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GESTÃO ESCOLAR: NOVAS ABORDAGENS,

NOVOS OLHARES E NOVAS PROPOSTAS

School administration: new approaches, new looks and new proposition Eunice Maria Ferreira Silva*

Resumo

O presente artigo apresenta uma reflexão a respeito da concepção atual de gestão escolar, legalmente implantada na escola pública pelo poder governamental. Contempla novas abordagens e novas propostas de trabalho educacional e, ao mesmo tempo, discute que tais abordagens são remontadas e reconstruídas pelo coletivo no cotidiano escolar. No texto, a prioridade é debater a respeito da autonomia delegada à escola, em contraposição à autonomia construída coletivamente, porque observamos, no campo da pesquisa – escolas esta-duais do Rio de Janeiro – que as práticas cotidianas, que proporcionam a interação entre os vários segmentos, propiciam descobertas e inovações pedagógicas, constituindo-se em autonomia vivenciada com e no cotidiano da escola pública fluminense.

Palavras-chave: Gestão Escolar, Autonomia Escolar, Democratização Escolar.

Abstract

This article presents a reflection on the present concept of school administration, legally established in public schools by the government. It contemplates new approaches and new propositions for the educational work and, at the same time, it argues that such approaches are re-made and re-constructed by the collective group in the school routine. In this text, the primary aim is to start a debate about the autonomy given to the school, counteracting the autonomy collectively constituted, for we have observed, while researching in public schools in Rio de Janeiro, that the daily practices, which facilitate the interaction between different lays of people, help surface pedagogical innovations, thus constituting lived autonomy with and on the routine of public schools in Rio.

Key words: School Management, Autonomy and School Democracy.

1 Introdução

Este artigo apresenta um estudo sobre alguns temas centrais da gestão escolar, abordados pela pesquisa1 que realizamos em três escolas da rede pública estadual da Baixada Fluminense, região periférica

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da cidade do Rio de Janeiro. A intenção central é debater a respeito da gestão escolar à luz de novos olhares e novas propostas que resultaram da reflexão teórica e empírica empreendida pela pesquisa, assim como das observações que temos efetuado na função de professora formadora2 de gestores/as escolares da rede pública estadual de ensino.

Os dados da pesquisa de campo foram coletados em visitas realizadas às escolas, complementados com entrevistas e acompanhamento aos conselhos de classe e reuniões de pais nos anos de 2003 e 2004. Atualmente, estamos aprofundando as nossas observações em encontros de formação continuada com diretores/as e diretores/as adjuntos/as de escolas estaduais da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro.

De posse dos dados empíricos, fizemos uma leitura analítica das observações de campo e das entrevistas que formaram a base para a construção deste texto. As análises nos levaram à organização por temas, entre os quais elegemos, para este artigo, as novas abordagens, os novos olhares e as novas propostas da gestão escolar na atualidade.

Interessa-nos refletir, portanto, sobre a concepção atual de gestão escolar legalmente implantada nas escolas pelo poder público, que contempla novas abordagens e novas propostas de trabalho educacional. Ao mesmo tempo, faremos uma contraposição com as práticas cotidianas de gestão e as ressignificações das políticas oficiais elaboradas pelo coletivo escolar.

No desenvolvimento da pesquisa, envidamos esforços para compreender as inovações concretizadas no interior das escolas, sua autonomia construída manifestada na elaboração e na execução de suas próprias propostas de trabalho, em oposição à autonomia decretada e legal, prevista na legislação oficial e implementada pelo poder governamental. Neste artigo, discutiremos, portanto, a autonomia construída pelo coletivo escolar, compreendida como as possibilidades de interação entre profissionais da educação, responsáveis e estudantes, com o objetivo de elaborar uma proposta de trabalho educacional. Em outras palavras, refletiremos a respeito de um projeto de educação que incorpore a realidade a que a escola está submetida, considerando tanto a gestão administrativa legal quanto a gestão pedagógica retratada nos documentos oficiais.

Discutir a gestão escolar democrática implica apreender conceitualmente os significados da autonomia decretada e da autonomia construída. Implica, ainda, perceber como se produz, na concretude da ação pedagógica, a autonomia conquistada pelo coletivo da escola, além da autonomia que é entendida como a utilização, com transparência, dos recursos públicos transferidos às escolas.

2 Autonomia: novas abordagens, novos olhares, novas propostas

A gestão democrática das escolas públicas brasileiras está prevista tanto na Constituição Federal de 1988, Art. 206, quanto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei nº 9.394/1996), em seu Art. 3o, inciso VIII, ao ressaltar que o ensino público será ministrado com base no princípio da gestão democrática. Já o Art. 14 ressalta que os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as peculiaridades locais e com base nos princípios da participação dos profissionais da educação na produção do projeto pedagógico da escola, bem como a participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares.

De acordo com o que prevê a LDB, o poder público do Estado do Rio de Janeiro regulamenta a gestão nas escolas públicas da rede esta-dual de ensino ao orientar as unidades escolares a produzirem, de forma participativa, o Projeto Político-Pedagógico e seu correspondente Plano de Gestão, observando-se as

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orientações previstas nas diretrizes curriculares nacionais e nas determinações do Conselho Nacional de Educação, do Conselho Estadual de Educação e da Secretaria Estadual de Educação (Mendonça, 2006, p. 45).

Quanto às Associações de Apoio à Escola, estas foram instituídas com a Lei nº 3.067, de 25 de setembro de 1998. Essa Lei, em seu Art. 1º, estabelece as diretrizes da autonomia das Unidades Escolares da Rede Pública do Estado do Rio de Janeiro, visando à gestão democrática, ao melhor aproveitamento dos recursos e à qualidade da educação. Já o Art. 2º prevê que a autonomia das Unidades Escolares far-se-á por meio de um conjunto de práticas integradas, nas esferas administrativas, financeira e pedagógica, com a participação dos diversos segmentos da comunidade escolar, por intermédio das Associações de Apoio à Escola – AAEs.

De acordo com orientações da SEE, a gestão da escola é de “responsabilidade do seu diretor (...) coadjuvado pelo diretor-adjunto e o pessoal de apoio técnico-administrativo alocado na escola” (...) e tal gestão “deve ser conduzida com a efetiva participação da Associação de Apoio à Escola (AAE), integrada por representantes dos diversos segmentos interessados no seu bom desempenho” e na identificação de medidas para alcance de seus objetivos e metas, bem como de avaliação dos resultados, além de acompanhamento dos gastos de recursos públicos investidos nas unidades escolares, advindos da descentralização e da autonomia delegada à escola pelo poder público estadual (p. 46).

Diante dessa concepção de gestão escolar que focaliza a escola como determinante de sua ação, como responsável por seu sucesso ou insucesso, como centro da autonomia entendida como descentralização dos recursos financeiros públicos, o foco dessa gestão está centrado na escola na figura do/a gestor/a. Assim, a responsabilidade da gestão escolar está situada na função de diretor/a, que representa os interesses do Estado para gerenciar os recursos públicos enviados às escolas para suprir suas necessidades emergenciais de manutenção e para aquisição de merenda escolar, entre outros.

Essa política de descentralização incentiva a formação de parcerias entre escola, comunidade e empresa, no sentido de compartilhar as responsabilidades do poder público na manutenção da educação pública. Portanto, a parceria estabelecida entre instituição de ensino e comunidade, seja para captar recursos, seja para compartilhar seus problemas estruturais, se implanta na escola, determinando uma autonomia meramente legal ou decretada.

É nesse contexto que a escola passa a ser o centro de seu próprio trabalho. As políticas educacionais instituídas nos anos 1990, particularmente a de descentralização administrativa, reduzem, portanto, os recursos financeiros públicos destinados ao desenvolvimento da educação e pressupõem a diminuição das responsabilidades do Estado com o ensino público, traduzindo-se na minimização de sua responsabilidade social.

Dessa forma, está iniciada uma nova fase da gestão escolar, que insere a participação da comunidade na manutenção da escola pública. Diante de recursos insuficientes, resta às escolas buscar complementá-los, seja captando junto à comunidade e empresas privadas novos apoios, seja com o trabalho voluntário.

Em suma, se entendemos que a gestão escolar legal e democrática prevista tanto na Constituição de 1988 quanto na LDB de 1996 significa um avanço no processo de construção da democracia no espaço da escola, deve-se ressaltar que essa conquista representou e ainda representa um caminho importante a ser trilhado, qual seja, a democratização do espaço escolar público. Assinale-se também que estamos vivendo tempos em que a descentralização amplia as responsabilidades da sociedade com a educação pública, porque a escola precisa contar com subsídios externos para desenvolver o seu trabalho.

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Diante desse encaminhamento, o discurso da gestão democrática vem sendo paulatinamente substituído pela implantação de uma nova abordagem e de uma nova modalidade de gestão escolar, que se concretizam consoante novas concepções de sociedade, que consagram as técnicas e os resultados educacionais, em detrimento da educação como processo de construção política. Isso nos remete à avaliação de resultados a que as escolas públicas têm sido submetidas, em que a educação é medida, é vista como produto, enquanto as relações políticas efetivas que contribuem para a elaboração/criação são secundarizadas.

É nesse contexto que o trabalho da escola sofre uma constante descontinuidade, fruto de uma política educacional que vê como responsabilidade da direção escolar (na verdade, do diretor/a) estabelecer parcerias. Essas parcerias são entendidas como a participação de órgãos privados no custeio da educação, pois fornecem contribuições em prestação de serviços e/ou pecuniárias para a sua manutenção ou para a compra de equipamentos.

Quanto à participação da comunidade, quase que restrita à execução do trabalho escolar, esse assume um sentido limitado e, de certa forma, imposto. Além disso, por estar relacionada apenas ao fazer, e distante da elaboração, fortalece as orientações planejadas em níveis centrais do poder público.

A modalidade de gestão escolar acima descrita nos remete a uma concepção de gestão autoritária e hierárquica – gestão essa que permeia em vários momentos o cotidiano e os espaços das escolas públicas pesquisadas. Conforme verificamos em nossa investigação, esse modelo está voltado para o cumprimento das determinações legais, prevalecendo as relações verticais, em que a valorização do fazer, do executar e do cumprir do ponto de vista técnico se sobrepõe ao elaborar, ao construir e ao criar projetos educacionais com e para fortalecer o espaço escolar público.

Importa referir que essa descentralização dos recursos públicos considera a gestão democrática como a capacidade de a própria escola determinar seus gastos e aplicar os recursos. Essa democracia, instituída pela autoridade pública pela lei da autonomia, “fortalece a autoridade do dirigente escolar como um gestor dos recursos financeiros” (Bastos, 1999, p. 28), porque ele se torna o único responsável em gerenciar tais recursos, que, além do mais, estão quase sempre desatualizados em relação à real necessidade das escolas.

Lima (2003) ressalta que, no discurso das novas políticas educacionais de modernização governamental, está embutida a ideologia de que “é essencial o crescimento do sistema com menores despesas” (p. 126). A prioridade é aumentar o acesso à escola, quantificar os recursos e regular os resultados obtidos. Nesse sentido, observamos que as escolas estaduais submetem-se a tais orientações, além do controle burocrático e da avaliação contínua de seu trabalho por meio de programas institucionais de governo.

Segundo o discurso dominante, o Estado não comporta tanto investimento na área social. Por isso, o poder público vem mantendo um permanente controle para racionalizar seus gastos, sem necessariamente atrelá-los às necessidades institucionais. Isso se acentua com a utilização das novas tecnologias educacionais, ou seja, com a informatização das Secretarias de Educação e das escolas. Um exemplo disso é o controle do horário, das turmas e do quantitativo de profissionais da educação, além dos/as alunos/as matriculados/as e seu aproveitamento, por meio de páginas ofi-ciais na internet.

Nesse processo de controle permanente, o poder central se implanta como planejador educacional eficiente, em que, como nos pontua Fonseca et al. (2004), “a mudança é ancorada no conhecimento elaborado por especialistas, quase sempre distantes do contexto escolar” (p. 25), sem efetivamente aplicar recursos necessários ao desenvolvimento de uma educação de qualidade social. Prevalece, portanto, a reestruturação da escola no sentido de menos gastos e maior produtividade educacional.

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Dessa forma, entendemos que a política de descentralização, ao priorizar a minimização de suas responsabilidades sociais, desconsidera as peculiaridades locais e as diferenças culturais, pois não contempla as necessidades de profissionais e de infra-estrutura das escolas.

Essas observações nos permitem compreender que a autonomia decretada pelas regras estabelecidas tenta silenciar as vozes daqueles que transitam e vivenciam a escola pública. Exemplificamos tal situação quando os/as diretores/as solicitam profissionais para compor as equipes, os quais são imprescindíveis ao trabalho escolar, e esse mesmo poder público impõe um quantitativo já planejado anteriormente, sem levar em conta as reais necessidades. Dessa forma é que acontece a contratação temporária de profissionais da educação, fortalecendo a precarização da profissão docente e dificultando a interação em ações coletivas no espaço público da escola.

Vale registrar, nesse emaranhado de centralização das ações escolares pelo poder público, que o/a gestor/a é sempre tido/a como a autoridade local que representa os interesses do Estado, sendo considerado/a a liderança máxima, embora esteja prevista a constituição de associações de profissionais da educação, pais e alunos para participar efetivamente da vida cotidiana na escola. É nesse sentido que essa liderança se torna responsável pelo trabalho educacional, tornando-se também o foco de sucesso ou insucesso dessa gestão, sendo seu trabalho controlado e avaliado, conforme objetivos elaborados por planejadores da educação fora do espaço escolar.

Em suma, consideramos que essa democracia instituída pelo poder público contribui para a separação entre o executar e o planejar/pensar no espaço escolar, porque prioriza as questões técnicas. A escola seria meramente a executora dessas técnicas que chegam para inserir a qualidade total que ofusca as ações políticas coletivas da educação de qualidade social.

Essa democracia decretada torna legítimo o poder hegemônico que representa os interesses dominantes defendidos pelo Estado, conforme observamos em nossa pesquisa de campo, onde uns pensam e outros fazem. É uma democracia atrelada aos consensos instituídos na intenção de minimizar os conflitos que perpassam os espaços públicos rumo à sua efetiva democratização.

Portanto, uma nova cultura organizacional da gestão fica estabelecida, baseando-se nas políticas de descentralização que privilegiam a autonomia legal que elege os/as diretores/as como defensores e executores dessas políticas. Dessa forma, novas abordagens, novos olhares e novas propostas surgem, com base em orientações que homogeneízam diferentes problemas e desconsideram peculiaridades locais, transformando a gestão escolar, que é essencialmente política, em gestão técnica, compartimentando a administração da escola pública.

3 A Autonomia Construída na Escola

No campo educacional das três escolas investigadas, observamos que a democracia é construída passo a passo em algumas de suas ações diárias. Esse processo democrático acontece em reuniões dos vários segmentos3 escolares e em distintos momentos, como os encontros informais na sala dos/as diretores/as e no ambiente dos/as professores/as; nas reuniões para discutir a respeito das orientações administrativas que chegam, ou ainda quando refletem especificamente com seus pares a respeito de projetos e trabalhos a serem desenvolvidos, que privilegiam os interesses de alunos/as das classes populares.

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Entretanto, observamos também que essa democracia se constrói com bastante parcimônia nos encontros promovidos pelas escolas, quando os/as professores/as se reúnem para discutir a respeito de determinado tema educacional, seja ele administrativo ou pedagógico. Percebemos que na maioria das vezes esses encontros são cuidadosamente planejados e elaborados pelos/as diretores/as, quase sempre de acordo com as orientações centrais. A tendência desses profissionais é repetir a mesma estratégia do poder governamental, não oportunizando momentos de interação coletiva para que professores/as contribuam na elaboração de propostas de trabalho educacional. Nesse contexto, percebemos que os/as professores/as pouco atuam nos encontros; são muito mais ouvintes do que interlocutores, porque poucos se atrevem e/ou manifestam as suas posições.

Nesse sentido, as equipes de direção sentem-se atreladas às determinações centrais e acreditam que as decisões a respeito do trabalho escolar devem surgir de suas deliberações, porque a responsabilidade do cargo assim exige. Observamos os discursos e as práticas dos/as diretores/as e acreditamos que ainda estão em processo de compreensão do conceito de democracia.

Essa compreensão surge muito mais efetivamente na interação entre os/as professores/as regentes do que destes com as equipes de direção. Na verdade, existem pólos de resistência no espaço das escolas, onde os professores, juntamente com seus pares da mesma área curricular, elaboram propostas de trabalho coletivo. Dessa forma, a democracia se constrói lentamente no espaço institucional, em vista das dificuldades advindas do pouco tempo destinado a tais encontros.

A partir dos estudos aqui referidos, tivemos a clareza de que, tanto do ponto de vista governamental quanto na visão dos/as próprios/as diretores/as, a determinação de desenvolver as ações escolares restringe-se ao dever de função, isto é, à condição de ser o/a representante legal da escola. Os/As diretores/as são levados/as a assumir que sua função exige total dedicação frente aos entraves institucionais de gestão, e, no momento em que chegam as cobranças, são responsabilizados/as e respondem às penalidades impostas pelo poder governamental.

A distribuição de responsabilidades entre as equipes de diretores/as e uma efetiva participação da comunidade na construção de ações e/ou soluções a partir do coletivo escolar ainda permanecem em nosso imaginário. Os/As diretores/as são sempre os responsáveis por todos os assuntos que dizem respeito à gestão escolar. Diante dessa forte hierarquização e concentração de poder na função, acontecem pressões a partir de deliberações legais que chegam à escola. Por conta desses entraves, os profissionais da educação vivenciam conflitos e tensões e são submetidos a consensos precariamente obtidos.

Diante dos dados analisados, entendemos que parte significativa dos profissionais investigados vê no conflito que permeia a complexidade do espaço escolar uma falta de competência pessoal, pois têm vergonha de manifestar as contradições que interferem no trabalho, suas inquietudes e as da comunidade. Tentam camuflar os conflitos, valorizando os consensos construídos com base nas orientações legais que chegam do poder governamental.

É paradoxal que, em tempos ditos pós-modernos, o discurso da gestão democrática na escola, naturalmente permeado pelos conflitos cotidianos e pela pluralidade de soluções na construção de suas práticas, seja substituído pelo discurso consensual, que impera em relação ao cumprimento de orientações homogêneas com base na eficiência e na eficácia, compreendidas como o resultado e o produto do trabalho educacional.

Em síntese, a pesquisa que realizamos nos faz refletir que o processo de democratização da escola pública está por ser construído e que não podemos nos afastar desse propósito. As ressignificações das políticas educacionais macro, observamos, estão constantemente permeando o cotidiano de nossas escolas,

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formando uma rede intrincada de relações de resistência, mas que não chegam a se impor de maneira efetiva.

Ainda assim, a escola, nesse processo de vai-e-vem, elabora novas formas de trabalho, reconstrói seu olhar e acaba por conceber novas abordagens que contribuem para o fortalecimento e a democratização da educação pública, no sentido de reverter o quadro caótico que impera no sistema educacional do Estado do Rio de Janeiro.

4 Considerações Finais

Com base em Oliveira e Rosar (2002), consideramos que o processo de descentralização tem apontado para novas formas de organização e de gerenciamento da instituição escolar, o que permite uma diminuição da responsabilidade estatal com a educação pública. Essa minimização da responsabilidade do poder público propicia que a escola se depare com alguns entraves que dificultam o desenvolvimento de sua verdadeira finalidade: preocupar-se com o/a aluno/a, possibilitar a construção de conhecimentos significativos que transformem a sua condição social, valorizar o/a aluno/a cidadão/ã pleno/a com direitos e deveres, elaborando com ele/ela e para ele/ela as condições propícias para a construção de novos direitos de cidadania.

Entretanto, verificamos que, para alcançar a finalidade da educação, a escola, em meio a alguns avanços e retrocessos, em meio à precária reflexão coletiva, vem tentando discutir qual o modelo de educação que se deseja construir. As observações realizadas nos mostram que as escolas vão e vêm, estão em processo e às vezes em retrocesso nesse caminhar. Presenciamos que ora acontecem situações de avanço, mas em outros momentos se retrocede. Acreditamos ser esse o percurso da democratização escolar.

Na direção da democratização, presenciamos a elaboração da proposta político-pedagógica da escola. Quanto mais os profissionais da educação e os/as diretores/as se unem em prol dos/as alunos/as, mais a escola se constrói democrática. Portanto, a autonomia construída se torna elemento fundamental para a construção de um trabalho educacional voltado para as diferentes culturas e heterogeneidades que co-habitam o espaço escolar público.

Vale ressaltar que a análise dos dados nos levou à compreensão de que o modelo de gestão atual não exige um questionamento, por parte dos/as diretores/as, de possíveis mudanças de enfoque na administração escolar. É como se esse modelo fosse neutro, dissociado da política, das relações sociais entre o meio escolar e a comunidade. Mesmo quando os/as diretores/as não concordam com alguns encaminhamentos do poder público, eles/elas não os questionam de fato.

É nesse contexto que a concepção de gestão de qualidade total do discurso oficial está fortemente associada às concepções de escola como empresa e de educação como produto que, produzido em série, apresenta-se despido da realidade local. Essa concepção se manifesta no trabalho da direção das escolas estudadas quando estas parecem não perceber que a forma de gestão exercida expressa e perpetua a política dominante.

Em síntese, do ponto de vista das políticas educacionais, por um lado, predominam novas concepções de gestão escolar democrática, com abordagens, olhares e propostas de “qualidade total” que privilegiam a escola como empresa e a educação como produto. Por outro lado, do ponto de vista dos profissionais da educação, na interação entre os vários segmentos da escola acontecem novas abordagens, novos olhares e novas propostas de trabalho educacional que partem da construção coletiva de seu projeto político-

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pedagógico, em que o aluno é o centro e a finalidade da ação educacional.

A perspectiva dessa gestão democrática, portanto, nos faz vislumbrar, concordando com Bastos (1999), que o comprometimento dos vários segmentos escolares contribui para “reeducar seu dirigente, e colocar diante dele a necessidade de administrar a escola” (p. 28) com a participação efetiva de todos os sujeitos interessados em construir um trabalho educacional compromissado com uma educação pública de qualidade social.

Notas

1 Pesquisa realizada para a nossa dissertação de mestrado (Silva, 2005).

2 Temos atuado como professora formadora em curso para diretores/as da rede pública estadual pela Universidade Federal de Juiz de Fora, em convênio com a Secretaria de Estado de Educação/RJ, em 2005/2006.

3 Profissionais da escola: equipe de direção, professores/as, funcionários/as, alunos/as, responsáveis e comunidade em geral.

Referências

BASTOS, J. B. Gestão democrática da educação: as práticas administrativas compartilhadas. In: BASTOS, J. B. (Org.). Gestão democrática. Rio de Janeiro: DP&A/SEPE, 1999. p. 7-30.

CARNEIRO, M. A. LDB fácil: leitura crítico-compreensiva: artigo a artigo. Petrópolis: Vozes, 1998.

FONSECA, M.; TOSCHI, M. S. M; OLIVEIRA, J. Educação, gestão e organização escolar: concepções e tendências atuais. In: ______ (Org.). Escolas gerenciadas: planos de desenvolvimento e projetos político-pedagógicos em debate. Goiânia: Ed. da UCG, 2004. p. 21-31.

LIMA, L. C. A escola como organização educativa: uma abordagem sociológica. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

MENDONÇA, C. Solidariedade do conhecimento. Rio de Janeiro: C. Mendonça, 2006.

OLIVEIRA, D. A.; ROSAR, M. F. F. (Org.). Política e gestão da educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

SILVA, E. M. F. Concepções e práticas de gestão em escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro. 2005. Dissertação (Mestrado em Educação)–Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.

*Dados da autora:

Eunice Maria Ferreira Silva

Mestre em Educação – UFRJ – e Doutoranda em Educação – UFF

Endereço eletrônico: [email protected]

Data de recebimento: 14 nov. 2006

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Data de aprovação: 30 mar. 2007