escolares, colaboram para o sucesso escolar. Eles atentam,
ainda, para a necessidade de discutir como é produzida a excelência escolar nas
instituições de prestígio. Tais pesquisas têm questões semelhantes as que
abordaremos nesse estudo, estabelecem uma discussão que pretendemos
aprofundar com nossos achados, mas a abordagem teórico-metodológica utilizada
para estudar tais aspectos é o que nos diferencia dos demais estudos aqui
apresentados. O caráter subjetivo das escolhas, a imagem construída dos
estabelecimentos e a relação entre a escolha do estabelecimento de ensino e as
perspectivas futuras de estudantes e pais é uma relação pouco contemplada nas
pesquisas tendo como base as Representações Sociais.
A escolha por tal abordagem teórico-metodológica não foi aleatória. O estudo
em Representações Sociais permite articulações entre a Psicossociologia e a
Sociologia da Educação. Ela nos permite analisar a pertença a um determinado
grupo social e as atitudes e comportamentos diante da escola (GILLY, 2001). As
diferentes representações que se tem de um estabelecimento de ensino podem
influenciar as práticas dos agentes e não apenas precisam ser conhecidas, como
estudadas e discutidas, no âmbito acadêmico, para compreensão dos fenômenos
educativos.
Um viés pouco considerado pelos pesquisadores são as análises subjetivas
aliadas às objetivas que tentam responder aos fenômenos sociais que remetem ao
contexto educativo. Não estamos excluindo os aspectos objetivos da escolha do
estabelecimento, ao contrário, eles exercem influência sobre os aspectos subjetivos,
a autonomia e esperanças subjetivas dos sujeitos quanto ao seu futuro escolar. Os
elementos subjetivos investigados colaborarão para uma maior compreensão das
32
representações que os atores têm do colégio e a sua relação com a prática,
mobilização e estratégias de acesso e permanência, sobrevivência com êxito, no
jogo escolar. Entendendo, sobretudo, “as representações como condições das
práticas, e as práticas como agentes de transformação das representações”
(ROUQUETTE, 1998, p.43), almejamos compreender como se dá essa
movimentação em que representações influenciam práticas e práticas transformam
representações.
A importância de analisar os fenômenos educativos à luz da Teoria das
Representações Sociais, como bem reforça Alves-Mazzotti (2008, p.18), se dá por
“[...] suas relações com a linguagem, com a ideologia e, principalmente, por seu
papel na orientação de condutas e das práticas sociais”. Elas se constituem, assim,
em elementos essenciais à análise dos mecanismos que interferem na eficácia do
processo educativo.
A presente pesquisa se insere no debate travado acerca da relação que a
família mantém com a escolaridade dos filhos, mobilizações, estratégias familiares e
socialização das crianças numa época em que as credencias escolares assumem
cada vez mais centralidade na vida dos sujeitos, onde o diploma atesta o valor social
de cada um, provando seu sucesso ou fracasso nos estudos. Mais especificamente,
nossa preocupação está na relação que pais e alunos que formam a elite acadêmica
estabelecem com o colégio em meio a essa dinâmica e com o sentido que é
atribuído à escola quando “[...] a experiência escolar entra no horizonte de suas
expectativas de vida” (DUSCHATZKY, 1999, p.81). Os sentidos estão mais latentes
quando se percebe uma tentativa de escolha do estabelecimento de ensino e
mobilizações para o ingresso em instituições de prestígio.
No entanto, os investimentos escolares, tempo e energia, reúnem significados
que vão além de questões estritamente utilitaristas e se relacionam à subjetividade e
identidade social dos grupos (ZAGO, 2008). O espaço escolar envolve desejos e
subjetividades, carrega consigo um valor simbólico, garantindo reconhecimento
social e realização pessoal a quem deles consegue “tirar proveito”. Conseguir ou
não tirar proveito desse espaço envolve condicionantes sociais e bagagens culturais
próprias que estão longe de se relacionarem a dom e mais próximas às
socializações vivenciadas por cada um.
33
A escolha do colégio pensada nesses termos nos leva a considerar em
primeiro lugar quem são os sujeitos que optam por frequentar um estabelecimento
de ensino federal e porque o escolhem. O público predominante do colégio é
possuidor de um habitus, disposições incorporadas, que funcionam como uma
espécie de sentido do jogo; assim eles não têm a necessidade de raciocinar para se
orientar de uma maneira racional no espaço, para selecionar as melhores opções
(BOURDIEU, 2009; 2011).
Se nos questionarmos “Quem chega”? “Por que chega?” e “Como chega?” ao
Colégio de Aplicação da UFPE, teremos as respostas relacionadas a questões
referentes à socialização das crianças, capitais cultural, social e informacional, e ao
habitus comum ao grupo no sentido defendido por Pierre Bourdieu.
A seleção de ingresso permite à escola acolher os alunos mais aptos, mais
bem preparados para vivenciar a ação pedagógica. Participar da seleção do colégio
interessa àqueles que entendem a ação pedagógica que ali ocorre como a mais
adequada aos seus propósitos. Essa “peneira” garante uma adequação das
propriedades sociais e culturais dos alunos selecionados ao estilo da escola. Assim,
a ação escolar se faz numa população já motivada e com habitus favoráveis à sua
atuação.
A primeira barreira que se impõe de acesso ao colégio é a barreira
informacional. As camadas populares nem sabem da existência ou importância do
CAp, e quando sabem ele não integra o horizonte de expectativas possíveis ao
grupo. O capital informacional amplamente discutido por autores como Dantas
(2002) e Brandão (2010) como desdobramento do capital cultural, de que fala Pierre
Bourdieu, exerce importância sobre as escolhas dessas famílias e diferenças sobre
o rendimento dos estudantes. O capital informacional, em conjunto com o capital
cultural e social, torna os diferentes espaços conhecidos, familiares, acessíveis e
possíveis ao grupo possuidor de informação e de uma rede de amigos e familiares
que conhecem e valorizam tais espaços.
Outro aspecto favorável é o espaço doméstico adequado à realização dos
estudos; e a disponibilidade familiar de um tempo maior e “melhor”, por assim dizer,
para investir em práticas educacionais e culturais. A família exerce uma gestão do
cotidiano desses estudantes que possivelmente se desdobram em habitus
34
favoráveis à escolarização. São valores, práticas, rotinas e modo de valorizar a
cultura e a educação que constroem disposições permanentes favoráveis ao
aprendizado escolar (BRANDÃO, 2010).
Neste estudo, partimos do pressuposto de que as famílias que escolhem o
CAp da UFPE, as camadas médias intelectualizadas, efetuam certo “malabarismo”
para a aprovação na seleção de ingresso e mobilizam estratégias não
necessariamente planejadas, mas orquestradas e orientadas para o sucesso escolar
dos filhos. Isso ocorre porque carregam consigo uma certeza, uma garantia do
sucesso que se deve ao habitus do grupo, e que é reforçada a cada êxito, ou
resposta positiva que suas crianças lhes fornecem. Nesse sentido, a escolha do
colégio não é aleatória, ela faz parte do campo dos prováveis, do leque de
possibilidades que os pais possuem e está, estritamente, relacionada às
perspectivas de futuro dessas famílias.
As escolhas que entendemos ser fruto de uma “tomada de consciência” são,
na verdade, o habitus em ação, tal princípio é gerador e unificador de todas as
práticas e nos faz confundir “escolha” com “vocação” ao associarmos as escolhas
dos sujeitos à ideologia do dom, quando na realidade estas se mostram ajustadas às
condições objetivas e esperanças subjetivas deles. As condições de existência dos
grupos constroem as esperanças subjetivas dos que dele fazem parte, por lembrar a
cada um diariamente seus “destinos” prováveis (BOURDIEU, 2009).
O habitus é um princípio expresso na maneira de ser, de agir e de se
posicionar no mundo comum a membros de um determinado grupo social. Ele diz
das possibilidades individuais, permite ao sujeito afirmar “isso não é para mim”,
“essa escola sempre foi nossa primeira opção”, “eu tinha certeza de que iria passar”.
Podemos dizer, assim como a máxima tomista, que ele leva os sujeitos a viver
“segundo seus gostos” e “conforme a sua posição” (BOURDIEU, 2009, p.107).
Os conceitos de Habitus e Representações Sociais, embora forjados em
contextos epistemológicos diferenciados, nos permitem dialogar sobre a
subjetividade, sua construção a partir de condições objetivas e como as disposições
incorporadas se expressam nas práticas objetivas dos sujeitos. Nosso entendimento
é de que a subjetividade deve ser buscada considerando-se o contexto objetivo e as
35
condições de existência dos indivíduos que as expressam, pois a subjetividade
também é fruto dessa objetividade.
Nessa perspectiva, se constituem como de suma importância os estudos
sobre a relação que os diferentes sujeitos estabelecem com a educação escolar e as
condições objetivas para atingir os fins pretendidos. Eles possibilitam pensar nos
processos subjetivos e objetivos que desencadeiam fracassos ou êxitos escolares.
Como dito anteriormente, a excelência escolar das escolas de prestígio torna-
se um atrativo para as famílias que investem no sucesso escolar dos filhos,
manifesta nos pais e nos seus rebentos uma autodeterminação e investimentos
pessoais. Consideramos que a escolha das famílias pelo Colégio de Aplicação da
UFPE não é aleatória; é uma escolha orientada e carregada de sentidos
compartilhados sobre o objeto e relacionada às perspectivas de futuro dessas
famílias. Assim, torna-se relevante compreender como pais e alunos representam
esse colégio de prestígio. Neste sentido, a presente pesquisa procura responder as
seguintes questões: o que pensam pais e alunos sobre o Colégio de Aplicação da
UFPE? Quais crenças e significados são atribuídos ao colégio? Qual a estrutura
dessa representação? Por que tantas mobilizações para estudar na instituição? Por
que esta e não outra escola? Quais estratégias são mobilizadas pelas famílias para
garantir o acesso e a permanência dos filhos no colégio? Quais as perspectivas de
futuro que estão atreladas ao ingresso e a permanência no CAP da UFPE? Quais
relações podem ser percebidas entre o habitus dos estudantes e as representações
sociais que eles têm do colégio? Capturar essas crenças, imagens, desejos e
expectativas associadas ao Colégio de Aplicação é o que pretendemos com o
presente estudo.
Na tentativa de responder aos questionamentos acima propostos, adotamos
como aporte teórico-metodológico para este estudo a Teoria das Representações
Sociais (TRS), que permite investigar “[...] como se formam e como funcionam os
sistemas de referência para classificar pessoas e grupos, e interpretar a realidade
cotidiana” (ALVES-MAZZOTTI, 2008. p. 18). Nesse sentido, os sujeitos constroem
concepções e interpretações próprias sobre um determinado objeto, que levam as
condutas difundidas na sociedade. Daí a importância de estudar nosso objeto,
36
construído socialmente, e os conceitos que o envolvem, à luz das representações
sociais.
A Teoria das Representações Sociais proposta pelo psicólogo social francês
Serge Moscovici foi o caminho que escolhemos para capturar as produções
simbólicas dos grupos. As produções simbólicas expressam um saber sobre o real,
as identidades, tradições e culturas que dão forma a um modo de vida
(JOVCHELOVITCH, 2005). Por permitir relacionar processos cognitivos e práticas
sociais; e por seu papel na orientação das práticas e condutas, as representações
sociais precisam ser estudadas e compreendidas como sistemas simbólicos que
interferem nas interações intra e extra escolares, influenciam no processo
educativo, contribuindo para a produção de sucessos e fracassos escolares
(ALVES-MAZZOTTI, 2003). Deste modo, é relevante estudar as representações de
pais e alunos sobre o colégio de aplicação da UFPE para compreender qual o valor
simbólico atribuído à instituição pelos sujeitos, se este valor está atrelado às
perspectivas de futuro e se essas representações estão direcionando as condutas
e mobilizando os sujeitos a acionarem o habitus, os capitais e as estratégias
próprias de seu grupo.
A TRS desdobra-se em três correntes complementares que serão
apresentadas mais adiante, a que subsidia a nossa pesquisa é a Teoria do Núcleo
Central proposta por Jean Claude Abric. A escolha por tal abordagem se deu por
possibilitar a identificação do núcleo articulador dessas representações, por permitir
o conhecimento do elemento, ou dos elementos essenciais que permeiam o
universo simbólico do sujeito na relação que estabelece com o objeto representado.
E, principalmente, por nos possibilitar pensar em como tais representações orientam
as práticas desses sujeitos. O forte desta abordagem é permitir a articulação entre
práticas e representações sociais, pois nessa abordagem é irrecusável a relação
entre ambas. Os seus representantes se preocupam, inclusive, em compreender
como ocorrem as transformações das representações em decorrência de novas
práticas sociais.
Com este estudo, busca-se compreender as Representações Sociais do
Colégio de Aplicação da UFPE segundo alunos e pais, caracterizando e
analisando os sentidos e significados atrelados às perspectivas de futuro. E,
37
mais especificamente, identificar o conteúdo e a estrutura das representações
sociais de pais e alunos referentes ao colégio de aplicação da UFPE; caracterizar as
razões/ fatores que levam as famílias a escolherem um colégio considerado de
referência para escolarização dos filhos; identificar as perspectivas de futuro de
alunos e pais e sua relação com o ingresso e permanência no colégio; identificar as
estratégias mobilizadas pelos estudantes para fazer parte do quadro de alunos da
referida escola e aquelas que continuam sendo utilizadas para se manter na
instituição; apreender a relação entre habitus e representações a partir das
estratégias utilizadas pelos sujeitos para garantir o acesso e a permanência ao
colégio.
O estudo foi desenvolvido em três fases. Na primeira os sujeitos responderam
a um Teste de Associação Livre de palavras, com o qual tinham que evocar palavras
associadas ao termo indutor “Colégio de Aplicação”. O intuito desta etapa foi
identificar o conteúdo e a estrutura das representações. Anexo ao teste de
associação livre, responderam a um questionário socioeconômico que nos permitiu
traçar um perfil das famílias que acessam a instituição e definir critérios para os
participantes da próxima etapa. Para análise desta etapa, utilizamos o quadro de
quatro casas com o auxílio do software EVOC.
Na segunda fase, nos valemos das Triagens Hierárquicas com a intenção de
confirmar a saliência da representação encontrada na fase anterior. Os sujeitos
tiveram que hierarquizar os termos tidos como centrais ou mais salientes da
representação e selecionar aquele que consideravam mais relevante dentre as que
compunham o repertório. A análise ocorreu de duas formas: cálculo de frequência e
Análise de Conteúdo das justificativas dos sujeitos.
Na terceira fase, realizamos entrevistas Individuais semiestruturadas. No
contato com os sujeitos nos foi possível apreender de forma mais aprofundada os
sentidos que estudantes e pais compartilham do CAp-UFPE . Essa fase nos
permitiu, ainda, identificar as estratégias familiares para acessar a instituição e as
perspectivas de futuro das famílias. Nessa etapa, de forma mais sistematizada,
tratamos sobre a operacionalização do conceito de habitus em aproximação com a
Teoria das Representações Sociais. Para análise das entrevistas utilizamos como
suporte a Análise de Conteúdo de Bardin.
38
2. COLÉGIO DE APLICAÇÃO: ORIGENS, CONSOLIDAÇÃO E PERSPECTIVAS
2.1. HISTÓRICO DOS COLÉGIOS DE APLICAÇÃO NO BRASIL
2.1.1. Como nasce uma ilha de excelência? Como dito anteriormente, os Colégios de Aplicação caminham na contramão
dos resultados insuficientes das demais escolas públicas (municipais e estaduais).
Tais instituições,ao obterem resultados acima da média, funcionam como uma
realidade à parte, instituições diferenciadas das demais. Elas se sobressaem,
inclusive, por estarem vinculadas às universidades federais e liderarem os rankings
das avaliações às quais seus alunos são submetidos.
Em virtude de discutir neste projeto a excelência escolar e termos tomado
como objeto e campo de pesquisa o CAp da UFPE, faz-se um resgate histórico do
surgimento dos Colégios de Aplicação no Brasil e em especial do CAP-UFPE, no
intuito de compreender como a instituição foi se construindo como “colégio bem
sucedido”. Para recuperar essa trajetória se tomou como instrumentos de apoio
documentos oficiais que certificam sua origem; relatos dos fundadores da unidade
em Recife e de ex-alunos8 e documentos que contam a própria história da
Universidade.
2.1.2. Colégio de Aplicação: o projeto
Os Colégios de Aplicação brasileiros surgiram como projeto em 1944, quando
Lourenço Filho - diretor do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP)- confiou ao professor Álvaro Neiva a tarefa de iniciar os
primeiros estudos para implantação dos colégios de demonstração, vinculados às
Faculdades de Filosofia.
A concepção de Colégio de Aplicação tem sua origem ligada ao movimento
da escola nova, a partir da filosofia de John Dewey em torno da experiência. Essas
escolas-laboratórios foram concebidas para serem espaços ideais, nos quais os
conhecimentos teóricos se transformariam em prática pedagógica. Tudo isso
8 Os relatos são fruto de um Dossiê publicado pela editora universitária da UFPE “Colégio de
Aplicação da UFPE, 40 anos, 1958-1998: um autorretrato”.
39
ocorrendo em contextos reais de ensino-aprendizagem (BISPO, 2011). Desta forma,
sua origem está relacionada à proposta de construir um espaço no interior da
universidade, com condições práticas/experienciais para formar professores.
Inspirado nos colégios norte-americanos, Theacher’s College, e no Institut
Jean- Jaques Rousseau, em Genebra, esse modelo de colégio foi pensado para ser
espaço de destaque na pesquisa educacional e campo experimental. Segundo
Frangella (2000), as discussões em torno da criação de instituições desse tipo
tiveram início em 1939, ano em que o Ministro Gustavo Campanema anunciou a
criação do Colégio José Bonifácio, que só se efetivou em 1942, com orientações que
se assemelhavam ao posterior projeto encomendado por Lourenço Filho.
Os Colégios de Aplicação foram criados através do Decreto Lei nº 9.053 de
12 de março de 1946 que estabeleceu a obrigatoriedade das Faculdades de
Filosofia de manter um Ginásio de Aplicação destinado à prática docente dos alunos
matriculados no curso de Didática (BRASIL, 1946).
Em artigo publicado na Gazeta de São Paulo, em 1957 e reproduzido na
íntegra pela Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos do mesmo ano, o então
Ministro da Educação e Saúde Pública Ernesto Gaspar Campos explica o porquê de
situá-los em ambiência universitária e de estabelecimentos comuns não servirem a
tal propósito:
Impõe-se, para o objetivo da prática magistral, uma instituição intimamente
ligada à Faculdade de Filosofia, recebendo de suas cátedras o influxo de
sua sabedoria, do seu material, do seu aparelhamento e (ponto importante)
condicionada à flexibilidade experimental. Do contrário cairíamos na mesma
rotina que se pretende aperfeiçoar (Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos, 1957, p. 241).
Percebemos, assim, a clara intenção de organizar um campo de
experimentação pedagógica, que fugisse ao comum para influir no comum. Os
objetivos iniciais da criação de tais colégios assim se resumiam:
1º Proporcionar a prática didática em casa de ensino apropriada, dotada de
todos os recursos para tal finalidade.
2° Instituir uma casa de ensino modelar para estímulo e emulação de outras
do mesmo grau.
3° Abrir, sob a égide da Faculdade de Filosofia, um campo experimental
palpitante e evolutivo (Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 1957, p.
242).
40
A obrigatoriedade de manutenção dessas instituições não se efetivou
imediatamente por todo o país, ao contrário, a marcha seguiu lenta nos primeiros
dez anos. As Faculdades - cada uma a seu modo e a seu tempo- foram
respondendo à incumbência legal e organizando-se em torno desse projeto. A
natureza do vínculo entre as escolas e instituições de ensino superior, assim como a
estrutura também variaram, conforme o contexto de cada uma delas. Na década da
publicação do referido decreto, dois colégios foram criados (UFRJ e UFBA), nas
duas décadas seguintes, foram criados mais 10, e entre os anos 1970 e 1980 foram
criados mais quatro, o último colégio (CAP de Rondônia) foi criado em 1995.
Conforme o relatório do CONDICAp9 (2011), no ano de 1993 o país abrigava 16
colégios. Atualmente existem 17 Colégios de Aplicação vinculados às universidades
federais. O grau de vinculação com a universidade também é variado, alguns
vinculam-se à Pró-Reitoria de Graduação, aos centros, faculdades ou aos
Departamentos de Educação.
Com o passar do tempo, à denominação “Ginásios de Aplicação” foi dando
lugar a “Colégio de Aplicação” acompanhando as mudanças estruturais/ legais do
Ensino brasileiro. O Primário e o Ginasial foram unificados e a escola passou a ser
organizada em um contínuo de oito séries. Além do mais, esses espaços passaram
a atender outros níveis de ensino além do ginasial (secundário), não cabendo mais a
denominação. Hoje em dia, esses colégios atendem a Educação Infantil (EI);Ensino
Fundamental (EF) - anos iniciais (1º ao 5º ano- EF1) e finais (6º ao 9º ano- EF2);
Ensino Médio (EM); Ensino Médio Normal (EMN) e a Educação de Jovens e Adultos
(EJA).
O grau de vinculação desses colégios com a universidade e os níveis e
modalidades de ensino a que atendem estão organizados na tabela a seguir.
9Conselho Nacional dos Dirigentes das Escolas vinculadas às Instituições de Ensino Superior.
41
Tabela 1-Grau de Vinculação, níveis e modalidades de ensino dos CAps
Fonte: CONDICAp, 2011.
Nome/ Universidade Ano de
Criação
Vinculação Nível e
modalidade de
Ensino
ensino Colégio de Aplicação, UFRJ 1948 Centro de Filosofia e
Ciências Humanas EF1- EF2- EM
Colégio de Aplicação da
UFRGS
1954 Gabinete do Reitor
EF1-EF2-EM-
EJA
Centro Educacional- CP, UFMG 1954 Faculdade de
Educação EF1-EF2-EM-EJA
Colégio de Aplicação CAP,
UFPE
1958 Centro de Educação EF2-EM
Colégio de Aplicação- CODAP-
UFS
1959 Pró-Reitoria de
Graduação EF2-EM-EJA
Colégio de Aplicação da UFSC 1961 Centro de Ciências da
Educação EF1-EF2-EM-EJA
Núcleo de Desenvolvimento
Infantil, UFSC
1961 Centro de Ciências da
Educação EI
Colégio de Aplicação, UFPA 1963
Centro de Educação EI-EF1-EF2-EM-
EMN-EJA
Colégio de Aplicação João
XXIII, UFJF
1965 Pró-Reitoria de
Graduação EF1-EF2-EM-EJA
Colégio de Aplicação- COLUNI,
UFV
1965 Pró-Reitoria de Ensino EM
Centro de Ensino e Pesq.
Aplicada- CEPAE, UFG
1968 Centro de Ensino e
Pesquisa Aplicada à
Educação
EF1-EF2-EM
Colégio Universitário – COLUN,
UFMA
1968 Reitoria EF1-EF2-EM
Escola de Educação Básica-
ESEBA, UFU
1968 Pró-Reitoria de Ensino EI-EF1-EF2-EJA
Núcleo de Educação Infantil,
UFRN
1979 Centro de Ciências
Sociais Deptº de
Educação
Educação
EI-EF1
Colégio de Aplicação, UFAC 1981
Centro de Educação EI-EF1-EF2-EM
Colégio de Aplicação, UFRR 1995 Centro de Educação EF1-EF2-EM
Colégio Universitário Geraldo
dos Reis, COLUNI, UFF
2006 Pró-Reitoria de
Graduação EI-EF1-EM
42
Os ginásios de aplicação, além de servirem de campo de formação para os
professores,teriam outro objetivo ambicioso: desenvolver práticas pedagógicas
inovadoras. Assim, não se tratava, apenas, de funcionarem como locus de
formação, mas, sobretudo, espaço de experimentação pedagógica, de novas
orientações técnicas e metodológicas para a renovação e melhoria do ensino nos
segmentos conhecidos, hoje, como Fundamental e Médio. Deriva, dentre outros
aspectos, do caráter simbólico desse objetivo, a forte tendência ao ensino de
excelência em tais colégios. No entanto, tratadas um pouco mais adiante, neste
texto, outras questões que também colaboram para estes colégios se diferenciarem
dos demais, tais como: a instância a que estão relacionados, o fato de se
localizarem em ambiência universitária, a qualificação dos profissionais e, em alguns
casos, alta seletividade do alunado.
Segundo Castro (1993) apud Santos (2004) essas escolas foram muito
procuradas por pessoas com grau de instrução elevada, intelectuais e professores,
que almejavam para seus filhos a experiência diferenciada do colégio piloto. O
investimento necessário de recursos materiais e humanos para atingir os objetivos
propostos e o valor simbólico que essas instituições vêm adquirindo em função de
seus resultados contribuíram para que tais colégios se diferenciassem cada vez
mais das escolas públicas com as quais convivemos.
2.1.3. Pensando e repensando os Colégios de Aplicação
Apesar de lograrem êxito na esfera do desempenho e avaliações
institucionais, os Colégios de Aplicação atravessam uma crise, que não é recente,
pois há anos essas instituições vivem sobre a ameaça de extinção e
desfederalização. Encontros e seminários são realizados, na tentativa de discutir
alternativas as demandas urgentes desses colégios. Tais encontros constituem
momentos de troca de experiências entre profissionais e alunos em contextos
diferenciados; espaços de reflexão sobre a importância de tais colégios; socialização
de ideias; organização e mobilização a nível nacional, visando garantir o ensino de
excelência em tais espaços.
43
Esses eventos não são recentes, pois ocorrem desde a década de 1980.
Questões como a função dos CAps e condições necessárias para garantir a
educação pública gratuita e de qualidade que eles oferecem são pautas de tais
encontros. Os colégios continuam a ser pensados e (re) pensados para não
perderem sua essência, mas, ao mesmo tempo, alinharem-se aos desafios atuais.
De acordo com Santos (2004), o período de redemocratização do Brasil e o
processo de abertura política permitiram aos profissionais da educação
movimentarem-se no sentido de reivindicar melhores salários, reconquistar a
democracia no interior das escolas e lutar contra as ameaças de extinção. Nesse
contexto, meados dos anos 1980, professores realizaram greves em vários pontos
do país, reivindicando não apenas melhores condições salariais e de ensino, mas
uma definição do papel dessas instituições e uma política de inserção e interação
dos colégios com a universidade, seus institutos e com o sistema de ensino estadual
e municipal, bem como um enquadramento profissional específico.
No decorrer dos anos, alguns encontros aconteceram com o intuito de
responder às demandas específicas de tais colégios. Dentre os destaques está o
primeiro encontro de professores das Escolas de Aplicação, que ocorreu em
Florianópolis, em outubro de 1985. Naquela ocasião, os professores tentam se
organizar, visando uma maior autonomia didática, pedagógica e administrativa.
Outro marco importante para a história dessas escolas foi o III Encontro
Nacional das Escolas Universitárias (III ENEU), que ocorreu no Rio Grande do Sul
em 1990. Ali se realizaram discussões e definições acerca do papel dos colégios,
sua inserção na universidade, o ingresso e a permanência dos alunos na instituição,
dentre outros aspectos. Os princípios que nortearam a criação de tais colégios são
expressos no relatório deste evento, alinhando-se aos do eixo universitário ensino-
pesquisa-extensão, no sentido de superar os problemas educacionais da
comunidade.
O III ENEU teve como resultados uma reafirmação do papel do colégio como
campo de estágio; necessidade de articulação com a comunidade acadêmica e as
demais instituições de ensino; além de atentar para a luta em tornarem-se unidades
autônomas, alcançando tal objetivo em todas as dimensões: autonomia didática,
pedagógica, administrativa e financeira. Alguns aspectos, tais como: filosofia e
44
proposta curricular, deveriam ser definidos por cada instituição, conforme as
diferentes realidades vivenciadas e o acesso ao colégio. Esse último teve como
orientação comum ser um ingresso democrático.
No âmbito da campanha de elaboração do Plano Decenal de Educação para
Todos, foi realizado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), em 1993, o
seminário “Repensando as Escolas de Aplicação”. Esse evento tinha por objetivo
formular um programa de apoio aos Colégios de Aplicação, estabelecendo linhas de
ação para o desenvolvimento de uma educação básica de qualidade (SANTOS,
2004). Tal apoio se materializou numa proposta conjunta (MEC e diretores dos
CAp´s de todo Brasil) de redimensionamento e redirecionamento dos papéis e
funções dessas instituições.
Nos dias atuais, várias questões inquietam os profissionais dos CAps, tais
como: a identidade dos colégios, diretrizes e normas de funcionamento,
democratização do acesso, avaliação, financiamento, autonomia universitária,
carreira docente única, déficits de professores efetivos, tendência de precarização
das condições de trabalho com o estabelecimento de metas e a tentativa da
administração desses colégios ficar a cargo dos estados e dos municípios. Essas
questões continuam a ter como fórum legítimo de debates os encontros nacionais.
Em março de 2011, tornou-se pública a versão preliminar de uma portaria do
MEC que trata da regulamentação dos Colégios de Aplicação. O Sindicato Nacional
dos Docentes das Instituições do Ensino Superior (ANDES) designou uma comissão
para analisar o documento e chegou a conclusão de que ele representa uma
ameaça de reconfiguração dos colégios, fato que causou muita polêmica e foi motivo
de vários debates. O texto, ainda não publicado oficialmente, está sendo criticado
por ferir a autonomia universitária dos Colégios de Aplicação (ADUFRJ, 2011).
A discussão tem sido acirrada, em especial sobre a ameaça de transferir a
responsabilidade pela manutenção e administração de tais instituições para a esfera
dos estados e dos municípios. Os debates têm abarcado questões como a
precarização das condições de trabalho, estabelecimento de metas que serão
avaliadas, padronização dos colégios e estabelecimento do aumento dos RAP
(Relação Aluno Professor), dentre outros aspectos.
45
Em resposta à proposta do governo de reconfiguração dos colégios, foi
realizado em 2011 o seminário “Em defesa da autonomia universitária: colégios de
aplicação, formação docente e educação pública de qualidade”, em Brasília-DF, na
sede do ANDES-SN, nos dias 22 e 23 de agosto. O evento conseguiu reunir
representantes de 13 colégios devido à urgência na elaboração de uma contraposta.
Nesse encontro, as questões da autonomia universitária e da carreira única foram
amplamente discutidas, bem como os demais aspectos da portaria preliminar. O
relatório final do seminário ressalta o caráter universitário dos CAps, a efetiva
participação dos seus professores no desenvolvimento da pesquisa, ensino e
extensão e, principalmente, seu papel fundamental na formação docente, tanto
inicial quanto continuada (BARROS, 2011). Tal posição nega as colocações do
Governo Federal que justifica as medidas a serem implementadas porque os CAps
não estão cumprindo a sua função de formação de professores.
As discussões não cessaram, os professores continuam mobilizados junto
aos sindicatos por melhores condições de trabalho, regulamentação dos colégios,
defesa da carreira única e a continuidade do ensino de qualidade ministrado nessas
instituições. Passados quase 70 anos da criação dos CAps, a (re) definição da
função e regulamentação desses espaços, ainda, constituem desafios a serem
enfrentados.
2.2. O Colégio de Aplicação da UFPE: das origens aos caminhos da
excelência10.
O Colégio de Aplicação da UFPE foi fundado aos 10 de março de 1958,
anexo à Faculdade de Filosofia, tendo assumido a função de laboratório
experimental. Voltado para elaboração de técnicas pedagógicas e educacionais que
seriam repassadas às escolas das redes de ensino municipais, estaduais e
instituições privadas, bem como para servir de campo de estágio aos estudantes do
curso de licenciatura da UFPE e de outras instituições superiores.
10
Este item foi construído com base nos relatos que constam no Dossiê publicado pela editora universitária da UFPE “Colégio de Aplicação da UFPE, 40 anos, 1958-1998: um autorretrato”, e a partir das informações fornecidas na página eletrônica do colégio http://www.ufpe.br/CAp/
46
Nas palavras da primeira orientadora Educacional do Serviço de Orientação
Educacional (SOE) o CAP da UFPE:
Surgido por força de dispositivo legal, destinava-se ao estágio futuro de
professores do ensino de 1º e 2º graus, servindo-lhes de laboratório. De
modo análogo ao funcionamento da Faculdade de Medicina com os
hospitais-escolas. Aos responsáveis pelas disciplinas Didática Geral e
Didáticas Especiais, dos cursos ministrados pela Faculdade de Educação
coube pensar essa instituição como órgão de orientação dos conteúdos
programáticos, testando a validade dos vários métodos de educação e de
ensino com o compromisso da investigação e da experimentação
pedagógicas. Daí se pode imaginar a responsabilidade da equipe de
educadores no sentido da criação das metodologias mais adequadas à
produção do aprendizado nos vários campos do conhecimento oferecidos
aos alunos do 1º e 2º graus (p.14).
Um terceiro objetivo do CAP-UFPE seria “promover a formação integral dos
alunos do ensino fundamental e médio”. É comum entre os relatos dos educadores,
publicado no dossiê mencionado na nota Nº4, a afirmação de que todas as aulas
eram pensadas visando à formação do aluno em sua totalidade. Assim, criou-se um
clima propício a educação integral desenvolvendo os aspectos intelectual, físico,
competências artísticas (musical, plástica e literária), social e emocional. Havia um
incentivo à fala, à livre expressão do pensamento, à verbalização das reivindicações
e protestos, ao pensar crítico.
Os alunos vivenciavam uma educação que era um misto de ensino de
qualidade, autonomia e disciplina11. Cada aluno possuía voz e vez, mas também
estava ciente de suas responsabilidades, limites e consequências de suas ações.
Construiu-se um espaço de cobrança mútua, em que alunos e professores se
exigiam e se responsabilizavam pelo processo de ensino-aprendizagem. Naquele
espaço não existia apenas um responsável por ensinar e outro por aprender, mas
ambos os sujeitos estavam envolvidos com o processo. Havia, pois, um espírito de
corresponsabilidade de toda a comunidade escolar. No dizer da orientadora
educacional do SOE entre 1958 e 1972, “Direção, orientação educacional e
orientação pedagógica convergiam para os ideais de liberdade e autonomia,
11A disciplina nesse contexto é no sentido de um comprometimento com os estudos, disciplina intelectual e organização pessoal, de horários de estudos, acompanhamento das matérias, dentre outros. Uma responsabilização pela própria aprendizagem. Uma disciplina interiorizada, que também envolve aspectos comportamentais, mas sem necessariamente, implicar um outro que ordene ou vigie.
47
trabalhando dinamicamente nos limites consensuais dos princípios de liberdade e
disciplina” (UFPE, 1998, p.14). Um dos educadores recordando a missão da escola,
afirma que esta consistia em:
Formar, educar atentos às diferentes personalidades individuais, um homem
no sentido genérico, capaz de vivenciar o dia a dia. Nosso trabalho consistia
em manter um grupo coeso de mestres, tornando o ensino atraente, capaz
de fazer com que os alunos descobrissem por si mesmos as verdades
inerentes (p.30).
Ao desenvolver projetos interdisciplinares, desafiadores, polêmicos a
instituição exercia fascínio sobre os educadores e conquistava também os alunos,
promovendo uma pedagogia crítica e de liberdade, ensinando-os a questionar, a
sempre perguntar o porquê das coisas. Emídio Ferreira12 (ex-aluno) relembrando a
educação que recebeu no CAP afirma: “Reconheço e relembro quão eficazes foram
nossos educadores no método de fazer-nos pensar”(UFPE, 1998, p.56). O caráter
experimental do colégio dava liberdade ao professor de elaborar o seu currículo
escolar, desenvolvendo práticas pedagógicas diversificadas e criativas. Um espaço,
que no dizer da professora de língua portuguesa Kátia Leite, não era para dar
aula/frequentar aulas, mas um lugar para ensinar/aprender, construir e aplicar o que
se estudava.
Ainda, no que se refere ao aspecto experimental, os professores relembram
que tudo quanto faziam era testado, discutido, avaliado, passo a passo. E o colégio
progredia tanto, que os alunos daquela instituição não necessitavam de cursinhos
particulares para enfrentar o ensino superior. Professores recordam, sem grandes
surpresas, de turmas de 3º ano aprovadas integralmente no vestibular.
O CAp foi construindo um Capital simbólico, uma maneira diferenciada de
atuar nos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio ao longo dos anos,
através de práticas reflexivas e metodologias adequadas visando à aprendizagem
satisfatória de seus membros, fossem eles discentes ou docentes em exercício ou
em formação. Por ser um colégio laboratório, campo de experimentação para
estudantes de licenciatura, o colégio passa a representar uma escola pública bem
sucedida destinada a alunos selecionados.
12
Depoimento contido na publicação “Colégio de Aplicação da UFPE, 40 anos, 1958-1998: um autorretrato”.
48
A clientela do colégio era composta, predominantemente, por crianças da
classe média, filhas de educadores, professores universitários e funcionários
públicos. Essas crianças e jovens já revelavam um bom nível de instrução, pois a
seleção de ingresso sempre se fez rigorosa e competitiva. Conforme divulgado na
citada publicação, os alunos que passaram pelo CAp reconhecem que pertenceram
ao grupo dos privilegiados, ainda que, na época, “[...] não entendessem em sua
totalidade a experiência pedagógica que estava em curso” (UFPE, 1998, p.58). Os
profissionais também eram de uma competência ímpar, e se na época da fundação
do colégio foram indicados os de renome para assumir as disciplinas ginasiais, a
exigência por uma melhor qualificação foi reforçada com a posterior seleção de
profissionais provenientes de cursos de mestrado e doutorado.
Como aponta o documento, o fato de ser mantido e desenvolvido pelo
sistema público federal e localizar-se em ambiência universitária, também, contribuía
para sustentar seu um status de colégio modelo. O espaço não era milagroso, os
problemas estruturais estiveram presentes como na maioria das escolas públicas,
mas, com um pouco de boa vontade, foram sendo contornados. Mas, se é verdade
que a construção da excelência depende, em grande parte, das pessoas, o colégio
possuía recursos humanos de qualidade que se beneficiaram dos currículos
inovadores e dinâmicos - a soma desses fatores o fez adquirir o status de escola
pública de sucesso, colégio modelo.
2.2.1. O Colégio de Aplicação da UFPE hoje13
Atualmente, o Colégio de Aplicação da UFPE oferece os anos finais do
Ensino Fundamental e o Nível médio. A instituição atende a um total de 413 alunos,
destes 245 estão cursando o Ensino Fundamental e 168 o Ensino Médio. Os
estudantes ingressaram no colégio através da seleção pública, que o CAp realiza ao
final de cada ano letivo para compor as turmas de 6º ano do ano seguinte.
A seleção de ingresso supracitada funciona como um verdadeiro
“vestibulinho”. Os candidatos submetem-se a testes de português e matemática com
13
Este item foi construído com base no Projeto Político Pedagógico do Colégio de Aplicação da UFPE, atualizado em Dezembro de 2012, que se encontra disponível em: http://ufpe.br/CAp /
49
questões elaboradas por comissão composta pelos próprios professores do colégio.
A disputa é acirrada. As quase duas mil crianças que se inscrevem a cada ano são
oferecidas apenas 55 vagas. Esse quantitativo se deve ao fato da escola trabalhar
com duas turmas por ano oferecido, em regime de jornada ampliada, e por serem as
turmas compostas de no máximo 30 alunos. Para as demais séries há
oportunidades de ingresso extra, quando do surgimento de vagas ociosas.
O número de estudantes por turma, limitado a 30, permite que o professor dê
maior suporte ao aluno em suas aprendizagens. Aliado a isto, a alta seletividade faz
com que o colégio componha grupos de alunos diferenciados. A prova dessa
diferenciação é que a instituição obteve, pelo terceiro ano seguido, o melhor Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica do País- IDEB. Ainda, ocupa lugar de
destaque no ENEM e os alunos são classificados para olimpíadas nacionais e
internacionais de diversas áreas de conhecimento.
O êxito também é explicado, em parte, pelo quadro docente qualificado e
comprometido. São 51 professores efetivos e 06 substitutos14. Dentre os efetivos, 10
são especialistas, 24 mestres, 16 doutores e um graduado. Alguns dos docentes
estão articulados com a universidade, atuando na graduação e programas de pós-
graduação. Dos seis professores substitutos, cinco são mestres e um especialista.
Os professores de cada área se reúnem, semanalmente, para avaliação: são
engajados e colaborativos. Os pais são participativos, os alunos têm atividades
extraclasses e a equipe técnica empresta sua experiência em serviços como
orientação educacional.
Os serviços de orientação educacional, pedagógica e disciplinar também
apoiam o aprendizado dos discentes. A equipe do Serviço de Orientação
Educacional (SOE) é composta por seis docentes, doutores e mestres, além de dois
psicólogos e três pedagogos. Esses técnicos atuam no sentido de auxiliar na
escolha profissional, autoconhecimento, tomadas de decisão e crescimento pessoal
dos estudantes. O setor promove, ainda, reuniões com os pais no sentido de facilitar
a adaptação do estudante ao colégio. Além do SOE, há o Serviço de Orientação e
Experimentação Pedagógica (SOEP). Este setor é responsável pelas pesquisas
14
As informações foram recolhidas junto ao CAp em 2012 e constam no Projeto Político Pedagógico da instituição.
50
realizadas no interior do colégio, pelo intercâmbio dos estudantes, pela avaliação e
acompanhamento dos projetos, que são realizados por pesquisadores externos.
O Serviço de Orientação e Apoio ao Estágio(SOAE) é o setor responsável por
receber e acompanhar os licenciandos e estagiários vinculados às Práticas de
Ensino I e II das diversas licenciaturas oferecidas pela UFPE. O colégio atende de
180 a 220 estagiários por semestre.
A proposta do ensino do CAp da UFPE é diferenciada. Há o incentivo da
criatividade, criticidade e autonomia. Os alunos vivenciam, além das aulas de
disciplinas convencionais, aulas de música, teatro, dança e língua estrangeira.
Também realizam atividades práticas em laboratórios de biologia, química e
informática e têm acesso às bibliotecas do Colégio e de todo o campus da UFPE.
Nas aulas de língua estrangeira os alunos são divididos: 15 alunos por sala e
cada turma é, ainda, subdividida por níveis a medida que avançam no domínio da
língua. No sexto ano, os estudantes são sorteados para compor a turma de inglês ou
francês. No Ensino Médio os estudantes aprendem uma segunda língua estrangeira.
O colégio atua com base no tripé Ensino-Pesquisa-Extensão. Como exemplos
das atividades de Pesquisa e Extensão, identificamos o Programa de Vocação
Científica para Alunos do Ensino Médio (PROVOC), a cooperação entre o Instituto
de Formação de professores de Montpellier e o CAp da UFPE, o projeto “Aids &
Escola: Prevenção e Solidariedade”, promoção de festivais de arte e cultura, dentre
outros.
O título de Colégio Federal e o ensino de excelência ministrado pelo CAp não
o tem poupado de vivenciar problemas estruturais, de financiamento, ou ameaças de
estadualização/ municipalização. Como já dito, atualmente, a mobilização é no
sentido de que a responsabilidade pela manutenção e administração dos Colégios
de Aplicação do país não seja transferida para os estados e municípios.
Outras questões de precarização estrutural, problemas de financiamento e
quadro de funcionários reduzido são observadas no atendimento aos alunos em
horário integral de aula. Os estudantes que têm turnos ampliados duas vezes por
semana tiveram o fornecimento de merenda interrompida no ano de 2012. Isso
ocorre devido à escola não ter estrutura para armazenar os alimentos, nem
profissional específico para o preparo, a alimentação dos estudantes ficava a cargo
51
da Secretaria Municipal de Educação. Em novembro de 2011, o colégio foi
comunicado pela Prefeitura da Cidade do Recife de que não mais receberia essa
alimentação.
As questões acima referidas poderiam ser resolvidas se houvesse uma
definição de responsabilidades. No entanto, o receio dos gestores do CAP da UFPE
é que o colégio seja assistido pelo estado e/ou município, e com isso a qualidade do
ensino, enquadramento dos professores, e demais aspectos fiquem comprometidos.
Dentre as atuais discussões em pauta no CAp-UFPE está a ampliação de
oferta dos níveis de ensino. A proposta prevê oferecer a Educação infantil e o
Ensino Fundamental (1º ao 5º ano), o que em alguns anos substituiria
gradativamente a seleção de ingresso por sorteio, tornando o acesso à escola, como
recomendado no III ENEU, democrático.
Como já afirmado, desde a sua criação,o ingresso no CAp se dá por meio de
acirrada seleção de ingresso. Os resultados apresentados são inegáveis: o colégio
está no rol dos melhores do país, o que torna a instituição atrativa para os pais. Há
uma cultura seletiva escolar que perpassa o ingresso no CAp da UFPE (ALMEIDA;
LIMA, 2011). É sobre esse aspecto que vamos tratar no próximo tópico.
2.3. A SELEÇÃO PARA INGRESSO NO CAP
2.3.1. Critério neutro na seleção dos “melhores”
Estudos revelam a crença dos sujeitos de que o sucesso escolar oferece
condições ao alcance de sucesso em outras áreas(ACOSTA, 2005;NOVA, 2011;
NAIFF; NAIFF e SÁ, 2008). A decisão dos pais para que seus filhos façam parte de
uma instituição de referência advém de uma ideia de sucesso que se concretiza na
escola, uma ideia de cunho meritocrático.
A crença meritocrática tem suas raízes na massificação escolar, que rompeu
com a ideia de que a cada classe social é destinada um tipo de escola. As
desigualdades decorrentes de nascimento e da herança não mais impedem as
crianças de acederem à educação (DUBET, 2008). A seleção que ocorria antes da
escola deu lugar a uma seleção tida como mais justa, que ocorre no próprio
percurso escolar a partir da avaliação do mérito, qualidade e esforço individual dos
52
estudantes. Neste sentido, são aprovados os que mais se adéquam às exigências
da instituição e da seletividade, que se torna uma cultura na atual sociedade
meritocrática. (ALMEIDA; LIMA, 2011). No entanto, a igualdade de oportunidade não
garante igualdade de resultados entre os alunos que vivenciaram socializações
diferenciadas.
Num discurso de “imparcialidade”, em que a escola aparentemente é neutra e
objetiva e que age com justiça, utilizando o mesmo peso e a mesma medida em sua
apreciação, os alunos são progressivamente incluídos e/ou excluídos do sistema
escolar numa dinâmica que se faz necessária ao bom funcionamento social. Pois, os
diferentes postos de trabalho precisam existir, as diferenças de classe e de
aspirações futuras, também. Deste modo, a escola precisa ignorar que os indivíduos
foram socializados de forma desigual. E o faz quando desconsidera o que cada um
já possui além ou aquém dos demais, em termos de familiarização com a cultura
difundida pela instituição escolar, e avalia os estudantes valendo-se dos mesmos
critérios (BOURDIEU, 2008; DUBET, 2008).Com isso a instituição legitima a
distinção entre os “melhores” e “piores”. Essa seleção contrapõe vencedores e
vencidos, reforça posições sociais, formando identidades durante o percurso escolar
(ALMEIDA; LIMA, 2011). Esse modelo faz da vida escolar uma vasta competição,
podemos, assim, temer que a escola perca, cada vez mais, o seu papel
efetivamente educativo (DUBET, 2003).
No entanto, a crença na justiça escolar implica aceitar que a competição
escolar é justa. E para os que aspiram obter êxito nessa competição, se faz
necessário manter-se no sistema e tirar um bom proveito dele. Desta forma, como
afirma Dubet (1998), os alunos constroem uma relação de utilidade com os estudos.
Nesta relação, que advém de um modelo de economia neoliberal, os sujeitos são
incentivados a se perceber como consumidores e a escola aparece como meio para
se obter recursos no dia de amanhã. Nessa perspectiva, o colégio, selecionado para
os filhos alcançarem os objetivos de êxito futuro, deve estar à altura de estabelecer
uma conexão entre os “esforços” dos estudantes e os benefícios que esperam em
termos de posições sociais e status econômico.
53
2.3.2. A escolha do colégio
Todos os estabelecimentos escolares carregam consigo uma imagem, uma
reputação de acordo com o papel que desempenham e os resultados que
apresentam. Ao estabelecimento é atribuído um valor social em função de todas as
crenças e representações que se tem sobre ele. Assim, como afirma Jay (2002), o
valor atribuído a um colégio é definido pelos trunfos, capitas simbólicos, que ele
possui e que fazem a diferença em relação aos demais.
A instituição, que nos serve de campo de estudos e objeto de pesquisa, por
estar vinculada à esfera federal e ser uma instituição de ensino de referência
nacional, por si só é considerada prestigiosa. Este status lhe é conferido, ainda, por
estar dentro do campus da universidade e permitir que as crianças partilhem desde
cedo dos valores deste espaço social, ser composta por alunos altamente
selecionados, ter condições privilegiadas de ensino e capacitação dos profissionais
(NOGUEIRA, 2008). Desta forma, como apontam Almeida e Lima (2011, p.21):
A instituição não apenas leva os pais e alunos a desejarem fazer parte deste universo como a se sentirem, quando já pertencentes a ele, em altas condições de competição no vestibular e, ainda, a anteciparem um sucesso futuro.
No entanto, essas aspirações escolares se definem em relação às
oportunidades objetivas de cada um. Segundo Bourdieu (2008), os sujeitos
aprendem a desejar o provável e a excluir o improvável. Cria-se um campo dos
possíveis, no qual os indivíduos vão se familiarizando e adquirindo gostos que são
confundidos com vocação. Nesse processo, o leque de possibilidades do sujeito
torna-se maior ou menor de acordo com a socialização obtida. Deste modo, as
informações que se tem sobre as instituições escolares e as vantagens de
pertencimento ao grupo influenciam as aspirações escolares e contribuem, em parte,
para a inserção nestes espaços, à medida que estratégias são empreendidas para
este fim.
A decisão dos pais em submeter seus filhos à seleção do CAp da UFPE
ultrapassa a ideia de continuidade do ensino privado, visto que os índices de
sucesso desses alunos nas avaliações externas superam os dos estudantes de
instituições privadas, a exemplo do IDEB.
54
2.3.3. A corrida é desigual, mas a escola prega como justa
Os exames de admissão que algumas instituições realizam funcionam como
uma peneira social, em que apenas os “melhores” conseguirão ocupar a vaga,
demarcar seu espaço, sua posição. Interessante constatar que essa seleção de
ingresso, numa falaciosa tentativa de proporcionar igualdade de oportunidades,
acaba por reforçar as desigualdades socialmente produzidas, pois as condições de
igualdade dos candidatos, se eles já eram “predispostos” a aprovação ou não, não
são consideradas. Ainda sobre essa questão:
Ser apto a competir, “predispondo-se ao sucesso”, significa investimento
nos estudos, hábitos e comportamentos culturalmente adquiridos diante da
escolarização. Entretanto, circula como verdade que esse saber é natural,
“o menino já nasceu assim, inteligente”, e esta ideia inatista desconsidera a
socialização da criança e as oportunidades que lhe foram oferecidas
(ALMEIDA; LIMA, 2011. p. 6).
De acordo com Vasconcellos (2006), o êxito escolar pode ser, em grande
parte, explicado pelos trunfos familiares socioculturais e linguísticos que a criança
possui fruto do investimento de seus pais em sua escolaridade. Ao selecionar os
“melhores” estudantes, a partir de seus desempenhos nos exames de admissão, o
colégio formata um grupo de alunos com status de sucesso. Compõe um grupo de
fácil trato, pois, as crianças, além de possuírem uma familiaridade com a cultura
escolar, já trazem na bagagem uma identidade de alunos de sucesso, que o colégio
tende a reforçar a partir das oportunidades e vivências nesse espaço.
A instituição, com infraestrutura necessária e um quadro de professores
qualificados tende a favorecer, ainda mais, o desenvolvimento dos seus alunos de
alta performance, colaborando para o sucesso desses estudantes no futuro que, em
tese, poderão ocupar as carreiras mais prestigiosas. Neste caso, o colégio, com os
elementos favoráveis ao trabalho pedagógico, define a qualidade não só da
instituição, mas dos estudantes. Como afirma Peregrino (2006, p. 100): “Os
melhores espaços oferecem melhores condições para que os “melhores”
mantenham suas posições”.
No caso da seleção de ingresso que acontece no colégio em foco, só nos
resta constatar que os “melhores” ocupam os melhores colégios. Desta forma: “É
55
previsível que os grupos sociais com menos recursos econômicos e capital cultural-
no sentido de Bourdieu- tenham de recorrer a escolas carentes de benefícios e com
professorado desmotivado” (SANTOMÉ, 2001. p.12). No entanto, para jogar o “jogo
institucional” é necessário ter um mínimo de crença nele (BOURDIEU, 2008). Para
aqueles que aderem a essas medidas seletivas e restritivas de acesso à educação
de qualidade, porque se beneficiam ou “entram na dança” acreditando não ter
opção, cria-se uma verdadeira corrida por credenciais escolares.
A aprovação das crianças, inicialmente, é esclarecida ao analisar a
composição da clientela do Colégio de Aplicação que é composta, em sua grande
maioria, de alunos provenientes das instituições privadas mais prestigiosas da
cidade do Recife, localizadas em bairros tradicionais e centrais da cidade. A
pesquisa de Almeida e Lima (2011) indicou, ainda, que é ínfimo o número de alunos
da instituição oriundos da escola pública. Isto mostra como está demarcada a
clientela da escola.
Cumpre reafirmar que a nossa pesquisa se insere numa investigação das
dimensões simbólicas do objeto -Colégio de Aplicação. Deste modo, não
poderíamos ficar alheios à discussão da seleção de ingresso, as condições
favoráveis à aprovação na instituição e a crença meritocrática difundida de que a
ascensão social ocorre por meio da educação escolar. Nosso estudo, como dito
anteriormente, adota como aporte teórico-metodológico a Teoria das
Representações Sociais, que será apresentada no capítulo a seguir.
56
3. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E HABITUS: ABORDAGENS, CONCEITOS E
APROXIMAÇÕES
3.1. Bases epistemológicas: Do coletivo ao Social / Das representações
coletivas as representações sociais
A noção de representações sociais (RS) foi introduzida na década de 1960
pelo psicólogo social francês Serge Moscovici, que iniciou um processo de
elaboração teórica, retomando o conceito de representação coletiva proposto por
Émile Durkheim. As representações coletivas foram empregadas na elaboração de
uma teoria da religião, da magia e do pensamento mítico. Era um conceito que
abarcava uma gama de conhecimentos, para evidenciar o pensamento social da
humanidade, sem explicar os processos que dariam origem à pluralidade de modos
de organização desse pensamento. Tal abrangência, portanto, tornava o conceito
pouco operacional.
De acordo com a visão funcionalista de Durkheim, os fenômenos coletivos
não poderiam ser explicados em termos de indivíduo, pois ele por si só não pode
inventar uma religião ou uma língua, que são produtos de uma comunidade ou de
um povo. Durkheim teorizou que as categorias básicas do pensamento têm origem
na coletividade, e o conhecimento só pode ser encontrado na experiência social.
Para esse autor a individualidade se forma a partir da sociedade (NÓBREGA, 1990;
ALEXANDRE, 2004; MOSCOVICI, 2009).
Com esse referencial em mente, o modelo de sociedade pensado por
Durkheim era estático, com representações uniformes e impermeáveis às mudanças
individuais, determinadas exclusivamente pelo social. Elas serviam, pois, a uma
sociedade na qual a mudança se processava lentamente e, de certa forma, isenta de
confronto com a ciência. Moscovici (2009) entende que as representações coletivas
se viam isoladas do fluxo de intercâmbios sociais, não sendo possível observar
como as operações psíquicas se articulavam na vida concreta. Nesse contexto,“[...]
todo tipo de comportamento e cognição parece ser conformado pelo núcleo mítico e
ritual da tradição de um povo”(MOSCOVICI, 2009, p. 195). O conceito de
representações coletivas respondia a essa concepção de sociedade, na qual as
produções sociais se distinguiam de qualquer sensação ou consciência
particular,pois era mais lógico falar em reprodução do que em produção. O sociólogo
57
Émile Durkheim assim se posiciona sobre o processo de construção das
representações coletivas: “Para produzi-las uma multidão de espíritos diversos
associaram, misturaram, combinaram suas ideias e seus sentimentos; longas séries
de gerações acumularam aí a sua experiência e o seu saber” (DURKHEIM, 1989, p.
11).
É interessante notar aqui que expressões como “uma multidão de espíritos” e
“longas séries de gerações acumularam”, indicam que, para o sociólogo, as
representações coletivas não eram realizações de um indivíduo isolado, não
dependiam dele para se produzirem, nem para se reproduzirem. É entendida como
produto de uma cooperação que ultrapassa o individual e se estende no tempo,
tendo leis próprias e pertencendo a outra natureza, diferenciada e até mais
“complexa” que a do pensamento individual. As representações coletivas eram
estáveis em sua transmissão e reprodução, e impostas às consciências individuais.
Nesse sentido, elas formam uma realidade “[...] sui generis com dinâmica própria, e
se impõem aos sujeitos de maneira coercitiva e genérica, como formas de
expressão, reconhecimento e explicação do mundo”(RÊSES, 2003, p. 191). Dessa
forma, essas representações conduzem os homens pensarem e agirem da mesma
maneira, adquirindo um status de objetividade (NÓBREGA, 1990).
Durkheim, segundo Duveen (2009), defendia uma separação radical entre
representações individuais e representações coletivas, entendendo a primeira como
do campo da psicologia e a segunda, do campo da sociologia. Essa separação se
deve, em parte, a tentativa de manter a sociologia como uma ciência autônoma; uma
sociologia que mantenha as sociedades coesas, conservando-as e preservando-as
de toda forma de fragmentação ou desintegração.
Rêses (2003, p.190) atenta para o fato de Durkheim entender que“[...] o
substrato da representação individual era a consciência própria de cada um, sendo,
portanto, subjetiva, flutuante e perigosa à ordem social”, enquanto o substrato das
representações coletivas era impessoal, garantia a coesão e harmonia social,
possibilitando a integração dos indivíduos e da sociedade como um todo. Essas
representações coletivas, impostas aos sujeitos como forças exteriores, atuam como
uma espécie de consciência coletiva, na qual as diferenças individuais são postas de
lado, são tidas como secundárias, dando lugar e importância à “unidade” social, ao
58
“pensar” coletivo que logo mostra sua ascendência sobre o indivíduo (RÊSES, 2003;
MOSCOVICI, 2009).
Moscovici amplia o debate e traz um novo conceito, ao afirmar que o sujeito é
ativo, construtivo e autônomo no processo de construção da sociedade, bem como é
criado por ela. O termo “coletivo” não respondia mais à complexidade de uma
sociedade cada vez mais dinâmica e fluida, sendo substituído pelo termo “social”,
mais adequado a uma sociedade que produz ao passo que é produzida pelos
sujeitos. A mudança proposta por Mocovici não foi apenas uma mudança de termo,
mas uma nova maneira de pensar a sociedade e as relações que nela se
estabelecem, enfatizando o papel do sujeito nesse contexto. Como ressalta Alves-
Mazzotti (1994, p.23), nas Representações Sociais
parte-se da premissa de que não existe separação entre universo externo e
o universo interno do sujeito: em sua atividade representativa, ele não
reproduz passivamente um objeto dado, mas de certa forma, o reconstrói e,
ao fazê-lo, se constrói como sujeito, pois ao apreendê-lo, de uma certa
maneira, ele próprio se situa no universo social e material.
Essa mudança de termo se justifica pela diversidade dos indivíduos e dos
grupos,e pelo reconhecimento da comunicação como fenômeno que possibilita que
o individual torne-se social ou vice-versa. Outro fato importante nas RS é o seu
caráter criativo e construtivo, inexistente nas representações coletivas, nas quais o
pensamento social era reproduzido, determinado (NÓBREGA, 1990). Para Durkheim
as representações eram formadas em relação à realidade e não em relação à
comunicação com outros, aspecto que na teoria proposta por Moscovici ganha
centralidade. A comunicação é, pois, responsável pela movimentação dessas
representações, pelo compartilhamento de valores, imagens e modelos simbólicos.
O termo social enfatiza o caráter dinâmico das representações. Moscovici, ao
entender que o ato de representar não é passivo, ao contrário, é um processo ativo
e dinâmico que ocorre porque os indivíduos se vinculam simultaneamente a diversos
grupos no decorrer de suas vidas, focaliza o fenômeno e elabora a Teoria das
Representações Sociais (TRS), com a qual se propõe a compreender e considerar
os sujeitos como pensadores ativos em contraposição à passividade que eles
adquiriram na teoria anterior.
59
Afirmar que o autor apenas mudou o termo, ou trouxe um novo conceito para
à discussão da época, pode carregar um que de ingenuidade. Segundo Duveen
(2009), Moscovici passou a considerar como fenômeno o que antes era entendido
como conceito. Propõe teorizar sobre um conhecimento que circula socialmente, se
constrói e se modifica nesse caminho, um conhecimento inacabado, processo, mas
que orienta, nos serve de guia. Ele se interessa, pois, por um conhecimento que é
marcado pelo ontem e cresce com o hoje, um saber que nos identifica como grupo e
que, quando partilhado, já não é mais quem era antes, transformou-se ao lidar com
o novo. Assim, as representações ganham toda a dinamicidade que lhes é própria e
vem à tona com a Teoria das Representações Sociais.
3.2. O homem pensa e elabora: A Teoria das Representações Sociais
A Teoria das Representações Sociais surgiu com o estudo pioneiro realizado
por Serge Moscovici, no final dos anos 1950, com o objetivo de levantar as
representações sociais da população parisiense sobre a Psicanálise. A pesquisa deu
origem à obra intitulada “La psycanalise: son image et son public”, publicada na
França, no ano de 1961. O intuito de Moscovici era compreender o que ocorre
quando um saber do conhecimento científico passa para o domínio comum. Tal
inquietação intelectual se deu por ele ter percebido que termos originados na
Psicanálise eram utilizados, recorrentemente, nas comunicações dos parisienses de
diversos estratos sociais. Isso ocorreu quando foram difundidas informações acerca
da psicanálise na França do pós-guerra, momento ideal para a elaboração de
diferentes representações sobre o objeto.
Para capturar essas representações e compreender como e por que eram
formadas, o pesquisador se aproximou de diversos segmentos da sociedade –
população em geral, profissionais liberais, estudantes secundaristas e universitários.
As conclusões do estudo indicaram que as representações sobre o objeto eram
diferenciadas em função dos grupos de pertença do sujeito e da relação que esses
estabeleciam entre si e com o objeto. Moscovici chamou atenção, sobretudo, para a
tentativa dos sujeitos de familiarizar-se com o desconhecido. Quando se viram
bombardeados pelos termos da psicanálise e com a difusão de informações parciais
60
sobre ela, os grupos assumiam o objeto conferindo-lhe novos significados e
características próprias. Termos originados na psicanálise como “complexo”,
“repressão” e “ato falho”, dentre tantos outros, passaram a fazer parte da linguagem
dos grupos, mas num processo que envolvia sua (re) interpretação pelos sujeitos
(MOSCOVICI, 2012).
Nóbrega (1990, p. 6) observa que o interesse de Moscovici era pela“[...]
inovação de um social móvel do mundo moderno transformado com a divisão social
do trabalho e a emergência de um novo saber: a ciência”. Neste momento a
sociedade francesa do pós-guerra vivenciava uma ordem social pautada na intensa
divisão do trabalho e circulação do saber; uma sociedade na qual a especialização e
a informação tomam lugar central na vida das pessoas e dos grupos. De acordo com
a autora referida, nesse contexto o conhecimento “[...] veiculado por uma minoria de
“experts” é consumido por uma maioria de “sábios amadores””(NÓBREGA, 2006,
p.6), como ocorreu com os parisienses ao representar a psicanálise.
A cisão existente entre o saber científico e o saber do senso comum foi
profundamente posta em discussão com essa nova forma de compreendê-lo.
Inicialmente tal saber era considerado como o pensamento da massa, um saber
desarticulado, confuso e inconsistente. Quando comparado ao saber científico,
assumia o polo oposto, ganhava status inferior e características como ingênuo,
selvagem, profano. Entendido erroneamente como um conhecimento infundado em
contraposição ao pensamento lógico propiciado pelo saber científico, o que
diferencia, na verdade, esses dois conhecimentos é que “possuem lógicas que
operam com regras distintas” (CAMARGO, 2007) e não a existência ou ausência de
lógica. Ao compreender isto, o saber do senso comum passou a ser considerado
por Moscovici como um conhecimento popular que tinha seu devido valor por servir
às necessidades cotidianas dos grupos e operar com lógica própria.
O senso comum, segundo Moscovici (2009), é um conhecimento tão legítimo
quanto o científico, devido à sua importância na vida social. É um saber espontâneo,
que nos fornece o conhecimento e as explicações necessárias para entender e
organizar as experiências, nos proporciona suporte para pensar e agir na vida
cotidiana. É justamente na oposição existente de “conhecimento científico versus
conhecimento popular”, fato inquietante para Moscovici, que o pesquisador encontra
61
campo fértil para discutir a transformação de um saber científico em saber do senso
comum e vice-versa.
Com o estudo, anteriormente citado, publicado em 1961, Moscovici propõe
“uma ciência do senso comum,uma análise científica do que se chama de senso
comum, atribuindo uma lógica a esse conhecimento que tem uma organização
psicológica autônoma” (NÓBREGA, 1990, p. 8). O autor busca reconhecer na
“epistemologia popular” características diferentes das atribuídas a ela, até então, e
mais condizentes com a sua função social; Moscovici busca a legitimidade de tal
saber.
Na referida obra, o autor operacionaliza o conceito de representações sociais,
torna-o teoria. A elaboração teórica serviria não apenas para explicar o fenômeno
especifico das representações sociais da Psicanálise na França, mas como modelo
teórico a ser aplicado a outros fenômenos sociais.
Para Moscovici, as sociedades têm maneiras diversas de pensar e estruturar
suas representações, não havendo uma universalização. A partir da percepção das
pessoas analisadas em sua pesquisa inicial, ele entende que as representações,
que se encontravam no campo da sociologia, se deslocam para a Psicossociologia.
Nesta, o individual e o social são indivisíveis. Assim, estudar a emergência de uma
RS esclarece as dimensões da realidade social associadas às suas produções.
(ARAÚJO, 2003).
Para Alexandre (2004) a grande virada proposta por Moscovici, que muda o
rumo da própria Psicologia Social, ocorre no sentido de:
Explicar como as cognições, no nível social, permitem a uma coletividade
processar um dado conhecimento, veiculado pela linguagem,
transformando-o numa propriedade impessoal, pública, permitindo a cada
indivíduo seu manuseio e utilização de forma coerente com os valores e as
motivações sociais da sociedade a qual pertence (ALEXANDRE, 2004,
p.133)
Essa mudança de rumo ocorre quando Moscovici tenta resgatar as
dimensões culturais e históricas da pesquisa psicossocial. Ele defendia que a
Psicologia Social, que se desenvolveu como uma subdisciplina da psicologia,
deveria se descentrar exclusivamente do indivíduo e considerá-lo num nível social.
O que ele buscava, na verdade, era uma psicologia mais socialmente orientada, que
de fato estivesse no cruzamento das ciências psicológicas e sociais, e não que
62
atuasse num viés predominantemente psicológico. Fornecer uma teoria a esta área
de conhecimento significou, pois, uma grande contribuição de Moscovici para
Psicologia Social.
Como dito anteriormente, Moscovici passou a considerar que a Psicologia
Social deveria se interessar pelos universos consensuais. Isso porque coexistem
nas sociedades contemporâneas dois tipos de pensamento: os consensuais e os
reificados. No universo reificado, produzem-se as ciências em geral e no universo
consensual produzem-se as Representações Sociais. Na intersecção desses dois
universos, a TRS se situa.
3.3. Mas afinal, o que são as Representações Sociais? E por que são
construídas?
O conceito de Representações Sociais não é de fácil apreensão nem ao
menos passível de explicações simplistas e aligeiradas. Isso se dá, especialmente,
pelo fato da noção de RS se situar no que Moscovici chama de situação “carrefour”,
num cruzamento, numa encruzilhada, entre conceitos psicológicos e sociológicos.
Há, pois, uma pluralidade de concepções anexas à noção de RS que são aplicadas
por diferentes campos do conhecimento e merecem ser consideradas.
Tornou-se consenso entre os pesquisadores o caráter multifacetado das RS,
porque funcionam como processo e produto, como estrutura estruturante e estrutura
estruturada. Seu processo de construção se confunde com o processo de
construção da realidade pelos sujeitos. Importante destacar que aqui, nosso sujeito
construtor também é construído nas relações sociais.
As representações são, assim, no entender de Abric, produto e processo de
uma atividade mental, onde o indivíduo reconstitui o real com o qual é confrontado e
lhe confere um significado particular (SANTOS, 2005). Em conformidade com a
autora, Jodelet (2001) afirma que as RS constituem a apropriação pelos sujeitos da
realidade exterior ao pensamento, momento em que eles realizam uma elaboração
psicológica e social dessa realidade.
Nessa linha de pensamento, podemos dizer que representação social é a
reconstrução do objeto pelo sujeito. É o momento em que ele elabora e reelabora,
63
alterando significados daquilo e daqueles com os quais interage no ambiente social.
É entendida, também, como a adesão do sujeito ao social, momento em que os
diferentes grupos tecem um consenso sobre a realidade, a constroem e se
constroem no processo. Representar é dar resposta ao incontornável e torna-se
ponto de partida para tantos outros questionamentos e entendimentos.
É relevante destacar que conceitos isolados como imagem, opinião, atitude,
crenças, valores e normas sociais não conseguem abarcar a noção de RS cunhada
por Moscovici. O próprio teórico fez um esforço de refutar tais conceitos como
vinham sendo formulados e alinhá-los às novas formas de se pensar o processo de
construção do conhecimento na sociedade.
Podemos começar a diferenciar o conceito de RS do de opinião e imagem tal
como foram comumente difundidos/ utilizados. Difere de opinião por ser possível
explicitar o contexto de formação, os conceitos que lhe subsidiam e os julgamentos
emitidos. Distingue de imagem por não ser reprodução do real tal como ele é; não se
processar numa perspectiva reprodutivista e passiva da realidade e não possuir
aspecto engessado; ao contrário, a reprodução que temos é uma reacomodação do
dado. Nesse sentido, podemos afirmar que estímulo e resposta se constroem juntos,
o que implica negar a noção de imagem em RS como um reflexo interno de uma
realidade externa. Difere, assim, dos dois por ser um fenômeno contextualizado,
singular e dinâmico (CRUZ, 2006).
De acordo com Nóbrega (1990, p.14), Moscovici define representações
sociais como um
sistema de valores e de práticas tendo uma dupla tendência: antes de tudo instaurar uma ordem que permite aos indivíduos a possibilidade de se orientar no meio ambiente social, material e o dominar. Em seguida de assegurar a comunicação entre membros de uma comunidade propondo-lhe um código para as suas trocas e um código para nomear e classificar de maneira unívoca as partes do seu mundo, de sua história individual e coletiva.
Neste sentido, as RS são entendidas como“[...] modos de pensar
compartilhados pelos diferentes grupos que mediam a interação dos sujeitos sociais
com a realidade, com os objetos e com os fatos sociais que a compõem” (CRUZ,
2006, p.100). Cumpre reafirmar que são socialmente construídas, partilhadas por
grupos, influenciam a construção de uma realidade comum que possibilita a
64
comunicação entre os indivíduos. Elas são formadas a fim de nos familiarizarmos
com o estranho, com a novidade, e para reduzir o “vago” que se impõe na
comunicação quando nos deparamos com situações não familiares; uma RS nasce
da tendência de buscarmos o “equilíbrio” através de um certo grau de consenso
entre os membros do grupo (MOSCOVICI, 2009).
Moscovici (2009) reconhece o potencial das representações e de sua
influência no pensamento e na conduta social. Ao apresentar, inicialmente, a teoria
percebia as representações com tendo precisamente duas funções:
convencionalizam os objetos e são prescritivas. Elas convencionalizam os objetos
na medida em que os colocam como modelo a ser partilhado pelo grupo, quando
estes assumem determinada forma definitiva para ser compreendido, decodificado
pelos sujeitos. Nosso pensar é condicionado pelas nossas representações e
culturas; partilhamos crenças e significações que não são estáticas, mas permitem
certa estabilidade, pois ocorre uma síntese de entendimentos. Tais modelos de
entendimento, convenções, nos permitem conhecer o que significa determinado
objeto para o grupo. O significado atribuído não é arbitrário, nem construído
aleatoriamente, depende de outras representações prévias e concorrentes.
Elas são prescritivas devido à força que exercem sobre o grupo. A
representação prescreve, a partir de estruturas e tradição, o que imaginamos. Nossa
maneira de pensar irá depender das representações que elaboramos, das que
compartilhamos com outros grupos e das já existentes no sistema de significação
que encontramos pronto ao nascer. Elas se constituem como um ambiente real,
concreto; uma vez difundido e aceito, seu conteúdo passa a ser parte de nós, de
nossos relacionamentos, julgamentos, comportamentos. Entretanto, esse poder
prescritivo das representações não exclui o caráter criativo dos sujeitos.
Enquanto essas representações que são partilhadas por tantos, penetram e influenciam a mente de cada um, elas são pensadas por eles; melhor, para sermos mais precisos, elas são repensadas, recitadas e reapresentadas (MOSCOVICI, 2009, p. 37).
As representações regulam, antecipam e justificam as relações sociais
estabelecidas. Por serem prescritivas de comportamentos e de práticas, definem o
que lícito ou não em um determinado contexto (SÁ et al, 2001). A representação
prepara para a ação, pois conduz o comportamento, modifica e reconstitui os
65
elementos do meio ambiente em que o comportamento deve ter lugar. Esse é um
dos motivos que permite afirmar que as representações facilitam as relações sociais.
Assim, as interações entre grupos podem modificar as representações que as
pessoas formam delas mesmas, do grupo social e de outros grupos e membros
(ALVES-MAZZOTTI, 2008).
As RS devem ser estudadas e compreendidas em seu contexto de produção,
pois não são homogêneas, elas se relacionam com o nível social, econômico e
cultural de cada grupo (ARAÚJO, 2003). “Conhecimento e realidade deverão ser
conhecidos e estudados dentro de contextos sociais específicos e suas relações
analisadas nestes contextos”(ALEXANDRE, 2004, p.132). Esse saber elaborado na
prática é circunscrito a interações sociais específicas e corresponde à inserção do
sujeito em determinadas referências. Segundo Rêses (2003, p.194) “Grupos
diferentes podem e tendem a produzir representações diferenciadas sobre o mesmo
objeto”.
Conforme Moscovici, o homem pensa, elabora questões e busca respostas e,
ao mesmo tempo, compartilha realidades por ele representadas (ALEXANDRE,
2004). As Representações sociais são formadas quando os sujeitos se encontram
para discutir o cotidiano, são expostos aos meios de comunicação, aos mitos e,
ainda, à herança histórico-cultural das sociedades. Essas interações geram
informações, que exigem compreensão dos termos usados para argumentar, julgar e
discutir sobre temas do cotidiano (GUARESCHI; JOVCHELOVITCH, 2008). Desta
forma, os grupos criam “universos consensuais”, teorias do senso comum, com o
intuito de explicar a realidade, facilitar a comunicação e orientar condutas (ALVES-
MAZZOTTI, 2008).
O ato de representar no social é o ato de reelaborar, portanto, os significados
não nos são dados, mas construídos numa pluralidade de relações de poder e de
interações sociais.
Para Nóbrega (1990, p. 9),“[...] as representações são elaboradas no âmbito
dos fenômenos comunicacionais e repercutem sobre as interações e as mudanças
sociais”; circulam nos discursos dos grupos e nos meios de comunicação de massa.
Num jogo de poder onde o que está em cheque é a quantidade de informação que
se tem sobre determinado objeto e a capacidade de veiculação dessas informações,
66
são estruturadas modalidades de comunicação que objetivam difundir, propagar ou
propagandear determinados objetos, provocando a construção de representações
sociais sobre eles.
Dentre as três formas de comunicação que contribuem para a produção das
RS, a difusão refere-se à comunicação sem modificações entre emissor e receptor
da mensagem. Aqui, os diferentes pontos de vista expressos podem ser
contraditórios e causar a instabilidade e fluidez da posição assumida pelos sujeitos,
tal como ocorre na formação de uma opinião. Um segundo fator, a propagação,
exige uma organização mais elaborada da mensagem. Esse processo requer a
adaptação de outros conhecimentos a uma visão de mundo já organizada. Em
outros termos, é quando há a acomodação de outros saberes a um quadro pré-
estabelecido. A propagação possui efeito sobre as reações do individuo, atua,
assim, na formação de atitude do sujeito frente ao objeto. Por fim, a propaganda é
uma forma de comunicação conflituosa. Está inserida dentro de relações sociais
antagônicas, que ocorrem no sentido de incompatibilizar o verdadeiro e o falso
saber, um pertencendo à fonte de informação, e o outro à parte antagônica. Na
propaganda são forjados os estereótipos com características generalistas, rígidas e
reducionistas dos fatos.
As representações construídas são diferentes por refletirem o acesso desigual
às informações, se alinharem aos interesses e às implicações do grupo. Neste
caso, as comunicações tornam-se determinantes para a formação das RS, exigindo
dos sujeitos, em meio a um “bombardeio” de informações, uma resposta, uma
interpretação dos fenômenos que estão ao seu redor. Isso não é posto em questão
quando se vive imerso num mundo que, constantemente, requer de nós a
construção de significados.
Sá (1998) reforça serem três condições peculiares às situações sociais que
concorrem para a emergência das RS: dispersão da informação, focalização e
pressão à inferência.
A dispersão da informação refere-se às diversas versões da informação que
circulam sobre o fenômeno em questão. Elas circulam na sociedade através de
fontes diversas e estão dispersas, por assim dizer, fragmentadas e há uma
impossibilidade de apreender todos os elementos do objeto. Isso requer dos sujeitos
67
certo consenso, que pactuam uma versão, adotam-na e se inserem numa “zona de
conforto”. Santos (2005) alerta que tal dispersão não se refere, apenas, à
diversidade de informações, mas às condições objetivas de acesso a elas, como
barreiras educativas, obstáculos na transmissão e efeitos de especialização,
aspectos que contribuirão para diferenciar as versões pactuadas.
A segunda condição é a focalização que o sujeito coloca sobre algum ou
alguns aspectos do objeto em detrimento de outros. Essa focalização é orientada
pelos interesses diferenciados dos grupos, mas não se refere, apenas, ao nível de
escolaridade que eles possuem; ela é, sobretudo, regida pelo crivo moral, cultural e
ideológica dos grupos, de seus hábitos lógicos e linguísticos. Essa atenção variada
também exercerá influência sobre o modo como os sujeitos apreendem as
informações, pois o novo depende de conhecimentos anteriores (NÓBREGA, 1990;
SANTOS, 2005).
A pressão à inferência refere-se a uma necessidade do sujeito de reagir à
dinâmica social, tomar partido, dar uma resposta às incitações do grupo, realizando
inferências acerca do objeto. É uma forma de responder a pressão do social para
alcançar o consenso, portanto, um entendimento que reduza o desconforto causado
pelo não familiar. Resulta num esforço do sujeito em obter certo domínio sobre o
objeto, saber falar sobre ele, agir e tomar posição diante de situações semelhantes
(SANTOS, 2005).
3.4. O processo de construção das Representações Sociais
As análises da representação dos parisienses sobre a Psicanálise
despertaram em Moscovici a compreensão de que a atividade de representar era
tornar o não familiar, familiar aos sujeitos. As transformações e os ajustes de objetos
e ideias não familiares, para que se tornem conhecidos pelos sujeitos, exigiram do
psicossociólogo a sistematização do como se processa o ato, ou atividade de
representar.
Deste modo, as RS têm em sua gênese dois processos psicossociais:
objetivação e ancoragem. Através deles, Moscovici explica a imbricação e relação
entre atividade cognitiva e as condições sociais, nas quais são elaboradas e
68
funcionam as RS. Eles explicam a atividade de transformação de saber científico em
saber do senso comum, do não familiar em familiar; tais conceitos operam de forma
dialética (ALMEIDA, 2001; NÓBREGA, 1990). Podemos afirmar que tudo se passa
como se superássemos um problema, visto que “[...] depois de uma série de
ajustamentos, o que estava longe, parece ao alcance de nossa mão; o que parecia
abstrato, torna-se concreto e quase normal” (MOSCOVICI, 2009, p.58). O processo
de tornar o desconhecido conhecido, fazer conhecer, confirma e conforta os sujeitos,
pois “restabelece um sentido de continuidade no grupo ou no indivíduo ameaçado
com descontinuidade e falta de sentido” (MOSCOVICI,2009,p.59).
A objetivação torna concreto e significativo aquilo que é abstrato, a partir de
concepções que são familiares aos sujeitos. Moscovici (2009) diz que é semelhante
ao ato de comparar, pois já está em circulação uma série de palavras e
significações, de sentidos que nós atribuímos, anteriormente, a tudo que existe,
resta-nos encher o que está naturalmente vazio, com substância; cabe a nós inserir
o novo em esquemas prévios, encontrar equivalentes não verbais para ligar o objeto
a algo já existente e familiar.
Cruz (2006) compreende que a objetivação facilita a comunicação por
dissociar um determinado conceito ou enunciado da concepção científica e atribuir-
lhe um significado do senso-comum, por meio de uma “filtragem” inicial de
informações que preserva a coerência do objeto com os valores do grupo.
Na objetivação ocorre, simultaneamente, a classificação ou seleção das
informações, a formação de um núcleo figurativo e a naturalização. Esse processo
ocorre, enfatizando algumas informações, simplificando-as e dissociando-as do
contexto original que foram produzidas. As informações transformadas são
ajustadas, assumindo um papel mais importante que outras, ou diferente da
estrutura original (ALMEIDA, 2001; ALVES-MAZZOTTI, 2008). A seleção é
influenciada por critérios socioculturais e normativos dos grupos que estão a
objetivar.
O núcleo figurativo é a visualização de um complexo de ideias sobre a forma
de um complexo de imagens. Essa estrutura de imagem reproduzirá uma estrutura
conceitual, concretizando os elementos representados, o que os permite fazer parte
69
das coisas reais. No processo, o objeto é naturalizado quando o sujeito incorpora,em
seu discurso, os elementos do núcleo figurativo, quando ele o integra à vida comum.
A ancoragem, base na qual se constrói a representação, é o processo de
apropriação do novo ou desconhecido, que permite integrar o objeto da
representação em um sistema de valores conhecido pelo sujeito, denominando e
classificando-o em função da afinidade que o objeto mantém com sua inserção
social. Um novo objeto é ancorado ao fazer parte de um sistema de categorias
usuais mediante alguns ajustes (ALMEIDA, 2001; ALVES-MAZZOTTI, 2008).
Em outros termos, ancorar é classificar e dar nome a algo. As coisas que não
podemos nomear são estranhas e ameaçadores. Precisamos, pois, sintonizar a
nova informação a uma já existente, atribuindo ao novo, um nome, uma identidade e
um significado que estará atrelado a este nome. Conforme Moscovici (2009, p.66)
Ao nomear algo, nos libertamos de um anonimato perturbador, para dotá-lo de uma genealogia e para incluí-lo em um complexo de palavras específicas, para localizá-lo, de fato, na matriz de identidade de nossa cultura.
No entanto, esse ato não é unicamente de nomeação, pois nomear envolve
uma apropriação, amarração do conceito formado sobre o objeto. De acordo com
Jodelet (2001) a ancoragem implica atribuição de sentido; instrumentalização do
saber- atribuição de um valor funcional à representação, compreensão do mundo; e
enraizamento no sistema de pensamento- as novas representações se inscrevem
num sistema de representações já existentes.
Na ancoragem não restam dúvidas do sentido dado ao que antes não existia
no mundo consensual. O objeto torna-se tão natural aos sujeitos, que eles chegam a
esquecer que, em algum momento, o objeto já foi estranho.
De algum modo, o novo objeto, ao ser associado ao sistema cognitivo anterior, perde o caráter de novidade, de desconhecido, e adquire um aspecto de déjà vu, de conhecimento “que sempre esteve lá”, portanto, familiar (CAMPOS, 2003, p. 34).
A ancoragem não está presente apenas na gênese das representações,
segundo Campos (2003) é um processo permanente e que mantém viva suas raízes
no sistema cognitivo. Almeida; Santos e Trindade (2011) atentam para o fato de que
Jodelet e Doise não pouparam esforços em estudar as ancoragens, por acreditarem
que elas funcionam como uma “chave” para entender a dinâmica do jogo.
70
Jodelet (2005) defende que a ancoragem diz respeito à inserção da
representação no social. A autora considera, assim, que o desvelamento desse
processo nos informa como a representação é utilizada para interpretar o mundo e
como ela integra a novidade.
Doise propõe três tipos de ancoragem: a ancoragem psicológica- estudo de
como a representação enraíza nas atitudes e nos valores do indivíduo; a ancoragem
sociológica- relacionada às vivências do sujeito no grupo, às pertenças; e a
ancoragem psicossociológica- diz respeito ao estabelecimento de relações entre os
grupos sociais e como os grupos percebem o meio social (CAMPOS, 2003).
3.5. Diferentes abordagens no estudo em RS
A teoria, desenvolvida por Moscovici, apresenta hoje algumas abordagens
que a complementam.
Jodelet é a representante de uma perspectiva antropológica das
representações sociais, perspectiva mais fiel à teoria original. A “Escola de Paris”
ocupa-se da descrição das representações, utilizando-se de metodologias
qualitativas. Busca, ainda, compreender como as representações são veiculadas na
vida cotidiana; e, para além do discurso, como se manifestam no comportamento e
nas práticas sociais. Jodelet (2001) adverte que a produção científica no campo das
representações deve estar atenta a três questões: “Quem sabe e de onde sabe?”,
“O que e como se sabe?”, e “Sobre o que sabe e com que efeito?”. Essas questões
se referem, pois, às condições de produção e à circulação das representações, à
descrição do conteúdo e à natureza epistêmica da representação em relação ao
saber dominante.
A “Escola de Genebra”, que tem como líder Willem Doise, articula uma
perspectiva mais sociológica das RS. Os adeptos dessa perspectiva consideram as
representações como princípios organizadores, em função dos quais, os diferentes
grupos se posicionam, com suas ancoragens sociológicas ou ideológicas. Nessa
perspectiva, a posição e/ ou inserção social do indivíduo é determinante para as
representações sociais. Eles entendem, desta forma, que o conteúdo de uma
representação tem a marca do determinante social (Sá, 1998).
71
A terceira abordagem, adotada nesta pesquisa, enfatiza a dimensão
sociocognitiva das representações a partir de um enfoque estrutural. O
representante do Grupo Midi, Jean-Claude Abric, busca em suas pesquisas estudar
as representações, seu conteúdo e estrutura, para compreender seu funcionamento.
De tradição metodológica experimental, mas visando compreender como as
variáveis culturais interferem na construção das representações e orientam o
comportamento dos sujeitos, o Grupo Midi se consolidou por dedicar-se ao estudo
da estrutura das representações e, também, por ter desenvolvido a Teoria do Núcleo
Central.
Abric entende que as representações são socialmente produzidas e marcadas
por valores referentes ao sistema sócio-ideológico e a história de vida de
determinados grupos. Elas são, inclusive, elementos essenciais na construção da
visão de mundo desses grupos. O autor procura entendê-las como um “[...] conjunto
organizado de informações, opiniões, atitudes e crenças a respeito de um
determinado objeto”. Como “conjunto organizado” ela possui dois componentes que
precisam ser conhecidos e estudados: conteúdo e estrutura (ABRIC, 2003).Essa
abordagem subsidia a presente pesquisa.
3.6. Abordagem Estrutural das Representações Sociais: a Teoria do Núcleo
Central
A Teoria do Núcleo Central nasce com a tese de doutoramento de Jean-
Claude Abric em 1976, defendida na Université de Provence. A hipótese geral
formulada pelo autor foi que as representações sociais se organizam em torno de
um Núcleo Central, composto de um ou mais elementos, que determinam a
significação da representação e a sua organização interna. Com ela e a partir dela, o
representante da Aix-en-Provence assume que toda a representação possui um
núcleo que a determina, lhe confere identidade e assegura a sua “sobrevivência”. O
fundamento da teoria proposta é a existência de um componente central, que
estrutura os sentidos e significados atribuídos ao objeto, determinando, em parte, o
comportamento dos sujeitos.
72
Conforme a teoria, os elementos de uma RS são hierarquizados e assumem
valor em função da posição que ocupam e, a depender dessa posição, exercem ou
continuam a exercer por um bom tempo influência, em maior ou menor intensidade,
sobre a representação dos grupos. Abric defende, assim, que o crucial para o
conhecimento, compreensão e ação sobre uma representação é apreender a
hierarquia de seus elementos constituintes e as relações que esses elementos
possuem entre si.
As estruturas representacionais nos permitem compreender a tendência da
estabilidade e, ao mesmo tempo, da flexibilidade das RS. O núcleo central tem a
propriedade de estabilidade, enquanto o periférico representa o caráter móvel e
flexível das representações. De acordo com Almeida (2001, p. 7) os elementos
centrais e periféricos designam que
[...] a representação social é, ao mesmo tempo, estável e instável, rígida e flexível; é tanto consensual como marcada por fortes diferenças
interindividuais.
Para Abric (2003) há, nas representações, elementos mais significantes, que
ele denominou de núcleo central e outros mais secundários, intitulados de sistema
periférico. Assim, ele desenvolveu a Teoria do Núcleo Central através da qual uma
RS é um sistema sociocognitivo que apresenta uma organização específica em
função do e pelo núcleo central, além disso, é submetida ao contexto discursivo e
social.
O núcleo central é o elemento que determina o significado e a organização
interna da representação, entendido, assim, como o elemento fundante. Campos
(2003) defende que o sistema central está estritamente relacionado às condições
históricas, sociológicas e ideológicas, às normas e aos valores radicados no grupo.
É constituído de um ou mais elementos, mais estáveis, coerentes, consensuais, e
historicamente definidos que estruturam as RS, sem ele a representação seria
destruída ou teria outro significado.
Para o autor supracitado, a noção de núcleo central, proposta por Abric, faz
avançar o que Moscovici entendia por “núcleo figurativo”, pois vai além da gênese
para estudar uma representação já estabelecida.
Os elementos do núcleo central são classificados em dois tipos: elementos
normativos e elementos funcionais. Os primeiros estão relacionados aos sistemas
73
de valores dos indivíduos, ou seja, à história e à ideologia do grupo, determinando o
julgamento e os posicionamentos relativos ao objeto. Os elementos funcionais
relacionam-se aos aspectos descritivos e à inscrição do objeto nas práticas sociais,
determinando as condutas (ABRIC, 1998).
Ao núcleo central são atribuídas três funções: geradora- por ser o elemento
que cria ou transforma a significação de outros elementos da representação;
organizadora- por determinar a natureza da ligação que os elementos irão
estabelecer entre si; e a função estabilizadora- por serem seus elementos
resistentes à mudança (ABRIC, 2003). O sistema central constitui-se na parte não
negociável da representação (ALMEIDA, 2001).
De acordo com Abric (2000), identificar o conteúdo de uma representação não
é suficiente para defini-la. Para realizar o reconhecimento e a especificação de uma
RS, devemos identificar os elementos que compõem o núcleo central. Tomar
conhecimento desses elementos e da hierarquia,na qual estão envoltos, permite-nos
diferenciar representações de mesmo conteúdo; conhecer o núcleo central permite,
assim, um estudo comparativo.
Interessante destacar que a centralidade de um elemento não é atribuída
apenas a aspectos quantitativos. Desta forma, sua presença maciça não irá garantir
que ele seja central, mas a sua significação na representação. A questão da
centralidade está fortemente relacionada à dimensão qualitativa, como a importância
do elemento no discurso dos sujeitos e a implicação/relação dele com outros
elementos (ABRIC, 2000).
Claude Flament (2001) defende a existência de dois tipos de representação:
uma com um núcleo definido, formando um “sistema único”, que ele denominou de
representações autônomas, e outra com vários conjuntos organizados, ao invés de
um único núcleo central, chamada de representação não autônoma. O autor atenta,
ainda, para a importância de estudar o sistema periférico, pois ele nos permite
compreender os elementos que parecem diferentes, divergentes e contraditórios.
O sistema periférico possui uma relação direta com o núcleo central,
complementando-o. No entanto, seus elementos foram, durante muito tempo,
tomados como circunstanciais ou acessórios em relação aos elementos do núcleo
central. Como dito anteriormente, o interesse dos pesquisadores residia no estudo
74
do núcleo central, com o advento dos trabalhos de Flament o sistema periférico
passou a ser focalizado. Seu papel no funcionamento da representação é importante
diante das práticas sociais ligadas ao objeto, pois, os elementos da periferia
permitem as variações individuais, em função de estarem ligados ao contexto
imediato e à história de vida dos sujeitos, e por serem menos estáveis e mais
permeáveis à realidade (CAMPOS, 2003). Os elementos periféricos são mais
acessíveis, mais vivos e mais concretos (ABRIC, 2000, p.31), portanto, nos
permitem agir nas situações do cotidiano sem questionar os elementos do núcleo
central. Por isso, o sistema exerce a função de concretização, regulação, prescrição
de comportamentos, modulações personalizadas e proteção do sistema central.
A primeira, função de concretização, diz respeito ao papel que os elementos da
periferia exercem, ancorando a representação na realidade. Esses elementos são as
representações em funcionamento no cotidiano e proporcionam sua formulação em
termos concretos e compreensíveis; podemos dizer que esta função nos permite
assistir a representação “operando” nas ações vivenciadas pelo grupo. A reguladora
se refere à adaptação das representações às evoluções do contexto. Ela faz com
que novas informações sobre o objeto e transformações ocorridas no ambiente, com
as quais o grupo é confrontado, sejam apreendidas e incorporadas à representação.
Tal função permite que as representações evoluam, se adaptem à nova
realidade,sem necessariamente sofrerem mudanças bruscas. A função de
prescrição de comportamentos permite que o sistema funcione como guia de leitura
de uma dada situação. Indica o que fazer, como agir; conduz a um comportamento
aceitável e esperado pelo grupo; possibilita e orienta, assim, as tomadas de posição.
As modulações personalizadas permitem a elaboração de formulações
individualizadas relacionadas à história individual e experiências pessoais. Por fim, a
função de defesa está diretamente relacionada à função reguladora, atua no sentido
de proteger o núcleo central de transformações bruscas que provoquem uma
alteração completa da representação. Flament entende que o sistema periférico
funciona como “para-choque” da representação (ABRIC, 2003).
Como anteriormente anunciado, adotamos a abordagem estrutural na presente
pesquisa. A escolha por tal abordagem se deu por possibilitar a identificação do
núcleo articulador dessas representações, o que permite conhecer o elemento, ou
75
os elementos essenciais, que permeiam o universo simbólico do sujeito na relação
que estabelece com o objeto. E, principalmente, por nos possibilitar pensar em como
tais representações orientam as práticas do sujeito.
Considerando como irrecusável a relação entre práticas e representações
sociais, entre condições objetivas e subjetivas,discutimos, na seção a seguir, as
aproximações entre a Teoria das Representações Sociais proposta por Serge
Moscovici e a Noção de Habitus de Pierre Bourdieu.
3.7. As Representações Sociais e a noção de Habitus em Pierre Bourdieu-
Aproximações Preliminares
Esta seção é fruto das incursões que realizamos em torno da relação entre a
Teoria das Representações Sociais e a noção de Habitus de P. Bourdieu. Um escrito
preliminar, de articulação teórica, do qual não poderíamos escapar em função da
complexidade e dos conceitos polêmicos que perpassam o objeto estudado, tais
como: escolarização das camadas médias intelectualizadas, sucesso e excelência
escolar, perspectivas de futuro, desigualdades escolares, dentre outros.
Não somos os primeiros a realizar referida aproximação, Domingos Sobrinho
(2000), Albuquerque (2007), Abdalla (2005) e Campos (2013), foram alguns dos
pesquisadores que arriscaram articulações teóricas semelhantes no intuito de
buscar, nesse diálogo, respostas para os questionamentos que o campo de
pesquisa de cada um lhes suscitou, inquietações de cunho intelectual e prático
oriundas de problemáticas específicas. Tais diálogos ocorreram, ainda, porque estes
pesquisadores almejarem, de certa forma, romper com a dicotomia objetivista e
subjetivista das ciências sociais, ampliando, assim, a visão da realidade ao estudá-la
de forma integrada (Loyola, 2002).
A construção dessa articulação objetivou tornar legítima a relação entre as
representações construídas pelos sujeitos e o habitus comum ao grupo, relações
previstas no desenho inicial desta pesquisa e, posteriormente, percebidas em
campo. Tal diálogo permitirá uma leitura mais apurada do objeto com o qual
estamos lidando.
A relação entre a TRS e a noção de habitus torna-se para nós
verdadeiramente perceptível, quando realizamos o esforço de apreender o habitus
76
do grupo, de compreender a lógica que foge a própria lógica das estratégias de
acesso e permanência na instituição, de identificar os aspectos subjetivos e
objetivos que perpassam a escolha do estabelecimento de ensino feita pelas
famílias. Para além de conhecer as crenças, os sentidos e significados atribuídos à
instituição, os desejos, as expectativas e as perspectivas de futuro dessas famílias
em relação ao sucesso escolar dos filhos, o compromisso foi também o de analisar
tais dimensões simbólicas considerando as condições de existência do grupo
pesquisado; os gostos; a socialização; os diferentes capitais construídos, adquiridos
e mobilizados pelas famílias; as tomadas de posição em função da posição
ocupada; as escolhas realizadas durante a escolarização do filho que levaram a
decisão por esse estabelecimento para prosseguir os estudos; as estratégias de
acesso e permanência no estabelecimento de ensino em questão, enfim,
consideramos toda uma gama de disposições e mobilizações do sujeito frente ao
objeto- neste caso um legítimo “objeto de desejo” das famílias que participaram do
estudo.
Os pesquisadores que lançam um olhar apurado para esses dois quadros
teóricos, aparentemente distantes, percebem certo paralelismo. Isso se deve, em
parte, ao fato de Bourdieu e Moscovici terem tido influências bem próximas de
contemporâneos, professores e amigos da École Normale Supérieure, como a do
psicanalista Daniel Lagache, que dirigia um laboratório de psicologia social, além de
terem frequentado os seminários de Lèvi-Strauss. Esses autores também rejeitam
fundamentalmente um marxismo determinista que dominava a sociologia francesa a
época e o estruturalismo tal qual Lèvi-Strauss fazia (CAMPOS, 2013). A constatação
dessas influências próximas nos assegura de que há entre tais quadros teóricos
construídos aspectos que, de certo, se tocam e podem contribuir para a inovação do
quadro teórico em Representações Sociais, por isso tal aproximação não apenas é
possível como necessária. Como já mencionamos, não somos os primeiros nem os
últimos a buscar a aproximação entre essas duas teorias; há tantas pontes, ainda,
por realizar, nos responsabilizaremos então de fazer deste texto a nossa
composição primeira de tantas outras.
A noção de habitus foi empregada inicialmente nos escritos de Bourdieu como
uma espécie de reação ao estruturalismo e sua filosofia da ação que tomavam o
77
sujeito como suporte da estrutura. O uso que fez do termo possibilitou ao sociólogo
“romper com o paradigma estruturalista, sem apelar para a filosofia do sujeito ou da
consciência” (BOURDIEU, 2011, p.61), e sem anular o agente na sua verdade de
operador prático. Ao se valer do termo habitus, Bourdieu traz à tona as capacidades
geradoras, criativas, inventivas e ativas do habitus e do agente, dando relevo ao
“lado ativo do conhecimento prático” (BOURDIEU, 2011).
No entendimento de Bourdieu (2010), habitus é o conjunto de esquemas
interiorizados, disposições duráveis que foram aprendidas, cultivadas pelo sujeito
em sua experiência de socialização; gera estratégias objetivas e eficazes em
contextos idênticos ou semelhantes aqueles de que o habitus é produto; permite ao
agente estar predisposto ou prevenido para atuar no único mundo que lhe foi dado a
conhecer.
O habitus possui três dimensões que operam em conjunto- ethos, eidos e
hexis. O ethos é a dimensão ética do habitus, que faz os agentes respeitarem
princípios, normas, valores, possibilitando, assim, uma convivência harmoniosa entre
pares.Funciona como um conjunto sistemático de princípios práticos que o grupo
compartilha, pois se trata de ética prática, não necessariamente consciente, difere
da ética da qual comumente se fala com seus princípios explicativos. O ethos é a
dimensão responsável pelas atitudes frente à escola e à escolarização dos filhos,
pela maior ou menor valorização dos estudos, “por estas e não por aquelas atitudes
e escolhas”, é o que faz o sujeito agir conforme o esperado dele, mas não
necessariamente declarado.O Eidos é o sistema lógico e cognitivo de classificação
dos objetos do mundo social. Esta dimensão se traduz em distinções de gosto,
estilos de vida, diferentes maneiras de ser e de estar no mundo, principalmente de
pensar o mundo. Traduzem-se em sinais distintivos, classificadores e classificáveis.
O habitus tomado como hexis, indica uma postura, uma disposição incorporada;
uma maneira de ser, de agir, estar e se posicionar no mundo, que se confunde tanto
com o sujeito a ponto de ser naturalizada.Os agentes estão tão ajustados às
disposições que estas lhes parecem naturais, como uma espécie de herança
genética. A hexis é exatamente essa disposição corporal do habitus, é a
incorporação do social, o corpo socializado (BOURDIEU, 1983).
78
Se num primeiro momento a noção de habitus parece permanente e de
caráter reprodutivista, em escritos posteriores, Bourdieu introduz a possibilidade de
transformação e constantes ajustes do habitus e de transformação do espaço social
pelos agentes. Ele nos diz que apesar de duradouras essas disposições
incorporadas não são estáticas, pois atuam numa relação dialética de interiorização
da exterioridade e exteriorização da interioridade (BOURDIEU, 2013).
Bourdieu (2013, p.57-58), assim explica o seu entendimento de habitus:
[...] sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando toda experiência passada, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e ações- e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças as transferências analógicas de esquemas, que permitem resolver os problemas da mesma forma, e às vezes correções incessantes dos resultados obtidos, dialeticamente produzidas nesse resultado.
O habitus está fortemente relacionado às práticas e estratégias que os
sujeitos empreendem para se movimentar no espaço social. A tese central do
Bourdieu é que os homens não apenas constroem os sentidos do mundo como
disputam esses sentidos (BOURDIEU, 2011). Nesse entendimento, a ideia de
habitus está fortemente relacionada à noção de campo social, como espaço de
forças e lutas, no qual os agentes disputam os sentidos do mundo e as posições
ocupadas de acordo com as regularidades e regras deste espaço (BOURDIEU,
2009; 2013). É preciso pensar relacionalmente tais conceitos, pois o que existe no
mundo são relações, a tríade conceitual - habitus, campo e capital- foi a maneira que
o autor encontrou para pensar de forma relacional o espaço social.
De acordo com essa tese de Bourdieu, os sujeitos disputam os sentidos do
mundo, portanto não podemos nos isentar de compreender os objetos de disputa, a
predisposição dos agentes e espaço em que essas disputas ocorrem. No jogo
social, a posse de um ou mais tipos de capitais e disposições são passíveis de
manipulação pelos agentes, definem as possibilidades de jogar, os lances a realizar
e a posição assumida dentro do jogo (CAMPOS, 2008). Um jogo em que “alunos e
pais” possuidores de habitus semelhantes tentam ingressar num espaço social de
práticas específicas (campus). As práticas de ingresso e permanência num espaço
social específico são favorecidas pelos capitais que foram construídos em trajetórias
79
de socialização. Nesse sentido, o acesso e a permanência dependem da
capacidade do sujeito de mobilizar as disposições favoráveis.
Quanto mais o sujeito consegue assimilar o que Bourdieu chama de Le sense
pratique, quanto mais consegue compreender o sentido do jogo e ajustar seu
habitus ao campus, mais chances terá de obter as melhores posições nesse espaço
social, que é disputado e hierarquizado. Importante atentar para o fato de que a
posição ocupada pelo sujeito no espaço social nos permite antecipar como nomeará
o mundo, os objetos sociais; a partir de uma ótica própria, construída naquele
espaço, ele nos dirá como vê o mundo.
Essa disputa de sentido do mundo remete à construção de RS, que ocorre
quando os sujeitos atribuem sentido aos objetos sociais. Tais significados não são
dados, mas construídos numa pluralidade de poder e de interações sociais. Os
sujeitos inseridos em espaços sociais específicos, por conseguinte, as
representações construídas e os sentidos atribuídos ao mundo, muito devem às
condições de existência e aos habitus do grupo. Assim, as diferentes maneiras de
representar, pensar, agir, dependem da posição social ocupada pelo grupo e do
habitus interiorizado. Conforme Domingos Sobrinho (2000), as representações
sociais dizem sempre do habitus interiorizado pelos sujeitos representacionais,
portanto, podem, assim, ser uma via de acesso ao habitus do grupo e às condições
objetivas que o engendraram.
O agente que dispõe de certo habitus possui suas disposições ajustadas à
posição que ocupa no espaço social. No entanto, para atuar o habitus precisa de um
ambiente familiar que lhe faça funcionar, fora de sua realidade as disposições que
os agentes podem entrar em choque, não servem a contextos muito distantes dos
seus, dos espaços nas quais os habitus foram construídos. Para tornar-se eficiente,
operante, ele necessita de condições idênticas ou análogas aquelas das quais é
produto (BOURDIEU, 2009).
Araújo (2003) atenta para o fato de que as representações não são
homogêneas e se relacionam ao nível social, econômico e cultural de cada grupo.
Para a autora, o saber elaborado na prática é circunscrito às interações sociais
específicas e correspondentes à inserção do sujeito em determinadas referências.
80
As representações são formadas por sujeitos possuidores de habitus diferenciados e
servem aos contextos em que são construídas.
O habitus construído é produto de situações concretas e mobiliza práticas
sociais específicas, condizentes ao habitus que as engendrou. Assim, os que
constroem as representações o fazem também em função de condições objetivas,
de existência, pois os agentes sociais falam, se posicionam de um lugar que lhes é
próprio, expressam um ponto de vista, uma visão assumida junto ao grupo, uma
tomada de posição. Jodelet (2001) chamou atenção dos pesquisadores em RS
para as seguintes questões: “Quem sabe e de onde sabe?” “O que e como sabe?” e
“Sobre o que sabe e com que efeito?”. O habitus nos diz das condições de produção
das representações e de seu conteúdo em relação ao saber dominante. Jodelet
(2001) ressalta a necessidade de considerar o lugar social de onde se produzem as
representações. Na mesma ótica dessa autora, Bourdieu (2004) acredita que se faz
necessário considerar de onde falam os sujeitos sociais, para saber o que dizem,
fazem ou pensam.
Moscovici também considera importante saber o que dizem, fazem ou
pensam os agentes sociais. Ele considera que “[...] uma pessoa apenas se informa e
representa alguma coisa em função de uma posição tomada”. De acordo com Sá et
al (2011) os sentidos atribuídos aos objetos exercem influência na prática dos
sujeitos, orientam comportamentos, definem o que é lícito ou não em determinado
contexto. Quando dizemos que uma representação prepara para a ação estamos a
dizer que seu conteúdo, uma vez difundido e aceito, passa a ser parte de nós, de
nossos relacionamentos, julgamentos e ações. A função de orientação da prática
atribuída às RS não fica distante das que Bourdieu atribuía ao habitus:
Os “sujeitos” são, de fato, agentes que atuam e que sabem dotados de um senso prático, de um sistema adquirido de preferências, de princípios de visão e de divisão (gosto), de estruturas cognitivas duradouras (produto da incorporação de estruturas objetivas) e de esquemas de ação que orientam a percepção da situação e a resposta dada (BOURDIEU, 2013, p. 42).
Para Bourdieu, o habitus funciona como uma “espécie de senso prático do se
deve fazer em casa situação” (BOURDIEU, 2013, p. 42), o equivalente no esporte ao
“sentido do jogo”. As famílias que escolhem um estabelecimento de ensino para os
filhos não agem totalmente de forma consciente, dotadas de um planejamento
81
racional. Estas decidem, escolhem e agem em função de um senso prático, pois
suas ações antecipam o futuro inscrito no jogo social, o futuro provável, possível ao
grupo, o desejado. De acordo com Bourdieu (2007), o sentido do jogo é
imediatamente ajustado ao futuro do jogo, tornando as práticas orquestradas, sem
necessariamente serem produto de um projeto consciente. Tudo se passa como se
o agente ignorasse o ajuste de suas ações às condições de existência de que é
fruto. Essa propriedade está tão presente nas ações dos sujeitos que exclui a
possibilidade de que os resultados esperados não sejam atingidos. É como se
instituísse em cada um deles um feeling, poder de antecipação, não fruto da
intuição, mas de aprendizagens práticas. Pois, conforme Bourdieu (2013), aprende-
se a jogar o jogo social, jogando; é neste espaço em que habitus são construídos e
os diferentes capitais mobilizados.
Conforme Moscovici (2012, p. 46) a RS “[...] reconstitui os elementos do
ambiente no qual o comportamento deve acontecer”, isso é um pouco da função do
habitus, do poder de antecipação de um futuro inscrito no jogo social. O habitus tem
lógica e dinâmica própria, mas uma vez identificado num grupo percebemos as
regularidades das ações. Bourdieu fala em regularidades não no sentido de regra,
mas de propensão, inclinação. As estratégias que os agentes empreendem são os
usos que fazem do habitus, independente de sua vontade o agente faz escolhas que
são tão automáticas quanto o próprio jogo. Tais escolhas são conscientes, no
entanto, o que as motivou permanece inconsciente (BOURDIEU, 2007). Quando os
agentes são dotados de habitus semelhantes, há grandes chances de suas ações
serem antecipadas, pois estão predispostos a determinadas ações; há uma
tendência natural para aquela maneira de ser, aquele estado habitual que orienta
suas ações.
Bourdieu sugere que o habitus poupa os sujeitos da insegurança, “dizendo”
como eles devem agir, fazendo-os apostar. Há, contudo, segundo Bourdieu (2009),
uma parcela de indeterminação no habitus que prevê determinada maneira de agir,
mas, também, é o lugar do vago e do improviso.Essa parcela de indeterminação se
faz necessária, à posse de disposições e capitais precisa assegurar o mínimo de
ganhos para mobilizar o sujeito, despertar a ilusio [interesse no jogo], fazendo o
agente investir no jogo social. Esse investimento, associado à incerteza faz os
82
sujeitos se sentirem vivos, envolvidos no jogo, e apostarem suas melhores fichas.
No entanto, esse grau de incerteza deve ser limitado. Para manter o agente
interessado no jogo, é necessário que “[...] as chances de ganhar não sejam nulas
(perde-se em todos os lances) nem totais (ganha-se em todos os lances), ou melhor,
que nada seja absolutamente seguro sem que, por outro lado, tudo seja
possível.”(BOURDIEU, 2007, p.261).
Outro ponto de aproximação entre esses dois quadro teóricos é o fato de que
Moscovici consegue pensar as Representações Sociais como estrutura
estruturante e estrutura estruturada tal qual Bourdieu fazia com a noção de
habitus. Para Moscovici as Representações Sociais são processo e produto de uma
atividade mental, na qual o indivíduo reconstitui o real que o confronta e lhe confere
um significado particular (SANTOS, 2005). Com essa perspectiva, Jodelet (2011)
afirma que as representações constituem a apropriação pelos sujeitos da realidade
exterior ao pensamento, momento em que realizam uma elaboração psicológica e
social dessa realidade.
Nessa linha de pensamento, podemos afirmar que RS é a reconstrução do
objeto pelo sujeito. É o momento em que ele elabora, reelabora e altera significados
daquilo e daqueles com os quais interage no ambiente social. É a resposta as
demandas de entendimento que a própria realidade impõe, resposta dada
interiorizando o externo e exteriorizando o internalizado. O sujeito de que fala
Moscovici é construtor e construído nas relações sociais (ALMEIDA; MACHADO,
2013).
Como dito anteriormente, o habitus está inscrito numa relação dialética
defendida por Bourdieu de interiorização da exterioridade e exteriorização da
interioridade, relação que não se faz distante do conceito de RS.
Para Bourdieu, o habitus é produtor e gerador de representações, tem dupla
função: produto das relações estabelecidas nos diversos espaços sociais e produtor
dessas relações (MACEDO; PASSOS, 2006). Como estrutura estruturada faz a
ponte entre as condições objetivas e o mundo subjetivo. Atua como princípio de
divisão em classes lógicas, organizando a percepção do mundo social, portanto, é a
própria incorporação do mundo social. Tomado como estrutura estruturante, gera
83
práticas e representações afinadas aos determinados contextos; organiza as
práticas e as percepções da prática.
A prática como produto do habitus torna-se, por vezes, difícil de ser
percebida, pois os grupos estão tão ajustados que as entendem como naturais,
aceitando-as sem questionar o porquê de agirem deste e não de outro modo.
Vinculadas ao conceito de habitus, as Representações Sociais nos dizem que
as relações entre os sujeitos e a construção da realidade por parte dos sujeitos são
essencialmente orientadas pelas suas referências. Assim, cabe levar em conta as
condições de existência, os sistemas de valores, normas e símbolos que expressam
as representações de grupos determinados e questionar como tais relações são
estabelecidas, como ocorrem as aproximações e os distanciamentos entre as
representações dos grupos em função da posição que ocupam no espaço social.
As construções simbólicas e tomadas de posição dos grupos dizem de suas
possibilidades, de seu lugar no mundo, e expressam a compreensão dos sujeitos de
uma realidade por eles observada. Esse posicionamento nos sugere uma relação de
imbricação entre objetividade e subjetividade, entre condições de existência, habitus,
práticas e representações sociais.
84
4. METODOLOGIA
Esta pesquisa, que tem como objetivo compreender as Representações
Sociais do Colégio de Aplicação da UFPE segundo alunos e pais,
caracterizando e analisando os sentidos e significados atrelados às
perspectivas de futuro é, predominantemente, qualitativa, pois a natureza do
objeto pesquisado envolve elementos do campo da subjetividade, dos valores,
concepções e atitudes dos atores envolvidos (MINAYO, 2004). Essa abordagem
responde ao objeto da pesquisa e às representações sociais, que são, sobretudo,
produções simbólicas.
O nosso objeto “CAp da UFPE” também nos serviu de campo de pesquisa.
No plano inicial da pesquisa, pensamos em duas possibilidades de sujeitos: aqueles
que estão se preparando para ingressar na instituição e os que são aprovados na
seleção de ingresso. Se escolhêssemos os primeiros, nosso campo de pesquisa
seriam os cursinhos preparatórios para ingresso no CAp, espalhados pela cidade do
Recife e Região Metropolitana. Escolhemos os pais e estudantes do Ensino
Fundamental, aprovados na seleção de ingresso do CAp, como sujeitos investigados
e, para acessá-los, o CAp também seria nosso campo de pesquisa.
O Cenário investigado é um colégio situado em Recife que compõe o grupo
de estabelecimentos escolares da Rede Federal de Ensino. A instituição tem
colocações privilegiadas nas avaliações de larga escala, sendo considerada uma
escola pública de excelência.Como dito em seção específica, o colégio possui 51
professores efetivos, destes 10 são especialistas, 24 mestres, 16 doutores e um
graduado. A escola tem laboratórios de química, biologia, matemática, física e
informática, sala ambiente para música e artes, quadra de esportes e biblioteca.
De ambiência universitária, o CAp está vinculado ao Centro de Educação da
Universidade Federal de Pernambuco, atende aos acadêmicos das diversas
licenciaturas, em suas habilitações e se propõe a elaborar novas técnicas
pedagógicas e educacionais para serem repassadas as demais redes de ensino-
Estaduais, Municipais e Privadas.
85
A instituição compõe turmas de no máximo 30 estudantes. Abriga
anualmente, em média, 420 alunos distribuídos em Ensino Fundamental (6º a 9º
anos) e Ensino Médio (1º ao 3º ano). O ingresso regular dos estudantes ocorre no
sexto ano do Ensino Fundamental (antiga quinta série), por um concorrido exame de
seleção com provas de português e matemática. A excelência expressa nos
resultados das avaliações e a notoriedade da instituição no âmbito nacional
mobilizam, anualmente, cerca de 2.000 famílias que disputam uma das 60 vagas
ofertadas. Há, neste processo, crenças, desejos e expectativas associadas ao
ingresso e permanência na instituição.
4.1. Procedimentos de coleta
A pesquisa em RS, por envolver uma gama de informações sobre o objeto,
requer um caráter plurimetodológico. Assim, utilizamos mais de um procedimento
para acessar essas produções simbólicas que não são facilmente Capturadas.
Trabalhamos em três momentos, com a adoção do refinamento progressivo dos
dados (CRUZ, 2006). Deste modo, a análise de cada etapa serviu para subsidiar a
seguinte.
Desenvolvemos o trabalho de campo em três fases e utilizamos três
instrumentos: O Teste de Associação Livre de Palavras, As Triagens Hierárquicas
Sucessivas e as Entrevistas Semiestruturadas. Destacamos que essas fases são
interdependentes, pois a análise de cada uma delas serviu para subsidiar a
organização dos procedimentos de coleta e a análise da etapa seguinte.
Na primeira fase da pesquisa foi utilizado o Teste de Associação Livre de
Palavras com o termo indutor “colégio de aplicação”, posteriormente realizou-se a
hierarquização das respostas. A associação livre é crucial para pesquisar os campos
semânticos das RS, fornece o material de base para a pesquisa da estrutura da
representação, nos possibilitando entender a organização do seu conteúdo, ou seja,
seus sistemas central e periférico (ABRIC, 2003). Neste sentido, a primeira etapa
permitiu acessar o material simbólico mais relevante referente a essa estrutura de
forma mais espontânea, rápida e objetiva.
86
A Técnica de Associação Livre consistiu em solicitar aos sujeitos que
produzissem todas as palavras ou expressões, que lhes viessem à mente, para cada
termo indutor apresentado. A hierarquização diz respeito à ordenação da produção
do sujeito em função da importância que ele atribui a cada termo para definir o
objeto em questão. Assim, os sujeitos receberam um protocolo (Apêndice 1) no qual
tiveram que evocar, para cada termo indutor, seis palavras ou expressões que lhes
viessem, imediatamente, à mente quando pensassem no termo “Colégio de
Aplicação”. Em seguida, solicitamos que selecionassem a palavra considerada mais
relevante e, por último, que justificassem o termo indicado como tendo maior
importância. O Teste foi acompanhado de um questionário socioeconômico para
caracterização geral do grupo e seleção dos sujeitos que participariam das próximas
etapas da pesquisa.
Na segunda fase da pesquisa, utilizamos outro procedimento associativo
com a finalidade de confirmar a saliência da representação identificada na primeira.
Para desenvolvê-la, lançaremos mão das Triagens Hierárquicas Sucessivas, com as
quais procuramos detectar os elementos, que de fato são organizadores ou centrais
da representação.
Com as Triagens Hierárquicas Sucessivas, os sujeitos foram convidados a
individualmente hierarquizar, valorar, as palavras tidas como centrais capturadas na
etapa anterior. A técnica permitiu identificar se as cognições inicialmente levantadas
com a associação compõem efetivamente o núcleo central do objeto estudo eram
protótipos, que conviviam na zona do núcleo central, juntamente com seus
elementos. Em suma, com as hierarquizações foi possível testar ou evidenciar o
núcleo central da representação. Partimos do pressuposto de que a propriedade
fundamental das cognições centrais consiste no laço simbólico que as liga ao objeto
de representação (SÁ, 2002). Assim, objetivamos avançar no estudo e na
compreensão da estrutura das RS, confirmando sua saliência, explicitando seu valor
simbólico na representação do colégio.
Para desenvolver as Triagens Hierárquicas Sucessivas, apresentamos aos
sujeitos, individualmente, um conjunto de palavras que alcançaram maior frequência
e baixa ordem de média de evocação na associação livre, em forma de cartelas
(APÊNDICE 3). Decidimos que 08 seria o número máximo de termos a serem
87
hierarquizados; selecionamos, assim, os termos pertencentes ao suposto Núcleo
Central e os termos localizados na primeira periferia- do quadro de quatro casas
gerado pelo software EVOC- que tivessem maior frequência e baixa ordem média de
evocação, garantindo um número máximo de oito termos. Aos estudantes foram
apresentadas oito palavras, uma delas seria o possível núcleo central, sete delas
pertenciam à primeira periferia. No caso dos pais, foram apresentadas apenas seis
palavras, as duas que ocupavam posição de Núcleo Central e as outras quatro que
ocupavam a primeira periferia.
Após a apresentação das palavras, solicitávamos que os sujeitos
procedessem as triagens hierárquicas. Os estudantes receberam as seguintes
orientações: 1º) retire três palavras desse conjunto deixando apenas aquelas cinco
sem as quais não se poderia pensar o colégio de aplicação; 2º) agora, nessa
segunda rodada, retire mais três palavras dessas cinco que ficaram, deixando
somente duas sem as quais não seria possível pensar no colégio de aplicação; 3º)
Olhe e pense sobre essas duas palavras e escolha aquela que você considera
indispensável para pensar o colégio de aplicação e 4º) Feito isto, justifique o porquê
de você ter feito exatamente a escolha dessa palavra, no conjunto das oito, como
sendo indispensável.
No mesmo molde das orientações dos estudantes, os pais receberam as
seguintes orientações: 1º) retire duas palavras desse conjunto, deixando apenas
aquelas quatro sem as quais não se poderia pensar o colégio de aplicação; 2º)
agora, nessa segunda rodada, retire mais duas palavras dessas quatro que ficaram,
deixando somente duas sem as quais não seria possível pensar no colégio de
aplicação; 3º) Olhe e pense sobre essas duas palavras e escolha aquela que você
considera indispensável para pensar o colégio de aplicação e 4º) Feito isto, justifique
o porquê de você ter feito exatamente a escolha dessa palavra, no conjunto das
seis, como sendo indispensável.
A utilização das Triagens Hierárquicas Sucessivas como procedimento
associativo permitiu, de maneira menos racionalizada, o acesso a uma material mais
espontâneo para identificação dos elementos normativos e funcionais do núcleo
central da representação do Colégio de Aplicação entre os sujeitos.
88
Na terceira fase da pesquisa, realizamos entrevistas individuais
semiestruturadas. Essas entrevistas foram baseadas em um roteiro de perguntas
abertas, permitindo ao investigador, na dinâmica de sua condução, refazer e
reelaborar questões de acordo com as respostas e interação estabelecida com os
sujeitos. Essa técnica nos possibilita cercar o objeto de estudo, a partir de
questionamentos baseados nas teorias, hipóteses e aspectos que interessem a
pesquisa em foco (TRIVINÕS, 2011). A utilização deste recurso em Representações
Sociais é de suma importância, pois, conforme Moscovici (2003) nas comunicações
são veiculados valores, crenças, interpretações e explicações da realidade, que
permitem ao pesquisador se aproximar ainda mais dos objetos simbólicos. As
questões propostas no roteiro das entrevistas (Apêndice 5) serão delineadas em
função dos resultados das etapas anteriores. Os depoimentos da entrevista
permitiram aprofundar as informações sobre as crenças, atitudes e percepções do
grupo em relação ao objeto focalizado.
4.1. 1. Teste de Associação Livre de Palavras
O Teste de Associação Livre de Palavras é uma técnica que se caracteriza
como um tipo de investigação aberta, estruturada na evocação de palavras ou
expressões a partir de um estímulo indutor. Esse recurso metodológico permite o
acesso rápido e objetivo ao conteúdo da representação e à sua possível estrutura;
indica ao pesquisador como os elementos da representação se relacionam entre si,
as aproximações e os afastamentos dos termos periféricos em relação aos termos
centrais. Para Abric (1994) apud Oliveira (2005) a técnica permite apreender os
conteúdos implícitos ou latentes que seriam mascarados em produções discursivas
convencionais.
Conforme Oliveira (2005) a referida Técnica de Associação Livre tem suas
origens na Psicologia Clínica, tendo por objetivo auxiliar a localização das zonas de
recalque e bloqueio de uma pessoa, ou seja, na exclusão da consciência de
determinadas ideias, pensamentos, sentimentos, desejos que fazem parte da vida
psíquica do sujeito mesmo que este não admita.
89
O instrumento utilizado para Técnica de Associação Livre de palavras é de
fácil utilização, compreensão e operacionalidade e, de modo geral, é composto por
duas partes. Numa das partes, consta os dados de identificação do sujeito; na outra,
o teste propriamente dito com o estímulo indutor, conforme os objetivos da pesquisa.
O teste consiste em solicitar as pessoas que falem/ escrevam livremente o
que lhes vem a cabeça quando são apresentados os estímulos indutores
previamente definidos. A quantidade das evocações fica a cargo do pesquisador, no
entanto, é recomendado que não ultrapasse de seis palavras para não perder o
caráter espontâneo das evocações livres (Oliveira, 2005). O tempo gasto para
realização do teste pode variar e a aplicação pode ser tanto individual quanto
coletiva. Cumpre destacar que o teste deve ser realizado de forma a garantir que os
sujeitos evitem reformulações, pesquisas ou elaborações demasiadas sobre o objeto
em questão que anulem o caráter espontâneo do teste.
Conforme Abric (1994) apud Sá (1998, p.91) a técnica pode ser
complementada “[...] pedindo ao participante que efetue sobre sua própria produção
um trabalho cognitivo de análise, comparação e hierarquização”.O pesquisador pode
utilizar procedimentos que complementem o Teste de Associação Livre de palavras
como solicitar aos sujeitos: enumerar as evocações de acordo com a ordem de
importância e justificar a palavra indicada como mais importante.
4.1.2. Triagens Hierárquicas Sucessivas
Nesta etapa da pesquisa, objetivamos confirmar quais cognições identificadas
na primeira fase compõe efetivamente o Núcleo Central das RS do CAp da UFPE
para pais e alunos. De acordo com Sá (2002), verificar a hipótese de centralidade é
determinante para o desenvolvimento da própria teoria do NC, pois conduz a uma
apreensão mais consistente da estrutura da representação estudada permitindo ao
pesquisador analisar a centralidade do ponto de vista eminentemente qualitativo.
Ao contrário dos elementos periféricos, que aceitam contradição, os termos
do NC da representação não são negociáveis, assim, questionar os elementos
centrais nos dá indicativos de reforço ou negação da centralidade das cognições
inicialmente capturadas (SÁ, 2002). No Teste do Núcleo Central, ao invés de
90
produzir os termos referentes ao objeto, os sujeitos são confrontados com termos já
produzidos por eles e seus pares, e considerados consensuais no grupo. Constitui o
momento em que o sujeito se posiciona, indicando o valor simbólico do termo na
representação.
Foi Pascal Moliner o primeiro a elaborar técnicas de questionamento do
Núcleo Central. O referido autor (1994), citado por Sá (2002), afirma que a saliência
e o grau de conexidade do termo na estrutura representacional não asseguram sua
pertença definitiva ao NC da representação. O pressuposto básico do autor é que a
propriedade fundamental das cognições centrais reside no laço simbólico que liga os
termos ao objeto representado. Nesse sentido, não é porque uma cognição é
fortemente ligada a todas as outras, que ela é central, mas por ser central ela está
fortemente ligada a tantas outras. Moliner (1994)15 busca recuperar a concepção
teórica essencialmente simbólica do Núcleo Central, na qual saliência e conexidade
são decorrentes da centralidade e não determinantes de centralidade. O autor atenta
para a importância de não confundir índices quantitativos- saliência e grau de
ligação, com a propriedade qualitativa- valor simbólico.
A confirmação do NC seria possível questionando a imprescindibilidade de
seus termos. A técnica consiste em questionar os sujeitos se com a ausência do
elemento na representação, o objeto mantém sua identidade. As estratégias
utilizadas para o questionamento da centralidade ficam a cargo da criatividade do
pesquisador, no entanto as estratégias devem conservar o princípio da
imprescindibilidade do elemento.
No presente estudo, o Núcleo Central foi testado tomando como base as
Triagens Hierárquicas Sucessivas. A referida técnica foi criada por Abric (1994) em
sua pesquisa de representação social do artesão e do artesanato. As Triagens
Hierárquicas Sucessivas consistem em construir, com os elementos produzidos na
evocação, um conjunto suficientemente grande de itens (são sugeridos 32)
abarcando tanto os mais frequentes quanto os poucos frequentes, (re) apresentar os
itens aos sujeitos em forma de fichas e pedir que eles separem em dois grupos-
dezesseis mais característicos e dezesseis menos característicos do objeto. Feito
15
MOLINER, Pascal. Les méthodes de répérage et d´identification Du noyau des représentations sociales. In: GUIMELLI, C. (Ed.) Structures et transformations des représentations sociales. Neuchâtel, Delachaux et Niestlé, 1994, p. 199-232.
91
isto, é solicitado aos sujeitos que repitam a operação até sobrarem oito em cada
grupo, em seguida, quatro e assim sucessivamente até chegarem ao item
indispensável.
Nesta pesquisa, utilizamos as Triagens Hierárquicas Sucessivas no intuito de
identificar se as cognições inicialmente levantadas compõem efetivamente o Núcleo
Central ou são protótipos que convivem na Zona do NC juntamente com outros
elementos. Assim, objetivamos avançar no estudo e na compreensão da estrutura
das RS, confirmando sua saliência e seu valor simbólico na representação social do
CAp da UFPE.
Como são permitidas variações para testagem do NC, para testar e evidenciar
os elementos centrais, optamos por uma variação da técnica. No caso desta
pesquisa, os termos utilizados para a efetivação das Triagens pelos sujeitos foram
aqueles que, com o processamento do EVOC, integraram o possível NC e a primeira
periferia do quadro de quatro casas. Como se obteve um número reduzido de
palavras, os alunos contaram com os oito termos de menor OME para triagens e
com os pais utilizamos seis termos. Nossas escolhas respondem a configuração
específica da estrutura, ao reduzido número de sujeitos, e de termos com elevada
frequência e baixa OME. O critério de escolha dos elementos para as triagens foi
baixa OME e elevada frequência, respectivamente. A ideia foi garimpar da primeira
periferia as palavras mais próximas ao NC e compor um conjunto de palavras
hipoteticamente centrais.
Para desenvolver as Triagens Hierárquicas Sucessivas, apresentamos aos
sujeitos, individualmente, um conjunto de oito palavras (aos estudantes) e seis
palavras (aos pais), que alcançaram menor ordem média de evocação e maior
frequência na associação livre, em forma de cartelas (APÊNDICE 3), e solicitamos
que procedessem as triagens hierárquicas. Os estudantes receberam as seguintes
orientações: 1º) retire três palavras desse conjunto deixando apenas aquelas cinco
sem as quais não se poderia pensar o colégio de aplicação; 2º) agora, nessa
segunda rodada, retire mais três palavras dessas cinco que ficaram deixando
somente duas sem as quais não seria possível pensar no colégio de aplicação; 3º)
Olhe e pense sobre essas duas palavras e escolha aquela que você considera
indispensável para pensar o colégio de aplicação e 4º) Feito isto, justifique o porquê
92
de você ter feito exatamente a escolha dessa palavra, no conjunto das oito, como
sendo indispensável.
No mesmo molde das orientações dos estudantes, os pais receberam as
seguintes orientações: 1º) retire duas palavras desse conjunto deixando apenas
aquelas quatro sem as quais não se poderia pensar o colégio de aplicação; 2º)
agora, nessa segunda rodada, retire mais duas palavras dessas quatro que ficaram
deixando somente duas sem as quais não seria possível pensar no colégio de
aplicação; 3º) Olhe e pense sobre essas duas palavras e escolha aquela que você
considera indispensável para pensar o colégio de aplicação e 4º) Feito isto, justifique
o porquê de você ter feito exatamente a escolha dessa palavra, no conjunto das
seis, como sendo indispensável.
Nossos resultados foram tabulados, considerando duas variáveis, a
frequência absoluta (frequência de permanência do termo na rodada) e frequência
relativa (frequência percentual do termo em relação ao número total de ocorrências
em cada etapa de escolha)16. As justificativas de estudantes e pais foram gravadas e
posteriormente transcritas para subsidiar a análise.
4.1.3. Entrevistas Semiestruturadas
Nesta fase da pesquisa, realizamos entrevistas individuais
semiestruturadas17, baseadas em um roteiro de perguntas abertas, o que nos
permitiu investigar, na dinâmica de sua condução, refazer e reelaborar questões de
acordo com as respostas e interação estabelecida com os sujeitos.
Essa técnica nos possibilita cercar o objeto de estudo a partir de
questionamentos baseados nas teorias, hipóteses e aspectos, que interessavam a
pesquisa em questão (TRIVINÕS, 2011). A utilização deste recurso em
Representações Sociais é de suma importância, pois, conforme Moscovici (2003)
nas comunicações são veiculados valores, crenças, interpretações e explicações da
realidade, que permitem ao pesquisador se aproximar ainda mais dos objetos
16Construímos uma tabela (Apêndice 4) para nos auxiliar no momento das Triagens Hierárquicas Sucessivas. A partir dela conseguimos quantificar a frequência de permanência do item em cada rodada das hierarquizações 17
Apresentamos o roteiro das entrevistas no Apêndice 2
93
simbólicos. Os depoimentos da entrevista permitiram aprofundar as informações
sobre as crenças, atitudes e percepções do grupo em relação ao objeto focalizado.
Ainda, por se constituir em um discurso de outra natureza nos possibilitou encontrar
elementos não capturados pelos outros instrumentos utilizados e apreender a não
aparente rede de significados e sentidos atribuídos ao objeto.
Com as entrevistas, objetivamos identificar quais perspectivas de futuro
dessas famílias estavam atreladas ao ingresso e à permanência dos estudantes no
CAp da UFPE, identificar as estratégias mobilizadas para acesso e permanência das
crianças na instituição e quais as relações iniciais, que poderiam ser percebidas
entre o habitus dos estudantes e as representações sociais, que pais e alunos têm
do colégio. Desde o inicio da pesquisa, pensávamos ser este o momento de
compreender as mobilizações para ingresso no CAp, e o porquê da escolha desta e
não de outra instituição pública ou privada para escolarização dos filhos.
A técnica de entrevista individual pode ser descrita como um processo
interativo entre duas pessoas, o entrevistador, munido de objetivos e questões que
orientaram o diálogo e o entrevistado com seus valores, crenças, percepções, ideias
e interpretações acerca do objeto representado (PAREDES, 2005). No intuito de
aprofundar o conteúdo geral das representações capturadas, preliminarmente, na
Associação Livre de Palavras, o pesquisador empreende o que Paredes (2005,
p.132) afirma ser um “contrito e devotado mergulho no outro”.
Entrevista em pesquisa social é um termo genérico, que pode ser decomposta
em entrevista estruturada, semiestruturada e não estruturada. Minayo (2000) diz que
a primeira delas envolve roteiros fechados, as duas últimas envolvem diferentes
graus de orientação. Enquanto a não estruturada discute a problemática a partir de
um tema proposto discutido, livremente, a entrevista semiestruturada roteiriza as
questões a serem levantadas. Menos dirigidas do que as entrevistas estruturadas,
as semiestruturadas permitem ao entrevistador a flexibilidade de realizar as
adaptações necessárias e aos sujeitos de colocar questões não levantadas (LUDKE
e ANDRÉ, 1986). Como em uma conversação, a entrevista semiestruturada torna-se
espaço privilegiado de identificação de Representações Sociais.
Triviños (2011) afirma terem as entrevistas estruturadas foco no objeto,
enquanto as não estruturadas tem como foco o sujeito. Uma das vantagens do uso
94
de entrevistas semiestruturadas é a possibilidade de focar, ao mesmo tempo, no
sujeito e no objeto em questão, mantendo a presença consciente do pesquisador e o
protagonismo do sujeito, favorecendo a descrição dos fenômenos e a explicação e
compreensão de sua totalidade. As entrevistas semiestruturadas nos permitiram ao
mesmo tempo individualizar percursos, atentando para as regularidades e situando-
os numa totalidade.
Como bem descreve Paredes (2005), a entrevista é o momento não apenas
de recolher ideias, opiniões, depoimentos e testemunhos, mas a possibilidade de o
pesquisador, pela via do discurso, aproximar-se das circunstâncias da vida em
códigos de percepção, de um mapa de memória e afetividade dos depoentes. No
território dos questionamentos para estabelecer um proveitoso diálogo com os
sujeitos, o grande trunfo que tínhamos era a clareza da nossa intenção de coleta e a
definição dos critérios para selecionar os participantes desta fase. Para saber o que
perguntar, a quem perguntar e o que fazer com os dados coletados, tomamos como
epicentro de resoluções o objeto.
O roteiro das entrevistas (Apêndice 05) foi elaborado, previamente, e
modificado em função da interação com os sujeitos. A organização do roteiro resulta,
como propõe Triniños (2011), da teoria que orienta o pesquisador e das informações
a serem levantadas sobre o objeto estudado. A construção do roteiro objetivou
aprofundar o conteúdo da representação; caracterizar os fatores que levam as
famílias a escolherem um colégio considerado de referência para escolarização dos
filhos; identificar as perspectivas de futuro de alunos e pais e sua relação com o
ingresso e permanência no colégio; identificar as estratégias mobilizadas pelos
estudantes para fazer parte do quadro de alunos da referida escola e as que
continuam sendo utilizadas para manter-se na instituição; apreender a relação entre
habitus e representações a partir das estratégias utilizadas pelos sujeitos para
garantir o acesso e a permanência ao colégio.
Elaboramos dois roteiros, um para os pais e outro para os estudantes. No
entanto, com os estudantes, inicialmente, buscávamos uma caracterização da
composição familiar, formação acadêmica e ocupação dos familiares, incluindo a
família extensa (avós, primos, tios), também questionávamos sobre as redes de
amizades estabelecidas antes e após o ingresso no colégio. Em seguida, passamos
95
a questioná-los sobre os colégios frequentados anteriormente, sobre hábitos
familiares de leitura, de estudo e culturais (teatro; cinema; livraria; museus; viagens
que realizam, para que lugares, e com qual finalidade), sobre as atividades
extracurriculares que realizavam (esporte, curso de idiomas, aulas particulares,
dentre outros). Feito isto, questionamos os sujeitos sobre como tiveram acesso a
informações sobre o colégio, a primeira vez que haviam ouvido falar em Colégio de
Aplicação, em que circunstâncias e como se deu a decisão de participar do processo
seletivo de ingresso no CAp. Questões como as expectativas que eles têm/ tinham
do colégio, em que o CAp se diferenciava das demais escolas, como se sentiam
frente a colegas que estudam em outros colégios, o que pensavam do futuro, e em
que o CAp pode ajudar a alcançarem os objetivos futuros, também, foram
levantadas. Não deixamos de investigar o processo de preparação para a seleção
de ingresso (as estratégias utilizadas para a aprovação no colégio) e o que eles
pensavam ser essencial ter ou fazer para ingressar num colégio de referência
nacional (estratégias que consideram favoráveis ao ingresso no CAp). Discutimos,
também, sobre o que havia mudado em suas vidas após a aprovação, os hábitos, a
rotina diária e a rotina de estudos, as atividades realizadas antes do ingresso na
instituição e as que permaneceram ou foram modificadas após a aprovação, sobre
os elementos que o Colégio havia trazido para suas vidas e sobre o que foi preciso
deixar para trás.
Semelhante ao que tratamos com os estudantes, a entrevista com os pais
buscou caracterizar a composição familiar, a formação acadêmica e ocupações da
família extensa (irmãos, pais, avós, tios, primos), a composição das redes de
amizades na infância e atualmente; os lugares onde estabeleceram residência na
infância, hábitos familiares de leitura e culturais. Questionamos, também, sobre os
colégios frequentados, os cursos realizados e as universidades. Após essa
panorâmica, questionávamos sobre o Colégio de Aplicação, como obtiveram
informações e como se deu a decisão de submeter os filhos ao processo seletivo de
ingresso no CAP. Perguntamos quais as expectativas que tinham do colégio, em
que a instituição se diferencia das demais e a relação do CAp-UFPE com as
perspectivas de futuro para seus filhos.
96
Os sujeitos foram convidados, ainda, a falar como se deu o processo de
preparação de suas crianças (estratégias para a aprovação no colégio). Quando
todos esses pontos eram abordados, questionamos sobre os hábitos de sua prole, a
rotina diária e a dinâmica de estudos, que atividades extraclasse realizavam antes
do ingresso, os tipos de passeios e viagens realizadas e com que finalidade
ocorriam. Buscávamos, ainda, informações sobre os hábitos familiares antes e
depois do ingresso no CAp e por fim, indagávamos sobre o que as famílias precisam
ter ou fazer para suas crianças sejam aprovadas num colégio de referência nacional.
4.2. Participantes da pesquisa
Os participantes da pesquisa foram pais e estudantes18 matriculados do 6º ao
9º ano do Ensino Fundamental do Colégio de Aplicação da UFPE. A escolha pelos
alunos do 6°ano do Ensino Fundamental (EF) se deu por eles terem vivenciado
recentemente a seleção de ingresso e as tensões decorrentes desse processo.
Admitimos que eles ainda estavam repletos de expectativas, que recaem sobre o
colégio e as possibilidades que se abrem por acederem à instituição, sentidos que,
provavelmente, compartilhavam com os familiares.
Optamos por incluir no grupo os alunos do 7º, 8º anos(fase intermediária do
EF) e 9º ano (fase final do EF), pois admitimos que eles vivenciam essas
expectativas e compartilham dos projetos dos pais. Além do mais, sobre eles recai a
responsabilidade de manutenção de um perfil acadêmico, que lhes permite
permanecer no colégio. Assim, com esse grupo foi possível saber mais sobre a
intensificação, manutenção, ou não, das estratégias iniciais que levaram ao êxito na
seleção e ingresso na escola. Esse grupo nos informou sobre suas mobilizações e
estratégias utilizadas para manter-se no colégio e se as expectativas em relação à
escola e ao futuro mudam ou são reforçadas com o ingresso e permanência na
instituição.
Da primeira fase- Teste de Associação Livre de Palavras- participaram120
estudantes e 78 pais. O Teste de Associação Livre foi aplicado com 30 alunos por
18
Os alunos serão questionados sobre a disponibilidade em participar da pesquisa e será solicitada a
autorização dos pais para o estudo.
97
ano do Ensino Fundamental, totalizando 120 estudantes que participaram da
seleção regular do colégio e os respectivos pais, que desejaram participar.
Obtivemos a adesão de 78 dos pais destes estudantes. No momento da análise
traçaremos um perfil dos sujeitos investigados.
Para a segunda fase- Triagens Hierárquicas Sucessivas- realizamos uma
seleção entre aqueles estudantes e pais que participaram da etapa anterior e se
disponibilizaram a participar desta. Foram selecionados 20 estudantes e 20 pais. Na
seleção dos estudantes, almejávamos garantir a seguinte composição do grupo:
estudantes de diferentes faixas etárias e turmas; alunos provenientes de escolas
públicas e privadas; bairros de residência diversos; filhos de pessoas com diferentes
níveis de formações e profissões diversas. Tais escolhas visavam considerar as
estratégias que estão sendo mobilizadas pelas famílias e o habitus do grupo que
acessa a instituição. Os pais que participarem desta etapa foram selecionados,
considerando os seguintes aspectos: renda familiar, formação, profissão, número de
filhos no colégio. Nos interessou, ainda, a participação de pais que vivenciaram a
aprovação, de apenas, um dos filhos submetidos à seleção de ingresso do CAp,
aqueles que tiveram toda a prole aprovada no teste de ingresso, e pais que se
autodeclararam ex-alunos do CAp, no momento de preenchimento do questionário
socioeconômico na fase do Teste de Associação Livre.
Da terceira fase- Entrevistas Semiestruturadas- participaram desta fase da
pesquisa 10 estudantes e 10 pais que estiveram presentes nas etapas precedentes
e se disponibilizaram a continuar participando. Os critérios de participação desta
etapa foram os mesmos da etapa anterior, garantindo a composição de grupos de
alunos: com faixa etária e turmas diversificadas; bairros de residência diversos,
provenientes de escolas públicas e privadas e também com pais de diferentes
formações e profissões. A composição dos pais de modo a atender aos seguintes
aspectos: diferentes rendas familiares, formação, profissão e números de filhos no
colégio, além de considerar, os pais que vivenciaram a aprovação de apenas um
dos filhos submetidos a seleção de ingresso do CAp, os que aprovaram toda a prole
e pais auto intitulados ex-alunos da instituição.
98
4.3. Procedimento de análise dos dados
4.3.1. Análise das Evocações provenientes do Teste de Associação Livre-
EVOC
Para análise dos dados da associação livre fizemos uso do software
Ensemble de programmes permettant lánalyse dês évocations (EVOC), elaborado
por Pierre Vérges. O software vem sendo utilizado em diversas pesquisas, que
adotam a abordagem estrutural de uma representação. O recurso oferece condições
para que o pesquisador, lidando com um grande número de sujeitos, capture com
maior facilidade a estrutura da representação dos objetos.
O EVOC considera simultaneamente a frequência e a ordem média das
evocações. Este programa, ao informar a ordem média de evocação, nos diz do
grau de saliência da palavra e, ao contabilizar a frequência com que foi evocada,
nos permite saber o grau de compartilhamento, que determinada palavra tem no
grupo. Importa reforçar que apesar de gerar a ordem de frequência das palavras (em
números ou quantitativos) os dados serão analisados qualitativamente.
A análise recaiu sobre a frequência dos itens e a ordem de importância que
os sujeitos atribuíram a eles. O elemento central da RS tem toda chance de ser mais
frequentemente verbalizado pelos sujeitos, no entanto, a frequência de aparição
deve estar associada às informações, de ordem mais qualitativas, encontradas
quando o sujeito hierarquiza os termos atribuindo-lhe importância.
O software, ao cruzar as informações, nos fornece um quadro como
demonstramos no modelo a seguir:
99
QUADRO 1. Modelo explicativo do quadro de quatro casas gerado pelo
software EVOC
Como ilustramos o Quadro 1, gerado após o processamento do EVOC,
apresenta em quatro quadrantes a diagramação da estrutura da representação. No
1º quadrante ficam situados os termos mais estáveis e significativos para os sujeitos
e que constituem, provavelmente, o núcleo central da representação. Nele estão
localizados os elementos mais frequentes e mais importantes, no entanto, nem tudo
que se encontra nessa casa é central. Mas o núcleo central está convivendo na
primeira casa com outros elementos “sinônimos” ou protótipos associados ao objeto.
As palavras localizadas no quadrante superior direito são os elementos
periféricos mais próximos que mediam e protegem as relações entre os elementos
do núcleo central. Nele, estão os elementos periféricos mais importantes, os da
primeira periferia, que podem ser no futuro elementos do núcleo central ou podem
dele ter feito parte mais recentemente.
O quadrante inferior esquerdo comporta os elementos de contraste e os
enunciados com frequência baixa. Esse quadrante revela a existência de subgrupos
portadores de representações diferentes. No entanto, pode-se encontrar neste
quadrante, elementos que complementam a primeira periferia. Os termos localizados
no quadrante inferior direito fazem parte da segunda periferia, constituem os
elementos periféricos mais distantes da representação (ABRIC, 2003).
1º QUADRANTE
Zona do Núcleo Central
Prováveis elementos do
núcleo central
2º QUADRANTE
Primeira periferia
Elementos do sistema
periférico
3º QUADRANTE
Elementos de contraste
Elementos do sistema
periférico
4º QUADRANTE
Segunda Periferia
Periferia distante
100
4.3.2. Análise das Justificativas das evocações provenientes das Triagens
Hierárquicas Sucessivas e das Entrevistas Semiestruturadas- Análise de
Conteúdo
A análise do material recolhido das justificativas da segunda etapa da coleta-
Triagens Hierárquicas Sucessivas e da terceira etapa- Entrevistas Semiestruturadas,
foi feita com base na Análise de Conteúdo de Bardin (2009). Na segunda fase, a
finalidade dessa análise foi ir em busca de esclarecer os elementos que são
“normativos” ou “funcionais” da representação do Colégio de Aplicação da UFPE.
Lembramos que Abric (2003) evidencia a existência, no núcleo central, desses dois
tipos de elementos. Assim, os elementos centrais desempenham papeis de
avaliação ou julgamento (normativos) ou de orientação para a ação (funcionais).
Tais elementos são ativados de forma diferente segundo a natureza do objeto, a
finalidade da situação e a o tipo de relação entre aqueles que representam mantêm
com o objeto representado.
A análise de conteúdo de Bardin perpassa todo o nosso trabalho de análise,
foi utilizada para interpretar as justificativas das palavras evocadas na Associação
Livre, as justificativas dos termos considerados imprescindíveis à representação nas
Triagens Hierárquicas Sucessivas. No entanto ganha mais centralidade e se torna
mais sistemática na terceira etapa. Esse tipo de análise consistiu em descobrir os
núcleos de sentido, que compõem uma comunicação. A busca desses núcleos de
sentindo implica considerar a presença ou frequência de um termo que tenham
significado para os objetivos analíticos visados.
Conforme Triviños (2011), o pesquisador que usa a técnica precisa [...]
“possuir amplo campo de clareza teórica. Isto é, não será possível inferência, se não
dominarmos os conceitos básicos das teorias que, segundo nossas hipóteses,
estariam alimentando o conteúdo das mensagens” (TRIVIÑOS, 2011 p. 160).
Devemos estar atentos à coerência teórica e metodológica da pesquisa e ter clara a
intencionalidade para justificar as decisões tomadas durante o processo.
A análise de conteúdo não é uma abordagem teórica, ela precisa de uma
abordagem para se manter, pois consiste num conjunto de técnicas de análise das
101
comunicações. Muitos são os domínios de aplicação desta técnica: escritos, orais,
icônicos, códigos semióticos diversos (música, comportamentos, espaços, etc).
Bardin (2009) a entende não como um instrumento de análise, mas um conjunto de
vários apetrechos, formas de analisar dados obtidos no vasto campo das
comunicações; um procedimento que trata os dados coletados primeiramente,
descompondo-os para posterior recomposição com base na abordagem teórica e
metodológica que orienta a pesquisa. A decomposição é o momento da codificação
e só é realizada com base no problema de pesquisa.
A análise de conteúdo nos permite identificar os conteúdos manifestos nas
mensagens, indo além das aparências do que está sendo comunicado, desvendar o
conteúdo latente (BARDIN, 2009). A compreensão dos dados ocorre de forma
dinâmica, devendo ser realizada não apenas durante a análise propriamente dita,
mas durante todo o processo, revendo os objetivos e as perguntas de pesquisa.
A análise de conteúdo abrange três fases, envolvendo desde a preparação do
material até a análise propriamente dita, que serão apresentadas a seguir:
A primeira fase é a pré-análise – consiste em organizar o material, escolher
os documentos a serem analisados. É o momento de retomar as hipóteses e
objetivos iniciais da pesquisa. A pré-análise objetiva uma sistematização para que o
pesquisador possa conduzir as demais fases da pesquisa. Nesta etapa, realizamos
leituras flutuantes do material que possuímos deixando-nos “invadir” por impressões
e orientações, formulamos os objetivos gerais da pesquisa, as hipóteses amplas e o
que irá compor o corpus da investigação.
A segunda fase é a Descrição analítica – algumas ações desta etapa têm
início já na etapa anterior, o corpus é submetido a um estudo aprofundado, orientado
pelas hipóteses e referenciais teóricos, que o pesquisador traz consigo. É o
momento de codificar, classificar e categorizar os dados. A organização da
codificação compreende escolher as unidades de registro e de contexto que serão
utilizadas, bem como as regras de contagem e categorias. Nós escolhemos o
Na terceira fase -Interpretação inferencial – reflexão sobre os materiais
disponíveis. Nesse momento, o pesquisador, em interação com os materiais, já
“impregnado” dos dados, irá sobre eles tecer um fio condutor; estabelecer relações;
inferir; tirar conclusões; explicar a realidade, informando e discutindo sobre o porquê
102
de tais elementos serem recorrentes e atentando para o “diferente”, para as
singularidades que surgem no meio do consenso. (TRIVIÑOS, 2011).
Essa análise não se reduz à descrição do que acontece, o que importa numa
mensagem não é meramente o conteúdo, mas o que ele expressa graças ao
contexto e às circunstâncias em que tal discurso é realizado. Por isto, no momento
da análise, devemos ir além do superficial de forma que ao perguntar sobre o objeto,
também, se questione os sujeitos sobre o contexto no qual o objeto está inserido e,
também, contexto, no qual as mensagens estão sendo produzidas.
Diante das opções que a análise de conteúdo oferece, decidimos
sistematizar a segunda etapa, descrição analítica, da seguinte forma: focarmos as
respostas dos entrevistados correspondentes aos objetivos da pesquisa. Em
seguida, selecionarmos os segmentos: unidades de contexto, que respondem aos
nossos objetivos e dentro dessas, nas unidades de registro. Os elementos, unidade
de registro, foram agrupados por temas, formando, assim, unidades de sentido e
significado. Atribuirmos uma categoria específica para cada uma dessas unidades
de sentido e significado. Como de praxe, para a contagem, fazemos uso da
frequência e, para categorização utilizarmos o critério semântico.
4.4. O Percurso em Campo
Os primeiros contatos com o campo e autorização para realizar a pesquisa
Como já mencionamos, o trabalho de campo foi dividido em três fases que
aconteceram nos meses de maio a novembro de 2013, envolvendo um total de 120
alunos e 78 pais do Ensino Fundamental do Colégio de Aplicação da UFPE.
O primeiro contato com o campo se deu na semana após a qualificação do
mestrado, ainda no mês de abril, ocasião em que solicitamos a concessão da
diretoria do colégio para realização do trabalho de coleta junto a alunos e pais. Isto
feito mediante ofício à direção, acompanhado de uma versão do projeto de
pesquisa, protocolados na secretaria do CAp da UFPE, espaço de recepção dessas
propostas de pesquisa, para posterior encaminhamento para análise aos
departamentos responsáveis.
A pesquisa ocorreu sob a supervisão do Serviço de Orientação e
Experimentação Pedagógica (SOEP), que é responsável pelas investigações, que
103
são realizadas no interior do colégio, pelo intercâmbio dos alunos, avaliação e
acompanhamento dos projetos a serem realizados por pesquisadores externos
como nós.
Fomos informados pela secretaria do colégio de que o calendário de aulas
das crianças havia sido alterado devido a greve das Universidades Federais, no ano
de 2012, por isso naquele exato mês, abril de 2013, os alunos estavam vivenciando
um período de recesso escolar, inviabilizando assim a nossa entrada em campo no
período antes planejado. As aulas apenas recomeçariam na segunda quinzena de
maio de 2013, desta forma a pesquisa de campo foi adiada.
O SOEP nos contatou no início do mês de maio com um parecer favorável à
realização da pesquisa e demonstrando interesse pela temática a ser desenvolvida,
desta forma o aval de entrada em campo nos foi concedido. Almejávamos iniciar a
coleta dos dados o quanto antes, se possível, no dia seguinte à qualificação, em
função das escolhas metodológicas realizadas que, de certo, gerariam um volume
de dados considerável a ser analisado, no pouco tempo estabelecido pelo Programa
de Pós-graduação.
Após o retorno das aulas, planejamos junto ao SOEP, como se dariam as
etapas da pesquisa de forma a interferir o mínimo possível na rotina dos estudantes.
Acordou-se que a primeira fase – aplicação do Teste de Associação Livre com os
estudantes ocorreria nas salas de aula, no período da manhã, no início ou ao final
das aulas, com a concessão do professor desses horários. Convém dizer que
havíamos estabelecido que participariam da pesquisa os estudantes do Ensino
Fundamental ingressos no colégio por meio de processo seletivo. O colégio possui
oito turmas, duas de cada ano, intituladas de A e B. Devido à dificuldade de
trabalhar com toda essa população (total de 240 estudantes) e do volume de dados
que geraria, optamos por incluir como participantes apenas os estudantes das
turmas B.
Durante os acertos iniciais com o SOEP, nos informamos acerca do
calendário de reuniões com os pais do EF, a reunião mais próxima ocorreria no dia
09 de agosto, momento ideal para acessar os sujeitos, pois há um histórico de
efetiva participação dos pais nesses encontros. Desta forma, ficou acertada a
104
apresentação da pesquisa e aplicação do teste junto aos pais para o momento inicial
da referida reunião.
Combinamos, ainda, que a segunda fase momento de aplicação da técnica de
Triagens Hierárquicas Sucessivas- seria realizada no próprio colégio com uma
pequena parcela dos estudantes em horários flexíveis, no início, ao final ou no
intervalo das aulas, de preferência nos dias em que as aulas ocorressem em horário
integral para garantir maior comodidade dos alunos. Esta etapa seria realizada com
os pais, que se disponibilizassem a participar em suas próprias residências, no CAP
ou no local de trabalho, se assim preferissem. Na terceira etapa realização das
Entrevistas Individuais Semiestruturadas – procederíamos nas mesmas condições
da segunda, com pais e alunos, ou seja, no colégio, na residência, ou nos locais de
preferência dos sujeitos.
De início, nosso projeto ambicioso não nos desanimou, mesmo sendo
composto por três fases a serem realizadas em pouco tempo e envolvendo um
número significativo de sujeitos. No entanto, muitos foram os percalços encontrados,
os atrasos, os desencontros, as falhas de comunicação. O campo se mostrou uma
“caixinha de surpresas” sempre a nos presentear com o inesperado. As
expectativas eram muitas: esperávamos maior receptividade e valorização da
pesquisa científica por parte dos alunos e dos pais, no entanto isso não ocorreu. Os
alunos demonstraram maior abertura para participar, auxiliando, inclusive, no
convencimento dos pais mais resistentes à pesquisa. Essa constatação não
abrangente todas as turmas, em algumas delas a participação foi intensa, tanto de
pais quanto de alunos, em especial as turmas de alunos ingressantes, 6º ano. As
famílias destes últimos faziam questão de participar, mesmo quando não eram
solicitados entravam em contato com a pesquisadora para serem entrevistados.
Importante destacar que por terem os filhos aprovados no CAP recentemente
participar de uma pesquisa como esta para eles era uma satisfação muito grande.
105
4.4.1. Primeira fase do trabalho de campo: A aplicação do Teste de Associação
Livre de Palavras com os estudantes
A aplicação do Teste de Associação Livre com os estudantes ocorreu no mês
de maio e se deu em três encontros. Os alunos respondiam ao teste no início ou ao
final das aulas e na própria sala de aula. O protocolo era composto de duas partes:
na primeira o Teste de Associação Livre, propriamente dito, na segunda dados de
identificação dos participantes (Apêndice 1).
Tornou-se inviável o acesso às quatro turmas em um único dia em função do
ritmo das aulas dos estudantes e dos ritos próprios da instituição. Em alguns dias, as
turmas se dividiam em aulas distintas, sendo inviável o acesso a todos eles, ou
estavam a participar de aulas que, segundo o pessoal do SOEP, possuía um ritual
de entrada, que requeria uma concentração difícil de interromper, em geral, eram
aula de música e teatro.
Nos três encontros, chegamos ao colégio antes do início das aulas, num dos
momentos foi possível entrar na primeira turma antes das 10h da manhã, nos outros
dois momentos, esperamos até o final da aula para aplicar o referido teste.
A realização desta etapa seguiu o mesmo ritual em todas as turmas: a
pesquisadora era apresentada ao professor e aos estudantes por um dos membros
da equipe do SOEP, em seguida a mesma apresentava os objetivos da pesquisa,
entregava os protocolos aos alunos, explicava sobre como deviam ser respondidos
e, após esse contato, os sujeitos se concentravam para respondê-los. Os
estudantes não se negaram em nenhum momento a responder, três deles chegaram
a perguntar se a participação na pesquisa era obrigatória, informados de que a
participação era opcional, os três aderiram e seguiram respondendo ao teste. Em
nenhum momento houve dúvidas referentes aos comandos escritos do Teste de
Associação Livre ou em responder aos dados de identificação. Mesmo que a
pesquisadora tenha se disponibilizado a esclarecer as dúvidas, eles não
demonstraram dificuldades e chegaram a afirmar que o teste era “autoexplicativo”.
Iniciamos a aplicação do teste em uma turma do 7º ano. Tal escolha não foi
da pesquisadora, mas do SOEP que justificou dizendo ser naquele horário a turma
do professor mais acessível. Nossa entrada nas turmas ficou a depender fortemente
106
do professor do dia, do relacionamento deste com a equipe do SOEP e com os
pesquisadores que frequentavam o estabelecimento.
A entrada na primeira sala de aula ocorreu de modo tranquilo pois fomos
recepcionados pela professora que nos deixou a vontade para explicar as crianças
do que se tratava a pesquisa e aplicar os protocolos. Os alunos foram bastante
receptivos e demonstraram curiosidade na técnica a ser utilizada, pois segundo eles
“nunca tinham respondido a um teste como aquele”, Ficaram curiosos para saber em
que consistia e como os resultados se combinariam às outras fases; os
questionamentos também envolveram a Teoria das Representações Sociais.
Na medida do possível, fomos dialogando sobre a pesquisa com os
estudantes, explicando os objetivos propostos, esclarecendo sobre a teoria e dos
objetivos do teste. Importante destacar que se o contexto exigiu de nós esses
esclarecimentos, não poderíamos negar aos estudantes que suas dúvidas fossem
respondidas, nem nos isentar de discutir a importância da pesquisa científica para o
contexto no qual os estudantes estavam inseridos e para a sociedade. A curiosidade
das crianças, desenvoltura e autonomia para estabelecer diálogo, impressionou e
explica o que mais tarde seria bastante declarado por pais e alunos “Esse colégio
ajuda os alunos a pensar sobre o mundo, sobre a vida, e, para além de pensar,
questionar o mundo e a vida. Vou mais além, para além de pensar e questionar o
mundo e a vida, o CAP os ajuda a se posicionar no mundo e na vida”.
No momento em que respondiam ao teste, os alunos fizeram alguns
comentários, tais como: “Ela quer saber como vemos o colégio, gente” “A
pesquisadora está interessada em saber como representamos o colégio, como o
percebemos, o que ele significa para nós e para os nossos pais”. Ao concluir a
aplicação do questionário em sala, os sujeitos eram questionados sobre a
disponibilidade para participar da etapa posterior da pesquisa; nesta turma, em
particular, a adesão foi bastante significativa.
Na mesma ocasião, aplicamos o teste com parte dos estudantes do 6º ano.
Neste dia, a turma estava dividida, uma parcela na aula de teatro, outra na de
informática e fomos direcionados para a aula de teatro. Esperamos a chegada dos
alunos junto ao professor da turma, um profissional simpático, competente e querido
pelos estudantes. Enquanto esperávamos a chegada deles, o professor comentou
107
que, por ser composta de alunos ingressantes, a turma estava em fase de
adaptação e repleta de expectativas “sem saber direito a dinâmica daquela
instituição”, mas que aos poucos “estavam se adaptando, se conhecendo,
transitando nos diferentes espaços com maior autonomia e tranquilidade, afinando-
se aos demais”.
A chegada dos estudantes foi agitada, no entanto, em poucos minutos eles se
tranquilizaram, tiraram os sapatos e sentaram em círculo no chão num ritual próprio
daquela aula. O professor apresentou a pesquisadora às crianças e separou caneta
e lápis para que elas respondessem ao teste, enquanto isso os pequenos, curiosos
com minha presença, ouviam de forma atenta sobre a pesquisa. Na medida em que
se organizavam para responder ao teste, o professor questionou os estudantes
sobre a ausência de um dos colegas na aula e foi informado de que o garoto tinha
sido convidado a conversar com os profissionais do SOE por ter entrado em conflito
com um dos professores. Em seguida, por solicitação de um profissional do colégio,
o professor de teatro se ausentou da sala, e nessa ocasião, inicia-se um curioso
diálogo entre os alunos a respeito de um colega. Eles comentaram:
Estudante1- “Ele está no SOE pela terceira vez, minha
gente”
Estudante 2- “Ele vai acabar sendo expulso do colégio”
Estudante 3- “Eu acho que ele deveria ser expulso porque
acaba atrapalhando a gente. Quem acha que ele deve ser
expulso levanta a mão?” (Apenas dois dos alunos não
levantam as mãos.)
Estudante 4- “Eu não acho justo ele ser expulso, há outras
medidas antes disso, como suspensão... ou outras”.
Estudante 5- “Eu acho justo porque ele atrapalha a turma”
Estudante 4- “Mas, ele, assim como nós, se esforçou para
passar, merece estar aqui”
Estudante 3- “Mas ele não se esforça para se adaptar. Pra
mim só deve ficar no colégio quem quer estudar. Se ele não
se adapta, não se esforça....”
Percebemos, fortemente, nesse diálogo, a ideia de meritocracia. Os alunos
ingressantes se veem como merecedores daquele espaço por terem realizado os
108
esforços necessários para aprovação. No entanto, é tácito que, além do ingresso,
faz-se necessário o esforço para se adaptar ao espaço e corresponder às
expectativas dos pares.
Nessa turma, ao ler o título da pesquisa e a expressão indutora “COLÉGIO
DE APLICAÇÃO” um dos alunos comenta: “É o melhor do Brasil, claro!” E continua:
“Já está respondida a sua pesquisa, Gisele. É excelente, o melhor do Brasil!” Todos
parecem concordar acenando positivamente com a cabeça, enquanto outros
lançavam sorrisos de aceitação à afirmação do colega.
Nas demais turmas, a aplicação do teste não foi diferente. Alguns
questionamentos, comentários positivos sobre a escolha do objeto, em tais
colocações foi bastante expressiva a ideia da instituição como referência de ensino.
Por vezes, em seus comentários, os sujeitos nos levavam a crer que eram
conscientes de que faziam parte de um grupo seleto de estudantes da instituição,
com um dos melhores indicadores de qualidade do país.
Como dito anteriormente, o teste foi aplicado numa parte da turma de
estudantes do 6º ano, ficando para outro momento os demais alunos porque
estavam naquele dia, em aulas distintas. Uma semana após a aplicação do teste
nesta parcela da turma, tivemos a oportunidade de encontrar os demais. Estes nos
foram confiados pelo professor na saída da aula de informática, deveríamos nos
dirigir com eles até a sala de aula, os que já haviam participado estavam liberados
para saída. No caminho da sala de aula, os sujeitos questionavam a pesquisadora
sobre o teste: “Responderemos a uma avaliação a esta hora?” “Moça, é olimpíada
de que?” “Qual a competência que estás avaliando?”. Informamos aos alunos que
não se tratava de uma avaliação externa, mas de uma pesquisa acadêmica. Após
ouvirem atentamente a fala da pesquisadora, os estudantes respiraram aliviados e
um deles comentou: “É que temos que estar preparados pra tudo!” Outra aluna
completou: “Só estávamos preocupados com o horário, de não termos tempo de
resolver as questões”.
Na turma do 8º ano, os alunos reconheceram de imediato a pesquisadora,
pois, há dois anos, alguns deles foram sujeitos de sua pesquisa de conclusão de
curso. Com este grupo em particular, os questionamentos foram no sentido da
pesquisadora continuar tendo por campo o colégio. Em meio aos comentários, uma
109
das alunas se pronuncia relembrando a pesquisa: “Lembra quando cruzamos com
você no corredor ontem? Ficamos conversando sobre como foi legal naquele dia...
do grupo focal... Foi fantástico!” A estudante relembrava a pesquisa anterior19 em
que estudantes ingressantes e concluintes tiveram a oportunidade de discutir sobre
sucesso e sucesso escolar. Tendo por mote a fala da aluna, explicamos a turma que
a pesquisa atual diferia da anterior, pois nesta o colégio seria tomado como campo e
objeto de pesquisa, antes apenas como campo.
Os alunos do 9º ano demonstraram interesse pela pesquisa, mas não se
mostraram tão disponíveis para participar das próximas etapas quanto os demais.
Vale destacar que esses alunos haviam participado de outras pesquisas
desenvolvidas no colégio, mas, segundo membros do SOEP, sem o devido retorno
ou socialização dos resultados. Tendo sido tomado conhecimento dessa
participação dos alunos em estudos anteriores, voltamos à turma do 9º ano e
informamos que pretendemos, após a conclusão da pesquisa organizar, junto com o
SOEP, um encontro com a participação de pais, alunos, professores e funcionários
do colégio para socializar seus resultados. Possivelmente essa atitude tenha
motivado um maior número de estudantes do 9º ano a participar das etapas
posteriores.
Observamos que durante essa fase, quando um membro do SOEP nos
apresentava às turmas procedia da seguinte forma: “a mestranda está realizando
uma pesquisa sobre as Representações Sociais de sucesso e gostaria de alguns
minutos de sua aula para aplicar um protocolo de associação livre”. Nessa ocasião,
alguns professores também nos apresentavam assim aos alunos, mesmo após
explicarmos os objetivos da pesquisa-o termo SUCESSO era declarado de forma
quase que automática.
Percebemos assim, uma forte associação do Colégio ao termo Sucesso por
parte dos profissionais que ali atuam. Isto pode apontar para uma possível
representação que o grupo possui do colégio, ou ainda, uma forte ligação da
imagem da pesquisadora ao seu estudo anterior. Apostamos na primeira opção.
19
ALMEIDA, Gisele Gomes de; LIMA; Aldenize Ferreira. “QUER COMER POEIRA OU QUER LEVANTAR POEIRA?” Representações sociais do sucesso por alunos de uma escola de referência do Recife. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Pedagogia)- Centro de Educação, UFPE. Recife, 2011.
110
4.4.2. Primeira fase do trabalho de campo: A Aplicação do Teste de
Associação Livre com os pais
O Teste de Associação Livre foi aplicado com pais durante os meses de
agosto a setembro de 2013. Como dito anteriormente, essa etapa seria realizada no
momento da reunião com os pais, com data definida para o dia 09 de agosto, no
entanto, por uma falha na comunicação entre a pesquisadora e a equipe do SOEP
chegamos no dia da reunião, uma hora antes do início, mas não conseguimos
contato com a equipe.
Enquanto aguardava, impressionou a pesquisadora a quantidade de carros
estacionados, de pais e mães que chegavam aos pares ou sozinhos. As pessoas
eram participativas, conversavam entre si e com os profissionais do colégio, se
conheciam, trocavam informações, comentavam dos rodízios de festas realizadas
pelos filhos na casa de cada um deles. Havia uma sintonia e parceria entre pais e
professores, e entre os próprios pais, difícil de explicar para quem ali não estivesse.
A sensação era de que os presentes eram, de fato, pertencentes ao espaço comum
e assim se sentiam. Nenhum deles, fosse novato ou veterano, aparentou estar
nervoso ou apreensivo, muito menos deslocado, como ocorre com algumas pessoas
quando ingressam em espaços desconhecidos. Era como se houvesse uma rede de
relações simbólicas próprias daquele ambiente que, a priori, parecia difícil explicitar.
Passada uma hora do início da reunião, conseguimos contatar um dos
responsáveis pelo SOEP, fomos informados que deveríamos ter comparecido a uma
reunião anterior com professores e coordenadores, na qual havia sido definida a
pauta dessa reunião com os pais. Nossa ausência, impossibilitou de sermos
incluídos na pauta, desta forma não nos seria destinado um minuto que fosse de
tempo para a aplicação do teste com os pais ali presentes. Insistimos,
argumentamos que havia ficado definido apenas nossa chegada com antecedência
ao local para confirmação da pauta. Em conversa anterior com o mesmo
responsável pelo SOEP, havíamos acordado que se reservaria um espaço para a
nossa pesquisa. Definiu-se, inclusive, a utilização de alguns minutos iniciais, o
111
suficiente para explicarmos os objetivos da pesquisa, distribuir os protocolos e
recolhê-los quando respondidos, isso não tomaria muito tempo da reunião.
Neste colégio, a reunião se dá em três momentos: o primeiro ocorre no pátio
coberto. É um momento coletivo, ocasião em que são dados informes gerais e
discutidas questões comuns a todas as turmas. No segundo momento, os pais se
dirigem à turma do filho, lá os informes e discussões destinam-se aquele grupo
particular. Nesse momento, os responsáveis recebem o feedback do
desenvolvimento do estudante e discutirem, no geral, o parecer do filho, tal parecer
é disponibilizado aos pais dias antes da reunião. Por último, os professores das
diversas disciplinas são dispostos em turmas distintas rotuladas com o nome da
disciplina, momento de dispersão dos pais, que vão ao encontro do professor da
disciplina com o qual deseja estabelecer diálogo, discutindo o desempenho do filho
naquela área de conhecimento.
A notícia de que não realizaríamos o teste naquele momento nos
desestabilizou, pois não seria possível encontrar esses sujeitos em tempo hábil para
conclusão da coleta, pois a próxima reunião tinha data marcada para o final do ano
letivo. Receosos em perder a oportunidade de contatar os pais, fomos novamente
conversar com o SOEP a fim de fazer um novo agendamento. Após conversa, e
esclarecido o mal entendido, definiu-se que a pesquisadora poderia ir de encontro
aos pais nas salas de aula correspondes. No entanto, tínhamos plena convicção de
que o acesso a todos não seria possível em função da dispersão dos sujeitos.
Conseguimos contatar os pais da turma do 9º ano que estavam vivenciando o
segundo momento da reunião.
A recepção dos pais e do professor da turma foi bastante cordial. Estes
respondiam positivamente com sorrisos e expressões faciais de curiosidade e
interesse na medida em que a pesquisadora explicava os objetivos da pesquisa.
Importante destacar que todos os sujeitos ali presentes marcaram ter interesse em
participar da segunda etapa da pesquisa. No total, foram respondidos 20 protocolos.
Como previsto, não foi possível acessar as demais turmas. Voltamos à sala do
SOEP que nos propôs definir com a orientadora outro modo de acesso aos pais.
As demandas e imprevistos do campo fizeram com que repensássemos as
escolhas anteriores e reorganizássemos nossos instrumentos. Neste mesmo dia, em
112
reunião com a orientadora, definimos que escreveríamos uma carta aos pais
(Apêndice 2), que seria anexada ao protocolo e entregue aos alunos nas turmas.
Tínhamos consciência de que estávamos correndo vários riscos: o primeiro seria um
baixo retorno desses testes, o segundo uma possível demora na entrega e recolha
deste material, por ser o acesso às turmas complicado. Além do mais, a literatura em
RS sugere a realização do Teste de Associação Livre de forma presencial, longe de
nossos olhos os pais poderiam não responder prontamente ao teste, ficar tentados a
realizar elaborações que de certo influenciariam nos resultados da pesquisa.
Decidimos apostar no bom senso destes pais, inclusive na carta explicávamos sobre
os objetivos de um teste como este, solicitando que evitassem as elaborações e
consultas.
Esta etapa da coleta se mostrou a mais difícil, mesmo sendo uma ação
relativamente simples a de solicitar aos alunos que repassassem os protocolos aos
pais. Para fazer essa solicitação, por vezes passávamos o dia todo até conseguir
entrar numa das turmas. Isto fez com que demorássemos um tempo considerável
em campo. Foram entregues 240 protocolos nas oito turmas do Ensino
Fundamental. Decidimos entregar em todas as turmas do EF a fim de garantirmos
uma margem mínima de retorno que nos possibilitasse prosseguir com a pesquisa.
Esta etapa foi marcada por idas e vindas ao Colégio, tanto para entregar os
protocolos quanto para recolhê-los. No total para entrega dos protocolos dos pais
estivemos no colégio em nove momentos. A recolha desse material foi mais difícil
ainda, muitos alunos esqueciam os protocolos respondidos em casa ou mesmo de
entregá-los aos responsáveis, também chegaram a perder alguns. Houve momentos
de sairmos do CAP com apenas dois protocolos em mãos. O trabalho de
formiguinha não nos desanimou, apenas para recolher esse material fizemos
quatorze (14) visitas ao colégio. No dia 09 de setembro um dos membros do SOEP
enquanto nos direcionava a turma dizia: “Tem professor que não facilita a entrada,
alguns não permitem que interrompa a aula deles e não cedem nem ao menos um
espaço, por isso temos que ter paciência”. Para não atrapalhar em demasiado as
aulas dos professores e as atividades das turmas, resolvemos passar em todas as
salas pedindo aos representantes que recolhessem o material e entregassem na
sala do SOEP. Um dos responsáveis pelo SOEP nos confessou ter sentido, a partir
113
de nosso trabalho, que se fazia necessário uma conscientização destes pais da
importância de tais pesquisas para a comunidade escolar, bem como trazê-los para
participar ativamente das pesquisas e algo a ser reforçado nas reuniões seria de que
estes tem seus filhos inseridos em um campo produtor e produto de pesquisa
científica.
Não consideramos a adesão dos pais satisfatória. Como discutido com o
SOEP, por ser o colégio tradicionalmente campo de pesquisa esperávamos um
maior retorno por parte dos pais. Foram encaminhados cerca de 240 protocolos,
tivemos um retorno de apenas 58. Foi necessário um mês e quinze dias para
finalizar esta etapa com o grupo.
Apesar de não terem orientação presencial, os pais que participaram desta
etapa não apresentaram dificuldades para responder. No entanto, a realização do
teste a distância nos privou de capturar os comentários realizados pelos sujeitos
enquanto respondiam ao protocolo, as expressões faciais, dentre outros aspectos
que se combinam as evocações para conferir sentido ao objeto.
4.4.3. Segunda fase do trabalho de campo: O momento das Triagens
Hierárquicas Sucessivas com os estudantes
A segunda etapa da pesquisa foi realizada com os estudantes no mês de
setembro de 2013, em apenas um encontro. A presente fase dependia fortemente
da anterior, assim só a iniciamos após análise dos dados recolhidos com o Teste de
Associação Livre. Após análise desses dados, retornamos ao colégio numa terça-
feira, nas primeiras horas da manhã, visitamos uma a uma as turmas B com uma
lista em mãos, nela continha os nomes dos estudantes escolhidos para participar
desse momento da pesquisa. Assim, indicávamos aos estudantes quais deles
haviam sido escolhidos para participar das Triagens Hierárquicas.
Para a segunda etapa selecionamos estudantes que participaram da etapa
anterior e se disponibilizaram a prosseguir participando da pesquisa. Foram
selecionados 20 estudantes que atendiam aos critérios: faixa etária e turmas
diferenciadas; provenientes de escolas públicas e privadas; bairros de residência
diversos; pais com diferentes formações e profissões. Tais escolhas visam
114
considerar as estratégias que estão sendo mobilizadas e do habitus que estão
sendo reforçados. Decidimos que participariam desta etapa cinco estudantes de
cada uma das 4 turmas B do EF. Desta forma, teríamos um total de 20 estudantes
participantes com representação equivalente de todas turmas. No entanto,
resolvemos que nossa lista precisaria de nomes reservas, caso algum dos
selecionados não estivesse frequentando as aulas naquele período em específico
por algum motivo. Cada lista era composta assim, por 10 estudantes que atendiam
aos critérios estabelecidos pela pesquisadora. Apenas os cinco primeiros nomes
eram convidados, caso algum deles não pudesse participar ou estivesse ausente era
substituído por alguém que também respondesse aqueles critérios. Poucos foram os
casos em que tivemos que substituir sujeitos, apenas dois alunos, 6º e 7º ano, foram
substituídos por não estarem presentes naquela ocasião.
Os estudantes foram previamente comunicados que nem todos
participariam desta etapa. Antes de informarmos os nomes dos alunos participantes
reforçamos as informações repassadas na primeira fase, explicamos que a presente
etapa seria composta por um número reduzido de alunos, que ocorreria no horário
da aula, seria individual e teria duração aproximada de 10 minutos, sendo assim,
inviável a participação de todos. Agradecemos aos estudantes pela aceitação e
disponibilidade, informamos que ainda poderíamos contatá-los, ou aos seus pais,
para a fase da entrevista.
As Triagens Hierárquicas Sucessivas ocorreram numa quarta-feira, na sala 23
da pós-graduação, foram realizadas em apenas um encontro com esses estudantes.
A escolha por este dia da semana se deu em função de três turmas do EF (6º, 7º e
8º) terem aula em horário estendido, das 7h15 às 16h. Desta forma, foi combinado
com os estudantes que eles procurariam a pesquisadora em qualquer momento de
disponibilidade, no intervalo entre as aulas e turnos.
A mestranda chegou à sala por volta das 7h da manhã para preparar o
ambiente, organizou as cartelas (Apêndice 3), o gravador, as tabelas que auxiliariam
na coleta de dados, as cadeiras para melhor posicionar os estudantes e afixou
indicações na porta e nos corredores do local onde ocorreria a pesquisa. A sala
havia sido reservada, informamos à coordenação do Programa que realizaríamos ali
uma etapa de nossa pesquisa, e naquele dia, em particular, haveria um maior
115
número de estudantes do CAP transitando no corredor. Informamos, também, da
importância de não sermos interrompidos. A coordenação atendeu ao nosso pedido,
não houve interrupções. Os sujeitos transitavam perfeitamente naquele espaço
acadêmico, esperando tranquilamente a sua vez de entrar na sala, enquanto
aguardavam alguns conversavam com os colegas, outros preferiam ler sentados no
banco do corredor.
Os estudantes chegavam em pares, grupos ou sozinhos. O primeiro grupo
chegou por volta das 09h da manhã, era composto por 5 meninas do 6º ano, destas
apenas 3 haviam sido selecionadas, as demais estavam ali apenas por curiosidade,
interessadas em saber como seria a dinâmica. Uma a uma essas estudantes
entravam na sala e realizavam o teste, as demais ficavam a espera no corredor. Ao
final, convidei as outras duas garotas para explicar o procedimento.
A realização das triagens, como previsto, durava cerca de 10 minutos. Os
estudantes do 6º ano demoravam mais para hierarquizar as palavras do que os
demais. A cada solicitação de retirada do trio de palavras os estudantes nos
olhavam de forma apreensiva e exclamavam expressões do tipo: “Sério?” “Não!”
“Puxa!” “Tá ficando mais difícil!” “Nossa!”. Tais expressões indicavam que as
palavras ali colocadas tinham cada qual sua importância para os sujeitos, ficando
difícil escolher as “essenciais”. Todos os estudantes fizeram comentários sobre a
forte conexidade entre palavras, um dos comentários impressionou a pesquisadora
pela clareza das ideias: “Elas possuem conexão, de alguma forma está tudo
interligado, todas me fazem pensar no colégio, quando a gente exclui um trio deixa
no conjunto aquelas que possuem mais conexões entre si e com as outras. Para
mim, essas duas aqui representam o colégio brilhantemente” (9º ano). As duas
palavras escolhidas pelo estudante foram “Futuro” e “Qualidade”, destas o garoto
considerou Futuro como sendo a mais representativa.
Os oito termos ali expostos foram bem recebidos pelos estudantes. Estes
lançavam sorrisos de aceitação quando explicávamos que o Software nos havia
dado aquela configuração, sendo tais palavras amplamente evocadas e
consideradas mais importantes pelo conjunto de estudantes do EF. No entanto,
cinco alunos, do 6º e 7º ano, ao se depararem com os termos questionaram estar
116
faltando Melhor e Excelente. Segundo esses estudantes, tais palavras foram
evocadas por eles e pensavam ser uma evocação comum aos demais colegas.
Após concluir as triagens, alguns alunos continuavam na sala conversando
com a pesquisadora, e demonstraram curiosidade pela dinâmica da pós-graduação,
questionavam sobre como estavam divididas as temáticas de estudo do mestrado, a
qual linha de pesquisa o estudo estava vinculado, que temáticas o PPGE estudava
atualmente, como era o relacionamento entre mestrandos, doutorandos e docentes
do programa, a dinâmica das aulas e pesquisas em campo. Alguns docentes da
Pós-graduação em Educação e da Graduação em Pedagogia eram inclusive citados
pelos estudantes, que afirmavam conhecê-los de palestras e debates ocorridos no
auditório ou no hall do Centro de Educação.
A pesquisadora passou o dia a espera dos 20 estudantes selecionados para a
referida etapa, que compareceram nos horários que lhes eram convenientes. Ao
final do dia, por volta das 17h30min, enquanto organizava o material para encerrar
as atividades apareceu uma estudante do 7º ano acompanhada do pai. O pai,
professor universitário, também demonstrou interesse na temática e em participar
tanto desta etapa quanto da posterior. Atendendo ao pedido de ambos
reorganizamos o material e realizamos a hierarquização com a estudante e
agendamos a entrevista com pai e filha. No total, participaram desta etapa 21
estudantes. Lembramos que as Triagens Hierárquicas Sucessivas com os pais
ocorreu na mesma ocasião em que realizamos as entrevistas.
4.4.4. Terceira fase do trabalho de campo: As Entrevistas Semiestruturadas
com os estudantes
A terceira etapa do trabalho de campo foi realizada nos meses de outubro e
novembro de 2013. Utilizando os mesmos critérios da segunda fase selecionamos
aproximadamente 20 alunos e estabelecemos contato com os pais. Alguns destes
haviam participado da etapa anterior, outros tinham sido escolhidos com base nos
protocolos do Teste de Associação Livre.
Para realizar as entrevista, primeiramente, entrávamos em contato com os
responsáveis por telefone, que definiam junto aos filhos o local e horários
117
disponíveis para concedê-las, portanto, poderíamos alinhar tais horários à nossa
agenda. As entrevistas eram marcadas com, no mínimo, uma semana de
antecedência e confirmadas nos dois dias que antecediam a data acertada.
Além de contatar os pais por telefone, pedíamos para falar com o filho e
confirmar sua participação, pois, embora com alguns deles houvesse um laço de
confiança estabelecido nas etapas anteriores, outros participaram apenas da
primeira etapa. Ao conversar com os estudantes por telefone íamos capturando o
real interesse em participar, o que se fazia necessário para facilitar o diálogo.
Muitas foram as desistências e remarcações seja por motivos de viagem,
doença, imprevistos familiares ou compromissos assumidos no meio do caminho
pelos pais que interferiam na rotina daquelas crianças e jovens. Importante destacar
que os alunos ingressantes demonstraram maior interesse em participar do que os
demais. Enquanto os veteranos precisavam ser lembrados do compromisso, os
alunos do 6º ano ficavam tão ansiosos por este momento que inúmeras vezes
ligavam para a pesquisadora no intuito de confirmar a entrevista.
Parte dessas entrevistas foi realizada na casa dos estudantes em dias úteis
ou finais de semana, como preferiram. Algumas vezes chegávamos a essas
residências e encontrávamos o filho juntamente com os pais a nossa espera,
aproveitávamos para também entrevistar os responsáveis. Na maioria das vezes, os
estudantes nos aguardavam sem a presença dos pais, apenas com funcionários da
família.
Algumas dessas entrevistas foram realizadas no recesso escolar dos
estudantes em suas residências, mas alguns deles preferiam que fossem realizadas
no colégio, no pós-horário ou em horário de descanso. Dos 20 contatos
estabelecidos, conseguimos entrevistar 10 crianças.
As entrevistas mais tocantes foram realizadas com os alunos do 6º e 7º ano,
por sua memória recente do processo de seleção e pela gama de expectativas que
possuem acerca do colégio. Os estudantes do 8º e 9º, também, não negaram a
paixão pela instituição e a relevância de fazer parte do grupo seleto de alunos, no
entanto, estabeleciam relações mais maduras com o CAP do que os demais.
Em média as entrevistas tiveram duração de 20 a 30 minutos. Após desligar
os gravadores a conversa se estendia, muitas vezes, por igual período. Em quatro
118
dessas entrevistas, a conversa se estendeu por uma tarde inteira. Neste momento,
nos eram apresentados os álbuns de família, as medalhas e prêmios recebidos, os
instrumentos musicais que tocavam, materiais de leitura, projetos realizados ou
encaminhados. Conseguimos capturar, assim, uma parcela dos interesses e do
cotidiano dessas crianças e jovens.
4.4.5. O contato direto com os pais para Triagens Hierárquicas Sucessivas e
Entrevistas Semiestruturadas com os pais
As Triagens Hierárquicas Sucessivas com os pais foram realizadas nos no
momento de realização das entrevistas. Isto ocorreu em função do atraso da
primeira etapa, da demora em recolhermos os protocolos do Teste de Associação
Livre.
Foram recuperados, na primeira etapa, 20 protocolos presencialmente e 58
após encaminharmos a carta aos pais, totalizando 78 protocolos. Desses,
selecionamos inicialmente 30 que atendiam aos critérios pré-estabelecidos pela
pesquisadora de modo a atender: diferentes rendas familiares, formação, profissão e
números de filhos no colégio, além de considerar os pais que vivenciaram a
aprovação de apenas um dos filhos submetidos a seleção de ingresso do CAp, os
que aprovaram toda a prole e pais auto intitulados ex-alunos da instituição. Após
selecionar os participantes, fizemos contato por telefone. Obtivemos 15 recusas,
alguns pais foram bem claros informando que não tinham interesse em participar,
outros marcavam conosco e não davam retorno, não atendiam aos nossos
telefonemas, ou desmarcavam a entrevista de véspera e alguns, simplesmente, não
compareciam ao local marcado. No entanto, os sujeitos que se disponibilizavam de
fato a participar se envolveram por completo na pesquisa, nos contatavam por
telefone ou presencialmente nos corredores do colégio e da pós-graduação,
chegando a reorganizar suas agendas para nos receber em suas residências.
Selecionamos mais 5 sujeitos para completar os 20 previstos. Desta vez
obtivemos sucesso em todos os contatos. De início, o contato não necessariamente
ocorria para marcar a entrevista, mas para nos informar da disponibilidade de
horários de cada um deles e alinhar aos nossos horários. Ao completar 20 sujeitos
119
passamos a contatá-los semanalmente para saber de sua disponibilidade e agendar
as datas.
A maior dificuldade dessa fase foi encontrar tempo na agenda desses sujeitos
que tinham pouco tinham tempo livre para nos atender. Não apenas devido à
jornada de trabalho, mas pela vida social, viagens, reuniões programadas e outras
atividades. Em conversa com a orientadora, brincava e dizia que nossos sujeitos
tinham agenda de “presidente” e que isto estava nos atrasando cada vez mais. Nos
finais de semana, era praticamente inviável realizar essas entrevistas, pois muitos
viajavam para casa de praia, campo ou tinham compromissos sociais como festas e
reuniões com parentes e amigos, nos clubes que frequentavam. Uma das mães
interessada em participar disse que disponibilizaria o motorista para conduzir a
pesquisadora até a sua residência localizada na Zona Norte da cidade. Foram várias
tentativas e datas acertadas, mas a entrevista não ocorreu por contratempos na
agenda dessa família.
Por inúmeras vezes, o deslocamento da pesquisadora se deu rumo a Zona
Norte da cidade, lá se concentrava a maior parte dos endereços das famílias dos
estudantes do CAP. Por vezes, tivemos que cruzar a cidade no mesmo dia, indo da
Zona Norte a Zona Sul, segundo local de maior concentração de residência de
alunos. Em dois momentos, fomos de encontro a uma realidade que destoava das
demais, alunos moradores de periferias da cidade, com o diferencial de serem estas
famílias de referência no bairro ou na localidade em que residiam.
No total foram 20 encontros, quinze ocorreram na residência, quatro deles no
próprio CAP e um no local de trabalho desse pai. Em todos os encontros realizamos
as Triagens Hierárquicas Sucessivas. Em, apenas, 10 dos casos,seguimos
realizando as entrevistas, pois alguns pais ou se negavam a gravar (dois casos) ou
não dispunham de tempo suficiente para um diálogo aprofundado. Aconteceu, ainda,
de um casal de professores universitários, participar da triagem e apenas um deles
prosseguir com a entrevista.
Inicialmente, realizávamos as Triagens Hierárquicas Sucessivas, caso aquele
sujeito estivesse disposto a participar prosseguíamos com a entrevista. Os pais
realizaram as triagens com mais desenvoltura que os estudantes, demoravam
apenas por estabelecer maior diálogo com a pesquisadora justificando cada retirada
120
de pares de palavras. Assim como os alunos, os pais percebiam uma conexão entre
as palavras e, por vezes, comentavam isto.
Vale ressaltar que apesar de não termos entrevistado formalmente metade
desses sujeitos, pudemos capturar no diálogo estabelecido os sentidos e
significados que atribuíam ao colégio. Nas triagens e entrevistas era evidenciado o
orgulho e satisfação de ter filhos frequentando um estabelecimento de ensino como
o CAP.
As entrevistas tiveram duração média de 40 minutos. Assim como ocorreu
com os alunos, após desligarmos o gravador a conversa continuava por uma
manhã/tarde inteira. Alguns nos recepcionavam com chás da tarde e café, se
esforçavam para que nos sentíssemos confortáveis em suas casas e demonstravam
curiosidade e interesse pela pesquisa. O grupo de pais nos deixou bastante a
vontade pelo tratamento cordial da recepção. Passados alguns minutos iniciais da
entrevista a sensação era de estar entre conhecidos, essa sensação não foi apenas
da pesquisadora, pois ao final da entrevista os pais agradeciam pela oportunidade
de participar e pelo “bate-papo” agradável. Isso foi essencial para que a entrevista
fluísse como uma conversa intencionada.
121
5. RESULTADOS: ANÁLISE E DISCUSSÃO
5.1. Perfil do grupo investigado: Quem fala? De onde fala?
Um estudo em Representações Sociais deve atentar para quem são os
sujeitos que representam. Convém evitar caracterizações pouco aprofundadas de
quem constrói essa representação. Nesta pesquisa, intentamos capturar variáveis
que nos permitiram compreender os sentidos que os sujeitos atribuem ao mundo,
mas considerando sua socialização em determinado segmento social.
A inserção social e o contexto específico dos participantes são aspectos a
considerar para compreensão da reconstrução do objeto por parte dos sujeitos.
Assim, entendendo ser relevante compreender quem fala e de onde fala, fatores que
intervém diretamente na representação construída pelos grupos, traçamos aqui um
perfil dos estudantes e dos pais investigados para tecer uma rede de significados e
interpretações sobre o objeto. Inicialmente traçamos um perfil dos estudantes do EF,
combinado com as análises do Teste de Associação Livre de Palavras deste grupo,
em seguida, realizamos procedimento semelhante com os pais, mas atentando para
os elementos comuns e singulares dessas representações.
Aproximar os leitores do universo daqueles que construíram o objeto
estudado é dar-lhes a oportunidade de compreender porque os estudantes e pais
falam o que falam e não apenas de conhecer as representações de tal grupo.
5.1.1. Perfil dos estudantes
O grupo participante da pesquisa foi constituído por120 alunos do Ensino
Fundamental do Colégio de Aplicação da UFPE. Uma parcela desses estudantes
(30) vivenciou recentemente a seleção de ingresso realizada pelo colégio, exprime
as tensões decorrentes desse processo e está repleta de expectativas que recaem
sobre o CAP e as possibilidades que se abrem por adentraram a instituição.Os
demais estudantes fazem parte do grupo seleto de alunos há mais tempo, no
entanto, ainda, guardam recordações da preparação para os exames de ingresso e
projetam para si um futuro promissor, relacionado diretamente ao estabelecimento.
Os veteranos estabelecem uma relação mais madura com a instituição, participam
122
de gincanas, projetos, iniciação científicas, olimpíadas nas diversas áreas de
conhecimento e outra avaliações nacionais e internacionais.
Foi possível traçar esse perfil do grupo porque,na primeira fase da pesquisa
juntamente com o Teste de Associação Livre, os estudantes responderam a um
questionário com questões de natureza socioeconômica e outras mais relacionadas
à seleção de ingresso e atividades realizadas colégio (APÊNDICE). Os resultados
foram sistematizados nos quadros 2 e 3 apresentados a seguir.
Quadro 02.Distribuição dos estudantes participantes por Sexo
Sexo
f
F
56
M
64
Total
120
Quadro 03.Distribuição dos estudantes participantes por Idade
Idade
f
10 - 12 anos
70
13 - 14 anos
50
Total
120
Conforme se mostra no Quadro 2, o grupo é composto por 53.3% de
estudantes do sexo masculino e 46.7% do sexo feminino. Dentre estes, 58.3%
possuem idade entre 10 e 12 anos, cursando os 6º, 7º, 8º ano, como podemos
observar no Quadro 3. Cabe destacar que a seleção realizada no final do ano letivo
123
para compor as turmas de 6º ano do ano seguinte permite o ingresso de crianças de
no máximo doze anos de idade.
Quadro 04. Distribuição dos estudantes participantes por
composição familiar
Com quem reside
Quant
Pais 23
Pais e avós 15
Pais e irmão(s) 61
Mãe ou pai 15
Pais, avós, irmãos, tios 06
Total 120
A maior parte dos estudantes, 50.8%, reside com pais e irmão(s), os demais
moram apenas com os pais, dividem moradia com pais e avós, ou convivem com a
família extensa (pais, avós, irmãos e tios), alguns possuem pais separados residindo
apenas com um deles. Para Bourdieu (1998, p.42) “A ação do meio familiar sobre o
êxito escolar é quase exclusivamente cultural”. O autor considera necessário
conhecer a composição familiar em tamanho e nível cultural global para
compreender os diferentes graus de êxito obtidos. O êxito escolar da criança não diz
respeito, apenas, ao nível de escolarização dos pais, mas ao nível cultural global da
família e do conjunto de membros da família extensa. Boa parte desses estudantes
tem como referenciais familiares pais, tios, primos ou irmãos ex-estudantes do CAP
e/ou frequentadores da UFPE. Mais de 97% dessas crianças convivem com
familiares de nível de formação superior, e/ou pós-graduados, com pais e tios
concursados (80%) e bem sucedidos profissionalmente. As aspirações construídas
não são apenas futuras, mas são compartilhadas pelos familiares nos diversos graus
de descendência.
124
Quadro 05. Distribuição dos estudantes participantes por ocupação dos pais
Profissão dos pais
Quant
Professores Universitários 15
Funcionários públicos
Federais 40
Funcionários públicos
Estaduais 15
Profissionais liberais 83
Professores dos demais
seguimentos 11
Total 164
O resultado desse levantamento indicou, ainda, que os alunos investigados
são oriundos de camadas médias, filhos de professores universitários (12.5%),
professores dos demais segmentos (9.1%), servidores públicos federais (33.3%) e
estaduais (12.5%), e profissionais liberais (69,1%) - em sua maioria, médicos,
advogados, jornalistas e arquitetos. O colégio atrai um grupo de alunos bem
sucedido em nível cultural global familiar e em cultura livre adquirida em
experiências extraescolares, como apontam os dados que apresentaremos a seguir.
No quadro abaixo, questões como escola anteriormente frequentada,
realização de curso preparatório para a seleção e atividades realizadas no pós-
horário são exploradas.
Quadro 06. Distribuição dos estudantes participantes por escola de origem
Escola Anterior f
Privada 119
Pública 01
Total 120
125
Quadro 07. Distribuição dos estudantes participantes por realização de cursos preparatórios
para a seleção de ingresso
Frequentou
curso
preparatório
f
Sim
110
Não
10
Total
120
Do conjunto dos cento e vinte (120) alunos apenas um (01)era oriundo de
escola pública. Este achado aponta para uma tendência à elitização do ensino no
colégio, expressa também um caráter excludente do processo seletivo, pois muitos
alunos estudaram em escolas consideradas instituições de qualidade, tiveram
oportunidades de frequentar curso preparatório no 3º e/ou 4º ano das séries iniciais
do Ensino Fundamental e/ou convivem com grupos socioculturais que já conhecem
a escola e seus segmentos.
Importante destacar que entre os alunos de escola privada, existem
diferenças quanto ao tipo de instituição. Algumas escolas da cidade são
consideradas prestigiosas, localizadas em bairros nobres ou centrais, com
mensalidades elevadas; professores qualificados (formação superior e/ou pós-
graduados) recursos materiais, instalações confortáveis e adequadas, índices
positivos em avaliações externas, e de destaque em aprovações no vestibular, e,
normalmente, oferecem todos os níveis de ensino. Existem, ainda, instituições de
médio porte, localizadas em bairros centrais e ou periferias da cidade, com
mensalidades razoáveis, mas com instalações confortáveis e professores com
formação adequada para o nível de ensino ofertado, que normalmente oferecem da
educação infantil até o final do EF, podendo também ofertar o Ensino Médio. Em
parte ainda do total de alunos oriundos da rede privada, aqueles que frequentavam
as pequenas instituições próximas às suas residências, as chamadas “escolas de
bairro” ou “escolinhas”. Essas instituições têm mensalidades mais acessíveis,
126
modestas instalações, com professoras polivalentes, na maioria das vezes com
formação superior em curso, e que atendem da educação infantil até as séries
iniciais do EF.
Do total de estudantes investigado, prevalece o grupo proveniente de
instituições prestigiosas (98). Uma parcela (12) frequentou escola privadas de médio
porte e, um menor número (08) faz parte do grupo daqueles oriundos de escolas
privadas de bairro.
Além da base educacional adquirida na escola privada, o cursinho
preparatório parece ser “regra” de ingresso no colégio. Como podemos perceber no
Quadro 7, há apenas dez (10) pequenas “exceções”. No entanto, mesmo sem ter
realizado o cursinho não podemos falar de “exceção”, muito menos de “regra”, pois
os sujeitos pertenciam às instituições privadas de prestígio da cidade do Recife e
Região Metropolitana, além de serem detentores de outras vantagens sociais que
facilmente explicam o rendimento positivo nos estudos, tais como: atividades
extracurriculares como cursos de línguas, artes, música, esportes; grupos de estudo;
viagens; cultura livre; estudos direcionados. Além disso, adotaram uma rotina diária
específica para seleção que enfrentariam, que envolviam resolução de questões,
estudos em família e individuais e estabelecimento de horários de estudo.
A “exceção” que salta aos olhos, por assim dizer, ocorre com a estudante dos
anos finais do EF que, a priori, nos parece um caso improvável de sucesso na
seleção de ingresso, em decorrência de fatores que, de forma cumulativa, poderiam
colocá-la em desvantagem em relação aos demais: oriunda de escola pública, sexo
feminino, negra e não frequência ao curso preparatório para seleção. Tais fatores
não impediram a estudante de conseguir a aprovação no colégio. No momento da
entrevista,identificamos como essas desvantagens foram superadas por aspectos
favoráveis da socialização e herança cultural familiar da estudante, que contribuíram
para seu êxito. Tais aspectos serão tratados de forma mais aprofundada quando
discutimos as entrevistas, momento em que tratamos dos percursos sociais e
escolares dos sujeitos a fim de aprofundar os sentidos atribuídos ao colégio.
127
Quadro 08. Distribuição dos estudantes participantes por atividades extraclasse
Atividades pós-horário
f
Curso de inglês 60
Atividades esportivas 43
Culturais 89
Lazer 36
Cursos de Francês,
espanhol ou chinês
12
Total
240
Do total de crianças, 50% frequentam cursos de língua inglesa em espaços
como Cultura Inglesa, ABA, CCAA, SENAC, Yázigi, Wizard e Britanic; alguns
realizam atividades esportivas, as mais recorrentes são: Tênis, Dança, Ballet, Vôlei,
Futebol e Natação. Os esportes são praticados, em sua maioria, nos clubes e
academias dos bairros prestigiosos da Zona Norte (Casa Forte, Jaqueira, Madalena,
Espinheiro- bairro do Clube Alemão) e em bairros da Zona Sul (Boa Viagem e
Piedade). Dentre as atividades culturais, os alunos elencaram música (fruição),
aulas de música. (Com destaque para aulas de piano que ocorrem em suas próprias
residências) conservatório de música ou espaços específicos nos bairros de
residência dos estudantes; os alunos elencaram ainda visitas a museus e espaços
culturais e de ciência (Brennand, Museu do Homem do Nordeste, Museu da
Abolição, Museu de Arte Moderna, Museu do Estado de Pernambuco, Oficina
Brennand, Caixa Cultural, Espaço Ciência) livrarias e bibliotecas, cinema, atividades
de leitura individual e em família, além de viagens. Parcela do grupo faz aulas de
outras línguas além do inglês como Francês, Espanhol e Chinês. A atividade de
lazer mais expressiva foi navegar na internet, assistir a filmes e seriados
internacionais; alguns alunos informaram jogar videogames, participar de gincanas
online, passeios em parques e praças públicas (Praça da Jaqueira e o Parque Dona
Lindú), assistir a TV e brincar com amigos.
128
Conforme Bourdieu (1998) a cultura “livre” é condição implícita do êxito
escolar de estudantes, a familiaridade com cultura, manejo da língua, domínio de
outras línguas, cinema, arte, música, dentre outros aspectos que criam nas crianças
disposições favoráveis à escolarização. Para Bourdieu a classe culta investe em
condutas escolares, isto se aplica as camadas médias intelectualizadas. A
construção de vantagens culturais ou a diminuição das desvantagens aparece
quando questionamos as atividades realizadas no famoso “tempo livre” que parece
ser utilizado para acumulação de capitais culturais e simbólicos. Apesar dos
estudantes possuírem “ferramentas” desiguais ligadas às condições objetivas de
origem, o recrutamento do colégio não fez mais do que nivelar e diminuir as
possíveis diferenças entre esses estudantes. E os pais continuam a investir nesse
“tempo livre” para diminuir possíveis desigualdades futuras.
O próximo aspecto a ser analisado diz respeito aos bairros de origem, local
onde ocorre a socialização dessas crianças.
Gráfico 01. Áreas de residência
A maior parte dos estudantes reside em bairros prestigiosos localizados na
Zona Norte da cidade do Recife (43.3%) como Casa Forte, Poço da Panela,
Apipucos, Jaqueira, Espinheiro, Madalena, Parnamirim e Torre, seguido de bairros
localizados na Zona Sul da cidade e na região metropolitana (25%) em bairros como
Boa Viagem, Piedade e Candeias. Parcela do grupo (20.8%) reside na Cidade
44%
25%
19%
8% 4%
RESIDÊNCIAS
Zona Norte
Zona Sul do Recife e RMR
CDU e proximidades
Periferias
RMR
129
Universitária, Várzea e outros bairros próximos à universidade: Iputinga e Torrões.
Um grupo pequeno de estudantes (10.8%) reside nas periferias da cidade do Recife,
mais precisamente no Barro, Estância, Ibura e Jardim São Paulo.
Vale ressaltar o caráter diferencial de algumas famílias residentes em bairros
de periferia no quesito “reconhecimento social”. As famílias são respeitadas nos
bairros servindo de referencial aos demais moradores do local. Encontramos pais
que são professores universitários, proprietários de estabelecimentos comerciais
(Petshop, Mercadinhos e Depósitos de água e gás) e fundadores de associações de
bairro.
Para Bourdieu (2008) o conhecimento das atividades extracurriculares que as
crianças realizam, níveis de escolarização e profissão de seus pais,espaços de
socialização que frequentam, maior ou menor familiaridade com museus, cinema,
arte, música, dentre outros, bem como dos demais processos de socialização das
crianças, podem nos servir de subsidio para explicar como as aspirações de pais e
alunos foram construídas e a “predisposição” ou não dos filhos ao sucesso na
seleção de ingresso.
O cruzamento dessas variáveis nos permite, desde já, afirmar que há
afinidades entre a cultura escolar e o capital cultural e social dos estudantes, no
sentido expresso pelo sociólogo Pierre Bourdieu. Esse grupo representa o colégio a
partir da ótica de quem sempre o enxergou como possibilidade real. Os estudantes
atribuem o pertencimento à instituição ao mérito e o percebem como fator
diferenciado. Poderíamos arriscar dizer que o ingresso no colégio está atrelado às
perspectivas de futuro dessas famílias e que, de certa forma, torna-se o projeto de
vida desses estudantes.
É inegável a ideia do CAp-UFPE como objeto de desejo de pais e alunos.
Afinal, a cada ano cresce o número de inscritos no processo seletivo de ingresso, o
que nos dá indícios desse desejo, antes de qualquer intuito de pesquisa.
Expectativas foram criadas em torno dos pequenos, que, também, chegam ao
colégio repletos de desejos e esperançosos com as possibilidades que se abrem por
ingressarem na instituição. Tais expectativas podem ser reforçadas ou reformuladas
em decorrência das relações que se estabelecem com o objeto, não mais como
possibilidade, mas como realidade. Como os estudantes representam esse colégio
130
de prestígio? Qual a estrutura dessa representação? É o que veremos a seguir ao
analisar o que dizem as crianças quando pensam no Colégio de Aplicação da UFPE.
5.1.2. Perfil dos Pais
Participaram da pesquisa 78 pais de estudantes do Ensino Fundamental do
Colégio de Aplicação da UFPE. Desse grupo, 35 tiveram filhos aprovados na última
seleção, portanto, vivenciaram recentemente o processo de escolha do
estabelecimento, investimentos e mobilizações para ingresso. Uma parcela de pais
participantes da pesquisa (12) já possuía filhos frequentando a instituição. Alguns
tinham dois (09) ou três filhos (03) e outros (13), apenas um deles aprovados na
escola ou estavam a espera das próximas seleções para pleitear a vaga dos filhos
menores.
O grupo de pais demonstrou estar repleto de expectativas, desejos e
aspirações para com seus descendentes, em busca da excelência acadêmica e
sucesso dos filhos. Essas famílias se mobilizaram por um ano ou mais no intuito de
preparar as crianças para a seleção do CAP,vivenciaram maratonas de estudo e
privações de lazer; estudaram junto aos filhos; acompanhamento aos cursinhos,
simulados, grupos de estudos. Tiveram sua vida e rotina modificadas por um tempo
em prol da aprovação dos pequenos. Mas, em contraponto também integram esse
grupo famílias que não empreenderam grandes esforços para que seus filhos
conseguissem êxito nas provas. Para essas pessoas, seus filhos não necessitavam.
Afirmavam: “já nasceu pronto”, “nasceu pra coisa”; “tem uma facilidade
extraordinária para aprender sem se esforçar” “José tinha o perfil da instituição, não
teve erro!”. Essas famílias, acreditavam terem filhos bem preparados, dedicados aos
estudos e com predisposição inata, prontos para qualquer desafio. Nas análises das
entrevistas, ao se individualizar os percursos distinguimos esses três entendimentos
(criança bem preparada, criança dedicada aos estudos e criança prodígio) e
entendemos que, apesar das distinções, há muito em comum entre as famílias que
estabelecem tais classificações.
Os pais, em especial os veteranos, estabelecem uma relação de identificação
com o CAP. As justificativas oferecidas por esse grupo, nas diferentes etapas da
131
pesquisa vão revelando um sentimento de pertencimento à instituição e de
identificação com o tipo de ensino ali oferecido. O colégio aparece como instituição
que responde aos anseios daquele grupo, com características alinhadas por
excelência às características e anseios dessas famílias, com potencial para garantir
aos estudantes o que há de melhor em termos de rendimentos escolares. O CAP
aparece ainda como espaço de espaço privilegiado de socialização. Esse sentido de
pertença faz as famílias desejarem a todos os seus descendentes o ensino do CAP
em detrimento de qualquer outro ensino público ou privado. A satisfação é justificada
por estarem suas crianças entre “iguais”. Durante as entrevistas, os pais revelaram
que os filhos “se encontraram” após o ingresso no colégio. No discurso de alguns
deles, a instituição parece ter sido pensada para atender às necessidades daquele
grupo específico de crianças que ali habita.
Importante destacar que do total de pais, participantes da pesquisa, 12
frisaram terem sido ex-alunos do colégio. Lembramos que não havia tal
questionamento no protocolo, mas a referida informação se torna relevante para a
pesquisa, pois esse grupo de pais fez questão de se identificar como parte da
história do colégio. Os pais ex-alunos tendem a perpetuar a sua história, pois
participam ativamente da instituição a partir dos seus filhos. Os bancos escolares
antes por eles ocupados passam a ser ocupados por eles. Um dos ex-alunos formou
os dois filhos mais velhos no colégio e responde a pesquisa pelo terceiro. Ele
ressaltou que o filho possui dupla responsabilidade: ser aluno do CAP e ser filho de
ex-aluno do CAp. O pai nos confidenciou: “na seleção nós sabíamos da dupla
responsabilidade demandada ... Tentamos amenizar isso, mas ele mesmo se
cobrava e não desapontou em rendimentos”.
Da mesma forma que os estudantes, os pais responderam ao Teste de
Associação Livre e um questionário socioeconômico(Apêndice 1). O referido
questionário levanta alguns elementos para caracterização do grupo como sexo,
faixa etária, formação acadêmica, profissão, número de filhos, número de filhos
submetidos e aprovados nas seleções de ingresso, bairros de residência, renda
mensal familiar. Essa caracterização pode ser melhor visualizada nos Quadros 09 ,
10 , 11e 11 e nos Gráficos 2 e 3 apresentados a seguir.
132
Quadro 09: Distribuição dos pais participantes por gênero
Gênero f
Masculino 50
Feminino 28
Total 78
Quadro 10: Distribuição dos pais participantes por faixa etária
Faixa etária f
26-35
08
36-45
38
46-55
28
56-65
04
Total 78
O grupo participante é composto por 64% de pais e 36% de mães de alunos
do colégio. Dentre os participantes, 48.7% possuem idade entre 36 e 45 anos, 36%
tem 46-55 anos, uma parcela de pais (10.2%) tem entre 26-35 anos e um número
reduzido de participantes (5.1%) está na faixa etária de 56 a 65 anos.
No que se refere à variável formação acadêmica, percebemos que é ínfimo o
percentual de pais com nível médio de formação (3.8%), boa parte concluiu curso de
graduação (33.4%), a maioria concluiu pós-graduação (62,8%) distribuída entre em
especialização (61.2%), mestrado (22.5%) e doutorado (16.3%).
133
Quadro 11: Distribuição dos pais participantes por nível Formação Acadêmica
O elevado nível de formação desses pais pode estar relacionado à
valorização da educação escolar, da vida acadêmica, dos títulos e certificados de
ensino. Não devemos, no entanto, reduzir essa valorização à questão utilitarista do
diploma rentável, pois a necessidade de formação de cada grupo envolve
subjetividades e identidade social. Tudo se passa como se o reconhecimento obtido
através de uma formação em nível de pós-graduação fosse uma necessidade
daquele grupo em específico. O nível de escolarização dos pais tem um papel
importante na vida escolar do filho na medida em que é tributada a herança de
alcançar a mesma escolarização do pai ou superá-lo.
A ocupação dos pais é outro aspecto a considerar na socialização do grupo
que compõe o CAP. No Quadro a seguir apresentamos as profissões desses
sujeitos.
Quadro 12: Distribuição dos pais participantes por Profissão
Formação acadêmica
F
Ensino Médio
03
Ensino Superior
26
Especialização
30
Mestrado
11
Doutorado
08
Total
78
Profissão
f
Professor Universitário
07
Professor de Educ. Básica
08
Funcionário público Federal
27
Funcionários públicos Estadual
07
Profissional liberal
29
Total 78
134
Participaram do estudo 07 desses pais, que são professores universitários
(8,9%) dos investigados; 08 pais lecionam nos demais segmentos de ensino de
escolas públicas privadas ou exercem cargos de gestão ou coordenação nessas
instituições(10.2%); 27 (34.6%) pais são funcionários públicos federais, eles são
servidores da própria universidade, do Tribunal de Justiça de Pernambuco (Juízes,
Oficiais de Justiça), Ministério do Trabalho, Ministério da Fazenda, Tribunais
Regionais Eleitorais, Tribunais Regionais Federais, Fóruns, Forças Armadas
(Coronel e Major da Aeronáutica, Coronel do Exército). Do total de pais investigados,
8.9% são funcionários públicos estaduais. Eles atuam na área de saúde pública,
segurança pública (delegados, agentes de polícia civil e policiais militares),
secretaria de administração e educação do estado. A maioria dos pais (29) é de
profissionais liberais (37.1%). No grupo prevaleceram médicos, advogados,
jornalistas, arquitetos, designers, engenheiros, nessa ordem. A maioria desses
profissionais afirmou possuir clínicas ou escritórios próprios.
Identificamos que a maioria das famílias investigadas (42) possui dois filhos.
Do total pesquisado, 53 delas submeteram apenas um dos filhos à seleção.
Importante frisar que destes 53, 33 têm dois ou mais filhos, mas não submeteram os
demais por terem ultrapassado a idade da seleção quando os genitores tomaram
conhecimento e passaram a se interessar pelo ensino do CAP, alguns justificaram
ainda não terem suas crianças menores alcançado o nível de ensino ofertado,
sendo, portanto, são futuros pretendentes a vaga.
Além dos que estão à espera do momento certo para preparar o próximo filho,
temos uma parcela considerável de pais (25) que apostou mais de uma vez no
colégio submetendo dois ou mais filhos, destes 12 obtiveram êxito. Aqueles que não
conseguiram, matricularam os demais em escolas privadas e lamentam por terem
que custear um ensino que “... não se equipara ao do CAp”. As insatisfações são,
ainda, sobre a imaturidade das crianças no momento da seleção “A menina foi
aprovada, o meu rapazinho não. Na época, ele era imaturo demais, não se dedicou
o suficiente, além do mais gostava dos amiguinhos do colégio... Não sabia ele, o que
estava perdendo. Hoje o danado se arrepende!”
Do total de famílias participantes do estudo, 03 possuem três crianças
frequentando a instituição. Uma representante dessas famílias participou de todas
135
as etapas da pesquisa, e apresenta o seguinte perfil: mãe de três meninas,
funcionária pública, duas de suas crianças aprovadas e estava a espera do
resultado da terceira, submetida ao último exame. No mês de dezembro, após as
entrevistas, tivemos a informação de que a terceira filha havia sido aprovada.
Como pudemos perceber até o presente momento, o colégio atrai famílias
bem sucedidas, uma clientela diferenciada da que compõe a maioria das escolas
públicas estaduais e municipais, bem como de algumas instituições privadas,
optamos por nos referir a esse grupo como as camadas médias intelectualizadas.
Nos dados a seguir, aspectos como bairros de residência e renda familiar mensal
tendem a confirmar que o colégio é composto por um grupo de habitus favorável ao
êxito escolar, e, também, um grupo com disposições, condições de existência e
perspectivas de futuro semelhantes e alinhadas às características da escola.
No Gráfico 02, a seguir, apresentamos os bairros de residência das famílias
pesquisadas. Como discutido no perfil dos estudantes os bairros em que as famílias
estabelecem moradia, nos quais as crianças são socializadas constitui uma
propriedade sociocultural importante e diz das possíveis relações estabelecidas por
esses grupos, suas redes familiares e de amizades.
Gráfico 2. Áreas de Residência das famílias
38%
33%
9%
13%
7%
RESIDÊNCIA
Zona Norte
Zona Sul do Recife e RMR
CDU e bairros próximos
Bairros de Periferia
RMR
136
O Gráfico 02 mostra que as famílias investigadas residem em sua maioria na
Zona Norte, mais precisamente, nos bairros de Casa Forte, Poço da Panela,
Apipucos, Jaqueira, Espinheiro, Madalena, Parnamirim e Torre. Seguido da Zona
Norte temos grande incidência de estudantes residindo na Zona Sul da cidade do
Recife e na Região Metropolitana. Na zona sul a maioria reside em Boa Viagem,
Piedade e Candeias. Nesses bairros as famílias do CAP possuem residências à
beira mar e em ruas paralelas. Uma parcela dessas famílias reside próximo à
universidade, na Cidade Universitária, Várzea e, em menor número, nos bairros de
Torrões e Iputinga. Há ainda os que residem nas periferias da cidade como Barro,
Estância e Jardim São Paulo, bairros próximos a BR 101 que dá acesso a UFPE.
Em número inferior estão os alunos que residem em bairros centrais de cidades da
RMR como Olinda, Paulista e Jaboatão dos Guararapes.
Como evidenciado no Gráfico 03 a maior parte (34%) dessas famílias possui
renda mensal de 14 a 22 salários mínimos, seguido de famílias com rendas que
variam de 08 a 14 salários mínimos (24%). Merece destaque a presença no grupo
de um número considerável de famílias com renda superior a 28 salários mínimos
(18%). Desse grupo, três participantes declararam possuir renda igual ou superior a
40 mil reais mensais. Há uma equivalência percentual (12%) entre as famílias que
recebem de 02 a 08 salários mínimos e aquelas com renda entre 22 a 28 salários
mínimos.
Importante destacar a diferença entre a menor renda declarada (R$1.200,00)
e a maior (R$40.000,00). No entanto, o grupo parece não se distanciar tanto quando
os demais aspectos acima considerados. Ressaltamos que apenas uma dessas
famílias possui renda de 2 salários mínimos, é composta por mãe e filha, a renda
seguinte em ordem crescente é de dois mil reais.
Estamos diante de um grupo homogêneo no habitus, que adotam estratégias
diferenciadas relativas às perspectivas futuras comuns. Percebemos que, por hora,
as aspirações dessas famílias se concretizam na inserção de seus filhos numa
instituição pública, de ensino e corpo docente diferenciado. Além do mais o “melhor”
ensino está dentro de uma escola pública, local onde a moeda de troca é apenas a
“competência” do filho para ali estar, pois a aprovação na seleção o deixa apto a
fazer parte do grupo.
137
Gráfico 03. Renda Familiar Mensal
Por ser o CAP uma instituição pública federal o prestígio lhe é inerente, mas
há uma identificação desses pais com a instituição e demais aspectos subjetivos e
objetivos que os levaram a escolha do estabelecimento Discutimos tais aspectos, a
seguir.
Inferimos que o perfil dessas famílias constitui um dos indicativos para
entender a preferência pelo CAp e não por outra escola e nos diz das condições de
aprovação e permanência das crianças na instituição. Traçado esse perfil nos
preocupamos, agora, em responder como os pais representam esse colégio de
prestígio? Qual a estrutura dessa representação? O que dizem os pais quando
pensam no Colégio de Aplicação da UFPE?
12%
24%
34%
12%
18%
RENDA FAMILIAR MENSAL
02 A 08 Salários Mínimos
08 a 14 salários mínimos
14 a 22 salários mínimos
22 a 28 salários mínimos
superior a 28 salários mínimos
138
5.2. CONTEÚDO GERAL E POSSÍVEL ESTRUTURA DA REPRESENTAÇÃO
SOCIAL DO CAP DA UFPE POR PAIS E ESTUDANTES
5.2.1. A Estrutura da Representação Social do Colégio de Aplicação para os
estudantes
Após aplicação do teste, já explicitado no capítulo anterior, quantificamos a
frequência de todas as palavras evocadas, mediante apresentação do termo indutor
“Colégio de Aplicação”. A dispersão das palavras foi pequena, pois os estudantes
evocaram um total de setecentas e vinte (720) palavras, destas oitenta (80) eram
diferentes entre si. Compuseram a estrutura da representação cinquenta e quatro
(54) destes termos.
Os termos foram agrupados por similaridade semântica, no entanto isto não
alterou o formato das evocações, pois as palavras de mesmo sentido foram
aglutinadas quando as variações eram de conjugação verbal, ou quando apareciam
ora, como substantivos, ora, como verbos, portanto o repertório não foi alterado.
Descartamos aquelas de frequência inferior a 3 (três) evocações. O Software EVOC
produziu os resultados: frequência média dez (10) e a OME dois e meio (2,5) como
referenciais de análise. O cruzamento desses dois critérios combinados, a MF
(frequência média) e a OME (ordem média de evocação), define a relevância dos
elementos na representação.
A MF é de natureza coletiva, representa a frequência com que a palavra foi
evocada pelos participantes; a OME, de natureza individual, expressa a ordem de
evocação de cada termo pelo sujeito. Esse calculo é possível a porque cada sujeito
dispõe as palavras em uma determinada ordem. No nosso caso houve uma variação
do cálculo da OME. Os sujeitos selecionaram um termo considerado por eles mais
importante (representativo). O termo escolhido ocupa a primeira ordem de evocação,
os demais foram considerados como de segundo, terceiro... e sexto lugar na ordem
de evocação dos participantes.
O Software EVOC gera, conforme Vergés (2002) um quadro de quatro
casas, Na primeira casa, localizam-se os elementos mais relevantes da
representação, na segunda e terceira situam-se os elementos menos salientes da
estrutura e a quarta casa concentra os termos menos evocados com prioridade na
139
hierarquização. Segundo Oliveira et al. (2005) as palavras localizadas no quadrante
superior esquerdo (1ª casa) são, possivelmente, os elementos do núcleo central das
representações socias do objeto investigado. Aquelas situadas no quadrante
superior direito (2ª casa) são consideradas como elementos da primeira periferia, ou
seja, aqueles mais próximos do núcleo central. Esses termos têm frequência alta,
porém foram atirados tardiamente. No quadrante inferior esquerdo (3ª casa) situam-
se os elementos da zona de contraste, esses foram os de baixa frequência, mesmo
que evocados em primeira mão. No quadrante inferior direito (4ª casa) estão
localizados os elementos da periferia distante, dizem respeito aqueles termos que se
encontram mais afastados do núcleo central. Na última casa, os termos têm baixa
frequência e foram tardiamente evocadas. A análise das palavras mais recorrentes
e relevantes elencadas pelos estudantes do EF feita com o auxílio do EVOC
possibilitou compor a essa configuração apresentada no Quadro 10, logo abaixo.
140
Quadro 13 - Quadro de quatro casas gerado pelo EVOC resultante das evocações
dos alunos à expressão indutora “Colégio de Aplicação”
Frequência Mínima- 03 MF: 10/ OME: 2,5
F>= 10/ OME < 2,5 F>=10/ OME >=2,5
F OME F OME
Estudo 43 2.163
Alunos Amigos Aprendizado Aula Disciplina Educação Ensino Excelência Futuro Livros Melhor Professores Prova Qualidade Responsabilidade Sucesso Universidade Ótimo
24 45 16 20 10 20 22 15 14 12 42 43 11 26 12 16 33 33
4,167 2,867 3,063 3,900 2,900 2,600 2,818 3,533 2,929 3,250 4,000 3,744 4,364 3,423 3,250 4,250 3,485 3,333
F<10/ OME <2,5 F< 10/ OME >=2,5
F OME F OME
Prisão Referência União
03 04 03
2,333 2,000 1,667
Alegria Aplicação Biblioteca Cansaço Conhecimento Conquista Dedicação Dificuldade Diversão Elite Esforço Etapa Federal Felicidade Grande Inteligência Legal Leitura Liberdade Objetivo Orgulho Parecer Pessoas Preguiça Prestígio Público Seleção Sonho Tarefas Trabalho Turmas Vida
05 07 03 04 07 03 05 07 09 03 06 04 03 09 03 08 03 04 03 04 03 08 03 03 06 03 07 07 04 06 04 03
4,400 2,714 5,000 3,250 3,857 3,333 3,600 4,429 4,667 4,000 3,667 2,500 4,333 4,556 4,333 3,125 3,000 4,500 4,000 4,750 3,000 4,000 3,000 3,667 4,167 2,667 3,429 3,714 4,000 3,000 3,000 3,667
141
No Quadro 13, temos informações importantes para compreender a
organização interna da Representação Social do Colégio de Aplicação da UFPE
construída por seus estudantes. Constatamos, de imediato, que o quadrante
superior esquerdo é composto por apenas um elemento- “estudo”. Este seria o
possível elemento central da representação. A saliência do termo estudo indica que
este o termo é estruturador, apresenta maior conexidade, rege as conexões
existentes entre os demais elementos, portanto assegura a unidade e estabilidade
do campo. Conforme Abric (2003), os elementos centrais determinam a significação
e organização interna de uma representação, e são os mais resistentes a
transformações. Assim, caso ocorra mudança, no Núcleo Central, a representação
será transformada completamente.
O termo estudo foi evocado 43 vezes e foi considerado, como a palavra mais
importante, por 15 estudantes. Os sujeitos justificavam sua escolha dizendo:
Estudamos muito para passar20
(69;M;6)21
Como o colégio é a melhor escola pública do estado tem que estudar muito para passar (72;F;6)
Para ficar no colégio tem que estudar muito e ter responsabilidade (61;F;7)
Nas justificativas o colégio é indicativo de estudo e representa, na vida dessas
crianças, um duplo desafio: ingressar nesse grupo seleto e manter-se nele. Isso faz
com que os alunos sejam constantemente incitados ao esforço. A função deles é
estudar, foram selecionados porque estudaram e estão ali para continuar
empreendendo esforços.
Os alunos de 6º e 7º ano ao associarem o colégio a estudo parecem refletir, o
que vivenciaram recentemente: uma seleção de ingresso acirrada e as maratonas
de estudo para alcançar a aprovação. Como estão em fase de adaptação, iniciando
a vida no colégio, a palavra também está relacionada ao que continuam ali
vivenciando - estudos intensos para corresponder às expectativas que lhes foram
lançadas, após a aprovação e para responder as demandas da instituição. Para
20
As justificativas foram transcritas para a dissertação do modo como foram escritas pelos participantes da pesquisa. 21Nas justificativas da primeira fase os estudantes foram identificados pelos seguintes códigos: nº do protocolo respondido; F ou M conforme o sexo; nº do ano escolar
142
eles,o CAp é sinônimo de estudo para garantir os resultados expressivos da
instituição.
Um dos estudantes justifica “estudo” fazendo referência a uma norma
constante. Conforme o documento há um limite máximo de idade para cada ano
escolar a cursar. Caso o aluno seja reprovado uma única vez, mas se estiver no
limiar de idade poderá se matricular novamente no mesmo ano. Porém, se tiver
ultrapassado a idade considerada ideal para a turma, estará impedido de se
matricular e transferido para outra. Os alunos mais novos beneficiam-se desse
regimento, pois poderá ser reprovado uma única vez, na segunda reprovação o
aluno é impedido de prosseguir os estudos no colégio. No registro a seguir,
percebemos o papel preponderante da palavra “estudo” para o ingresso e
permanência dos estudantes na instituição:
Sem estudar você não entra, sem estudar você sai, se reprovar de ano está fora do colégio (04;M;7)
Na justificativa do estudante há tensão não apenas para ingressar, mas para
se manter no colégio, correspondendo aos investimentos da instituição e da família.
Embora não declarada, a possibilidade da reprovação existe e, como podemos
perceber, inquieta os alunos.
O termo estudo aparece, também, atrelado às expectativas de um futuro
melhor. As justificativas para o termo estudo trazem a ideia de “melhor” colégio,
espaço de socialização e formação que será o diferencial na vida dessas crianças.
Estudar é muito importante para a formação do nosso futuro, para conseguirmos um trabalho e com isso uma renda estável. Sou aluno do melhor colégio do Brasil daqui pra frente só depende de mim (10;M;7).
Sem estudos não somos capazes de viver dignamente (17;F;9)
Minha família não poderia ter escolhido lugar melhor para minha formação. Tenho que estudar, preciso corresponder aos investimentos do CAP, da minha família. Tenho que aproveitar ao máximo o que recebo aqui para no futuro colher bons frutos. A única forma de aproveitar é estudando, estudando e me dedicando ao máximo (24; F;9).
Importante destacar que a palavra “melhor” perpassa muitas das
justificativas dos estudantes mesmo sem ter sido indicada por eles, como a mais
importante. Apesar de “estudo” ter sido a palavra mais saliente e relevante da
143
representação, com MF (42) e OME (2,163), a palavra “melhor” teve 42 evocações-
ocupando a posição privilegiada na 2ª casa, primeira periferia, devido a elevada
OME. O número expressivo de evocações advém do grupo de alunos ingressantes,
que focou no termo “melhor”. No entanto, tal termo não ganhou relevância geral na
estrutura da representação, apesar de evocar “melhor” com uma frequência
considerável, “estudo” era considerado por essas crianças como mais importante,
possivelmente por ter sido uma experiência recente e marcante em suas vidas em
momento próximo a realização da pesquisa.
A palavra “Melhor” foi aglutinada de expressões que apareceram, tais como:
Melhor do mundo, Melhor do Brasil, Melhor Colégio, O Melhor. Isso reflete a
liderança assumida pelo CAP nas avaliações do IDEB, ENEM e demais avaliações
externas de desempenho do alunado. A ideia CAP como “o Melhor” colégio, aparece
fortemente no discurso midiático e nas comunicações das famílias, que têm
conhecimento do trabalho ali realizado e sonham com uma vaga para os filhos.
Conforme mostrado no perfil, esses estudantes frequentaram cursinhos
preparatórios que estimulam o esforço para pleitear uma vaga no melhor colégio do
Brasil. As crianças se apropriam dessas crenças, que lhes circundam e empreendem
esforços para fazer parte do grupo de estudantes do “melhor” colégio. Justificam
assim suas escolhas dizendo:
[...] o Colégio de Aplicação é a melhor escola pública do estado e penso: tem que estudar muito para fazer a prova (64; M;6).
Escolho dedicação. Tem que se dedicar- afinal estamos na melhor escola do país (79;M;6).
É a melhor de todos que já conheci (67; M;6).
O termo “melhor” aparece, assim como ensino, relacionado a diversos
elementos da representação. Tal palavra é justificada pelos resultados expressivos
no IDEB e nas avaliações das quais participa. Eles citam também o fato do Colégio
prepara-los para aprovação em concursos públicos. Observe os registros transcritos
abaixo:
Ele tem um bom ensino, está sempre entre os cinco melhores colégios e lidera o IDEB, isso é muito legal e importante (63;M;6).
144
Estudando no melhor colégio o grau de dificuldade de passar em concurso público é quase zero (77;F;6).
Uma das justificativas está relacionada ao mérito, os alunos revelam ser
merecedores da vaga por terem empreendido os esforços necessários para
aprovação. No registro abaixo, percebemos esse núcleo de sentido, no qual os
melhores merecem o melhor colégio. Justificou um participante:
É o melhor colégio de todos do Brasil e acho importante estar no melhor colégio pelo esforço que os alunos fizeram (75;F;6).
Os elementos dos quadrantes superior direito, inferior esquerdo e inferior
direito fazem parte do Sistema Periférico da RS. O adjetivo “periférico” induz a
considerar que seus componentes, são irrelevantes ou de menor valor. No entanto,
Campos (2003) observa que os elementos desse sistema tem relevância para a
representação como um todo e possuem funções específicas: concretização,
regulação, defesa, prescrição de comportamentos, modulações personalizadas e
proteção do núcleo central. Cada elemento ou conjunto de elementos periféricos
mais próximos ou longínquos, em relação ao centro, podem ser ativados nas mais
diversas situações, tornando a representação viva nas práticas, fornecendo uma
visão dinâmica e flexível, possibilitando a percepção de suas nuances. Esses
elementos possibilitam, assim, a conexão entre a RS e as práticas concretas ligadas
ao objeto representado.
O quadrante superior direito, ou segunda casa do Quadro 10 é composta
pelos elementos: “alunos”, “amigos”, “aprendizado”, “aula”, “disciplina”,
“educação”, “ensino”, “excelência”, “futuro”, “livros”, “melhor”,
“professores”, “prova”, “qualidade”, “responsabilidade”, “sucesso”,
“universidade” e “ótimo. Na terceira casa, o quadrante inferior esquerdo,
identificamos três elementos “prisão”, “referência” e “união”. O quadrante
inferior direito, ou quarta casa, abarcou um número maior de termos como “alegria”,
“aplicação”, “biblioteca”, “cansaço”, “conhecimento”,“conquista”,
“dedicação”, “dificuldade”, “diversão”, “elite”, “esforço”, “etapa”, “federal”,
“felicidade”, “grande”,“inteligência”, “legal”, “leitura”, “liberdade”, “objetivo”,
“orgulho”, “parecer”, “pessoas”, “preguiça”, “prestígio”, “público”, “seleção”,
“sonho”, “tarefas”, trabalho”, “turmas” e “vida”.
145
A primeira informação que a periferia nos traz é a predominância de
características positivas atribuídas ao objeto - Colégio de Aplicação da UFPE. Com
exceção da zona de contrate, que discutiremos mais adiante, no conjunto dos
termos presentes nas periferias do Quadro 10, predomina uma representação
positiva do colégio.
No intuito de proporcionar ao leitor uma melhor compreensão do papel dos
termos em relação à posição ocupada na estrutura, da conexidade destes com o NC
e demais elementos, dos sentidos e significados por nós inferidos, discutiremos seus
componentes em pequenos grupos.
Na “primeira periferia” do Quadro 10 localizam-se as palavras que, assim
como o Núcleo Central, tiveram alta frequência, mas alcançaram ordem média de
importância igual ou superior a referência (2,5). Cumpre relembrar que quanto maior
a frequência e menor a ordem de evocação maiores serão as chances de no quadro
a palavra vincular-se, ao quadrante superior esquerdo, possível Núcleo Central.
Desta forma, com MF alta e OME baixa essas palavras passaram a compor a
primeira periferia.
Na primeira periferia encontram-se os elementos mais relevantes dentre os
periféricos. Os termos que a compõem podem ter feito parte do NC dessa
representação, ou vir a fazer parte dele, devido à proximidade e conexidade com os
elementos centrais.
No referido quadrante, os termos “educação”, “ensino”, “amigos”,
“disciplina”, “futuro”, “aprendizado”, “livros” e “responsabilidade” estão mais
próximos do NC. Essas evocações parecem apontar ser ali um espaço onde a boa
educação acontece, onde estudantes vivenciam o “melhor ensino” que poderiam
ter; um espaço disciplinador, de aprendizado, estritamente voltado para o futuro
dessas crianças. Esse espaço requer dos alunos responsabilidade, esforço e
estudo. Para corresponder aos investimentos.
Interessante destacar que a palavra “ensino” foi aglutinada de expressões
tais como: “excelente ensino”, “melhor ensino”, “ótimo ensino”, “bom ensino”,
“ensino dos bons”, “ensino de primeira” e “ensino maravilhoso”. Esse ensino
aparece como um indicador de qualidade do colégio e fator diferencial em relação às
demais instituições públicas e privadas. O “ensino diferenciado” ali vivenciado
146
garante resultados expressivos nas avaliações e torna a instituição desejada por
pais e estudantes, que almejam um futuro de sucesso profissional e pessoal para os
filhos. Alguns registros dos estudantes explicam melhor a significação da palavra:
Para mim o Colégio é sinônimo de ensino porque ele sempre fica no topo, no ranking das avaliações como IDEB, ENEM e outras do estado e do país (92;M;8).
O ensino é maravilhoso, digo maravilhoso porque ele é o colégio que tem a maior aprovação no vestibular (30;M;7)
Num colégio de ótimo ensino teremos menos dificuldade de no futuro passarmos em concursos públicos, vestibulares, seleções... (78;F;6)
[...] o motivo de “nós” termos estudado tanto, em vários cursos do Brasil foi para termos o ensino diferenciado do CAP (117;F;8).
Ensino. Porque é o que ele tem de melhor. É inegável a qualidade do ensino que vivenciamos... os resultados nas avaliações Brasil a fora não mentem (59;M;9)
Minha mãe fala que se tivermos bom ensino vamos ter uma boa profissão e viver a vida bem, não precisa ser rico, mas ter uma vida estável. (66;M;6)
Nesses registros, a ideia de hierarquia é muito forte. O colégio que tem o
“melhor” ensino está no topo e permite aos estudantes chegar ao topo; lidera
rankings e corresponde às expectativas futuras de pais e alunos quanto à aprovação
no vestibular e concursos públicos. Mesmo não fazendo parte da filosofia do Colégio
há uma visão mercadológica expressa no discurso desses estudantes. O
pertencimento à instituição é tido como garantia de aprovação no vestibular e
concursos públicos, uma garantia de estabilidade financeira futura. Como podemos
perceber, as palavras estão conectadas ao NC, os estudos intensos proporcionaram
aos estudantes o ensino diferenciado do CAP e “garantem” o sucesso futuro.
A “educação” aparece estritamente relacionada às relações diferenciadas
entre os estudantes e profissionais do CAP. Conforme os alunos, as relações ali
estabelecidas são responsáveis por uma educação diferente da que ocorre em
outros estabelecimentos. As justificativas indicam o Colégio como responsável por
uma formação integral dos alunos, como capazes de enfrentar a vida. Eis os
registros:
147
Educação, porque não adianta ter escola, alunos, professores, cadeiras, mesas, quadros, data-show, secretaria, salas de aula e etc. se não existir educação, formação. Seja escola pública federal, estadual, municipal ou particular, a educação é o que acontece entre aluno e professor. No CAP temos uma relação diferente com os professores, diferente da que acontece nos outros colégios que faz com que a Educação seja diferente também (74;M;6).
Educação porque aqui os professores focam em relações e não apenas no ensino. Educação é mais abrangente, envolve ensino e aprendizagem... Sinto que o colégio nos melhora para a vida e enquanto pessoas. Educação é formação completa, sem dúvidas a essencial (100;M;8).
Para este grupo, o CAP representa também um lugar de fazer novos
“amigos”, as crianças se vinculam a uma turma ao ingressarem no colégio e sua
composição é mantida até o final do Ensino Médio. Além do mais, a convivência é
intensa, pois eles passam grande parte de seu tempo na escola em horário
estendido, e, em dois dias na semana, têm atividades em horário integral. A palavra
amigos é justificada como suporte emocional, necessário para conseguirem
corresponder positivamente ao clima intenso de estudos. Alguns estudantes
afirmam:
Os amigos nos ajudam a superar as dificuldades e fazem a vida viver a pena (98;F;8)
Amizade porque de todas as coisas boas que acontecem na nossa vida depois que ingressamos no colégio essa é a mais legal (22;F;7)
É o que mais tem relevância na minha vida e forma a minha personalidade
(40;M;9).
Uma das participantes revela que, no CAp, os concorrentes do cursinho
passaram a ser seus amigos de hoje. O discurso da estudante sugere a lógica
competitiva que a sociedade como um todo nos impõe, na qual se tona difícil
estabelecer laços de amizade com o próximo. No colégio, o clima é diferente do
imposto pelo cursinho preparatório, pois a competição dá lugar à cooperação. Os
alunos se conhecem e se reconhecem como grupo, se apoiando em suas
dificuldades. Como podemos perceber na justificativa abaixo transcritas:
Aqui fazemos amigos verdadeiros e para a vida toda. Lembro do primeiro dia de aula e de como meus amigos de hoje eram apenas (des) conhecidos do cursinho, hoje eles são os meus amigos. A gente não compete, não disputa mais vaga, hoje nos ajudamos, nos apoiamos e nos divertimos juntos (50;F;9).
148
Somos uma família. Quando digo “amigos” os professores e os funcionários estão incluídos (101;M;8).
A “disciplina” aparece nos registros não como atributo da escola, mas como
atributo desenvolvido pela escola e família a fim de que alcancem seus objetivos.
Disciplina - no sentido acadêmico, disciplina nos estudos, conforme pudemos
perceber.
Para tornar um sonho realidade precisamos de disciplina (P35=EM9)
Para ser aprovada precisei de muita disciplina nos estudos, disciplina que aprendi com meus pais. Hoje o colégio me ajuda a ser ainda mais disciplinada. Achei que depois da aprovação não precisaria mais me dedicar tanto, mas minha rotina de estudos não diminuiu, ela foi ampliada. A diferença é que consigo respeitar mais os horários e fazer meu tempo render (99;F;8).
Disciplina é a mais importante, pois o Colégio de Aplicação é no campus da UFPE, lugar das pessoas se formarem, estagiarem, correrem atrás dos objetivos de vida (80;M;6).
Sobre o elemento “aprendizado” um dos alunos considera ser a instituição
responsável por fazer os alunos aprenderem a aprender. O termo aprendizado está
relacionado diretamente ao desenvolvimento de autonomia nos estudantes. Nas
análises seguintes, perceberemos que pais e alunos não conseguem, ao certo,
explicar o que ali vivenciam. Como ressalta a mãe (arquiteta) de um estudante do 8º
ano: “Eu não sei te dizer ao certo o que eles fazem. Mas que os meninos
aprendem... Ah! Isso aprendem. E aprendem brilhantemente porque não
desaprendem”. Os estudantes seguem reforçando o sentido de aprendizado com
autonomia, um aprendizado diferenciado. Um dos registros corrobora esse sentido:
Eles não estão preocupados com que a gente aprenda o que eles ensinam, mas muito mais com que a gente aprenda a aprender. Aprendemos diferente aqui. Aprendemos a correr atrás da informação, do conhecimento. Nada no CAP nos é dado, nada! (75;M;9)
O CAP, na visão de um grupo pequeno de alunos, está relacionado aos
“livros”, por contribuir para a ampliação do interesse pelo universo letrado. Muitas
vezes os pais afirmaram, em entrevistas ou conversas informais, que a família
passou adquirir um número maior de livros e intensificar as leituras desde o ingresso
do filho no CAP. Esses informantes pertencem às famílias, cujos filhos estudavam
149
em colégios privados de pequeno porte, colégios de bairro, e que consideravam as
leituras recomendadas insuficientes. Nos registros abaixo os estudantes alegam:
Considerei livros mais importantes, pois temos uma afinidade com a leitura que aqui é potencializada (28;F;7)
Desde que me tornei aluna do colégio adquiri e li vários livros. Antes eu também lia, mas agora eu leio e faço ler, minha mãe que o diga! (95;F;8)
Minha biblioteca aumentou. Estou no CAP há dois anos e já perdi a conta de quantas vezes tive que reorganizar minhas prateleiras de livros, sempre chegava mais um e depois mais um, era uma agonia. Esse ano meus livros ganharam uma estante linda e foram para a sala junto com os dos meus pais. Vejo o colégio nos meus livros (07;F;7).
Não lemos apenas o paradidático do 5º ano, lemos cada vez mais (73;F;6)
No que se refere ao termo “Futuro” os estudantes parecem manter
expectativas positivas associadas à vinculação ao CAp. O ingresso na instituição
significa portas abertas para alcançar objetivos futuros como estabilidade financeira,
realização pessoal e profissional e constituição de família. Tudo se passa como se o
colégio fosse uma ponte para alcançar tais objetivos. Eis a explicação do termo
futuro por um dos alunos:
Coloquei a palavra futuro no sentido de ter um bom futuro, tudo que coloquei é em relação a esta palavra, pois como o Aplicação é o melhor colégio de PE... Se eu tiver muito “estudo”, “inteligência”, “dedicação”, “trabalho” e bons “amigos” é mais provável, quase uma certeza, que eu tenha um bom futuro, uma boa profissão, uma família, essas coisas (90;M;8).
O CAP fará nada mais e nada menos que me fazer seguir o meu futuro de forma concreta, com êxito. (44;M;9)
Para esses sujeitos pertencer ao CAp configura-se como um privilégio. O
colégio fornecerá aos estudantes as ferramentas necessárias para alcançar o futuro
desejado. Um dos alunos expressou ter consciência de que pertence a um grupo
seleto e nem todos têm a sorte/ competência/ oportunidade de fazer parte deste
grupo. O estudante afirma de forma categórica:
O CAP oferece tudo que preciso pra ser o que eu quiser no futuro. Ele dá as ferramentas, agora só depende de mim. Mas nem todos tiveram a sorte/competência/oportunidade de ter acesso às ferramentas. Eu tive. (105;M;8).
150
Esse futuro inscrito no presente é facilmente visualizado por alguns, enquanto
para outros é promessa, mas não incerteza. Percebemos no registro abaixo que os
pais exercem influência na representação dos estudantes, que de certa forma,
assumem o discurso da família mesmo, quando não tem dimensão das implicações
de tais esforços e mobilizações.
Minha mãe fala que o colégio me abriu portas, mas ainda não sei a dimensão disso tudo. Mais pra frente, no FUTURO, saberei o que do colégio de aplicação se concretizou em mim. O CAP será o grande responsável, depois de mim e de minha família, por quem serei e pelo que terei daqui há uns 20 anos (102;M;8).
O termo “futuro” está estritamente relacionado à “universidade”, elemento
que também faz parte da primeira periferia. A evocação dessa palavra e a posição
de importância por ela assumida não causam surpresa. Isto ocorre por ser o colégio
ambientado no espaço universitário e, também, porque as crianças, ao evocarem a
universidade, estão a projetar um futuro provável, ou seja, cursar a universidade se
impõe como destino natural daqueles que fazem parte do seleto grupo de alunos do
CAP. Esse núcleo de sentido pode ser percebido no trecho a seguir:
Porque pra mim a universidade é a extensão do Colégio. A universidade é a serie que vem após o terceiro ano do ensino médio, apenas mudamos de prédio. Meu maior contato é com o CE, CFCH, CAC, não me desloco muito por medo. Gosto de pesquisa científica, minha tia leciona aqui e diz que passarei no mínimo mais uns 16 anos no campus... É que tem a graduação, o mestrado, o doutorado e se for lecionar, o ensino e a pesquisa (113;M;8).
Interessante constatar que o estudante acima, apesar da pouca idade,
consegue vislumbrar no futuro uma carreira acadêmica. No início de sua escrita o
aluno diz gostar da pesquisa científica e cogita a possibilidade de lecionar. Entende
que lecionar não se resume a ensino, mas envolve a pesquisa, o professor é antes
de tudo um pesquisador. O entendimento do estudante pode estar relacionado às
influências familiares (tia professora da UFPE) e ainda a vivência no colégio,
expressando, assim, os sentidos atribuídos ao ensino ministrado pelos seus
professores.
Os estudantes podem participar ativamente das atividades no campus, estão
mais próximos das informações sobre os cursos, das bibliotecas, palestras, eventos
151
e em contato com pessoas de diversas áreas de conhecimento. Assim, em tal
espaço o desejo de frequentar a universidade é potencializado. A preparação
recebida pelos alunos do CAP e o fato de “viverem a universidade”, os faz sentir que
podem prestar vestibular para qualquer curso e escolher qualquer profissão, pois
não ficam reféns das dificuldades e defasagens em determinada área de
conhecimento. Os estudantes assim se posicionam:
Estudar no aplicação, estar na UFPE, me faz sentir que eu posso ser o que eu quiser- entende? (26;F;7)
O colégio nos prepara bem para escolher o curso que quisermos. Eu ainda não escolhi, não tenho pressa, mas não tem como não pensar nisso, pois estamos todos os dias aqui. Por isso a palavra mais importante é universidade (109;M;8).
O desejo de fazer parte da UFPE é naturalizado pelos estudantes, que
sentem que sempre desejam ir para a universidade. O registro a seguir é
esclarecedor nesse sentido: “Sempre desejei estudar na Universidade Federal” (11;F;6).
O Ensino Superior aparece como um desejo que sempre foi da criança, no
entanto, os desejos são construídos socialmente. As crianças aprenderam a querer
a universidade. Bourdieu (2008) afirma que as condições objetivas se tornam
esperanças subjetivas. Assim, quando a criança diz “com esse colégio a gente
consegue passar”, ela nos diz de suas esperanças subjetivas, fruto das condições
favoráveis que vivencia. Percebemos o valor simbólico que o “melhor” colégio
representa na vida desses sujeitos e sua relação com as expectativas futuras de
conseguir aprovações em concursos públicos, exame e vestibular, e frequentar a
universidade.
Em alguns momentos os resultados expressivos do colégio são facilmente
explicados pelos alunos ao justificarem os termos “aulas” “prova”
“responsabilidade” “professores” “alunos”. Eis os registros:
Tem que ter muita responsabilidade para estar aqui. Os resultados positivos do colégio reforçam isso. É preciso responsabilidade em todas as tarefas que enfrentamos na vida e no CAP principalmente (56;M;9).
As melhores aulas são as nossas. Acho que melhor que muitas outras escolas do país. Ao menos nos saímos bem nas avaliações (13;M;7)
152
As provas trazem as notas e se a nota for baixa podemos chegar até a repetir de ano. E esse colégio não é de alunos que reprovam (115;M;8).
Persiste a preocupação dos alunos com a reprovação e com a necessidade
de corresponder às expectativas, que lhes são impostas. Quando o aluno diz que,
neste colégio os alunos não reprovam, remete ao caráter de excelência do ensino da
instituição e de seus alunos.
Sobre o termo “professores”, a maioria dos estudantes acredita que “os
professores fazem o colégio”, são os responsáveis pela imagem prestigiosa da
instituição. Entretanto, que os sujeitos ora atribuem os resultados expressivos aos
“alunos”, ora aos “professores”, alguns consideram que o CAP é a soma dessas
duas forças.
Um colégio é composto por alunos, e no caso do Aplicação esse é o diferencial da escola (47;F;9)
A palavra alunos é o mais importante porque os alunos do colégio é o que o fazem tão especial e importante (53;F;9).
Acredito que os professores sejam a parte mais importante porque são eles que fazem a diferença no colégio, não apenas na forma de passar o conteúdo, como também em experiências diárias para a vida (33;F;9)
Os professores são importantes, mas os alunos também. Marquei os dois como mais importantes, mas como tem que escolher um fico com os alunos. Os alunos são um ponto forte. Mas na minha cabeça o CAP é a soma desses dois (120;M;8).
Há, ainda, uma associação do CAP aos termos “melhor”, “excelência”,
“qualidade”, “sucesso” e “ótimo”. Como dito anteriormente, o termo melhor, apesar
de não pertencer ao NC, perpassavárias justificativas dos estudantes especialmente
acompanhado das características excelência, qualidade, ótimo, sucesso. O colégio
aparece como aquele de melhor ensino e aprendizagem expressos nos resultados
positivos das avaliações. Isto justifica ser um colégio de sucesso, reservado às
pessoas de sucesso. Para os sujeitos, trata-se de uma instituição de qualidade que
os fará atingir o sucesso futuro. Esses núcleos de sentido e significado podem ser
melhor observados nos trechos a seguir:
O colégio é ótimo! Escolhi ótimo porque pra mim ótimo é o colégio que não nos fará ter dificuldades no futuro (70;F;6)
153
Aqui é uma instituição de referência em ensino e aprendizagem. É sinônimo de excelência nos dois. O colégio dos sonhos, mas a estrutura física é uma realidade não muito boa. O meu colégio anterior era excelente, mas apenas na estrutura, o resto não era tão bom. (62;F;6).
O colégio aparece novamente atrelado às perspectivas de futuro dessas
crianças. É percebido como “lugar ideal de educação”, um colégio de “qualidade”
que apesar da estrutura oferece um ensino de excelência aos alunos, realidade que
deveria se estender as demais escolas públicas do país. Observem os registros
desses estudantes:
O Colégio é sério e tem muita qualidade. Qualidade é quando temos um colégio no qual é fácil de aprender e que tem os melhores resultados do Brasil (18;F;7).
Quando tu pensa em qualidade o que te vem a cabeça? Tudo de melhor, claro! Roupa de qualidade- os melhores tecidos, sapato de qualidade- o melhor couro, música de qualidade- o melhor arranjo, comida de qualidade- gosto refinado, Colégio de qualidade- os melhores alunos e professores. Tem que ter estrutura também, seria melhor se tivesse um espaço mais confortável, mas a gente dá um jeito. (104;M;8).
Há, claramente, um esforço em definir o que seria essa qualidade e o porquê
desse colégio se diferenciar dos demais. Contudo, a falta de estrutura é apontada
pelos estudantes em diversos momentos com pesar. No entanto, essa suposta
dificuldade não afeta a imagem da instituição, pois os estudantes compreendem que
esta é uma realidade a ser enfrentada.
Para os alunos quanto mais qualificados forem os professores e mais bem
selecionados os alunos, maiores serão os índices do colégio e os resultados
positivos seguem numa crescente. O colégio de qualidade aparece destinado
aqueles, que se preocupam com o futuro. O sentido atribuído à palavra nas
justificativas dos estudantes aparenta estar estritamente ligado a um futuro
promissor, de sucesso, almejado por esse grupo de alunos. O CAP é visto como
“trampolim” para um futuro de bem estar, para as pessoas alcançarem profissões de
prestígio, acumularem trunfos para competir e obter êxito nos concursos públicos.
Os registros a seguir corroboram esses sentidos:
Aqui é um colégio de qualidade. Professores são qualificados, alunos são bem selecionados. O produto disso é mais e mais resultados positivos (102;M;8).
154
Qualidade porque o Colégio de Aplicação é um indicativo de qualidade, uma instituição que visa a importância da boa educação, a formação de bons cidadãos e que se preocupam com o futuro (01;F;7).
É sucesso no ENEM, no IDEB, nas olimpíadas, em tudo que faz. E nos leva ao sucesso também (09;F;7).
O quadrante inferior esquerdo do Quadro 10 é denominado de Zona Muda ou
Zona de Contraste das Representações Sociais. Neste espaço, estão as palavras
com menor frequência, mas consideradas importante pelos sujeitos que as
evocaram. O papel desses elementos na representação pode ser, como bem
discute Oliveira et al (2005), o de reforçar as noções presentes na “primeira periferia”
ou simplesmente explicitar as variações de RS de subgrupos.
A Zona Muda representa, ainda, “espaços de representações que embora
sejam comuns a um determinado grupo e nele partilhadas não se revelam facilmente
(MENIN, 2006. 43), pois, uma vez explicitadas, tais crenças e sentidos podem entrar
em conflito com os valores morais e normas do grupo em questão. Esta parte da
representação seria, assim, diferente da permitida, revelada, verbalizada e
facilmente capturada; a Zona Muda pode ser então o que chamamos de “o não dito
de uma representação social”.
Para Abric (2003), os elementos do NC de uma representação podem ser
funcionais (ligados à prática) ou normativos (valores e normas do grupo). Para
Menin (2006), os elementos que compõem a Zona Muda da RS são normativos por
estarem relacionados às avaliações, julgamentos e valores e ainda por serem
impublicáveis, e dificilmente, expressos pelo grande grupo.
Neste quadrante estão presentes três termos “prisão” “referência” e “união”.
O primeiro termo “prisão” seria o não dito, não explicitado pela maioria dos
estudantes, mas que, de alguma forma, tem peso na representação de um grupo, de
um subgrupo específico. Os sujeitos que o evocaram também evocaram termos
como: hospício, manicômio, cansaço, doideira, tempo, irritação, aperreio, tédio e
pressão; e expressões do tipo: “que horas são?” “falta de tempo” “nenhum lazer,
nem sono” “me consome por inteiro” “não ter vida”.
A associação a estes termos, (com carga negativa) possivelmente se deve ao
fato dos estudantes passarem muito tempo no colégio, o ritmo intenso de estudos,
que dedicação, que os leva à exaustão, ao cansaço e toma todo o tempo livre. Os
155
sujeitos expressam uma inquietude própria da idade, que os coloca em dúvida sobre
se dedicar e corresponder às expectativas do colégio e da família, ou realizar
atividades, próprias da sua idade, ter mais tempo livre, fazer atividades que lhes
oferecem outros prazeres, viver o ócio, se divertir e aproveitar esta etapa da vida.
Para muitos, a situação parece ainda mais complicada por residir longe do
CAP, ter que acordar muito cedo, por vezes, sair de casa antes das 06:00h da
manhã e retornam, apenas, no turno da tarde. Enquanto para alguns o colégio é
motivo de alegria, segundo lar, espaço para encontrar os amigos e se divertir para
outros a instituição é sinônimo de prisão, cansaço e os consome por inteiro.
As crianças que justificaram como mais associado ao CAP o termo “prisão”
não eram da mesma turma, estavam distribuídos entre os grupos do 7º e 9º anos.
Nem todos do grupo registraram “prisão”, mas, ainda assim, trouxeram para a
representação um dos termos ou expressões acima elencados. Isso significa dizer
que, dentre os estudantes do CAP, há um pequeno grupo negando a lógica dos
demais. Trata-se de um grupo questionador do ritmo de estudos demandado, o que
expressa certa tensão em pertencer ao grupo dos “melhores”.
Ao contrário de “prisão”, os termos “união” e “referência” também presentes
na Zona de Contraste, reforçam o conteúdo da Primeira Periferia. O termo “união”
está associado às palavras amigos e futuro, enquanto que “referência”, reforça um
número maior de termos como excelência, qualidade, ótimo, sucesso, melhor, futuro,
professores, alunos, ensino e educação. Sobre o primeiro termo os alunos
observam:
Num lugar em que alunos, professores e funcionários são unidos, há respeito mútuo, amor e alcance de objetivos comuns e individuais (110;F;8)
Em relação à instituição, como espaço de referência, os alunos atribuem essa
visibilidade aos diversos termos discutidos anteriormente:
Ele tem um significado maior, não apenas para mim que sou aluno, mas também para aqueles que não são. É referência no Brasil inteiro. Referência pela qualidade do ensino, pelo sucesso nas avaliações... por tudo! (91;F;8)
Temos uma boa educação, ótimos professores e alunos. Somos referência para outros alunos, estamos numa escola de referência com professores qualificados... (55;M;9)
156
Na segunda periferia, estão localizados os elementos de menor frequência e
considerados pouco importantes no campo da representação, portanto, menos
justificados pelos estudantes. No nosso caso, nesse quadrante, encontramos
palavras como “objetivo”, “sonho”, “tarefas”, “trabalho”, “esforço”, “dedicação”,
“seleção” e “conquista”. Juntas dizem de um percurso percorrido pelos estudantes
para a aprovação na seleção de ingresso e de um percurso ainda a percorrer, de um
porvir diretamente relacionado a permanência no CAp. Tal percurso é permeado por
objetivos e sonhos, pois o colégio foi um objetivo alcançado pela aprovação na
seleção, por isso os alunos remetem a palavra “conquista”; ele também representa
um “sonho” para os que desejam o ingresso. Os alunos são categóricos:
(...) para conseguir tirar proveito do que o colégio tem para oferecer é preciso de dedicação, disciplina e esforço (76;F;6)
Conforme destacam, as palavras “cansaço” e “dificuldade” fizeram do
percurso e do esforço empreendido para a aprovação no colégio e, vencida esta
etapa, o esforço para se manter no grupo dos “melhores”.
Dedicação considero importante porque tenho que me dedicar para me dar bem afinal é o Colégio de Aplicação! Cansa e não é fácil, mas com disciplina consegue. Tem que ter disciplina aqui, não estamos em qualquer lugar (20;M;7)
Nos trechos “(...) afinal é o Colégio de Aplicação!” e “(...) não estamos em
qualquer lugar”, há o caráter diferencial e prestigioso de um espaço, que é sinônimo
de estudo e de Melhor Colégio.
A “seleção” dos estudantes é uma das marcas do colégio de prestígio, que
possibilita ao grupo ser composto de crianças com disposições mais ou menos
homogêneas; selecionar é alinhar as propriedades socioculturais dos alunos às
características da escola. Um dos alunos considerou como mais importante à
palavra “conquista” e assim a justificou:
Porque conquista tá relacionada à vitória merecida, eu estudei muito para passa (14;M;6)
Tudo se passa como se esses estudantes acreditassem que aos melhores
se destina o melhor, que é uma crença meritocrática da educação difundida pela
157
escola. Essa crença os faz empreender esforços e realizar investimentos escolares,
objetivando uma ascensão social através da escola. Os resultados escolares são
atribuídos, apenas, ao mérito individual, confundido com características inatas ou
esforço realizado para superar as dificuldades. Estimular a crença de que, os
resultados escolares se relacionam a aspectos inatos, é falacioso, pois ás variáveis
exteriores ao sujeito interferem no seu desempenho escolar. No entanto, as
disposições criadas pelas condições objetivas após incorporadas parecem tão
naturais, que não percebemos, que são fruto de aprendizagem. Tais disposições
são criadas nos diversos processos de socialização podem ser favoráveis, ou não, a
educação.
Quando as palavras “alegria”, “diversão”, “legal”, “felicidade”, “orgulho”,
“liberdade” e “vida” são evocadas pelos estudantes, expressam a sensação de
fazer parte de uma instituição de “prestígio”, como também o clima vivenciado com
amigos e profissionais do CAP. Um espaço “legal”, que os deixa “alegres”, um
colégio que requer deles muito estudo, mas que, ainda assim, é um espaço de
diversão. Espaço que está associado à felicidade a uma nova “etapa” da “vida” e a
um futuro de muitas possibilidades.
Palavras como “aplicação”, “público”, “grande”, “prestigioso” e “federal”
são palavras que demarcam o diferencial da instituição frente aos demais colégios,
sejam eles públicos ou privados. O CAP é um colégio público federal de excelência
em ensino, composto por professores qualificados e pelos alunos mais bem
selecionados do estado, um espaço prestigioso, de aplicação do que se aprende e
se ensina, local de construção de conhecimento.
Termos como “Inteligência” e “elite” foram evocados fortemente pelos alunos
ingressantes, acreditamos que em parte, decorrente do processo seletivo, da ideia
de compor um grupo de melhores, grupo de “elite acadêmica”, de crianças
inteligentes.
5.2.2. A Estrutura da Representação Social do Colégio de Aplicação para pais
de estudantes
A análise do corpus das evocações dos pais para coma expressão indutora
“Colégio de Aplicação”, revelou que foram evocadas quatrocentas e sessenta e oito
158
(468) palavras, destas oitenta e uma (81) eram diferentes entre si. A composição da
estrutura representacional contou com cinquenta e um (51) destes termos.
De modo semelhante a dos estudantes, na análise de evocações dos pais,
os termos foram agrupados por similaridade semântica, no entanto, o repertório não
foi alterado. Na mesma linha de tratamento dos dados, descartamos as palavras
com frequência inferior a três evocações. O Software EVOC nos informou a
frequência média dez (10) e a OME dois e meio (2,5) como referenciais de análise.
O cruzamento desses dois critérios combinados, a MF e a OME, definiu a relevância
dos elementos na representação e, consequentemente, a configuração da estrutura.
Quando falamos em relevância do elemento na representação, estamos a dizer da
força de associação deste ao termo indutor.
Após o processamento do material no software EVOC, obtivemos o Quadro
13, de quatro casas, que revela o conteúdo geral e a possível estrutura interna da
representação do “Colégio de Aplicação” para pais dos estudantes da instituição.
159
Quadro 14 - Quadro de quatro casas gerado pelo EVOC resultante das evocações
dos pais à expressão indutora “Colégio de Aplicação”
Frequência Mínima- 03 MF: 10/ OME: 2,5
F>= 10/ OME < 2,5 F>=10/ OME >=2,5
F OME F OME
Futuro
Qualidade
19
29
2,421
1,931
Educação Estudo Pesquisa Responsabilidade
12
13 10 10
2,833 3,462 3,500 3,800
F<10/ OME <2,5 F< 10/ OME >=2,5
F OME F OME
Compromisso Construção Referência Saber
05 03 04 03
2,200 2,333 1,500 2,333
Alegria
Amizade Aplicação Aprendizado Cidadania Competência Concorrência Conhecimento Conquista Coragem Criticidade Cultura Dedicação Desenvolvimento Disciplina Economia Eficiência Elite Ensino Excelência Federal Felicidade Formação Gratuidade Inteligência Liberdade Maturidade Melhor Modelo Oportunidade Organização Parceria Preparação Professores Público Realização Segurança Seleção Socialização Sucesso Universidade
03 04 03 05 05 08 04 08 03 03 04 03 06 04 07 03 06 05 09 08 04 04 04 06 05 09 03 06 04 08 04 03 08 03 08 04 07 03 04 07 04
3,000 4,500 4,667 3,000 3,400 2,750 2,750 3,625 4,000 4,667 2,750 5,000 3,333 3,000 3,286 3,333 2,833 4,000 3,000 2,625 3,500 3,750 4,000 3,333 3,600 3,556 5,667 3,333 3,250 3,125 3,500 5,000 3,375 4,333 3,500 4,250 4,286 3,000 5,250 2,714 3,750
160
O Quadro 14 indica a organização interna da Representação Social do
Colégio de Aplicação da UFPE construída pelos pais dos alunos. Destacamos que
para Abric (2003), identificar o conteúdo de uma RS não é o suficiente para
conhecê-la e defini-la; é preciso atentar para sua organização interna. Desta forma,
nosso conteúdo geral será discutido, da mesma forma que com os estudantes,
considerando a estrutura interna da representação (o quadro de quatro casas).
Nesta pesquisa, constatamos que alguns aspectos da representação dos
estudantes do “Colégio de Aplicação” podem ser percebidos também na
representação, que seus pais construíram do colégio. No entanto, conforme Abric
(2003, p.38) “duas representações podem ter o mesmo conteúdo e, entretanto,
serem radicalmente diferentes, se a organização desse conteúdo for diferente”. Isso
nos permite afirmar que as RS irão diferir, apenas, se os seus núcleos centrais forem
diferentes. No nosso caso, as representações de pais e estudantes apesar de
apresentarem pontos em comum, conteúdos próximos e interligados, são
estruturalmente diferentes. Essas variações e possíveis aproximações serão
descritas a seguir.
Conforma consta no quadro 14, o quadrante superior esquerdo é composto
por dois elementos- “Qualidade” e “Futuro”. Estes dois termos determinam a
significação e organização interna de uma representação e são os mais resistentes
a transformações. Eles seriam, os possíveis elementos centrais da representação.
Dentre eles o mais saliente é “qualidade”, que indica ser o termo estruturador, com
maior conexidade, rege as conexões existentes entre os demais elementos e
assegura a unidade e estabilidade do campo.
O termo “futuro” também se faz presente no NC da representação,
confirmando, de certa forma, nossa hipótese de que as representações sociais do
Colégio de Aplicação da UFPE estão estritamente relacionadas às perspectivas de
futuro dessas famílias. As RS dos pais estão relacionadas às perspectivas de futuro
e também , a palavra “futuro” perpassa várias justificativas desses pais e alunos.
Futuro relaciona-se a tantos outros componentes representacionais e tem lugar
central na representação.
Do conjunto de pais investigados (78), vinte e nove (29) evocaram
“Qualidade” e dezessete (17) indicaram a referida palavra como sendo a mais
161
representativa dentre as evocadas. Por ter a menor OME (1,931) representacional
podemos afirmar, inicialmente ser “qualidade” o termo mais importante dentre os
evocados.
Há um debate no âmbito acadêmico sobre os fatores que fazem uma escola
ser considerada de qualidade, quais as características atribuídas a tais instituições.
Nas justificativas os pais indicaram elementos e características de uma escola de
qualidade. Esses elementos surgem quando os pais revelam o significado do CAP
como instituição fundamental na educação de suas crianças pela qualidade do
ensino, dos profissionais, da clientela, dentre outros aspectos. Vejamos a seguir no
discurso desses sujeitos como o atributo “Qualidade” está associado ao CAP:
A qualidade do ensino foi o que estimulou a realização do teste para o colégio. Acreditamos que nosso filho terá uma experiência muito rica, com uma visão ampla do conhecimento e da vida
22. (59;F;E;FPE)
23
Qualidade no ensino é construir conhecimento com autonomia, preparando para a vida (36;F;E;PEB)
Não é apenas uma palavra(qualidade) está precisa de seu complemento nominal (ensino). Por ser um modelo em eficiência no desenvolvimento cognitivo de seus alunos, o CAP tornou-se referência entre as escolas de ensino gratuito. (56;M;E;FPF).
O CAP tem sido, ao longo dos anos, referência em ensino. Por isso justifico a minha escola. (05;F;D;PU)
A referida “qualidade do ensino” foi o fator que despertou o interesse dessas
famílias pela instituição, sendo também responsável pela decisão dos pais de
inscrever suas crianças na seleção de ingresso e por uma gama de mobilizações
familiares, que, posteriormente, serão discutidas. Apesar do termo “qualidade” não
compor o núcleo central da representação do CAP por estudantes, eles também
22As justificativas foram transcritas para a dissertação do modo como foram escritas pelos participantes da pesquisa. 23
Nas justificativas os pais foram identificados pelos seguintes códigos: nº do protocolo
correspondente; (F ou M) conforme o sexo indicado; seguido da formação acadêmica: (EM) ensino
médio, (G) graduação, (E), especialização, (M) mestrado, (D) doutorado, (PHD) pós-doutorado;
acrescentado a estas o código de qualificação da profissão de cada um deles, sendo (PU) professor
universitário, (PEB) professor da educação básica, (FPF) para funcionários públicos federais, (FPFM)
para funcionários públicos federais militar (FPE) funcionários públicos estaduais e (PL) profissionais
liberais.
162
associam a instituição à qualidade, na estrutura da representação desse grupo o
termo ficou situado na primeira periferia.
A qualidade do ensino oferecido é responsável por produzir a imagem de
“colégio modelo”. Nesse sentido, o CAP aparece como referencial para as demais
escolas públicas do estado. No decorrer da análise, perceberemos que “qualidade”
é o termo commaior capacidade associativa da representação. Mas, o atributo não
se restringe apenas ao ensino. No trecho a seguir o termo “qualidade” começa a
ganhar características mais definidas/ específicas, vejamos:
Uma escola de qualidade se traduz por altos índices de aprovação de seus alunos nas avaliações externas das quais participa (ex. vestibular, olimpíadas, entre outros), professores qualificados (pós-graduados), biblioteca diversificada, gestão participativa, etc.(63;M;M;PF). Escolhi qualidade pelo fato do colégio ter boa colocação no ENEM, excelência na qualidade de ensino e corpo docente (08;F;M;PL)
É difícil escolher apenas uma palavra, pois considero o colégio um conjunto de vários aspectos que contribuem para o desenvolvimento do aluno. Escolho a qualidade, a forma como os conteúdos são passados, por profissionais nem sempre dedicados, mas com ótima formação acadêmica, sem a pressão da semana de prova, dando oportunidade do aluno refazer seus erros, utilizando a prova como instrumento de aprendizado e não de punição, tornando os alunos críticos e seguros de suas decisões (28;F;M;EPEB)
No entendimento desses pais, “qualidade” envolve diversos aspectos como
resultados positivos nas avaliações, qualificação dos profissionais, modelo de
avaliação dos estudantes, recursos materiais e didáticos, filosofia de ensino e
modelo de gestão adotado na instituição. Para os sujeitos, o colégio conjuga bem
todos esses aspectos, e a excelência no processo pode facilmente explicar a
excelência nos resultados. Destacamos que os pais não declaram como positivos
apenas os resultados expressos nas avaliações, mas a formação completa e
humanizada proporcionada pelo CAP. A seguir os sujeitos ressaltam o caráter ímpar
do colégio por estimular a autonomia e formar alunos questionadores:
[...] O CAP, ao meu ver, busca transmitir conhecimento de uma forma ímpar, além de despertar e orientar alunos questionadores. No CAP, os alunos são “educados” de forma a não temer desafios, muito pelo contrário, todos os desafios são muito bem vindos! Por isso e muito mais, acredito no CAP como sinônimo de qualidade. (57;F;E;PL)
163
Ensino de qualidade em uma instituição pública que prepara para a vida e não só para o vestibular (21;F;E;FPF) É muita soma. Não há desvantagens! É soma - qualidade é soma de vantagens (02;M;E;FPF).
A referência ao “caráter ímpar” do colégio reforça a instituição como
diferenciada pela qualidade do ensino ofertado, modelo para as demais escolas
públicas. Essa qualidade de ensino, como dito anteriormente, decorre de diversos
aspectos que existem e atuam em conjunto. Tudo se passa como se o colégio
acumulasse vantagens, atributos positivos, que se unem às disposições da clientela
renovada a cada ano. É a roda viva de proporcionar o “melhor” aos
“melhores”alimentada de forma constante. Inclusive um dos estudantes justifica o
termo qualidade da instituição, associando-o a palavra qualidade a tudo que há de
melhor, ao conjunto de aspectos positivos (profissionais, estudantes, ensino, dentre
outros).
Embora os resultados de avaliações externas foquem na formação cognitiva
dos estudantes, a instituição preza, para além do desenvolvimento cognitivo, por
uma formação crítica e humanizada, priorizando a cooperação em detrimento da
competitividade, e preparando as crianças e jovens para os desafios impostos pela
vida, estimulando-os a se posicionarem diante dos acontecimentos. Para os
estudantes, o Colégio também aparece como responsável por uma formação
integral, preparando-os para “enfrentar a vida”. A seguir alguns trechos das
justificativas dos pais corroboram com esses sentidos:
Sempre que observava e observo uma criança do Aplicação via e vejo uma criança diferenciada, mais serena. Como tive amigos que nele estudaram eles sempre me passavam isso: um sujeito ativo na sociedade, questionador, com posições diante dos acontecimentos, com mais firmeza dentro do que defendem. (37;M;E;FPF) O CAP apresenta um excelente nível de qualidade na área de conhecimento, vejo um rendimento significativo quanto aos assuntos trabalhados, mas para além disso vejo a formação de pessoas humanizadas (73;F;E;PEB)
Não sei explicar exatamente o que é feito na instituição. Mas o trabalho é bem feito, de qualidade, as crianças entram apenas com vantagens cognitivas [alguns acumulam vantagens socioeconômicas e socioculturais], mas saem de lá [tenho dois formados e uma frequentando] com vantagens/ aprendizagens que vão além das de
164
ordem cognitiva, culturais ou materiais. Os jovens têm posturas diferenciadas perante a vida. (01;M;E;FPF)
Chama atenção o trecho que diz serem os estudantes do CAp “crianças
diferenciadas, mais serenas”. A qualidade atribuída à instituição, também é atribuída
aos estudantes que a frequentam. A seleção, que compõe um grupo com
características mais ou menos homogêneas, aliada à socialização ocorrida na
própria escola, parece influenciar nos gostos e, de certa forma, na personalidade
dos alunos. O caráter diferenciado dos estudantes do CAP é evidenciado, ainda, na
justificativa a seguir:
Um colégio de qualidade atrai crianças diferenciadas e produz homens e mulheres com posturas diferenciadas, na contramão da loucura social, da competitividade, do despreparo para a vida, da superficialidade das formações e das informações (...) produz pessoas com preocupações reais e não alienados sociais (012;M;E;FPF).
São diversos os fatores, que atestam a qualidade do ensino, do processo
formativo, dos resultados, dos recursos materiais e humanos, dos títulos dos que lá
atuam, das disposições dos que chegam para somar. O fato de ser ambientado no
espaço universitário, também, é fator que confere status ao colégio e diferencial na
qualidade do ensino. No trecho, a seguir, um pai afirma ser a qualidade uma
característica apontada por todos, “É unânime para a comunidade”. Seu discurso
revela o caráter compartilhado desse atributo para a representação do CAP por pais
e estudantes. O sentimento do sujeito que assim justificou, é tão fortemente
internalizado a ponto de garantir, que esse sentimento é partilhado por todos os
pares. Segue o trecho:
A qualidade do ensino é a principal característica do Colégio de Aplicação. É unânime para a comunidade. (P13PM=EFPF)
Cumpre destacar que os estudantes também pensam ser “qualidade” um
termo partilhado por todos, um deles referencia nesse sentido “[...] É inegável a
qualidade do ensino que vivenciamos... os resultados nas avaliações Brasil a fora
não mentem” (59;M;9).
Uma instituição de qualidade, no entendimento dessas famílias, promete
sucesso “futuro”, termo que também faz parte do provável núcleo central da
165
representação do CAp construída pelos pais. Diversas justificativas, de pais e
estudantes, remetem à ideia de futuro. Alguns sujeitos afirmam:
A partir do ingresso de nossos filhos no CAP almejamos um futuro promissor, mediante um estudo de excelência, construído por estímulos do colégio, capacidade e responsabilidade dos alunos. Porém, tudo isso exige como fator direcionador ao sucesso a supervisão dos pais (55;F;E;PFF).
Acredito que é essa palavra que buscamos de melhor para os nossos filhos, ou seja, um futuro melhor engloba todas as outras palavras por mim pensadas. Quer dizer, almejamos e damos todo apoio para que nossos filhos consigam entrar no CAP, pois sabemos de sua referência como colégio. Lá estando, encontramos muitas novidades em termos de metodologias, responsabilidade, sociabilização, além de outros meios capazes de formarem e aprimorarem a inteligência dos jovens que no CAP estudam (11;F;E;PL)
O CAp corresponde aos anseios das famílias pelas particularidades que
possui, trunfos que o diferenciam das demais escolas públicas do estado e, também,
o colocam à frente de diversas instituições privadas. Esses sujeitos relacionam o
colégio a um futuro promissor para seus descendentes, pois aprimora as
disposições que as crianças trazem consigo, extraindo delas o que têm de melhor e
proporcionando o desenvolvimento de habilidades e posturas exigidas futuramente,
crescimento pessoal, intelectual e profissional. O termo futuro surge, por inúmeras
vezes, atrelado às palavras promissor, sucesso e brilhante. Nos registros abaixo os
pais alegam:
Diante de tantos outros conceitos e do cenário que vivemos atualmente (aumento da concorrência e competitividade no mercado profissional), acredito ser este colégio de aplicação uma porta bem direcionada para um futuro brilhante. Indivíduo humanizado, cidadão crítico e com uma excelente bagagem de conhecimento construído (5;F;E;PL) O acesso ao CAP abre uma excelente oportunidade para seus alunos seguirem os estudos numa Universidade Federal pública, com qualidade e conceito reconhecidos, como é o caso da UFPE, oferecendo um futuro melhor para os seus filhos (03;M;D;PL)
De maneira semelhante aos pais, as crianças associam o CAp ao termo
futuro e enfatizam que o colégio é um espaço destinado àqueles que “[...] se
preocupam com o futuro" (01;F;7). Cabe aqui destacar que a afirmação dos sujeitos
desconsidera o fato de nem todos ou tão poucos conseguirem ter acesso a escola
de qualidade. A preocupação com o futuro não se restringe apenas àqueles que
166
tiveram oportunidades para tal acesso. Em nosso entendimento o peso do termo
“destinado” dá ao trecho um quê de elitização do público e do ensino ali vivenciado.
No quadrante superior direito quatro elementos ganham destaque por
fazerem parte da primeira periferia, são eles: “educação” “estudo” “pesquisa” e
“responsabilidade”. Dois destes termos, educação e responsabilidade, também
fizeram parte da primeira periferia na estrutura representacional do CAp por
estudantes. Outros termos como “estudo” ocupou posição central, “pesquisa” foi,
apenas, citada, mas não compôs a estrutura representacional dos estudantes.
Para os pais, “educação” constitui princípio básico, necessário para atuação
na sociedade. A “boa educação” aparece ora como construção ora como herança,
de responsabilidade da família, da escola e atributo que podemos legar aos nossos
descendentes. Os pais entendem a educação como fruto do esforço da criança e da
família para acessá-la e ser gradativamente adquirida, mas, também como uma
herança a ser transmitida aos filhos “É o melhor bem que posso deixar para a minha
filha”. Alguns registros explicitam melhor este entendimento:
O melhor bem que posso deixar para a minha filha é a educação. Saber que ela está na melhor escola de Pernambuco é gratificante. Através de sua dedicação ela está estudando lá (54;F;E;FPF)
Educação é o princípio básico para obtenção (e busca permanente) para qualquer individuo de qualquer idade. É preciso desenvolver um cidadão produtivo que busque uma sociedade mais justa e eficiente, bem como um humano integrado a sua família, as necessidades e valores de seus semelhantes, buscando plenitude. Encontramos essas bases no CAp (64;F;E;PL).
Educação é o que pretendemos deixar para nossa menina quando não mais existirmos. Desde que nasceu passamos os nossos valores, as nossas crenças, o nosso modo de ver o mundo e perceber as pessoas. Hoje ela está no colégio para receber reforço de valores e crenças alinhados aos nossos (53;F;M;FPF)
O último trecho é revelador de um sentimento de identificação com o ensino
ali vivenciado, com a educação proporcionada aos filhos, um compartilhamento de
valores e crenças com as da instituição. Para os pais, o colégio tem
“responsabilidade” com a formação dos discentes e, consequentemente,
desenvolve o sentimento de responsabilização para com os “estudos”. Vejamos os
registros:
167
Os alunos aprendem a manter uma rotina de estudos, mesmo que não tenham atividades para nota, fazendo com que aprendam a serem responsáveis por sua aprendizagem e pelo sucesso futuro (49;F;E;PEB). Eles focam nos alunos, isso é notório. O objetivo do CAp é proporcionar o melhor ensino aos estudantes, são muito responsáveis no que acreditam e servem de exemplo para as crianças (48;M;E;PL)
O termo “pesquisa”, citado, apenas pelos estudantes, tem destaque na
estrutura representacional dos pais. Para esses sujeitos, vincular ensino à pesquisa
é o diferencial do colégio, que o aproxima dos preceitos universitários. No entanto,
cumpre frisar que este entendimento é de pais que valorizam a educação superior,
de professores universitários e pós-graduados. Assim, embora não mencionem
diretamente o termo pesquisa, para os que vivenciam o universo acadêmico a
pesquisa científica se faz necessária em toda a escolarização. Desta forma os pais
estão a falar de um mundo que não lhes é estranho. Afirmam:
Para mim o ensino deve ser vinculado à pesquisa, o aluno deve ser levado a fazer uma crítica da realidade e desvendá-la. Pois só assim teremos possibilidade de entendê-la e mudá-la. Na pesquisa ele poderá obter dados que o auxiliem a demonstrar como as condições sociais, políticas, psicológicas influenciam o dia a dia da população. Obtendo assim algumas respostas que podem ser repensadas para implementação de políticas públicas (45;F;M;FPF)
Pesquisa. O CAp referencia em ensino e pesquisa, produz e possibilita que as crianças produzam conhecimento (75;M; M;PU)
Os elementos “compromisso”, “construção”, “referência” e “saber”
compõem a zona de contraste da representação do CAp para os pais dos alunos.
Os termos presentes no quadrante inferior esquerdo reforçam o conteúdo da
primeira periferia, como bem observa Oliveira et al (2005).“Referência” foi o termo
de menor OME (1,500), relaciona-se fortemente aos elementos anteriormente
discutidos, a qualidade do ensino e aos resultados expressivos apresentados pela
instituição. Da mesma forma que o elemento “modelo”, o termo “referência” confere
um caráter de destaque a instituição, um exemplo a ser seguido. A ambientação
universitária também ganha destaque, fator que agrega valor simbólico à instituição.
Eis os registros que corroboram com os sentidos mencionados:
Referência por ser esta instituição, diferente das demais, um colégio com normas e práticas da faculdade (65;F;G;PL)
168
O Colégio de Aplicação tem sido referência na educação pernambucana e nacional. Daí a busca da família, na sociedade, pelas melhores instituições de ensino. A prática pedagógica do colégio não é voltada para o aspecto cognitivo, mas o de construção de valores, necessários a formação do indivíduo, do bom cidadão, na escola e nos demais espaços da sociedade com os serviços de orientação oferecidos (27;F;E;PEB)
“Compromisso” refere-se à responsabilidade do colégio para com a
aprendizagem de seus alunos, reforçando os sentidos contidos nos registros
anteriores nos quais responsabilidade foi justificada. O compromisso é percebido
pelos pais como fator essencial para o sucesso acadêmico atual e sucesso futuro
dos estudantes. Esse elemento aparece fortemente atrelado ao termo “futuro”. Eis
alguns dos registros:
O compromisso da instituição para garantir o futuro brilhante dos alunos (20;F;G;FPE) Considero “compromisso” a palavra mais importante por representar um dos papeis considerados essenciais para o sucesso no ensino-aprendizado engloba tanto professor como aluno (52;M;E;FPE)
Para reforçar os termos já mencionados, “saber” e “construção” aparecem
associados também nas justificativas dos estudantes e tiveram OME de mesmo
valor (2,333).
Por ser uma instituição que valoriza a construção do saber cultural e científico (42;M;E;PU) Construção por estarmos num mundo em que todos os dias construímos e reconstruímos conceitos para inovar nosso dia a dia (32;F;G;PEB)
Diversas são as palavras que compõem a segunda periferia da estrutura
representacional: “Alegria”, “Amizade”, “Aprendizado”, “Cidadania”,
“Competência”, “Concorrência”, “Conhecimento”, “Conquista”, “Coragem”,
“Criticidade”, “Cultura”, “Dedicação”, “Desenvolvimento”, “Disciplina”,
“Economia”, “Eficiência”, “Elite”, “Ensino”, “Excelência”, “Federal”,
“Felicidade”, “Formação”, “Gratuidade”, “Inteligência”, “Liberdade”,
“Maturidade”, “Melhor”, “Modelo”, “Oportunidade”, “Organização”, “Parceria”,
“Preparação”, “Professores”, “Público”, “Realização”, “Segurança”,
“Seleção”, “Socialização”, “Sucesso”, “Universidade”. Destes (41) termos, (19)
foram encontrados na estrutura representacional dos estudantes, (08) deles
ocupando a primeira periferia como foi o caso de “Aprendizado”, “Amizade”,
169
“Educação”, “Ensino”, “Excelência”, “Professores”, “Sucesso”, “Universidade”, os
demais (11) também ocuparam a segunda periferia, dentre eles “Alegria”,
“Aplicação”, “Conquista”, “Dedicação”, “Elite”, “Federal”, “Felicidade”,
“Inteligência”, “Liberdade”, “Público”, “Seleção”.
O objeto é pensado a partir de atributos positivos, que complementam a os
sentidos do que seja colégio de qualidade, modelo, referência em ensino-
aprendizagem, melhor colégio. São temos fortemente associados às perspectivas
futuras dessas famílias, ao futuro desejado e possível. Os elementos da segunda
periferia são facilmente encontrados nas justificativas dos termos referentes ao
Núcleo Central, primeira periferia e Zona de Contraste. A representação entre os
pais e estudantes aparenta ser homogênea, sem divergência entre os grupos, com
termos interligados e os quadrantes são complementares em sentidos e significados.
Dada a sua quantidade e variedade, decidimos discutiros termos da última
periferia em conjuntos de acordo com a afinidade que parecem trazer referentes aos
sentidos subjacentes partilhados. O primeiro conjunto de palavras é composto por
“aplicação”, “aprendizado”, “cidadania” “conhecimento”, “criticidade”, “cultura”,
“desenvolvimento”, “disciplina”, “liberdade” “socialização” “coragem”. Tais
palavras demonstram fazer parte da representação, pois são aspectos e atributos,
que o CAp desenvolve nos estudantes e/ou oportunidades próprias oferecidas
naquele espaço.
Por se tratar de um colégio renomado, ser um dos melhores de Pernambuco, o colégio de Aplicação traz uma bagagem e uma história de grandes oportunidades, tanto para o corpo docente quanto para os discentes, no que diz respeito ao CONHECIMENTO repassado e conquistado (18;F;G;FPF)
Através da trajetória de CONHECIMENTO vivenciada no CAp vem crescimento pessoal, profissional e intelectual (78;F;G;PL)
Percebo que meu filho se preocupa em buscar CONHECIMENTO. Não compreendo, muitas vezes, a cobrança dos professores para que alcance este conhecimento de forma autônoma. Parece abandono, parece que o professor busca a saída mais fácil dentro do seu emprego. Porém não posso negar o objetivo é atingido, o aluno (meu filho) aprende e apreende lições importantes para toda vida (74,F;G;FPF)
170
Conhecimento teve frequência (08) e OME (3,286), foi também a palavra mais
justificada dentre as que compõem este quadrante. O termo foi associado ao objeto
como atributo adquirido através de sua história enquanto instituição educativa. Esse
conhecimento permite o “desenvolvimento” dos estudantes e dos profissionais que
dela fazem parte. A aproximação com a “cultura” e com o “conhecimento”
científico se dá, conforme o entendimento desses pais a partir de “Aplicação” dos
conteúdos, tratando-os em sua complexidade.
As justificativas nos permitiram identificar que, na perspectiva dos pais, a
instituição está mais preocupada com os fins da educação do que com os conteúdos
propriamente ditos, ou seja, o CAP prioriza a formação integral do sujeito. A
instituição assume a responsabilidade educativa de formar pessoas humanizadas,
portanto tal compromisso se torna primordial para atingir os demais objetivos
educativos. O engajamento dos profissionais, a forma de tratar o conhecimento
científico, a cultura que envolve os alunos e o conhecimento do mundo, parecem
diferir das demais instituições. O “aprendizado” no CAp ocorre com “liberdade” e
“criticidade”, permite ao aluno responsabiliza-se pela própria aprendizagem.
Vejamos o que dizem as justificativas destes sujeitos:
O Colégio dá LIBERDADE para o aluno questionar qualquer aspecto, qualquer questão. Mesmo que ele esteja errado ele pode se posicionar (69;M;G;PL)
Acredito que a palavra chave é o APRENDIZADO completo e humanizado. O Cap se diferencia, para mim, das outras escolas públicas por ensinar o aluno a ser Capaz, mas o aluno é Capacitado de forma mais humana, aprende a pensar, refletir sobre seus atos e como eles podem incidir sobre os outros; a pensar a sua cultura, a conhecer a cultura do outro (07;F;M;PEB)
O Colégio estimula com todas as possibilidades disponíveis o SENSO CRÍTICO do aluno (24;F;E;ME)
Os pais considerem que as características positivas da instituição e os
métodos de ensino deveriam se estender às demais escolas públicas do estado.
Com tal comentário os pais revelam que se sentem privilegiados em fazer parte de
uma realidade à parte do ensino público estadual.
171
As inquietações desses sujeitos são também nossas como educadores que em
algum momento da trajetória profissional, nos questionamos se, apenas, melhorias
nas condições de trabalho e mudanças nos métodos de ensino seriam suficientes
para alavancar o ensino público. Pensamos ser insuficiente, apenas, a mudança nas
práticas educativas e nas condições de ensino para aumento de chances de êxito
dos estudantes e para tornar toda e qualquer escola pública uma instituição de
referência. O problema é social, estrutural e, em grande parte, foge ao controle de
educadores herdeiros de uma pedagogia política e crítica.
Deve-se ter em mente que uma parte considerável das crianças
frequentadoras do ensino público (municipal e estadual) foram socializadas em
contextos distintos dos participantes da pesquisa, um público com gostos,
preocupações e horizontes também distintos. É inegável que não podemos continuar
com o discurso da reprodução social, mas a existência de uma rede de forças
políticas, sociais e ideológicas, que atua para manter a estrutura tal qual ela se
apresenta a nós, reservando o melhor, em recursos humanos e materiais, aos
melhores e relegando as demais instituições de ensino.
Não foi um propósito desta pesquisa discutir as desigualdades escolares, ao
nesse momento. Esperávamos fazê-lo no momento da entrevista. No entanto, já
nessa primeira etapa, os pais questionaram de forma direta a qualidade do ensino
público municipal e estadual. Observe os registros:
O APRENDIZADO acontece. Diferente da rede municipal e estadual de ensino. Isso se deve, em grande medida, ao fato de ser federal. Toda escola pública deveria ser um CAp (02;M;E;PL) CIDADANIA, pois é a oportunidade do meu filho estudar em uma escola modelo que deveria se estender para todas as escolas públicas do nosso estado. Aqui no Aplicação a escola é de inclusão independente da classe social, etnia ou religião. Tudo isso proporciona ao meu filho a oportunidade de amadurecer dentro da realidade de seus colegas, professores e do próprio sistema de ensino público de qualidade (40;F;D;PU)
No trecho anterior a mãe, professora universitária, ressalta para a
necessidade de ampliar a qualidade do ensino público a fim de que ela não fique
restrita às instituições federais de ensino. Aponta que, apesar da seleção, o CAp é
um espaço democrático, acolhe crianças de diferentes classes sociais, etnias,
religião e fatores que possibilitam ao seu filho exercer a sua cidadania, partilhando
172
de um ensino público de qualidade com crianças de origens sociais, culturais e
econômicas diversas. No entanto, a própria seleção não permite que a escola seja
considerada um espaço de inclusão total, pois ao selecionar alguns estudantes
estamos, automaticamente, a excluir outros, que não tem as disposições exigidas
para ingresso em tal estabelecimento de ensino.
Os elementos “Competência”, “Economia”, “Eficiência”, “Ensino”,
“Excelência”, “Federal”, “Elite”, “Formação”, “Preparação”, “Gratuidade”,
“Organização”, “Parceria”, “Oportunidade” “Público”, “Universidade”, “Melhor” e
“Modelo” complementam o núcleo central “qualidade”. Tais termos, possivelmente,
exerceram influências na escolha do estabelecimento de qualidade. Seguem os
registros dos sujeitos que as consideraram representativas:
A competência da escola diz do futuro dos estudantes. Sem competência não se chega a lugar algum... O Colégio, em sua competência, influencia positivamente no futuro no meu filho (76;M;E;PL) A formação considerei a mais importante pois houve uma grande maturidade. O meu filho amadurecei muito e rápido (71;M;E;FPF) Excelência no ensino dos conteúdos das matérias e na preparação para a vida (60;F;D;PL) O método de ensino Capacita esses jovens a lutar pelos seus ideais tanto na vida pessoal quanto na profissional, levando-os a alcançarem seus sonhos (29;F;G;FPE) Diante do cenário de competitividade que vivenciamos devemos sempre buscar novas fontes de conhecimento para estarmos em sintonia com as novas exigências que a vida nos impõe. Devemos buscar a excelente preparação para nos posicionarmos não dentro da média, mas acima dela (19;M;E;PL)
Como mencionado anteriormente, o CAp ressurge como instituição de
referência pelo método de “ensino” diferenciado; “excelência” em ensino,
qualificação dos profissionais, e seleção dos alunos sua “competência” para efetivar
aprendizagens e formar um corpo discente preparado para os desafios futuros. Os
pais, assim como os estudantes, reconhecem no termo “melhor” um sinônimo para
o que a instituição representa na vida e no futuro destes.
Simplesmente porque ela [palavra melhor] representa o que o colégio apresenta nos resultados de pesquisa- o melhor colégio em resultados do ENEM de Pernambuco e de IDEB do Brasil. O melhor em corpo docente e
173
discente, pois neste último há uma seleção criteriosa dos alunos. Todos entram por mérito próprio (43;F;E;FPF) Um colégio de poucos e para poucos. O CAp é uma instituição de prestígio e responsável por formar a elite intelectual do estado de Pernambuco (77;M;E;PL)
O registro anterior é revelador de que alguns pais acreditam que a instituição
é destinada a uma parcela privilegiada da sociedade. Um dos pais afirma ser o
colégio responsável por formar a elite intelectualiza a quem se deve destinar um
ensino diferenciado, mais condizente com as características do alunado e posições
sociais a serem assumidas.
Há entre os estudantes ingressantes a cada ano crianças que, se não fossem
aprovadas na seleção, possivelmente, estariam nas bancas escolares de instituições
públicas estaduais ou municipais do estado. A “gratuidade” do ensino de qualidade
parece ser o aspecto mais democrático da instituição: “ensino gratuito e de
qualidade”, declara um dos pais dos estudantes recém- aprovados. Os que não
possuem meios para financiar a escolarização dos filhos são aqueles que mais se
beneficiam com a aprovação, caso suas crianças não fossem aprovadas seria pouco
provável conseguir recursos para custear um ensino que se aproximasse do ali
vivenciado. Entretanto, esse grupo representa uma minoria dentre as famílias
investigadas, pois a maioria possui recursos suficientes para custear os estudos dos
filhos nas melhores escolas da região. Mas a aprovação no referido colégio
representou para além de aspectos subjetivos uma “economia” familiar significativa.
Essas famílias reconhecem que a educação de qualidade em nosso país, em geral,
é destinada a uma minoria e que os filhos são privilegiados com um ensino gratuito e
de qualidade proporcionado pelo CAp. Eis os trechos:
Considero a educação dos filhos importante. Mas a educação no nosso país se transformou em comércio, no qual uma minoria tem acesso. Minha filha é aluna do Colégio de Aplicação, gratuito. Um sonho realizado, uma vez que não tenho condições financeiras para proporcioná-la uma educação de qualidade. No CAp ela tem ensino gratuito e de qualidade (48;F;E;PL) Acredito que nossos filhos tiveram uma experiência e oportunidade única de participar de uma escola pública [que deveria ser aberta para toda população] com um sistema de ensino diferenciado e de excelência, que abre horizontes e novas possibilidades futuras (67;F;E;PL)
174
Chama atenção a estreita ligação desencadeada pelas palavras “seleção”,
“concorrência”, “dedicação”, “inteligência”, “realização”. Conforme enunciado nas
justificativas, para a realização dos objetivos se faz necessário dedicação e
inteligência. Merece destaque, no segundo trecho abaixo o fato da mãe acreditar
que o sucesso na seleção se deve à dedicação do estudante, mas, sobretudo, à
inteligência. Tal aspecto pode ser observado nas transcrições a seguir:
Parece existir no CAp uma união de esforços. Os estudantes com sua dedicação e garra conseguiram a aprovação. O colégio dá o incentivo intelectual de que eles precisam para continuar empreendendo esforços (10;F;G;FPF)
A seleção é acirrada e exige muito dos estudantes. O preparo nos estudos deve ser proporcional a concorrência a ser enfrentada, mas a criança precisa ser inteligente para passar. Ao meu ver tem que ser dedicada, mas não passa se não for inteligente. (04;F;G;PL)
Nos trechos, há um conflito entre características biológicas/individuais e
sociais/culturais das crianças, desencadeando o sucesso na seleção. Ora a
dedicação parece conduzir à aprovação, ora a predominância é biológica, ser
inteligente é fundamental para pleitear a vaga e obter êxito.
“Sucesso”, “Segurança” e “Felicidade” são termos da segunda periferia que
representam a instituição em sua estreita relação com as perspectivas futuras
dessas famílias. Tais termos apareceram expressos nas justificativas anteriormente
registradas. Nos trechos a seguir tais termos ganham destaque:
Sucesso porque os objetivos estão sendo alcançados...colocar o filho no Colégio de Aplicação: no vestibular e consequentemente na vida (66;F;E;PL) O CAp representa a segurança de um futuro melhor. Melhor até do que nós tivemos (70;M;G;FPE) Felicidade por considerar que minha filha terá um grande futuro, pois foi preparada para uma escola de qualidade reconhecida em todo país. A felicidade hoje é minha, amanhã será dela (35;F;G;PL)
Porque o CAp irá tornar minha filha uma pessoa que saberá futuramente fazer suas escolhas, avaliar todas as suas atitudes, atitudes estas que a levem para um caminho de sucesso e felicidade (38;F;EM;PEB)
O estabelecimento foi escolhido pelos pais devido a “qualidade” do ensino
por almejarem um futuro promissor para as crianças, um futuro de sucesso
175
profissional e pessoal. Os pais demonstram acreditar que o sucesso escolar conduz
ao sucesso em outras áreas. Essa crença gera expectativas quanto à escola de
qualidade, faz com que essas famílias empreendam esforços para pleitear uma vaga
em estabelecimentos de prestígio visando o êxito profissional e financeiro
[segurança] deles no futuro.
A escolha do CAp mantém estreita relação com as aspirações de sucesso
futuro e felicidade para os filhos, como expresso nas justificativas. Mas, tal escolha
se deu essencialmente pelos aspectos que diferenciam esta instituição de ensino
das demais. Podemos afirmar que as escolas se diferenciam em função de suas
particularidades e objetivos educacionais. O CAp parece recorrer a um modelo
autônomo, distinto das demais escolas públicas do estado. Busca a autonomia dos
estudantes, é composto por um grupo selecionado em suas características sociais e
culturais, não permite a superficialidade dos estudos, aprofunda os conhecimentos,
insere o aluno na pesquisa, preza por uma formação humanizada e crítica.
Os atributos descritos acima são trunfos que o colégio possui, que o
diferenciam dos demais estabelecimentos de ensino, fator reconhecido pelos que
frequentam a instituição e pela comunidade acadêmica. Como podemos perceber a
“Qualidade” é tomada como a marca do colégio, atraindo estudantes com
disposições favoráveis à escolarização e famílias de uma classe média
intelectualizada. Estes juntamente com os profissionais qualificados colaboram para
que o prestígio, a notoriedade e reputação da instituição sejam constantemente
realimentados.
176
5.3. O Núcleo Central das Representações do CAp segundo os
estudantes e seus pais
5.3.1.Triagens Hierárquicas Sucessivas por estudantes
Participaram desta etapa do estudo vinte e um estudantes do Ensino
Fundamental do CAp da UFPE.
Tendo em vista a aplicação individual, a técnica requerer um tempo de maior
interação com os sujeitos portanto, selecionamos os participantes desta etapa de
forma a contemplar os seguintes critérios: incluir estudantes de diferentes faixas
etárias e turmas; alunos provenientes de escolas públicas e privadas, bairros de
residência diferenciados, frequentam ou não em cursinhos preparatórios e filhos de
pais com diferentes formações e profissões.O grupo foi composto por cinco
estudantes de cada uma das quatro turmas B do EF. Neste conjunto, havia filhos de
professores da educação básica e do ensino superior, filhos de militares,
profissionais liberais (engenheiros, advogados, médicos), comerciantes e
funcionários públicos estaduais e federais. Os estudantes residiam nos bairros de
Boa Viagem, Piedade, Casa forte, Jaqueira, Madalena, Prado, Casa Amarela,
Aldeia, Iputinga, Várzea, Torrões, Estância, Jardim São Paulo e Jiquiá. Foram
selecionadas crianças que estudaram em colégios privados de prestígio como
exemplo do Ethos, Instituto Capibaribe, Damas, Motivo, Santa Maria, Colégio Apoio;
também compuseram o grupo ex-estudantes do Arco-Íris, Grande Passo, Dourado e
da EIA; no grupo havia alunos oriundos de escolinhas de bairro, como é o caso do
Colégio Ana Cecília, e de escola pública, a Escola Municipal São José, localizada na
Vila de Vera Cruz-Aldeia. Escolhemos também duas crianças que não tinham
participado de cursinhos preparatórios, as demais haviam frequentado um dos dois
cursos preparatórios com maior índice de aprovação para ingresso no colégio.
Para a realização das Triagens Hierárquicas Sucessivas foram apresentados
aos alunos oito termos em cartelas. Com as seguintes palavras: Estudo, Educação,
Ensino, Amigos, Futuro, Aprendizado, Livros e Qualidade. Como já mencionamos,
neste trabalho, a realização das triagens durava cerca de 10 minutos.
Na primeira rodada das hierarquizações, os termos que mais permaneceram
foram nesta ordem: “Futuro”, “Aprendizado”, “Estudo”, “Qualidade”, “Educação” e
177
“Ensino”. Termos como “Amigos” e “Livros” foram eliminados logo no primeiro
bloco de palavras por 10 e 15 estudantes, respectivamente.
Lembramos que, na primeira fase, o possível Núcleo Central da
representação dos estudantes é composto por apenas um elemento “Estudo” (F=43;
OME 2,16). Neste primeiro momento, podemos dizer que o elemento central
permaneceu com uma frequência de permanência considerável (13), o que
representa que o termo foi priorizado por 61.90 % dos estudantes. Contudo,
elementos da primeira periferia ganharam destaque como Futuro (76.19%),
Aprendizado (76.19%) e Educação (71,42%), apesar de ter menor frequência e
maior OME que o elemento “Estudo”, Futuro (F=14; OME 2,929) Aprendizado
(F=16; OME 3,063) Educação(F=20; OME 2,600) foram os mais escolhidos pelos
sujeitos. Outro termo que ganhou visibilidade foi “Qualidade” (F=26; OME 3,423),
apresentando frequência relativa equiparada a “Estudo”, 61.90%, indicando ser este
termo também um atributo fortemente relacionado ao colégio. Na quadro 15, é
possível visualizar a frequência dos termos que permaneceram após a primeira
triagem e a frequência relativa, ou seja, o percentual de frequência baseado no total
de estudantes participantes desta etapa da pesquisa.
Quadro 15. Distribuição dos termos que permaneceram na 1ª etapa das triagens hierárquicas sucessivas dos estudantes com as respectivas frequências
Na segunda rodada das triagens, conforme mostramos na Quadro 16, houve
queda da frequência de permanência do termo “Estudo” (f=03), o que indica que
apenas. 14,28% do total de estudantes ,decidiram pela permanência do termo entre
TERMO F %
ESTUDO 13 61,90
EDUCAÇÃO 15 71,42
ENSINO 12 57,14
AMIGOS 10 47,61
FUTURO 16 76,19
APRENDIZADO 16 76,19
LIVROS 05 23,80
QUALIDADE 13 61,90
178
os dois mais importantes. “Aprendizado” também teve queda considerável de
frequência (f=03). Novamente três palavras se destacaram “Futuro”, “Qualidade” e
“Educação”. Estas compuseram a maioria das duplas de palavras consideradas
indispensáveis ao pensarem no CAp-UFPE. “Futuro” e “Qualidade”, formaram
juntas 05 duplas de palavras. “Futuro” e “Educação” formaram três duplas. O termo
“Livros” foi descartado, definitivamente, neste momento da hierarquização.
Quadro 16. Distribuição dos termos que permaneceram na 2ª etapa das triagens hierárquicas sucessivas dos estudantes com as respectivas frequências
Após os sujeitos efetuarem duas hierarquizações consecutivas, e
permanecessem apenas dois termos, questionávamos sobre qual destes termos era
considerado indispensável para se pensar o colégio de aplicação da UFPE. Os
resultados estão sistematizados no Quadro 17, a seguir:
TERMO f %
ESTUDO 03 14,28
EDUCAÇÃO 08 38,05
ENSINO 02 9,52
AMIGOS 03 14,28
FUTURO 14 66,66
APRENDIZADO 03 14,28
LIVROS 00 00
QUALIDADE 09 42,85
179
Quadro 17. Distribuição dos termos que permaneceram na 2ª etapa das triagens hierárquicas sucessivas dos estudantes com as respectivas frequências
Como podemos perceber, a hipótese de centralidade se voltou totalmente
para o termo “Futuro”. Do grupo, 66.6% dos estudantes, a consideraram por duas
vezes “futuro” imprescindível quando pensam no CAp da UFPE. De acordo com
esses resultados, percebemos que a saliência do elemento supostamente central
“Estudo” não pode ser comprovada.
Esse resultado, aparentemente, contraditório nos chamou atenção. Tínhamos
a seguinte dúvida: “será que dentre os sujeitos selecionados para esta segunda fase
estariam exatamente os 14 sujeitos que evocaram Futuro na primeira etapa?” A fim
de esclarecê-la, recorremos aos protocolos da fase inicial no intuito de identificar os
termos que cada estudante do grupo selecionado para as Triagens Hierárquicas
Sucessivas havia evocado e considerado mais importante. No confronto de dados
percebemos que dos 21 estudantes, apenas 02 haviam evocado e considerado
Futuro o termo mais importante, enquanto os demais (19) haviam eleito “Estudo” o
termo mais representativo.
Outro fato intrigante ocorreu com o termo “Amigos”, que, apesar de ter sido
evocado 45 vezes e obter ordem média de importância (2,86), na etapa anterior,
(F=45; OME 2,86), no processo final de hierarquização foi totalmente descartado,
como termo indispensável ao pensarem no CAp.
Os resultados encontrados com as Triagens Hierárquicas dos estudantes
alertam para o uso cuidadoso dos métodos associativos e para a importância de
TERMO f %
ESTUDO 02 9,52
EDUCAÇÃO 01 4,76
ENSINO 01 4,76
AMIGOS 00 00
FUTURO 14 66,66
APRENDIZADO 01 4,76
LIVROS 00 00
QUALIDADE 03 14,28
180
utilização de técnicas complementares, que confirmem a centralidade dos termos.
“Estudo” inicialmente fez parte do NC talvez por uma situação de contexto: estas
crianças vivenciaram recentemente maratonas de estudos para aprovação na
seleção de ingresso do colégio, ou estado em fase de adaptação a uma rotina de
muito estudo e dedicação. Se no primeiro momento “Estudo” parece ser o termo
central e mais importante da representação do objeto “Colégio de Aplicação da
UFPE”, no segundo momento, foi “Futuro” que traduziu o objeto representado.
As justificativas dos estudantes para escolha do termo “Futuro” como
indispensável ao pensarem no CAp ajudou a melhor compreender o caráter central,
que assumiu na RS. Vejamos como os estudantes justificaram24 a escolha do termo
“Futuro” como indispensável para se referir ao colégio:
Escolhi Qualidade e Futuro. Porque, primeiro: Eu não posso falar do Colégio de Aplicação sem falar de qualidade. E segundo: Ele, pra mim... Quando você entra no Colégio de Aplicação, você já tá... No futuro já tá guardado pra uma coisa boa. Ele vai encaminhar você pra uma coisa boa (F;6;EPR;PEB/PL)
25
Eu acho que é por que... Todo mundo diz que... O Aplicação é a melhor Escola de Pernambuco... Assim, essas coisas. O melhor aprendizado, melhor aprendizado que os outros colégios. Escolhi futuro, porque a maioria das pessoas que estudam no Aplicação têm o futuro bom (M; 8;EPR;PL). Futuro. Porque eu acho que é um Colégio que prepara muito pra... Carreira e tal, lhe influencia a pensar. E educação, justamente tá ligado ao futuro, porque faz você saber que a pessoa que está do seu lado e tão importante quanto você. Faz você pensar... Aqui também não tem essa coisa de você ter que ir pra aula, como nos outros Colégios tem. Se você quiser, você não vai pra aula, você tem que ter sua própria responsabilidade pra ir, você tem que ter sua própria responsabilidade pra ir atrás dos assuntos e tal. Então eu acho que isso também faz parte da educação que eles dão lá (F;8;EPR;FPE/PL).
24
As justificativas dos estudantes foram gravadas e posteriormente transcritas. 25
Os estudantes foram identificados pelos seguintes códigos: (F ou M) conforme o sexo indicado;
seguido de número correspondente ao ano/série atual; (EPR) Escola privada, (EPU) Escola pública
para indicar a rede de ensino de que são provenientes; Acrescentado a estas o código de
qualificação da profissão dos pais do estudante, sendo (PU) professor universitário, (PEB) professor
da educação básica, (FPF) para funcionários públicos federais, (FPFM) para funcionários públicos
federais militar, (FPE) funcionários públicos estaduais e (PL) profissionais liberais; (ME)
Microempresário.
181
Como podemos perceber, para os estudantes, o termo Futuro está fortemente
relacionado à qualidade do ensino vivenciado no colégio. Novamente, a ideia do
CAp oferecer “algo a mais” que as demais instituições e ser sinônimo de garantia de
bom futuro para os estudantes justifica o desejo de frequentar o espaço.
Por estar a frente das demais instituições de ensino, o CAp garante aos
estudantes vantagens significativas em relação aos colegas vindos de outras
escolas. Estar a frente dos demais colégios não significa vivenciar ritmo acelerado
de estudos, antecipar conteúdos ou estabelecer um cronograma rígido, intenso e
conteudista. O “algo a mais” de que tanto falam pais e alunos diz respeito à
valorização do conhecimento por si só, negar o pragmatismo, que nos leva a
aprender para passar nas provas, mas aprender para desenvolver-se como ser
humano. A instituição parece despertar nas crianças o desejo de conhecer,
priorizando o estudo aprofundado, o questionamento e a pesquisa em detrimento da
superficialidade com a qual o conteúdo é tratado nas demais instituições públicas.
No entanto, as consequências de um ensino diferenciado refletem nos
resultados da instituição, que compõe um grupo de excelência, de destaque, um
grupo pronto para ocupar seu espaço no Ensino Superior. Apesar da proposta
pedagógica do colégio não priorizar a preparação para o vestibular, é inegável que
os estudantes concluem o ensino médio com condições para lograr êxito em
qualquer avaliação. O colégio aprovou, por anos, 100% de seus alunos em
Universidades Públicas. No ano de 2013, 80% dos 50 estudantes do último ano do
Ensino Médio foram aprovados na UFPE, a maioria em cursos prestigiosos, (04)
deles em Medicina, incluindo o 5º lugar geral, (08) em Direito e (11) em Engenharias.
Convém dizer que esses estudantes aprovados não frequentaram cursinhos
preparatórios (UFPE,2013)26.
Por construir junto aos estudantes autonomia e excelência intelectual, o
colégio é um espaço, no qual se vislumbra uma continuidade ou superação futura
das propriedades culturais da família. Um espaço, no qual aspirações são
construídas e realimentadas a cada êxito dos estudantes, a cada processo de
amadurecimento intelectual. Os núcleos de sentido do termo “Futuro” estão
26
Fonte:http://www.ufpe.br/agencia/index.php?option=com_content&view=article&id=45857:colegio-
de-aplicacao-tem-80-de-aprovacao-no-vestibular-2013-da-ufpe&catid=153&Itemid=72
182
articulados ao desejo de acesso dos estudantes ao Ensino Superior gratuito e, mais
que isso, garantia de vaga nos cursos de maior prestígio dessas universidades,
desejo que é compartilhado com seus pais. Nos trechos, a seguir, apresentamos
mais justificativas dos estudantes para a escolha do termo “Futuro”:
Porque ele proporciona mais... Vamos dizer... Ele tem uma rotina que quando você tiver no terceiro ano, você já vai ter ela pra estudar, pra talvez até passar em alguma Universidade e passar na Universidade e ser aplicado, você pode ter um bom futuro (F;6;EPR;FPF/PL).
Futuro, porque eu penso muito que... Estudando nessa escola, que hoje eu estudo é pra um dia eu ter um futuro ótimo, assim... Eu adoro pintar, essas coisas... Mas, minha mãe vive dizendo: - Você vai ser médica ou juíza. Aí eu fico pensando, eu quero realmente um emprego bom e a escola vai me ajudar nisso (F;8;EPR;PL). Eu acho que elas se interligam [ Qualidade e Futuro] . Porque, tipo... Quando eu passei no Aplicação eu realmente não estava a fim de ir e as vezes quando eu peço pra sair, minha mãe diz que o Aplicação tem muita qualidade, que vai me ajudar no futuro, pra eu passar na faculdade, que é o melhor, tem uma qualidade melhor que os outros Colégios aqui de Recife e que o ensino que eu tenho até o terceiro ano, muda muito meu ensino no futuro (F;7;EPR;FPF/PL). Porque os professores exigem muito, então pode se preparar pra uma Universidade. A gente já encontrou alguns alunos do Aplicação que foram para a Universidade e falaram que... Nós temos alguma coisa a mais que os outros estudantes não têm. Porque as regras que são prescritas nos trabalhos... você tem que fazer formatação certa, pesquisa e tudo mais...já lhe ajuda! [...] Eu quero fazer neuropsiquiatria. Eu acho muito interessante como o cérebro funciona e como o seu cérebro pode ser alterado por algum tipo de doença... Eu não sou uma pessoa muito sociável entendeu? Então trabalhar pesquisando é o meu sonho [risos] (F;9;EPU;PEB/ME)
Os sujeitos veem esta escola em conexão direta com a aprovação no
vestibular e, sobretudo, com uma carreira de prestígio social no futuro. Podemos
dizer até que a instituição assume papel central para o alcance dos anseios
profissionais. A vinculação à esfera federal faz da instituição referência nacional de
ensino, permite às crianças partilhar desde cedo dos valores deste espaço social:
gosto pela leitura, pesquisa, acesso à biblioteca, seminários e conhecimento da
rotina acadêmica. Mas, sobretudo, frequentar o CAp transforma cada vez mais as
condições objetivas desses estudantes em esperanças subjetivas. Os sujeitos
desejam os postos mais elevados no mercado de trabalho, não apenas porque
foram socializados para querer, mas, principalmente, porque essa socialização os
183
fez interiorizar valores, que os fazem crer que são capazes de consegui-los
(BOURDIEU, 2008).
A preocupação com a profissionalização e o vestibular pode ser explicada
pela valorização do grupo parece com o Ensino Superior e devido a situação de
aprovação dos ex-alunos em processos seletivos. Não podemos esquecer que o
grupo pesquisado é composto por filhos de pais que tem familiaridade com o Ensino
Superior, graduados, pós-graduados, mestres e doutores, funcionários públicos
federais, estaduais, profissionais liberais e professores da educação básica e do
Ensino Superior. Para os estudantes, o Ensino Superior não apenas é possível, mas
necessário.
A ideia predominante nas justificativas dos estudantes é que o CAp leva a um
futuro de sucesso. De acordo com Nogueira (2008), uma vez inseridos nos espaços
de prestígio, os estudantes se veem em condições de competição no vestibular e,
ainda, antecipam um sucesso futuro. Tudo se passa como se pertencer ao CAp
garantisse os melhores postos de trabalho, o privilegio de escolher o curso que
deseja e ingressar na universidade pública, a capacidade de obter sucesso em
concursos e seleções das quais participe. Tal entendimento gera expectativas, em
particular, entre os pais que cuidam da educação escolar dos filhos, acreditando que
ela é a responsável pelo seu êxito profissional e financeiro no futuro. O CAp é
representado, pelos estudantes nessa projeção de futuro possível e desejado.
5.3.2. Triagens Hierárquicas Sucessivas por pais
Nesta etapa do estudo contamos com a participação de vinte (20) pais do
Ensino Fundamental do CAp da UFPE. Nos mesmos termos dos estudantes,
selecionamos os participantes desta etapa de modo a considerar os seguintes
critérios: renda familiar, grau de instrução e profissões diferenciadas. Incluímos pais
de crianças ingressantes e de veteranos; pais com apenas uma criança
frequentando o colégio, duas ou mais, aqueles que submeteram mais de um dos
filhos, mas apenas um deles foi aprovado; os que optaram pelo cursinho e aqueles
que se valeram de outras estratégias de preparação para a seleção e famílias
residentes em diversos bairros da cidade do Recife e da RMR.
184
O grupo foi composto por pais que participaram da primeira fase (Técnica de
Associação Livre) e que se disponibilizaram a participar das demais etapas da
pesquisa. A partir dos protocolos, selecionamos aqueles pais que atendiam aos
critérios acima expostos e que se dispuseram a nos receber.
Compomos um grupo de sujeitos com diferentes níveis de formação: ensino
médio, ensino superior, especialização, mestrado e doutorado. Havia militares,
professores universitários e professores da educação básica, profissionais liberais
(arquiteto, advogados, médicos), funcionários públicos estaduais e federais. A renda
familiar do variava de R$ 2.000,00 a R$ 40.000 mil reais. Os bairros de residência
foram Boa Viagem, Piedade, Casa forte, Jaqueira, Madalena, Espinheiro, Iputinga,
Várzea, Cidade Universitária, Torrões, Estância, Jardim São Paulo e Jiquiá.
Como já mencionamos, participaram pais com apenas um filho matriculado no
colégio; aqueles que inscreveram mais de um no teste, mas só obtiveram a
aprovação de um deles e os que tiveram duas e três crianças aprovadas; compôs
também o nosso grupo pais ingressantes e veteranos, uns já haviam formado os
filhos mais velhos na instituição, que já estavam frequentando universidade ou
realizando cursos no exterior. Nosso grupo foi composto por pais de crianças
provenientes de colégios do prestígio da cidade do Recife e RMR (Ethos, Instituto
Capibaribe, Damas, Motivo, Santa Maria, Colégio Apoio, São Bento, Santa Emília)
colégio de menor porte (Visão, Dourado, Arco-Íris) e escolinhas de bairro (ETC e
Ana Cecília). Integraram, também, o grupo dois pais, que não inscreveram os filhos
em cursinhos preparatórios.
Segundo os mesmos procedimentos adotado com os estudantes, para a
realização das Triagens Hierárquicas Sucessivas foram apresentados aos sujeitos
seis termos em cartelas. Os termos que compuseram o conjunto a ser hierarquizado
pertenciam ao Núcleo Central e a primeira periferia evidenciados na estrutura da
representação do CAp, identificados na primeira fase deste estudo e apresentados
no quadro de quatro casas. Com o grupo de pais utilizamos os termos “Qualidade”,
“Futuro”, “Educação”, “Estudo”, “Pesquisa” e “Responsabilidade” foram postos
em cheque durante as triagens.
Na primeira rodada das hierarquizações, descartados dois termos,
permaneceram: “Qualidade” (100%), “Futuro” (95%) e “Educação” (95%). Termos
185
como “Pesquisa” (50%) e “Responsabilidade” (55%) tiveram permanência
considerável se considerarmos a frequência e OME obtidas na Associação Livre. O
termo de baixa frequência absoluta e relativa foi “Estudo” foi priorizado por apenas
dois destes pais.
Quando efetuamos uma comparação entre os resultados obtidos nesta etapa
por pais e estudantes, os termos “Futuro”, “Educação” e “Qualidade” também
foram bastante priorizados pelos estudantes na primeira rodada das triagens. No
entanto, diferente do ocorrido com os estudantes, na primeira rodada das triagens o
núcleo central permaneceu em destaque não sendo ofuscado pelos termos da
primeira periferia, como podemos perceber no Quadro 18.
Quadro 18. Distribuição dos termos que permaneceram na 1ª etapa das triagens hierárquicas sucessivas dos pais com as respectivas frequências
Na segunda rodada, o elemento “Qualidade” continuou com alta frequência
absoluta e relativa. Dos sujeitos participantes 90% reforçaram que este o termo era
mais representativo do objeto. “Futuro” (F=19; OME 2,421) que foi o elemento mais
evidenciado nas Triagens Hierárquicas Sucessivas com os estudantes e segundo
elemento mais importante do NC da estrutura representacional construída por pais,
teve a segunda maior frequência absoluta (f=11). Nenhum dos elementos foi
totalmente descartado na hierarquização nesse primeiro momento.
Qualidade” formou 18 duplas de palavras, sendo 09 destas com futuro.
“Futuro” formou nove duplas de palavras com qualidade, uma com responsabilidade
e outra com educação. Os indicadores de permanência estão apresentados no
Quadro 19 a seguir:
TERMO F %
QUALIDADE 18 90
FUTURO 11 55
EDUCAÇÃO 05 25
ESTUDO 02 10
PESQUISA 02 10
RESPONSABILIDADE 02 10
186
Quadro 19. Distribuição dos termos que permaneceram na 2ª etapa das triagens hierárquicas sucessivas dos pais com as respectivas frequências
Quando solicitados que escolhessem dentre os dois elementos aquele
considerado indispensável para se pensar o Colégio de Aplicação da UFPE, houve
uma estabilidade do termo “Qualidade”, que é um dos elementos constitutivos do
NC da representação social do CAp da UFPE. Os resultados dessa segunda fase
mostraram que, diferente dos estudantes, a centralidade da representação por pais
foi confirmada. De certa forma, a evidência de centralidade dos estudantes é
complementar a dos pais, se considerarmos que o termo que consideraram central
(Futuro) corresponde a um suposto elemento central na representação desses pais
e perpassa algumas de suas justificativas.
Quadro 20. Distribuição dos termos da 3ª etapa das triagens hierárquicas sucessivas
dos pais com as respectivas frequências
No Quadro 20, “Qualidade” foi eleita por 75% dos estudantes como a palavra
mais representativa. Os demais termos obtiveram baixa frequência relativa, como
TERMO F %
QUALIDADE 20 100
FUTURO 19 95
EDUCAÇÃO 19 95
ESTUDO 02 10
PESQUISA 10 50
RESPONSABILIDADE 11 55
TERMO f %
QUALIDADE 15 75
FUTURO 02 10
EDUCAÇÃO 02 10
ESTUDO 00 00
PESQUISA 00 00
RESPONSABILIDADE 01 05
187
“Futuro” (10%) “Educação” (10%) e “Responsabilidade” (05%). “Estudo” e
“Pesquisa” são descartadas totalmente, neste momento das Triagens. O que para
alguns pode parecer idealização de uma instituição, para estes pais são
características próprias do colégio centralizadas num só termo.
A confirmação do NC da representação foi expressa por 75% dos sujeitos
participantes. Quando questionados sobre a termo de maior valor simbólico na RS
do CAp da UFPE, os pais não tiveram dúvidas em apontar “Qualidade” e facilmente
justificavam sua escolha. Contudo, nas argumentações, há uma associação dos
termos “Qualidade” e “Futuro”, o que indica uma confirmação total do NC da
representação dos pais, composta por esses dois elementos. Além do mais, reforça
a ideia de que dos sentidos e significados atribuídos à instituição são compartilhados
por pais e estudantes, tendo em vista que “Futuro” foi o termo de maior valor
simbólico para esse segundo grupo. Eis alguns dos depoimentos dos pais que
corroboram com tais afirmações:
É...Porque o Colégio de Aplicação, eu vejo ele assim... É... Como um todo assim... O tipo de ensino que eles dão pros alunos. A maneira como eles abordam a matéria, os assuntos, os temas, “né”? É de uma maneira diferenciada, eles fazem o aluno pensar. Você observando as aulas que eles trazem pra casa, os slides, tudo... Eles dão o assunto, eles dão o conteúdo, eles cumprem com o que deve ser feito, mas só que de uma maneira diferente. Não é aquela coisa de o aluno ficar decorando não. Eles ensinam o aluno a pensar, e isso é o que eu classifico como uma educação de qualidade. Porque você não tem que decorar, você tem que aprender, pra você poder levar isso pra vida toda “né”? Pra você levar esses ensinamentos, esse conteúdo que você tem que ter ali, pra vida toda. E a partir disso aqui, a partir dessas duas (palavras escolhidas) como consequência você vai ter as outras (palavras não escolhidas). Eles têm a cobrança com relação as avaliações, aos trabalhos, tem as apresentações... A partir daí os alunos têm que cumprir “né”? com o tempo em que deve ser, a data em que deve ser entregue os trabalhos e isso faz com quê o aluno tenha responsabilidade. É... Se a gente tem uma educação de qualidade, o aluno vai ter um futuro, não é? A partir dessas duas [QUALIDADE, FUTURO] a gente tem como consequência essas outras que eu tirei (F; D; PU)
27
27
Os pais foram identificados pelos seguintes códigos: (F ou M) conforme o sexo indicado; seguido da
formação acadêmica: (EM) para Ensino Médio; (G) para Graduação; (E) especialização; (M) Mestrado; (D) Doutorado; (PHD) Pós-doutorado; Acrescentado a estas o código de qualificação da profissão destes, sendo (PU) professor universitário, (PEB) professor da educação básica, (FPF) para funcionários públicos federais, (FPFM) para funcionários públicos federais militar, (FPE) funcionários públicos estaduais e (PL) profissionais liberais; (ME) Microempresário.
188
Eu coloquei meu filho, fiquei muito satisfeita... Coloquei não, “né’? Ele passou (sorrir)... Aí a gente também investiu na outra pra entrar, porque... Dessa educação eu vejo que tem qualidade. Da forma do ensino, da maneira que eles comandam... Eu digo assim, pra entrar no Colégio de Aplicação, o aluno também tem que ser aplicado. Porque... É tipo a faculdade, é o tempo todo trabalho, pesquisa. Então, o aluno tem que procurar aprender. Inclusive a gente sempre escuta, porque não é só tirar nove, dez... Porque estudou o livro, respondeu a prova perfeita. E lá não tem isso, ele estimula o aluno a pensar... Vamos dizer: história- Tinha o assunto, mas dentro do conteúdo tinha uma frase... Uma frase de internet, de jornal, relacionado aquilo. Então, tem que a partir daquela frase, dentro do conteúdo fazer uma crítica, positiva ou negativa. Aí ela sentiu um pouquinho de dificuldade nisso, porque estava acostumada ao que tinha estudado no livro, só caia aquilo e as escolas são assim, mesmo dizendo que é construtivista, mas são. E lá, não. Se torna de qualidade por isso, porque faz com que o aluno procure “né”? Pesquise, procure aprender, pensar... (F;E;PEB)
Para as duas entrevistadas, uma pesquisadora e professora da UFPE e para
a professora (pesquisadora) da Educação Básica, o diferencial na instituição diz
respeito à forma de apresentação dos conteúdos; os estudantes são
constantemente estimulados em relação ao conhecimento, são desafiados o tempo
inteiro a analisar, questionar e avaliar as coisas que olham. Cumpre destacar que,
aliado às características da escola, a criança, chega preparada e apta para lidar com
uma quantidade considerável de informações, fazer associações e ligações
necessárias para ampliar o conhecimento, fatores que poderão levá-la à excelência
escolar.
Na associação dos termos “Qualidade” ao “Futuro”, um desencadeia o outro.
Estudar no CAp seria condição para ter o futuro desejado, desta forma os pais
empreendem os esforços necessários para acessar o colégio e garantir um futuro
de realizações para os filhos. Esse entendimento pode ser observado no trecho a
seguir:
Porque qualidade pra mim, já está dentro desse... Se você me perguntasse: O que seria a qualidade do Colégio? Aí seria: Pesquisa, ter responsabilidade. É o futuro da minha filha. O futuro dela dentro de um Colégio de qualidade. A qualidade é aquilo que eu lhe falei: quando você procura futuro, você procura primeiro qualidade. (M;E;FPFM)
Qualidade aparece como a ponta da lança da representação do objeto. O
termo está tão associado à instituição, que os pais a consideram como um termo
189
“autoexplicativo” ou “autoelucidativo” do que ali ocorre, do ensino vivenciado. Como
podemos perceber na justificativa de um dos pais:
Bem, é... Até mais ou menos auto... Como é que eu diria? Qualidade... Você aqui estuda e tem qualidade. Eu acho que são mais ou menos assim, autoexplicativas ou autoelucidativas. Porque quando eu penso em Aplicação eu penso em estudo de qualidade. Porque pesquisa e educação... Educação é muito de casa “né”? Porque tem gente que tem estudo, mas não tem educação. Veja quanta gente rica suja a rua aí, ou não considera o semelhante como tal, se acha melhor do que todo mundo... (M;G;FPF)
Assim como os estudantes, os pais estão a vislumbrar um futuro promissor
para seus filhos e acreditam que a “Qualidade” do ensino vivenciado no CAp
proporciona um futuro de possibilidades a essas crianças. Eis mais um dos
depoimentos:
Bom, primeiro eu penso que é a qualidade do ensino do Colégio. Independente de quaisquer outras falhas que existam, a qualidade da escola é um ponto muito forte do Colégio. E isso é que diz o futuro do universitário, do profissional, eu acho (F;E;PL)
Dentre os participantes desta etapa, apenas um tinha formação de Ensino
Médio, mas era funcionário público federal; cinco eram graduados; muitos deles
superavam este nível de escolaridade, sendo oito pós-graduados, cinco mestres e
dois doutores. A escolaridade e ocupação dos pais participantes sinalizam o padrão
sociocultural diferenciado da grande massa da população brasileira. Tais variáveis
contribuem para que os estudantes sejam “herdeiros” de uma cultura acadêmica, o
que indica que eles são socializados em meios culturalmente privilegiados. Para
Brandão (2003), os elevados níveis de escolarização e profissões de prestígio dos
pais, também, influenciam as escolhas e estratégias de escolarização de suas
crianças, conferem um sentido do jogo que dá sentido e direção à gestão escolar da
prole.
Em síntese, para os pais a “Qualidade” da instituição de ensino é o termo
de maior relevância na representação. No entanto, nas argumentações, os termos
“Qualidade” e “Futuro” aparecem com sentidos imbricados. No entendimento dos
pais, acessar o colégio de qualidade é condição primeira para alcançar o futuro
desejado. O colégio configura-se como instância produtora de sentidos
relacionados às perspectivas de futuro familiares.
190
Cumpre reafirmar que os resultados obtidos nas Triagens Hierárquicas
Sucessivas desta pesquisa alertam para o uso cuidadoso dos métodos
associativos e para a importância de utilização de técnicas complementares que
confirmem a centralidade dos termos. Abric (1994) apud Sá (1998), afirma que há
necessidade de realização de testes do núcleo central. O referido autor, ainda,
confere importância as entrevistas em profundidade, destacando que o
questionário de associação livre foi utilizado por muito tempo como principal
instrumento de levantamento das representações, mas, às entrevistas se
constituem métodos indispensáveis para qualquer estudo em RS.
Sobre o núcleo central das representações, Abric (2003) afirma que dois ou
mais grupos apenas terão representações iguais de determinado objeto se
partilharem o mesmo núcleo central. Desta forma, núcleos centrais diferentes
indicam representações diferentes do objeto. Nesta fase do estudo, detectamos RS
diferentes, porém complementares. O discurso de pais e estudantes acerca do
objeto em análise se complementa, indicando o compartilhamento de sentidos e
significados sobre o CAp da UFPE, como veremos de forma mais aprofundada no
capitulo a seguir.
191
5.4. Os sentidos compartilhados sobre o CAp da UFPE por pais e
estudantes
5.4.1. Buscando Sentidos: Representações Sociais e a noção de Habitus
Os sentidos compartilhados pelos pais e alunos indicam o CAp da UFPE
como sinônimo de qualidade e futuro. A busca pelo ensino de excelência está
relacionada às perspectivas de futuro das famílias para suas crianças, algo que,
também, é interiorizado por elas.
O desejo de pertencer à instituição de prestígio mobilizou pais e filhos, fazendo-
os empreender os esforços necessários à aprovação na seleção de ingresso. Essas
estratégias são empreendidas para tal fim, como é o caso dos cursinhos
preparatórios, definição de horários de estudo, direcionados à antecipação da
matéria e resolução de provas anteriores, no intuito de reduzir uma possível
desvantagem da criança frente aos demais concorrentes, para familiarizá-la com o
estilo da prova e garantir seu êxito. Essas estratégias são de mobilização das
disposições interiorizadas, na trajetória escolar e familiar do estudante, portanto, não
são conscientes ou intencionais, pois são aprendizagens práticas, decorrentes da
bagagem cultural e social familiar. As visitas a museus, viagens, escolas de
prestígios, cursos de línguas ,viagens, socialização, relação com as redes familiares
e de amizade são práticas costumeiras e naturais do grupo, que são eficazes e
favoráveis à escolarização das crianças, pois permitem uma maior familiaridade com
o universo letrado.
Durante toda a pesquisa e, de forma mais apurada, na etapa das entrevistas,
conseguimos capturar as afinidades entre a cultura escolar e capital cultural dos
estudantes, no sentido expresso por Pierre Bourdieu. No processo de decisão para
submeter o filho à seleção de ingresso e na sua preparação, são mobilizados
diversos capitais [social, cultural, escolar, econômico] e disposições cultivadas. Tais
mobilizações nem sempre são racionais ou intencionais, pois conforme Bourdieu
(2009) nesses casos, o senso prático é prontamente acionado. Esse mesmo senso
prático é utilizado para avaliar e classificar o mundo em que vivemos. Daí
192
estabelecermos uma relação estreita entre as RS, as práticas do grupo e a noção de
habitus de Pierre Bourdieu.
O material recolhido com as entrevistas nos aproximou, ainda mais, do objeto
simbólico, crenças, atitudes e percepções do grupo, além de nos possibilitar traçar
um perfil da configuração familiar dos sujeitos e reconstituir as condições objetivas
das famílias do CAP da UFPE que explicam, em parte, a aptidão dos filhos, a
escolha da instituição e os sentidos e significados atribuídos ao objeto estudado.
Com os depoimentos captados com as entrevistas, conseguimos aprofundar
os sentidos anteriormente delineados e capturar o material simbólico ainda não
acessado, momento no geral trajetórias e lembranças foram mobilizadas
reconstituindo o percurso de cada um deles para compreender quais práticas são
orientadas pelo habitus do grupo e pela representação que estes possuem do objeto
em foco. As entrevistas possibilitaram, também presentes nas práticas, escolhas,
socializações, mobilizações, desejos e perspectivas futuras dos sujeitos da
pesquisa.
É inegável o valor simbólico que a instituição possui para os sujeitos
pesquisados. A imagem de excelência do CAp da UFPE é compartilhada por todos
os entrevistados e revela as perspectivas de futuro de pais e estudantes que optam
por frequentar a instituição. Pertencer ao grupo seleto de estudantes, do Colégio de
Aplicação dá a esses sujeitos uma margem de segurança de sucesso futuro e
realização profissional. Significa acessar o melhor ensino, obter uma excelente base
educacional e estar em condições de ocupar os cursos mais disputados das
Universidades públicas, pleitear cargos públicos e posições privilegiadas no
mercado de trabalho. A vivência na instituição permuta uma experiência educativa
marcada pela individualização das aprendizagens, possibilitando aos estudantes
desenvolver-se em todas as suas potencialidades e construir uma relação positiva
[investigativa, crítica e criativa] com o conhecimento.
A sistematização e reflexão que intentamos realizar, neste momento do texto,
não está isenta das impressões do processo de coleta, transcrições das entrevistas
e de etapas anteriores. Ao contrário, a interpretação dos resultados, mesmo que de
forma preliminar, foi sendo produzida desde nossa entrada em campo e em cada
contato com o grupo participante. Na medida em que apresentamos e analisamos os
193
trechos imbuídos de aspirações, estamos considerando o conjunto de recursos
sociais e culturais incorporados, as distinções de gosto, atitudes, estratégias,
práticas, maneiras de ser e de estar no mundo, o habitus.
Como dito anteriormente, o senso prático orienta certo porvir, que se
desdobra em possibilidades, “chances” e esperanças subjetivas [aspirações,
motivações, mobilizações]. Vale reafirmar, que partimos do pressuposto de que as
escolhas dessas famílias pelo CAp da UFPE não eram aleatórias, mas orientadas
por um habitus comum ao grupo e relacionadas as perspectivas de futuro dessas
famílias. A partir noção de habitus,consideramos cada estudante do CAp como
detentor de disposições sociais de ordem prática, produto de incorporações
objetivas, materiais e também simbólicas. Entendemos que tais disposições estão
organizando as percepções de mundo social desses sujeitos. O foco de análise
não é o habitus do grupo, mas as representações sociais que pais e estudantes
construíram do CAp-UFPE, no entanto, insistimos em respaldar nossas
interpretações nas disposições incorporadas destes estudantes, pois se anularmos o
entendimento de que o senso é prático orientador das ações do grupo, anulamos,
também, a análise sociológica dessa representação. Tal fator não pode ser negado,
tendo em vista que o acesso a instituição funciona como um “filtro” sociocultural.
Assim, acessar o habitus do grupo é primordial para o entendermos quem chega,
como chega e porque chega à instituição; que valores atribui ao CAp da UFPE,
como esse grupo o representa.
5.4.2. Caracterização familiar dos estudantes do CAp da UFPE: Sobre a
construção progressiva de práticas, sentidos e disposições duráveis e
favoráveis a escolarização
Neste item, realizamos um passeio pelos percursos escolares e profissionais
dos pais e da família extensa dos estudantes, atentando para sua socialização
primária no âmbito doméstico e nas demais instâncias de socialização, que
participaram [educativas, religiosas, sociais]. Especialmente, focamos nos habitus
familiares distribuídos em capital linguístico, social, cultural e econômico. Sem a
194
pretensão de realizar uma caracterização aprofundada dos percursos individuais,
realizamos um apanhado geral de características comuns aos sujeitos pesquisados.
Pensamos ser este o momento de apreender os recursos sociais e culturais
das famílias que frequentam o CAp e constroem a Representação do Colégio.
Juntamente com a panorâmica familiar, lançamos um olhar sobre a trajetória escolar
das crianças até o momento da seleção de ingresso, atentando para a composição
diferenciada deste grupo de estudantes de Escola Pública. Nossa observação
procurou apreender os costumes e práticas dessas famílias, os valores e o senso
estratégico, quase imperceptível ao portador e ao observador por aparentar ser fruto
de hereditariedade. De certa forma tal “herança” é legada aos descendentes, mas
está longe de ser biológica.
5.4.2.1. Processos de Socialização e percursos escolares e profissionais dos
pais
Os relatos dos pais e estudantes demonstram uma variedade de práticas
culturais que ocorrem na família, na escola e nos demais espaços de socialização
em que estes transitaram. Tais práticas se mostram mais frequentes nos ambientes
domésticos, tornam-se costumeiras e naturais ao grupo, perdendo qualquer tom de
aprendizagem sistemática.
A gente morou um tempo na casa de minha avó e meu tio tinha uma biblioteca. Meu tio era muito intelectual assim... E ele tinha uma biblioteca na casa e aquilo me impressionava assim... Mas era muito livro de política, de socialismo... Coisa assim que eu não entendia muito bem. De medicina... Mas eu achava bacana aqueles livros. Mas aí eu comecei a ler “né”? Viriato Correia, Monteiro Lobato, Machado de Assis... O que caia na mão eu lia! E tinha uma revistinha na época chamada Círculo do Livro, Então a gente comprava aquelas revistas através... O livro através daquela revista “né”? Não se tinha assim... O hábito de se ir a livraria, mas a gente comprava sempre na revista, nem que fosse o livro de promoção do mês “né”? Mas sempre comprava alguma coisa
28 (F;D;PU).
28
Os pais foram identificados pelos seguintes códigos: (F ou M) conforme o sexo indicado; seguido da
formação acadêmica: (EM) para Ensino Médio; (G) para Graduação; (E) especialização; (M) Mestrado; (D) Doutorado; (PHD) Pós-doutorado; Acrescentado a estas o código de qualificação da profissão destes, sendo (PU) professor universitário, (PEB) professor da educação básica, (FPF) para funcionários públicos federais, (FPFM) para funcionários públicos federais militar, (FPE) funcionários públicos estaduais e (PL) profissionais liberais; (ME) Microempresário.
195
Perdi as contas do quanto viajamos quando eu era criança. Todas as férias...duas vezes por ano, nas férias e nas viagens de final de ano. Meu pai, minha mãe, meus irmãos e eu... Brasil e exterior... viajei muito e a sensação é de sempre ter conhecido tudo (risos) (M; D; FPF) Éramos três irmãos, todos nós estudávamos no Damas. Meu pai era bancário, minha mãe professora primária... Todos amantes da leitura. Meu pai recebia bronca no trabalho por ler em serviço- já pensou? (risos) Hoje as pessoas acessam face e twitter e está tudo certo... A leitura me acompanhou, cresci com isso. Não lembro de época em que não se lia em casa... penso que líamos todos os dias, estávamos sempre em meio a livros, a cultura, a arte. Meus tios nos visitavam bastante, todo final de semana iam até nossa casa... Tia Cecília era médica, o tio João trabalhava na rádio, nos visitavam pois papai organizava o campeonato de Xadrez, eles vinham com as famílias, os primos, os amigos da família... Meu pai vencia a maioria dos campeonatos (risos). Meu pai tinha duas paixões, o Xadrez e o jornal... O jornal era o companheiro do café da manhã de meu pai, ele lia alto, todos na mesa liam junto, mesmo que não quiséssemos estávamos a par de todas as notícias... E isso se tornou um hábito nosso de todas as manhãs como os encontros de Xadrez com os parentes e amigos aos sábados. Eu não lembro a primeira vez que meu pai leu para nós, acho que ele sempre lia... Meus filhos... Minha família é a continuidade disso, entende? Eu trago um pouco dos meus pais em mim, na educação de meus filhos (M; M;PL ).
Os três depoimentos revelam que estamos diante de um grupo diferenciado
de pais de escola pública em termos de bagagem cultural. Os bens culturais que
quando criança tiveram acesso ao residir na casa da tio, as viagens realizadas com
a família para conhecer diversos lugares do Brasil e no exterior e as práticas
familiares de leitura e ganhos simbólicos na relação com a família e amigos são
alguns dos exemplos dos capitais acumulados por este grupo, que constitui o
patrimônio familiar a ser repassado.
No último depoimento, o entrevistado estava tão ajustado à prática de leitura
do pai, que a percebia como natural, sentido revelado no trecho “A leitura me
acompanhou, cresci com isso. Não lembro de época em que não se lia em casa...
penso que líamos todos os dias, estávamos sempre em meio a livros, a cultura, a
arte[...] Eu não lembro a primeira vez que meu pai leu para nós, acho que ele
sempre lia”. Esse entrevistado estava rodeado do que Bourdieu chama de
“propriedades” culturais e sociais, por exemplo: literatura, leituras diárias de jornais,
campeonato de Xadrez, que envolvia a família extensa (tia médica, tio radialista) e
amigos. Tais práticas parecem ter sido internalizadas pelo sujeito, que tende a
reproduzi-las com os seus, com a sua família, sem nem ao menos ter consciência de
porque o faz, como fica evidenciado no trecho “Meus filhos... minha família é a
196
continuidade disso, entende? Eu trago um pouco dos meus pais em mim, na
educação de meus filhos”
Os sujeitos citam, ainda, práticas familiares de acompanhamento de sua vida
escolar por parte dos pais. Tais condutas são expressões de um habitus familiar,
que valoriza a escolarização, exercendo um acompanhamento da aprendizagem do
estudante.
Na minha casa todos frequentavam a igreja e lá as pessoas tinham uma vida organizada, de invejar... Inveja branca, sabe? A minha família era invejada no bairro porque não passávamos o dia na rua brincando livremente com os demais, tínhamos horários, uma rotina organizada mesmo... Papai não descuidava dos nossos estudos e devo muito do que tenho hoje a esse cuidado dele com a minha educação, com a educação de meus irmãos. Ele era da Marinha, chegava em casa todas as noites, final da tarde... Sentava com os filhos para saber das atividades escolares, para tomar a lição do dia, a tabuada, propor questões de raciocínio lógico, brincar de adivinhações, ler, conversar, nos acompanhar. Nesse momento minha mãe descansava porque ao longo do dia essa tarefa era dela (F; D; PL).
A socialização ocorrida na família, na igreja e com os parentes próximos
parece instaurar, no grupo práticas, favoráveis à escolarização das crianças. Para
Nogueira (2008), os pais usam de diversos recursos para otimizar o capital escolar e
o rendimento dos filhos. O acompanhamento escolar, as tomadas de lição, o
momento de atividades extraescolares, que o pai realizava diariamente, práticas que
complementam ou antecipam a ação escolar revelam essa otimização.
Destacaram-se, nos relatos dos pais e dos estudantes, recordações de um
percurso escolar linear e permeado de sucessos sucessivos. As escolarizações
ocorriam, na maior parte, na rede privada de ensino e estabelecimentos prestigiosos
(05), alguns casos em instituições públicas federais (04), incluindo as escolas
mantidas por empresas, ligadas ao governo federal como as Escolas da Chesf e
uma delas em escola pública estadual. Eis o que dizem os sujeitos sobre os
estabelecimentos escolares frequentados:
Eu sempre estudei em Escola Pública. Eu estudei em Escola Pública e depois fiz o que hoje em dia é o IFPE, “né”? Na época era Escola Técnica Federal da Bahia, aí... Eu não pensava em fazer Universidade. Aí um amigo foi que me falou que tinha que fazer, que era importante fazer e tal... E aí eu fui estudar em São Paulo... Fiz o vestibular e entrei na Universidade Federal de São Carlos no curso de Química. Depois fiz Pós-graduação também por lá... Fiz o pós-doc. Trabalhei um tempo por lá, porque na época que eu me formei não abria concurso, era na época do governo de Fernando Henrique. Aí depois, em 2004 fiz o concurso aqui, em 2005 eles me chamaram. Aí nós viemos pra cá (F;D;PU)
197
Eu iniciei em escola privada, era um colégio de bairro, no IPSEP. Depois, como todos os meus irmãos tiveram formação no Santos Dumont, que é uma escola pública, né? Eu fui e passei seis meses no colégio, porque eu estava além do que se estava dando lá, na época. Apesar de eu ter chegado na classe equivalente, eu estava muito, muito além. Aí meu pai disse: - Olha, você vai ficar desestimulada. Aí me tirou e eu perdi realmente um ano. Poderia ter tido... Poderia ter feito vestibular já com dezesseis anos de idade e eu fiz com dezessete... dezessete pra dezoito anos. Depois, então... Eu fui pra colégio particular e toda minha formação então, foi em colégio particular ( F;E;PL) Eu tinha direito a escolas da CHESF, porque a gente morava no interior e meu pai era funcionário da CHESF. Então, eu tinha direito a essas escolas, que eram escolas de qualidade e sem pagar... Estilo um Aplicação. Meu marido também estudou... Ele estudou numa escola da CHESF e depois fizemos faculdade... Federal, os dois! Ele em Campina Grande e eu aqui. Eu só me formei depois que casei, ele já tinha se formado antes. (F;M;PB)
Como já dissemos antes, os níveis de escolarização dos pais é elevado. Dos
entrevistados dois são doutores, três mestres, três pós-graduados, um graduado e
um graduando. Destes quatro são Funcionários Públicos Federais, dois Professores
Universitários, um Militar, um Médico, uma Professora da Educação Básica-
funcionária estadual e (01) Auxiliar de Desenvolvimento Infantil- funcionária
municipal. Eles entendem que seus percursos escolares e profissionais foram
exitosos graças a valorização e incentivo dos pais:
Mamãe era nossa maior incentivadora. Se virava a pobrezinha... Ela corria pra lá e pra cá... leva pra escola, busca na escola, leva pra aula de música, pro clube... Ela trabalhava fora, quando voltava do trabalho, exausta, corria para nos auxiliar nas atividades escolares. Meu pai viajava muito, não tinha tanto tempo para nos acompanhar... Mãe fazia isso, o trabalho diário e tudo mais. E hoje, eu e meus irmãos, nossos êxitos acadêmicos e profissionais devemos ao empenho da nossa mãe... (F; M; FPF)
O nível de instrução dos pais, avós, da família restrita e extensa, também,
chama a atenção no discurso dos entrevistados. Um deles atribui à formação e à
ocupação dos pais o sucesso de seu percurso escolar.
Mamãe e papai nos criaram investindo tudo que tinham, nos deram o que podiam, mas muito mais que condições econômicas para custear nossos estudos nas melhores instituições privadas da região tínhamos condições de frequentar a melhor instituição pública. Mamãe era professora universitária, Gisele... o espaço universitário não nos era distante, ao contrário era nossa própria casa. O fato dela ser professora da UFPE foi um empurrão, penso eu. (M;M;PL)
198
Nascido em uma família de classe média, José era o mais velho de três
irmãos e o primeiro a ser aprovado na seleção de ingresso do colégio. Filho de uma
professora universitária e de um médico, ele fez questão de reforçar que o fato da
mãe ser professora universitária e a confortável situação econômica da família
favoreceram seu ingresso dele e dos irmãos na instituição.
No total, os sujeitos citaram pais, irmãos e parentes próximos com as
seguintes profissões: oito médicos, seis Professores Universitários, seis
Funcionários Públicos Federais, cinco advogados, quatro Militares, três Empresários
dois Jornalistas, dois professores de Educação Básica, dois Bancários, um Auditor
Fiscal, um Promotor, um Engenheiro, um Contador, um radialista, um Comerciante.
Meu pai era formado em contabilidade, “né”? Trabalhava em empresas. Trabalhou na Orthe Martins, depois trabalhou numa empresa chamada Alfa, em Salvador, porque nós morávamos lá.... O pai do Fernando era representante comercial e a mãe dele era professora (F;D; PU). Minha mãe teve o técnico de contabilidade, que é... As mulheres naquela época não tinha faculdade pra elas, não é? Então ela fez o colégio... A parte do técnico de contabilidade. E meu pai... Ele atuou na área de educação física e ensinando na Universidade Federal e na Escola Técnica. Inclusive ele é o fundador do curso na escola técnica, que era no Derby... Ele é um dos fundadores do curso de Educação Física (F; E; PL). Minha mãe era professora universitária, meu pai pesquisador. Ele trabalhava num instituto de pesquisa... Não recordo o nome agora... Meus avôs também eram professores. Meus irmãos são formados em Direito, um deles é promotor, mas não atua no nosso estado. Na nossa família todos estão organizados financeiramente porque tiveram percursos escolares ajustados também... Os irmãos, os primos... Eu sou formada em jornalismo, mas trabalho como Funcionária Pública há seis anos (F; E; PL). Sou filha de médicos, sobrinha de médicos (risos)... não tinha como fugir da medicina (F; M; PL). O avô dela, por parte da minha esposa, era... Trabalhava em rádio e tal, mas ele trabalhava com publicidade. Fazia, vendia as propagandas dos rádios, trabalhava na rua, no comércio, vendendo. Era publicitário, vendia... A mãe dela era dona de casa. Então, ele era publicitário, trabalhava em rádio e ela dona de casa. O meu pai tinha uma firma de fazer... Faz janelas de alumínio, trabalha com ferragem, tipo uma serralheria, só que bem grande... Tem dez empregados, uma coisa maior, tem dois galpões. Antes ele era marceneiro, trabalhava numa fábrica de marcenaria, depois montou esse serralheria e foi crescendo e tem até hoje. E a minha mãe ela é doméstica também. Por parte da mãe o avô é publicitário e meu pai empresário ( M; E; M). Meus pais eram funcionários públicos federal... Meus irmãos são funcionários públicos, todos os três ( F; E; FPF).
199
O meu pai é militar e a minha mãe, antes de... Eu acho que até uns dois anos de idade, ou um ano que eu tinha, ela era “instrumentadora” cirúrgica. Só que ela teve que parar pra cuidar de mim e do meu irmão. Aí, agora ela é dona de casa (F; 6; EPR; FPFM/PL)
29.
Os espaços de socialização não se restringiam aos escolares e familiares, os
pais e estudantes citaram igrejas, clubes, conservatórios de música como
experiências que, de certa forma, somaram-se ao percurso escolar.
Os bairros de residência na infância, em sua maioria, eram na cidade do
Recife: Bairros Centrais (01), na Zona Norte (05) ou Sul da cidade (02). Dois (02)
desses sujeitos residiam no sudeste do país, Rio de Janeiro e São Paulo.
Atualmente esses pais residem nas seguintes localidades: Zona Norte (05) Bairros
de Casa Forte, Espinheiro, Madalena, Jaqueira; Zona Sul (02), bairros de Piedade e
Boa Viagem; Várzea e Cidade Universitária (02) e Periferia da Cidade do Recife
(01), bairro do Jiquiá. Estes bairros dizem dos espaços em que os sujeitos transitam,
da vizinhança e da possível rede de amizades e estabelecimentos a frequentar. Para
Bourdieu (1998) as relações de vizinhança podem ser produto de estratégias de
investimento social consciente ou inconsciente, orientadas para a reprodução das
relações sociais diretamente utilizáveis a curto ou em longo prazo. Os trechos a
seguir trazem essa relação de bairros de residência e espaços de socialização e da
rede de amizades que vão se construindo:
Por minha parte devido a eu ser militar, a gente tem alguns casais que frequentam aqui. Morávamos na vila militar... Devido a minha profissão a gente tem amigos... E eu tinha também amigos na época em que eu morava na vila, também tinha outros amigos. E aqui... A gente esta aqui a pouco tempo, mas já tem as amizades aqui... Tem os nossos vizinhos aqui de baixo, que a gente já fez até algumas confraternizações. Então, nessa área aqui a gente esta criando amizade. Mas a gente tem muito amigo, mais por parte da minha profissão. A maioria dos meus amigos são militares, tirando os parentes né? ( M; E; FPFM) Geralmente pessoas do trabalho que também não são de Recife. Professores da universidade... E assim... pessoas de Recife que a gente
29
Os estudantes foram identificados pelos seguintes códigos: (F ou M) conforme o sexo indicado;
seguido de número correspondente ao ano/série atual; (EPR) Escola privada, (EPU) Escola pública para indicar a rede de ensino de que são provenientes; Acrescentado a estas o código de qualificação da profissão dos pais do estudante, sendo (PU) professor universitário, (PEB) professor da educação básica, (FPF) para funcionários públicos federais, (FPFM) para funcionários públicos federais militar, (FPE) funcionários públicos estaduais e (PL) profissionais liberais; (ME) Microempresário.
200
tem mais amizade, geralmente são daqui, são os nossos vizinhos. Nossos vizinhos são pessoas muitos legais, muito agradáveis... A gente tem muita amizade na vizinhança ( F; D; PU) Nossos amigos são os outros pais do CAp... Um deles é médico, tem um jornalista... os pais do Lucas são professores... A gente vai ampliando essa rede de amizade, estreitando os laços... Tem os meus amigos do CAp... os vizinhos do prédio... Aqui no prédio somos três médicos, a conversa flui, não tem como não se aproximar, o papo flui... (M; M; PL)
O nível de escolaridade dos pais, os bairros de residência, os espaços de
socialização e os vínculos sociais estabelecidos são, conforme Bourdieu (2010),
indicadores que permitem situar o nível cultural da família, embora sozinhos não
informem sobre o conteúdo da herança e/ou via de transmissão. Alguns destes
percursos serão tratados para apreensão de um possível habitus familiar favorável a
educação.
5.4.2.2. Processo de Socialização e percursos escolares dos estudantes
Das dez crianças entrevistadas, apenas, uma era proveniente de escola
pública e outra de escola privada de bairro. Aquela que havia frequentado escola
pública é filha de professora e de um microempresário, a de escola de bairro é filha
de uma Auxiliar de Desenvolvimento Infantil (ADI) e de um Engenheiro da Petrobrás.
As demais (08) haviam frequentado estabelecimentos de ensino da rede privada de
prestígio, colégios de renome e tradicionais na cidade. Estas crianças foram e
continuam sendo socializadas em ambientes otimizados, espaços providos de
recursos materiais, sociais ou simbólicos, que as credenciais escolares, o capital
cultural da família e as profissões dos pais, de certa forma, tornam possível.
Dos estudantes (06) possuem pais mestres ou doutores, (02) pais com
especialização, e uma tem pai graduado e outra tem pais cursando a graduação. Um
aspecto que chama atenção são as prestigiosas profissões dos pais: médicos,
advogados, arquitetos, professores universitários, professores da educação básica,
instrumentador cirúrgico, militar, empresários, funcionários públicos federais e
estaduais.
O grupo é composto por uma clientela envolvida em práticas culturais
constantes. Todos os estudantes citaram que frequentam (mais de quatro vezes ao
mês) livrarias, cinemas, praticam leituras de jornais, livros e revistas informativas.
201
Sete dos estudantes revelaram que vão ao teatro, museus, exposições, shows de
música, eventos públicos e viagens, pelo menos, uma vez ao mês. Cinco deles
citaram frequentar eventos eruditos como ópera, Ballet e musicais quando têm
oportunidade, na cidade que vivem ou quando viajam.
Quando tem espetáculos de dança, musicais, ópera e concertos nós vamos. Não é sempre que tem também. Meus pais falam que a oferta não é legal aqui em Recife... Em São Paulo sempre tem. Digo não é todo mês que tem aqui... Cinema por exemplo sempre tem lançamentos e se quisermos vamos umas quatro vezes ao mês... Mas esses espetáculos não... tem que ver a qualidade também... Mas sempre que tem e nos interessa nós vamos(F; 7; EPR; PU) . Geralmente a gente vai no shopping, pega um cinema. Vai no... Livrarias “né”? Paço Alfândega ou na Saraiva. É... Se vai no shopping tem que ir na livraria, tem que ficar lá uma hora na livraria, a moça vendo e revendo tudo lá ( F; D; PU). Eu acho que eu sou a pessoal que talvez incentive mais, porque o pai, apesar de gostar de ler, ele não é muito sensível a livros, ele costuma ler mais revistas, jornais... Eu sim, eu gosto de ler... Eu sempre fui estimulada por meu pai e eu acho que ela pegou um pouco essa veia de mim. Sempre que ela ia pra shoppings a primeira coisa eu ela pedia era: - Mainha deixa eu ir na livraria?Sempre, desde pequena. E até hoje ela é assim, quando a gente chega no shopping ela pede logo: - Vamos pra Cultura? Sempre ela pede pra ir, todo mês a gente estar comprando livro pra ela... Quatro, cinco livros ( F; E; PL). Eu acho que a gente não tem uma oferta muito boa de espetáculos. Que nem agora na viagem a gente assistiu o Fantasma da Opera, na Broadway. Nunca imaginei que fosse fazer isso na minha vida, mas... Tá aí. Fantástico! Camila acompanhou o tempo inteiro também, gostou. E, é... basicamente isso que a gente faz. Quando dá a gente se programa e faz uma viajem como a gente fez agora de férias, aí saí um pouco daqui , aí vai conhecer outras coisas. Mas o nosso final de semana é basicamente... Ou sai a noite, pega um cinema, vai no teatro quando tem alguma coisa pra ver, ou vai durante o dia no shopping, passeia, vai ver umas coisas ( F; D; PU).
Conheço vários países... Estados Unidos, que eu fui agora. Europa... França, Espanha, Itália e Inglaterra. Um pouco da Suíça, Argentina e Uruguai. Foram viagens de férias..E aí também conhecemos alguns museus: O Louvre, em Paris. O Museu de História natural, na Florida... Não! Nova York. É... Deixa eu ver... A gente vai assim, os nomes eu não lembro, mas a gente vai... Se tem, assim, a gente vai ( F; 7; EPR; PU).
Os trechos revelam que as atividades culturais e o acesso a práticas da “alta
cultura” são próprios desse grupo. As viagens realizadas nas férias, no suposto
tempo livre, são utilizadas para acumular propriedades sociais. As famílias tendem a
converter as propriedades sociais em capital social (BOURDIEU, 1989). Há um
acúmulo de capital linguístico, cultural, social e simbólico nas práticas de nosso
202
grupo. O que definem a forma de vida dessas famílias. Expresso em forma de
capitais, o habitus do grupo começa a se delinear e a sinalizar gostos, maneiras de
ser, agir, estar no mundo e pensá-lo.
Merecem destaque as redes de ensino e os estabelecimentos frequentados
por esses estudantes antes de ingressarem no CAp da UFPE. Embora uma das
estudantes frequentasse escola privada de bairro, a garota acrescenta no seu
depoimento que a família se valia de estratégias extras para diminuir suas possíveis
desvantagens escolares:
Olha eu estudava no Ana Cecília, um colégio de bairro... aqui perto! Mas eu fazia inglês também e aulas extras, cursinho...(F; 7; EPR; FPF)
Como dito anteriormente boa parte dos entrevistados, dezessete (08
entrevistados e 09 filhos de entrevistados) eram provenientes de colégios
tradicionais e prestigiosos da cidade, frequentados pela classe média e classe média
alta da cidade, instituições renomadas, nas quais são cobradas altas mensalidades
escolares. Tais escolas carregam um status de escolas de qualidade, atraem um
perfil de famílias possuidoras de elevado capital cultural e, por vezes, econômico. A
Referência a esses estabelecimentos aparece nos trechos dos entrevistados:
Bom, ela estudava no Instituto Capibaribe, caso não fosse aprovada no CAp continuaria no instituto até concluir o ensino fundamental ( F; M; FPF) . No Damas. Todos os três estudaram no Damas. Minha família tem cadeira cativa na instituição (M; M; PL). Estávamos definindo isso... Possivelmente o Equipe... não tínhamos nada fechado. Ela estudava no Ethos, as amiguinhas iriam para o Equipe e ela queria acompanhar. Moramos em Casa Forte, estávamos nesse impasse... (F; M; PL) Eu estudava no Arco-Íris, antes dele eu frequentei uma creche na Universidade de São Paulo (F; 7; EPR; PU)
A filha de professores universitários frequentou a creche da USP, quando lá
residiam, o que de acordo com os pais, despertou o desejo de submetê-la ao exame
de seleção para o Colégio de Aplicação. Alegaram que a experiência na USP de
almoçar todos os dias com a família e poder acompanhar a filha nas atividades
203
diárias era muito gratificante. Ao ingressarem na UFPE, não quiseram abrir mão
deste privilégio.
Em resumo, a escola atrai um perfil de estudantes bem-sucedido
provenientes das camadas médias intelectualizadas. Em sua maioria, o grupo é
composto por filhos de professores universitários e servidores públicos, pais com
elevada escolaridade, tendo a maioria diplomas de especialistas, mestres e
doutores. A composição do grupo explica, em parte, a excelência da instituição. O
mérito da excelência não pode ser creditado, unicamente, a escola, mas advém da
união de diversos fatores favoráveis à escolarização. A instituição federal de ensino,
a titulação de seus profissionais, os métodos de ensino e a ambiência universitária
aliados as características do grupo, que acessa escolas de excelência são fatores
determinantes dos êxitos escolares e do prestigio institucional.
5.4.3. Sentidos compartilhados sobre o Colégio de Aplicação da UFPE
Dos depoimentos resultantes das entrevistas realizadas com pais (10) e
estudantes (10) emergiram três categorias, a saber: “O CAp como instituição de
Excelência”, “O CAp como instituição que preza pela formação integral
[desenvolvimento das potencialidades individuais, aprendizagem
individualizada] e humanização do sujeito” e “ O CAp como trampolim para a
realização pessoal, profissional e sucesso futuro dos estudantes”. Ressaltamos
que essas categorias são interdependentes e tecem a rede simbólica, que perpassa
o objeto estudado. Desta forma, nenhuma categoria deve ser tomada de forma
isolada.
5.4.3.1. “O CAp como instituição de Excelência”
Nos depoimentos dos pais e estudantes o CAp da UFPE, aparece como
instituição pública bem sucedida, com propostas inovadores e diferenciadas. Para os
sujeitos, o fato de ocupar lugar privilegiado na hierarquia escolar estadual e nacional
confere ao CAp-UFPE o título de instituição de excelência. “Um colégio público de
qualidade” que deveria servir de modelo às demais instituições públicas de ensino.
204
Conforme os participantes, instituição de qualidade é aquela que consegue reunir
recursos humanos qualificados, construir uma proposta educacional desafiadora e
diferenciada em “currículo, programas, metodologias, normas e atos concretos do
dia a dia escolar”; trata os alunos em sua individualidade, permite que estes
vivenciem processos educacionais integrais e, como consequência, obtenham
resultados exitosos. O atributo qualidade, de difícil conceitualização, aparece como
desencadeador de excelência escolar.
Apesar de ter sido um termo pouco evocado na primeira fase da pesquisa
“excelência” aparece no discurso dos nossos sujeitos com bastante ênfase no
momento da entrevista. Esse termo precede qualquer explicação acerca dos fatores
que diferenciam o CAp-UFPE das demais instituições de ensino públicas e privadas.
A excelência é o principal termo do discurso, está presente em toda e qualquer
tentativa de tornar inteligível o processo de ensino e aprendizagem que ali ocorre e,
como dito anteriormente, aparece atrelada a qualidade.
É unânime no discurso de pais e estudantes que o grande trunfo do CAp-
UFPE está nas pessoas. O fato de possuir uma equipe de profissionais qualificados
e alunos altamente selecionados impressiona pais e estudantes, estes seriam em
conjunto com outros fatores a razão maior da excelência do ensino e da
aprendizagem que ali ocorrem. Eis alguns depoimentos que atribuem a excelência
escolar à qualidade dos profissionais e à seleção dos estudantes:
O melhor ensino. A excelência está no ensino e na aprendizagem. Excelentes professores, excelentes alunos, excelência no processo e nos resultados. Não tem como ser diferente- eu acho!( F; M; FPF) Ele se diferencia pela formação dos professores. Porque, você sabe, são praticamente todos com mestrado e doutorado... A grande maioria é doutorado, então a gente tem uma preparação boa e que muitos colégios não conseguem ter esse nível de professor em sala de aula. Não desmerecendo nenhum deles... (F; E; PL) O CAp pra mim é sinônimo de excelência. O ensino de qualidade, os professores, os alunos, tudo aqui é de excelência com exceção da estrutura... (M; E; FPF) Porque... Lá no... Lá no Colégio... É uma educação diferenciada. A maioria lá tem formação até o doutorado, o método de ensino é diferente também... Lá é uma escola que deixa você com a mente bem aberta. E... deixa eu ver... Nós temos um SOE. O SOE é bem legal que... Tipo, quase... Tipo, quase nenhuma Escola eu acho que tem esse... Pelo menos eu nunca ouvi falar de nenhuma Escola que tem o SOE. Tipo... Que tenha aulas com o SOE (F; 7; EPR; FPF).
205
Antes de ser aprovada eu pensava que o colégio era assim: todos matando aulas e bons professores dando aulas igual a faculdade. Quando cheguei lá eu encontrei que... Praticamente ninguém matava aula, os professores ficavam na sala de aula. Era tudo muito disciplinado, nada bagunçado. Ham... Eu pensei que tinha diretor também, só para ser diretor, que o diretor não era professor... Mas os coordenadores, diretores, são todos professores (F; 6; EPR; FPFM/PL). O coordenador é o professor do meu filho. Eu acho muito legal isso de professor, diretor, orientador do SOE estarem em sala de aula, fazerem junto a escola. Eles e suas qualificações... o que fica para mim é a integralidade do processo mesmo (M; M; PL)
Nos trechos anteriores, a qualificação dos profissionais faz parte das
representações dos pais e estudantes do colégio de excelência. O diferencial da
instituição é, em parte, explicado pela qualificação desses profissionais, que atuam
na sala de aula e na gestão escolar. Chama atenção a fala da aluna que pensava
encontrar na instituição práticas “universitárias” de frequentar a aula quando lhe
conviesse, que se depara com a seriedade acadêmica e disciplinar da instituição. No
trecho merece destaque ainda a clareza de que “todos fazem a escola” na qual o
diretor, orientador do SOE, ou coordenadores são também professores, funções que
associadas aos títulos de mestre e doutores parece creditar maior fidedignidade ao
ensino.
Os estudantes enfatizam a autonomia dos profissionais do colégio, fator
que confere ao profissional maior liberdade crítica e criatividade para utilizar
metodologias, que considerar favoráveis ao aprendizado dos estudantes. Eis
algumas das passagens que reforçam essa afirmação:
Eu acho... Assim, sempre que a gente tá em sala e tal, os professores falam isso com a gente. Eles falam que... E eu entendi depois de um tempo, que os professores aqui têm a liberdade de fazer os que eles querem, as propostas que eles acham mais interessantes, eles podem perguntar a gente o que a gente acha das coisas e a gente pode opinar também. E essa liberdade de trabalhar o material, o conteúdo, vai nos ajudar a compreender melhor e também pode ajudar o professor a fazer coisas que ele acha mais interessante. Não, não sei... Cumprir um cronograma, ou um calendário já proposto pela escola não torna a aprendizagem mais fácil, entende? Interessante mesmo é ir moldando no processo... (F; 9; EPU; PEB)
No colégio de Aplicação, por exemplo... Quando que você vai poder pegar uma aula pra assistir um filme? Outro dia ela, ano passado, ela assistiu um filme: Procurando Nemo. A gente já assistiu várias vezes Procurando Nemo. A professora foi e colocou Procurando Nemo... Gisele, mas veio cada pergunta cabeluda daquele tal de Procurando Nemo! Que você... Você... Você... Eu passei a olhar o filme com outros olhos. Então, o assunto de
206
geografia abordava o fundo do mar, aquela parte mais escura do mar... Hidrografia. Então ela fazia uma série de perguntas... E eu falava: - Mas isso está em procurando Nemo? Entendeu? E eu vejo que isso não acontece nas escolas públicas. Onde que você pode, onde que um professor numa escola pública, desculpa, particular, ou até pública que seja, pode deixar os alunos assistirem um filme? Provavelmente a direção vai dizer que ele estar enrolando... E lá eles botam pra assistir o filme e... eles que não assistam pra vê se eles conseguem responder aquelas perguntas lá, entendeu? ( F; D; PU) Fico impressionada com a condução das disciplinas pelos profissionais. Eles têm liberdade para fazer escolhas junto aos estudantes... Outro dia minha filha chegou em casa e relatou um momento em que o professor questionou os alunos sobre qual atividades eles preferiam. Não lembro ao certo, mas eram duas sugestões de atividades... Uma livre e outra mais direcionada... penso que só daria tempo de fazer uma pois estavam concluindo o semestre ou algo do tipo. Minha filha relatou como se fosse algo habitual esse diálogo entre professor e aluno. Isso foi no primeiro ano dela no CAp, depois eu também me acostumei com esse processo (F; E; PL). A autonomia do professor do CAp também é a autonomia do estudante... Eles dizem assim- vai lá e faz, pesquisa o conteúdo, corre atrás. Numa instituição privada a direção detonaria o profissional, numa instituição pública municipal ou estadual provavelmente ele seria rotulado de preguiçoso, mas ao contrário ele faz o aluno se responsabilizar por sua própria aprendizagem... Assim, mas eles têm um público que acompanha o ritmo, a metodologia deles, entende? ( F; E; PEB)
O incremento dessa autonomia é o diálogo aberto com os estudantes e o
desenvolvimento de atitudes responsivas. Responsabilizar-se pela própria
aprendizagem, dialogar abertamente com os profissionais constituem elementos
imprescindíveis a aprendizagem dos alunos. A autonomia inclui ouvir o estudante
em sua individualidade, questioná-lo sobre o processo, deixá-lo construir junto aos
profissionais seu repertório teórico, seus conhecimentos científicos. Quando a mãe
afirma “Eles dizem assim - vai lá e faz, pesquisa o conteúdo, corre atrás!” E, em
seguida diz que aquele público acompanha esse tipo de metodologia, ela está a nos
dizer que os profissionais conferem aos estudantes tarefas que eles têm maturidade
intelectual para cumprir, constroem o conhecimento, realizam associações e
discutem com os docentes.
Uma característica muito forte destacada pelo grupo pesquisado é no CAp-
UFPE: professor e aluno trocar ideias sobre os diversos assuntos e consultar em
seus domínios científicos. A instituição concebe o estudante como ator do processo
de ensino aprendizagem, promovendo a quebra da relação instrumental “um ensina,
o outro aprende” e possibilitando ao discente construir-se como sujeito do próprio
207
conhecimento. Ao ter atitudes como “consultar o aluno em seu domínio” a instituição
parece considerar o diálogo como facilitador da aprendizagem, negando a relação
verticalizada entre professor e aluno, onde o professor é a principal fonte do
conhecimento verdadeiro, na qual não há diálogo com outras formas de
conhecimento. No contexto cibernético que essas crianças vivem não cabe mais
“oráculos”, pois elas são constantemente bombardeadas com informações de fontes
diversas, necessitando da mediação de aprendizagens a construir. Como sugere
Cunha (1998), as novas demandas sociais requerem outras formas de conceber o
conhecimento, o ensino e a pesquisa, consequentemente práticas pedagógicas
exitosas.
A seleção de ingresso realizada no colégio também aparece como fator de
excelência, que formata um grupo de alunos predispostos à ação pedagógica do
colégio. Os participantes da pesquisa creditam não apenas aos professores, mas,
também, aos alunos o mérito dos resultados escolares, conforme revelam os trechos
que se seguem:
É que assim... Eu acho que... Se ele é um Colégio que tem a seleção, não é qualquer um que entra lá. Eu acho que e por isso também que ele tem a qualidade, porque esse exame ele seleciona os melhores ( F; E, PEB). Penso que os melhores estudantes e os melhores professores são os responsáveis por produzir a excelência escolar. A gente tem isso no CAp... alunos que não tem as dificuldades frequentes aos demais estudantes... ao contrário tem muito potencial a desenvolver e estão habituados a maratona de estudos, as exigências e estímulos cognitivos da própria escola (M; E, FPF). A clientela é diferenciada demais! Sempre observava o comportamento dos estudantes do colégio de aplicação e percebi que eles tem posturas diferenciadas, eles não dão muita trela para as pessoas... Pode perceber- os meninos se relacionam entre si. Perceba as conversas também, os papos pelo campus... Também tive amigos que estudaram no aplicação, são pessoas altamente articuladas e que sabem se posicionar na vida... Eu quis isso para o meu filho. (M; E, FPF)
A excelência escolar do CAp é atribuída, em parte à autonomia intelectual
dos estudantes. Eles estão aptos a fazer associações, a lidar com grande volume
de informações, assimilam de maneira satisfatória os conteúdos, participam do
debate, se expressam com mais autonomia e clareza e são, frequentemente,
estimulados em todos esses fatores são favoráveis ao êxito escolar.
208
A triagem promovida, na seleção de ingresso, faz com que a escola receba
um grupo de estudantes com disposição para o estudo, bem preparado para a ação
pedagógica da instituição, permite a adequação das propriedades socioculturais dos
selecionados ao estilo da escola. A ação escolar faz-se sobre uma população já
motivada e com habitus favoráveis à sua atuação.
Nos depoimentos, merecem destaque as inquietações dos sujeitos, no que se
refere à imagem que a comunidade acadêmica e a sociedade em geral construíram
deles por pertencerem a uma instituição de excelência. Os estudantes, por vezes,
são rotulados de “nerds” e “prodígios”, no entanto alguns não se reconhecem com
esse perfil. Em tais associações, a inteligência aparece como tendo suas raízes em
aspectos unicamente biológicos, visão que desconsidera a socialização das
crianças, os estímulos familiares e a preparação, que fizeram para ingressar no
colégio. Assim, a aprovação no processo seletivo é atribuída às manifestações de
“inteligência” e do “dom”. Nos trechos a seguir, podemos perceber como pais e
estudantes se posicionam em relação a essa rotulação:
É... Algumas pessoas quando me perguntam qual o Colégio que eu estudo, quando eu falo fica... Já tem aquela imagem de que quem estuda no Colégio de Aplicação é inteligente, “né”? Conseguiu fazer a prova e passou-pronto. É um prodígio! Eu não sou prodígio, nem gênio, nem sei lá o que! Eu não nasci sabendo... As pessoas pensam isso, sério! ( F; 8; EPR, FPF) Assim... A principal diferença é quando você vai e fala que é do Aplicação, aí eles olham pra você e fala: - Nerd! Mas, fora isso... Não. Talvez eu seja, mas não me sinto superior, ou algo do tipo... Deles! (F; 9; FPU; PEB) A gente não paga é claro! É pública. Olha, a gente tem que ter muito cuidado porque as pessoas... Tem pessoas que vêem como se a gente tivesse... – Estuda onde? – No colégio de Aplicação. Aí pensam que as meninas são inteligentes demais... Ou... É difícil de lidar com, isso, porque a gente quando diz, as pessoas pensam que a gente esta querendo se vangloriar disso. A gente tem que ter certo cuidado... A gente sentiu isso, sentiu muito isso. Tiveram muitas crianças que concorreram e não conseguiram passar, as pessoas devem pensar: as duas estudam lá? A terceira está se preparando também? Como elas conseguem? Tem colégio que não consegue colocar ninguém. Então, a gente teve que se precaver enquanto a isso também... (F; E; FPF)
Separados dos alunos de outras escolas pela marca distintiva que carregam
de “alunos do Aplicação” os estudantes parecem possuir propriedades, que os
diferenciam “naturalmente” dos das escolas de fora (LACERDA, 2008). Mesmo não
se reconhecendo como superiores, os estudantes reconhecem que são privilegiados
209
por fazer parte do grupo seleto de alunos da instituição, como podemos perceber no
depoimento de uma estudante do CAp:
Eu me sinto igual a todos os outros. Claro, tive o privilégio de ser aprovada na seleção, de meus pais pagarem um cursinho, me ajudarem a passar... Na outra escola eu me considerava a mais inteligente, a melhor da turma. Hoje eu sou igual a todos porque estudo com pessoas tão inteligentes ou mais do que eu. Talvez a gente esteja a frente dos alunos dos outros colégios, mas isso não me torna melhor do que ninguém (F; 8; EPR; PEB)
A produção de qualidade das escolas consideradas de excelência deve-se
muitas vezes a fatores externos ao ensino. Brandão (2007, p.17) acredita que “há
uma via de mão dupla no processo de escolha da escola/ alunos”. As famílias e os
estudantes escolhem, mas também, são escolhidos. A escolha como via de mão
dupla nos foi primeiramente apresentada nos escritos de Bourdieu (1989, p.198):
“[...] não é jamais possível, em todo caso, dizer com segurança quem, entre o
agente e a instituição, escolhe realmente; se é o bom aluno que escolhe a escola ou
se é a escola que o escolhe”. Tal escolha é própria do perfil institucional. A
característica das instituições de excelência requer uma formatação do grupo seja
por altas mensalidades ou seleções de ingresso no intuito de garantir a
homogeneidade do alunado. O fato das práticas educativas familiares e escolares
estarem ajustadas, serem coerentes e convergentes faz dessas instituições “ locus
de produção das elites escolares” (BRANDÃO, 2007).
Nos trechos a seguir, há, fortemente, uma identificação com o tipo de ensino
vivenciado na instituição. Por inúmeras vezes, no diálogo com pais e estudantes,
percebemos que suas falas revelam um sentimento de pertença e identificação com
as concepções, valores e ensino praticados no CAp-UFPE. Afirmam:
Eu procurei saber também, entrei no site, pesquisava. Vi que a maioria dos professores tem, realmente, doutorado, tem mestrado... Então, eu tive a certeza que estávamos almejando o lugar certo. A excelência do ensino do CAp é perceptível nos alunos, nos professores, no processo todo- entende? (M; E; FPFM) Veja bem, é... Até então eu não conhecia... Eu conhecia o colégio do que eu ouvia falar do pessoal. Quando a Maria Eduarda entrou pro colégio, eu tive... Participei de reuniões, eu vi a postura dos professores, eu vi o interesse... O modo como eles nos receberam, a postura, as ideias. Aí isso tudo cativou, eu pensei: “Estou no lugar certo!” Então, eu acho que é por aí. E eu sempre que posso e tem uma reunião eu vou, vou participo... Ela
210
(esposa) nem vai, eu que gosto de ir, eu comecei a acompanhar desde o início, então eu gosto de ir. E... eu entendi isso, isso é que é importante também... A responsabilidade do Colégio com os alunos, a preocupação, é... é... O diferencial dos professores. A coisa pública e tudo, mas eles são diferentes. Até onde eu pude perceber nas reuniões, eles são realmente diferentes, eles são dedicados ao colégio e isso faz uma diferença muito grande. E junto disso tudo, o que eu estou notando é a qualidade da coisa, sabe? Até então, até o momento estou satisfeito. Até a gente conversa e eu pergunto isso pra ela, se ela esta gostando, se ela quer sair e ir por GGE. E ela fala: “ Não. Quero não. Quero ficar lá!” (M; E; FPFM)
Outro trecho que reafirma o fato das famílias se identificarem com a
instituição é revelado a seguir:
Eu costumo dizer que Ana se encontrou quando chegou no CAp. A impressão que temos é que o colégio foi feito para ela, para aquele grupo de estudantes. É impressionante a diferença entre o desempenho dela na escola anterior e na atual. No CAp ela conseguiu se afinar e se alinhar aos demais, aos professores, às metodologias. Apesar de todas as pequenas diferenças que possivelmente existam entre os alunos de ordens econômicas, culturais... Sabemos que existem crianças que moram na zona sul, zona norte, pais médicos, doutores, trabalhadores, alguns casos até de crianças vindas de escolas públicas, penso eu... Enfim, há uma diversidade, mas elas de certa forma têm muito em comum... É isso que percebemos... A Ana se encontrou no CAp, ela adora aquilo ali. Os colegas são ótimos, todos de boa família. E nós estamos extremamente satisfeitos (M; D; PHD; PU) .
Esse sentimento de identificação surge como afinidade espontânea (vivida
como simpatia), é o que “aproxima os agentes dotados de habitus ou gostos
semelhantes, logo, produtos de condições e condicionamentos sociais semelhantes”
(BOURDIEU, 2009, p.90). A seleção de ingresso realizada pelo CAp formata um
grupo distinto, também, em escolhas, alunos com propriedades sociais e culturais
próximas nas aspirações e nas perspectivas de futuro, que estão estritamente
relacionadas à escolha do CAp como instituição de ensino.
Os alunos se reconhecem pertencendo a uma instituição de excelência, a um
grupo distinto. Como grupo homogêneo prezam pela convivência entre si, constroem
laços de amizade e solidariedade, que extrapolam os muros da instituição. Muitos
deles são amigos em horário integral, convivem nos finais de semana, promovem
festas e encontros semanais com a turma, estudam juntos, constroem uma amizade,
que se estende por toda uma vida. Os transcritos abaixo explicitam as afirmações:
Tem as festas. Praticamente toda semana temos que levá-la nas festas. Daí, semana passada foi na casa da Bia, já fizemos aqui no prédio e por aí
211
vai. Festinha sabe... Eles colocam música, se divertem, compram bolo, refrigerante, saem para comer pizza, marcam piscina, viagens... Isso é muito bom, nos relacionamos com outros pais, trocamos uma ideia bacana... Conversamos... Com alguns, temos mais afinidade pela profissão e tal, mas no geral temos gostos comuns e a maneira de conduzir os meninos... É legal conhecer a fundo os amigos da nossa filha. O nosso grupo de amigos é pequeno, tem o pessoal do prédio e os familiares. Após a aprovação de Ana convivemos com outros pais do CAp ( F; D; PU). Meus amigos são todos herança da convivência no CAp. Percebo que com meu filho acontece o mesmo... Os garotinhos vem até nossa casa para estudar, trocam ideias... Fico admirando os laços que vão se formando e se fortalecendo com o tempo. Eles são todos amigos, uns mais próximos, outros menos, mas se dão muito bem ( M; M; PL). Porque no Arco-Íris eu tentei... Era uma turma pequena, eram sete alunos no final. Agora não, agora a gente tem aquela comunidade do CAP sabe? Eles programam festas, nós vamos, vão outros pais... Então, até o nosso ciclo de amizade aumentou por conta do Colégio, porque os pais estão sempre ali... A gente solta, mas está ali de olho, aquela coisa. Então, nosso ciclo de amizade aumentou, nós conhecemos pessoas muito interessantes, muito bacanas. E... eu acho que abriu mais assim pra gente, né? (F; D; PU)
O convívio dos alunos do CAp amplia a rede de relações familiares. E, nessa
convivência, há um acúmulo de capital social. Este capital é adquirido através de
relações objetivas de proximidade pautadas em trocas simbólicas. Essa proximidade
envolve sentimentos de reconhecimento e respeito, relações de reciprocidade e
confiança entre os membros (CAZELLI; FRANCO, 2006). A convivência, para
Bourdieu (1980), traz benefícios materiais ou simbólicos, agrega recursos atuais e
potenciais qualitativos ao sujeito. O volume do capital social dependerá da extensão
da rede de relações, que o agente poderá efetivamente mobilizar.
Os sujeitos atribuem, ainda, à excelência do CAp ao trato aprofundado e
interdisciplinar dos conteúdos e incentivo à pesquisa. Os pais reconhecem que
a instituição preza por trabalhar os conteúdos de maneira complexa, evitando
superficialidades, de forma diferenciada para atender a todos, promovendo de fato a
aprendizagem, as relações entre os conteúdos, as inferências, as diferentes
interpretações, soluções e não a simples memorização. Os discentes são
estimulados constantemente a questionar os conteúdos, a tratá-los em sua
complexidade, aprofundando-os, buscando os sentidos e vivenciando o processo de
transposição didática junto aos professores.
A pesquisa articula-se ao ensino no dia a dia da escola, portanto,
transformam conhecimento cientifico em conhecimento escolar junto com os
212
docentes. Os alunos também produzem conhecimento ao promover oficinas de
robótica, semana da ciência, e através dos grupos de pesquisa orientados por
profissionais do CAp. Vejamos como esses sujeitos percebem tal trato aprofundado
e interdisciplinar dos conteúdos e o incentivo à pesquisa no CAp-UFPE:
Eu acho que é essa questão do método de ensino... Que eu acho que é justamente isso... Eu querer... Na verdade eles fazem lá um curso de pesquisa... Procure aprender! Eu assim... Gosto disso. Leitura... Ela, agora mesmo em português, tem trinta alunos, então cada aluno no início do ano teve que levar um livro, pedido pela professora. E isso está fazendo rodízio, quer queira, quer não, esse ano eles vão ler trinta livros, no mínimo. Isso faz com que o aprendizado seja melhor, né? Então, a escola mesmo estipula dois, três paradidáticos, faz uma prova em cima daquilo e ali acabou. Eles não. Eles têm o debate na sala, estuda o livro, faz resenha. Eu acho que o diferencial é isso, é o método mesmo de ensino ( F; E; PEB)
A proposta de ensino deles é boa nessa questão do incentivo à pesquisa, de colocar uma aula de música com uma proposta de entender o universo de música, como se estivesse fazendo até uma universidade de música... Eu vejo assim. Quer dizer, você só vai ter noção do universo de música se você entrar no conservatório, né? Mas dentro de escola é: - Ah... Vamos cantar! Não tem aquela coisa de você ver a nota musical, de você começar com flauta, que eu nem sabia que tinha que ter um princípio com flauta, depois ir pra violão, pra depois evoluir pra um outro aparelho, outro equipamento. Eu realmente não sabia... Vejo o trabalho de educação de artes, também bastante diferenciado, te dá um universo de traçado, de composição de cor. Eu acho... Eu acho diferente nesse... Estou citando essas duas, mas eu vejo que existe um diferencial nesse aspecto: aprofundamento do aluno ao conhecer cada matéria (F;E;PL) Na educação. O Arco-Íris, ele é legal... Mas, só que assim... Às vezes eu achava ele muito atrasado. Assim, se você comparar com o CAp. Por exemplo, meu vô mesmo brinca comigo, antes minha tarefa era: uma maçã mais duas maçãs. Agora no CAp é a raiz quadrada de trinta e cinco. É tipo isso! (F;8;EPR;PU) Ele se diferencia de qualquer outra instituição pela qualidade do ensino. Isso é notório. Na escola anterior tudo era mais fácil, mais leve, mas também mais superficial. Aqui tudo é mais difícil [ no sentido de você pensar mais], mais complexo, mas não pesa porque a gente entra no ritmo (F; 9; EPU; PEB) A... Eu... Eu queria sempre me livrar de ter que estar botando ela pra fazer tarefa. Como ela falou, as atividades do Arco-Íris, assim... Claro, sem questionar a qualidade do ensino, nada. Mas eram assim: Eu tinha três picolés, chupei dois. Com quantos fiquei? Aí depois vem a tarefa do Colégio de Aplicação: Eu tinha três picolés, acrescentei mais cinco, chupei dois, comprei outros cinco e depois emprestei mais três pro meu amigo... Num sei que. Quantos picolés eu fiquei? Entendeu? A complexidade que vem, que bota os alunos pra pensar mais. Esse estímulo que eles dão para as Olimpíadas, pra os alunos fazerem as Olimpíadas nas diferentes áreas, né. Eu acho que tudo isso estimula o raciocínio do aluno (F; D; PU).
213
É... é... Eu acho que... Porque... é... Os outros colégios você, por exemplo, você tá estudando história, aí você ler o livro, vê as perguntas e responde, e na prova você bota tudo decorado, exatamente o que você leu. Os professores lá, eles... É... Eles perguntam coisas que eles falaram só, conversou, não pergunta nada do livro, ou fichas que eles dão pra gente ler. Aí eu acho que eles não querem que você responda decorado, quer que vocês responda o que você entendeu (F; 8; EPR; PEB).
Como podemos perceber nos trechos precedentes, a capacidade de manter
os estudantes motivados e desenvolver o seu senso crítico e criativo torna-se
perceptível aos sujeitos nos atos concretos do dia a dia escolar. A instituição
mantém os alunos envolvidos no processo, garantindo sua adesão ao projeto
educativo.
Nos diálogos, os sujeitos comparam a instituição federal com as estaduais e
municipais. As comparações perpassam de certa forma todas as entrevistas e
referem-se às condições estruturais, destinação de recursos, ambientação,
qualificação dos profissionais e ao público diferenciado. Tais fatores conferem êxito
ao ensino público. A diferenciação ocorre também em relação ao colégio privado,
ganham destaque as finalidades da educação, a crítica à educação mercadológica e
resultados, que parecem comprovar ter o ensino público nacional condições de
superar o ensino privado.
Pais e estudantes recorrem à ambientação universitária para explicar os
êxitos escolares dos estudantes e o leque de possibilidades de escolhas
profissionais, que se abrem para o futuro. O fato de ser mantido e desenvolvido pelo
sistema público federal contribui para sustentar o status de colégio modelo. As
justificativas abaixo são esclarecedoras quanto a essa questão:
Eu acho muito interessante toda a dinâmica do Colégio, principalmente pelo fato que ele se encontra dentro de uma Universidade. Você tem uma vivência de um mundo maior e você... Você tem seus horizontes expandidos. Você não fica dentro de uma caixinha (F; 9; EPU; EPB). Sempre ouvia das pessoas... É um Colégio muito bom, muito puxado. As pessoas de lá sempre sabem mais, elas vão passar na Universidade e etc... (M; 6; EPR; FPF) Além dele ficar dentro de uma Faculdade Federal, o ensino dele é melhor, tem atividades diferentes... (M; 7; EPR; PL) Veja bem, é um colégio de qualidade e público, entendeu? Então foi uma coisa financeira junto com a qualidade. Porque se fosse só financeiro não teria ido, porque meu filho estuda no GGE e ela já estava se preparando também pra ir pro GGE. A gente já ia tirar ela do Dourado, porque a gente...
214
Ela já estava numa idadezinha que a gente queria passar ela pro GGE. O GGE tem umas atividades a mais, o colégio tem mais... Não que o Dourado... O Dourado também é um bom colégio, tenho nada que dizer do Dourado, não. A gente gostou muito, ela estuda lá desde os dois anos, muito bom o colégio. Mas, a gente já estava numa visão de passar ela pro GGE, porque a gente também já estava gostando do GGE e tudo. Mas... É a qualidade e ser público, né? O grande motivo é esse: é um colégio público, não vamos pagar nada e é um colégio de qualidade, ou seja, é como todos os colégios públicos deveriam ser. A verdade é essa (.M; E; FPFM) É o melhor ensino, não há dúvidas disso. Deveria servir de modelo para as demais escolas públicas... E se isso não ocorre é triste porque é uma experiência de excelência que deveria ser levada a todas as instituições públicas municipais e estaduais. Bom, mas sabemos também que por ser federal, estar dentro da universidade, ter professores qualificados e alunos criteriosamente selecionados a coisa pública funciona com outra cara. Por isso não dá pra comparar o CAp com a escola municipal do meu bairro, nem com as privadas que estampam outdoors por todo o Recife ( M; G; PL)
Ainda nos dois últimos trechos, os pais criticam o fato de outras escolas
públicas não terem a mesma qualidade do CAp, mas acreditam que a ambientação
universitária, juntamente, com a qualificação dos profissionais e a seleção dos
alunos explicam a diferenciação da instituição e conferem qualidade ao ensino
público. Importante enfatizar que não há um único modelo de escola pública, ainda,
que a sociedade tenha esse entendimento. As diferenciações não se limitam à
polaridade entre os segmentos público e privado, mas no interior do próprio sistema
público de ensino, há uma hierarquia perceptível, que coloca os colégios públicos
federais em destaque pelos desempenhos alcançados e por possuírem
características atribuídas ao ensino privado. A polaridade se desloca do público
versus privado e passa a ser, então, entre a escola pública de qualidade e a escola
pública precária (ALMEIDA, 2009).
Aliado ao fato de proporcionar ensino de qualidade, ao terem seus filhos
aprovados no CAp, os pais conseguem se libertar das altas mensalidades cobradas
pelas instituições escolares de prestígio da região, isto de início é um atrativo para
os pais. Eis o que dizem os pais do CAp:
O fato de não pagarmos mensalidade é um dos atrativos. Depois que os meninos são aprovados você percebe que é apenas um deles... (M; G; PL)
A excelência escolar das escolas de prestígio não é gratuita, não há
gratuidade nas escolas públicas porque alguém sempre paga a conta. A educação é
215
um bem pago por toda a sociedade, o público usuário da rede privada paga pelo
bem duas vezes. Enquanto um grupo seleto de estudantes se beneficia com o
ensino de excelência, a milhões de crianças e adolescentes é reservada a escola
pública de baixa qualidade onde estes sequer conseguem aprender a ler e escrever.
Importante sublinhar a afirmação de um dos pais que prevê turmas pequenas,
máximo 30 alunos, pode ser uma estratégia de ensino da instituição, estratégia que
possibilita ao professor “educar individualidades”. O CAp aparece assim como local
onde individualidades são educadas, promotor de aprendizagens individualizadas.
Eis o trecho do depoimento:
Percebo que ali há uma individualização das aprendizagens. Isso é perceptível quando conversamos com os professores nas reuniões, todos conhecem o desempenho de nosso filho, as particularidades dele. Claro, isso só é possível em turmas pequenas. Um professor que tem 50 alunos por turma perde isso, esse contato mais individual... (M; E; FPF)
Os sujeitos fazem referência ainda às atividades diferenciadas realizadas
na instituição. Conforme pais e estudantes, o CAp utiliza as metodologias mais
adequadas à produção do conhecimento. As propostas educativas buscam a
participação dos alunos com aulas dinâmicas e o estimulo a criatividade. Os alunos
são envolvidos em atividades práticas, interdisciplinares e criativas. Os sujeitos
assim as descrevem:
Eu acho que ele não traz aquele conteúdo predeterminado, eles vão construindo... Eu não sei dizer como é, eu sei que as crianças elas se desenvolvem pelo interesse que eles despertam nelas. Não é uma coisa bitolada, é uma coisa que você vai fazendo... Minha filha já fez curta metragem, já fez várias coisas. Num colégio tradicional, num colégio particular que nós temos agora, não oferece esse tipo de atividade, são atividades diferenciadas que tem aqui (F; E; FPF) E tem muitas atividades assim... Eles passam uns trabalhos, te umas resenhas, tem uma série de eventos... Como se fosse uma feira de ciências, mas com outro nome. São eventos assim, que vem do aluno, vem da criatividade do aluno, não tem nenhum professor conduzindo. Vai fazer a festa de São João? Vai! É vocês que vão fazer, não vai ter nenhum professor que venha conduzindo. Então, aquilo que a gente vê, bonito ou feio, partiu dos alunos. Não teve nenhuma orientação. Então, eu acho que isso estimula a criatividade deles, a responsabilidade deles, e isso é que vai garantir um futuro melhor pra eles (F; E; PEB). Eu nunca pensei que meu filho aprenderia Robótica. Chego no CAp e ele [o mais velho] começa a estudar robótica... Aquilo pra mim parecia surreal de acontecer na educação básica (M; M; PL).
216
É uma amostra da universidade. A gente brinca aqui em casa que as meninas são mini universitárias... Isso pra mim só é possível porque eles tratam os conteúdos de forma diferenciada e os alunos nem percebem, mas eles os tornam cada vez mais complexos e os alunos conseguem acompanhar (F; E; FPF).
Para os pais, as atividades são diferenciadas também por incluir no
currículo escolar estudos aprofundados de música, arte, língua inglesa e
francesa, algo incomum no ensino público nacional e, até mesmo, em
instituições privadas. Os depoimentos a seguir são esclarecedores do que
dizem a esse respeito:
Eu acompanho o ensino, vejo o desenvolvimento dela, no escrever, nessa parte de arte que eu achei interessante. Ela já está com a flauta aí aprendendo a tocar, já sabe notas musicais... Eu estou achando legal... A convivência, às vezes as amigas dela comparecem aqui, as meninas bem bacaninha. Eu acho que tá legal, é isso aí! Realmente atingiu a minha expectativa (M; E; FPFM). A fluência no francês é um diferencial, as aulas de teatro, as aulas de arte e de música... Deixa ver o que mais... Os meninos escrevem, produzem redações em francês, tocam instrumentos musicais... Eles aprendem de fato não é apenas para cumprir tabela (M; PHD; PU). Tem atividades diferentes porque, em outros colégios tem artes, mas não é como o nosso... Porque no Dourado tinha no sexto ano... Que eu fiquei no início do ano porque eu fui remanejada. Aí lá tinha artes, só que não era a mesma coisa, não ia pra uma sala e ficava mexendo com tinta, com cola. A gente meio que desenhava e vi algumas palestras. Aí tem isso, tem aula de música, teatro, que eu nunca pensei na minha vida ter. Ham... Informática. Que informática é diferente, não é tipo... O professor dá uma atividade pra você fazer no Power Point, você faz e depois vai jogar. Lá não, você meio que aprende bites, bytis, esses troços aí. Ham... O ensino também, que eu já falei. Ham... Acho que só! (F; 6; EPR; FPFM)
Chama atenção a fala do pai, que destaca que os estudantes realmente
aprendem, não é apenas “para cumprir tabela”. Isso demonstra o empenho dos
professores em construir conhecimento junto com os estudantes e a capacidade de
mobilizá-los e envolvê-los no projeto educativo institucional.
Os alunos são constantemente instigados e estimulados a pesquisar, a
questionar, a aprofundar os conteúdos, que compõem o programa de ensino.
“Contribuir para a formação crítica do estudante.”, frases como esta que fazem parte
de todos os projetos políticos pedagógicos de instituições públicas e privadas,
217
ganham sentido prático na instituição. Todos os sujeitos entrevistados enfatizam que
a formação crítica é o grande trunfo da instituição. Para eles os “alunos pensam de
forma integral e são questionadores porque há uma interdisciplinaridade real”, o
colégio tem como “prioridade a formação crítica”.
Essa formação crítica faz parte das intenções formativas da instituição.
Conforme Masetto (2008), a sala de aula deve ser “espaço que permita, favoreça e
estimule a presença, a discussão, o estudo, a pesquisa, o debate e o enfrentamento
de tudo o que constitui o ser (...), existindo numa realidade contextualizada temporal
e espacialmente” (p. 74). Os trechos das falas abaixo transcritos nos ajudam a
compreender o que os sujeitos entendem por formação crítica:
Somos desafiados em tudo! A nossa formação crítica vem desse desafio, do desafio que os professores nos propõe, eu acho! De superar e ampliar a nossa capacidade de aprender. Nós buscamos aprender, pesquisamos, nem sempre é o professor que chega com tudo arrumadinho, se ele chegar, a turma desarruma tudo (risos) ( F; 8; EPR; FPE) Eles ensinam a gente a pensar, a questionar, a voltar atrás, a pensar sobre o que dizemos e fazemos. A pensar sobre o que dizem de nós e o que fazem com a gente. A pensar sobre a pressão da mídia, as imposições sociais, a alienação da população... A pensar sobre o porquê de estarmos aqui e sobre a própria necessidade do conhecer... Nesse sentido... (M; 8; EPR; PL)
No relato dos pais e estudantes a orientação pedagógica dos professores leva
os alunos a questionar o que aprendem, a conhecer diversas culturas, visões de
mundo, a expressar opiniões sobre o que pensam da realidade. Conforme podemos
perceber, o CAp tem como papel educativo a formação a educação humanizada; há
uma veia ética e estética compondo o currículo institucional prescrito, que é
efetivamente praticado, permitindo diferenciar-se das demais instituições.
O ensino é pautado em preceitos universitários, nos quais a pesquisa e a
extensão são práticas correntes. A investigação e a divulgação do conhecimento é
algo recorrente na instituição mediante a tríade ensino-pesquisa-extensão, comum
aos espaços universitários. A eficácia do ensino do ponto de vista qualitativo advém,
em grande parte, da capacidade do educador de mobilizar os estudantes, da
sedução exercida sobre eles, das relações estabelecidas em sala de aula, e
especialmente, da relação estabelecida entre os sujeitos e o conhecimento.
218
(PIMENTA & ANASTASIOU, 2008). O trecho da entrevista que transcrevemos a
seguir é revelador de que os pais reconhecem na instituição esse processo:
A gente percebe a importância que a pesquisa tem para a instituição. É reflexo da universidade também, né? E da formação dos professores... Formar o aluno pesquisador é de certa forma seduzi-lo para isso... É o mesmo que dizer: “olha, mais legal descobrir por conta própria” É por aí... (M; G; PL)
A forma como os estudantes são avaliados também, aparece no discurso dos
entrevistados. A avaliação de desempenho do alunado enfatiza aspectos
qualitativos em detrimento dos quantitativos e, também, aparece como ponto forte
da excelência por redirecionar o processo de ensino aprendizagem, proporcionando
ao aluno e professor um feedback das aprendizagens construídas, parcialmente
construídas e a construir. Valendo-se de pareceres individuais, os professores
avaliam os estudantes e informam os resultados ao conselho de classe, que são
discutidos em conjunto pelos profissionais e repassados aos pais. A instituição
realiza cinco conselhos de classe, um para fins de planejamento das atividades, três
de acompanhamento do desempenho e o final para fins de promoção do estudante
(UFPE, 1998). A seguir os trechos revelam como os sujeitos percebem a avaliação
realizada pelo colégio:
Somos avaliados por conceito, não por notas. Os nossos resultados são traduzidos em pareceres. Eu acho interessante. Eu acho bem interessante. É melhor do que uma rotulação por nota, eu acho... Porque você atinge os objetivos, ou atinge parcialmente, ou não atinge. Então, eu não sei... Você pode fazer um tipo de prova e tirar sete, só que não faz diferença você tirar sete, você tirar sete e meio, porque você atingiu os objetivos. Não tem aquela... Não tem aquele rótulo. E também tem o comentário do professor do que você fez, do que você não fez, do que você não fez tão bem (F; 9; EPU; PEB). E também, que lá eles não usam nota, só usam A, AP e NA, que é: atingiu, atingiu parcialmente e não atingiu. E eu acho isso bom também, porque você não precisa saber quanto você acertou ou quanto você errou. Você precisa saber se você atingiu a meta, ou não (F; 8, EPR; PEB).
Os indicadores da excelência escolar aparecem ou ganham maior visibilidade
nos resultados expressos nas avaliações externas/ institucionais das quais o
CAp participa como em Olimpíadas das quais os estudantes participam e
219
conquistam medalhas em diversas áreas do conhecimento30, nos resultados
positivos no IDEB31 e ENEM32. Esses resultados surgiram nos depoimentos como
fatores, que comprovam a excelência da instituição. Participar destas seleções
representa, ainda, para os entrevistados mais do que a possibilidade de receber
elogios ou prêmios, mas uma resposta aos esforços de professores e estudantes,
confirmando assim a qualidade do processo de ensino aprendizagem. Os
entrevistados se posicionam:
A maioria das olimpíadas é bem diferente, tipo: Tem a olimpíada brasileira de matemática de escolas públicas, que é OBMEP e tem a OBM, que é a olimpíada brasileira de matemática. Aí você vê os níveis que muda e etc... E também funciona como meio de avaliação, pela parte dos professores... Pra saber como você tá nesses testes (F; 6; EPR; PL). Às vezes a gente chega e de surpresa tem uma olimpíada ou avaliação externa. Pronto! Teve a OBMEP... Eu nunca havia participado de nenhuma. Fui lá e fiz e acho que me dei bem (F; 6; EPR; FPFM) Não é a toa que é o melhor IDEB do país, que todos os anos está no ranking do ENEM... Ali tudo é diferenciado, ensino, professores, estudantes...(M; G; PL) Existe o aluno medalhista. Há muitos alunos medalhistas. E, ao contrário das outras instituições, as medalhas não são apenas nos esportes, as medalhas são de conhecimento, mesmo. Eu nunca ganhei medalha, mas me considero boa aluna e deve ser gratificante ganhar uma porque você mostra pra você e para os outros os resultados positivos da sua escola (F; 7; EPR;PEB) .
Em síntese, podemos dizer que os dados desta categoria reforçam os
resultados da segunda etapa do estudo, no qual “qualidade” aparece como núcleo
central das representações dos pais e perspectiva de “futuro”, núcleo central das
representações dos estudantes, além de enfatizar a “excelência” escolar, expressão
recorrente no discurso dos sujeitos, unificadora dos atributos comuns que
caracterizam as representações sociais de uma instituição de qualidade.
A excelência escolar aparece como resultante da confluência de diversos
fatores já discutidos nesta seção e que reiteramos: qualificação dos profissionais,
30
No ano de 2013 o colégio recebeu 25 medalhas na OBMEP. Dentre elas, 14 foram de menção honrosa, 03 de Bronze, 06 de prata e 02 de ouro. Dentre os estudantes que receberam a medalha de Ouro está aquele que obteve a maior nota nacional na Olimpíada. 31
O colégio obteve em 2012 pela terceira vez o melhor IDEB do Brasil. 32
O CAp da UFPE conseguiu, em 2012, a 2ª colocação entre as escolas públicas do país no ENEM. No Ranking geral o colégio ocupa a 9ª posição. No ranking da redação, o CAp obteve a melhor média do Brasil entre as escolas públicas e a 10ª posição geral.
220
autonomia docente, autonomia intelectual dos estudantes, o trato aprofundado e
interdisciplinar aos conteúdos, incentivo à pesquisa, ambientação universitária, a
individualização das aprendizagens, realização de atividades diferenciadas,
avaliação qualitativa, desempenho do alunado em avaliações externas. Tudo se
passa como se o CAp-UFPE unisse as peças de um mosaico produzindo a cada ano
a melhor composição possível, desenvolvendo o aluno em todas as suas
potencialidades garantindo-lhe a efetiva construção do conhecimento.
5.4.3.2. “O CAp como instituição que preza pela formação integral e
humanização do sujeito”
Dos vinte sujeitos entrevistados, oito pais e seis alunos afirmaram de forma
categórica, que a educação diferenciada da escola de excelência é decorrente da
intenção pedagógica de formar integralmente o sujeito, desenvolvê-lo em suas
potencialidades, humanizá-lo. Diversos são os trechos, nos quais os entrevistados
caracterizam o CAp como instituição, que contribui para humanização dos
estudantes. Para o grupo pesquisado, as intenções formativas da instituição não se
esgotam na aquisição intelectual de conhecimentos, pois abrangem maturação
intelectual e emocional.
Uma educação integral só é possível se o educador conseguir a adesão dos
estudantes, conforme Röhr (2007, p.58) “a educação deve exigir: identificação e
comprometimento por livre decisão, por convencimento íntimo”. Pelo que
percebemos a instituição permite aos alunos construir-se como humanos,
incentivando atitudes responsivas, formando nos estudantes uma postura de
autodeterminação. Nos depoimentos a seguir, pais demonstram compartilhar desse
entendimento:
Essa... Como é que eu vou explicar? Essa maturidade dela. A gente trabalha muito isso e eu acho que o colégio também acompanha isso... Dá uma liberdade, não assim... Uma libertinagem, mas uma liberdade, uma liberdade... Digamos... Controlada entre aspas. Controlada, tipo... Meio vigiada, fica ali... As vezes a pessoa acha o colégio de Aplicação meio solto. Mas, não... Não é bem assim. Do que eu pude perceber, do que ela diz... É isso, é fazer pensar, né? A pessoa já ter essa maturidade e... Dentro de um ensino bom. Também acho que é importante, porque não adianta ter... As matérias que tem que ser dadas, ser dada com qualidade. E eu espero isso,
221
ou seja, ela ter um estudo de qualidade e ao mesmo tempo o colégio me ajudar na educação dela, entendeu? Porque eu nunca quis passar essa responsabilidade da educação para o colégio, entendeu? Mas, eu acho que o colégio é fundamental. Eu nunca pensei assim, eu acho que a educação do meu filho, principalmente comigo, eu acho que nós, eu e minha esposa é que somos os grandes responsáveis por isso. Mas, eu acho que o colégio pode ajudar e muito e que esse colégio vai me ajudar muito. Como eu também achava que o colégio Militar poderia me ajudar muito nisso. O colégio Militar já é aquela coisa mais vigiada e tal... E eu tinha, inicialmente, um receio do Colégio de Aplicação por causa dessa liberdade... Até onde vai essa liberdade? Mas, eu vi que não é bem assim e está sendo ótimo isso, liberdade vigiada, acompanhada e... Eu estou satisfeito. É isso que eu quero, ou seja, eu estou vislumbrando que ele está me ajudando na educação dela, crescer com responsabilidade e com ensino de qualidade, ou seja, a parte é... Humana da coisa, eu vejo lá sabe? Eu acho legal... As duas coisas, ensino, responsabilidade, atividades de companheirismo e amizade, de ser humano... Ser, ser humano como um todo, né? É isso que eu estou gostando, que até o momento eu tenho acompanhado e tenho visto isso, ou seja, estão me ajudando mesmo na educação dela (M; E; FPFM) Assim, eu... Eu noto que ela está mais madura... As coisas em casa, ela tem as posições dela, sabe? E mesmo em relação aos colegas né? Ela respeita o outro, se respeita. O exercício é de crescimento pessoal e humanização do sujeito (M; E; FPFM). O CAp pra nós consegue se diferenciar pela sua formação integral. Toda a excelência esta exatamente nisso, em formar pessoas. Eles formam pessoas que pensam no coletivo, pessoas com posturas, práticas e ideias próprias... Pessoas que podem escolher, que estão ali para trabalhar o todo e ver no que se destacam, quais os seus interesses, quais as suas dificuldades... E para superar as dificuldades também! Eu vejo isso, essa compreensão do humano na intenção do colégio. Os educadores se responsabilizam por essa formação e fazem os alunos se responsabilizarem também, esse é o barato da coisa, sabe? As crianças tem uma liberdade para de certa forma se autoconduzirem e eles aprendem de um jeito que o conteúdo científico, cultural, social... seja lá qual for! O conteúdo ele passa a fazer parte deles próprios... Eles interiorizam as aprendizagens, eles de fato aprendem... é isso! (M; PHD, PU)
Os sujeitos demonstram acreditar na contribuição da instituição para a
formação integral do sujeito e para efetivação das aprendizagens através da
interiorização dos conteúdos estudados. A educação integral está relacionada ao
desenvolvimento de diversos aspectos do ser: aspectos individuais, relações
subjetivas dentro de casa um- o eu; o exterior individual, o olhar de fora do indivíduo,
os comportamentos observados- o ISTO; convivência com o mundo, grupal, as
percepções subjetivas e intersubjetivas, sentimentos compartilhados, o nós; e a
dimensão social, formas e comportamentos observados, externos, do grupo e da
sociedade, os istos. (WILBER, 2006; 2008). Na perspectiva de educação integral
222
todas essas dimensões são consideradas evitando a fragmentação dos conceitos,
da concepção de mundo e dos sujeitos.
Todo aquele que têm a intenção pedagógica de tornar o homem mais humano
não compreende o processo como meramente maturação natural, amadurecimento
psíquico e desenvolvimento cognitivo, tal processo abarca uma dupla compreensão
do humano, implica a crença de que a realização de todas as potencialidades
humanas seja possível (RÖRH, 2007.p.57). A instituição que assume como tarefa
educativa a humanização e a busca da integralidade do ser, compreendendo que o
ato de conhecer como busca de plenitude, preenchimento de lacunas e
entendimento de mundo, propõe aos estudantes um conhecer para se
autoconhecer. Cabe, pois, ás famílias e aos estudantes exercerem sua liberdade de
aderir ao processo. Os depoimentos dos sujeitos reforçam esse entendimento e
explicitam o convencimento íntimo dos sujeitos:
O mais legal do CAp é que meu filho pode ser quem ele quiser. Aquilo lá é um teste de limites e possibilidades... Ele pode ser dançarino, por que não? Médico, Jornalista, Artista... Eu sinto que lá ele será trabalhado como um todo, no afetivo, na postura, no cognitivo... Será um adulto feliz, pleno, realizado. A sensação que tenho é que ele pode ser quem ele quiser porque o colégio se esforça para propiciar o desenvolvimento de todo potencial dos meninos. Qual pai não quer que o filho seja feliz? A instituição me passa total segurança nesse sentido... (M;G;FPF) Eu gosto de estudar, eu tenho uma dificuldade de me concentrar, mas depois que eu me concentro eu consigo fazer as coisas. Então, foi bom porque as estratégias cativam você. As que os professores usam... Então, é mais fácil você dominar aquele assunto. Nem sempre a aula é expositiva, nem sempre há uma aula pra determinado assunto poder ser tratado. Na minha vida, eu acho que eu consegui crescer mais como pessoa também... Tipo aprender a me relacionar com o outro e comigo mesmo. Aqui você encontra muitas pessoas diferentes de você e... Isso melhora você como pessoa, porque você tem que aprender a conviver com elas... Elas te trazem coisas boas, as vezes ruins, mas funciona como aprendizado mesmo.. Os laços estabelecidos são fortes e a forma de nos relacionar... O colégio também influencia na forma de nos relacionarmos com os nossos em casa, eu era tímida e não expressava opiniões e sentimentos... Mudou muito depois que eu vim p cá (F; 9; EPU; PEB) Eu me sinto como sendo preparada para a vida, muito mais do que para o trabalho ou para a universidade e gosto disso. Mas não é jargão não! “Preparar para a vida!” (risos) O colégio nos dá suporte para compreender o nosso lugar no mundo, para olhar o mundo de forma crítica e construtiva. Sim, precisamos de trabalho, de profissão... Vamos conseguir tudo isso! Agora a preocupação é com aprender e nos melhorar (F9; EPU; PEB).
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Essa formação humanizada está na contramão da educação mercadológica
que domina os colégios privados do estado, tornando o CAp referência de ensino
para escolas públicas e privadas. Para os pais, isso se deve ao fato de a instituição
estimular o desenvolvimento de todas as potencialidades do discente enquanto
sujeito, preparando-o para lidar com o conhecimento e estimulando-o a atribuir
sentido a aprendizagem. Eis o depoimento de um dos sujeitos:
Você já reparou quão curiosas são essas crianças? Há uma sede de conhecimento, eles querem saber, evoluir, aprender... Isso não se percebe em outras instituições... Não com todo o alunado. Essa vontade de aprender não é para passar no ENEM, no vestibular, nem pra caprichar no IDEB... Acho que isso é consequência. O diferencial é como eles concebem o aluno, a educação, o papel da escola. Essa curiosidade deve ser aguçada e o colégio faz isso... Os meninos internalizam que é importante o conhecer, não de forma instrumental, dominar o conhecimento para fazer uma prova, mas compreendem o valor do conhecimento em si (M; PHD; PU)
Como pudemos observar, no trecho acima transcrito, a mãe atenta para a
resignificação da aprendizagem que ocorre na instituição. Essa novo sentido ocorre
a partir da reflexão do processo de ensino-aprendizagem, que a instituição propõe
junto aos alunos, educadores em exercício e em formação. Os sujeitos
compreendem que a plenitude estar em conhecer, em aprender pelos benefícios do
saber em si mesmo, não cabendo uma relação instrumental com o conhecimento.
O trecho a seguir é uma das entrevistas mais lúcidas de nossos dados. José,
ex-aluno do CAp e atual pai de aluno da instituição, expõe de forma esclarecedora o
seu percurso escolar e os valores compartilhados entre a família e as instituições de
ensino escolhidas. José fala ainda, de seus recursos sociais e culturais, da profissão
de seus pais e da importância do filho fazer parte do quadro de alunos do colégio,
como fizeram ele e seus irmãos.
Sempre me destaquei na escola, estive entre os primeiros da turma, mas no final das contas isso não importava, o que importava mesmo era trilhar um caminho de aprendizagem. Na primeira infância estudava no Instituto capibaribe, fui muito feliz por lá. Lembro do respeito com que éramos tratados, da individualização das aprendizagens, da nossa arte, das rodas de leitura e de como me sentia em casa, pois em casa também líamos, era tratados “olho no olho”, nos interessávamos por arte, principalmente por música e pintura [meu avó era um artista, pintava quadros primorosos]... Em casa não havia pressa, a leitura era deleite e não obrigação, era a extensão da escola e vice-versa, partilhávamos daqueles valores... Digo dos valores do capibaribe. Isso só se tornou compreensível após ter passado pelo CAp, lá também encontramos o capibaribe, mas com algo a mais, a gente refletia
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sobre os porquês daquilo tudo, a gente era convidado a pensar e ser sujeito do nosso próprio processo, de nossa construção. Quando me tornei aluno do CAp da UFPE ampliei minha visão de mundo, agucei a crítica, fui sacudido, instigado... E como orgulhei aos meus pais! O CAp passou a ser nossa referência de instituição. Minha mãe, professora da UFPE, hoje aposentada, sempre nos falava da proposta diferenciada do CAp e não tinha como querer outra instituição, o CAp era aquela com a qual mais nos identificávamos para prosseguir os estudos... A que escolhemos para dar continuidade a educação na qual acreditávamos. Dois anos depois de meu ingresso, minha irmã foi aprovada na seleção e não cabia em nós tanta felicidade. Mesmo sabendo dos feitos da instituição, Mamãe ainda se surpreendia com a metodologia do colégio, e hoje com o meu filho estudando no CAp eu ainda me surpreendo com a capacidade do colégio de nos trabalhar enquanto pessoas, de nos possibilitar desenvolver todas as nossas potencialidades. Meu pai, o Dr. Augusto, o avô do João, tinha um orgulho danado de mim. Hoje o orgulho é ver o João trilhando um caminho parecido com o meu, mas um caminho dele, só dele. Meu filho ocupa uma das bancas escolares que um dia foi minha e não há mensalidade que custei isto! (M, M, PL). .
O CAp atendia e atende aos anseios e valores desta família, envolta em
práticas culturais e familiarizada com o espaço universitário. Outro aspecto se
destaca na fala de José: o valor simbólico atribuído à instituição inscrito no trecho
“não há mensalidade que custei isto!”. Fazer parte do grupo de alunos do CAp da
UFPE aparece como impagável.
Nos trechos seguintes, os pais revelam que a aposta na instituição era
decorrente de dois desejos: fugir das altas mensalidades cobradas pelos
estabelecimentos de ensino privado do estado e obter ensino público de qualidade.
Quando confrontados com suas expectativas, e sobre os porquês da escolha da
instituição afirmam:
Então, o que eu tinha de expectativa era ter uma escola boa, um ensino bom... Fugir dessas altas mensalidades das escolas particulares e ter um ensino de qualidade. E acho que eles até superam viu? Acho não! Posso te garantir que eles superam (F; E; PL) Eu acho que se diferencia em muita coisa! Porque eu não sei... No fundo, no fundo, os colégios particulares eles são muito voltados... Eles tem um fundo assim... Comercial. Sempre por detrás tem algo de comercial nas atividades que eles fazem. Não sei é a minha impressão (M; G; PL) A proposta do colégio é outra também, foge a lógica mercadológica... O CAp é apenas um exemplo [uma pena ser um!] mas é apenas um exemplo de como pode dar certo o ensino público e de como a educação deveria acontecer em todas as escolas. Educação não é comércio, ao meu ver não é! (F; E; PL)
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Os pais criticam o caráter instrumental do ensino e da aprendizagem e a
comercialização da educação, que ocorre nas instituições privadas de ensino. Os
colégios privados considerados de prestígio, além das mensalidades elevadas,
promovem uma verdadeira “corrida” a aprovação no vestibular. Os pais questionam
se esse tipo de ensino é sadio, que consequências negativas podem trazer para os
jovens em formação. O trecho a seguir é ilustrativo do que afirmamos:
Olha, não podemos esquecer que as personalidades estão se formando... Eu não quero criar um monstro competitivo, ou um adolescente que vive no quarto, praticamente em cativeiro estudando para ser um dos primeiros colocados no vestibular... A ideia é formativa mesmo, formação integral, formação humana da coisa- sabe? Temos isso no CAp e não pagamos mensalidades exorbitantes para ter esse tipo de ensino com o qual nos identificamos (M, PHD, PU).
Cumpre destacar, no entanto, que esses pais parecem ser afetados por uma
contradição interna, os mesmos sujeitos que repudiam comportamentos
competitivos, “corrida a aprovação”, e prezam por uma educação integral,
discordando que a educação se transforme em comércio, são aqueles que não
mediram esforços para pagar cursinhos preparatórios para suas crianças estudarem
no CAp, submetendo os pequenos a regras e horários de estudo e incitando
esforços com frases do tipo “ Estuda um pouco mais... você está cansada, filha? A
essa hora tua concorrente está estudando!”. Portanto, aderiram, mesmo que pelo
período de um ou dois anos, ao mesmo sistema, que hoje criticam.
De forma paralela, devemos considerar que a instituição exerce um
convencimento sobre essas famílias, permitindo que haja certo “ajuste de
intenções”. Alguns dos sujeitos entrevistados atribuem essa nova forma de pensar a
educação ao ingresso na instituição, outros já compartilhavam de uma formação
mais humanizada.
De modo geral, no discurso dos pais há uma identificação com os valores e
com o ensino praticados pelo CAp. Muitos compartilham dos objetivos educativos da
instituição, percebe-se isto na fala de pais que são ex-alunos do colégio e/ ou
daqueles que, simplesmente, foram seduzidos pela proposta. Há, sobretudo, uma
familiarização cultural e com as maneiras de ser na vida social, que a escola propõe,
de certa forma, uma continuidade da educação familiar. O pertencimento a um grupo
à parte, diferente dos outros e, ao mesmo tempo de indivíduos oriundos de uma
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mesmo grupo sociocultural, permite que se estabeleçam prioridades muito próximas
em relação à escolarização dos filhos, eliminando outros estabelecimentos como
possibilidade (JAY, 2002), como ocorre com o pai que declara a seguir:
Caso Sérgio não fosse aprovado eu tinha pensado no Equipe, mas talvez não. Talvez continuaria no Instituto Capibaribe mesmo e depois não sei... Eu tenho muito pé atrás com o Equipe enquanto instituição de ensino... Eu pensei no Equipe pela grandiosidade mesmo, pois não queria que ele ficasse decepcionado caso não passasse na seleção do CAp, mas tinha reservas quanto a instituição. O pé atrás eram referentes a... um Bugaloo dentro da instituição, as viagens programadas para Disney, aos quinze anos e referências não muito legais, não compartilho dos valores daquela instituição (M; E; FPF).
No entendimento dos pais, o CAp é a aposta dessas famílias, um espaço
considerado ideal para escolarização dos filhos, de valor simbólico incomparável.
Vejamos:
Minha esposa é ex-aluna do CAp. Vivenciou o melhor ensino do estado, o melhor do país. Hoje nosso filho faz parte do grupo de alunos do CAp. Não é questão financeira entende? Se você me perguntar “o senhor tem condições financeiras de custear o melhor ensino do estado para seu filho? Eu te respondei: Não! Não- porque o melhor ensino do estado é gratuito, é o vivenciado no CAp da UFPE.” Condições para pagar mensalidades escolares, para fazer o mercado escolar girar eu tenho. Mas, isso nunca foi e nunca será a nossa aposta (M, G, PL).
Apesar dos resultados expressivos do Colégio não há pressão sobre notas,
aprovação no vestibular, conquistas de pódios, ou outras exigências nesse sentido.
Ao contrário, a ênfase na leitura, o estímulo à pesquisa e aprofundamento dos
conteúdos são constantes. O processo de aprendizagem é, de fato, um contínuo, os
discentes são preparados para enfrentar os desafios acadêmicos desde que entram
no colégio, não sendo necessária qualquer pressão de “véspera”, tendo em vista
que a época das olimpíadas ou seleções os estudantes estarão preparados. Essa
ideia aparece clara no discurso de pais e estudantes, para os quais a correria da
preparação ao ensino superior, nos três anos finais da educação básica não faz
sentido. Afirmaram:
O investimento nos estudantes é contínuo e de forma intensa. Eu não duvido das potencialidades da minha filha porque sei que ali ela está sendo preparada gradativamente e da melhor forma possível, o colégio não deixa a desejar para termos necessidade de um reforço fora de lá... Talvez uma aula sobre determinado conteúdo aqui, grupos de estudos ali, mas nada de um complemento pesado, acho que não precisa disso... Estávamos até
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conversando essa semana aqui em casa, sem cursinho... Será Medicina, por enquanto é a escolha dela, né? Pois se for será sem cursinho (M, G, PL).
Penso que eles estarão livres da correria do ensino médio para aprender o que não se aprendeu... Acho que o ensino de excelência desde o início evita isso... (F, E, PL)
Quando questionados “você se considerava o melhor aluno da turma no
colégio anterior ao CAp? Todos os alunos responderam imediatamente que sim. As
justificativas foram no sentido de obter as melhores notas, concluir as atividades
antes dos demais, estar sempre a frente nos conteúdos, ser representante de turma,
escrever as melhores redações, em resumo, destacar-se frente aos demais. Ao
serem indagados se ainda se consideravam os melhores alunos estudando no CAp,
nove dos dez estudantes negaram, justificando que estão em processo de
aprendizagem. Reconhecem que há aprendizagens por construir, e por mais
domínio que algum deles possa ter em determinada matéria, sempre, há algo por
aprender.
O fato de estar num grupo de destaque, porém homogêneo e a ideia de
compor o grupo dos “melhores” de início assustam os estudantes, após algum
tempo eles não mais assumem este rótulo e utilizam a convivência para
potencializar e partilhar seus conhecimentos. Vários são os relatos dos estudantes
que dizem não precisar consultar o professor, podendo recorrer primeiro a um
colega de turma. Eles não sentem que perderam o posto de “melhor aluno”, ao
contrário, resignificam essa ideia de “melhor aluno” ao eliminar a concorrência e
consultarem-se, mutuamente, em seus domínios específicos.
Apesar da existência dos “alunos medalhistas”, anualmente premiados em
olimpíadas, entre os estudantes não parece existir uma explícita hierarquia
intelectual. Estes reconhecem, em si e nos demais, potencialidades e limites.
Conforme os sujeitos, essa postura se deve ao fato do colégio não estimular à
competição, ao contrário, na instituição, vive-se um clima colaborativo, não havendo
lugar para sentimentos de superioridade. Os estudantes assim se posicionaram:
Levamos aquele choque quando entramos aqui. Você era a melhor da sua turma, aí você entra no Aplicação e vê... Meu Deus, eu não sou muito boa! Mas, depois de um tempo... Acostuma. Assim, diferente do Militar, por
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exemplo, aqui não estimula a competição. Então, você não tem essa coisa: Ah! Eu quero ser o melhor da turma! A não ser que, não sei... Você tenha uma inclinação natural pra entender essas coisas, ou não sei... Você seja uma pessoa competitiva demais. Mas, quanto a ser a melhor da turma, eu não me preocupo muito com isso, as aprendizagens são individualizadas, mas há um apoio mútuo (F;9; EPU; PEB). Fica difícil dizer quem é melhor porque todo mundo é bom! (risos) (F;6; EPR; FPF) Se tem uma coisa que eu aprendi no CAp e não esqueço é que ninguém é melhor que ninguém. Não podemos nos sentir superiores isso gera sentimentos de arrogância, prepotência... Sou bom em determinada área? Massa! Mas não sou bom em tudo, ninguém é... Temos que trabalhar para tirar o melhor proveito do que somos e desenvolver o que precisa ser desenvolvido... É muita gente boa! Mas, ninguém preza competitividade lá não, ao contrário cooperamos entre nós e com os professores. A ideia é que todos aprendam, que cada um consiga se desenvolver ao máximo. Só porque eu passei não quer dizer que eu sou melhor que o outro que não passou ou que ainda não aprendeu determinado conteúdo. As vezes tem gente que não passa porque estava nervoso na hora, ou queria terminar primeiro, ou chegou atrasado e não conseguiu fazer... São tantos percalços... Mas, eu sou igual a todo mundo, acho que não tem diferença não (M; 8; .EPR; PL) No colégio aprendemos isso “você pode ser melhor [ter mais facilidade] em linguagem, em raciocínio lógico, com cálculos... Mas isso não te faz melhor que o outro.” Temos que focar em nossas qualidades e tentar reduzir as nossas dificuldades. Não dá pra ser bom em tudo e não há o melhor. Sofre um bocado nessa vida quem pensa ser um SER superior (F; 9; EPU; PEB).
Para os estudantes é libertador não precisar competir com os colegas,
observe:
Olha, você não tem noção... A minha melhor amiga hoje é foi a minha maior concorrente no cursinho. É tão bom não precisar mais competir com ela, tão bom! Sempre ficávamos pau a pau, eu tinha medo até de perder a vaga pra ela, tipo tinha pesadelo com ela sendo o último lugar e eu eliminada! (risos) Hoje trocamos figurinhas (risos)... Conversamos, estudamos juntas, tem tanta coisa que ela não sabe, tem tanta coisa que eu não sei... (F; 6; EPR; PL)
Nove dos dez estudantes, também, não se consideram melhores dos que os
concorrentes da seleção de ingresso ou demais instituições de ensino pelo fato de
pertencer ao CAp da UFPE. Essa ideia de “melhor aluno”, “aluno excelente” parece
tributária da ideia de melhor colégio, colégio de excelência. Chama atenção a fala de
uma das alunas ingressantes que, por ter passado recentemente pelo processo
seletivo, ainda, apresenta um brio exaltado pela aprovação e postura competitiva,
considerando-se superior aos demais. Afirmou:
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Eu me sinto superior estudando no colégio de aplicação. Eu não fico jogando na cara das pessoas, eu só me sinto, sei lá... Mais importante! (risos) (F; 6; EPR; M)
No que tange a identificação das representações sociais do CAp-UFPE, nesta
categoria, há, mesmo que de forma indireta, uma confirmação da centralização em
dois elemento centrais futuro e qualidade, já identificados nas etapas anteriores
deste estudo. A instituição de qualidade com toda a excelência discutida na
categoria anterior, possibilita aos estudantes construir-se como sujeitos humanos.
Os pais reconhecem que educação oferecida pela instituição não se reduz a uma
habilitação técnica, mas, fundamentalmente, é um investimento formativo na
humanização dos filhos. Preocupados com o futuro, pais e alunos buscam garantir
uma educação que os possibilite segurança em escolhas acertadas que garantam a
realização pessoal e profissional. No presente, acreditam que isso é possível na
instituição, que busca o valor do saber em si mesmo, na qual o aluno tem liberdade
para pensar, existir no mundo. A maneira singular que a instituição encontrou de
pensar aluno, conhecimento, ensino, pesquisa e aprendizagem, aliada aos
resultados expressivos que apresenta, seduzem os sujeitos, pois está em
consonância com o projeto de vida dessas famílias.
5.4.3.3. “O CAp como trampolim para a realização pessoal, profissional e
sucesso futuro dos estudantes”
A imagem de excelência construída pela comunidade acadêmica e sociedade,
em geral, as experiências de sucesso de alunos e ex-alunos e os resultados
expressivos nas avaliações externas tornaram o CAp da UFPE “objeto de desejo” de
diversas famílias. O desejo de pertencer a instituição de prestígio mobilizou nossos
sujeitos a empreender esforços direcionados a aprovação no exame de ingresso. De
certa forma, essas famílias “avaliaram” a instituição antes de decidir qual
estabelecimento de ensino seria o responsável por formar suas crianças. Os
resultados sinalizados nesta categoria revelam, que tal escolha envolve, para além
de informações sobre a instituição, uma identificação do habitus familiar com a
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instituição de ensino e, sobretudo, um alinhamento das características da escola às
expectativas e perspectivas futuras dessas famílias.
A seguir, apresentamos os trechos de duas entrevistas, nas quais os pais
expressam a felicidade, que sentiram ao tomarem conhecimento da aprovação dos
filhos na seleção de ingresso do CAp. Essas passagens são reveladoras do que a
instituição representa no futuro dessas famílias.
Mudou muita coisa com essa aprovação, muito... Em letras garrafais: FE LI CI DA DE! Uma felicidade que não é só por conta da aprovação, mas ela é permanente. No dia de pegar o resultado ele ligou pra mim: “pai, você já foi pegar a minha nota?” Cheguei no Colégio de Aplicação o portão fechado a professora dele lá dentro, do curso... Quando ela falou o nome dele seguido de “passou!”. Vixe Maria!! Meu coração... Chorei! Não foi nada de drama não, chorei comigo... Não quero fazer inveja a ninguém, mas aquilo me preencheu! Vê que meu filho tem futuro apesar das faltas que existem na vida dele... No final você percebe que isso vale a pena, a mãe dele onde quer que ela esteja deve estar muito feliz também. O colégio será, sem dúvidas, determinante para o futuro de Gabriel... Sem dúvidas! (M; G; FPF) As referências que eu tinha da instituição eram as melhores possíveis... excelentes, excelentes... Amigos, conhecidos, familiares estudaram no CAp da UFPE. Assim, e... todos que eu conheço que são crias daquele colégio são pessoas altamente articuladas, inteligentes, críticas, bem sucedidas na vida e na profissão. Eu não sei... As minhas referências foram muito boas e passei a querer para Laura isso também... Aquele ensino, aquele futuro, por que não? Daí a gente correu atrás para conseguir a aprovação, foi difícil, mas passamos! O pai dela e eu fomos até o colégio e olhamos na lista o nome da Laurinha... Ela estava um pouco atrás de nós, apreensiva tadinha... Foi emocionante! Fui até ela, dei um abraço apertado e disse: “passamos, filha, nós passamos!” O pai se emocionou também, foi muita luta, um ano de esforços e privações da rotina diária que tínhamos até então e do lazer que estávamos acostumados... Mas, valeu muito a pena! Então... voltando para minha escolha (risos) Que mãe não quer o melhor para os filhos? O CAp era esse nosso melhor e possibilitará o melhor para nossa filha... Cada dia que passa eu tenho mais certeza disso... Dela estar no caminho certo, do colégio estar fazendo um excelente trabalho e que ela será sim uma profissional realizada, de sucesso, uma pessoa feliz, bem sucedida... (F; E, FPF)
As informações que obtiveram sobre os resultados expressivos do CAp e o
sucesso de alunos e ex-alunos indicavam aos pais que tipo de ensino seus filhos
teriam acesso e que tipo de alunos seriam. Portanto, inferir que o panorama de
excelência funcionou como indicativo das possíveis carreiras acadêmicas e
profissionais dessas crianças, dos cursos universitários que estarão aptas a acessar
e das profissões de prestígio a ocupar após vivenciado o percurso escolar de
excelência.
231
A ideia de pertencer a uma instituição de destaque no ensino público nacional
antecipa, assim, um futuro de sucesso a partir de um presente de sucessivos
sucessos, escolares. Esse êxito se inicia com o ingresso do estudante na instituição,
seguido do pertencimento do sujeito ao grupo seleto com expressivos ganhos
culturais, sociais e simbólicos e reforços positivos ao longo do percurso. O sucesso
envolverá medalhas, premiações, reconhecimento dos pares pela aprendizagem
com êxito, viagens e envolvimento em pesquisa científica, uma vivência, que
proporciona ao estudante se desenvolver ao máximo em competências escolares e
sociais. Por fim, a universidade seria o destino natural do grupo, cabendo, apenas, a
escolha do curso, tendo em vista que as condições para aprovação são próprias a
esses discentes.
As famílias estão envoltas no “jogo da cultura” em sua dimensão escolar, no
qual a escola se torna incremento do patrimônio cultural do grupo. Ao aderirem ao
jogo, lançam mão de estratégias para acumular patrimônio simbólico e cultural,
incluindo espaços sociais a transitar, instituições a frequentar, grupos com os quais
conviver e credenciais escolares a possuir (BOURDIEU, 2011). As escolhas nem
sempre deliberadas são ajustadas às condições das quais aquele grupo é produto.
Poderíamos afirmar que há, pois, um alinhamento das aspirações e competências
dessas famílias às suas escolhas institucionais. Nosso grupo é formado por uma
classe média intelectualizada que deve “à instrução tudo aquilo que têm e dela
espera tudo que aspira ter” (NOGUEIRA, 2007, p.03). Assim, o interesse das
famílias por uma instituição de ensino de prestígio mostra-se, fortemente,
influenciado pela bagagem cultural, estilo de vida e trajetória desses sujeitos,
demonstrando a relação estrita entre as hierarquias escolares e as características
familiares.
De forma direta todos os vinte sujeitos entrevistados relacionaram o CAp da
UFPE às perspectivas futuras familiares. As oportunidades futuras vislumbradas
pelos sujeitos parecem estar condicionadas a ocupação das vagas na instituição de
excelência. Tudo se passa como se um aluno que ingressa numa Escola Pública
Federal como o CAp aumentasse, consideravelmente, suas chances de percorrer
um circuito subsequente de instituições prestigiosas, universidades públicas, e
posteriormente assumir cargos públicos e/ou as posições mais privilegiadas na
232
hierarquia social. Como afirma COSTA (2010, p.232) “os estabelecimentos de
ensino definem as chances escolares dos estudantes”. No nosso caso, parece
definir também as chances de realização pessoal, profissional e o sucesso futuro
dos sujeitos. Haveria, assim, um destino social reservado a esses egressos? Afirmou
um dos entrevistados:
Minha amiga, eu acho que todo pai e toda mãe deseja um melhor futuro pra o filho, né? Eu desejo que ela tenha sucesso profissional, que ela... Decida a profissão dela, que eu acho que é sempre muito difícil, porque eles são muito jovens. A época do vestibular é uma época da saída ainda de uma adolescência... É considerado adolescente! Você só é adulto hoje com vinte e um anos, praticamente né? Então, é um caso difícil de opção, de escolha. Mas, ela tem sempre falado um pouco, desde pequena, desde sete, oito anos, que quer ser pediatra. Mas, ela esta mudando muito esse ano. Ora ela diz que vai ser outra coisa, depois vai ser isso, vai ser aquilo outro... Mas, assim... A escolha é dela, e eu desejo que seja de profundo sucesso. As vezes ela diz que quer fazer fora, quer fazer curso fora e isso é uma vivência dali, muito comum... Se escuta muito isso de fazer mestrado, intercâmbio. Acho que é muito do universo ali da Universidade... E desejo isso, que ela tenha muito sucesso em todos os aspectos, inclusive no profissional. E eu acho que o colégio contribui quando eles estimulam exatamente isso, de ir atrás, de pesquisar, de estudar... Não ficar aquela coisa... Meramente de fazer uma provinha e acabou. Mas, ir atrás pra conhecer, pra pesquisar... Estimular eles a irem pra fora, sim! Por que, não? Se você pode vivenciar outro universo, outras culturas, aprimorar teu currículo, aprimorar tuas línguas. Isso é muito incentivador (F; E, PL).
O depoimento da mãe revela a crença de que o colégio está associado a um
futuro promissor, contribui para estimular o estudante a trilhar um caminho de
sucesso profissional e pessoal, quando incentiva a pesquisa, o trato diferenciado
com o conhecimento e desperta no discente o desejo de recorrer ao internacional
para ampliar sua bagagem cultural. A vivência na universidade por si só parece ser
fator determinante das escolhas profissionais desses estudantes, a mãe cita
inclusive o interesse da filha por “estudar fora, fazer curso fora” e ressalta: “Se
escuta muito isso de mestrado, de intercâmbio. Acho que é muito do universo ali da
Universidade...” De acordo com Nogueira (2007) as famílias mais dotadas de capital
cultural, econômico e social são aquelas que tendem a lançar mão do recurso ao
internacional. Dos vinte sujeitos investigados, oito indicaram a internacionalização
dos estudos como futuro provável dos estudantes do CAp da UFPE. Eis uma
passagem que reforça essa afirmação:
Eles já saem do colégio, viajam... Minha filha não, mas coleguinhas da turma já foram para o exterior pelo colégio. Eles têm maior possibilidade de conseguir bolsas, de fazer intercâmbio. Muitos dos pais podem custear
233
também... Tem isso, essa maior chance de realizar cursos, de se especializar fora... isso pode ser na graduação, no mestrado, doutorado... É bem provável de acontecer com eles (F; E; PL).
Ressaltamos que os pais creditam as escolhas futuras dos filhos à vivência na
instituição, enfatizam que o colégio forma jovens maduros e seguros de si, como
podemos observar no trecho a seguir:
O mais velho, o Lucas, após concluir o médio no CAp não fez vestibular, foi uma escolha dele. Ele preferiu viajar, mesmo tendo capacidade para ser aprovado em qualquer instituição que pretendesse. Ele não quis. Falou: “pai eu quero viajar, morar fora...” Ele viajou, passou alguns meses na Europa aperfeiçoando o inglês, o francês... Fez uma dezena de cursos... Estava vivendo, entende? Quando voltou fez um concurso pra nível médio federal e foi um dos primeiros colocados, assim... Sem precisar estudar nem nada. Depois fez vestibular... está concluindo o curso de direito. Fez escolhas acertadas, foram as escolhas dele... Está morando sozinho, tem independência financeira e está realizado. Ele quer apostar, quer avançar, vai prestar outro concurso mais concorrido na carreira jurídica e estamos certo de mais essa aprovação. Ele tem uma banda e tudo mais, mas é super focado, não quis enveredar pela carreira artística... Eu conversava com a minha esposa e pensava que ele estudaria música, mas não... Optou por outro curso. Dá um orgulho danado de vê-lo caminhando com as próprias pernas e acertando o passo a cada passo dado... É dele, entende? De nossa contribuição, da formação no CAp... E o segundo penso que também vai pelo mesmo caminho, pela firmeza das decisões e tudo mais. O CAp desenvolve essa maturidade... ( M; E, PL)
É recorrente, nas justificativas de pais e estudantes, que a formação
proporcionada pela instituição é capaz de desenvolver a maturidade dessas
crianças, tornando-os adultos seguros de si e de suas escolhas. Como discutido na
categoria anterior, essa ideia remonta à formação integral do sujeito, que vai além
de CApacitá-lo cognitivamente, mas envolve um trabalho emocional, de
conhecimento de si e autodeterminação. O posicionamento do estudante é
esclarecedor nesse sentido:
O colégio nos ajuda a escolher porque ajuda a nos conhecer mais assim... Eu consigo falar de mim e das minhas escolhas... elas podem mudar (risos). Se fosse pra escolher agora eu escolheria jornalismo porque gosto de escrever e correr atrás de notícia deve ser muito bacana. Daqui para o último ano eu posso mudar de opinião e escolher outro curso, mas eu vou saber exatamente porque eu estou fazendo aquela e não outra escolha (M; 8; EPR, PL)
Em geral, os estudantes acreditam que a instituição oferece condições
cognitivas e emocionais para que sejam sujeitos de suas escolhas, escolhendo por
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afinidade, não acreditando a uma formação precária. Alguns reconhecem, ainda,
que ser aluno do CAp lhe possibilita optar pelos cursos mais disputados e seguir as
carreiras profissionais mais prestigiosas. Apesar dos sujeitos afirmarem, que os
estudantes do CAp da UFPE podem escolher o curso que quiserem, eles tendem a
escolher os cursos mais prestigiosos, pois se sentem seguros da sua competência
para aprovação. O trecho a seguir é revelador disso:
Na turma da minha sobrinha foram quatro aprovados em Medicina, oito em Direito, e uns onze em Engenharia. Teve aprovação em Jornalismo, Designer, Ciências da Computação e outros cursos concorridos, não lembro bem porque conversávamos sobre isso lendo uma matéria publicada no jornal até... Acho que eles escolhem porque sentem a segurança na aprovação. Claro que há um ou outro que deve optar por cursos menos concorridos, sempre tem. Mas, acho que a maioria tende a querer superar. Minha filha só fala em Pediatria, caso não mude será a área dela (F, E, PL).
As crianças e jovens destacam que a boa educação proporcionada pelo CAp é
a base de todas as conquistas posteriores, como fica evidenciado nos trechos a
seguir:
O CAp é o pontapé inicial... Base de tudo que virá depois... Assim... Uma boa base educativa é essencial para as conquistas futuras. Eu sinto como se eu pudesse ser qualquer coisa que eu quiser porque sou aluna do CAp, não sei se você me entende... qualquer curso, qualquer profissão... Penso assim, posso não estar certa, mas penso assim. (F, E, PEB)
Eu quero ser jornalista. Há... Assim, é... em Português, a minha professora ela não dá só a gramática. Eu acho que em todas as matérias tem muito disso, eles não dão só a regra. É como minha mãe falou, não tem o decorado. Então, assim... A gente aprende mais com literatura, fazendo interpretação do que decorando as regras da gramática. A gente não usa muito a gramática, sabe? Eu acho que isso ajuda também, porque para escrever é bom eu ter uma base nisso, não só como escrever tal palavra (F;7;EPR; PU) Uma boa educação é a base de tudo, então... Estar aqui e... eu não sei... fazer os trabalhos como se faz aqui... Porque os professores exigem muito, então pode se preparar pra uma Universidade. A gente já encontrou alguns alunos do Aplicação que foram pra Universidade e que falaram que... A gente já tem alguma coisa a mais que os outros não têm. Porque as regras que são prescritas nos trabalhos, há... você tem que fazer na formatação certa e tudo mais... Já lhe ajuda! (F;9; EPU; PEB) Eu acho que ele é um Colégio muito bom e vai me ajudar muito, porque eu quero fazer medicina... E é um curso bem concorrido. Aí, eu acho que com o ensino de lá eu consigo. Assim... Ele representa algo mais, algo que pode me ajudar. Eu acho que estudando em outro colégio teria mais dificuldade para passar em Medicina (F; 6; EPR; FPFM/PL)
235
Eu quero fazer uma faculdade... Ham...Na Federal mesmo, ou na Inglaterra, pra eu conhecer o One direction (sorrir). Ou... Quero fazer medicina! (F; 6; EPR; PEB/PL)
Os estudantes têm como futuro provável o ensino superior, demonstram não
ter dúvidas quanto à aprovação nas seleções das Universidades Federais e, por
vezes, almejam cursar universidade no exterior. O contato com ex-alunos da
instituição, hoje estudantes universitários, os faz confirmar que possuem “algo a
mais” que os demais estudantes de escola pública ou, até mesmo, das instituições
privadas de ensino, estando aptos a obter êxito também durante o curso do ensino
superior. Laurens apud Viana (2008) afirma que êxitos escolares iniciais produzem
sentidos, disposições e práticas, que tendem a reforçá-los, como se os sujeitos
entrassem numa “lógica de sucesso”, na qual o sucesso inicial abre caminhos para
sucessos subsequentes. Tudo se passa como se os estudantes após a aprovação
no CAp internalizassem essa lógica de sucessos sucessivos, na qual a instituição de
prestígio os levará quase que, de forma automática, a percursos acadêmicos
exitosos.
Os pais também entendem que pertencer ao CAp da UFPE possibilita aos
filhos realizarem escolhas mais precisas de cursos universitários e carreiras
profissionais. Eles acreditam que a instituição de excelência desenvolve, em grau
máximo, todas as potencialidades de seus estudantes, competências escolares,
sociais e emocionais do alunado e fornece um leque de escolhas profissionais
possíveis e prováveis. Foi recorrente, na fala dos entrevistados, o poder de decidir
acerca do próprio futuro com competência e maturidade, a liberdade de “Poder
escolher qualquer curso que ele/eu quiser” “Poder ser o que ele/ eu quiser”. Ao
serem questionados sobre as perspectivas de futuro e em que o colégio os ajudaria
a alcançar tais aspirações, os depoimentos dos sujeitos sugerem a certeza de
realização pessoal e profissional futura, que parece dizer a cada um desses
estudantes: “Escolhe o que quiser, sem medo de ser feliz! [...] sem medo de
fracassar!” Alguns títulos das falas dão indicativos dessa certeza:
Fazer escolhas acertadas na vida. Ele pode escolher a profissão que ele quiser, ser artista, dançarino, médico, fazer doutorado, não fazer, não sei... Poder ser o que quiser é o que mais me deixa feliz... Ele não precisa se
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importar com o que vão falar dele, o que ele decidir... ter segurança nas escolhas, sustentá-las diante dos outros (M, G, FPF). Eles estão sempre aptos aos desafios propostos. E isso me deixa tranquila quanto ao futuro que almejamos pra ele. Aquele medo de não dar certo de não estarmos no caminho certo, nós não sentimos mais... Eu vejo pelo desenvolvimento dele mesmo que vem coisa boa por aí (F, M, PL). Penso que ele pode abrir o leque de oportunidades, elas podem ver o quê é que existe por aí e não ficar habituadas a uma coisa só. E como é dentro daqui da Federal, elas podem ver mais de perto o que se faz realmente em cada profissão, no futuro... Pra elas verem o que elas querem e vê se aquilo vai favorecer elas. Elas terem a certeza que é aquele caminho que elas querem seguir, pra depois não fazer um curso sem saber se gostava, se não... Perder tempo (F, G, FPF). Eu acho que o Colégio de Aplicação, as tarefas, a maneira de ensinar. A proposta deles faz o aluno pensar, coloca o aluno pra pensar e isso eu acho que faz eles amadurecerem. Vai dando mais maturidade aos alunos. E a parti disso, de eles terem essa maturidade é... de certa forma essa cobrança , de fazer isso, de fazer aquilo, de fazer tarefas, de fazer os passeios... Eu acho que isso é uma coisa assim, que vai... ampliando né, o... o... A visão deles, né? De uma maneira geral né? Eu acho que isso é essencial para amanhã escolher uma profissão e se dar bem e não pensar assim: - O que dá dinheiro é isso. Não! Pensar em uma coisa que vá satisfazê-la, né? Por exemplo, que nem eu falo, que minha profissão é meu brinquedo predileto. Eu vou lá e me sinto bem, eu vou dormir tarde, mas... É o que eu gosto de fazer. Eu acho que isso é que é importante pra o Colégio de Aplicação, ele abre a cabeça das crianças e faz com que eles busquem é... A profissão que eles querem (F; D, PU)
A ênfase no sucesso futuro ou realização profissional não está no aspecto
financeiro, mas em acessar carreiras, que deem ao sujeito certa visibilidade social,
tornando os estudantes adultos, satisfeitos, ocupantes de posições sociais
esperadas, adultos que possuem certa segurança financeira, mas que são,
sobretudo, pessoas realizadas. Em geral, ao acessarem a instituição, essas famílias
antecipam futuros prováveis ao grupo, pois regularam suas práticas em função do
futuro, do desejo de dominá-lo e das condições para exercer tal domínio; o futuro
tem início no presente, num porvir já contido no presente imediato (BOURDIEU,
2007). As esperanças desses sujeitos estão harmonizadas às suas condições
objetivas, faz com que as possibilidades de obter um futuro promissor tornem-se
esperanças subjetivas de obtê-lo.
Conforme Bourdieu (2007, p. 265), as vontades acabam se ajustando às
possibilidades, os desejos ao poder de satisfazê-los. O habitus do grupo é esse
“poder ser” que diz aos estudantes que eles podem acessar os cursos universitários
e as carreiras escolares que pretenderem. Esse habitus institui nos corpos
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disposições duráveis de ser à altura das potencialidades dessas crianças e encontra
no CAp da UFPE, condições favoráveis para se desenvolver.
Como dito anteriormente, nosso grupo é composto por famílias para as quais
o reconhecimento social vem através da educação. Para Nogueira (2008) as
condutas de valorização da educação são típicas das camadas médias
intelectualizadas. Esse público acompanha de perto o percurso escolar dos filhos,
num treinamento para excelência e autonomia intelectual. É como se eles
“gerenciassem” a carreira escolar de suas crianças, evitando desvios de um futuro
pretendido e provável.
As estratégias utilizadas pelas famílias para aprovação no CAp da UFPE
dizem desse esquema de apreciação e visão de mundo das famílias, que foi
adquirido através da socialização, ao longo da trajetória desse indivíduos.
Responder a questões práticas do tipo: em qual escola colocaremos essas
crianças? Eles farão aula de línguas? Com quais crianças elas irão se relacionar?
Que ambientes frequentarão? requer que o sujeito acione o habitus do grupo. Todas
as estratégias de escolarização ou acúmulo de capital cultural e escolar são
reveladores desse habitus. Tais estratégias nos dizem de como o habitus se formou,
de sua matéria prima e origem. A partir das práticas do grupo é que o habitus se
materializa.
A escolha do estabelecimento escolar faz parte de um conjunto de estratégias
familiares para manutenção ou ampliação da posição social e cultural familiar
(SYNGLE, apud ROMANELLI, 2008). Para auxiliar os filhos a alcançarem as
perspectivas profissionais e pessoais futuras familiares os sujeitos empreenderam os
esforços necessários à aprovação na instituição. Como adiantamos no início deste
capítulo, as estratégias familiares ora aparecem claras e empreendidas para tal fim,
como os cursinhos preparatórios, rotina de estudos em casa, horários regrados
direcionados a antecipação da matéria e resolução de provas dos anos anteriores;
ora essas estratégias são de mobilização das disposições interiorizadas na trajetória
escolar e familiar do estudante, momento em que os sujeitos acionam naturalmente
a bagagem cultural e social familiar.
Dos vinte sujeitos entrevistados dezoito se valeram dos cursinhos
preparatórios para a seleção de ingresso do CAp da UFPE. Regra geral, esses pais
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não legaram apenas ao cursinho a preparação para a prova. No discurso dos
sujeitos o “cursinho” serve para orientar e treinar as crianças para o estilo de prova
que a instituição costuma realizar. Mas, sozinho, o preparatório não é eficaz, é
necessário o apoio e complemento familiar. Em todos os depoimentos os sujeitos
expressam que os pais e demais familiares acompanharam de perto os estudos
dessas crianças; além de frequentarem as aulas preparatórias, em casa foi
estabelecida uma rotina de estudos para acompanhamento das atividades do curso
e resolução de provas anteriores. Ainda, há relatos de pais que antecipavam os
conteúdos do próprio cursinho para a criança ir se familiarizando com a
complexidade dos mesmos e antecipando possíveis dificuldades. A passagem a
seguir é representativa de como se deu o processo de preparação deste grupo para
a seleção de ingresso da instituição e que disposições os pais mobilizavam nesse
processo. Afirmaram os pais:
Inicialmente, a gente já sabia... Como eu já tinha uma experiência com o João Mateus, o meu filho mais velho... As matérias que cairiam na prova seriam além do que ela estava dando lá no colégio, um nível superior. Aí a gente colocou ela no CICA um ano antes do concurso, o próprio CICA já tem isso... Pra ir acostumando. E... a gente não forçou muito isso em cima dela, ela que vinha, fazia aquelas tarefinhas básicas que o colégio passava... Então, esse primeiro ano foi mais uma adaptação do que seria. Quando foi o ano mesmo do concurso, o colégio... O CICA não começou mesmo num ritmo muito forte, começou num ritmo tranquilo... A gente foi deixando ela, foi acompanhando e tal. Aí eu já nesse ano, no ano do concurso que foi ano passado, eu comecei a vigiá-la de mais perto: - Não vai ver televisão, tá na hora, vai estudar! Fui acompanhando, fiz um levantamento de provas anteriores, dos colégios militares, todos... Ficava junto com ela: - Tem dúvida? Acompanhava... Ainda dentro da matéria do CICA, ou seja, dúvidas que tinham que aparecer... Ela dizia: - Olha papai, ajuda aqui. É um exercício tal... E... sem eu passar uma coisa extra por fora. Quando chegou mais perto, eu comecei a buscar, ela começou a resolver provas, não só de colégio, mas... Eu baixava a prova, ela ia e fazia, eu deixava ela fazer sozinha, se ela tinha dúvida eu sentava e resolvia com ela. E a gente começou nesse ritmo, ou seja, ela estudando, fazendo os exercícios, eu acompanhando os exercícios do cursinho, monitorando ela, ela estudava e quando eu via que ela estava parando por alguma coisa, eu falava: - Olha filha, tua concorrente essa hora não está parada não, está lá estudando. Aí ela ia... E não me deu trabalho, sabe? A vantagem foi essa. O João Mateus, meu filho, já tinha que ficar o tempo todo em cima dele. Ela, não. Eu falava, ela já ia fazer... Não me aborreci com isso. Mas, sempre estava ali monitorando: - Ah, estou cansada! – Não minha filha, fique mais um pouco, estude mais um pouco. Mas eu não tive trabalho. Aí no final eu comecei a fazer isso, eu levantava as provas, ela resolvia e sentava: - Opa! Faltou essa aqui, vamos estudar esse exercício. Aí resolvia com ela. Os que ela fazia da prova, eu verificava pra ver se estava certo, dava acompanhamento... A gente começou nesse ritmo de prova, como estava assim dentro de um cronograma do colégio, ou seja, eu poderia ter feito,
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mas eu não quis fazer porque eu estava deixando isso com o próprio CICA. O CICA vai acompanhando as matérias e eu vou vendo isso aqui com essas provas extras, trabalhando com ela. E no final o que é que eu percebia? Que, inicialmente, as questões ela resolvia umas e outras ela não sabia porque a matéria não tinha sido dada ainda. Aí alguma coisa eu já adiantava: - Olha, essa equação funciona assim, o volume do cubo é dessa maneira... Aí já ia adiantando pra quando ela fosse lá estudar no CICA, ela já sabia. Então, algumas matérias quando ela foi estudar no CICA ela já conhecia por causa dessas provas que nós fizemos. E eu fui percebendo que no final, quando eu fui pegando as provas, próximo a seleção... um mês antes já, ela já conseguia pegar as provas e ir levando até quase o final e sentia, as vezes, dentro da própria matéria que ela já tinha estudado, alguma dificuldade. Mas, foi assim, toda vez que eu pegava a matéria dentro da prova, que tinha uma questão e que ela não tinha visto, eu já adiantava aquele assunto. Dava uma pincelada, mostrava como ia ser. As vezes pulava: - Olha, esse aqui você já viu, essa aqui está contigo, faz. Aí ela ia, as vezes resolvia, as vezes travava em algum lugar. Mas a minha idéia foi essa, eu deixei para o CICA fazer o cronograma deles e aquilo que aparecia que ela não tinha visto, eu já adiantava. E sempre dentro de prova, ela já ia fazendo... Foi dando certo, no final ela estava quase resolvendo a prova todinha. E a parte de português, o quê que eu fiz? Eu... A gente estudou muito a área de matemática, inicialmente, porque ela estava interessada no colégio militar, então foi onde a gente pegou. Português eu deixei mais com ela, ela foi estudando, ela não tinha muita dificuldade na área de português, estudava sozinha... O português a gente foi mais conversando assim... Dia a dia, eu via uma coisa né? A leitura também e ela é desenroladinha, ela escreve bem, faz uma redação legal. Aí eu só dentro da redação dela pega: - Olha, essa vírgula aqui tem que ser por causa disso. E ia explicando pra ela e fui fazendo esse tipo de coisa com ela, mas em estudar em cima realmente de português. Quando deu... ela fez colégio militar, ela tinha que estudar agora português... Aí o quê é que eu fiz, eu pegava... Sempre deitava ali nós dois na cama, eu pegava uma prova do colégio militar, ou qualquer outro tipo de prova desses concursos, e a gente estudava, lia o texto. Só que eu já olhava, essa aqui é resposta minha, letra B... Aí a gente ia lendo junto e eu perguntava: - Maria, o quê é que você acha? Letra B? Aí ela: - C e tal... E eu: -B!Qual é a tua? B! A minha também é B. Vamos vê? E tal... Quando não dava certo a minha com a dela, eu perguntava a ela o que foi que tinha levado ela a responder isso e ela me explicava, e eu dizia: - Presta atenção, de repente não é assim. Chegou uma hora que a gente fazia tudo junto, quase tudo junto, quando eu errava ela errava também (sorrir) Aí é isso, trabalhei mais essa parte de texto com ela (M; E; FPFM).
No depoimento de Armando, militar, há uma participação ativa na preparação
da filha para a seleção de ingresso. Este que já havia submetido o filho mais velho à
seleção de ingresso da instituição, sem êxito, acompanhou, de perto os, estudos de
Maria. Além de organizar uma rotina de estudos, promovendo momentos em que a
menina estudava sozinha e acompanhada dele, Armando empreende esforços ao
solicitar que a filha não desistisse, quando se sentia cansada e ao alertá-la da
concorrência da prova.
240
Constatamos que este pai, e outros participantes da pesquisa realizavam um
convencimento destas crianças, uma espécie de sedução para que os filhos se
envolvessem na preparação para a seleção. Muitos relatam que, de nada adianta,
todo o processo se a criança não quiser ser aprovada, uma mãe assim se posiciona:
A criança tem que querer, não adianta. A gente pode insistir, mostrar pra ela que é importante para o futuro dela esse esforço, mas se ela não se convencer disso, não adianta, ela não vai estudar, prestar atenção no curso, se esforçar... A minha filha abraçou a causa, a gente quis primeiro, ela passou a querer de tanto a gente falar bem do CAp... Levamos ela lá pra conhecer e tudo mais... (M; E;FPFM)
Os filhos internalizaram esse desejo de pertencer à instituição por
compartilharem das perspectivas de futuro dos pais. Tais perspectivas de futuro são
construídas e internalizadas pelas crianças no processo de socialização. Observe
mais um trecho do depoimento de Armando:
A Maria não me deu trabalho, sempre foi muito interessada responsável. Menina também, né? Sempre mais paciente, cuidadosa, dedicada, persistente, autônoma... A impressão que eu tenho é que ela já nasceu pronta. E... ela quis passar. Ela comprou o nosso desejo também... Se empenhou para que a aprovação acontecesse e correspondeu aos nossos investimentos. No fundo, acho que ela compreendeu nossa preocupação com o futuro deles, compreendeu mais cedo do que o irmão. Hoje ele fala “eu poderia estar no CAp e tal”, mas a Maria ela chegou primeiro na coisa, a ficha dele veio cair depois... (M; E; FPFM)
O relato anterior nos diz que, na mesma família, a socialização dos filhos não
os envolve da mesma forma. Embora tenham sido socializados nos mesmos
ambientes, frequentado a mesma escola, as crianças podem acionar disposições
diferenciadas. Isso não quer dizer que as disposições legadas pelos familiares são
diferentes para cada filho, ao contrário, as disposições, percepção, valores e visão
de mundo são muito semelhantes. Mas, apesar de socializada na mesma cultura de
classe ou de grupo, a criança pode valorizar e incorporar determinadas disposições,
em detrimento de outras.
As expectativas que são projetadas em cada um dos filhos é um aspecto que
pode diferir. De acordo com Glória (2005), há diferenças entre o envolvimento,
desempenho e trajetória escolar das crianças em função de questões afetivas, de
gênero ou lugar ocupado na fratria. Assim, os pais podem lançar expectativas
241
diferenciadas em relação a cada filho. No caso em foco questão, Maria parece ter
incorporado o que lhe foi projetado, ao contrário do irmão, que segundo o pai “a
ficha veio cair depois”. Para Armando, o fato de Maria ser menina, paciente e
cuidadosa fez com que ela se envolvesse, empenhasse e correspondesse aos
investimentos familiares. Diferente do irmão, Maria expressava autonomia,
dedicação, paciência, atenção e persistência. As expectativas de aprovação e
perspectivas de futuro lançadas sobre Maria parece ter feito com que esta
incorporasse desde cedo disposições favoráveis à aprovação.
Como dito anteriormente, dois dos participantes da pesquisa não
frequentaram cursos preparatórios, e organizaram estratégia rotina de estudos em
casa, nas quais resolviam questões dos anos anteriores e recebiam de pais e irmãos
apoio com os conteúdos que ainda não haviam tido contato ou não dominavam por
completo. Eis o que disse a estudante de escola pública, que não fez cursinho
preparatório:
Estudei na Escola Municipal São José. Lá em... É em Vera Cruz, Aldeia... dois quilômetros e tem as vilas. Lá era só ensino básico, até a alfabetização. Não... A partir da alfabetização até a quarta série. Nesta escola pública só fiz a quarta série. Antes eu estudei em Camaragibe, que eu morava lá também. Depois que eu mudei pra Aldeia que eu mudei pra escola de lá. Em Camaragibe a escola era particular e maior, tinha o fundamental e médio (...) Eu era terceira série... Aí a minha mãe queria me inscrever no Militar, porque meu tio, que é da policia, estudava lá. Aí ela também soube do Colégio de Aplicação, porque algumas pessoas da família são daqui, e eu tenho um tio que ensina aqui (...) Aqui no Aplicação. Aí a gente foi... Eu comecei a estudar na terceira série, pra o Aplicação e pra o Colégio Militar. Em casa... sem cursinho. Minha mãe me deu livros e a gente estabeleceu horários... Assim, durante o ano. Uma coisa progressiva, no começo do ano eu estudava um pouco, tipo... meia hora por dia e depois no final eu já estava estudando mais, umas duas horas. Diariamente. (...) No começo minha mãe dava o material e eu ficava com a minha irmã mais velha. Mas, só que eu... Consigo me entreter no que eu estou fazendo. Então, depois de um certo tempo minha mãe tinha que avisar: “- Olha, Marina... Já acabou o horário!” Aí, eu: - Ah! Tá bom! (F; 9; EPU; PEB/PL)
A seguir, o depoimento da mãe da estudante de uma escola privada de
prestígio, que também não frequentou cursinho preparatório para a seleção de
ingresso do CAp.
Cursinho pra seleção do Aplicação, não! Ela tinha uma rotina boa no
Colégio Santa Maria. Isso ela tinha... Uma rotina boa, porque é um colégio
que exige bastante também. Não tem o mesmo parâmetro que o Aplicação,
são posturas completamente diferenciadas. Mas, tinha uma rotina bem
puxada de estudos. Eu acredito que isso foi assim... Muito fundamental pra
242
o bom desempenho dela na prova, pra ela passar. Eu acho que com a soma
de tudo, né? E... Laura também sempre foi uma garota que gostou muito de
ler e eu acho que isso contribui muito pra formação do jovem, da criança ter
uma boa postura... Cursos ela fez outros ao longo do fundamental... Kumon,
Inglês, mas não uma preparação direcionada para a seleção do Colégio de
Aplicação... Resolveu as provas dos concursos anteriores em casa mesmo
com a prima (F, E, PL)
As duas estudantes que não tiveram a preparação do cursinho revelam
trajetórias escolares e de socialização favoráveis à aprovação na instituição. A
primeira delas era estudante da Escola Municipal São José, filha de uma professora
de educação básica e de um microempresário. A estudante alega ainda ter estudado
apenas no quarto ano em escola pública, tendo anteriormente frequentado
instituições privadas de ensino. Estabelecimentos escolares de excelência não são
distantes da família de Marina, o fato do primo ser estudante do Colégio Militar e do
tio ser professor do CAp da UFPE despertou o desejo da estudante de participar das
seleções de ingresso destas instituições. Assim como Maria, a filha do militar, a
preparação de Marina para a seleção de ingresso da instituição teve início no
terceiro ano do ensino fundamental, o que garantiu a essas crianças dois anos de
preparação para o teste. Ambas parecem ter realizado um percurso de ensino
fundamental inicial, que garantia as condições para aprovação, ou seja, um percurso
de sucesso escolar.
A segunda entrevista é da mãe de Laura. A jovem é filha de contadores,
moradora da zona sul da cidade e estudava em um dos colégios mais prestigiosos
da região, o Colégio Santa Maria. Diferente dos demais, Laura não se preparou
deliberadamente para o exame de ingresso com tanta antecedência. A mãe alega
que o direcionamento para o estudo veio seis meses antes da seleção, mas que a
filha mobilizou as disposições, que possuía para a aprovação. Ela cita o bom
desempenho escolar, o fato do “colégio ser puxado” e da filha possuir uma rotina de
estudos, ter frequentado cursinhos como Kumon, curso de línguas e possuir hábitos
de leitura.
No geral, há toda uma mobilização familiar para acesso e permanência na
instituição. Dos vinte sujeitos entrevistados, dezenove alegam que o processo de
preparação envolveu todos, modificando a rotina não, apenas, do estudante como
também da família. Por um período, as famílias tiveram suas rotinas ajustadas a
243
rotina do estudante, pais e irmãos abdicaram de lazer e de horas de descanso para
acompanhar essas crianças. Questões aparentemente simples são reveladoras
dessa mobilização, tais como: pais se revezarem ou solicitarem da ajuda de
familiares e vizinhos para levar e buscar essas crianças aos cursinhos, simulados e
aulas extras; acordar às seis horas da manhã, no sábado para levar as crianças
para os simulados; cancelar viagens de finais de semana em função das aulas,
simulados ou para cumprir um cronograma de estudos; e evitar barulhos em casa
que interferissem no estudo do estudante. Tais fatos são exemplos dessa
mobilização das famílias durante o processo de preparação dos filhos. Eis alguns
trechos nos quais os sujeitos descrevem esse processo:
A gente se prendia muito no cursinho pra não faltar aula. Então, a gente não fazia nada se aquilo que a gente fosse fazer envolvesse, aquela... Aquela... Vai ter aula no sábado, então tudo que tivesse programado pro sábado... Várias vezes aconteceu. – A gente vai pra praia amanhã. Não vamos porque Maria vai ter uma aula agora no sábado... Ou então, na sexta feira... – Vamos pra tal lugar na sexta? Não, Maria só vai depois. Ou seja, a gente começou a fazer nossos programas em função dela. Aí chega um ponto que fica fácil, porque você já sabe... O que sobrou a gente vai fazer alguma coisa, se der pra fazer. Mas, realmente influenciou muito, a gente fazia tudo pra não perder nenhuma aula, realmente. E no finalzinho ela ficou pra estudar mesmo, a gente não fazia nada (M; E; FPFM) Também... Totalmente, a gente mudou totalmente. Porque a gente deixou de passear, a gente deixou muita coisa de lado pra que elas tivessem tempo pra estudar. A gente realmente mudou. Até hoje ainda... (F; G; FPF)
Olha, na verdade foi um período atípico assim, na nossa vida. Porque, esse ano minha mãe faleceu, tinha falecido no ano anterior... Aí ela foi se preparando... 2011... Fernando estava fazendo o pós.doc lá na França, estava fora. Então era eu, ela, meu pai e nosso anjo da guarda né, que é Betânia, que era a mãe de Nayara. Então a gente revezava, a Betânia levava ela pro curso e eu ia buscar. Foi um período assim... Puxado. Eu lembro que na época choveu muito em Recife, eu nunca dirigi tanto na minha vida, porque eu moro aqui do lado né? Mas eu não modifiquei tanto, inclusive ela fazia os simulados e ela tinha um bom desempenho. E o diretor do cursinho me chamou pra conversar, aí me falou assim: - Olha, a Camila tem potencial pra passar, ela precisa fazer mais simulados pela internet. Ela faz alguma atividade extra? Faz, faz curso de Inglês. Agente aconselha tirar. Aí eu falei assim, não! Eu respeito muito a sua opinião, mas eu não vou tirar ela do curso. (F; D; PU)
Na última entrevista, a mãe relata que chegou a receber conselhos para tirar
a filha do curso de inglês e focar na seleção do CAp. Esse tipo de estratégia é
utilizada por alguns dos pais, que, por um período, cancelam cursos de línguas,
Ballet e esporte para que a criança se dedique à preparação para o exame. Uma
244
das entrevistadas revela que, em acordo com a direção da escola, encerrou o quarto
ano letivo da criança meses antes do término oficial. A seguir, apresentamos o
depoimento dessa criança, revelando um pouco da rotina de estudos que a família
estabeleceu para ela, em seguida temos o posicionamento da mãe:
A Minha rotina era assim, todo dia de manhã na escola. Segunda, quarta e sexta no curso à tarde e quando chegava do curso estudava... Até tarde com meu pai, até as 22h mais ou menos. No início ela ficava apenas realizando as atividades do curso e algumas questões. Na terça e na quinta ela começava a estudar a tarde em casa, das 15h às 22h porque não tinha cursinho. Passado quase um semestre ficou mais acelerado o estudo. Eu tinha aulas a tarde e a noite no curso, aí eu tinha aula no curso segunda, quarta e sexta de tarde e de noite e terça e quinta de noite, aí eu sai da escola... Porque no caso eu acordava um pouquinho mais tarde e ficava estudando até dar minha hora de ir para o curso (F; 7; EPR; PEB;FPF) Como as notas delas eram muito boas, ela estava aprovada na escola e tudo mais... A gente conversou com a diretora da escola e disse que estava muito puxado pra ela... Isso já era setembro por aí... Aí a diretora autorizou, e Bia não ia mais pra escola... Ela sempre esteve envolvida em curso de inglês, aulas extras, tudo mais... Mas esse ano foi muito puxado pra ela... (F; E; PEB)
A mãe de Bia é Auxiliar de Desenvolvimento Infantil e está cursando
pedagogia, o pai é engenheiro da Petrobrás. A estudante realizou as séries iniciais
do fundamental numa escola privada de pequeno porte no bairro em que reside. Os
pais desejavam a aprovação da criança e a encerraram numa rotina de estudos de
“gente grande” semelhante às rotinas que os vestibulandos dos cursos mais
concorridos possuem. A família explica que esse processo foi necessário para
garantir o futuro da estudante, que pensa em fazer medicina ou jornalismo. A
estudante relatou que o curso preparatório ficava longe de sua residência, e fazia o
trajeto de ônibus, num deslocamento, também, exaustivo, sua situação era diferente
da dos coleguinhas de curso que eram deixados pelos pais de carro e residiam
próximos ao estabelecimento. Uma das melhores amigas de Bia é filha de
professores universitários, vive num contexto econômico, totalmente, diferenciado do
dela. No entanto em entrevista com a mãe da coleguinha percebemos que as
famílias são amigas, possuem bastante afinidade e realizam programas juntos,
levam as garotas para lançamento de livros e livrarias e promovem reuniões
familiares.
245
Destacamos que no momento da entrevista, a mãe de Bia informa, com muito
orgulho, que a filha mais velha tinha passado no curso de direito no vestibular da
UFPE. Quando a filha primogênita, também, havia realizado a seleção de ingresso
do CAp da UFPE, não logrando êxito, submeteram a filha á seleção de ingresso do
Colégio do Recife, estabelecimento no qual à garota cursou o fundamental e médio.
No grupo que opta pelo Colégio de Aplicação da UFPE, existem contextos
familiares nos quais pais empreendem mais esforços que os demais, na tentativa de
superar possíveis defasagens, que uma escolarização num estabelecimento privado
de bairro ou em escola pública possa acarretar. Eles se esforçam para reduzir as
possíveis distâncias de desempenho escolar de suas crianças frente às demais
concorrentes. Nos relato precedente, a família moradora da periferia da cidade, cuja
filha era estudante de uma escolinha de bairro foi aquela que mais abdicou de sua
rotina habitual, empreendendo esforços direcionados unicamente para o processo
seletivo, e mobilizando também no decorrer do processo os recursos sociais e
culturais de que sua família dispunha. As estratégias de que a família fez uso
chamam atenção: rotina exaustiva de estudo e aulas preparatórias foram superiores
as demais, até mais do que da estudante de escola pública, filha de uma professora
de educação básica e pai microempreendedor, sobrinha de professor do CAp, e que
apresentava um histórico de sucesso escolar em escolas privadas de grande porte,
além de elevado capital cultural familiar.
Cumpre citar que para conseguir acessar, a qualquer custo, o colégio de
excelência o comportamento dos pais nem sempre é honesto, para realizarem o
sonho e ter os filhos aprovados no CAp da UFPE, alguns deles chegam a burlar o
próprio sistema de ensino. Quando suas crianças são reprovadas na seleção de
ingresso, mas percebem que “faltou pouco para serem aprovadas”, se encantam
com as chances de êxito e não aceitam desperdiçá-las; realizam, desta forma,
acordos com diretores das instituições em que os filhos estudavam para reprovarem
esses estudantes, desta forma a criança pode realizar novamente o teste no ano
seguinte. Esta vivencia mais um ano de preparações e lhes é dada mais uma
chance para garantir uma vaga no colégio.
Nos relatos a implicação de todos os membros da família impressiona.
Percebemos que os investimentos de tempo, energia e acompanhamento dos
246
estudos não se encerram com a aprovação do estudante, pois persistem para
garantir a permanência com êxito na instituição. A permanência na instituição,
também, promove um reajuste na rotina familiar como apontam os trechos a seguir:
Quando eu penso que eu ia descansar, aí era trabalho em cima de trabalho. Eu também tive que ajudar no início, a mais velha, né? Aí ela conseguiu fazer tudo aquilo que ela não tinha habilidade, ela precisou fazer slides, precisou usar Power Point. Uma coisa que ela não... Tinha aula de informática, mas aquilo bem bobo não é? Ela precisou de ajuda também... Aí eu ainda tive que acompanhar um pouquinho (F; G; FPF)
Os horários daqui de casa mudaram um pouco. Levantamos mais cedo para levá-la no colégio porque é distante, tem o trânsito louco da cidade... Nos revezamos, um dia eu levo, no outro meu marido faz o serviço (risos)... Antes almoçávamos juntos... Hoje em dia ela não almoça mais com a gente. Quando chega da escola almoça com a avó, as vezes sozinha... Ela chega por volta das 14h... Tem dois dias na semana que o horário é estendido e ela chega quase noite. Nesses dias nós saímos do trabalho mais cedo e jantamos juntos... As vezes não dá para estar em casa em horários fixos, mas a gente faz o esforço para acompanhar, saber da escola, dos amigos, chegamos junto nas atividades também, pro desempenho não cair... Essas coisas. Daí tem muito pra estudar também, pesquisas e trabalho nas amiguinhas e nós ficamos pra cima e pra baixo com ela. Não viajamos se ela tiver um trabalho na casa das amigas, por exemplo. A nossa rotina ainda é em função da rotina dela (F;M, FPF) Bom... Mudou, sim. Porque agora... Aqui o colégio dela era perto, então acordava mais tarde, agora acorda mais cedo, muito mais cedo. Minha esposa acorda cinco horas da manhã, acorda, levanta, faz café da manhã pra ela. Tem que está pronta de cinco e meia porque a condução passa às seis horas. Então, antes a gente não acordava tão cedo. A condução saí às seis horas pra estar lá as sete, porque a condução ainda tem pegar outras pessoas e... Na volta a mesma coisa, ela chega em casa às duas horas da tarde, ela sai de lá meio dia, quase uma hora... Só que... Quando a condução sai no início de Boa Viagem eu já saio e pego ela ali, pego o Hiper Bompreço aqui, porque senão a condução ainda vai deixar não sei quem... Dá uma hora eu estou chegando com ela, porque se eu fosse esperar... Eu já vou antes porque já ganha uma hora em casa. Aí eu já vou antes, porque se eu for esperar a condução passar... Mas, eu não vou buscar ela lá. Então tem esse negócio aí. É... outra coisa, assim... Mudou, ela esta sempre fazendo trabalho, sempre na casa das amigas. E ela não fazia muito isso... Nem me lembro se tinha no Dourado, algum trabalho de equipe. Então eles cobram muito isso, tem muito isso. É parte de música, é dança pra isso, trabalho de... todo tipo de trabalho. Praticamente toda semana ela tem que ta na casa... Aí vem as amiguinhas dela pra cá pra fazer trabalho, aí ela vai. Essa semana ela foi duas ou três vezes já, pra treinar dança de teatro. Então, mudança tanto dela, quanto no movimento da família. E feliz né? Porque ela esta feliz, o colégio eu estou gostando né? A expectativa... Mudança pra melhor! Talvez, mais trabalho, mas compensador, né? Uma satisfação, a satisfação está sendo maior que o trabalho, trabalho tem e você faz com prazer. Gostaria de estar fazendo pro outro também, mas infelizmente ele não passou na época... Mas é isso aí! (M; E; FPFM)
247
Diante do exposto, percebemos que as estratégias das famílias são
semelhantes no que tange à preparação de suas crianças para a seleção de
ingresso do CAp da UFPE. A família parece reunir esforços para a aprovação, pois
durante um ou dois anos, os entrevistados tiveram sua rotina modificada, abdicaram
de seus momentos de lazer habituais para acompanhar os filhos nos cursinhos e
simulados e organizar espaço, esforços e tempo propícios aos estudos das crianças.
A preparação envolveu também, a necessidade de acionar as disposições
adquiridas na trajetória de socialização familiar e escolar dos pequenos,
especialmente para o estudante que não se preparou tão antecipadamente quanto
os demais, direcionando os estudos apenas seis meses antes da seleção.
Os relatos apresentados indicam que a mobilização para aprovação na
instituição se dá porque a clientela, que escolhe o CAp da UFPE, acredita que
compor o grupo traz reconhecimento social, funciona como um trampolim para a
realização profissional, pessoal e sucesso futuro desses estudantes.
248
6. CONDIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa teve como objetivo compreender as Representações Sociais do
Colégio de Aplicação da UFPE segundo alunos e pais, caracterizando e analisando
os sentidos e significados atrelados as perspectivas de futuro. Partimos do
pressuposto de que as famílias que escolhem o CAp da UFPE, as camadas médias
intelectualizadas, efetuam certo “malabarismo” para a aprovação na seleção de
ingresso e mobilizam estratégias não necessariamente planejadas, mas
orquestradas e orientadas para o sucesso escolar dos filhos. Isso ocorre porque
carregam consigo uma certeza, uma garantia do sucesso que se deve ao habitus do
grupo, e que é reforçada a cada êxito, ou resposta positiva que suas crianças lhes
fornecem. Nesse sentido, a escolha do colégio não é aleatória, pois faz parte do
campo dos prováveis, do leque de possibilidades, que os pais possuem e está
estritamente relacionada às perspectivas de futuro dessas famílias.
Nossos resultados confirmam esse pressuposto. Em primeiro lugar, o colégio
atrai famílias bem sucedidas, uma clientela diferenciada da que compõe as escolas
públicas estaduais e municipais, bem como de algumas instituições privadas; em
segundo, os resultados indicam que há uma regularidade das estratégias utilizadas
por esse grupo para acesso e permanência na instituição de excelência. Contudo,
constatamos que, dentro do grupo estudado, existem contextos familiares nos quais
alguns pais empreendem mais esforços do que outros para superar possíveis
defasagens que uma escolarização em estabelecimentos privados de pequeno porte
ou escolas públicas possa acarretar. Tais famílias acionam as disposições mais
favoráveis à aprovação, fazendo uso dos trunfos de que dispõem.
As práticas de ingresso e permanência em espaços de escolarização de
excelência são favorecidas pelos capitais construídos nas trajetórias de socialização
dos sujeitos. No processo de decisão para submeter o filho à seleção de ingresso e
na preparação, são mobilizados diversos capitais [social, cultural, econômico],
credenciais escolares e disposições cultivadas nos sujeitos, porém tais mobilizações
nem sempre são deliberadas e intencionais. Os sujeitos acionam o habitus do grupo
no qual foi socializado, uma espécie de senso prático, aprendizagens práticas
249
decorrentes da bagagem cultural e social familiar, que orienta a ação desses
sujeitos, e como avaliam e classificam o mundo.
Na primeira fase do estudo, almejávamos identificar conteúdo e estrutura das
Representações Sociais de pais e alunos referentes ao Colégio de Aplicação da
UFPE. Traçamos também, nesta etapa, um perfil do grupo investigado o que trouxe
os primeiros indicativos dos habitus do grupo. Os resultados nos trouxeram indícios
preliminares de confirmação de nosso pressuposto teórico, o núcleo central das
representações dos pais está composto por duas palavras “Qualidade” e “Futuro”,
confirmando a hipótese de que as representações do CAp estão atreladas as
perspectivas de futuro dessas famílias. O termo “Qualidade” apareceu como
estruturador, confirmando os indicativos da literatura que esses pais escolhem os
estabelecimentos escolares pela qualidade que reúnem. A estrutura da
representação do colégio por estudantes aponta “Estudo” como possível núcleo
central, necessário para garantir os resultados expressivos, que a instituição possui
e para permanência com êxito do estudante no colégio. As justificativas do termo
trazem a ideia do CAp como diferencial na vida dessas crianças e que o acesso ao
“melhor” ensino lhes possibilitar a estes alcançar suas aspirações futuras.
Na segunda fase do estudo, atendendo aos preceitos de teoria, intentamos
confirmar se as cognições inicialmente levantadas compunham efetivamente o
núcleo central da representação do CAp para pais e alunos. Ao nos depararmos
com os resultados das Triagens Hierárquicas Sucessivas, percebemos que a
saliência do termo central “Estudo” não foi contornado. O termo “Futuro” surge
como indispensável à RS do colégio. Esses resultados nos alertaram para o uso
cuidadoso dos métodos associativos e da importância da utilização de métodos
complementares, que testem a centralidade dos termos. A evidenciação do
elemento “Futuro” mais uma vez confirma nosso pressuposto teórico. No caso dos
pais, “Qualidade” é eleita a palavra mais significativa da representação. No entanto,
as argumentações para com os termos “Qualidade” e “Futuro” aparecem com
sentidos imbricados.
Na terceira fase do estudo, aprofundamos os sentidos anteriormente
delineados. Neste momento, tomando como referência as fases anteriores,
procuramos caracterizar as razões/ fatores que levam as famílias a escolher um
250
estabelecimento considerado de referência para os filhos; identificar as perspectivas
de futuro de alunos e pais; relação com o ingresso e permanência na instituição;
identificar as estratégias mobilizadas para fazer parte do grupo de alunos da referida
escola e as que continuavam sendo utilizadas para manter-se na instituição e
apreender a relação entre habitus e Representações Sociais a partir das estratégias
percebidas.
Na análise das entrevistas, emergiram três categorias: “O CAp como
instituição de excelência”, “O CAp como instituição que preza pela formação integral
e humanização do sujeito” e o “CAp como trampolim para a realização profissional,
pessoal e sucesso futuro dos estudantes”. Os discursos revelam que para os
sujeitos, o CAp é uma instituição bem sucedida, com propostas inovadoras e
diferenciadas dos demais estabelecimentos de ensino. Eles qualificam o colégio
como de excelência, um colégio público diferente dos demais por ser “um colégio
público de qualidade”, uma instituição que supera, até mesmo, os estabelecimentos
privados mais prestigiosos do país. Foi unânime no discurso de pais e estudantes
que o grande trunfo institucional está nas pessoas. O CAp é composto por
profissionais altamente qualificados e alunos rigorosamente selecionados o que,
para os entrevistados, confere excelência à instituição. A escola de excelência
também tem outras características incomuns, tais como: trato aprofundado e
interdisciplinar dos conteúdos e incentivo à pesquisa, ambientação universitária,
atividades diferenciadas, ensino pautado em preceitos universitários e resultados
expressivos nas avaliações externas. A excelência aparece, assim, como uma
confluência de fatores que se unem para produzir o melhor ensino possível,
garantindo a efetiva construção do conhecimento.
Pais e estudantes reconhecem que a instituição oferece um ensino que não
se limita à habilitação técnica, mas promove e garante a formação e humanização
das crianças e jovens. Os sujeitos revelam que a instituição está na contramão da
educação mercadológica do estado, que se evidencia pela alta competitividade dos
cursinhos pré-vestibulares e outdoors de estabelecimentos prestigiosos de ensino
espalhados pela cidade. Eles concordam, ainda, que o ensino de excelência do CAp
desenvolve, nos estudantes, uma maturidade e segurança de si, garantindo sua
realização pessoal e profissional futura.
251
Apesar de questionarem a competitividade e a educação mercadológica
promovida pelos estabelecimentos privados de ensino, as condutas dos pais são
contraditórias quando aderem, mesmo que por um ou dois anos, ao sistema que
eles criticam, submetendo suas crianças a cursinhos preparatórios e rotinas de
estudo estressantes, semelhantes a de vestibulandos das escolas privadas.
As estratégias de que essas famílias se valem são explícitas e direcionadas à
aprovação, tais como: cursos preparatórios, definição de horários de estudo,
direcionados a antecipação da matéria e resolução de provas anteriores; ora são de
mobilização de disposições interiorizadas na trajetória escolar e familiar do
estudante, aprendizagens práticas decorrentes de sua bagagem cultural e social. A
mobilização torna-se compreensível, pois esse grupo é composto de uma classe
média intelectualizada, que almeja reconhecimento social e realização pessoal e
profissional futura, através da escolarização de excelência. Percebemos, assim, que
os habitus do grupo, aspirações e competências estão alinhados às suas escolhas
institucionais.
É possível concluir, que a aprovação no exame de ingresso provoca uma
satisfação, nessas famílias, que supera os esforços empreendidos para acesso e
permanência na instituição. Ser selecionado no CAp, bem mais que um projeto de
indivíduo, passa a ser um projeto de família, que requer a implicação de todos no
processo. Por se diferenciar dos demais estabelecimentos de ensino público e
privado do estado, o CAp da UFPE desperta o interesse de um público igualmente
diferenciado, de pais pertencentes às camadas médias intelectualizadas, em sua
maioria, professores universitários, funcionários públicos federais; pais com níveis de
escolarização elevado, a maioria com especialização, mestrado e doutorado. As
famílias empreendem estratégias semelhantes para fazer parte desse grupo seleto.
O grupo acredita que o estabelecimento reserva aos estudantes bem mais do que
um ensino de excelência, mas reconhecimento social e realização pessoal e
profissional.
O que nos foi possível apreender do habitus do grupo revela agentes dotados
das mesmas referências e com perspectivas futuras semelhantes, embora um ou
outro contexto de produção dessa representação apresentasse diferença em relação
aos demais,por exemplo, as famílias que residem nas periferias da cidade e aquelas
252
de bairros de prestigio da zona norte, a mãe que é Auxiliar de Desenvolvimento
Infantil e os pais Professores Universitários. Em geral, o grupo possui disposições e
aspirações próximas, e uma bagagem cultural perceptível na fala articulada no
momento da entrevista. Esses sujeitos revelam que habitus semelhantes produzem
estratégias semelhantes para acessar o espaço social pretendido.
O habitus do grupo e as representações do CAp que dele decorrem foram
determinantes para escolha da instituição e revelam uma afinidade quase
espontânea com o ensino ali vivenciado. A percepção de mundo desses sujeitos os
fez escolher a instituição mais adequada aos seus, a que mais corresponde às suas
expectativas e perspectivas futuras. Em síntese, a Representação Social do CAp da
UFPE está orientada e carregada de sentidos construídos e atrelados ao futuro
pretendido pelas camadas médias intelectualizadas.
Os colégios de aplicação foram pensados para ser espaços de destaque na
pesquisa educacional e campo de aplicação pedagógica. Essas funções foram
constantemente reforçadas no decorrer dos anos, mas apesar de servir de campo
de estágio e estar dentro da universidade, encontramos dificuldade de acesso. A
análise do projeto, rotina de qualquer instituição, tornou-se um obstáculo para nossa
entrada em campo, a morosidade para análise atrasou o andamento da pesquisa.
Por estar o CAp situado no interior da universidade as condições de acesso aos
pesquisadores poderiam ser mais facilitadas. Sugerimos, assim, que a sua função
como espaço de produção do conhecimento seja repensada e reavaliada.
Sobre a função desses espaços, devemos pensar se realmente cumprem a
função a que se propõe. Inicialmente, foram pensados para servir de modelo às
escolas públicas estaduais e municipais de ensino, campo de formação de docentes
e socialização de metodologias inovadoras. No projeto político pedagógico da
instituição está previsto colaborar com outras instituições na partilha de informações.
No entanto, em nenhum momento, alunos ou pais se referem a experiências
desenvolvidas com outros alunos de rede pública. Os sujeitos não se referiram a
interações que pudessem ter ocorrido com essas escolas. A interação parece
restrito ao espaço universitário. Ficamos a pensar, se não caberia à universidade
pensar em atividades mais sistemáticas de extensão e aproximação com as
secretarias municipais e estaduais de educação. Tentar levar para esses espaços as
253
experiências de sucesso do CAp. Essas escolas permitem aos estagiários observar
e desenvolver abordagens pedagógicas inovadoras, porém, mais que isto poderiam
levar tais abordagens à escola, aos professores em exercício, possibilitando com
que abordagens educacionais inovadoras, mais não fossem direcionadas apenas
aos estudantes e discentes daquele lócus. Os professores da rede pública municipal
e estadual tem acesso ao ensino que ali ocorre? Com esta investigação não
conseguimos identificar experiências de socialização da instituição com as redes
municipais e estaduais de ensino do estado.
A importância de se realizar estudos sobre os estabelecimentos escolares de
prestígio é que estes nos ajudam a compreender como as hierarquias escolares são
construídas, como a desigualdade social tem consequência nos diferentes
desempenhos escolares das crianças. Eles nos fazem pensar sobre o mercado
escolar, o mundo social e as fronteiras sociais impostas pelo sistema educacional
brasileiro.
O CAp da UFPE é uma instituição pouco estudada dentro da universidade,
serve aos pesquisadores bem mais como campo de estudos do que objeto de
análise. Estabelecimentos de excelência como esses precisam ser melhor
estudados, pois funcionam como ilhas de excelência no interior da educação
pública, contrasta com todo o caos dos sistemas municipais e estaduais de ensino.
Constatamos que o sentido dessa excelência tem uma serie de razões que precisam
ser conhecidas e debatidas.
Estudar e pesquisar mais o CAp implica explicitar essa excelência, o que
constitui excelência no meio à precariedade e à calamidade de resultados escolares.
Cumpre relembrar que o CAp da UFPE está localizado na região que tem o pior
IDEB do país e, ainda, assim mantém o melhor IDEB do Brasil. Enquanto os
estudantes do CAp são premiados em olimpíadas e viajam para competições no
exterior, milhares de alunos concluem o ensino fundamental público do estado sem
saber ler ou escrever. No estado de Pernambuco, um milhão e meio de estudantes
do ensino fundamental encontra-se na rede municipal do estado, servindo-se do
ensino de baixa qualidade atribuído ao ensino público.
A excelência do CAp não é encontrada no espaço público comum, isto é tão
verdade que a instituição mobiliza uma classe diferenciada, que afirma que a escola
254
pública não seria opção, caso seus filhos não tivessem sido aprovados no exame
para ingresso da instituição. Em nenhum momento, os pais do CAp questionam que
a instituição que os filhos frequentam, assim como as demais instituições públicas,
não é gratuita. A gratuidade salta aos olhos porque eles sempre tiveram o parâmetro
de pagar por um bem, pagavam duas vezes por um bem e ficaram livres desse 2º
pagamento com o ingresso no CAp. Esses pais parecem não enxergar, que a classe
que não acessa à educação de qualidade que eles têm, é aquela que custeia sua
educação.
O presente estudo viabilizou compreender, especialmente, como as famílias
mobilizam, em função de seus recursos sociais, estratégias para acessar e garantir a
permanência de seus filhos na instituição de excelência. A classe média
intelectualizada, que acessa o CAp da UFPE, não hesita em concorrer aos cursos
mais disputados do vestibular das universidade públicas, pois a vivência no colégio
permite-lhes circular em espaços de socialização, que a ajuda a incorporar
exatamente toda essa lógica do que é universidade, academia. A ambiência
universitária é de fundamental importância no momento de escolha profissional,
impacta o horizonte dessas crianças e lhes abre um leque de possibilidades de
cursos a serem escolhidos.
A fala de nossos sujeitos é, por vezes, contraditória, ao passo que criticam o
mercado escolar e competitividade exacerbada, inscreveram os filhos nos cursinhos
de maior fama em aprovação no CAp da UFPE, se submetendo à dinâmica
competitiva que esses cursos impõe, e incitando esforços, lembrando as crianças
da concorrência e submetendo as crianças a rotina semelhantes a de vestibulandos.
O caráter contraditório é revelado, ainda, quando os pais relatam que a instituição
tem um caráter humanizador, mas expressam também intenções pragmáticas.
Nesse ponto, percebemos a dimensão contraditória das representações do grupo.
O sentimento que essas crianças manifestam é de excelência de si, de poder
ser o que quiser. Por mais que a proposta da instituição não estimule á
competitividade, compor grupos seletos e que se identificam como alunos de
excelência ela fortalece a divisão entre quem sabe e quem não sabe, quem é melhor
e quem não é. O estímulo à participação nas olimpíadas é saudável? Tais medalhas
não seriam semelhantes aos quadros de honra que são criticados pelos educadores
255
e que ainda resistem em algumas instituições? A participação nas olimpíadas consta
no projeto político pedagógico do colégio como atividade de extensão do grupo.
Nós nos questionamos, ainda se a excelência do CAp pode ser creditada
exclusivamente a equipe e a ambientação universitária ou o crédito não seria
atribuído muito mais ao público, a comunidade que se serve desse espaço e que
mobiliza um arsenal de capitais e disposições favoráveis a educação? A excelência
do colégio é sustentada por todo o capital mobilizado pelas famílias. A bagagem
cultural familiar parece ser o braço que dá sustentação a essa excelência. Isso nos
faz pensar, ainda, que a escola privada não é melhor que a escola pública, mas há
todo um arsenal mobilizado de disposições e capitais, e expectativas diferenciadas.
A relação escola-família aparece, mais uma vez, como condição indispensável à
consecução do projeto educativo escolar.
A pesquisa nos fez empreender esforços teóricos para tentar realizar
aproximações entre a perspectiva sociológica de Pierre Bourdieu e a Teoria da
Representação Social de Moscovici. Ao estabelecer o conceito de habitus, Bourdieu
constantemente, nos apresenta a relação entre condições objetivas e dimensões
subjetivas; Moscovici ao atentar para o caráter multifacetado das representações,
afirma pensá-las como processo e produto, estrutura estruturante e estrutura
estruturada. O processo de construção dessas representações se confunde com a
construção da realidade pelos sujeitos.
A ideia de aproximar quadros teóricos aparentemente distantes se deu por
acreditarmos que a interlocução poderia contribuir para pensar o objeto e fenômenos
como escolarização das camadas médias intelectualizadas, sucesso e excelência
escolar de forma não fragmentada, considerando as dimensões objetivas e
subjetivas envolvidas. A aproximação dos dois quadros teóricos nos possibilitou
respaldar, através do habitus, as representações, inicialmente, capturadas e que, no
decorrer da pesquisa foram aprofundadas no contato direto com os sujeitos. A
incursão, que realizamos em torno da relação dessas duas teorias, nos permitiu
cruzar os recursos sociais e culturais dos sujeitos com as representações que
construíram acerca do colégio.
Em síntese, podemos dizer que a pesquisa traz contribuições para as
Representações Sociais serem repensadas em dois aspectos (1) Estudos estruturais
256
devem se limitar unicamente a capturar conteúdo e estrutura? Ao decidir por uma
abordagem plurimetodológica, realizando Triagens Hierárquicas Sucessivas e
entrevistas para confirmar e aprofundar as cognições previamente levantadas,
obtivemos dados que confirmaram a importância de se investigar a estrutura de uma
representação indo além de testes associativos. (2) Em que as pesquisas em
educação contribuem para o desenvolvimento da teoria? Ao propor um diálogo entre
as representações sociais e habitus, atentamos para a necessidade dos estudos em
representação proporem novas perspectivas de análise dos problemas sociais que
não fragmentem a realidade social, que quebrem a dicotomia objetivista e
subjetivista e nos possibilite responder questões, tais como: o que há por trás da
representação de pais e estudantes do CAp da UFPE? Uma gama de mobilizações
familiares sobre as quais não teríamos conhecimento substancial, caso não
realizássemos esse diálogo entre as duas teorias.
Contudo, reiteramos que a referida aproximação entre as duas teorias que
intentamos realizar, demanda por investigações de maior aprofundamento, uma vez
o tempo institucional e o volume de dados da pesquisa não nos permitiram
aprofundar os aspectos teóricos e estabelecer relações mais refinadas sobre a
construção das representações sociais, sua dinâmica e a relação com o habitus do
grupo.
257
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266
8. APÊNDICES
APÊNDICE 1
TESTE DE ASSOCIAÇÃO LIVRE DE PALAVRAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
PESQUISA: SENTIDOS COMPARTILHADOS SOBRE O COLÉGIO DE
APLICAÇÃO DA UFPE: UM ESTUDO COM PAIS E ESTUDANTES
PESQUISADORA: Gisele Gomes de Almeida
ORIENTADORA: Profª Drª Laêda Bezerra Machado
PROTOCOLO Nº _________
TESTE DE ASSOCIAÇÃO LIVRE
COLÉGIO DE APLICAÇÃO
___________________ ( )
____________________ ( )
____________________ ( )
____________________ ( )
____________________ ( )
_____________________ ( )
267
2- MARQUE UM ( X ) NA PALAVRA QUE VOCÊ CONSIDERA A MAIS
IMPORTANTE.
3- JUSTIFIQUE A PALAVRA CONSIDERADA MAIS IMPORTANTE:
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_______________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_______________________________________________________
DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DOS PARTICIPANTES (PAIS):
1-SEXO: ( ) FEMININO ( ) MASCULINO
2-IDADE: _________
3-NÚMERO DE FILHOS : ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ou mais
4-NÚMERO DE FILHOS FREQUENTANDO OU QUE FREQUENTARAM O
COLÉGIO:
( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ou mais
5-NÚMERO DE FILHOS QUE SE SUBMETERAM AO EXAME DE SELEÇÃO DE
INGRESSO NO COLÉGIO DE APLICAÇÃO:
( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ou mais
6-PROFISSÃO: __________________________________________________
268
7-INSTITUIÇÃO/ EMPRESA ONDE TRABALHA: ________________________
8- FORMAÇÃO ACADÊMICA:
ENSINO MÉDIO: Sim ( ) Não ( )
GRADUAÇÃO Sim ( ) Não ( )
Se sim, qual o curso? ___________________________
PÓS-GRADUAÇÃO Sim ( ) Não ( )
Especialização ( ) : _______________________________________
Mestrado ( ) :________________________________________
Doutorado ( ) :________________________________________
9- RENDA MÉDIA MENSAL DA SUA FAMÍLIA:__________________________
10 ENDEREÇO:__________________________________________________
_______________________________________________________________
TELEFONE PARA CONTATO: ______________________________________
EMAIL: _________________________________________________________
DESEJA PARTICIPAR DA PRÓXIMA ETAPA DA PESQUISA:
Sim ( ) Não ( )
269
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
PESQUISA: SENTIDOS COMPARTILHADOS SOBRE O COLÉGIO DE
APLICAÇÃO DA UFPE: UM ESTUDO COM PAIS E ESTUDANTES
PESQUISADORA: Gisele Gomes de Almeida
ORIENTADORA: Profª Drª Laêda Bezerra Machado
PROTOCOLO Nº _________
TESTE DE ASSOCIAÇÃO LIVRE
COLÉGIO DE APLICAÇÃO
___________________ ( )
____________________ ( )
____________________ ( )
____________________ ( )
____________________ ( )
_____________________ ( )
270
2- MARQUE UM ( X ) NA PALAVRA QUE VOCÊ CONSIDERA A MAIS
IMPORTANTE.
3- JUSTIFIQUE A PALAVRA CONSIDERADA MAIS IMPORTANTE:
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_______________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_______________________________________________________
DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DOS PARTICIPANTES (ALUNOS):
1-SEXO: ( ) FEMININO ( ) MASCULINO
2-IDADE: _________
3- SÉRIE:_________
4- ANTES DE INGRESSAR NO COLÉGIO DE APLICAÇÃO ESTUDAVA NO
COLÉGIO: ______________________________________________________
5- FEZ CURSINHO PREPARATÓRIO PARA INGRESSAR NO COLÉGIO DE
APLICAÇÃO?
Sim ( ) Não ( )
271
6- BAIRRO ONDE MORA: _________________________________________
7-COM QUEM MORA? ____________________________________________
_______________________________________________________________
8- PROFISSÃO DOS PAIS: _________________________________________
9- NO PÓS-HORÁRIO DO COLÉGIO QUE OUTRAS ATIVIDADES VOCÊ
REALIZA? ______________________________________________________
_______________________________________________________________
TELEFONE PARA CONTATO: ______________________________________
EMAIL:_________________________________________________________
DESEJA PARTICIPAR DA PRÓXIMA ETAPA DA PESQUISA:
Sim ( ) Não ( )
272
APÊNDICE 2 - CARTA AOS PAIS
Senhores pais,
Fazemos parte do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Educação
de Pernambuco (PPGEDU- UFPE) e estamos realizando uma pesquisa de Mestrado que toma o
Colégio de Aplicação como objeto e campo de estudo. Trata-se de uma pesquisa na área de
representações sociais com a qual objetivamos compreender as RepresentaçõesSociais do Colégio
de Aplicação da UFPE segundo alunos e pais, caracterizando e analisando os sentidos e
significados atrelados às perspectivas de futuro dessas famílias. O referido estudo é composto
por três fases. A primeira é a solicitação que lhes fazemos agora, ou seja, responder ao Teste de
Associação Livre e informações de natureza socioeconômica, necessárias a caracterização dos
participantes. No entanto, essas informações dos sujeitos individuais não serão divulgadas, pois
nenhum participante terá sua identidade revelada.
Convidamos a vocês pais, mães e alunos do CAP a participarem desta pesquisa. Informamos que seus
resultados serão socializados num encontro específico organizado pela pesquisadora e a orientadora
da pesquisa que contará com a presença da equipe pedagógica, pais, alunos e funcionários do colégio.
A socialização não tem data exata, mas deve ocorrer após a defesa pública da mestranda que
acontecerá até o último dia do mês de Fevereiro do ano de 2014.
O material que lhes enviamos é composto por duas partes: o Teste de Associação Livre e Dados de
Identificação. Para uma maior eficiência da técnica aplicada neste questionário que chega às suas
mãos pedimos que respondam ao Teste (Primeira Página) o mais rápido que puderem, as palavras
devem ser aquelas que lhes vêm à mente de imediato, é preciso evitar, desta forma – as
racionalizações que costumamos fazer como pensar, fazer consultas, apagar, refazer. Contamos com o
seu bom senso seguindo as orientações aqui apresentadas.
Segue abaixo algumas instruções para a realização do Teste de Associação Livre:
(1) A partir do termo COLÉGIO DE APLICAÇÃO
(2) Escreva as seis primeiras palavras que veem a sua mente quando pensam no COLÉGIO DE
APLICAÇÃO
Após pensar e escrever as palavras é só seguir respondendo as - perguntas 2 e 3, estas questões são
autoexplicativas. Feito isto, dê continuidade ao questionário respondendo aos dados de identificação.
O questionário é individual e só poderá ser respondido uma única vez. Assim, se você pai ou mãe já o
respondeu favor desconsiderar e devolvê-lo. Esta é apenas a primeira fase da pesquisa e, caso deseje
participar das demais etapas é só marcar (X) Sim quando solicitado, posteriormente entraremos em
contato.
Sexta- feira, dia 09 de agosto- passaremos na sala de aula de seu (s) filho(s) recolhendo esse teste.
Contamos com a colaboração de todos! Esperamos encontrá-los na próxima etapa da pesquisa.
273
APÊNDICE 3
CARTELAS COM OS TERMOS DAS TRIAGENS HIERÁRQUICAS SUCESSIVAS DOS ESTUDANTES
ESTUDO
EDUCAÇÃO
274
ENSINO
AMIGOS
275
FUTURO
APRENDIZADO
276
LIVROS
QUALIDADE
277
CARTELAS COM OS TERMOS DAS TRIAGENS HIERÁRQUICAS SUCESSIVAS DOS PAIS
QUALIDADE
FUTURO
278
EDUCAÇÃO
ESTUDO
279
PESQUISA
RESPONSABILIDADE
280
APÊNDICE 4
TABALA PARA HIERARQUIZAÇÕES DOS PAIS
Nº Nome Profissão Nº
Filhos Nº
Seleção
Série Filho
(s)
Colégio Anterior
Filho fez cursinho
preparatório
281
Nº Eliminadas na
1ª rodada Eliminadas na
2ª rodada
Duas consideradas Mais importantes Indispensável
282
TABALA PARA HIERARQUIZAÇÕES DOS ESTUDANTES
Nº Nome Profissão dos pais
Bairro em que reside
Colégio anterior a seleção de ingresso
Fez Cursinho
preparatório
Contato próxima
fase
283
Nº Eliminadas na
1ª rodada Eliminadas na 2ª
rodada
Duas consideradas Mais importantes Indispensável
284
APÊNDICE 5
ROTERIO DA ENTREVISTA COM OS PAIS
Questionar sobre:
-Composição familiar – família extensa- e composição das redes de amizades,
atualmente;
- Colégios que frequentaram, lugares onde viveram na infância, hábitos familiares de
leitura e culturais;
- Como obtiveram informações sobre o colégio;
- Como se deu a decisão de participar do processo seletivo de ingresso no CAP;
- Em que esse colégio se diferencia dos demais;
- As expectativas que eles têm/ tinham do colégio;
- A relação do colégio de aplicação e as perspectivas de o futuro que eles têm para
seus filhos;
- Se utilizaram estratégias para a aprovação no colégio, quais, e que estratégias
familiares consideram favoráveis ao ingresso num colégio de referência nacional;
- O que mudou na vida dessas famílias após a aprovação dos filhos no colégio;
- Os hábitos das crianças, a rotina, o que costumavam fazer antes do ingresso,
quais as atividades extraclasse que tinham antes e as que permaneceram ou
modificaram com a aprovação no colégio;
285
ROTERIO DA ENTREVISTA COM OS ALUNOS
Questionar sobre:
-Composição familiar – família extensa- e composição das redes de amizades,
atualmente;
- Colégios que frequentaram anteriormente
- Hábitos familiares de leitura, de estudo e culturais (teatro; cinema; livraria; museus;
viagens que realizam, para que lugares, e com qual finalidade);
- Atividades extracurriculares que realizavam: esporte, curso de idiomas, aulas
particulares, dentre outros;
- Como obtiveram informações sobre o colégio;
- Como se deu a decisão de participar do processo seletivo de ingresso no CAp;
- As expectativas que eles têm/ tinham do colégio;
-Em que esse colégio se diferencia dos demais;
-Como se sentem frente a outros colegas que estudam em outros colégios;
- O que eles pensam do futuro e em que esse colégio pode ajudar a alcançarem os
objetivos futuros;
- Se utilizaram estratégias para a aprovação no colégio, quais, e que estratégias
consideram favoráveis ao ingresso num colégio de referência nacional;
- O que mudou na vida deles após a aprovação no colégio;
- Os hábitos das crianças, a rotina, a rotina de estudos e atividades que tinham
antes da aprovação do colégio e o que mudou ou permaneceu após a aprovação;