gino_michele artigo_cobramseg_2010 - versao 4

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Caracterização e Avaliação de Cinzas de Resíduo Sólido Urbano (RSU) para Aplicação em Camadas de Base de Pavimentos Gino Omar Calderón Vizcarra Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected] Lucianna Szeliga Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected] Michéle Dal Toé Casagrande Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected] Laura Maria Goretti da Motta Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ/COPPE, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected] RESUMO: Neste trabalho apresenta-se a caracterização e avaliação de Cinzas Volantes, obtidas da incineração de Resíduo Sólido Urbano (RSU) em usinas geradoras de energia elétrica, para sua utilização em camadas de base de pavimentos rodoviários, através da mistura destas cinzas com um solo argiloso não-laterítico regional. Foram realizados ensaios de caracterização química, física e mecânica para o solo argiloso não-laterítico puro e no mesmo com a adição de diferentes teores de cinza volante (20 e 40%), além de dimensionamento mecanístico-empírico para uma estrutura típica de pavimento. As misturas com inserção de cinzas apresentaram um comportamento mecânico compatível com as exigências de um pavimento de baixo volume de tráfego. A cinza volante de RSU reduziu a expansibilidade do solo estudado apresentando aumento substancial no valor de CBR. Os resultados obtidos foram satisfatórios, sendo dependentes do teor de cinza, ressaltando o emprego positivo da cinza volante de RSU para aplicação em camadas de base de pavimentos rodoviários, eliminando problemas atuais de disposição de resíduos em lixões e aterros sanitários, dando um fim mais nobre a este material. PALAVRAS-CHAVE: Cinzas de resíduo sólido urbano (RSU), cinza volante, estabilização de base de pavimentos, módulo resiliente de solos. 1 INTRODUÇÃO A utilização de materiais alternativos ainda não é uma prática corriqueira na geotecnia de pavimentos. Pesquisas recentes vêm sendo conduzidas, visando este objetivo. Nem sempre é possível encontrar solos naturais que atendam às exigências das especificações para a utilização em bases e sub-bases estabilizadas granulometricamente sem mistura. Essa realidade acaba encarecendo os custos de construção de uma dada obra, pois os solos, quando encontrados, estão distantes das obras, o que aumenta consideravelmente os custos para o seu transporte. Uma alternativa para minimizar os altos custos é tentar estabilizar os solos com resíduos. A proposição desse estudo deve ser precedida de um conhecimento prévio das potencialidades e limitações dos materiais que ocorrem em um dado local. O uso de resíduos como matéria prima possibilita a redução de uso de recursos naturais, a redução de demanda de energia para sua extração, do transporte dos mesmos e do volume disposto nos aterros sanitários e industriais. O crescimento do volume gerado de resíduos e dos custos para a correta disposição torna imprescindível a pesquisa por reciclagem ou reuso destes materiais. Dentro deste contexto, foi avaliada, neste estudo a aplicação de cinzas volantes, obtidas da incineração de Resíduo Sólido Urbano (RSU) em usinas geradoras de energia elétrica, para sua utilização em camadas de base de pavimentos rodoviários, através da mistura destas cinzas com um solo argiloso não- laterítico regional. Os resultados obtidos foram

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Page 1: GINO_MICHELE Artigo_cobramseg_2010 - Versao 4

Caracterização e Avaliação de Cinzas de Resíduo Sólido Urbano (RSU) para Aplicação em Camadas de Base de Pavimentos Gino Omar Calderón Vizcarra Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected]

Lucianna Szeliga Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected]

Michéle Dal Toé Casagrande Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected]

Laura Maria Goretti da Motta Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ/COPPE, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected] RESUMO: Neste trabalho apresenta-se a caracterização e avaliação de Cinzas Volantes, obtidas da incineração de Resíduo Sólido Urbano (RSU) em usinas geradoras de energia elétrica, para sua utilização em camadas de base de pavimentos rodoviários, através da mistura destas cinzas com um solo argiloso não-laterítico regional. Foram realizados ensaios de caracterização química, física e mecânica para o solo argiloso não-laterítico puro e no mesmo com a adição de diferentes teores de cinza volante (20 e 40%), além de dimensionamento mecanístico-empírico para uma estrutura típica de pavimento. As misturas com inserção de cinzas apresentaram um comportamento mecânico compatível com as exigências de um pavimento de baixo volume de tráfego. A cinza volante de RSU reduziu a expansibilidade do solo estudado apresentando aumento substancial no valor de CBR. Os resultados obtidos foram satisfatórios, sendo dependentes do teor de cinza, ressaltando o emprego positivo da cinza volante de RSU para aplicação em camadas de base de pavimentos rodoviários, eliminando problemas atuais de disposição de resíduos em lixões e aterros sanitários, dando um fim mais nobre a este material. PALAVRAS-CHAVE: Cinzas de resíduo sólido urbano (RSU), cinza volante, estabilização de base de pavimentos, módulo resiliente de solos. 1 INTRODUÇÃO A utilização de materiais alternativos ainda não é uma prática corriqueira na geotecnia de pavimentos. Pesquisas recentes vêm sendo conduzidas, visando este objetivo. Nem sempre é possível encontrar solos naturais que atendam às exigências das especificações para a utilização em bases e sub-bases estabilizadas granulometricamente sem mistura. Essa realidade acaba encarecendo os custos de construção de uma dada obra, pois os solos, quando encontrados, estão distantes das obras, o que aumenta consideravelmente os custos para o seu transporte. Uma alternativa para minimizar os altos custos é tentar estabilizar os solos com resíduos. A proposição desse estudo deve ser precedida de um conhecimento prévio

das potencialidades e limitações dos materiais que ocorrem em um dado local.

O uso de resíduos como matéria prima possibilita a redução de uso de recursos naturais, a redução de demanda de energia para sua extração, do transporte dos mesmos e do volume disposto nos aterros sanitários e industriais. O crescimento do volume gerado de resíduos e dos custos para a correta disposição torna imprescindível a pesquisa por reciclagem ou reuso destes materiais.

Dentro deste contexto, foi avaliada, neste estudo a aplicação de cinzas volantes, obtidas da incineração de Resíduo Sólido Urbano (RSU) em usinas geradoras de energia elétrica, para sua utilização em camadas de base de pavimentos rodoviários, através da mistura destas cinzas com um solo argiloso não-laterítico regional. Os resultados obtidos foram

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satisfatórios, ressaltando o emprego positivo da cinza volante de RSU para aplicação em camadas de base de pavimentos rodoviários, eliminando problemas atuais de disposição de resíduos em lixões e aterros sanitários, dando um fim mais nobre a este material.

1.1 A Incineração de Residuo Solido Urbano A Usina Verde é uma empresa de capital privado situada na cidade universitária da UFRJ - Ilha do Fundão, e tem como objetivo apresentar soluções ambientais para a destinação final dos resíduos sólidos urbanos, através do processo de incineração com co-geração de energia.

Figura 1. Composição do RSU (Fontes, 2008)

A Usina Verde recebe diariamente 30

toneladas de RSU da Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (Comlurb). A composição do RSU após processo de reciclagem da Comlurb e da Usina Verde encontra-se na Figura 1.

No triagem, os materiais recicláveis são segregados manualmente e com o auxílio de detectores de metais. Após, o RSU é triturado e o material fino separado com o auxílio de peneira rotativa e encaminhado para secagem, visando a redução do teor de umidade. Em seguida, o RSU triturado passa por nova moagem, em moinho de facas, e é depositado em um silo. Estes resíduos são encaminhados para o forno de incineração que opera a uma

temperatura de 950ºC. Durante o processo de combustão, são produzidas duas cinzas: cinza de fundo e cinza volante. A cinza de fundo é depositada no fundo da câmara de pós-combustão, encaminhada ao tanque de decantação e disposta em caçambas; os gases quentes e a cinza volante (fly-ash) são exauridos da câmara de pós-combustão e aspirados para a caldeira de recuperação onde ocorre o aproveitamento energético (co-geração de energia).

Posteriormente, os gases são neutralizados em um conjunto de lavadores e, em seguida, os gases limpos são aspirados e descarregados na atmosfera. A solução de lavagem é recolhida nos tanques de decantação onde ocorre a neutralização com as cinzas do próprio processo e hidróxido de cálcio, o que ocasiona a mineralização (decantação dos sais), sendo esta solução posteriormente reaproveitada no processo de lavagem (recirculação). Em seguida, a cinza volante é encaminhada para os tanques de decantação onde periodicamente é retirada e armazenada em caçambas.

Ao final do processo de incineração são obtidos de 8 a 10%, em volume, das duas cinzas, que representam cerca de 80% de cinza pesada e 20% de cinza volante (Fontes, 2008). 1.2 Considerações sobre Solo-Cinza

A cinza volante é um agente efetivo para estabilização química e / ou mecânica dos solos, modificando a densidade do solo, teor de umidade, plasticidade, e resistência dos solos. As aplicações típicas incluem: estabilização de solos para aumentar a sua resistência, dessecamento do solo e controle da contração-expansão (ACAA, 2003).

1.3 Módulo de Resiliência

Define-se Módulo de Resiliência (MR) de um solo como a relação entre a tensão desvio (σd) aplicada repetidamente em uma amostra de solo em ensaio triaxial e a correspondente deformação específica recuperável ou resiliente (εr). Conforme é mostrado na Equação 1 (DNER-ME 131/94, AASHTO TP46-94 ).

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r

dRM

εσ

=

(1)

Onde: MR: módulo de resiliência (MPa); σd: tensão desvio cíclica (σ1 - σ3) (MPa); εr: deformação resiliente (vertical).

O Modelo Composto utilizado neste estudo

relaciona o módulo de resiliência à tensão confinante e tensão desvio, conforme apresentado na Equação 2.

3

231.

kd

kR kM σσ=

(2)

Onde:

σ3: pressão confinante; σd: tensão desvio cíclica (σ1 - σ3); k1, k2 e k3: coeficientes de regressão;

derivados de resultados de ensaios em laboratório.

2 PROGRAMA EXPERIMENTAL

2.1 Materiais utilizados O solo argiloso não laterítico é procedente de uma jazida localizada no município de Campo Grande/RJ (Figura 2).

A cinza volante é proveniente da queima do Resíduo Solido Urbano (RSU) na Usina Verde, que fica localizada na Ilha do Fundão, município do Rio de Janeiro/RJ (Figura 3).

Figura 2. Solo da jazida de Campo Grande/RJ

Figura 3. Cinza Volante de RSU da Usina Verde.

Os símbolos utilizados neste estudo, que descrevem os materiais e misturas, estão apresentados na Tabela 1. Tabela 1- Símbolos referentes a cada material/mistura

Material ou Mistura % Solo % Cinza

Volante Símbolo

Solo 100 0 S Cinza Volante 0 100 CV Mistura 1 60 40 S60/CV4

0 Mistura 3 80 20 S80/CV2

0 2.2 Ensaios Realizados A composição química total semi-quantitativa das amostras de cinza e solo foi mediante a técnica “Espectrometría de fluorescência de Raios-X por Energia Dispersiva (EDX)”.

Para a determinação da densidade real dos grãos foi realizado o ensaio segundo a DNER- ME 093/94, utilizando amostras deformadas do solo.

Visando caracterizar as misturas, os ensaios de limite de liquidez (LL) e de plasticidade (LP) foram realizados, segundo a NBR 6459/84 e NBR 7180/84. A análise granulométrica foi realizada conforme a NBR 7181/84 no solo destorroado e a Cinza Volante. Realizou-se esse ensaio por meio de peneiramento e sedimentação. Para a etapa correspondente à sedimentação foram realizados ensaios com defloculante (hexametafosfato de sódio).

A metodologia MCT (Nogami e Villibor, 1995) foi desenvolvida com o objetivo de classificação de solos tropicais.

O ensaio de compactação foi realizado na energia Proctor Modificado segundo a norma

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NBR 7182/86, com o intuito de determinar a umidade ótima de compactação (wótm) e o peso específico seco aparente máximo (γdmáx), para as misturas solo-cinza, estas foram previamente umedecidas na câmara úmida, um dia prévio à compactação.

O ensaio de Módulo de Resiliência (MR) foi realizado conforme método proposto pela COPPE/UFRJ apresentado em Medina e Motta (2005). Após a execução dos ensaios nas misturas e no solo puro, procedeu-se ao dimensionamento de uma rodovia, pelo método mecanístico-empírico, utilizando-se o programa computacional SisPAV (Franco, 2007).

O ensaio de CBR se realizou conforme a norma ABNT NBR 9895/87 - Solo – Índice de suporte Califórnia, na umidade ótima. 3. RESULTADOS E ANÁLISES 3.1 Caracterização química A composição química do solo em estudo é apresentada na Tabela 2. Os componentes principais do solo, que são normalmente encontrado nos solos residuais, são SiO2, Al2O3 e Fe2O3, os quais participam ativamente do processo de estabilização química do solo (Rezende, 1999). Esses componentes também foram obtidos por Nascimento (2005) para três argilas de comportamento não-lateritico no estado de Acre e por Brant (2005) para três solos residuais de basalto no Estado de Tocantins.

Na Tabela 3, apresenta-se a composição química da Cinza Volante do RSU em estudo, esta composição é comparada com a análise feita por Fontes (2008) da mesma cinza. É notória a diferença tanto nos teores de Óxidos principais (SiO2, Al2O3 e Fe2O3), quanto nos teores de CaO e SO3, os quais têm influência nas reações de estabilização. Isto demonstra a variabilidade da composição química da Cinza Volante. Cabe ressaltar que a composição química da Cinza Volante em estudo é similar àquela típica da Cinza Volante de Carvão Lignito mencionada por Winterkorn (1990), a qual tem propriedades cimentantes. Devido a este fato poderia-se comparar o comportamento

geomecânico de solos estabilizados com este dois tipos de cinzas anteriormente mencionados. Tabela 2. Compostos químicos maiores do solo

Composto Símbolo Concentração

Sílica SiO2 43,08 - 36,8 Alumina Al2O3 38,68 - 35,15 Hematita Fe2O3 13,45 - 20,96

Dióxido de titânio TiO2 0,93 - 1,76 Óxido de potássio K2O 2,1 - 4,04 Matéria orgânica 0,120

Tabela 3. Compostos químicos maiores da Cinza Volante de RSU, mistura S60/CV40 e Cinza Volante de Carvão.

Concentração (%)

CompostoCV-RSU CV-RSU S60/CV40 CV-carvão Vizcarra (2010)

Fontes (2008)

Vizcarra (2010)

Winterkorn (1990)

SiO2 21,2-12,9 44,26 26,35 20 - 40 Al2O3 15,4-12,2 18,16 25,59 10 - 30 Fe2O3 5,3-7,7 9,27 17,42 3 - 10 SO3 9,8-5,2 0,64 2,30 1 - 8 CaO 32,3-45,3 15,39 17,14 10 - 32 TiO2 3,3-4,7 3,25 2,67 0,5 - 2 K2O 2,6-4,1 2,61 3,70 0,5 - 4 M.O. 0,78 1,45

3.2 Caracterização física A variação da densidade real dos grãos com o teor de cinza volante é mostrada na Figura 4. Os resultados indicam que ao adicionar cinza volante o Gs aumenta até atingir um pico, depois do qual começa a diminuir para teores maiores.

Com relação à caracterização do solo, da cinza volante e das misturas; pode-se ressaltar o seguinte: primeiro, os Límites de Attemberg para a Cinza Volante pura não pôde ser realizada, devido ao comportamento granular do material, que durante o ensaio não apresentou características plásticas para a sua realização.

Segundo, que a inserção da cinza volante diminui o limite liquido e o índice de plasticidade, e aumenta o limite plástico do solo, como mostrado nas figuras 5 e 6. Estes resultados são comparáveis ao estudo feito por

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Bin-Shafique (2009), no qual a adição de cinza volante de carvão reduziu o índice de plasticidade de um solo expansivo (de 57% até 32% para um teor de 5% de cinza) e de um solo mole (de 26% a 18% para um teor de 5% de cinza), ambos os solos do estado de Texas, EUA. Nalbantoglu (2004) testou uma cinza volante de carvão para avaliar o seu efeito estabilizador sobre dois solos expansivos da ilha de Chipre. No seu estudo determinou que a cinza volante diminuiu o índice de plasticidade de solos altamente plásticos, mas tem menor influência no índice de plasticidade de solos de baixa plasticidade. Ele atribui que partículas menores, maiores superfícies especificas e menor cristalinidade faz que os minerais de argila tenham maior susceptibilidade à ação da cinza.

Figura 4. Variação da densidade real dos grãos com o teor de cinza volante

Figura 5. Variação dos Limites de Atterberg com o teor de cinza volante

Figura 6. Variação do Índice de Plasticidade com o teor de cinza volante

E por último, que as curvas granulométricas do solo e misturas com a cinza volante ficaram com uma granulometria maior da que o solo e da cinza por separado (Figura 7), isto pode-se relacionar à cimentação e/ou formação de gel que se produz ao redor das partículas finas da argila.

Figura 7. Granulometria do solo, cinza volante e misturas do solo com 20% e 40% de cinza volante

Com relação à classificação MCT foram obtidos os seguintes parâmetros: c’=1,62; d’=50,0; e’=1,39. O solo é classificado como NG’, de comportamento Não Laterítico – Argiloso. Estes solos quando compactados nas condições de umidade ótima e massa específica aparente máxima da energia normal, apresentam características das argilas tradicionais muito plásticas e expansivas. O emprego destes solos se prende às restrições conseqüentes às suas elevadas expansibilidade, plasticidade, compressibilidade e contração, quando submetidos a secagem; seu emprego não é recomendado para base de pavimento, sendo uns dos solos piores para fines de pavimentação, entre os solos tropicais (Nogami e Villibor, 1995).

3.3 Caracterização mecânica Das curvas de compactação do solo e das misturas com Cinza Volante obtidas a partir dos ensaios de Proctor Modificado, pode-se indicar que ao aumentar o teor de cinza volante na mistura, a máxima densidade aparente seca tende a diminuir, o qual, mais uma vez, é

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concordante com pesquisas feitas por Nicholson (2003) sobre utilização de cinzas de carvão para estabilizar solos tropicais. Reparou-se também que o teor de umidade ótima decresce para um teor de 20% de cinza volante e cresce para um teor de 40% (Figura 8). Tabela 4- Valores de umidade ótima e massa específica aparente seca máxima

Material ou mistura wotm (%) γdmax (g/cm3) S 18,5 1,718

S80/CV20 14,3 1,650 S60/CV40 22,5 1,555

Figura 8. Curvas de compactação de solo e misturas com 20% e 40% de cinza volante

Foram moldados três corpos de prova por

cada material ou mistura na sua umidade ótima, e ensaiados no equipamento triaxial dinâmico da COPPE-UFRJ, dos quais se obtiveram valores de Módulo Resilente (MR) para diferentes valores de tensão, tanto confinante (σ3) como desviadora (σd). A partir destes valores, conseguiu-se obter, por correlação estatística, os coeficiente k1, k2 e k3 do modelo Composto com a ajuda do Programa Computacional STATISTICA (Statsoft, 2004).

As Figuras 9 e 10 esquematizam superfícies no espaço tridimensional σ3 x σd x MR para uma faixa de tensões normalmente experimentadas em pavimentos, as quais foram geradas por ajuste baseados no modelo Composto. Cabe mencionar, que o propósito de obter-se tais superfícies é para previsão de Módulos Resilentes para diversas combinações de tensão confinante e desviadora conhecidas.

Os resultados obtidos dos ensaios de Modulo de Resiliencia demonstram que o solo em estudo é dependente da tensão desviadora e, mesmo adicionando as cinzas, este

comportamento não muda. Dos modelos obtidos, Figura 8 e 9, aprecia-se que, quanto maior a tensão desviadora, menor o valor do Modulo Resiliente. Tabela 5- Valores dos coeficientes do Modelo Composto para cada material ou mistura compactados na umidade ótima.

Material ou mistura k1 k2 k3 S 185,2712 0,1772 -0,4197

S80/CV20 305,5556 0,2939 -0,4708

S60/CV40 (*) 181,3510 0,2364 -0,4482 (*) Com 7 dias de cura após compactação.

Figura 9. Gráfico 3D do modelo composto do Módulo Resiliente do solo puro

Figura 10. Gráfico 3D do modelo composto do Módulo Resiliente da mistura S60/CV40.

3.4 Dimensionamento do pavimento típico. Assumiu-se uma estrutura do pavimento tal como a Figura 11, os dados de trafego da Tabela 6 e o clima da cidade de Rio de Janeiro, com a finalidade de ver o efeito da adição de

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Cinza Volante no solo num projeto de pavimentação. A Tabela 7 e Figura 12 apresentam as espessuras de camadas em função do período de projeto para cada tipo de mistura, as quais foram obtidas mediante o programa computacional SisPav (Franco, 2007). A mistura com 20% de cinza volante melhorou o comportamento mecânico do solo puro, o que se revela pela diminuição da espessura da camada de base em comparação ao solo puro, para um mesmo nível de carregamento e mesmos parâmetros/critérios de dimensionamento. Tabela 6. Dados do trafego.

Configuração Rodas Volume/ano Carga (kg) Eixo simples 2 25000 6000

Dois eixos simples 4 25000 12000 Eixo duplo 4 15000 10000

Figura 11. Estrutura do pavimento adotada. Tabela 7. Espessura de camada em função do Periodo de projeto para cada tipo de solo ou mistura.

Periodo de projeto

(anos)

Nro. equiv. de operações

(N) (**)

Espessura da camada (cm)

Solo puro (S)

S80/ CV20

S60/ CV40

7 2,15E+06 10,00 10,00 10,00 8 2,45E+06 10,00 10,00 11,14 9 2,76E+06 10,00 10,00 13,42

10 3,07E+06 11,45 10,00 14,98 11 3,37E+06 12,21 10,00 16,41 12 3,68E+06 13,71 10,00 19,13 13 3,99E+06 15,77 10,00 23,29 14 4,29E+06 17,32 10,60 27,97

(**) O valor de N é só referencial, não sendo utilizado nas analises pelo SisPAV.

Figura 12. Variação das espessuras de camada em função do período de projeto. 3.5 Expansibilidade Os Valores de expansão e de CBR se apresentam nas Tabelas 8 e 9, respectivamente. Observa-se que a cinza volante diminui a expansibilidade do material, quanto maior for o seu teor, em contrapartida, teores altos de cinza volante quando adicionados ao solo podem piorar o seu comportamento mecânico, resultando em uma maior espessura de camada, ressaltando-se que o comportamento de misturas com cinzas deve ser cuidadosamente avaliado para diversos teores, analisando-se resultados físicos, químicos, ambientais e mecânicos em conjunto. Tabela 8. Valores de expansão aos 4 dias de imersão

Material ou Mistura Expansão aos 4 dias (%) S 4,87

S80/CV20 3,60 S60/CV40 0,40

Tabela 9. Valores de CBR na umidade ótima

Material ou Mistura CBR (%) S 2

S60/CV40 33 4. CONCLUSÕES Através dos resultados obtidos conclui-se que as misturas com inserção de cinzas volantes de RSU apresentaram um comportamento mecânico compatível com as exigências de um pavimento de baixo volume de tráfego. A inserção de 20% de cinza volante ao solo argiloso não-laterítico melhorou o comportamento mecânico do solo, reduziu a

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expansibilidade do solo, embora não o suficiente para que este possa ser utilizado como base ou sub-base de pavimentos rodoviarios. O solo misturado com um teor de 40% de Cinza Volante piorou o seu comportamento mecânico em relação ao solo puro, com o conseqüente aumento da espessura de camada, em contrapartida reduziu notavelmente a expansibilidade do solo ate menos de 0,5%, isto faz que possa ser usado em camadas de pavimentos podendo ser viável para rodovias de baixo volume de trafego.

Os resultados obtidos foram satisfatórios, sendo dependentes do teor de cinza adicionado, ressaltando o emprego positivo da Cinza Volante de RSU para aplicação em camadas de base de pavimentos rodoviários, eliminando problemas atuais de disposição de resíduos em lixões e aterros sanitários, dando um fim mais nobre a este material.

AGRADECIMENTOS Os autores querem expressar seus agradecimentos ao CNPq pelo apoio financeiro (Projeto MCT/CNPq 14/2009, Processo 480748/2009-8), bem como à Usina Verde pelo fornecimento das cinzas para o estudo realizado. REFERÊNCIAS AASHTO (1996) - AASHTO TP46-94 - Standard Test

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ABNT NBR 6459/84 - Determinação do Limite de Liquidez.

ABNT NBR 7180/84 - Determinação do Limite de Plasticidade.

ABNT NBR 7181/84 - Análise Granulométrica. ABNT NBR 7182/86 - Ensaio de Compactação. ABNT NBR 9895/87 - Solo – Índice de suporte Califórnia. AMERICAN COAL ASH ASSOCIATION (ACAA).

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