gabriel almeida antunes rossinirepositorio.unicamp.br/bitstream/reposip/286525/1/... · rio claro:...
TRANSCRIPT
1
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
GABRIEL ALMEIDA ANTUNES ROSSINI
A dinâmica do tráfico interno de escravos na franja da
economia cafeeira paulista (1861-1887).
Campinas
Março de 2015
3
GABRIEL ALMEIDA ANTUNES ROSSINI
A dinâmica do tráfico interno de escravos na franja da
economia cafeeira paulista (1861-1887)
Profª. Drª. Lígia Maria Osório Silva – Orientadora
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico, área de concentração em História Econômica do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de doutor em Desenvolvimento Econômico, na área de concentração em História Econômica.
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO GABRIEL ALMEIDA ANTUNES ROSSINI E ORIENTADA PELA PROFª. DRª. LÍGIA MARIA OSÓRIO SILVA.
CAMPINAS 2015
4
5
TESE DE DOUTORADO
GABRIEL ALMEIDA ANTUNES ROSSINI
A dinâmica do tráfico interno de escravos na franja da
economia cafeeira paulista (1861-1887)
Defendida em 20/03/2015
COMISSÃO JULGADORA
7
Quando os debates tomaram impulso, a sociedade repentinamente ficou polarizada:
os partidos políticos dividiram-se, porque já não era mais possível permanecerem
neutros. (...) Aqueles que se opunham à mudança salientaram, antes de mais nada,
o direito à propriedade. Os senhores de escravos, como os latifundiários de hoje,
insistiram em que os deserdados eram realmente felizes até serem agitados por
demagogos inescrupulosos. Richard Graham, Escravidão, reforma e imperialismo.
São Paulo: Ed. Perspectiva, 1979.
A história não revela submissão e resignação, mas sobrevivência e revide. Warren
Dean. Rio Claro: um sistema brasileiro de grande lavoura, 1820-1920. Rio de
Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1977.
A idealização da escravatura, a ideia romântica da suavidade e brandura da
escravatura no Brasil, a descrição do escravo leal e do senhor benevolente, amigo
do escravo – interpretações que acabaram prevalecendo em nossa literatura e
nossa história – foram alguns dos mitos formados por uma sociedade escrava para
defender um sistema considerado essencial. Emília Viotti da Costa. Da senzala à
colônia. São Paulo: Ed. UNESP, 1997.
9
Agradecimentos
À Universidade Estadual de Campinas.
À minha orientadora, professora Dra. Ligia Osorio Silva, que sempre se mostrou
receptiva e paciente.
Agradeço muitíssimo aos membros das bancas de qualificação e defesa pela leitura
atenta, sugestões, questionamentos e críticas. Compuseram a banca de qualificação
os professores doutores: Robert W. Slenes, José Flávio Motta e Ligia Osorio. Na
defesa, além dos professores que participaram da qualificação, pude contar com as
contribuições dos professores Renato Leite Marcondes e Maria Alice Rosa Ribeiro.
Aos tabeliães e funcionários dos cartórios cujos acervos relativos ao tráfico interno
de escravos possibilitaram essa pesquisa.
Aos meus professores e colegas do Programa de Doutorado do Instituto de
Economia da UNICAMP.
À PUC-SP, que além da rica experiência, propiciou-me auxílio capacitação docente,
diminuindo a minha carga horária durante um semestre letivo.
Aos amigos e colegas da PUC-SP.
Aos amigos, que de diferentes formas participaram desta empreitada.
À minha família, que sempre está por perto me apoiando e estimulando.
À Marília, minha paciente leitora e minha querida companheira de todas as horas.
Eu te amo e te quero sempre por perto. Ao Antonio, meu homem de ferro, que acaba
de fazer 4 anos e apenas conheceu o pai na versão doutorando...
11
Resumo
Esta pesquisa aborda a dinâmica do tráfico interno de escravos na franja da economia cafeeira paulista, entre 1861-1887. Este estudo tem como lócus privilegiado alguns importantes centros cafeicultores do Oeste Paulista pertencentes à Zona da Baixa Paulista (Rio Claro, Araras e Araraquara). Os resultados apresentados nesta pesquisa foram decorrentes da análise de 814 escrituras de compra e venda de escravos que registraram a comercialização de 1.756 indivíduos das mais diferentes idades, origens e ambos os sexos. Este estudo é estruturado em quatro partes. Além da introdução, na segunda parte, discutimos aspectos relativos aos recortes espacial, temporal e ao núcleo documental utilizado e também abordamos elementos da expansão cafeeira e do comércio interno de escravos. Na terceira, expomos os resultados das diversas apreciações econômicas e demográficas relativas aos indivíduos que sofreram o fado das diferentes modalidades do tráfico interno de cativos. Por fim, expomos as nossas conclusões. Palavras-chave: escravo, café, São Paulo, tráfico interno, século XIX.
Abstract
This research deals with the dynamics of internal slave trade during the coffee boom era in São Paulo, between 1861 and 1887. The localities where we focus this research are the cities of Rio Claro, Araras and Araraquara, in the western zone of the São Paulo, also known as “Baixa Paulista”, where important coffee plantations were developed. The research is based on the analysis of 814 deeds of purchase and sale of slaves, with these transactions involving 1.756 persons, of different ages, origins and sex. The study is structured in four parts, an introduction, a section focused on describing our local samples, including aspects related to growth of coffee production and associated growth of the trade of slaves. In the third section, we present the results of our economic and demographic analysis developed upon the territorial, economic and demographic sample. This section is followed by a conclusion.
Keywords: slave, coffee, São Paulo, internal trafficking, nineteenth century.
13
LISTA DE MAPAS, GRÁFICOS E TABELAS
PARTE I
CAPÍTULO I - Aspectos relativos aos recortes espacial, temporal e ao núcleo documental.
Mapas
Mapa 1 – Divisão geográfica do território paulista adotada por Sérgio Milliet em Roteiros do Café .....35
Mapa 2 – Divisão geográfica do território paulista adotada por Sérgio Milliet em Roteiros do Café. Posição do município de Rio Claro em relação ao território paulista ..... 42
Mapa 3 – Divisão geográfica do território paulista adotada por Sérgio Milliet em Roteiros do Café. Posição do município de Araras em relação ao território paulista ..... 42
Mapa 4 – Divisão geográfica do território paulista adotada por Sérgio Milliet em Roteiros do Café. Posição do município de Araraquara em relação ao território paulista .... 53
Gráficos
Gráfico 1 – Produção de café (em @) em diferentes regiões de São Paulo .... 36
Gráfico 2 – População escrava em diferentes regiões da província de São Paulo .....37
Gráfico 3 – População total em diferentes regiões de São Paulo .....37
Gráfico 4 – Produção de café (em @) em Rio Claro .....46
Gráfico 5 – População escrava em Rio Claro .....46
Gráfico 6 – Chegada de imigrantes em Rio Claro, 1883-1921 .....51
Gráfico 7 – Produção de café Araraquara .....58
Gráfico 8 – População escrava baixa paulista, pop. total Araraquara e pop. escrava Araraquara, 1836-1900 .....59
Tabelas
Tabela 1 – Alguns dados concernentes aos municípios em apreço – 1905 .....38
Tabela 2 – Atividades econômicas encontradas de acordo com o Almanak de São João de Rio Claro para o ano de 1873 .....50
Tabela 3 – Evolução da população de Rio Claro, 1822-1920 .....51
Tabela 4 – Inventários Araraquara, 1830-1860 .....54
Tabela 5 – Inventários Araraquara, 1860-1890 .....57
Tabela 6 – População de Araraquara segundo condição social, nacionalidade e sexo .....59
Tabela 7 – Inventários Araraquara, 1870-1880 .....60
14
CAPÍTULO II - Notas sobre a expansão cafeeira, o tráfico interno de escravos e o colonato.
Mapas
Mapa 1 – Marcha cronológica do café .....82
Mapa 2 – Carta da Província de S. Paulo .....87
Gráficos
Gráfico 1 – Exportações brasileiras de café em grãos – totais por quinquênios. Milhares de sacas de 60 kg .....94
Gráfico 2 – Evolução do preço médio do escravo padrão por quinquênio e sexo, em Pernambuco. 1800-1887 – Mil Réis .....126
Gráfico 3 – Evolução do preço médio da tonelada do açúcar exportado por quinquênio. 1800 – 1887 – Mil Réis .....126
Tabelas
Tabela 1 – Escravos manumitidos a título oneroso e gratuito (até 30 de junho de 1885) e por meio do fundo de emancipação (entre set/1871 – jan/1885) .....109
Tabela 2 – População escrava segundo estado civil .....116
Tabela 3 – População escrava brasileira por província em percentual 1819-1887 .....120
Tabela 4 – Aspectos da estatística escrava existente no Império até 30 de junho de 1885 .....128
Tabela 5 – Percentual masculino na composição da população escrava Bahia e São Paulo .....133
Tabela 6 – Escravos existentes em 30 de junho de 1885, em diversas províncias do Império .....134
PARTE II
CAPÍTULO III - Tráfico interno de escravos: Rio Claro, 1861 – 1869.
Gráficos
Gráfico 1 - Número de escravos transacionados segundo sexo e ano de registro da escritura. Rio Claro, 1861 – 1869 .....145
Gráfico 2 – Relação preço nominal médio versus idade dos escravos (homens e mulheres) negociados, individualmente, em Rio Claro, ao longo dos anos 1860 .....151
15
Gráfico 3 – Relação preço nominal médio versus idade das escravas negociadas, individualmente,
em Rio Claro, ao longo dos anos 1860 .....151
Gráfico 4 – Relação preço nominal médio versus idade dos escravos negociados, individualmente,
em Rio Claro, ao longo dos anos 1860 ..... 151
Gráfico 5 – Número de escravos jovens (15-29 anos) negociados em Rio Claro segundo sexo (1861-1869) .....153
Gráfico 6 – Preço médio nominal dos escravos jovens (15 a 29 anos) negociados em Rio Claro segundo sexo (1861-1869) .....153
Gráfico 7 – Preço médio nominal dos escravos adultos jovens (15 a 29 anos) negociados, individualmente, em Rio Claro segundo sexo (1861-1869) .....158
Gráfico 8 – Preços nominais médios (Contos de Réis) dos escravos crianças, por faixa etária e sexo. Rio Claro, 1861-1869 .....165
Gráfico 9 – Maior participação do grupo de escravos crianças do sexo masculino, de 12-14 anos, registrados em Rio Claro, entre 1861-1869 .....166
Gráfico 10 – Maior participação do grupo de escravas crianças do sexo feminino, de 12-14 anos, registradas em Rio Claro, entre 1861-1869 .....166
Gráfico 11 – Estado conjugal e filhos declarados de acordo com as Escrituras de Compra e Venda de Escravos - Rio Claro (1861-1869) .....168
Gráfico 12 – Número de crianças escravas comerciadas em Rio Claro, 1861-1869 .....173
Gráfico 13 – Crianças escravas vendidas individualmente e no âmbito de grupos em Rio Claro, 1861-1869 .....174
Gráfico 14 – Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram apenas um escravo sendo negociado .....177
Gráfico 15 – Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram mais de um escravo sendo negociado .....177
Gráfico 16 – Tráfico interprovincial: nordeste, sul e MG + RJ para a província de São Paulo e Município de Rio Claro (1861-1869) .....186
Gráfico 17 – A participação de MG no bojo dos escravos comerciados, no âmbito interprovincial, com destino a Rio Claro, 1861-1869 .....188
Gráfico 18 – Escravos de nação negociados em Rio Claro segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio (1861-1869) .....193
Gráfico 19 – Escravos crioulos negociados em Rio Claro segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio (1861-1869) .....195
Gráfico 20 – Escravos negociados no tráfico interprovincial segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio (Rio Claro, 1861-1869) .....198
Gráfico 21 – Escravos negociados no tráfico local segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio (Rio Claro, 1861-1869) .....199
Gráfico 22 – Escravos negociados no tráfico intraprovincial segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio (Rio Claro, 1861-1869) .....200
16
Tabelas
Tabela 1 – Preços médios, em mil-réis, de escravos masculinos, de 15 a 29 anos Rio Claro - SP 1862-1869 - Confronto dados W. Dean e G. Rossini .....148
Tabela 2 – N. de escravos, sexo, idade media, mediana, desvio padrão e preços médios nominais dos escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos individualmente em Rio Claro, 1861-1869 .....154
Tabela 3 – Preço médio nominal dos escravos jovens (15 a 29 anos), negociados individualmente, de acordo com a cor da pele indicada na escritura. Rio Claro (1861-1869) .....162
Tabela 4 – Preços médios nominais dos escravos crianças (menores de 15 anos) registrados em Rio Claro, entre 1861-1869 .....164
Tabela 5 – Tráfico local, intra-regional e inter-regional (%), Rio Claro 1861-1869 .....178
Tabela 6 – Escravos negociados segundo sexo, origem e tipo de tráfico - Rio Claro (1861-1869) .....182
Tabela 7 – Entradas e saídas de Rio Claro segundo sexo (1861-1869) .....184
Tabela 8 – Tráfico intraprovincial: entradas em Rio Claro, 1861-1869 - Distância entre as localidades .....185
Tabela 9 – Escravos jovens (15-29 anos de idade) negociados individualmente de acordo com: tipo de tráfico, sexo e preço nominal médio (Rio Claro, 1861-1869). Em Réis .....201
Tabela 10 – Escravos negociados em Rio Claro segundo sexo e ocupação (1861-1869) .....202
CAPÍTULO IV - Tráfico interno de escravos: Rio Claro, Araras e Araraquara, 1870 – 1880.
Gráficos
Gráfico 1 – Escravos negociados segundo tipo de tráfico, localidades pesquisadas. 1870 - 1880 .....209
Gráfico 2 – Número de escravos transacionados segundo ano de registro da escritura. Rio Claro, 1870, 1871, 1876 e 1877 .....217
Gráfico 3 – N. de escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos em Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877) .....219
Gráfico 4 – Preços médios nominais, em Contos de Réis, dos escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos em Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877) .....220
Gráfico 5 – Estado conjugal e filhos declarados de acordo com as Escrituras de Compra e Venda de Escravos - Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877) .....224
Gráfico 6 – Número de crianças escravas comerciadas em Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877) .....226
Gráfico 7 – Crianças escravas vendidas individualmente e no âmbito de grupos em Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877) .....227
Gráfico 8 – Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram apenas um escravo sendo negociado (Rio Claro, 1870, 1871, 1876 e 1877) .....229
17
Gráfico 9 – Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram mais de um escravo sendo negociado (Rio Claro, 1870, 1871, 1876 e 1877) .....229
Gráfico 10 – Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram cinco ou mais escravo sendo negociado (Rio Claro, 1870, 1871, 1876 e 1877) .....229
Gráfico 11 – Tráfico interprovincial: Nordeste, Sul, MG e RJ para a província de São Paulo e Município de Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877) .....233
Gráfico 12 – Escravos 'de nação' negociados segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio (Réis) (Rio Claro, 1870, 1871, 1876 e 1877) .....235
Gráfico 13 – Escravos 'crioulos' negociados segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio (Réis) (Rio Claro, 1870, 1871, 1876 e 1877) .....236
Gráfico 14 – Escravos negociados no tráfico local segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio (Réis). Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877) .....237
Gráfico 15 – Escravos negociados no tráfico intraprovincial segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio- (Réis). Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877) .....238
Gráfico 16 – Escravos negociados no tráfico interprovincial segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio- (Réis). Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877) .....238
Gráfico 17 – Número de escravos transacionados segundo sexo e ano de registro da escritura. Araras, 1875-1880 .....244
Gráfico 18 – N. de escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos em Araras ,1875-1880 .....246
Gráfico 19 – Preços médios nominais, em Contos de Réis, dos escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos em Araras, 1875-1880 .....247
Gráfico 20 – Estado conjugal e filhos declarados de acordo com as Escrituras de Compra e Venda de Escravos - Araras (1875-1880) .....250
Gráfico 21 – Número de crianças escravas comerciadas em Araras, 1875-1880 .....251
Gráfico 22 – Crianças escravas vendidas individualmente e no âmbito de grupos em Araras, 1875-1880 .....252
Gráfico 23 – Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram apenas um escravo sendo negociado (Araras, 1875-1880) .....253
Gráfico 24 – Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram mais de um escravo sendo negociado (Araras, 1875-1880) .....253
Gráfico 25 – Tráfico interprovincial: Nordeste, Sul, MG e RJ para a província de São Paulo e Município de Araras (1875-1880) .....258
Gráfico 26 – Escravos negociados no tráfico interprovincial segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio – (Contos de Réis). Araras, 1875-1880 .....262
Gráfico 27 – Escravos negociados no tráfico intraprovincial segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio – (Contos de Réis). Araras, 1875-1880 .....262
Gráfico 28 – Escravos negociados no tráfico local segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio – (Contos de Réis). Araras, 1875-1880 .....263
Gráfico 29 – Número de escravos transacionados segundo sexo e ano de registro da escritura – Araraquara 1870-1880 .....268
Gráfico 30 – Número de escravos jovens (15 - 29 anos) por sexo - Araraquara (1870-1880) .....269
18
Gráfico 31 – Preços médios nominais dos escravos jovens (15-29 anos) por sexo – Araraquara (1870-1880). Réis .....269
Gráfico 32 – Estado conjugal e filhos declarados de acordo com as Escrituras de Compra e Venda de Escravos - Araraquara (1870-1880) .....274
Gráfico 33 – Número de crianças escravas comerciadas em Araraquara, 1870-1880 .....275
Gráfico 34 – Crianças escravas vendidas individualmente e no âmbito de grupos em Araraquara, 1870-1880 .....276
Gráfico 35 – Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram apenas um escravo sendo negociado – Araraquara, 1870-1880 .....278
Gráfico 36 – Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram mais de um escravo sendo negociado – Araraquara, 1870-1880 .....279
Gráfico 37 – Tráfico interprovincial: Nordeste, RJ e MG para a província de São Paulo e Município de Araraquara (1870-1880) .....283
Gráfico 38 – Escravos negociados no tráfico local segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio - Araraquara (1870-1880). Réis .....284
Gráfico 39 – Escravos negociados no tráfico interprovincial segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio - Araraquara (1870-1880). Réis .....285
Gráfico 40 – Escravos negociados no tráfico intraprovincial segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio - Araraquara (1870-1880). Réis .....286
Gráfico 41 – Escravos transacionados em cada uma das localidades que temos em apreço, de acordo com o tipo de tráfico (1870-1880) .....290
Gráfico 42 – Estado conjugal e filhos declarados dos escravos declarados, ao longo dos anos 1870-
1880, nas localidades selecionadas .....291
Gráfico 43 – Preços nominais médios dos escravos jovens (15-29 anos), negociados individualmente,
segundo sexo, localidade e tipologia do tráfico interno. Localidades selecionadas (1870-1880) .....292
Tabelas
Tabela 1 – Escravos vendidos segundo localidade, sexo e ano de registro da escritura ..... 208
Tabela 2 – Tráfico local, intra-regional e inter-regional (%), Rio Claro, Araras e Araraquara, 1870-1880 .....210
Tabela 3 – Principais compradores de escravos em Rio Claro, 1870-1880 .....214
Tabela 4 – Principais vendedores de escravos em Araras, 1870-1880 .....214
Tabela 5 – Preços médios, em mil-réis, de escravos masculinos, de 15 a 29 anos, Rio Claro – SP, 1870-1879. Confronto dados W. Dean e G. Rossini .....231
Tabela 6 – N. de escravos, idade média, mediana, desvio padrão e preços médios nominais (Réis) dos escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos individualmente em Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877) .....221
Tabela 7 – Escravos negociados segundo sexo, origem e tipo de tráfico - Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877) .....230
19
Tabela 8 – Entradas e saídas de escravos de Rio Claro segundo sexo (1870, 1871, 1876 e 1877) .....231
Tabela 9 – Escravos jovens (15-29 anos de idade) negociados individualmente de acordo com: tipo de tráfico, sexo e preço nominal médio (Rio Claro, (1870, 1871, 1876 e 1877). Em Réis .....239
Tabela 10 – Escravos negociados em Rio Claro segundo sexo e ocupação (1870, 1871, 1876 e 1877) .....241
Tabela 11 – N. de escravos, idade média, mediana, desvio padrão e preços médios nominais (Réis) dos escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos individualmente em Araras, 1875-1880 .....247
Tabela 12 – Escravos negociados segundo sexo, origem e tipo de tráfico - Araras, 1875-1880 .....255
Tabela 13 – Entradas e saídas de Araras segundo sexo (1875-1880) .....256
Tabela 14 – Escravos negociados: faixa etária, origem, sexo e preço nominal médio (Araras, 1875-1880) .....259
Tabela 15 – Escravos jovens (15-29 anos de idade) negociados individualmente de acordo com: tipo de tráfico, sexo e preço nominal médio (Araras, 1875-1880). Em Réis .....264
Tabela 16 – Escravos negociados em Araras segundo sexo e ocupação (1875-1880) .....265
Tabela 17 – N. de escravos, idade média, mediana, desvio padrão e preços médios nominais (Réis) dos escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos individualmente em Araraquara, 1870-1880 .....271
Tabela 18 – Entradas e saídas de Araraquara segundo sexo (1870-1880) .....280
Tabela 19 – Tráfico intraprovincial: entradas em Araraquara, 1870-1880 .....281
Tabela 20 – Escravos jovens (15-29 anos de idade) negociados individualmente de acordo com: tipo de tráfico, sexo e preço nominal médio (Araraquara, 1870-1880). Em Réis .....287
Tabela 21 – Escravos negociados em Araraquara segundo sexo e ocupação (1870-1880) .....288
CAPÍTULO V - Tráfico interno de escravos: Rio Claro, Araras e Araraquara, 1881-1887.
Gráficos
Gráfico 1 – Escravos negociados segundo tipo de tráfico, localidades pesquisadas. 1870 - 1880 .....297
Gráfico 2 – Número de escravos transacionados segundo sexo e ano de registro da escritura. Araras, 1881 – 1883 .....298
Gráfico 3 - Número de escravos transacionados segundo sexo e ano de registro da escritura. Rio Claro, 1883 – 1887 .....300
Gráfico 4 – Número de escravos transacionados segundo sexo e ano de registro da escritura. Araraquara (1881 – 1887) .....301
Gráfico 5 – Gráfico 3 – N. de escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos em Araras (1881-1883) .....303
Gráfico 6 – Preços médios nominais, dos escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos em Araras (1881-1883). Réis .....303
20
Gráfico 7 – N. de escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos em Rio Claro (1883-1887) .....304
Gráfico 8 – Preços médios nominais, dos escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos em Rio Claro (1883-1887). Réis .....304
Gráfico 9 – Número de escravos adultos jovens (15-29 anos) transacionados segundo sexo e ano de registro da escritura - Araraquara (1881-1887) .....306
Gráfico 10 – Preços médios nominais, dos escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos em Araraquara (1881-1887). Réis .....306
Gráfico 11 – Estado conjugal e venda de crianças escravas de acordo com as escrituras de compra e venda de escravos – Araras (1881-1883) .....310
Gráfico 12 – Estado conjugal de acordo com as escrituras de compra e venda de escravos – Rio Claro (1883-1887) .....311
Gráfico 13 – Estado conjugal de acordo com as escrituras de compra e venda de escravos – Araraquara (1881-1887) .....314
Gráfico 14 – Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram apenas um escravo sendo negociado - Araraquara, 1881-1887 .....315
Gráfico 15 – Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram mais de um escravo sendo negociado - Araraquara, 1881-1887 .....315
Gráfico 16 – Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram apenas um escravo sendo negociado – Rio Claro 1883 – 1887 .....315
Gráfico 17 – Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram mais de um escravo sendo negociado – Rio Claro 1883 – 1887 .....315
Gráfico 18 – Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram apenas um escravo sendo negociado – Araras, 1881-1883 .....316
Gráfico 19 – Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram mais de um escravo sendo negociado – Araras, 1881-1883 .....316
Gráfico 20 – Escravos transacionados em cada uma das localidades que temos em apreço, de acordo com o tipo de tráfico (1881-1887) .....325
Gráfico 21 – Estado conjugal e filhos declarados dos escravos declarados, ao longo dos anos 1881-
1887, nas localidades selecionadas ..... 326
Gráfico 22 – Preços nominais médios dos escravos jovens (15-29 anos), negociados individualmente,
segundo sexo, localidade e tipologia do tráfico interno. Localidades selecionadas, em Réis, 1881-
1887 .....327
Tabelas
Tabela 1 – Escravos vendidos segundo localidade, sexo e ano de registro da escritura .....296
Tabela 2 – Preços médios, em mil-réis, de escravos masculinos, de 15 a 29 anos, Rio Claro – SP, 1881-1887. Confronto dados W. Dean e G. Rossini .....302
21
Tabela 3 – Preços médios nominais dos escravos adultos jovens (15-29 anos), vendidos individualmente, em Araras (1881-1883) .....303
Tabela 4 – Preços médios nominais dos escravos adultos jovens (15-29 anos), vendidos individualmente, em Rio Claro (1883-1887) .....305
Tabela 5 – Preços médios nominais dos escravos adultos jovens (15-29 anos), vendidos individualmente, em Araraquara (1881-1887) .....307
Tabela 6 – Escravos negociados: faixa etária, tipo de tráfico, sexo e preço nominal médio (Araras, 1881-1883) .....317
Tabela 7 – Escravos negociados: faixa etária, tipo de tráfico, sexo e preço nominal médio (Rio Claro, 1883-1887) .....318
Tabela 8 – Escravos negociados: faixa etária, tipo de tráfico, sexo e preço nominal médio (Araraquara, 1881-1887) .....319
Tabela 9 – Escravos jovens (15-29 anos de idade) negociados individualmente de acordo com: tipo de tráfico, sexo e preço nominal médio (Rio Claro, Araras e Araraquara, 1881-1887). Em Réis .....320
Tabela 10 – Entradas e saídas de Araras segundo sexo (1881-1883) .....321
Tabela 11 – Entradas e saídas de Rio Claro segundo sexo (1883-1887) .....322
Tabela 12 – Entradas e saídas de Araraquara segundo sexo (1881-1887) .....322
Tabela 13 – Escravos negociados em Rio Claro segundo sexo e ocupação (1883-1887) .....322
Tabela 14 – Escravos negociados em Araras segundo sexo e ocupação (1881-1883) .....322
Tabela 15 – Escravos negociados em Araraquara segundo sexo e ocupação (1881-1887) .....323
23
Índice
INTRODUÇÃO.......1
PARTE I .......33
CAPÍTULO I
Aspectos relativos aos recortes espacial, temporal e ao núcleo documental
utilizado.........34
CAPÍTULO II
Expansão cafeeira e o tráfico interno de escravos.........79
PARTE II......143
CAPÍTULO III
Tráfico interno de escravos: Rio Claro, 1861 – 1869.........144
CAPÍTULO IV
Tráfico interno de escravos: Rio Claro, Araras e Araraquara, 1870 – 1880.......207
CAPÍTULO V
Tráfico interno de escravos: Rio Claro, Araras e Araraquara, 1881-1887........293
CONCLUSÕES......329
FONTES E BIBLIOGRAFIA..... 339
ANEXOS..... 367
1
Introdução
A dinâmica conflituosa das relações sociais de produção e sua interação com
o desenvolvimento das forças produtivas no Brasil, entre 1850 e o final do século
XIX, conformou cenário excepcionalmente fecundo de consequências. Durante esse
largo e essencial período ocorreram acontecimentos fundamentais. Temos na esfera
internacional, a intensificação da crise da escravidão. Concomitantemente, ocorreu o
repúdio do Estado absolutista e da política mercantilista, o aprofundamento da
divisão do trabalho, as densas transformações nos meios de produção, transporte e
comunicação, o crescimento da população europeia e o alargamento do mercado
internacional.
Em decorrência dessas metamorfoses e superações, a escravidão tornou-se
paulatinamente disfuncional. Além dos aspectos mencionados, como era de se
esperar, ao longo desse processo, a interrupção das diversas ramificações do tráfico
internacional de cativos e a abolição da escravatura constituíram-se em novas
armas que passaram a integrar o arsenal da luta pelo poder nas metrópoles e
colônias, sejam, essas últimas, formais ou informais.
Todavia, nenhum acontecimento imbuído de significado histórico ocorre sem
percalços, penumbras e meandros. Com a introdução do trabalho livre não foi
diferente. Em distintas situações e localidades, a passagem para o trabalho livre
nas áreas avançadas reiterou a escravidão nas áreas atrasadas, pois a expansão
dos mercados e a crescente demanda por gêneros coloniais reforçaram, em muitas
regiões menos desenvolvidas, a compra e utilização do braço escravo.1
1 Cf. Dale W. Tomich. Pelo prisma da escravidão: trabalho, capital e economia mundial. São Paulo:
Edusp, 2011. Tomich, neste livro, objetiva “deslindar de que modo as histórias de certas formações escravistas das Américas foram moldadas pela sua inserção no mercado global, na divisão do trabalho e no sistema interestatal” p. 13. Ver também: Rafael de Bivar Marquese. Estados Unidos, Segunda Escravidão e a Economia Cafeeira do Império do Brasil. Almanack, v. 5, p. 51-60, 2013. Rafael de Bivar Marquese. Capitalismo & escravidão e a historiografia sobre a escravidão nas Américas. Estudos Avançados, USP, V. 26, p. 341-354, 2012.
2
Observamos essa consequência no Império brasileiro. Aí, além de alguns
processos fundamentais ocorridos no século XIX2, temos o fato de a expansão das
áreas dedicadas ao café e de a crescente exportação desse produto (a partir da
década de 1830, o café tornou-se o principal produto de exportação brasileiro)
terem, por um lado, ocasionado o recrudescimento do tráfico de escravos e da
utilização da mão de obra cativos e, por outro, acarretado mudanças
socioeconômicas profundas, tai como o deslocamento do centro político e
econômico da Bahia e Pernambuco para o ‘sul’ e o surgimento de uma nova
aristocracia rural.
Sobretudo, a partir da terceira década do Oitocentos, os interesses vinculados
ao café tornaram-se tão robustos que fizeram o governo brasileiro ignorar o tratado
de 18313 e as pressões da diplomacia inglesa e admitir intenso contrabando de
escravos, que possibilitou a marcha ascendente dos cafeeiros no Vale do Paraíba e,
posteriormente, no Oeste Paulista. A traficância ilegal de escravos ocorreu até 1850,
quando o quadro criado pelo aumento e maior eficácia da pressão e repressão
inglesa4, a maior centralização do aparato estatal do Império brasileiro e o largo
abastecimento de cativos, decorrente das volumosas entradas ocorridas nos anos
precedentes, impuseram uma nova e efetiva legislação repressora do comércio
transatlântico de escravos para o Brasil5.
Como teremos oportunidade de acompanhar ao longo desta pesquisa, a
interdição do tráfico transatlântico de escravos teve copiosos resultados, tais como:
alta abrupta e consistente do preço dos escravos e consequente concentração dos
2 Estamos pensando na atividade de mineração, vinda da família real, na abertura dos portos, na
independência, na construção do Estado Nacional (escravista, fundado na manutenção da esfera privada de exercício da violência, na grande propriedade monocultora e no contínuo apossamento da terra, evitando a demarcação das terras públicas, base para a instituição do imposto territorial), a promulgação da Lei de Terras (1850), a proclamação da República. Cf. Ligia Osório Silva, Terras devolutas e latifúndio. Campinas: Ed. UNICAMP. 2008. Wilma Peres Costa. A economia mercantil escravista nacional e o processo de construção do Estado no Brasil. In. História econômica da independência e do Império. Tamás Szmrecsanyi e Lapa, J. R. Amaral (Orgs.) São Paulo: EDUSP, Imprensa Oficial e HICITEC. 2002
3 Cf. Sidney Chalhoub, A Força da Escravidão: Ilegalidade e Costumes no Brasil Oitocentista. São
Paulo: Companhia das Letras, 2012.
4 Cf. Leslie Bethell, The abolition of the Brazilian slave trade. Brazil and the slave question, 1807-
1869. Cambridge, 1970.
5 Emília Viotti da Costa, Da senzala à colônia. São Paulo: Ed. Unesp, 1997. p. 29-30.
3
cativos em um menor número de propriedades, com os senhores menos prósperos
vendendo seus escravos para os mais ricos6; ‘ladinização’ dos cativos; ligeira
melhora do tratamento despendido pelos fazendeiros aos seus escravos, dada a
restrição da oferta paralelamente à expansão dos cafeeiros para o Oeste Paulista;
expressiva diminuição da população cativa, pois as mortes superavam os
nascimentos; dinamização do tráfico interno de escravos (os deslocamentos
ocorriam, sobretudo, das zonas urbanas e rurais menos prósperas para as zonas
mais produtivas do Sudeste do Império); concentração dos cativos nas províncias
cujas fronteiras agrícolas estavam sendo subjugadas pela marcha do café;
desmantelamento mais recorrente das famílias escravas, em virtude das vendas de
apenas alguns indivíduos do grupo. Por fim, na medida em que a propriedade de
cativos se “concentrava em mãos menos numerosas e nas áreas rurais e não nos
centros urbanos, o número de defensores entusiásticos com o qual a instituição da
escravidão podia contar diminuía”7.
Afora os acontecimentos que acabamos de mencionar, houve maior atenção
e diligência, principalmente por parte dos fazendeiros situados no Oeste de São
Paulo, em prol da organização da imigração. De uma forma geral, as experiências
iniciais relativas ao incentivo e à coordenação da imigração foram mal sucedidas,
esmorecendo tanto o ânimo dos colonos quanto dos fazendeiros. Temos, por
exemplo, os emblemáticos acontecimentos da fazenda Ibicaba, do Senador
Vergueiro, já largamente revisitados por diversas pesquisas, e a lei de Locação de
Serviços promulgada em inícios de 1879 e apelidada de Lei Sinimbu8. A falta de
bons resultados dessas primeiras experiências, moldadas pelo regime de parceria, e
o fato de os fazendeiros, até os anos 1870, não estarem convencidos de que a
‘solução escravidão’ estava condenada, fez com que as plantações abertas no
6 Esse processo é estudado por Hebe Maria Mattos, Das cores do silêncio. O significado da liberdade
no sudeste escravista: Brasil, século XIX. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1998. p. 121.
7 Richard Graham. Nos tumbeiros mais uma vez? O comércio interprovincial de escravos no Brasil.
Afro-Ásia, Salvador, n. 27, p 121-160, 2002. p. 133.
8 Cf. Maria Lúcia Lamounier, Da escravidão ao trabalho livre. São Paulo: Ed. Papirus, 1988.
4
Oeste Paulista, até meados da década de 1870, continuassem se norteando
essencialmente pelo trabalho escravo9.
Todavia, a partir da segunda metade do século XIX, conformou-se um novo
horizonte que possibilitou condições adequadas à transição do trabalho escravo
para o livre. Os processos mais marcantes desse novo cenário foram:
(i) A dinamização das exportações e a consequente acumulação de capital que
possibilitaram aos cafeicultores internalizarem os avanços no processo de
beneficiamento do café e acessarem as incríveis melhorias do sistema de
transporte. Esses acontecimentos permitiram o incremento da divisão do trabalho e
a resultante maior especialização e eficácia na execução das tarefas, consentindo
em redução e uso mais eficiente da mão de obra. Esse processo traduziu-se
também na utilização de trabalhadores extras nos momentos de pico de trabalho,
notadamente as colheitas10.
(ii) A acumulação de capitais e o crescimento do mercado doméstico motivaram a
diversificação dos investimentos e aplicações financeiras, permitindo a redução do
risco enfrentado quando a totalidade dos investimentos se dirigia para a agricultura
(terras, escravos e demais insumos necessários). Ao longo do século XIX, os
fazendeiros passaram a direcionar parte dos seus capitais para companhias de
seguro, ferrovias, empresas comerciais, indústrias e intermediação financeira, ou
seja, empreendimentos que embora muitas vezes não propiciassem o mesmo lucro
oriundo do cultivo do café possibilitavam diversificação e alocação inicial de recursos
mais moderada;
(iii) A ampla disponibilidade de terras11 convenientemente reservadas à
apropriação/apossamento/grilagem das classes dominantes, a despeito da Lei de
Terras de 185012;
9 Ver, por exemplo: Thomas Davatz. Memórias de um colono no Brasil. 1850. Tradução, prefácio e
notas de Sérgio Buarque de Holanda. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1980. E Verena Stolcke & Michael Hall, A introdução do trabalho livre nas fazendas de café de São Paulo. In: Revista Brasileira de História, n. 6. São Paulo: Marco Zero, 1983.
10 Cf. Cláudia Alessandra Tessari, Braços para colheita: sazonalidade e permanência do trabalho
temporário na agricultura paulista (1890-1915). São Paulo: Alameda Editorial, 2012.
11 Cf. Celso Furtado, Formação econômica do Brasil. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1972.
5
(iv) O desenvolvimento do capitalismo na Europa que, em fins do século XIX,
culminou na Grande Depressão, teve como uma de suas consequências a
expropriação de grande número de camponeses que, ‘duplamente livres’,
dispuseram-se a “fazer a América”. Esses imigrantes – no caso brasileiro, sobretudo
italianos, seguidos pelos espanhóis e portugueses – juntamente com o expressivo
crescimento da população livre nacional – segundo os dados dos censos disponíveis
– ocasionaram extensa oferta de mão de obra13. Entretanto, apesar da contínua
formação de um mercado de trabalho livre, a oportunidade de substituir o braço
escravo pelo livre não foi equânime. Os fazendeiros do Vale do Paraíba – por
motivos que não se restringem às idiossincrasias psicológicas e ideológicas, mas
dizem respeito a dívidas, erosão do solo, moléstias nos cafezais, menor
produtividade, diminuição da margem de lucro e pequena possibilidade de culturas
intercalares – não tiveram as mesmas condições dos plantadores do Oeste Paulista
para incorporar trabalhadores livres14. Assim sendo, não se trata de contrapor uma
mentalidade senhorial a uma empresarial, “mas de contrastar duas condições
objetivamente diversas que permitiram a uns assistir com relativa indiferença aos
progressos do abolicionismo e levaram outros a defender até o último instante a
ordem tradicional15”;
(v) A crescente contrariedade acerca da centralização do poder que permitia às
oligarquias regionais dominarem a terra, a vida de grande parcela da população
ativa (escravos e livres) e as oportunidades econômicas por parte, sobretudo, das
classes médias urbanas;
(vi) A ocorrência de contendas entre setores da própria oligarquia – de um lado, os
fazendeiros das áreas novas, cujo interesse residia principalmente na imigração e
12
Cf. Lígia Osório Silva, Terras Devolutas e Latifúndio: efeitos da Lei de 1850. Campinas/SP: Ed. da Unicamp, 2008.
13 Maria Thereza Schorer Petrone, Imigração assalariada. In: Sergio Buarque de Holanda História
geral da civilização brasileira. Tomo II. O Brasil monárquico. Reações e transações. 3. ed. São
Paulo/Rio de Janeiro: Difel, 1976.
14 Paula Beiguelman, A formação do povo no complexo cafeeiro. São Paulo: Pioneira, 1977.
15 Emília Viotti da Costa, OP. Cit. p. 38.
6
que advogaram moderadamente o abolicionismo, dentro dos limites da legalidade16
e, de outro, os fazendeiros escravocratas do Vale do Paraíba solapados por
problemas que redundavam em taxas de lucro baixas ou negativas, vivendo com
dificuldades para atrair o braço livre – impulsionaram as ações abolicionistas, que
paulatinamente foram corroboradas e estimuladas pelas promulgações do
parlamento;
(vii) Acontecimentos legais, igualmente relevantes, debatidos e ecoados pela
imprensa, contribuíram para a marcha do processo. As Leis do Ventre Livre
(aprovada, sobretudo, pelos representantes do Nordeste, onde o trabalho livre já
ganhara espaço) e dos Sexagenários contestaram a licitude e pertinência da
propriedade escrava e apontaram, no longo prazo, para o fim da instituição. Além
disso, a Lei de 1871 minou o regime escravista ainda de outra maneira. Os ingênuos
não poderiam servir de garantia para crédito. Por outro lado, “ao avaliar por baixo os
escravos adultos, as juntas de emancipação também limitavam os montantes que os
bancos emprestariam contra os escravos”17.
(viii) A variação da magnitude do compromisso com a escravatura nas diferentes
regiões do país também foi muito relevante. A despeito de o regime escravista
brasileiro ter enfrentado pouca oposição organizada até seus últimos anos, “brechas
regionais na fachada do consenso nacional pró-escravatura já eram aparentes nas
décadas de 1860 e 1870, brechas essas que se alargam rapidamente durante a
década de 1880, ameaçando a estabilidade de toda a estrutura”18. Durante os
últimos 30 anos, os maiores defensores da instituição foram as províncias cafeeiras
(MG, RJ e SP), enquanto no Nordeste, produtor de cana e algodão, e noutras
regiões menos prósperas, o amparo a essa instituição – ao longo do mesmo período
– desfalecia como consequência da pobreza e da transferência de cativos para o
Sudeste;
16
Porém, é importante termos em vista que a não ser apenas alguns meses antes da abolição, poucos deles de fato avançaram para o sistema de trabalho livre.
17 Warren Dean, Rio Claro um sistema brasileiro de grande lavoura. 1820-1920. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1977. p. 131. Ver também: Josephina Chaia e Luís Lisanti. O escravo na legislação brasileira (1808-1889). Revista de História (USP). Nº 99 - 3º trimestre de 1974.
18 Robert Conrad, Os últimos anos da escravatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
1975. p. XVII.
7
(ix) Já no âmbito dos fenômenos de média e curta duração, a intensificação das
rebeliões na senzala e as reiteradas fugas de escravos, a despeito da maior
recorrência das alforrias, propiciaram mudanças no comportamento dos cafeicultores
paulistas, sobretudo, entre aqueles que se encontravam para além de Campinas. No
passado, a moral prevalecente condenava a rebelião dos cativos. Já na segunda
metade do século XIX (sobretudo, a partir do início da década 1880), as ações
empreendidas pelos escravos encontraram, em muitas situações, respaldo na justiça
e em extensas esferas da sociedade. “Os escravos foram incorporados à ação
abolicionista e seus atos de protesto adquiriram um significado político que não
tinham anteriormente”19. No âmbito desse encadeamento, por exemplo, os
abolicionistas não satisfeitos com os métodos legais como os comícios, desfiles e
fundos de emancipação, montaram, em 1886, uma organização ativa e ramificada
que incitava os escravos, notoriamente os maltratados, a abandonarem as fazendas
de seus proprietários20. Essas formas diretas de ação – que, ao longo dos anos
1880 (inclusive desde os seus anos iniciais), estendiam-se da não submissão à
disciplina dos feitores e da reivindicação incisiva da liberdade ao abandono das
fazendas em levas21 – constituíram o “fator dinâmico primordial” para o término da
escravidão no Brasil22 (essas ações foram caracterizadas, vale frisarmos, por largo
espontaneismo, principalmente por parte dos escravos). Ou tal como ressalta Toplin,
a partir da análise dos debates da Câmara dos Deputados e do Senado: “a quebra
da ordem nas fazendas e sua constante violência foram os mais significativos
fatores na motivação dos líderes em votar pela abolição imediata”23.
19
Emília Viotti da Costa, OP. Cit. p. 43.
20 Robert Conrad, Op. Cit. p. 294.
21 Ver Maria Helena P. T. Machado. O Plano e o Pânico. Os Movimentos Sociais na Década da
Abolição. 2o. ed. São Paulo: EDUSP, 2010.
22 Jacob Gorender, O Escravismo Colonial. São Paulo: Ática, 1978.
23 Robert B. Toplin. Upheaval, violence and the Abolition of Slavery in Brazil: the case of São
Paulo.Hispanic American Historical Review. Nov. 1969. p. 665. Ver também: Ronaldo Marcos
Santos. Resistência e Superação do Escravismo na Província de São Paulo (1885-1888). São Paulo:
Instituto de Pesquisas Econômicas, 1980.
8
(x) Por fim, os extraordinários reflexos que o fim do tráfico negreiro no Atlântico Sul
imprimiu na economia mercantil e cafeeira nacional, a partir de 1850. Muitas
fazendas de café do sudeste brasileiro foram organizadas com capitais transferidos
do setor mercantil, destacadamente do tráfico internacional de escravos24.
Em virtude do cenário formado por esses processos, as amarras do
escravismo foram gradativamente afrouxadas – principalmente a partir da década de
1880, quando a maior parte do Império brasileiro já rumava definitivamente para um
sistema de trabalho livre – até que os proprietários passaram, ainda que relutantes,
a admitir a inevitabilidade da abolição, não obstante um poderoso grupo de
fazendeiros e seus representantes terem defendido seus “direitos” até o fim.
Para além dos processos enumerados acima, ressaltamos, ainda nestes
passos iniciais, que não encaramos a abolição como um evento apenas produzido
pelas elites. Não a entendemos tão somente a partir das categorias e dualidades
tecidas por Joaquim Nabuco. Por conseguinte, tal como evidenciam dentre outros,
Warren Dean, Richard Graham, Robert Slenes, Maria Helena P. T. Machado, Célia
Maria Marinho Azevedo, José Flávio Motta e Elcine Azevedo25 nas suas respectivas
pesquisas, não corroboramos as formulações que atribuem pouca ênfase ao papel
dos próprios escravos – ao desconsiderarem suas possibilidades e seu
conhecimento do sistema geral – e que postulam ter cabido a uma elite branca,
ilustrada e supostamente vanguardista a promoção da transição do trabalho
compulsório para o livre no Brasil, a partir de paulatinas promulgações
emancipacionistas garantidoras da legalidade e da ordem do processo. Advogamos,
em contrapartida, que, por um lado, a oposição entre legalidade e radicalismo é
insuficiente para apreendermos o desenrolar do processo e, por outro, que a
percepção da proximidade da abolição também foi decorrente da decisiva ação e
reação, à revelia do alvitre da camada dominante, dos escravos e da arraia-miúda,
com as camadas populares das cidades – formado, mormente, por libertos, pardos e
24
João Manuel Cardoso de Mello, O Capitalismo Tardio: Contribuição à revisão crítica da formação e do desenvolvimento da economia brasileira. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986, p. 54.
25 Esses autores e as suas análises aparecem devidamente citados em diferentes momentos da
nossa pesquisa.
9
imigrantes paupérrimos26. Estas parcelas da sociedade participaram como atores
importantes ao longo da década final da escravatura. Entraram em conflito, em
diversas oportunidades, com as lideranças políticas, com os fazendeiros e
bacharéis. Mostravam o seu cunho aguerrido e ofensivo nos motins urbanos (p.ex.
Revolta do Vintém - 1880), em meetings abolicionistas, no planejamento e promoção
de fugas de escravos, na paulatina penetração nas senzalas, nas demais ações
diretas e nos confrontos de rua.
Esses processos certamente acentuaram a percepção de proximidade da
abolição e fizeram com que a argumentação e as ações dos proprietários
passassem a se pautar pelo arranjo de medidas preventivas, que recaiam nos
estímulos à imigração, formação de adequado mercado de trabalho interno,
indenização como contrapartida aos escravos libertos pela abolição (o que não
ocorreu) e paz social.
Temos na emergência do colonato uma nova forma de relação de trabalho,
um novo universo dinâmico de elementos originados e constituídos no âmbito da
própria difusão da economia cafeeira, sobretudo, a partir do prenúncio da escassez
da mão de obra escrava, passando pela acentuação da sua inelasticidade e
culminando com a extinção do regime de trabalho imposto àquele que, juntamente
com a terra, foi o elemento imprescindível de produção durante quase quatro
séculos. A abolição e o desenvolvimento do trabalho livre constituíram, em larga
medida, os pontos de confluência dos movimentos de longa e média duração
transcorridos durante o do século XIX.
26
Célia Maria Marinho Azevedo direcionou sua pesquisa para a investigação do medo da rebeldia escrava por parte das elites brancas em São Paulo em Onda negra medo branco: o negro no imaginário das elites, século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. Maria Helena P. T. Machado, a partir dos relatórios secretos da polícia, evidenciou que a atuação direta e organizada dos escravos contra a sua situação ocorria desde o início da década de 1880. Maria Helena P. T. Machado. Op. Cit. 2010. Elcine Azevedo. Orfeu de Carapinha: A Trajetória de Luiz Gama na Imperial Cidade de São Paulo. Campinas, SP. Ed. UNICAMP, 1999 e, da mesma autora, O direito dos escravos. Campinas, SP Ed. UNICAMP, 2010. Ver também: Warren Dean OP. Cit. e Cleveland Donald Jr., “Slavery and Abolition in Campos, Brazil: 1830-1888”, Ph. D. Diss., Cornell University, 1973; Cleveland Donald Jr., “Slave Resistance and Abolitionism in Brazil: The Campista Case, 1879-1888”, Luso-Brazilian Review, 13, 2 (1976), pp. 182-93. Por sua vez, para vislumbrarmos o movimento do abolicionismo parlamentar liberal, sobretudo de Rebouças e Nabuco, ver, por exemplo: Luiz Felipe de Alencastro. De Nabuco a Nabuco. In “Folhetim”, Folha de São Paulo, 8 de maio de 1987, caderno B, pp.6-8. Sobre o relacionamento entre escravos rebeldes e abolicionistas brancos ver: Lana Lage da Gama Lima, Rebeldia negra e abolição, Rio de Janeiro, Achiamé, 1981.
10
No Brasil, a constituição de uma força de trabalho ajustada às condições que
emolduraram a segunda metade do século XIX e início do XX, não foi tão somente
uma questão demográfica, pois o alargamento e o arranjo da força de trabalho livre
originaram uma luta orientada pela atuação dos fazendeiros e pela reação dos
trabalhadores, movimento delineado pelo ambiente econômico, social, político e
ideológico prevalecente e que acabou por originar os contornos mais marcantes
presentes nos contratos de trabalho estabelecidos27.
A partir do pano de fundo formado pelos vários elementos que acabamos de
pontuar – parte dos quais revisitamos no decorrer dos capítulos subsequentes –, a
presente pesquisa discute aspectos concernentes à produção e reprodução da mão
de obra escrava residente em certas áreas de São Paulo, ao longo de grande parte
da segunda metade do Oitocentos. Para tanto, investigamos parte do passado de
São Paulo procurando entender as mudanças econômicas, demográficas e sociais
que permitiram o abastecimento dos braços utilizados no eito, possibilitando a
manutenção da expansão cafeeira paulista após o fim do tráfico transatlântico de
escravos. Deste modo, procuramos reconstituir, a partir dos dados por nós
compulsados, aspectos de um tema que, em virtude do amplo feixe de implicações
decorrentes, constitui um dos mais importantes da história econômica brasileira: a
transição do trabalho compulsório para o livre, no âmbito da grande lavoura paulista.
Tendo essa finalidade em vista, debruçamo-nos especificamente sobre a dinâmica
do tráfico interno de escravos ocorrido no Oeste Paulista.
*
Algumas importantes pesquisas já analisaram a dinâmica de muitos aspectos
atinentes ao tráfico interno de escravos, sobretudo, no contexto pós Lei Eusébio de
Queirós (fim do tráfico transatlântico), ou seja, quando se conformou o “problema
nacional básico”28. Ele decorreu da inelasticidade da oferta de escravos, pois o
abastecimento desses restringiu-se, após 1850, aos indivíduos existentes no Brasil
27
Verena Stolcke & Michael Hall, A introdução do trabalho livre nas fazendas de café de São Paulo. Revista Brasileira de História. N. 6. 1981. Págs. 81-82.
28 Ver Celso Furtado. Op. Cit. Págs. 117-142.
11
Império, o que em última instância constituiu o mais sério obstáculo para a
acumulação do complexo exportador cafeeiro29.
Sobretudo, a partir dos 1970, foram publicados diversos trabalhos que
buscaram lançar luz sobre o comércio doméstico de escravos. Diversas questões
passaram a ser investigadas, tais como: Qual a origem dos escravos
desembarcados nos portos do Rio de Janeiro e Santos?; Quais as suas
ocupações?; Quais foram as consequências sofridas pelas zonas exportadoras e
importadoras?
A seguir, abordamos algumas pesquisas que buscaram responder essas e
outras perguntas atinentes ao comércio doméstico de escravos. Vale pontuarmos
que, ao longo dos capítulos subsequentes, retomaremos formulações postuladas
pelos trabalhos apresentados nas páginas seguintes e incorporaremos diversas
outras análises e conclusões decorrentes de outras pesquisas atinentes ao nosso
tema.
A construção de respostas para essas questões constituíram o cerne do
artigo de Herbert Klein The internal slave trade in nineteeth-century Brazil: a study of
slave importations into Rio de Janeiro in 1852, uma das investigações pioneiras
acerca do comércio interno de escravos no Brasil, publicado em 197130. Klein pautou
suas análises a partir de registros manuscritos decorrentes do porto do Rio de
Janeiro (registros da polícia carioca relativos à entrada de cativos na província).
Inicialmente, chama atenção para o fato de que o comércio interno de escravos não
teve início em 1850, pois, antes do fim do tráfico transatlântico, o tráfico doméstico
de cativos ocorreu continuamente, sobretudo no âmbito local, intraprovincial e entre
províncias contíguas. O comércio doméstico, envolvendo longas distâncias e
realizado por via marítima (cabotagem), por sua vez, tornou-se relevante após a lei
Eusébio de Queirós. Neste ramo, dada à dinâmica econômica do Brasil Império, as
ligações entre os portos do Nordeste e as zonas cafeeiras do Sudeste assumiram
29
Cf. João Manoel Cardoso de Mello, Capitalismo Tardio. Op. Cit. Cap. I, parte II.
30 Herbert Klein, The Internal Slave Trade in Nineteenth Century Brazil: A Study of Slave Importations
into Rio de Janeiro in 1852. Hispanic American Historical Review, LI, no. 4 (Nov. 1971), pp. 567-568. Posteriormente este artigo foi incorporado como capítulo em Herbert S. Klein, The Middle Passage: Comparative Studies in the Atlantic Slave Trade, Princeton, Princeton University Press, 1978.
12
particular importância31. Além disso, o trabalho de Klein merece destaque por
evidenciar que os escravos desembarcados no RJ não foram decorrentes do
contexto casa-grande e senzala da Zona da Mata, ou seja, do complexo açucareiro
nordestino (ao menos não de suas propriedades mais estáveis e de maior porte),
mas sim dos centros urbanos, dos serviços domésticos ou de regiões vinculadas à
criação de gado32. O artigo de Klein elenca ainda importantes informações sobre o
sexo, a idade, a ocupação e a origem dos escravos (África e Brasil) importados para
Rio de Janeiro em 1852, além de considerações acerca dos portos de origem dos
cativos desembarcados no RJ33.
Robert Slenes, em sua tese de doutoramento defendida na Universidade de
Stanford em 1976, além de discutir a mentalidade da elite vinculada ao café e ao
açúcar34, examinou o impacto dos fatores econômicos sobre a dinâmica demográfica
e institucional, ao longo do período de declínio do escravismo no Brasil (1850-1888).
Sem negar a importância de aspectos não econômicos para evolução do
escravismo, o autor enfatiza que “o estudo irá mostrar que certas variáveis
demográficas e econômicas tiveram relação muito próxima ao longo do século XIX
31
Idem. págs. 567-568. Para corroborar essa afirmação ver a tabela 9 do artigo do Klein que acabamos de citar: TABLE 9: Brazilian Ports of Origin of Slaves Imported into Rio de Janeiro in 1852. p. 579.
32 Klein corrobora essa conclusão com alguns documentos oficiais, quais sejam: João Mauricio
Wanderley, Falla recitada na abertura da assembleia legislativa da Bahia. (Bahia, 1855), p. 38. & Marquez de Olinda, Relatório da Repartição dos Negócios do Império, 1858. (Rio de Janeiro, 1858), Anexo G, p. 6. Nestes documentos o autor constata que: “Em 1855, o presidente da Província de Bahia informou que dos 1.835 escravos exportados da província, em 1854, 836 eram dos centros urbanos, e apenas 583 eram decorrentes do trabalho agrícola e outros 416 eram desconhecidos. Três anos mais tarde, o presidente da província do Ceará também informou sobre a exportação de escravos de seu distrito. Ele relatou ao Governo central que "a maior parte desses escravos exportados não são empregados na agricultura (...). Observou que muitos dos escravos exportados eram [anteriormente] empregados em serviços domésticos ou na criação de gado.” Idem. p. 582.
33 Os registros policiais consultados por Klein mostram que três quartos dos navios que
transportavam escravos eram provenientes de portos situados ao Norte do Rio de Janeiro e mais de 80% dos escravos brasileiros, cujos registros informam a província de nascimento, tinham nascido no nordeste.
34 Nesse momento, questões relacionadas ao paternalismo versus racionalidade são abordadas e as
conclusões do autor contrariam argumentos frequentes presentes na literatura tradicional acerca do tema. Ademais, questões relacionadas à caracterização dos senhores de escravos como agentes pré-capitalistas ou capitalistas foram abordadas.
13
no Brasil e que essas relações foram, de certa forma, decorrentes dos interesses e
ações dos senhores de escravos” 35.
No que diz respeito ao tráfico doméstico, os resultados da pesquisa de Robert
Slenes decorrentes, por exemplo, da análise do imposto da meia sisa (pago no
momento da venda dos escravos) e das procurações – instrumento que possibilitou
o deslocamento de cativos no âmbito do tráfico entre diferentes províncias do Brasil
Império (sobretudo no mercado inter-regional) – abriu diversas possibilidades de
estudo e indicaram fontes até então pouco exploradas.
Na segunda parte de seu trabalho, Slenes analisou a migração escrava e
certos aspectos econômicos da escravidão no Brasil e, particularmente, no
município de Campinas. No Capítulo III dessa parte, há a mensuração das
migrações inter-regionais de escravos, sobretudo decorrentes do tráfico interno de
escravos entre 1850-188836. Ainda, o autor discutiu que as mudanças no volume do
tráfico inter-regional de escravos foram fundamentalmente resultado do movimento
internacional dos preços dos principais itens que conformavam a pauta brasileira de
exportações (café cultivado no Sudeste e açúcar e algodão cultivados no Nordeste).
No bojo dessas discussões, Slenes chama atenção para o fato de que, mesmo
durante os anos 1870, quando o preço do café subiu consideravelmente e os preços
do açúcar e do algodão declinaram, os fazendeiros vinculados ao açúcar não se
tornaram os maiores fornecedores de escravos para o Sudeste, como outras
pesquisas haviam sugerido. “De fato as comunidades escravas residentes nas
plantations do Nordeste, talvez tanto quanto as do Sudeste, foram bastante
estáveis”37. A queda nos preços do açúcar e do algodão, durante os anos 1870,
acarretaram a redução da demanda por escravos no mercado inter-regional do
Norte-nordeste e configuraram o redesenho desse comércio, com o direcionamento,
para o Sudeste, de número significativo de escravos, sobretudo das áreas não
vinculadas ao açúcar.
35
Robert Slenes, The demography and economics of Brazilian slavery: 1850-1888.Tese de doutorado. Stanford University, Stanford, 1976.P. 31.
36 Ao longo do nosso segundo capítulo, retomamos aspectos decorrentes da pesquisa do professor
Robert Slenes, tais como as suas ponderações acerca do volume de escravos traficados no âmbito do tráfico inter-regional.
37 Idem. p. 33.
14
Ponderações relativas à racionalidade da atuação dos fazendeiros brasileiros
acerca da tomada de decisões sobre o processo produtivo, volume e composição da
sua força de trabalho, lucratividade da indústria açucareira (Pernambuco e Bahia) e
cafeeira (Rio de Janeiro), particularmente entre 1850 e 1870, também estão
presentes na segunda parte da pesquisa que é concluída com a construção de uma
resposta para a seguinte pergunta: por que, mesmo com a crescente incerteza que
perpassava a continuidade do escravismo, os fazendeiros continuaram demandando
escravos durante os anos 1870? A terceira parte da tese se ocupa das taxas de
natalidade e mortalidade dos escravos. A quarta e quinta foram dedicadas à
apreciação de elementos fundamentais da vida dos cativos, tai como: casamento,
família, mobilidade ocupacional e alforrias.
Tal como o próprio autor enfatizou, a sua investigação buscou discutir três
aspectos centrais presentes na história da escravidão brasileira, entre 1850 e 1888.
(i) A dinâmica econômica e demográfica relativas aos escravos, num esforço para
compreender as perspectivas desses indivíduos em diferentes contextos; (ii) A
natureza da relação entre senhor e escravo, particularmente nas áreas de plantation;
(iii) O papel desempenhado por fatores demográficos e econômicos no declínio da
escravidão38.
Uma dos principais resultados obtidos por Robert Slenes enfatiza que, após a
abolição do tráfico transatlântico de escravos, não é possível falar em escravidão
brasileira de forma geral, pois havia muitas diferenças, possibilidades e
particularidades na vida dos grupos de escravos. Essas ficam evidentes, por
exemplo, quando confrontamos escravos residentes nas áreas de plantation de
açúcar e café ou entre os cativos vinculados às plantations e aqueles que viviam no
meio urbano. Os escravos atrelados às grandes propriedades tinham maior
possibilidade de estabelecer relações conjugais estáveis sancionadas pela igreja ou
consensuais e, consequentemente, de manter um senso de identidade individual e
comunitária mais forte que nas zonas não vinculadas aos cultivos de exportação39.
As maiores taxas de manumissão entre os cativos urbanos em relação àqueles
38
Idem. p. 574.
39 Idem. p. 575
15
associados às grandes propriedades também conformou um dos elementos de
diferenciação40.
Robert Conrad (1978) dedica um capítulo do livro Os últimos anos da
escravidão no Brasil; 1850-188841 ao estudo do comércio de escravos
interprovincial. Inicialmente, chama atenção para as semelhanças entre esse tráfico
no Sul dos EUA e no Brasil, concernentes à evolução dos preços dos cativos, à
migração compulsória dos escravos (acompanhados pelos seus senhores ou não), à
abertura de novas áreas de cultivo de algodão (EUA) e café (Brasil) e à reafirmação
do compromisso com a escravatura. Em seguida, discorre sobre a relevância do
comércio interno de escravos que antecedeu o fim do tráfico transatlântico. Enfatiza
que, durante séculos, os cativos foram deslocados para as áreas onde eram mais
necessários e onde alcançavam melhores preços. Ao longo do século XVI e XVII
(neste último sobre a batuta dos bandeirantes paulistas), os escravos índios e
negros foram direcionados para o cultivo do açúcar no Nordeste. No Setecentos,
muitos escravos negros foram encaminhados para as zonas de exploração de ouro
das Gerais e Mato Grosso. A decadência da mineração e o evolver da cafeicultura
promoveu, desde a primeira metade do XIX, deslocamentos intra e inter-regionais42.
Tal como o autor enfatiza, com a interrupção do tráfico transatlântico, o
comércio interno de escravos foi grandemente impulsionado e passou a ser
40
Há diversas outras contribuições importantes do professor Robert Slenes, assim como dos demais autores que aparecem pontualmente ao longo dessas páginas introdutórias. Vale frisarmos que no decorrer da nossa pesquisa encaminharemos os leitores para diversos outras analises centrais acerca dos aspectos que formam a nossa pesquisa. Aproveitamos essa nota para chamarmos atenção para outro trabalho do Professor Slenes. Em texto mais recente, Slenes além de retomar diversos aspectos relevantes presentes na literatura acerca do tráfico interno de escravos, aponta as proximidades e dessemelhanças que existiram entre o comércio de escravos interno brasileiro e o ocorrido no sul dos EUA. Ademais há o exame dos padrões econômicos e demográficos que perpassam o funcionamento do mercado doméstico de escravos e seus impactos na experiência dos indivíduos traficados. Além disso, Slenes direciona a sua atenção para um dos elementos mais característicos do comércio de cativos ocorrido no Brasil na segunda metade do século XIX: a sua existência em um cenário de crescente mobilização nacional e internacional contra o trabalho compulsório. Robert Slenes, The Brazilian Internal Slave Trade, 1850-1888: Regional Economies, Slave Experience, and the Politics of a Peculiar Market. In Walter Johnson (Org.) The Chattel Principle: Internal Slave Trades in the Americas. Yale University Press, 2004. 41
Robert Conrad, Os últimos anos da escravidão no Brasil: 1850-1888, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
42 Segundo Conrad, “em 1842, o movimento de escravos entre as províncias já era suficientemente
amplo para precisar de regulamentos e, em 1847, uma grande seca, na província do Ceará e em sua volta, já aumentara grandemente o fluxo espontâneo dos escravos do Norte para o sul”. Idem. P. 65.
16
considerado vital, apesar dos protestos iniciais dos parlamentares do “Norte” do
Império. Segundo Conrad,
As raras descrições existentes [sobre o tráfico interno de
escravos] sugerem que ele conservava muitas das
características práticas e brutais do tráfico africano. Os jovens
e os mais fortes tinham uma procura maior; os homens eram
numerosos nos carregamentos, mas as mulheres jovens
também eram procuradas se fisicamente atraentes ou se
fossem úteis como amas-de-leite. As relações familiares não
eram garantia contra a separação43.
Conrad, além de evidenciar que o comércio doméstico criou novas
companhias de negócios e também uma nova profissão (comprador de escravos
viajante) e de discutir, pontualmente, algumas das reações políticas ao tráfico
interno, ressalta que o novo tráfico interno resultou, sobretudo, da prevalência
econômica do Sudeste brasileiro e da consequente maior capacidade de
pagamento, dos plantadores da região, por uma “mercadoria” cuja oferta tornara-se
significativamente inelástica. Por fim, o autor conclui que a rápida queda do volume
e da qualidade dos escravos do Norte-Nordeste (permaneceram escravos que
propiciavam menor produtividade na lida com a terra: mulheres, doentes, inválidos e
idosos), acompanhada pelo grande aumento de sua população não escrava,
acelerou a transição para um sistema de trabalho livre nesta área do Império. A
evolução dessas ocorrências, quando atreladas à evidente concentração dos cativos
nas áreas vinculadas ao café, fragilizou o compromisso das diferentes províncias
com a escravatura.
Posteriormente, Conrad revisita o tema em um dos capítulos de Tumbeiros: o
tráfico escravista para o Brasil. Neste trabalho, além de ponderar sobre os
elementos de continuidade e diferenciação que existiram entre o tráfico negreiro
43
Idem. p. 67.
17
transatlântico e o tráfico interno de escravos e recuperar diversas avaliações
atinentes ao volume do comércio doméstico de cativos, novamente evidenciou que
o desalojamento de dezenas de milhares de trabalhadores
negros e mulatos das províncias do Norte e extremo Sul – e
das cidades e zonas mais pobres no interior das próprias
províncias cafeeiras – permitiu um gradual despertar do
sentimento anti-escravidão em áreas que perderam escravos.
(...) Um ingrediente indispensável estava faltando depois de
1850, e sem ele a própria escravidão estava debilitada e
fadada à rápida extinção44.
Richard Graham, em artigo publicado em 2002, faz excelente síntese de boa
parte do que sabemos acerca do tráfico interno no Brasil. Para tanto, organiza seu
texto por meio de algumas perguntas retóricas, quais sejam: Qual foi a dinâmica
deste comércio antes de 1850? Quem foi traficado? De onde vieram e para onde
foram? Quais os padrões do tráfico interno pós 1850? Qual o significado do tráfico
para os escravos alienados?
Para responder essas perguntas, além de recuperar conclusões e dados
quantitativos decorrentes das pesquisas de outros autores, Graham discute a
experiência de indivíduos particulares e, assim, considera as realidades do tráfico de
escravos para cada um deles (nesse momento o autor se vale de casos relatados,
sobretudo, por Sandra Lauderdale Graham e Sidney Chalhoub). A partir da
apreciação de dados secundários e de diversas experiências individuais, o autor
conclui que o tráfico interno de escravos colaborou significativamente para acelerar
a abolição da escravidão no Brasil e, por fim, levou à proclamação da República.
Nas suas palavras:
44
Robert Conrad, Tumbeiros: o tráfico de escravos para o Brasil, São Paulo, Brasiliense, 1985. p. 206-207.
18
Estes resultados dificilmente teriam sido previstos em 1850,
quando chegou ao fim o tráfico africano, mas eles fluíram das
ações posteriores de incontáveis senhores e traficantes que
arrancaram os escravos dos lugares e relacionamentos aos
quais estavam acostumados no Brasil. Devido às progressivas
dúvidas e fissuras na comunidade dos homens livres acerca da
própria instituição, o tráfico interno de escravos representou
uma virada perigosa para o sistema escravista. Cypriano, Luiz
Gama, Honorata, Corina, Bráulio, Serafim, Maria Anna,
Felicidade, Maria Lourindo e Victoriana [escravos que
apareceram na análise de Graham - GR], cada um a seu modo,
sofreu e reagiu. Quer os escravos tenham vindo da cidade,
roça ou engenho, quer tenham sido levados para longe ou
relativamente perto, por mar ou terra, as normalmente horríveis
condições da escravatura se tornaram mais claras tanto para
os escravos quanto para os livres por meio desta nova
travessia45.
Em Sampauleiros traficantes, Erivaldo Fagundes Neves estuda a
transferência de mão de obra escrava do alto sertão da Bahia para o Oeste cafeeiro
paulista. Mais especificamente o autor direcionou a sua pesquisa para as vendas
realizadas entre os senhores residentes em Caetité – importante centro econômico
regional, especialmente em virtude da sua dimensão, densidade populacional e
agropecuária e por posicionar-se acerca de Minas Gerais e próximo de caminhos
que alcançavam Goiás, articulando-se, portanto, com o Sudeste e o Centro-Oeste
do Brasil – e São Carlos do Pinhal. Neves pauta suas considerações a partir do
levantamento e estudo de escrituras de compra e venda de escravos, procurações e
cartas de liberdade. O autor, ao longo do artigo, apresenta conclusões interessantes,
tais como: (i) através da organização dos códices compulsados por década, conclui
que o volume das transações interprovinciais acarretou o declínio da escravidão no
sertão da Bahia, entre 1870 e 1879. Os efeitos do tráfico interno de escravos sobre
45
Richard Graham, Idem. p. 160.
19
a economia regional foram relevantes. A população escrava, tal como observado por
Conrad, tornou-se rala e constituída, mormente, por velhos, doentes e escravos que
possibilitariam menor produtividade no eito cafeeiro. A policultura do sertão da Serra
Geral declinou já nos anos 1870, portanto antes mesmo da promulgação de
impostos pelas províncias cafeeiras, que impossibilitaram a continuidade do tráfico
interprovincial no início da década de 1880; (ii) a acumulação possibilitada pelo
tráfico de Caetité para as zonas cafeeiras (sobretudo São Carlos do Pinhal), mesmo
realizado por traficantes sertanejos, transferiu-se para São Paulo. “A maioria dos
mercadores também migrou para a capital paulista, Jaú, Bauru e, principalmente,
para as cidades com as quais traficavam”. Poucos permaneceram na Serra Geral,
onde os ganhos decorrentes do comércio doméstico de cativos não tiveram
importância econômica significativa; (iii) a dinâmica das alforrias que possuía boa
correlação com a do comércio interprovincial de escravos. Quando esse arrefecia o
número de cartas de liberdade aumentava; (iv) o caminho de “descida” dos escravos
do sertão da Bahia para o Oeste de São Paulo. Segundo Neves:
Os mascates de escravos deslocavam-se com suas
mercadorias do sertão da Bahia pelo interior, saindo de Caetité
pelo distrito de Duas Barras, atual Urandi, transpondo a
fronteira de Minas em território da jurisprudência de Boa Vista
do Tremedal, atual Monte Azul, passando por Montes Claros e
Bocaiúva, ainda no Norte mineiro, seguindo para Corinto,
Curvelo. Daí possivelmente dirigiam-se para Divinópolis,
Formiga, Guaxupé ou Poços de Caldas, alcançando o destino
final através de Araras46. Poderiam também, de Corinto ou
Curvelo, contornar a serra da Mantiqueira, dirigindo-se para
Araxá, onde atravessariam a serra da Canastra, chegando a
46
Além de São Carlos, os destinos finais poderiam ser, tal como evidenciado pelo autor: Araraquara, Rio Claro e Limeira. Erivaldo Fagundes Neves, Sampauleiros traficantes: comércio de escravos do alto sertão da Bahia para o Oeste cafeeiro paulista. Afro-Ásia, 2000, 97-128. p. 108.
20
Franca, no Norte de São Paulo, deslocando-se para Batatais,
Ribeirão Preto e finalmente São Carlos e adjacências47.
Por fim, Neves evidencia que o intercâmbio entre o Alto Sertão Baiano e o
Oeste Cafeeiro Paulista foi muito rentável para os mascates de escravos.
Considerando-se apenas o período de maior intensidade do tráfico entre as duas
regiões (1875-1880), o lucro bruto médio foi de 111,1%48.
Francisco Vidal Luna e Herbert S. Klein, no livro publicado em 2010,
Escravismo no Brasil, realizam notável e bem sucedido esforço de sistematização
dos resultados de diversas investigações (baseando-se tanto em conclusões
decorrentes das suas pesquisas, realizadas ao longo de mais de três décadas,
quanto a partir das investigações de muitos outros pesquisadores) relativa à
dinâmica econômica e social da América Portuguesa e Brasil escravistas. Os
autores discorrem sobre a origem, o estabelecimento e a evolução da escravidão
negra e também, acerca da migração, mortes, resistência escrava e aspectos
reativos às famílias cativas e às pessoas livres negras. Por fim, os autores discorrem
sobre a transição do cativeiro para a liberdade. No âmbito dessas discussões a
marcha da mineração e das culturas açucareira, cafeeira, algodoeira etc. foram
objeto de atenção.
Ao longo do livro, há diversas ponderações que confrontam visões
tradicionais sobre o escravismo no Brasil e as diversas conclusões decorrentes de
estudos mais recentes cujos resultados foram oriundos, mormente, de largas
pesquisas documentais. Podemos acompanhar essa comparação recorrente, por
exemplo, quando os autores indicam que a “visão tradicional” desenhou uma
sociedade composta por grandes ou médios proprietários de escravos, cativos em
larga medida resignados e uma população livre e pobre com pouca expressão
econômica e social. Os “estudos atuais”, em contrapartida, mostram uma realidade
bem distinta. Além da população livre e pobre ter exercido importante papel, tanto na
47
Idem. p. 109.
48Idem. p. 110.
21
área rural como nos centros urbanos, há uma nova visão sobre o tamanho da
propriedade escrava.
O pequeno proprietário representava o padrão na posse de
cativos. Entre 20 e 30% dos domicílios tinham escravos, e a
média de escravos por domicílio, ou proprietário, era
usualmente abaixo de sete, exceto nas áreas onde
predominava a grande lavoura de açúcar ou do café. Em todas
as áreas e períodos a maior frequência na posse de escravos
era dos proprietários com apenas um escravo; estes perfaziam
ao redor de um quarto do total49.
Luna e Klein também chamam a atenção para o fato de que a posse de
cativos evidencia as dinâmicas produtivas regionais e a distribuição da riqueza – “os
escravos perfaziam um quarto ou um terço da riqueza pessoal durante os séculos
XVIII e XIX, e um dos itens da riqueza com maior liquidez, era dos poucos bens
vendidos a crédito”50. Além disso, enfatizam que os escravos eram utilizados em
todas as atividades rurais e urbanas (lavoura, serviços especializados no campo,
serviço doméstico, artesanato, comércio e serviços, escravos de ganho etc.). Além
disso, Escravismo no Brasil evidencia a forma com que a escravidão foi organizada
no Brasil, que permitiu socialização dos cativos e a formação de famílias muitas
vezes mantidas por gerações51. Finalmente, os autores direcionam suas
preocupações para a relevância da rebeldia e violência escrava.
No que diz respeito, especificamente ao tráfico interno de escravos no Brasil,
assinalam que esse, ao direcionar os cativos das áreas de menor densidade
49
Luna & Klein, Escravismo no Brasil, São Paulo, Edus, 2010. p. 347
50 Idem. p. 347.
51 Luna & Klein indicam: casamentos, família, parentesco são temas que recentemente proliferaram
em estudos de diversas regiões do país. Idem. p. 351.
22
econômica para as ricas zonas de expansão da grande lavoura52 e também das
áreas urbanas para o campo, além de acarretar “aumento secular nos preços dos
escravos”53, ocasionou a concentração da população escrava na região Sudeste.
Essas características aproximaram o tráfico interno ocorrido no Brasil e nos EUA
durante o século XIX: comércio terrestre que cruzava as fronteiras internas e
deslocamentos por via marítima, quando envolvia maiores distâncias. Contudo, o
confronto dos dados desses dois países evidencia que o comércio de escravos pré e
pós 1850 demonstra a maior importância do tráfico interno por via marítima nos EUA
do que no Brasil. A partir de registros fiscais dos portos de Salvador e Rio de
Janeiro, relativos ao final do XVIII e início do XIX, evidenciam que os escravos aqui
chegados eram levados ao interior por tropeiros, em pequenos grupos com até cinco
escravos. Apontam que havia falta de especialização dos comerciantes de escravos,
pois esses agentes faziam uma ou poucas viagens caracterizando-se como
“pequenos comerciantes individuais”54. Destarte, sempre existiu na América
Portuguesa e Brasil tráfico interno de escravos, pois era habitual encaminhar os
africanos desembarcados nos principais portos costeiros para portos menores ou
para regiões interioranas. Todavia, a despeito da continua existência desse
comércio, o tráfico pós 1850 foi muito mais intenso.
Por fim, Luna e Klein pontuam algumas das conclusões recorrentes presentes
nas pesquisas relativas ao tráfico interno de cativos, tais como: o comércio
intraprovincial e entre províncias contíguas foi muito relevante; os escravos
comerciados eram, em sua maioria, homens jovens (15-24 anos de idade); o período
mais pujante do tráfico interprovincial, entre o Nordeste e o Sudeste, ocorreu entre
1876-1880; o preço dos escravos no sudeste era bastante superior ao preço
praticado no restante do país o que tornava a atividade do tráfico bastante lucrativa;
a maioria dos cativos nascidos no Brasil tiveram como origem as províncias
52
Segundo os autores: “com exceção de Minas Gerais, o número decrescente de escravos concentrou-se ainda mais na agricultura de exportação”. Idem. p. 91.
53 Idem. p. 187. “Isto, por sua vez, tornou a mão de obra cativa nas economias mais marginais uma
força de trabalho demasiado cara. De modo lento e contínuo os escravos foram sendo substituídos por uma força de trabalho livre, a qual, além disso, cresceu depressa nesse período. Ao mesmo tempo, preços atrativos agora estavam disponíveis aos senhores que desejassem vender seus escravos, e assim teve início um intenso tráfico interno.” Idem. p. 188.
54 Idem. p. 90-91.
23
exportadoras (Nordeste, extremo Sul e Minas Gerais – que a despeito de ter
preservado a sua escravaria participou do tráfico interprovincial); há poucos indícios
que os fazendeiros foram pró-natalistas mesmo após o fim do tráfico transatlântico.
Finalmente, os autores enfatizam que a dinâmica da população escrava não foi
apenas determinada por mortes, nascimentos e migrações internas e externas, mas
também pelas alforrias.
José Flavio Motta, por sua vez, em Escravos daqui, dali e de mais além. O
tráfico interno de cativos na expansão cafeeira paulista55 faz um excelente estudo
acerca da relação existente entre a expansão da lavoura cafeeira em São Paulo e a
dinâmica do comércio interno de escravos nas décadas finais da escravidão. O autor
pauta sua análise em aproximadamente 1.600 escrituras de compra e venda de
escravos que registraram, entre 1861 e 1887, as transações de 3.677 cativos em
Areias, Guaratinguetá (pertencentes ao Vale do Paraíba), Piracicaba (Oeste Velho)
e Casa Branca (Oeste Novo). Em virtude deste recorte espacial atilado, Motta teve
possibilidade de acompanhar as características do comércio interno de cativos tendo
como cenário a trajetória seguida pelos cafezais, assim como evidenciada por
Sérgio Milliet em Roteiros do Café56.
Entre os aspectos que atribuem contornos marcantes para essa pesquisa –
além da investigação ter demonstrado, para as localidades estudadas, a importância
do tráfico interprovincial e a preponderância do local e também lançar luz sobre
como os escravos buscavam interferir nos rumos dos seus fados –, temos o fato de
ela ter sido pautada por uma periodização particular (1861-1869, 1870-1880 e 1881-
1887)57. Essa periodização permitiu que Motta: (i) trabalhasse com um maior volume
de escrituras de compra e venda de escravos58; (ii) balizasse melhor a evolução do
55
José Flávio Motta. Escravos Daqui, Dali e de Mais Além: o tráfico interno de cativos na expansão cafeeira paulista (Areias, Guaratinguetá, Constituição/Piracicaba e Casa Branca, 1861-1887). São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2012.
56 Sérgio Milliet, O Roteiro do Café. Contribuição para o estudo da História Econômica e social do
Brasil. São Paulo: Hucitec, 1982.
57 Gostaríamos de frisar que tanto a periodização quanto a estrutura utiliza pelo professor José Flávio
Motta constituíram referências centrais para a nossa pesquisa.
58 Decorrência do Decreto Imperial n° 2.699, de 28 de novembro de 1860.
24
tráfico interno de escravos ao longo dos anos 187059; (iii) incluísse o ano de 1880 na
década de 1870, em virtude da promulgação de impostos provinciais que tornaram
proibitivo o tráfico interprovincial a partir de 1881; (iv) Estendesse sua análise até o
fim do escravismo – as últimas escrituras encontradas pelo autor foram lavradas ao
longo do segundo semestre de 1887, o que evidencia que os escravos estavam
sendo comerciados mesmo nos meses derradeiros que antecederam a abolição.
Camila Carolina Flausino, por sua vez, dedica-se ao estudo do tráfico interno
de escravos em Mariana (MG), ao longo do intervalo 1850-1886, a partir dos
registros de compra e venda de escravos preservados pelo Arquivo Histórico da
Casa Setecentista de Mariana. A autora investiga os impactos, na população
escrava do município, decorrentes dos movimentos de entrada e saída de cativos e
assim avalia se o direcionamento de escravos para outras regiões mais dinâmicas
da província (Zona da Mata mineira) e para outras províncias foi preponderante.
Essa averiguação foi pautada pela apreciação de 353 escrituras, que envolveram a
venda de 701 escravos. Flausino conclui que Mariana e suas freguesias, a despeito
de estarem vinculadas a produção de alimentos para o mercado interno, não
constituíram área exportadora de escravos para regiões mais prósperas, mas sim,
manteve sua organização produtiva e para tanto o comércio intraprovincial de
escravos e os rearranjos locais foram centrais60.
Em sua tese de doutorado – defendida no IFCH-UNICAMP, sob a orientação
do professor Robert Slenes –, Comércio de escravos do Sul para o sudeste, 1850-
1888: economias micro regionais, redes de negociantes e experiência cativa, Rafael
da Cunha Scheffer a partir, sobretudo do levantamento e estudo das escrituras de
compra e venda de escravos e das procurações que possibilitavam a negociação
59
No início desse período o tráfico foi impactado pelas incertezas decorrentes da lei do Ventre Livre. Motta evidencia que o comércio doméstico de escravos torna-se muito intenso, como parte da bibliografia conexa o caracteriza, principalmente, a partir de 1874.
60 Camila Carolina Flausino, Negócios da escravidão: tráfico interno de escravos em Mariana, 1850-
1886. Dissertação de mestrado apresentada ao programa de pós-graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora. 2006. Ainda com relação ao tráfico interno de escravos no sul de Minas Gerais, Cláudio Heleno Machado, professor de História da Rede Estadual do Ensino Médio do Estado de Minas Gerais, apresenta algumas contribuições na sua Monografia de Especialização intitulada: Tráfico interno de escravos estabelecido na direção de um município da região cafeeira de Minas Gerais: Juiz de Fora, na Zona da Mata (Segunda metade do século XIX). Juiz de Fora: UFJF, 1998.
25
dos cativos por terceiros e evitavam a cobrança recorrente de impostos61, analisa os
mercados de escravos de algumas localidades do Sul e seu vínculo com o sudeste
do Brasil.
Sua investigação foi pautada por ponderações acerca do volume, das formas
de operação dos negociantes (que estavam normalmente também envolvidos com
outras atividades62) e da repercussão sofrida pelas populações cativas das paragens
envolvidas nas transações. Segundo o autor, os escravos decorrentes do Rio
Grande do Sul e de Santa Catarina63 eram enviados em pequenos grupos por meio
de vapores que faziam recorrentemente o trajeto Sul–Sudeste ou por terra. Por
esses caminhos escravos “sulistas”, foram importados ao longo da segunda metade
do século XIX, por uma das áreas mais dinâmicas do Brasil Império, principalmente
ao longo dos anos 1870. Processo que acarretou importantes consequências para o
tecido social das localidades exportadoras e receptoras (Campinas e região). A
despeito desses resultados, segundo Scheffer, não é possível explicar a decadência
da escravidão no Sul do Brasil meramente em decorrência do tráfico interno
interprovincial. O autor conclui que, para compreendermos esse declínio, é
necessário somarmos aos efeitos do tráfico, a mortalidade e a dinâmica das
alforrias. Por fim, ao discutir a dinâmica do tráfico interno de escravos em
determinadas localidades, como Pelotas, Scheffer corrobora algumas das
formulações de Herbert Klein e Robert Slenes sobre o nordeste brasileiro, que no 61
Ao longo do seu texto Scheffer destaca a importância das procurações, documento relevante principalmente para o levantamento das saídas de escravos de uma região. Além das procurações e escrituras de compra e venda, o autor também compulsou anúncios de compra e venda de escravos (é interessante notarmos que em alguns desses anúncios os vendedores apontavam que aquela venda era pleiteada pelo próprio escravo!) , impostos que incidiam sobre a comercialização de cativos e processos cíveis e criminais. Rafael da Cunha Scheffer, Comércio de escravos do sul para o sudeste, 1850-1888: economias microrregionais, redes de negociantes e experiência cativa. Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2012
62 Segundo Scheffer: “Temos uma diversidade de modos de participação nessa atividade, com alguns
indivíduos atuando apenas em uma pequena área, próximo ao seu município de origem (provavelmente negociando outras mercadorias e esporadicamente vendendo escravos). Ao mesmo tempo, observamos indivíduos que adquiriam trabalhadores em uma região do país e viajavam para revendê-los em outra, tomando para si os lucros dessa transação, mas também os riscos e desgastes da viagem”. p. 305.
63 Scheffer elegeu as localidades do sul do Brasil a partir da sua diversidade econômica. No Rio
Grande do Sul foram escolhidas uma localidade de pecuária bovina, ligada às charqueadas (Alegrete) e outra de pecuária mais diversificada (Cruz Alta); o principal centro charqueador da província (Pelotas), a capital Porto Alegre e o principal porto, Rio Grande. Em território catarinense, o autor investigou apenas a capital Desterro (Florianópolis).
26
âmbito das localidades exportadoras de escravos não houve perdas gerais entre
todas as faixas de proprietários. Segundo o autor, a “drenagem de trabalhadores
pelo Sudeste não atingiu todos os senhores escravistas de forma semelhante, ou
pelo menos não foi vista como opção (...) por pequenos e grandes proprietários
dessa mão de obra”64.
*
O número moderado de pesquisas que analisaram detidamente65 a dinâmica
do comércio interno de cativos no Oeste de São Paulo por meio do exame
minucioso de documentos notariais, a inexistência de pesquisas sobre essa temática
relativas ao recorte espacial que elegemos e, como não poderia deixar de ser, a
importância desse tema – que pode ser traduzida: (a) pelo fato de, entre o fim do
tráfico negreiro transatlântico (1850) e a abolição, a história do trabalho no Brasil
continuar sendo, sobretudo, a história do escravo; (b) pelo caráter específico deste
movimento humano, que não se configurou em "mero substituto" do tráfico atlântico,
mas sua continuação; (c) pela forte contribuição dada à aceleração da abolição da
escravidão no Brasil66; (d) pelo papel fundamental para a manutenção do caráter
centralizado do Império brasileiro67; (e) pelo legado que, em parte, coube ao tráfico
64
Idem. p. 306.
65 Ou seja, que pautaram as suas análises a partir da consulta e estudo pormenorizado de parte dos
amplos acervos de fontes primárias existentes, sobretudo nos cartórios municipais, sobre o tema.
66 Este raciocínio se baseia no papel particularmente importante dos próprios escravos: o crescimento
da resistência daqueles escravos que tinham sido arrancados de seus contextos familiares e antigos laços sociais minou a autoridade dos senhores e encorajou os escravos a forçar sua própria libertação por meio da ação direta. Richard Graham, Nos Tumbeiros... Op. Cit. p. 122. Tal proposição pode ser parcialmente corroborada por acontecimentos tais como o narrado por Chalhoub, vejamos: analisando os negócios da escravidão no Rio de Janeiro, este autor descreve uma sublevação numa casa de comissões, em 1872, onde escravos aguardavam tensamente o momento de serem revendidos para o Vale do Paraíba ou interior de Minas Gerais. "Dos 24 que prestaram depoimento no inquérito policial, (...) 21 eram provenientes de províncias do Norte e nordeste", dos quais 14 eram baianos e os demais do Maranhão, Ceará e Piauí. Apenas dois do Rio de Janeiro e um de Minas Gerais”. Sidney Chalhoub, Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 43.
67 Décio Saes nos diz: “A centralização do Estado escravista não apenas evitou as abolições
regionais da escravidão, como também garantiu o funcionamento do tráfico interprovincial de escravos, conveniente aos interesses das diferentes classes de proprietários de escravos: traficantes internos de escravos, senhores escravistas das áreas em declínio, plantadores escravistas das áreas
27
interno: concentração de negros e mestiços em certas áreas, a marginalização
desses indivíduos, a questão do preconceito racial etc. – suscitaram diversas
perguntas, que moveram esta investigação.
Dentre essas questões temos, por exemplo: Qual o número de escravos
transacionados segundo sexo e ano de registro da escritura? Qual a faixa etária da
maioria dos escravos direcionados para os municípios do Oeste Paulista? Qual a
dinâmica dos preços das diferentes faixas etárias dos escravos comerciados? As
crianças e os idosos participaram de forma recorrente das negociações de compra e
venda? Qual era o estado conjugal desses indivíduos? As crianças e os casais
foram reiteradamente separados de suas famílias pela venda? A cor da pele dos
cativos transacionados influenciou seu preço? Qual a origem dos escravos
negociados: eram ‘de nação’ (africanos) ou ‘crioulos’ (nascidos nas
Américas/Brasil)? Como as diferentes leis promulgadas, atinentes ao escravismo, ao
longo do recorte temporal eleito (1860-1887), impactaram as vendas dos diferentes
grupos etários, das famílias etc.68? Quais foram o volume e as características das
transações ocorridas no âmbito do tráfico local, intraprovincial e interprovincial?
Quais foram os traços distintivos dos movimentos de entrada e saída de escravos
dos municípios cujos dados compulsamos? Quais eram as ocupações dos
escravos? Em que medida as ocupações especializadas possibilitavam maiores
preços para os vendedores?
Para elucidar essas e outras perguntas relativas ao tráfico interno de
escravos, acessamos parte de um núcleo documental que, a despeito de ser um dos
mais ricos repositórios para historiadores, economistas, sociólogos e antropólogos
ainda permanece amplamente desconhecido e negligenciado, apesar de ter pautado
em expansão”. Décio Saes, A formação do Estado burguês no Brasil (1888-1891). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 50.
68 Aqui, referimo-nos às leis que tiveram maior alcance e profundidade – tais como as promulgadas
em 1869, 1871, 1885. Portanto, não inquiriremos o caudal de leis, decretos, avisos e alvarás promulgados reiteradamente ao longo das últimas décadas da instituição escravista. Promulgações essas, diga-se de passagem, que atestam a crescente participação do Estado na regulamentação das relações entre senhores e escravos, tal como Déa Ribeiro Fenelon chama atenção no preâmbulo do seu Levantamento e sistematização da legislação relativa aos escravos no Brasil. Anais do VI Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História. São Paulo: FFLCH-USP, 1973, v. 2. p. 307. Fenelon arrola neste trabalho 687 promulgações oficiais acerca da instituição escravista ao longo do século XIX. Ver também: Bandecchi, Brasil. Legislação da província de São Paulo sobre escravos. Revista de História (USP). Nº 99 - 3º trimestre de 1974. Josephina Chaia e Luís Lisanti. O escravo na legislação brasileira (1808-1889). Revista de História (USP). Nº 99 - 3º trimestre de 1974.
28
algumas pesquisas publicadas, sobretudo, ao longo dos últimos anos. Referimo-nos
aos inúmeros arquivos notariais preservados pelos cartórios existentes nos
municípios do Brasil afora. No âmbito dos códices que formam esses riquíssimos
arquivos, encontramos, nas localidades objeto de nossa pesquisa, significativo
volume de documentos atinentes à escravidão.
Com relação ao comércio interno de cativos, construímos respostas às
perguntas que indicamos com base na análise de 814 escrituras de compra e venda
de escravos, encontradas, em sua maioria, em livros cartoriais próprios para o
lançamento dessas transações. Esses documentos registraram a compra e venda
de 1.756 escravos ao longo do intervalo 1861-188769.
Além das escrituras de compra e venda de escravos, também consultamos
outros documentos, tais como: cartas de liberdade, escrituras de compra e venda de
terra, documentos notariais e vários relatórios de presidentes de província e
secretários de Estado.
Este estudo tem como lócus privilegiado alguns importantes centros
cafeicultores do Oeste Paulista – Rio Claro, Araras e Araraquara. Essas cidades
pertencem à área que Sérgio Milliet chamou de Região Paulista e que José
Francisco de Camargo apontou como uma “das mais interessantes [zonas S. Paulo -
GR] por representarem, as suas atividades econômicas e o seu povoamento, um
resumo da evolução econômica e demográfica do Estado de São Paulo”70.
Ademais, em virtude dos documentos referentes ao tráfico interno de
escravos preservados nessas localidades ainda não terem sido estudados e em
decorrência de parte dos resultados que apresentamos no decorrer da pesquisa,
cremos que nosso recorte geográfico possibilitou agregarmos novos elementos e
conclusões às discussões relativas à nossa temática.
Para além dessa observação geral, julgamos relevante o estudo dos
municípios pertencentes a certa zona, pois: (i) eram a unidade política básica do
69
Discutiremos os motivos que nos levaram a adotar este recorte temporal ao longo do nosso primeiro capítulo.
70 José Francisco de Camargo, Crescimento Populacional no Estado de São Paulo e seus Aspectos
Econômicos. Ensaio Sobre a Relação Entre Demografia e Economia. Boletim N. 153 Economia Política e História das Doutrinas Econômicas. São Paulo USP – 1952. p. 3.
29
Brasil; (ii) no século XIX e início do XX, os municípios eram, em geral, bastante
extensos; (iii) os registros históricos referentes ao tráfico de escravos, ao regime de
trabalho livre na lavoura e alusivos ao mercado de terras, dentre muitos outros,
foram feitos por tabeliães e servidores públicos pertencentes aos quadros das
burocracias municipais; (iv) no Arquivo do Estado de São Paulo, volumosa
correspondência é classificada segundo o município e também, no Museu Paulista,
o material avulso sobre diversas áreas de São Paulo está indexado da mesma
maneira. Além do que, a pesquisa de alguns municípios de certa zona possibilita um
sentido de atilamento e coloca, em primeiro plano, elementos que se dissolveriam
com recortes mais amplos, os quais, muitas vezes, apresentam o inconveniente de
forçar o confronto de séries de dados decorrentes de médias gerais, muitas vezes
frouxas, que aplainam os acontecimentos e apagam-lhes os aspectos peculiares71.
Deste modo, compartilhamos aspectos da metodologia utilizada, dentre outros, por
Warren Dean, Stanley Stein, Robert Slenes e José Flavio Motta, que partem da
convicção de que recortes espaciais bem delimitados e não excessivos revelam
elementos passíveis de ampla apreensão ao contrário dos estudos de caráter macro
ou com dados agregados.
Assim sendo, em virtude desses motivos e, como não poderia deixar de ser,
da dificuldade de compilar, para o conjunto do Estado, o material necessário para
expandirmos a análise, sacrificamos a extensão do recorte para ganharmos
profundidade. Com esse movimento, acreditamos termos alcançado uma sólida
base de dados que nos permitiu acurada análise de aspectos concernentes a uma
importante região de São Paulo. Desse modo, ao contrário do que sugeriu Lucien
Febvre certa feita, “números falsos, curva verdadeira”, aqui procuramos trabalhar, o
máximo possível, em decorrência da documentação compulsada e dos recortes
geográfico e temporal eleitos, com ‘números verdadeiros, curva verdadeira’.
71
Uma das dificuldades oriundas de recortes espaciais muito extensos é ilustrada por Rogério Naques Faleiros, vejamos: esse autor chama atenção para o fato de que um dos condicionantes fundamentais para a produtividade dos cafeeiros é a sua idade. Tendo isso em vista, diz: “reside aí uma das dificuldades de comparação entre regiões novas e antigas, pois para termos uma ideia mais exata dos diferenciais de produtividade oriundos da qualidade do solo e do tipo de clima, ter-se-ia que comparar regiões no mesmo estágio de evolução, ambas com cafeeiros novos, o que se torna impossível dadas as diferentes temporalidades de desenvolvimento da cafeicultura entre distintos municípios”. Fronteiras do Café: fazendeiros e colonos no interior paulista. Bauru: EDUSC & FAPESP. 2010. p. 207.
30
Destarte, em decorrência dos dados por nós levantados acerca do tráfico
interno de escravos e também dos subsídios possibilitados pelas pesquisas de
Camargo, Milliet72, Dean, Godoy73 e Marques74, dentre outros – acerca do número
de cafeeiros, das unidades produtoras, da quantidade de arrobas produzidas, da
conquista de novas regiões pelo café, da evolução da população (escrava e livre),
da entrada de trabalhadores nacionais (escravos e livres) e estrangeiros etc. –
entendemos que os municípios mencionados configuram amostras adequadas para
vislumbrarmos a relação entre a marcha ascendente da cafeicultura e a dinâmica do
comércio interno de cativos, ao longo do período proposto, na região de São Paulo
‘para lá’ de Campinas e, particularmente na Região da Baixa Paulista.
Vale notarmos que, apesar de termos feito certo recorte geográfico balizador
(e o mesmo vale para o corte temporal indicado), em diferentes momentos
extrapolamos seus limites para estabelecermos conexões entre a história regional, a
história da nação e as condições internacionais, embora não consideremos a
dinâmica regional apenas consequência mecânica do que ocorre no panorama
nacional e internacional, pois as condições regionais, nacionais e internacionais se
relacionam dialeticamente75.
Por fim, claramente esta pesquisa não nasceu, assim como qualquer outra
investigação, de um empenho individual. A despeito do ineditismo dos dados
utilizados e de algumas formulações decorrentes, percorremos um caminho aberto
ou margeado por outros. No decorrer das páginas subsequentes, mencionamos,
discutimos e criticamos proposições de diversos autores. A importância dos
72
“Sérgio Milliet estabeleceu para o roteiro do café sete zonas econômico-demográficas, com dados compreendidos dentro do período 1836-1934. Adotando seu esquema geral, procuramos completá-lo com a inclusão da zona da capital, de Santos, compreendendo o litoral sul e da baixa Sorocabana, atualizando os dados para 1940, data do último recenseamento geral por nós utilizado. Fizemos algumas modificações que nos parecem indispensáveis, dado o fim de nosso estudo. Entretanto, confirmando o pondo de vista do autor do “Roteiro”, estamos conscientes da arbitrariedade do critério adotado, o que ressaltará à medida que se for passando das zonas antigas para as novas”. José Francisco de Camargo, Op. Cit. p. 28. Vol. I.
73 Joaquim Floriano de Godoy, A Província de São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial e FUNDAP,
2007.
74 Manuel Eufrásio de Azevedo Marques, A Província de São Paulo. São Paulo: Ed. da USP e BH:
Itatiaia, 1980.
75 Cf. Emília Viotti da Costa, 1998. Op. Cit. p. 29.
31
trabalhos de alguns deles, para esta pesquisa, torna-se notória em virtude da
recorrência com que aparecem ao longo dos capítulos que formam esse estudo76.
Ademais, seguimos de alguma forma os passos dos professores Antonio
Cândido e Alice Canabrava. O primeiro pontuou, certa vez: “a primeira coisa a ser
dita é que minha atividade intelectual é de cunho muito empírico; basta ler os meus
escritos para ver que não tenho vocação para a abstração, não tenho cabeça
filosófica. A minha tendência é a de todo o nosso grupo na Faculdade: fomos
animados pelo que denominei ‘paixão pelo concreto’”77. Alice Canabrava, por sua
vez, declarou: “só me sinto segura quando apoiada em documentos. Não sou
pessoa de realizar grandes voos fora do material. Creio que é um problema de
temperamento”78.
Imbuídos daquele intuito e deste espírito, começamos a viajar, literal e
figuradamente. Ao longo de nossas incursões, após espanejarmos a poeira e,
algumas vezes, as traças que testemunham a antiguidade dos papéis e o descuido
dos homens79, consultamos, nos arquivos cartoriais visitados, todos os livros, maços
de documentos e papéis soltos que julgamos poder, de alguma forma, auxiliar o
desenrolar da pesquisa.
Este processo de coleta foi acompanhado de grande expectativa e surpresa,
decorrentes do ineditismo dos velhos documentos e da possibilidade de
encontrarmos textos repletos de informações que revelassem o calor de certo
76
Encontramos valiosas análises, reflexões e sugestões nas obras de, dentre outros: Herbert Klein, Stanley Stein, Warren Dean, Robert Conrad, Richard Graham, Robert Slenes, Francisco Vidal Luna, Célia Maria Marinho Azevedo, Maria Helena P. T. Machado, José Flávio Motta, Emília Viotti da Costa (cujo esquema geral presente em Da Senzala à Colônia pautou os parágrafos iniciais desta introdução). Todos os autores aqui mencionados serão retomados e devidamente citados ao longo do texto.
77 Entrevista concedida a Luiz Carlos Jackson e transcrita em Luiz Carlos Jackson, A tradição
esquecida. Os Parceiros do Rio Bonito e a sociologia de Antonio Candido. Belo Horizonte/São Paulo: Ed. UFMG/FAPESP, 2002.
78 Alice Piffer Canabrava, Minhas reminiscências. Economia Aplicada. Vol.1, nº 1, 1997. p. 160.
79 Cf. Robert Slenes, Escravos Cartórios e desburocratização: o que Rui Barbosa não Queimou será
destruído agora? P. 173. 1985. A denúncia de má preservação dos arquivos cartoriais – e os resultantes prejuízos para a história econômica e social brasileira – feita por Robert Slenes, há 27 anos, hoje, infelizmente, ainda é valida. Se tudo permanecer como está, provavelmente daqui a alguns anos, aqueles que desejarem estudar, por meio de fontes primárias, a escravidão no Brasil, terão antes de se especializar em dissecar traças.
32
episódio, e com potencial para colaborar na reconstrução da tessitura, dos
meandros e fissuras socioeconômicas do período investigado, possibilitando evitar
as “análises pré-fabricadas esboçadas em folha de papel”80.
*
Além desta introdução e da conclusão, esta pesquisa é composta por duas
grandes partes que compreendem cinco capítulos. Na primeira, ao longo dos dois
capítulos iniciais, discutimos aspectos relativos aos recortes espacial, temporal e ao
núcleo documental utilizado. Posteriormente, construímos um panorama da
expansão cafeeira e do tráfico interno de escravos. Na segunda parte, que contém
os capítulos de três a cinco, tratamos da dinâmica do tráfico interno de escravos, no
âmbito dos recortes temporal e espacial eleitos, por meio da organização e análise
de informações decorrentes das fontes cartoriais compulsadas.
80
Raph Ellison, citado por Robert Slenes, Op. Cit. P. 192.
33
PARTE I
34
Capítulo I – Aspectos relativos aos recortes espacial, temporal e ao
núcleo documental utilizado
1.1 Recorte espacial: Rio Claro, Araras e Araraquara, municípios da Baixa
Paulista
Foi o caso que estando já a terra assaz povoada de filhos, filhos de filhos e filhos de netos da nossa primeira mãe e do nosso primeiro pai, uns quantos desses [...] Puseram-se a traçar uns riscos no chão, a espetar umas estacas, a levantar uns muros de pedra, depois do que anunciaram que, a partir desse momento, estava proibida (palavra nova) a entrada nos terrenos que assim ficavam
delimitados sob pena de um castigo, que segundo os tempos e os costumes, poderia vir a ser de morte, ou de prisão, ou de multa, ou novamente de morte. (José Saramago, em: Sebastião Salgado,
Terra, Introdução)
A presente pesquisa irá deter-se em municípios que foram alguns dos mais
proeminentes centros cafeicultores do Oeste Paulista. Nosso estudo sobre o tráfico
interno de escravos terá como lócus privilegiado, em virtude da origem dos núcleos
documentais compulsados, as municipalidades de Rio Claro, Araras e Araraquara.
Cidades que pertencem ao que José Francisco de Camargo e Sérgio Milliet
chamaram, respectivamente, de Região da Baixa Paulista e Paulista.81
81
Cf. José Francisco de Camargo, Op. Cit. A composição municipal adotada por J. F. de Camargo – e por extensão a da presente pesquisa – é a que vigorava até o recenseamento de 1940. Segundo este mesmo autor, impõe-se a divisão do Estado de São Paulo em zonas demográfico-econômicas em virtude de o povoamento ter se “processado parcial e periodicamente, isto é, pelo deslocamento de grupos humanos, de um para outro ponto do Estado, em sincronismo com a cultura cafeeira e, frequentemente, com as estradas de ferro”. Idem. P. 23. As regiões do interior de São Paulo, de acordo com Sérgio Milliet (Op. Cit.) e José Francisco de Camargo (1952) foram tradicionalmente definidas e batizadas pelo nome das estradas de ferro que as talhavam, em virtude do concomitante impulso demográfico, desenvolvimento econômico e expansão da via férrea. Esta definição persiste até os dias atuais no imaginário paulista. Ao longo desta pesquisa, mantivemos a nomenclatura regional pautada pelas estradas de ferro. Cabe salientar que outras formas de divisão regional são possíveis. Por exemplo, em trabalho elaborado por César Mucio Silva, que versa sobre a distribuição orçamentária em São Paulo, o autor propõe de forma subsidiária ao objeto de estudo, uma regionalização baseada nos distritos eleitorais, dez ao todo. A regionalização proposta por este autor não se adaptaria bem a nossa problemática central, pois congregaria na mesma região (ou distrito), municípios que vivenciaram situações muito distintas dentro do complexo cafeeiro. Cf. César Mucio Silva, Poder político e distribuição orçamentária em São Paulo na Primeira República – 1890-1920. São Paulo: FFLCH-USP, 2006, p. 69. Tese de doutoramento. Além destas possibilidades, existem as divisões geográficas do Estado, tal como proposto por Deffontaines no Boletim Geográfico (Conselho Nacional de Geografia, ano II, n. 24, março de 1945) e Pierre Monbeig, A divisão regional do Estado de São Paulo. Relatório apresentado à assembleia geral da AGB. Anais da Associação dos Geógrafos Brasileiros, vol. I - 1945-46.
35
Mapa 1
De 1836 a 1854, esta extensa zona formava o sertão para o qual se abriam
as cidades de Campinas e Constituição (Piracicaba). A partir dos anos 1830-40, a
cultura do café invadiu suas terras, então, mormente devolutas. A expansão mais
acentuada nesta área ocorreu ao longo do período 1854-188682. O alargamento da
cultura cafeeira na Baixa Paulista, sobretudo nos seus momentos iniciais, ocorreu
como em outras zonas paulistas: o café precedeu os trilhos. Segundo Milliet, muitas
fazendas de café que aí se fundaram eram “células que se formam às vezes em
pleno sertão (...). A estrada de ferro [ia] atrás a serviço dos fazendeiros”83. Por
exemplo, Limeira, Rio Claro, Araras, São Carlos e Araraquara, mesmo antes do
início da construção das ferrovias nesta região84 - iniciada na segunda metade da
década de 1870 – produziram expressivas safras de café.
82
Sérgio Milliet, S. Op. Cit. p. 49-50.
83 Idem. p. 49.
84 A ligação de Rio Claro à Campinas foi feita somente em 1876, pela Companhia Paulista de Estrada
de Ferro.
Divisão geográfica do território paulista adotada por Sérgio Milliet em Roteiros do Café
36
A dinâmica da expansão dos cafeeiros, nesta zona, atingiu tal ritmo, como
podemos notar no gráfico abaixo, que esta área havia se tornado um dos principais
centros produtores do Estado, no final do século XIX e início do XX, contando, em
1905, com mais de 150 milhões de cafeeiros que produziam cerca de 7,5 milhões de
arrobas – produção que caiu pela metade em 1920, embora os cafezais tenham se
expandido ainda mais85.
Gráfico 1
Por seu turno, a população da Baixa Paulista, tal como vislumbramos a partir
dos dados expostos a seguir, também aumentou substancialmente. Quase
decuplicou de 1836 a 1900 e dobrou entre 1900 e 1920. Já a sua população escrava
mais do que duplicou entre 1854 e 1886, atingindo neste último ano 17.253
indivíduos86. Com relação aos trabalhadores estrangeiros, esta zona foi pioneira. Na
Fazenda Ibicaba, sediada em Limeira-Rio Claro, o senador Vergueiro introduziu os
85
José Francisco de Camargo, Op. Cit. Vol. I. p. 37.
86 Idem. p. 37-38 e Vol. III. p. 61-62. De acordo com os dados consultados, a população desta zona
se desenvolve intensamente a partir de 1874. Entre 1874 e 1886, houve aumento de 92,1% e, de 1886 e 1900, a ampliação foi de 105,7% Idem. Vol. I. P. 91.
Fonte: Camargo, J. F. Vol . I I I . Op. Ci t. p. 61 - 62, 71, 75, 79 e 83.
0
2.000.000
4.000.000
6.000.000
8.000.000
10.000.000
12.000.000
14.000.000
1836 1854 1886 1905
Produção de café (em @) em diferentes regiões de São Paulo.
Vale do paraiba e litoral norte Central Mogiana Baixa Paulista
37
primeiros 423 imigrantes alemães e 90 portugueses, em 184787. Temos aí, o início
da colaboração dos imigrantes estrangeiros na lida do café.
Gráficos 2 e 3
Com relação aos municípios em questão, não obstante estarem situados na
mesma região e possuírem similitudes geográficas e históricas, Rio Claro e
Araraquara apresentavam, inicialmente, feições distintas com relação à grandeza
87
No discurso do Presidente da Província de São Paulo, José Thomaz Nabuco d’Araújo, realizado em maio de 1852, há o Mappa dos colonos existentes na fazenda do Ibicaba. Ele nos oferece as entradas, saídas, a origem das famílias e a experiência prévia dos imigrantes (sapateiro, alfaiate, pedreiro, carniceiro etc.).
Fonte: Camargo, J. F. Vol . I I . Op. Ci t. p. 61 - 62
Fonte: Camargo, J. F. Vol . I I . Op. Ci t. p. 13-16 e 61 - 62
0
50.000
100.000
150.000
200.000
250.000
300.000
350.000
400.000
450.000
500.000
1836 1854 1874 1886 1900
População total em diferentes regiões de São Paulo.
Vale do paraiba e litoral norte Central Mogiana Baixa Paulista
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
1836 1854 1874 1886
População escrava em diferentes regiões da Província de São Paulo.
Vale do paraiba e litoral norte Central Mogiana Baixa Paulista
38
das suas propriedades. Tais feitios, marcantes no início do nosso recorte temporal,
foram paulatinamente atenuados. Assim sendo, os municípios investigados, com o
passar do tempo apresentaram maiores similitudes. Porém, a despeito dessa
crescente convergência, aquelas distinções iniciais são centrais para esta pesquisa,
pois nos possibilitaram apreender especificidades do tráfico interno de escravos
nestas paragens.
Extrapolando ligeiramente o recorte temporal proposto (esse, será discutido à
frente), podemos vislumbrar a crescente proximidade dos dados das cidades em tela
– principalmente entre Rio Claro e Araraquara – por meio do número de alqueires
destinados ao café, do número médio de cafeeiros por propriedade e da média de
arrobas produzidas por estabelecimento.
Tabela 1
Com relação às diferenças relativas à grandeza das suas propriedades,
enquanto em Araraquara o número de escravos, entre 1874-1887, passou de 1.626
para 1.627, ou seja, permaneceu inalterado88, em Rio Claro, assim como de forma
geral nos demais municípios caracterizados pela ocorrência de grandes
propriedades, houve significativo crescimento da escravaria, entre as décadas de
1870 e 188089·. Por sua vez, segundo dados de Warren Dean, até o início de 1890,
ocorreu à entrada de pouco mais de 2.000 imigrantes em Rio Claro. Araras, em
1886, contava com 1.341 estrangeiros e, em contrapartida, de acordo com os dados
de Camargo, nenhuma entrada foi registrada em Araraquara no último ano 88
Osvaldo Truzzi, Café e Indústria: São Carlos 1850-1950. São Carlos: Arquivo de História Contemporânea, UFSCar, 1986. p. 40.
89 Rogério Naques Faleiros, Op. Cit. p. 207.
CidadeÁrea plantada -
AlqueiresN. de cafeeiros
Média de cafeeiros por
estabelecimento
Média de arrobas produzidas
por estabelecimento
Rio Claro 9.132,50 18.048.510 41.300,90 2.009,40
Araras 3.691,25 7.263.302 54.203,70 3.044,80
Araraquara 9.357,00 18.212.000 40.292,00 1.980,10
Fonte: Camargo, J. F. Op. Cit. Pág. 81. Vol. III.
Alguns dados concernentes aos municípios em apreço - 1905
39
mencionado90. Deduzem-se destes dados que Rio Claro e região formaram um
importante polo de atração tanto de mão de obra escrava quanto, posteriormente, de
trabalhadores imigrantes, denotando que os proprietários de Rio Claro,
diferentemente dos de Araraquara, possuíam maior musculatura para acessar
cativos de outras regiões com preços ascendentes e atrair relevante fluxo de
imigrantes para suas fazendas, sobretudo, a partir dos anos 1884.
*
Para concluirmos este introito relativo ao recorte espacial adotado nesta
pesquisa, resta respondermos uma pergunta, qual seja: as importâncias de Rio
Claro e Araraquara são indiscutíveis, porém, por que Araras?
Além da acuidade decorrente de sua produção cafeeira, do número de
negociações envolvendo escravos, da absorção de imigrantes etc., como ficará
notório, a análise das informações constantes em parte dos Livros de Notas de
Araras ganha importância, pois complementa e conclui o nosso exame sobre a parte
da zona da Baixa Paulista cujas terras foram primeiramente engolfadas pela
contínua marcha dos cafeeiros91, uma vez que preenche algumas lacunas existentes
nas séries de dados que levantamos sobre Rio Claro92.
*
Vejamos, a seguir, a evolução de diversos outros dados concernentes aos
municípios que temos em apreço.
90
José Francisco de Camargo, Op. Cit. p. 6. Vol. II. Contudo, de acordo com O quadro demonstrativo dos destinos que tiveram os imigrantes entrados no Alojamento Provincial desde 1º de janeiro até 31 de dezembro de 1886, Araraquara aparece como destino de 166 imigrantes. Quando consultamos este mesmo documento para o ano de 1887, constatamos que o município recebeu 242 imigrantes.
91 Araras encontra-se a pouco mais de 25 km em linha reta de Rio Claro.
92 Com relação aos dados de Rio Claro concernentes ao tráfico interno de escravos, há duas lacunas
significativas, quais sejam: (i) Entre 1871 – 1875, não há dados; (ii) Entre 1878-1883, não há dados. Estes importantes vazios justificam-se, provavelmente, pelo extravio de dois dos cinco livros, destinados ao registro do comércio interno de cativos, que eram preservados pelo 2º Cartório de Notas e Protestos do município.
40
1.2 Dados relativos aos municípios de Rio Claro e Araras93:
Rio Claro [e as suas proximidades] foi o ponto extremo da região cafeeira desde 1850 (...). Dessa maneira, experimentou intensamente todos os fatores de crise. As melhores safras de café geraram
ali os níveis mais altos de preços de escravos e salários no Brasil. Sem dúvida essas condições possibilitaram experimentos esporádicos com trabalho servil, aceleraram o fluxo de escravos e de
trabalhadores livres oriundos de outras províncias, desencorajaram a alforria, e finalmente capacitaram os fazendeiros locais a atrair os indispensáveis substitutos imigrantes. Warren Dean. Op.
Cit. p. 184.
A evolução da rede de cidades do interior de São Paulo preexiste à formação
do complexo cafeeiro paulista, remontando ao ciclo açucareiro. No entanto, o
desenvolvimento da cafeicultura, no bojo da marcha Leste-Oeste da rubiácea,
consolidou e expandiu diversas cidades interioranas, além de ter propiciado
profundas transformações sociais, econômicas e demográficas, que marcaram o
país ao longo da segunda metade do século XIX e primeira do século passado.
Rio Claro94 e Araras95 tiveram origens semelhantes a diversas outras cidades
do vasto Oeste de São Paulo. Desenvolveram-se na borda interna da Depressão
93
Além dos dados que expomos a seguir, há outro conjunto de dados atinentes aos municípios de Rio Claro e Araras no Anexo desta pesquisa.
94 Algumas informações sobre o município de Rio Claro: distrito criado com a denominação de São
João Batista de Rio Claro, pelo decreto imperial, de 09-12-1830, subordinado ao município de Piracicaba. Pela lei nº 25, de 08-03-1842, transfere o distrito de São João Batista de Rio Claro do município de Piracicaba para Limeira. Elevado à categoria de vila com a denominação de São João do Rio Claro, pela lei provincial nº 13 de 07-03-1845, desmembrado dos municípios de Limeira e Mogi Mirim. Pela lei provincial nº 5, de 05-07-1852, e por decreto estadual nº 9, de 08-01-1890, é criado distrito de Itirapina e anexado a vila São João Batista de Rio Claro. Elevado à condição de cidade com a denominação de São João do Rio Claro, pela lei provincial nº 44, de 30-04-1857. Pelo decreto estadual nº 105, de 17-12-1890, é criado o distrito de Anápolis (ex-povoado), e anexado ao município de São João do Rio Claro. Pela lei estadual nº 505, de 21-06-1897, desmembra de São João do Rio Claro o distrito de Anápolis e elevado à categoria de município. Pela lei nº 262, de 30-04-1894, é criado o distrito de Santa Cruz da Boa Vista, pela lei nº 262, de 30-04- 1894, e anexado ao município de Rio Claro. Pela lei estadual nº 884, de 31-10-1903, é criado o distrito de Itaqueri da Serra e anexado ao município de Rio Claro. Pela lei estadual nº 975, de 20-12-1905, o município de São João do Rio Claro tomou a denominação de Rio Claro. IBGE, Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php ?codmun=354390#. Acesso em: 9/02/2012
95 Algumas informações sobre o município de Araras. Formação administrativa: distrito criado com a
denominação de Araras, por lei provincial nº 42, de 12 de julho de 1869, no Município de Limeira. Elevado à categoria de vila com a denominação de Araras, por lei provincial nº 29, de 24 de março de 1871, desmembrado de Limeira. Constituído do Distrito Sede. Sua instalação verificou-se no dia 07 de janeiro de 1873. Cidade por lei provincial nº 27, de 02 de abril de 1879. Em divisão administrativa referente ao ano de 1911, o Município de Araras se compõe do Distrito. Em divisão administrativa referente ao ano de 1933, o Município de Araras permanece com o Distrito Sede. Em divisões territoriais datadas de 31-12-1936 e 31-12-1937, bem como no quadro anexo ao Decreto-lei Estadual
41
Periférica Paulista “a partir de caminhos transversais com início em Campinas, Itu e
Sorocaba. Esses lugarejos eram pousos de beira de estrada, erguidos nas últimas
décadas do século XVII e primeira do XVIII”96. Nesta época, estas terras eram
consideradas “boca de sertão”, pois logo adiante, no planalto, começava o que era
avaliado como realmente ermo, o sertão de Araraquara.
nº. 9073, de 31-3-1938, o Município de Araras compreende o único termo judiciário da comarca de Araras e figura igualmente com 1 Distrito, Araras. No quadro fixado pelo Decreto Estadual nº. 9775, de 30-XI-1938, para 1939-1943, o Município de Araras é composto de 1 Distrito, Araras. Em virtude do Decreto-lei Estadual nº 14334, de 30-XI-1944, que fixou o quadro territorial para vigorar em 1945-1948, o Município de Araras ficou composto de 1 único Distrito, Araras. Assim permanece nos quadros fixados pelas Leis 233, de 24-XII-1948 e 2456, de 30-XII-1953 para vigorar, respectivamente, nos períodos 1949-1953 e 1954-1958, comarca de Araras. Em divisão territorial datada de 01-VII-1960, o município é constituído do Distrito Sede. Assim permanecendo em Divisão Territorial Datada de 15-VII-1997.
96 Oliveira, M. C. F. A. de & Neto, J. M. S. Café ferrovia e população: o processo de urbanização em
Rio Claro. Texto produzido pelo Núcleo de Estudos de População - NEPO-UNICAMP, 1986. 6-7. Ver também: A. A. Fonseca, “Algumas palavras sobre a fundação de Rio Claro”. In: T. C. de Molina, (org.). Almanak de São João do Rio Claro para 1873. Campinas: José Maria Lisboa – Typografia da Gazeta de Campinas, 1972; SP: Arquivo do Estado; Imprensa Oficial do Estado, 1981.
42
Mapa 297
Mapa 3
Até o início do Oitocentos, estas paragens possuíam uma população tão rala
e esparsa que foram caracterizadas como “habitação exclusiva das feras sem
97
Em virtude dos recorrentes desmembramentos, modificações administrativas etc. – evidenciados pelas notas elaboradas a partir de informações do IBGE e dos dados e considerações presentes em Bassanezi (Org.). São Paulo do passado: dados demográficos. Campinas: NEPO/UNICAMP, 1998. 1 CD-ROM., optamos apenas por indicar aproximadamente a posição do município de Rio Claro e Araras em relação ao território paulista.
43
vestígio de pegada humana”98. Momentos relevantes do povoamento desta região
só ocorreram entre 1815-1821, quando se avolumaram as concessões de
sesmarias, antes da extinção deste sistema de doação, em 1822. As sesmarias,
concedidas pelo vice-rei ou governador, eram os únicos títulos de posse de terra
reconhecidos pelos tribunais até a Lei de Terras de 1850. Comumente, tinham uma
légua quadrada e ocasionavam despesas burocráticas de 300 a 400 mil réis, o que
por si só excluía a possibilidade de acesso a terra pelas famílias pobres. Em Rio
Claro, com exceção de duas ou três léguas doadas a famílias remediadas, todas as
outras – cerca de dez – foram concedidas a pessoas ricas, com posições de
destaque seja na milícia, no serviço público, ou possuidores de fazendas em outros
lugares. Os primeiros moradores foram, com algumas ressalvas, expulsos pelos
donatários, passando de fornecedores de produtos diversos para ofertantes de mão
de obra99.
Dentre os trabalhadores separados da terra, de um lado, havia aqueles
transformados em agregados que adquiriam certa estabilidade em virtude de
serviços recorrentemente prestados ao fazendeiro, de outro, havia os camaradas.
Estes últimos eram formados por população flutuante de trabalhadores que
enfrentavam situações mais precárias, sendo contratados esporadicamente para
tarefas determinadas ou para ajudar nos momentos de pico de trabalho decorrentes
da colheita. A pobreza e inconstância dos camaradas eram mais evidentes. Estavam
sujeitos à prisão por vadiagem quando deixavam o trabalho na fazenda e eram
desprovidos da proteção que gozava o pequeno proprietário e o agregado.
As áreas legalizadas de até 170 hectares, em 1818, correspondiam a tão
somente 2% da área do município, embora pertencessem à metade dos
proprietários100. As propriedades que se formaram, a partir daquelas grandes
98
Diana Maria de Faro Leal Diniz, Diana Maria de Faro Leal Diniz, Rio Claro e o café: desenvolvimento, apogeu e crise (1850 - 1900). Tese de doutorado, FFCL de Rio Claro. 1973. p. 169. Ver também: R. K. Busch, História de Limeira. Limeira: Prefeitura Municipal de Limeira, Departamento de Educação e Cultura, 1927. Z. F. de Campos, Centenário de Rio Claro. Rio Claro: Typ. Conrado, 1929. J. R. Ferraz, História do Rio Claro (A sua vida, os seus costumes e os seus homens) – 1821 – 1827. São Paulo: Typographia Hennes Irmãos, 1922.
99 Warren Dean, Op. Cit. 30-32.
100 Idem. p. 28. “Deixar os ocupantes iniciais permanecerem, mesmo que o novo dono não tivesse
intenção de usar a terra imediatamente, teria colocado em questão o seu próprio direito, além de oferecer mau exemplo (...). Os ricos em geral não recorriam aos tribunais para resolver estas
44
concessões de terra dedicavam-se, sobretudo, à especulação101 e ao cultivo de
cana de açúcar102. Assim sendo, o padrão da propriedade da terra, assim como a
estrutura social de Rio Claro e região, eram semelhantes à de cidades do litoral.
Por volta de meados do século XIX, o café passou a ser amanhado nas
localidades do Sul da Baixa Paulista e começou a substituir a cana de açúcar como
principal gênero produzido. O pico da produção açucareira dessa região ocorreu,
provavelmente, antes de 1853. Depois do final dos anos 1850, o açúcar foi dando
lugar ao café. Neste momento destacam-se, por exemplo, as fazendas organizadas
pela família Prado, em Araras, e pelo Senador Vergueiro, em Limeira-Rio Claro.
Todavia, ainda no médio oitocentos, estas cidades eram pouco mais que lugarejos
sem vida própria, pois “sendo rodeadas de latifúndios autárquicos (...) não podiam
crescer o seu comércio, a sua indústria, o seu artesanato, a sua burguesia, porque
não haveria consumo para o que as mesmas produzissem”103. Já na década de
1860, entretanto, estas cidades – principalmente Rio Claro – se tornaram o cerne da
região da Baixa Paulista. Rio Claro era considerada a mais avançada, com
povoamento estável, condição possibilitada pelo papel que desempenhou no
escoamento das safras das novas áreas que então constituíam a franja da fronteira
agrícola paulista104.
Com relação à expansão da cafeicultura na região e particularmente em Rio
Claro, o livro de Warren Dean é central105. Ele aborda um conjunto de décadas
questões, o que dava trabalho e trazia implícita uma desagradável igualdade de direitos. Era mais fácil armar um capataz e alguns rendeiros e manda-los atrás do morador (...). Ameaças e danos às plantações em geral precediam uma violência maior”. Warren Dean, OP. Cit. 32.
101 Cf. Idem. p. 30.
102 Cf. Maria Coleta F. A. de Oliveira & John. Marion S. Neto, Op. Cit. P. 7-9. Na década de 1820 o
açúcar era a principal exportação paulista, atingindo a faixa de 5 mil a 10 mil toneladas. As exportações do produto continuaram a expandir-se até fins dos anos de 1840, juntamente com uma importante produção de aguardente, pela qual São Paulo e Rio de Janeiro se tornaram conhecidas, especialmente na troca de escravos na África. Luna, F. V., & Klein, H. S. Escravismo no Brasil. Edusp/Imprensa Oficial, São Paulo, 2010, p. 102. Ver também o importante estudo de Maria Thereza Schorer Petrone, A lavoura canavieira em São Paulo, 1765-1851. Difusão Europeia do Livro, 1968.
103 Diana Maria de Faro Leal Diniz, Op. Cit. 1973, p. 12.
104 Cf. Maria Coleta F. A. de Oliveira & John. Marion S. Neto, Op. Cit. P. 11. Ver também: O. de A.
Penteado, Rio Claro, Apontamentos para sua história. 1976.
105 Um recente trabalho que apresenta informações importantes sobre Rio Claro, sobretudo acerca
das trajetórias dos senhores de escravos e relações que estabeleciam entre si é: Juarez Françoia.
45
(1820-1920) nas quais ocorreu a formação da produção cafeeira, seu auge e
declínio.
Para evidenciar os aspectos e momentos decisivos desta centúria, Dean inicia
a sua investigação indicando que a origem das grandes lavouras de Rio Claro e, por
extensão de Araras, ocorreu por meio da usurpação da terra e marginalização dos
frágeis posseiros existentes, tal como indicamos acima. Processo capitaneado por
um restrito grupo que havia acumulado certo volume de capital na época da colônia,
em virtude de seus negócios de exportação agrícola.
As fazendas deste novo conjunto de proprietários constituíam alternativas
menos atrativas do que o apossamento de terras ainda não ocupadas, um pouco
mais à frente. Desde modo, o regime escravista, “explorador no sentido mais
extremado”, foi uma solução indispensável. Até a abolição, não havia nenhuma
grande propriedade cultivada exclusivamente por homens livres nesta região, todas
mantinham a produção calcada no braço escravo. Enquanto durou o ciclo do açúcar,
a população escrava desta área era rala e abastecida pelas turmas que
acompanhavam os novos fazendeiros que aí se estabeleciam e, mais raramente, por
compras de municípios vizinhos. A conversão para o café passou a exigir avultado
volume de mão de obra – podemos acompanhar a interação entre a dinâmica da
produção cafeeira e a população escrava de Rio Claro a partir dos gráficos abaixo.
Senhores de escravos: trajetórias, disputas e solidariedade no Oeste Paulista. Rio Claro, 1845-1880. Dissertação de mestrado, IFCH, UNICAMP. 2010.
46
Gráfico 4
Gráfico 5
Ademais, justamente quando Rio Claro, Araras e entorno passaram,
decisivamente, a fazer parte do perímetro da economia ‘costeira’ capitalista voltada
para a exportação, a abolição efetiva do tráfico transatlântico de escravos já havia
Warren Dean, Op. Cit. p. 52. Adaptado.
33 19
.60
0
31
.33
35
0.4
00
11
1.4
00
97
.73
3
11
7.6
00
17
0.4
67
29
4.0
00 4
00
.00
0
40
0.0
00
60
0.0
00
0
100.000
200.000
300.000
400.000
500.000
600.000
18
351
836
18
371
838
18
391
840
18
411
842
18
431
844
18
451
846
18
471
848
18
491
850
18
511
852
18
531
854
18
551
856
18
571
858
18
591
860
18
611
862
18
631
864
18
651
866
18
671
868
18
691
870
18
711
872
18
731
874
18
751
876
18
771
878
18
791
880
18
811
882
18
831
884
18
851
886
Produção de café (em @) em Rio Claro
Warren Dean, Op. Cit. p. 52. Adaptado.
59
8
1.4
26
3.9
35
4.1
82
4.4
29
4.4
67
4.8
52 4
.86
64
.98
0
4.7
09
3.3
04
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
18
35
18
36
18
37
18
38
18
39
18
40
18
41
18
42
18
43
18
44
18
45
18
46
18
47
18
48
18
49
18
50
18
51
18
52
18
53
18
54
18
55
18
56
18
57
18
58
18
59
18
60
18
61
18
62
18
63
18
64
18
65
18
66
18
67
18
68
18
69
18
70
18
71
18
72
18
73
18
74
18
75
18
76
18
77
18
78
18
79
18
80
18
81
18
82
18
83
18
84
18
85
18
86
18
87
População escrava em Rio Claro
47
sido promulgada. O que fez, segundo Dean, triplicar o preço dos escravos nos dez
anos seguintes, enquanto o nível geral duplicou106.
Apenas com o surgimento de ocorrências exteriores ao sistema, os
fazendeiros começaram, em meados do oitocentos, a realizar experiências com
trabalhadores ‘livres’, que se assemelhavam, em última instância, ao trabalho servil,
pois, dentre outras coisas, o não cumprimento do contrato acarretava prisão e
trabalhos forçados107. Dean, mais à frente, além de chamar atenção para o
insucesso das experiências iniciais envolvendo trabalhadores livres, enfatizando a
movimentação escrava, afirma que foram os escravos, e não os fazendeiros, que
arruinaram o sistema do trabalho compulsório ao se recusarem a participar do
mesmo, “e com tal intensidade que tornou a repressão insuportavelmente
106
Esta escassez de braços contrastava-se, diga-se de passagem, com a situação do Vale do Paraíba, onde a entrada de escravos foi acentuada até extinção do tráfico internacional. Para um balanço sobre o tráfico transatlântico de escravos, ver: Herbert S. Klein. Novas interpretações do tráfico de escravos do atlântico. R. História, São Paulo. 120. p. 3-25, jan/jul. 1989.
107 Warren Dean, Op. Cit. p. 183. Com relação a estas experiências com trabalhadores ‘livres’ Cf.
Davatz, Thomas, Memórias de um colono no Brasil. Edusp & Itatiaia, 1980, tradução e introdução de Sérgio Buarque de Holanda; Warren Dean, Op. Cit. Capítulo IV; Verena Stolcke & Michael Hall, A introdução do trabalho livre nas fazendas de café de São Paulo. Revista Brasileira de História, ano 6, pp. 80-120, set. 1983. Verena Stolcke, Cafeicultura, homens, mulheres e capital (1850-1980). Brasiliense, São Paulo, 1986. Ilka Stern Cohen, & Ana Luiza Martins, Brasil pelo olhar de Thomas Davatz (1856-1858), São Paulo, Atual, 2000. M. T. Schorer Petroni, Sergio Buarque de Holanda e Thomas Davatz. Art. Ethnos Brasil, publicação semestral do NUPE, Núcleo Negro da UNESP para Pesquisa e Extensão. Dossiê Sergio Buarque de Holanda. Ano I – nº 2, set. 2002. Segundo Sérgio Buarque de Holanda: “Acresce que o pauperismo reinante em certas localidades europeias levava muitas autoridades da Alemanha e da Suíça a estimular a emigração de elementos que se tornavam onerosos às administrações municipais. Várias municipalidades prontificaram-se mesmo a colaborar com os agentes de emigração adiantando ao emigrante as somas necessárias à passagem e sustento. É claro que isso podia prometer tudo aos nossos fazendeiros menos os homens ativos, morigerados e ordenados de que tanto careciam eles. Entre os colonos enviados a São Paulo por intermédio da Casa Vergueiro figuravam, segundo o testemunho insuspeito do D. Heusser, não só antigos soldados, egressos das penitenciárias, vagabundos de toda espécie, como ainda octogenários, aleijados, cegos e idiotas [...]”.Sérgio Buarque de Holanda, Memórias de um colono no Brasil. São Paulo: EDUSP-Itatiaia, 1980, págs. 28-29. Por sua vez, Paula Beiguelman nos diz: “Pelo contrato dos parceiros de Ibicaba, por exemplo, o colono recebia uma extensão de cafeeiros para cultura, colheita e melhoramento; participava na proporção da quantidade que colhesse, do trabalho de preparação do café a ser colocado no mercado; devia replantar as clareiras que se fizessem nos cafeeiros. Após a venda do café o fazendeiro receberia metade do lucro líquido e o colono a outra metade. O fazendeiro permitia ao colono tirar de lugares determinados de suas terras os produtos necessários à sua alimentação; o fazendeiro não tinha parte nos gêneros alimentícios que o colono produzisse para o seu consumo, mas recebia metade do preço excedente dos mesmos produtos vendidos. Quanto às dívidas contraídas com o fazendeiro (passagem, sustento nos primeiros tempos) metade no mínimo da renda líquida anual dos colonos seria destinada a compensá-las. Beiguelman, P. A formação do povo no complexo cafeeiro. São Paulo: Pioneira, 1977. Ver também: José Sebastião Witter, São Paulo: Arquivo do Estado, 1982.
48
dispendiosa”108. Seguindo o argumento de W. Dean, temos que as fazendas não
haveriam sobrevivido a essa crise se não tivesse aparecido outra robusta fonte de
trabalho:
Proletários rurais italianos, expulsos pela necessidade extrema
neste exato momento, foram atraídos para São Paulo pela
política extraordinária de subsídios governamentais totais. Os
fazendeiros, então, fixaram-nos nas fazendas, colocando-os
em posições mais estáveis e bem pagas do que as atribuídas
aos libertos, que foram alijados não apenas da possibilidade de
adquirir a posse de terras, mas até mesmo da mobilidade
social individual dentro do regime do trabalho assalariado109.
Por fim, Dean polemizou com proposições que afirmaram que “à grande
propriedade (...) se deviam todos os importantes e grandiosos melhoramentos
realizados na província, tais como estradas de ferro e navegação fluvial”110. Analisa,
em contrapartida, que seria difícil imaginar devastação mais completa do que a
verificada nas encostas do Vale do Paraíba em virtude das técnicas rudimentares e
extensivas utilizadas pelas fazendas cafeeiras. Por sua vez, com relação ao Oeste
Paulista, apontou que o benefício remanescente do domínio dos fazendeiros foi a
ferrovia, “investimento que poderia muito bem ter sido realizado em circunstâncias
diferentes e mais benignas”111.
Outro aspecto relevante quando discutimos esta área da Baixa Paulista foi a
relação existente entre a expansão dos trilhos e o desenvolvimento de Rio Claro, e
em virtude de sua proximidade de Araras. A construção da estrada de ferro Santos-
108
Warren Dean, Op. Cit. p. 184.
109 Idem. Op. Cit. p. 184.
110 Eugênio Egas, citado por Warren Dean, Op. Cit. p. 185.
111 Warren Dean, Op. Cit. p. 185. Para uma discussão detida acerca da E. F. de Rio Claro, cf.
Guilherme Grandi, Café e expansão ferroviária: a Companhia E.F. Rio Claro, 1880-1903. São Paulo: Annablume & FAPESP, 2007.
49
Jundiaí, em 1867, assegurou o avanço do café para o Oeste Paulista. Em 1872, a
ferrovia chegou a Campinas e, em 1876, Rio Claro tornou-se “ponta de trilho”,
permanecendo assim até 1884. Nesta condição, o município ampliou sua influência
sobre a vasta área mais a oeste. Na qualidade de terminal ferroviário, concentrou a
produção destas regiões e reforçou seu papel como centro de comércio e
distribuição.
Em 1884, Rio Claro tornou-se sede de uma companhia de estrada de ferro. Já
em 1886, esta Cia. possuía 250 acionistas, contudo, mais de 50% do seu capital
pertencia ao Barão de Araraquara, Barão de Mello Oliveira, Visconde do Pinhal e
Viscondessa de Rio Claro, importantes produtores e escravocratas paulistas. Como
resultado da diligência desse grupo, a linha férrea atingiu São Carlos em fins de
1884, Araraquara no início de 1885 e Jaú em fevereiro de1887112. A grandeza deste
empreendimento – mais de cem quilômetros de linha – levado a cabo sem nenhuma
garantia do governo imperial ou provincial, tal como privilégio de zona etc.,
demonstra a força desta cafeicultura no início do último quartel do XIX. O sucesso
da empresa se consolidou em virtude da rápida venda para um grupo inglês, que
passou a chamar a ferrovia de Rio Claro Railway113, o que segundo Fábio Alexandre
dos Santos evidenciou “o desinteresse dos cafeicultores acionistas em levar a cabo
a administração da estrada de ferro”114.
Parte da bibliografia de referência, tal como W. Dean e Diana Diniz115, atribui
a retração de Rio Claro à passagem da situação de ‘ponta de trilho’ para a condição
de estação intermediária de linha. Assim, traçaram certa dinâmica de crescimento
urbano e populacional, pautada por suposto sopro de vida decorrente da chegada
dos trilhos em 1876. Desta forma, a história da região é dividida em dois momentos:
pré e pós-ferrovia. Segundo Oliveira & Neto, esta interpretação é problemática116.
Como podemos notar pelos dados abaixo presentes no Almanak de São João de
112
Cf. Maria Coleta F. A. de Oliveira & John. Marion S. Neto, Op. Cit. P. 13.
113 Rogério Naques Faleiros, Op. Cit. p. 90.
114 Fábio Alexandre dos Santos. Rio Claro. Uma cidade em transformação. São Paulo:
Annablume/FAPESP, 2001. p. 92.
115 Diana Maria de Faro Leal Diniz, Op. CIt..
116 Cf. Maria Coleta F. A. de Oliveira & John. Marion S. Neto, Op. Cit. P. 13-17.
50
Rio Claro, para 1873,Rio Claro não era um município letárgico antes do advento da
ferrovia, pois, no referido ano, já possuía infraestrutura ampla e diferenciada.
Tabela 2
A observação do crescimento da população rio-clarense em geral e da
entrada de imigrantes no município leva a conclusões semelhantes. Enquanto ‘ponta
de trilho’ a população de Rio Claro apresentou a menor taxa de crescimento entre
1822-1920, 2,4% a/a. Tanto no período anterior como no subsequente, observamos
taxas mais elevadas. Já com relação ao afluxo de imigrantes, observamos, no
gráfico abaixo, que as entradas mais volumosas ocorreram ao longo da última
década do século XIX117.
117
É importante termos em vista ao analisarmos o gráfico abaixo que há uma lacuna nos dados compilados por Warren Dean, qual seja: não há dados para o intervalo 1883-1893.
Atividade N. de estabelecimentos
Relacionadas a bens de consumo 39
Relacionadas a construção civil 60
Relacionadas a mat. de construção 11
Relacionadas a mobiliário 23
Relacionadas a metalurgia e mecânica 30
Relacionadas a transporte 8
Relacionadas ind. de alimentos 4
Relacionadas serviços de consumo pessoal 12
Relacionadas de Lazer 10
Relacionadas serv. De comunicação e transporte 43
Relacionadas comércio de gen. alimentícios 108
Comércio em geral 67
Saúde 3
Outros 12
Total 430
Atividades econômicas encontradas de acordo com o Almanak de São João de Rio
Claro para o ano de 1873.
Fonte: Almanak de São João de Rio Claro para o ano de 1873, Thomaz Carlos
Mol ina. Publ icado por José Maria Lisboa
51
Tabela 3
Gráfico 6
A partir destes dados, Oliveira e Neto descartaram a explicação hinterland
para o crescimento da cidade. Enfatizam que o desenvolvimento da região foi
resultante do crescimento do contingente de consumidores. Dentre estes, chamam
atenção para o papel desempenhado pelos empregados ferroviários e aqueles que
trabalhavam nas oficinas da cidade118. Este argumento é, de certa forma,
118
Cf. Maria Coleta F. A. de Oliveira & John. Marion S. Neto, Op. Cit. p. 17.
Ano Total
Taxa de
crescimento (%)
1822 1.514 -
1835 2.906 6,5
1857 6.564 6
1872 15.035 8,6
1886 20.133 2,4
1890 24.584 5,5
1900 38.426 5,6
1920 58.262 2,6
Fonte: Dean, W. Op. Ci t. Quadro 6,2.
Evolução da população de Rio Claro, 1822 -
1920.
Obs. O ano de 1857 inclui Brotas ; todos os anos
incluem Analândia .
Fonte: Dean, W. Op. Ci t. p. 155
0
500
1000
1500
2000
2500
1883
1893
1894
1895
1897
1898
1900
1901
1902
1903
1904
1905
1906
1907
1908
1909
1910
1911
1912
1913
1914
1915
1916
1917
1918
1919
1920
1921
Chegada de imigrantes em Rio Claro, 1883-1921
52
corroborado por Santos, pois afirma que mesmo com a extensão dos trilhos para
São Carlos, ou seja, quando Rio Claro e adjacências perdem a posição de ‘ponta de
trilho’, a cidade já era ponto relevante da malha ferroviária do Oeste Paulista o que
constituiu retaguarda econômica à cidade, mesmo no contexto de tensão enfrentada
pelos plantadores, alguns anos depois119. A situação de maior estabilidade
decorrente da referida ‘bagagem’, como afirma Faleiros, também foi fundamental
para que não ocorresse atrofia urbana, econômica e populacional, na altura do
esgotamento das lavouras de café desta área, verificada já no primeiro lustro do
Novecentos120.
1.3 Araraquara
Ao longo dos primeiros 25 anos do século XIX, a área que se tornou o
município de Araraquara121, fundado em 1832, organizou em bases mais sólidas a
incipiente pecuária praticada no XVIII. Em virtude das atividades dos pecuaristas, o
lugarejo, então ‘boca de sertão’, estabeleceu paragens, pontos de comércio de
artigos de primeira necessidade, produção de gêneros alimentícios e cana. De
acordo com as informações levantadas por Daniel Pedro Müller, Araraquara
produziu, em 1836-37, açúcar, cachaça, algodão, fumo, arroz, feijão, milho e
119
Fábio Alexandre dos Santos, Op. Cit. p. 92.
120 Rogério Naques Faleiros, Op. Cit. p. 91.
121 Algumas informações sobre o município de Araraquara. Formação administrativa: Distrito criado
com a denominação de São Bento de Araraquara, por alvará de 30 de outubro de 1817, em virtude da resolução régia, de 22 de agosto de 1817. Elevado à categoria de vila com a denominação de São Bento de Araraquara, por Decreto de 10 de julho de 1832, desmembrado de Piracicaba. Constituído de 3 Distritos: Araraquara, Rincão e Santa Luzia. Sua instalação verificou-se no dia 24 de agosto de 1833. Elevado à comarca em 20 de abril de 1866. Cidade por lei provincial nº 7, de 06 de fevereiro de 1889. Em divisão administrativa referente ao ano de 1911, o Município de Araraquara se compõe de 3 Distritos: Araraquara , Rincão e Santa Lúcia. Em divisão administrativa referente ao ano de 1933, o Município de Araraquara se compõe de 7 Distritos: Araraquara, Américo Brasiliense, Gavião Peixoto, Itaquerê, Motuca, Rincão e Santa Lúcia. Em divisão territorial datada de 31-12-1936, o Município de Araraquara compreende o único termo judiciário da comarca de Araraquara e permanece com 7 Distritos: os mesmos citados em 1933. Em divisão territorial de 31-12-1937, o Município de Araraquara figura igualmente como único termo judiciário da comarca de Araraquara, e se compõe de 7 Distritos: os mesmos citados em 1933, e mais o de Bueno de Andrada (ex-Itaquerê). Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/historicos_cidades/historico_conteudo.php?codmun =350320. Acesso em: 9/02/2012
53
porcos122. Estas produções eram direcionadas, sobretudo, para o mercado interno,
não possibilitavam taxas de acumulação avultadas e eram estruturadas com
trabalhadores livres e poucos escravos. Em meados da década de 1830, quando a
cultura de alimentos, cana e a pecuária já estavam consolidadas, a população
cativa, que em 1818 fora constituída por pouco mais de 50 pessoas, alcançou quase
400 indivíduos (230 homens e 164 mulheres, majoritariamente entre 10 e 40
anos)123.
Mapa 4124
Entre 1830-1860, sobretudo em virtude da ampliação do cultivo da cana, o
fator preponderante de riqueza na região foi a terra. A partir da análise de 438
122
Daniel Pedro Müller, Ensaio d’um quadro Estatístico da Província de São Paulo. São Paulo: Gov. Estado de S. Paulo. 1978, p. 127.
123 Roseane Carvalho Messias, O cultivo do café nas bocas do sertão paulista: mercado interno e
mão de obra no período de transição – 1830-1888. São Paulo: Ed. UNESP, 2003.
124 Em virtude dos recorrentes desmembramentos, modificações administrativas etc. – evidenciados
pelas notas elaboradas a partir de informações do IBGE e dos dados e considerações presentes em Bassanezi (1998) – optamos apenas por indicar aproximadamente a posição do município de Araraquara em relação ao território paulista. Cf. Bassanezi (Org.). São Paulo do passado: dados demográficos. Campinas: NEPO/UNICAMP, 1998. 1 CD-ROM. Vale termos em vista desmembramentos relevantes que não foram contemplados na nota de rodapé formada por informações do IBGE da página anterior: Jabuticabal foi desmembrado de Araraquara em 1864 e São José do Rio Preto em 1872. Agradecemos ao Prof. José Flávio Motta por apontar essa lacuna nas informações decorrentes do IBGE.
54
inventários, Corrêa notou que a propriedade rural constituía entre 40% e 50% do
valor dos bens inventariados. Segundo a autora, o preço médio do alqueire de terra,
inicialmente muito baixo (1830 = $419; 1840 = 1$600), sofreu grande alta na década
de 1860, chegando a 18$600125.
A valorização da terra não foi acompanhada pela valorização dos escravos. A
participação dos cativos no âmbito dos bens inventariados permaneceu a mesma
durante o período 1830-60. É importante termos no horizonte, no entanto, que o
número dos escravos inventariados era reduzido. Dos inventários compulsados por
Corrêa, apenas 208 possuíam escravos, totalizando 1.176 indivíduos, o que
conforma uma média de 5 ou 6 escravos por inventário. A seguir, dispomos a
participação dos cativos, no bojo dos bens relacionados, e o preço médio destes.
Tabela 4
A significativa alta no preço dos escravos observada na década de 1850 e
1860 explica-se, acreditamos, por dois motivos principais, quais sejam: valorização
geral do escravo, resultante da diminuição da oferta decorrente do fim do tráfico
transatlântico de cativos e do incremento das lavouras, e das criações comerciais na
região, a partir do início dos anos 1850, tal como podemos depreender de alguns
dos dados coletados por Taunay. No ano de 1854, segundo o autor, o município
125
Anna Maria Martinez Corrêa, História Social de Araraquara. São Paulo, 1967. Dissertação. Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. p. 55. Segundo a autora: “Com o início da lavoura de cana houve uma preocupação geral pela posse da terra. Daí, conflitos frequentes entre os moradores. Muitos se apossaram de enormes extensões de terra, conseguiam a legalização e depois as vendiam”. Fonte: Offício de Araraquara, C.10, P.1, D. 73, A.E.S.P. Citado por Corrêa, p. 56.
Dec.Participação
dos escravos
Preço médio
escravos
1830 35,6% 305$600
1840 32,8% 349$000
1850 37,2% 689$000
1860 36,1% 833$000
Média 37,9% 544$150
Fonte: Corrêa Op. Ci t. Pág. 57.
Inventários Araraquara 1830-1860.
55
possuía 4 fazendas de café, produtoras de cerca de duas mil arrobas, 12 engenhos
de açúcar os quais produziam 5 mil arrobas e 50 fazendas de criação de gado, que
apesar dos melhoramentos ainda necessários, já ocupavam vastas áreas126.
Para além destes primeiros ensaios de meados do oitocentos, o
desenvolvimento comercial da produção cafeeira na região tem início a partir dos
anos 1860. Em 1862, a Câmara Municipal de Araraquara informava o promissor
desenvolvimento da lavoura de café na região e estimava que, dentro de poucos
anos, caso algumas dificuldades fossem atenuadas, o café se tornaria a principal
cultura. As aludidas dificuldades eram constituídas pela carência de transporte e
pela distância dos portos. Tal como afirma Ellis Junior, “só de Jundiaí para o sertão é
que o café poderia ser cultivado, se tivéssemos mão de obra proporcional. (...) Mas
a cultura do café não poderia ir muito além de Limeira, pois o custo do transporte
pelo muar encarece de tal maneira a produção que o lucro é todo absorvido”127.
Pouco mais de uma década depois, em 1878, quando estes entraves haviam
sido minimizados em virtude da expansão dos trilhos até Rio Claro, Araraquara
produziu 67.550 arrobas de café. Possuía, nesta mesma data, 671.600 pés com
quatro anos, 244 mil com três, 353 mil com dois e 677 mil pés de café plantados
com um ano128.
Na década de 1870, os cafezais estavam ainda em formação, não havendo
uniformidade do valor dos cafeeiros sobre o montante dos bens. “Há inventários em
que os cafeeiros representam 59% de seu valor enquanto em outros, representa
apenas 1%. Nessa década o preço médio do pé de café foi avaliado em $100.
Entretanto, há inventários que registraram cafeeiros de $500 e até de 1$200”129. De
forma geral, os cafezais começaram a ocupar grandes áreas, entre 1865-70. De
1870 a 1899, houve diferentes momentos de expansão. Em 1885 e 1886 ocorreram
126
Alfredo d'Escragnolle Taunay. História do café do Brasil imperial, 1822-1872, Rio de janeiro: ed. Departamento Nacional do Café, 1939. TI.
127 Ellis Jr. Tenente Coronel Francisco da Cunha Bueno: pioneiro no Oeste Paulista. São Paulo, 1960.
128 J. L. França, Op. Cit. p. 49-50. Apenas para termos um contraponto: enquanto Araraquara
possuía quase 800 mil pés de café em 1878, apenas um grande proprietário de Bananal, no Vale do Paraíba, o Comendador Manuel de Aguiar Valim possuía cerca 607 escravos e 1.122.700 pés de café distribuídos em 5 fazendas. Cf. Roseane Carvalho Messias, Op. Cit. p. 58.
129 Anna Maria Martinez Corrêa, Op. Cit. p. 139.
56
grandes plantios130. Provavelmente, os bons rendimentos das primeiras plantações,
a expressiva alta dos preços131, a chegada da estrada de ferro no município e a
entrada de imigrantes contribuíram para o alargamento desta cultura. Outros
momentos importantes de expansão ocorreram em: 1888-1889 e 1893-1896132. O
início deste ciclo de expansão se distinguiu pela existência de dois movimentos
concomitantes: houve pujante crescimento da demanda externa e a oferta seguia
um ritmo crescente, porém irregular, resultante das condições climáticas, do trato
mais ou menos apropriado dado às plantações, da idade dos cafeeiros e do fato de
um ano de grande produção ser seguido por um período transitório de exaustão do
arbusto, estimulando largamente a especulação.
A expansão do café na região, importa observarmos, não substituiu
meramente as atividades precedentes, mas dividiu espaço com elas. A marcha do
complexo cafeeiro agroexportador não deve ser entendida como algo que
simplesmente desloca as formas anteriores de organização econômica e social;
especialmente, nas regiões de fronteira, onde parte das terras ainda estava
disponível à expansão das culturas. Dificilmente se encontrava em Araraquara,
assim como em quase todo o interior paulista, fazendas destinadas apenas ao café.
Nomeadamente nas grandes fazendas, uma parte da área era destinada à produção
de milho, arroz, feijão e animais. Além disso, existiam monjolos, moinhos, carroças
etc. A própria organização do plantio dos cafeeiros em filas buscava, também,
possibilitar o cultivo de outros gêneros nas suas ruas, principalmente “cereais”.
Obviamente, com a consolidação dessa cultura na região, a partir do final dos anos
1870, e a contínua expansão da fronteira agrícola, originou-se um complexo
econômico constituído por diversas atividades complementares e necessárias para o
desenvolvimento da economia cafeeira: maquinário para o beneficiamento,
130
Idem. Op. Cit. p. 140 e 209.
131 Em virtude da expansão da procura e da dinâmica da oferta, o preço internacional do café duplicou
entre 1885 e 1890.
132 Ao longo de alguns inventários compulsados por Corrêa, nos momentos mencionados foram
plantados respectivamente: 215 mil, 75 mil e 90 mil pés de café. Idem. p. 209.
57
alargamento do mercado de alimentos, sistema de transporte e diversos outros
ramos industriais133.
Assim como houve aumento expressivo do preço da terra, em virtude do
alargamento das áreas destinadas à cana, a expansão do café na região também
propiciou altas significativas no preço do alqueire, mormente, a partir dos anos 1860,
tal como notamos na tabela a seguir.
Tabela 5
Podemos explicar a valorização da terra observada, por meio de diferentes
fatores, tais como: (i) início e aprofundamento da estagnação e decadência de
outras áreas; (ii) expansão da fronteira agrícola; (iii) especificidades geográficas e
geológicas desta área da Baixa Paulista; (iv) crescente deslocamento de escravos e
imigração direcionada para a franja do complexo exportador cafeeiro; (v) passagem
para a franja da fronteira, após os anos iniciais de trabalho dos imigrantes e
trabalhadores nacionais alocados em zonas menos prósperas e com restrições ao
cultivo de víveres e (vi) facilidade do transporte oferecida pelo novo sistema
ferroviário.
Além dos pontos anteriores, cabe salientarmos a prosperidade que marcou o
mercado cafeeiro a partir de 1860-70. A despeito de este período representar uma
fase crítica para a agricultura brasileira, em virtude dos problemas financeiros do
133
Rogério Naques Faleiros, Op. Cit. p. 216. Ver também: cf. A. Azzoni, et. al. Alguns problemas da propriedade cafeeira em Araraquara. In: O café. Anais do congresso de história II. São Paulo: 1975. P. 371-403
Dec.Participação da
propriedade
Preço do alqueire
de terra. (Réis)
1860 - 18$600
1870 41,3% 27$000
1880 29,9% 33$000
1890 35,3% 101$000
Média 35,4% 44$900
Fonte: Corrêa, Op. Ci t. Pág. 57.
Inventários Araraquara 1860-1890.
58
Brasil e das dificuldades relacionadas à questão da mão de obra, Araraquara, assim
como o restante do Oeste Paulista, vivenciou avultada expansão da sua produção
cafeeira.
Gráfico 7134
O café tornou-se a cultura preponderante, mesmo com o crescimento da
inelasticidade da mão de obra tal como podemos apreender na tabela abaixo, o que
pode ser explicado em virtude de ganhos de produtividade decorrentes de novas
técnicas de produção e do novo sistema de transporte.
134
Em arrobas.
Fonte: Camargo, J. F. Vol. II, Págs. 16, 61 e 62; Milliet,S. Op. Cit. p. 54; França, J. L. Album de Arararaquara,
1915. São Pualo: Ed. João Silveira
440 2.00067.550
140.000
895.000
1836 1854 1874 1878 1886 1905
Produção de Café Araraquara
59
Tabela 6
Gráfico 8
Se mais uma vez lançarmos mão das informações decorrentes dos
inventários percorridos por Corrêa, apreenderemos que o número de escravos
Recenseamento Condição Social Homens Mulheres Total Razão de Sexo
População Livre (Brasileira + Estrangeira) 3.272 2.982 6.254 109,7
População Escrava 856 732 1.588 116,9
Pop. Escrava adulta (20-39 anos) 269 225 494 119,6
População Estrangeira 9 - 9 -
População Livre 2.949 2.762 5.711 106,8
População Escrava 771 646 1.417 119,3
Pop. Escrava: jovens e adultos (16-40 anos) 408 328 736 124,4
População Estrangeira* 147 82 229 179,3
População Livre - - - -
População Escrava** 755 545 1.300 138,5
Pop. Escrava adulta (30-40 anos) - - 403 -
População Estrangeira - - - -
População Nacional 3.355 3.274 6.629 102,5
População Estrangeira 897 625 1.522 143,5
Notas: (*) incluem africanos; (**) Resumo geral dos escravos matriculados até 30 de março de 1887 - segundo sexo, estado civil e domicílio
Fonte: Censos de 1854, 1872, 1886 e 1890. Dados organizados por Bassanezi, M. S. C. B. São Paulo do passado: dados demográficos. Campinas: NEPO-
UNICAMP, 1998. 1 CD-ROM.
População de Araraquara segundo condição social, nacionalidade e sexo
1886
1890
1872
1854
60
contidos nestas fontes, durante a segunda metade do XIX, também foi reduzido.
Para a década de 1870, dos 207 inventários encontrados pela autora, apenas 89
registraram escravos. Havia uma média de 5 escravos por códice, totalizando 497
cativos. Na década de 1880, dos 144 inventários examinados, 62 registraram o total
de 374 escravos, uma média de 6 escravos por documento. A seguir, indicamos a
participação dos escravos nos referidos inventários e os preços médios, levantados
por Corrêa, para as décadas de 1870 e 1880.
Tabela 7
Estes dados corroboram a impressão que apenas amplas unidades
relativamente ‘especializadas’, com grandes escalas de produção e taxas
apreciáveis de acumulação, seriam capazes de adquirir escravos neste período.
Em São Paulo, como um todo, sobretudo em regiões de
decadente cafeicultura do Vale do Paraíba e em alguns
municípios da região Central, especializados na produção de
açúcar, tratando-se nos dois casos de atividades econômicas
com taxas de acumulação menos vigorosas, verificou-se uma
acentuada queda nos plantéis de escravos135.
Em municípios do Oeste Paulista que possuíam propriedades e posses mais
fragmentadas, como em Franca, o plantel de escravos, segundo Faleiros, reduziu-se
135
Rogério Naques Faleiros, Op. Cit. p. 210.
Dec.Participação
dos escravos
Preço médio
escravos
1870 31,2% 989$500
1880 12,5% 742$000
Fonte: Corrêa, Op. Ci t. Pág. 132.
Inventários Araraquara 1870-1880.
61
64,1%. Talvez, como propõe este mesmo autor, seja esta a explicação para a não
ampliação do número de escravos em Araraquara no mesmo período, pois neste
município a posse e/ou a propriedade da terra era menos concentrada do que em
São Carlos e Ribeirão Preto, por exemplo.136
As fazendas de café araraquarenses começaram a se expandir, é importante
notarmos, num período em que o problema da mão de obra havia se tornado
especialmente grave. O alargamento da cultura cafeeira ocorreu justamente na
quadra em que as investidas abolicionistas passaram do plano das formulações
teóricas, debates e agitação na imprensa, para a ação direta intermediada pelos
abolicionistas e ação autônoma dos próprios escravos137. Como consequência das
dificuldades derivadas da obtenção de mão de obra, qualquer arremetida
abolicionista foi imediatamente combatida pelos chefes locais. Contudo, além do
arraigado apego aos escravos existentes, este contexto de incerteza e insegurança
fez com que os fazendeiros da região engrossassem o coro dissonante
protagonizado, em última instância, por todos os plantadores do Oeste Paulista que
pleiteavam a resolução do problema nacional central de então (inelasticidade da
oferta de mão de obra) e, para tanto, a ampla participação do Estado.
Nesta região, a falta de trabalhadores foi atenuada, por um lado, em virtude
da chegada de trabalhadores de outras áreas e, por outro, em decorrência da
entrada de estrangeiros, que ganhou importância após a implantação da política de
subsídios integrais. Com a expansão bem sucedida da lavoura de café nesta zona, a
população trabalhadora nacional disponível em outros setores e áreas estagnadas
ou em declínio foi atraída pelas oportunidades oferecidas neste momento, quando,
dentre outras coisas, a estrada de ferro havia se estendido até a região. Os
trabalhadores de Araraquara, entre 1870-90, segundo Corrêa, eram constituídos,
majoritariamente, por nacionais, destacadamente nordestinos138. Além deste
136
Idem. p. 211.
137 A conformação e alargamento da ação direta foram pautados pela penetração dos abolicionistas
nas senzalas, ao longo dos anos 1880, e pelas ações dos próprios escravos. Essas ocorrências, mesmo quando mal sucedidas, indicam “o transbordamento dos diques de contenção da ordem social escravista do Império”. Maria Helena P. T Machado. O Plano e o Pânico... Op. Cit. p. 17.
138 Corrêa, Op. Cit. p. 137-138. Por sua vez, no que diz respeito ao migrante nordestino, Hollanda e
Graham afirmam: One thing appears certain. There was no influx of ‘cabloco’ northeastern labor into the coffee plantation either before or after the abolition of slavery. More likely they fell into subsistence
62
conjunto, trabalhadores livres e pobres –agregados e camaradas – e escravos
formavam a mão de obra indispensável para o plantio e formação dos cafezais nas
grandes propriedades nos anos anteriores à abolição e à imigração em massa. Os
pequenos proprietários, posseiros e sitiantes, também contribuíram para corroborar
a expansão das grandes lavouras de café. Estes agentes aproveitaram os
momentos de alargamento dessa cultura para ampliarem sua capacidade de gerar e
comercializar excedentes, cujos resultados eram direcionados para ampliação das
suas posses e/ou propriedades139.
Apesar de aparentemente a maior contribuição ter sido decorrente dos
trabalhadores nacionais, a região recebeu importante volume de estrangeiros, dadas
as diligências do poder público paulista para a resolução dos problemas decorrentes
da deterioração do escravismo. A entrada destes ocorreu, principalmente, a partir
dos anos 1870, possibilitando a continuação do desenvolvimento da cafeicultura na
Paulista – e, também, na Mogiana, além de partes da Sorocabana e Douradense –,
agora pautada pelo trabalho preponderantemente livre. Neste decênio, já havia em
Araraquara alguns empreendimentos organizados por imigrantes (escola, farmácias
etc.). De acordo com O quadro demonstrativo dos destinos que tiveram os
imigrantes entrados no Alojamento Provincial desde 1º de janeiro até 31 de
dezembro de 1886, Araraquara aparece como destino de 166 imigrantes. O que fez
do município, no âmbito de São Paulo, o nono maior recebedor deste contingente de
trabalhadores. Quando compulsamos este mesmo documento para o ano de
1887140, constatamos que o município em questão recebeu 242 imigrantes.
agricultural pursuits patterns after their sertanistas background. (…)Since the growth of subsistence economy is a function of rather primitive production, function applied to abundant land, no changes in technique or organization are required, and migration to the hinterlands in this case performed no significant economic function. Graham, D, & Hollanda, S. B. de. Migration, regional and urban growth and development in Brazil: a selective analysis of the historical record, 1872-1970. São Paulo, IPE-USP, 1971. Assim sendo, os autores admitem que, parte dos acréscimos de população livre nacional (nordestinos), não engrossou as fileiras do infante mercado de trabalho. Vale notarmos que esta abordagem aparentemente minimizou a constante instabilidade da propriedade do migrante, constantemente ameaçada pela expansão da fronteira agrícola e valorização das terras. Para a importância do trabalhador nacional, cf. Tessari, C. Op. Cit.
139 Rogério Naques Faleiros, Op. Cit. 219 – 222.
140O quadro demonstrativo dos destinos que tiveram os imigrantes entrados no Alojamento Provincial
desde 1º de janeiro até 31 de dezembro, para os anos de 1886 e 1887. In Respectivamente: Relatorio apresentado à Assembléa Legislativa Provincial de São Paulo pelo presidente da provincia, Barão do Parnahyba, no dia 17 de janeiro de 1887. São Paulo, Typ. a Vapor de Jorge Seckler & Comp., 1887. Relatorio apresentado à Assembléa Legislativa Provincial de São Paulo pelo presidente da provincia,
63
Além dos números acima, a importância que estes trabalhadores passaram a
ter pode ser apreendida, por exemplo, pelo reiterado pleito dos fazendeiros locais
referente à construção de uma hospedaria para estes trabalhadores, tal como
evidencia a passagem reproduzida abaixo, e pelo fato de Araraquara ser um dos
cinco municípios paulistas que mais recebeu imigrantes entre 1898 e 1902141.
Em 1889, o vereador Germano Xavier de Mendonça pediu à
Câmara autorização para construir uma hospedaria de
imigrantes. Provavelmente o pedido não foi atendido, pois
alguns anos mais tarde, o mesmo vereador fez pedido
semelhante em nome de vários fazendeiros que nessa
ocasião esperavam a chegada de 1.000 imigrantes. A
presença dos italianos pode ser evidenciada ainda em 1891,
pela abertura da escola Giuseppe Garibaldi142.
Assim sendo, como no caso do movimento interno de escravos, o fluxo de
imigrantes destinados ao eito se direcionou para os principais centros cafeeiros de
fins do XIX, onde se encontravam fazendas, capazes de possibilitar contratos mais
proveitosos e a infraestrutura necessária para acolher estes trabalhadores.
A marcha ascendente dos cafezais na região de Araraquara e no restante do
médio Oeste Paulista – possibilitada em parte pela ‘resolução’ do problema da falta
de mão de obra –,desde os anos finais do século XIX e iniciais do XX, enfrentou
dificuldades decorrentes da queda dos preços e outros problemas de mercado,
consequências das perturbações resultantes do contexto que pautou a passagem do
século XIX para o XX. A larga expansão da produção e das demais atividades
relacionadas ao café trouxe alguma riqueza ao país e, ao mesmo tempo, atribuiu um
dos contornos mais característicos da economia cafeeira: a superprodução. A partir
exm. sr. dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves, no dia 10 de janeiro de 1888. São Paulo, Typ. a Vapor de Jorge Seckler & Comp., 1888.
141 Pierre Monbeig, Op. Cit. p. 172.
142 Anna Maria Martinez Corrêa, Op. Cit. p. 139.
64
da crise de 1893, que afetou de forma aguda a economia Norte-americana e do
início da produção dos cafeeiros plantados no final da década de 1880, os primeiros
sinais de desequilíbrio entre oferta e procura foram observados.
Nos primeiros anos da queda de preços, a situação dos produtores e das
demais atividades relacionadas ao café foi atenuada com a desvalorização da
moeda brasileira, todavia, a pressão que esta medida ocasionou sobre a massa de
consumidores urbanos, que já tinha importância no final do século XIX, e a política
de austeridade praticada pelo governo Campos Sales e Rodrigues Alves impediram
à depreciação se tornar periódica. Este cenário fez com que as novas plantações
praticamente não ocorressem até 1904, em Araraquara. Contudo, exatamente neste
momento, quando o mecanismo cambial não poderia mais ser utilizado para a
defesa da rentabilidade do complexo cafeeiro, a florada dos cafezais, no segundo
semestre de 1905, deixou claro que a oferta de café iria saturar os mercados
consumidores e se tornaria insolvente. Foi no bojo deste contexto de intensa crise
que surgiram as primeiras proposições de intervenção oficial na comercialização do
café para promover a valorização do produto143.
Esta conjunção de acontecimentos criou uma situação propícia à organização
dos fazendeiros do Oeste Paulista, em um grupo mais ou menos coeso, que, após
certa relutância inicial, insistentemente advogou a intervenção governamental com o
desígnio de atenuar as dificuldades que enfrentavam. Tal organização e pressão
resultaram na assinatura do Convênio de Taubaté. Este foi recebido com grande
entusiasmo e esperanças por este e outros grupos do Oeste Paulista144. Mas esse
assunto e suas consequências, apesar de fundamentais, extrapolam por demais os
limites da pesquisa por ora empreendida...
1.4 Recorte temporal: 1861-1887
143
Cf. Gabriel Almeida Antunes Rossini, O Convênio de Taubaté. Verbete, Dicionário Histórico Bibliográfico – CPDOC-FGV.
144 Jornal O Estado de São Paulo, 17/02/1906.
65
O período compreendido entre o fim do tráfico atlântico de escravos e a Lei de
Terras e a abolição da escravatura contém importantes diferenças no que diz
respeito ao comércio interprovincial e intraprovincial de escravos. Uma periodização
recorrente na literatura atinente ao tema assinala três fases marcantes: “nos anos
cinquenta – intensa; nos anos sessenta – moderada; nos anos setenta – muito
intensa”145.
A dinâmica deste tráfico nos anos 1850 se explica em virtude da grande
prosperidade europeia que suscitou ampla demanda dos produtos de exportação
dos países escravistas remanescentes (Brasil, Cuba e Estados Unidos)146.
Os anos sessenta se distinguiram pela concomitância de dois movimentos
contrários. A Guerra de Secessão nos Estados Unidos (1861-1865) abriu o mercado
inglês ao algodão brasileiro, o que beneficiou os plantadores nordestinos147. Ao
mesmo tempo, a produção cafeeira do sudeste diminuiu o seu ritmo de crescimento,
em virtude da crise bancária de 1864 e por baixas recorrentes nas cotações
internacionais do produto. Em virtude desse cenário, os plantadores nordestinos
desfrutaram de melhor correlação de forças para manter os cativos em suas
regiões148. Richard Graham é um dos autores que postula a intensidade moderada
do tráfico doméstico de cativos, ao longo dos anos 1860. R. Graham afirmou que o
número dos envolvidos no tráfico interno de escravos declinou um pouco nos anos
1860 “porque a Guerra Civil nos Estados Unidos encorajou a produção de algodão
para compensar a escassez das exportações americanas para a Inglaterra, e os
produtores do Nordeste por esta razão, uma vez mais, puseram alto preço nos seus
145
Jacob Gorender, Op. Cit. p. 326
146 O aumento de preços dos escravos, ao longo dos anos 1850, aventado por Gorender e outros
autores em virtude da dinâmica dos preços dos produtos de exportação brasileiros e da maior intensidade do tráfico interno também é parcialmente corroborado por acontecimentos excepcionais, tais como: a epidemia de cólera morbo que matou, somente entre 1855-56, cerca de 30.000 escravos que residiam nas plantações do Recôncavo baiano. Cf. Kátia de Queirós Mattoso, Ser escravo no brasil. São Paulo: Brasiliense, 3a ed. 2003. p. 80.
147 A produção de algodão, durante este decênio, mais do que duplicou em volume e o seu valor
exportado aumentou mais do que cinco vezes.
148 Segundo Furtado: A partir dos anos sessenta, a questão da oferta da mão de obra tornou-se
particularmente seria. A melhora nos preços do café fazia mais e mais atrativa a expansão da cultura; por outro lado, a grande alta dos preços do algodão provocada pela Guerra de Secessão nos EUA dera início a uma grande expansão da cultura da fibra nos Estados do Norte, restringindo-se em consequência o trafico de escravos para o sul. Celso Furtado, Op. Cit. p. 126.
66
escravos”149. O mesmo argumento foi usado por Maria José de Souza Andrade em
A mão de obra escrava em Salvador, 1811-1860150.
Nos anos setenta, a expansão algodoeira esmoreceu e diversas estiagens
alongadas, forçaram muitos proprietários nordestinos a desfazerem-se dos seus
escravos, o que estimulou o influxo de escravos do “Norte” para o “Sul” do país.
Concomitantemente a esses acontecimentos, a produção cafeeira prosseguiu, com
maior vigor, o seu avanço, perambulante Leste-Oeste. Este sofreu paralisias mais ou
menos bruscas e criou, reiteradamente, cidades mortas nas quais os remanescentes
“gabam a passada prosperidade, lamuriam do presente e pitam – pitam longos
cigarros de palha, matadores do tempo”151. Aliado a esta dinâmica, a Lei do Ventre
Livre (setembro de 1871) esfriou o movimento abolicionista e deu ao regime
escravocrata, após alguns anos iniciais de dúvidas, renovada estabilidade política.
Tal cenário fez com que o preço dos escravos homens com idade entre 20 e 25
anos, nos municípios cafeeiros, alcançasse muitas vezes, como veremos a frente,
mais de 2:000$000 no final desta década, ponto mais alto do século XIX152. Assim
sendo, como afirma Richard Graham: “(...) o tráfico de escravos interprovincial se
tornou muito mais intenso nos anos 1870, quando os preços internacionais do
149
Richard Graham, Op. Cit. p. 129. O mesmo argumento foi usado por Maria José de Souza Andrade, A mão de obra escrava em Salvador, 1811-1860. São Paulo: Corrupio; Brasília: CNPq, 1988. p. 125.
150 Maria José de Souza Andrade, OP. Cit. 2008.
151 Monteiro Lobato, A vida em Oblivion. Em Op. Cit. p. 26.
152 Jacob Gorender, Op. Cit. p. 328. Esta periodização é parcialmente corroborada por Neves, que
estudou a dinâmica do comércio de escravos do alto sertão da Bahia para o Oeste cafeeiro paulista. Segundo este autor: “logo após o fim do tráfico externo, o número de cartas de liberdade de Caetité declinou 12,4% comparativamente aos 10 anos anteriores, aumentando 13,3% no período seguinte e novamente diminuindo 3,3% no decênio de 1870, quando se intensificou o tráfico interno”. Erivaldo Fagundes Neves, Sampauleiros traficants... Op. Cit.. p. 105. Alguns números corroboram as afirmações que vimos: segundo João José Reis, a população escrava paulista passou de 80.000 em 1864 para 174.262 em 1874, 167.49 em 1884 e 107.392 em 1887, enquanto a do nordeste foi para estes mesmos anos de 774.000; 435.687; 301.470 e 171.797. Presença Negra: conflitos e encontros. In Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro: IBGE, 2000. P. 91. 38. Já de acordo com Joaquim Floriano de Godoy a população escrava de São Paulo cresceu de 80.000 em 1866 para 200.000 em 1875. A província de São Paulo (Rio de Janeiro, 1875), p. 136, citado em Nícia Vilela Luz, "A administração provincial de São Paulo em face do movimento abolicionista", Revista de Administração, VIII, 85.
67
algodão e do açúcar declinaram precipitadamente enquanto que o do café
disparou”153.
Robert Slenes, por sua vez, estimou em 10 mil por ano o número de escravos
comercializados nesta década, isto é, quase o dobro da média da década anterior
segundo os seus dados154. Alguns outros números corroboram as afirmações
anteriores, vejamos: segundo João José Reis, a população escrava paulista passou
de 80.000 em 1864 para 174.262 em 1874, 167.49 em 1884 e 107.392 em 1887,
enquanto a do nordeste, nestes mesmos anos, foi de 774.000; 435.687; 301.470 e
171.797155. De acordo com Joaquim Floriano de Godoy, a população escrava de
São Paulo cresceu de 80.000 em 1866 para 200.000 em 1875156. Segundo Luna e
Klein, “se em 1818, Minas, Rio Janeiro e São Paulo continham apenas 35% da
população cativa total, em 1872 haviam aumentado a sua parcela para 58%, e esta
continuou a crescer até o fim da escravidão, atingindo 65% em 1886-1887”157.
Já José Flávio Motta encontrou, nas localidades estudadas em seu último
livro (Areias, Guaratinguetá, Constituição/Piracicaba e Casa Branca), dois momentos
distintos ao longo da década de 1870. A investigação desse autor evidencia que os
primeiros anos desta década diferenciaram-se do restante. Pelas discussões e pela
promulgação da Lei do Ventre Livre, ocorrida em setembro de 1871. Deste modo, o
primeiro lustro da década de 1870, foi constituído por anos nos quais o tráfico
conviveu com incertezas relativas ao prosseguimento ou não da escravidão.
153
Richard Graham, Op. Cit. p. 126.
154 Robert W. Slenes, “Grandeza ou decadência? O mercado de escravos e a economia cafeeira da
província do Rio de Janeiro, 1850-1888”, em Iraci del Nero da Costa (org.), Brasil: História econômica e demográfica. São Paulo: Instituto de Pesquisas Econômicas, 1986, págs. 110-33. Ver também: Robert W. Slenes. Brazil. In. Slavery in the Americas. Oxford University Press Inc. New York, 2010. p. 114.
155 Presença Negra: conflitos e encontros. In Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro: IBGE,
2000. P. 91. 38.
156 A província de São Paulo (Rio de Janeiro, 1875), p. 136, citado em Nícia Vilela Luz, "A
administração provincial de São Paulo em face do movimento abolicionista", Revista de Administração, VIII, 85.
157 Luna &Klein, O Escravismo no Brasil. São Paulo: Imprensa Oficial e EDUSP.2010. p. 92.
68
Segundo Motta, o grande alargamento do tráfico doméstico de cativos ocorreu, na
verdade, a partir de 1874158.
Além de melhor balizar a dinâmica do comércio interno de escravos nos anos
1870, o autor de Escravos daqui, dali e de mais além estende a sua análise para a
década de 1880. Esta foi pautada, sobretudo, pelo fim do tráfico interprovincial de
escravos em virtude da implantação de elevados impostos que passaram a incidir
sobre a entrada de escravos oriundos de outras províncias159.
Evaldo Cabral de Mello calcou a periodização do tráfico interno de escravos
na análise das discussões parlamentares das quase quatro décadas posteriores ao
fim do tráfico transatlântico de escravos160. Apontou que os debates e as
158
Cf. José Flávio Motta, Escravos Daqui, Dali e de Mais Além: o tráfico interno de cativos na expansão cafeeira paulista (Areias, Guaratinguetá, Constituição/Piracicaba e Casa Branca, 1861-1887). 1. ed. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2012. Corrêa, estudando os dados relativos à Araraquara, também percebe esta distinção entre os anos iniciais da década de 1870 e 1875-79. Segunda esta autora, “o preço médio dos escravos, na década de 1870, era de 989$500 e na de oitenta, de 743$000. Durante a primeira, houve uma alteração nos preço dos escravos que pode ser sentida a partir de 1875. De 1870-74, o preço médio do escravo era 870$000. Esse valor deveria ser relativamente elevado para a época, pois a média oscilava entre 650$000 e 700$000, quando as fazendas de café puderam se abastecer com os escravos vindos do nordeste. Depois disso, os preços começaram a subir, de 1875 a 1879, o preço médio é de 1:132$000, havendo escravos de 1:700$000 e até 2:000$000. Esse aumento do preço do escravo explica-se tanto por motivos de ordem geral como por motivos particulares da região. A partir de 1876, houve um aumento do preço dos escravos provocados pelas dificuldades impostas à circulação interprovincial; devido à cessação do tráfico era difícil renovar os suprimentos de escravos. Os elevados índices de mortalidade diminuíam a oferta dessa mão de obra. Entretanto havia nessa época um aumento da procura. A expansão cafeeira incitada pelo desenvolvimento do sistema ferroviário exigia para a sua plena realização o apoio de uma mão de obra suficiente. O aumento da procura num momento de contração da oferta fez com que os preços aumentassem”. Op. Cit. Págs. 132-133.
159 Cf. José Flávio Motta. Op. Cit., 2012. Outra periodização recente foi proposta por: Scheffer.
Segundo este autor, “para melhor acompanharmos a passagem do tempo, dividi o período estudado em 7 fases: entre 1849 e 1850, onde procuro ver um pouco da situação de fim eminente do tráfico africano; entre 1851 e 57, observando uma primeira fase no pós-abolição do comércio atlântico; e depois divisões a cada 5 anos (1861-65; 1866-70; 1871-75; 1876-80; 1881-85)”. R. da C. Scheffer, Tráfico interprovincial e comerciantes de escravos em Desterro, 1849-1888. Dissertação Mestrado, Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Santa Catarina. Florianópolis, 2006.
160 Neste momento, vale recuperarmos a pesquisa de Ana Maria Mathias Boccia e Eneida Maria
Malerbi. As autoras procuram demonstrar que, mesmo após a proibição do tráfico negreiro no Brasil, pela Lei Eusébio de Queirós, de 4 de setembro de 1850, a entrada de africanos no país prosseguiu por alguns anos em grande proporção, embora em escala regressiva, se relacionada ao período anterior (1831-1850). A pesquisa foi limitada à Província de São Paulo, entre os anos de 1850 e 1870, espaço de tempo no qual a atividade econômica, essencialmente agrícola, carecia de mão de obra. Cf. O contrabando de escravos para São Paulo. Revista de História - Vol. LVI - N.º 112 Outubro-Dezembro 1977. Geoffrey Alan Cabat também produziu interessante pesquisa sobre o comércio ilegal de escravos e a postura do governo Norte americano. Ao longo do seu artigo “O comércio de escravos no Brasil visto por funcionários diplomáticos americanos (1845-1857)”, o autor evidencia: “A posição dos Estados Unidos com respeito à proibição do comércio brasileiro era ambivalente; ainda
69
consequentes deliberações parlamentares conformaram três fases distintas deste
comércio. A primeira tem início com o fim da movimentação transatlântica dos
tumbeiros. Neste primeiro momento, os deslocamentos de escravos, principalmente
entre diferentes províncias do Império foram avultados, uma vez que os cativos
espalhados pelo país e, mormente os do nordeste, tornaram-se a principal fonte de
mão de obra para o sudeste cafeeiro. Entre 1850 e 1856, os políticos nordestinos,
ou do ‘Norte’ pleitearam reiteradamente que o comércio interprovincial de escravos
fosse barrado, ou ao menos minimizado. Contudo, a causa que advogavam não
ressoou, prevalecendo à inação do Ministério Conservador e a força das províncias
cafeiculturas, que desejam preservar o fluxo de mão de obra para seus territórios161.
A segunda fase deste comércio, segundo Mello, foi bastante longa. Teve
início em 1856 e se estendeu até 1884. Ao longo deste largo período, os
proprietários e seus representantes deixaram de reivindicar a proibição do tráfico
interprovincial. Os motivos que distinguiram esta segunda fase tornam-se notórios,
especialmente, no decorrer da década de 1870. Com a grande seca nordestina
(1877-1879) e crise agrícola enfrentada por esta região, as vendas interprovinciais
de cativos passaram a ser encaradas como uma forma de atenuar as perdas dos
que desde 1800 tivesse tomado forte posição contra ele, recusava-se a participar de qualquer busca conjunta ou acordo que tornasse efetiva a sua interdição. Esta recusa de participar de acordos não apenas resultava numa perda de cooperação, unida com o fim de terminar com o comércio de escravos, mas ajudava os traficantes de escravos de um modo mais direto permitindo o uso da bandeira americana como proteção para o infamante comércio. O período que vai de 1838 a 1850 foi marcado pelo aumento do uso da bandeira americana no comércio brasileiro. Responsáveis antes de 1848 por uma porção mínima do tráfico, desde aí os navios que navegavam com a bandeira dos Estados Unidos, importavam ilegalmente um quinto dos negros levados ao Brasil, e apenas dois anos depois, os navios americanos transportavam ilegalmente tantos escravos quanto todas as outras nações combinadas. Com a Lei Queirós, de 1850, novo clima de cooperação possibilitou ao Brasil e à Grã-Bretanha juntarem forças de um modo mais efetivo para patrulhar a costa e os lugares suspeitos como sendo de desembarque no Brasil; cinco anos mais tarde, os Estados Unidos juntaram-se a este esforço. Como resultado, em 1855 os navios americanos desapareceram virtualmente do comércio de escravos no Brasil”. p. 330.
161 Por exemplo, no relatório anual apresentado à Assembleia Provincial, em 01 de março de 1852, o
presidente da província da Bahia, Francisco Rodrigues Martins (Visconde de São Lourenço) discorreu sobre os motivos e consequências da larga saída de escravos da província: “Esta notável saída de escravos para fora da província de que vos tenho falado aumenta consideravelmente o preço deles entre nós; e como a lavoura do açúcar definha, e a do café tem tido seguidos anos de prosperidade, na concorrência de compradores só os lavradores deste podem acompanhar o aumento do preço dos escravos; por esta razão quantos se apresentem no mercado são logo comprados pelos especuladores, que deles fazem continuadas remessas para Corte". Fala que recitou o presidente da província da Bahia, o desembargador conselheiro Francisco Gonçalves Martins na abertura da Assembléa Legislativa da mesma província no dia 01 de março de 1852. Bahia. Typographia Const. De Vicente Ribeiro Moreira, 1852.
70
plantadores que cultivavam as áreas além do Vale do Jequitinhonha. Outrossim, em
virtude das incertezas originadas pela promulgação, em 1871, da Lei do Ventre Livre
(também conhecida como "Lei Rio Branco"), os proprietários ‘nortistas’ passaram a
encarar a venda dos seus cativos como uma forma de abolição com indenização. As
consequências destes acontecimentos foram ainda impulsionadas pela pujante
expansão dos cafezais no Sudeste, decorrente, dentre outras coisas, do aumento
das exportações brasileiras. Por outro lado, concomitantemente no ‘sul’, a grande
concentração de escravos preocupava cada vez mais aqueles que advogavam a
continuidade do escravismo. Segundo o autor os debates parlamentares ocorridos
na segunda metade dos anos 1870, evidenciaram a crescente e viva oposição dos
políticos dos ‘sul’ acerca da continuidade das transações interprovinciais de
escravos. O movimento desencadeado pelos parlamentares sulistas culminou com
medidas que tornavam o tráfico entre diferentes províncias proibitivo, em virtude dos
impostos que passaram a recair sobre os cativos que entravam nas províncias do
sudeste. As promulgações destes impostos, ainda foram corroboradas, alguns anos
depois, em 1885, pela lei Saraiva - Cotegipe (Lei dos Sexagenários) que extinguiu
as vendas interprovinciais.
Finalmente, a terceira e última fase aludida por Mello, perpassa os anos
derradeiros do escravismo, 1884-1888. O limite inferior deste intervalo é resultante
da aprovação, por parte da Assembleia Provincial de São Paulo, da primeira verba
para subsidiar a imigração estrangeira162.
Por fim, é importante chamarmos atenção para outro aspecto que influenciou
a dinâmica do tráfico interno de cativos, ao longo da segunda metade dos anos
1860. Trata-se da Guerra do Paraguai. Os autores anteriormente citados, com
exceção de José Flávio Motta, não indicaram, ao longo das suas pesquisas, que a
Guerra do Paraguai tenha ocasionado consequências apreciáveis sobre o tráfico
doméstico de cativos. Não obstante, acreditamos que o impacto da guerra teve a
sua importância. Francisco Doratioto, após examinar correspondências de altos
funcionários do governo espanhol, afirmou que "o aumento da demanda por
162
Segundo Mello: “A grande lavoura nortista dava-se conta, aliás, do fato de que, entre os seus problemas, não se encontrava o da escassez da oferta de mão de obra e de que neste particular, sua situação era oposta à do sul cafeeiro” Evaldo Cabral de Mello, O norte agrário e o Império, 1871-1889. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p.23.
71
escravos [ocasionada pela Guerra do Paraguai – GR] elevou seu preço, e cada
indivíduo era vendido por dois contos de réis no início de 1868, quando poucos
meses antes o valor de venda não era superior a 900 mil réis"163. Segundo este
mesmo autor, o Governo Imperial não apenas concedeu a liberdade aos escravos
da nação que servissem na guerra, como também interferiu no mercado comprando
e desapropriando cativos mediante o pagamento de indenizações aos seus
proprietários. Além disso, "o envio de substitutos para cumprir o serviço militar era, à
época, prática comum (...). No Brasil, particulares foram contratados para substituir
convocados e escravos foram enviados para lutar em nome de seus
proprietários164". Fatos que evidenciam, dentre outras coisas, a difusão da prática de
mandar o escravo fazer a guerra de seus senhores.
Por sua vez, o jornal a Semana Ilustrada corrobora, de forma indireta, a
importância da guerra quando colocou na boca dos escravos comentário acerca da
partida de um batalhão de ‘voluntários’ para o Prata:
Eh! Sê moço!... Eu tá ’spantado
Neste Lio de Zanero:
(...)
Governo fica zangado:
Agora Lope, marvado,
Leva di pau, si siô;
Fica pleto vencedô165.
163
Francisco Fernando Monteoliva Doratioto, Maldita guerra: nova história da guerra do Paraguai. Tal proposição, em parte, é corroborada por algumas escrituras que analisamos no município de Rio Claro. Assim, por exemplo, o escravo Benedito, crioulo de 17 anos, de serviços de roça, foi vendido, em agosto de 1868, por José Manoel Pinto, por 2:000$000, para Thomas Teixeira Pinto, ambos residentes em Rio Claro. Já em setembro de 1868, o escravo Januário, preto de 17 anos, solteiro e com experiência em lavoura foi vendido por José T. Siqueira para José Maria S. também por 2:000$000. Por sua vez, o cativo Pedro – 21 anos, crioulo, pardo, solteiro, natural de Pirassununga, roceiro – foi negociado entre Antonio C. Lobo e Albino A. Cardoso, por intermédio do tráfico intraprovincial, em setembro de 1868, por 1:900$000. Escrituras preservadas pelo 2º cartório de Notas de Rio Claro, em ordem cronológica, primeiro livro dedicado aos negócios com escravos. Ver também: José Flavio Motta, J. F. Op. Cit. 2012. p. 65
164 Idem. p. 65.
165 A Semana Ilustrada foi um jornal carioca fundado em 1860, por Henrique Fleiuss e que teve no
seu quadro de colaboradores, personalidades como: Machado de Assis, Quintino Bocaiuva, Joaquim Manuel de Macedo, Joaquim Nabuco, Bernardo Guimarães e outros. Cf. Nelson Werneck Sodré, História da imprensa no Brasil, Mauad Editora Ltda., 1998, p. 205.
72
Todavia, cabe a pergunta: a diligência de mobilização para as armas poderia
fundar-se no largo uso de escravos?166 Esta pergunta, em parte, é respondida por
outra que ela suscita, qual seja: como equipar, armar e habilitar militarmente cativos
em tal escala sem recear a possível reação decorrente? Além disso, argumentos
que indicam que a maioria dos combatentes eram originalmente escravos encontram
problemas do ponto de vista econômico. Pois, em virtude de diferentes
acontecimentos que indicaremos a frente, o preço do escravo, ao longo da segunda
metade do século XIX, subiu de forma marcante, passando de cerca de 1:500$000
no início dos anos 1860 para 1:800$000 - 2:500$000 no final da década de 1870,
como teremos oportunidade de verificar a frente. Assim sendo, é de se duvidar que
os fazendeiros escravocratas direcionassem parte significativa de seu contingente
de escravos para a guerra. Alguns, segundo Salles, buscavam retribuição
econômica pelo envio de escravos para as linhas de frente. Todavia, não é provável
que esta compensação fosse superior – tratando-se de escravos sadios – aos
possíveis ganhos com a venda do cativo no mercado interno. Além disso, é pouco
plausível que os senhores tenham enfrentado a necessidade de abrir mão, em
escala considerável, de seus escravos para substituir filhos ou parentes próximos
convocados compulsoriamente. Os senhores proprietários de grandes, médios e,
muitas vezes, de pequenos planteis (como era mais corriqueiro) tinham uma
influencia tal sobre as autoridades locais, quando não se confundiam com elas, que
direcionavam o processo de convocação para seus adversários políticos e,
fundamentalmente, para outras classes.
Desta forma, o cativo soldado, a oferta patriótica do senhor, o voluntário de
fato, o substituto, os africanos traficados, após 1850, e os apreendidos pelo governo,
contribuíram com o seu sangue para as barbáries da Guerra do Paraguai. Se a
presença destes contingentes não foi preponderante, certamente foi relevante e
repleta de significados.
*
166
Aqui, colocamos esta pergunta para incorporarmos parte do argumento estruturado por Ricardo Salles em Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do exército. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. Págs. 63-77.
73
Para além destes apontamentos acerca de algumas periodizações relativas
ao tráfico interno de escravos pós-1850, ainda resta esclarecer o recorte temporal
que adotaremos na presente pesquisa.
Inicialmente, vale salientar, que dada a magnitude dos recortes temporais que
indicaremos a seguir, nós não inquiriremos acontecimentos transcorridos nos flashes
do tempo curto, nervoso. Julgamos que as análises circunscritas a períodos
excessivamente curtos fazem com que se perca de vista o tempo de duração
humana com os seus imperativos de medida e coerência167. Confinado pelo curto
tempo, acreditamos que perde o pesquisador “a segurança e a eficácia das
reflexões dilatadas e dos firmes propósitos. [Perde] a medida do possível e do
impossível”168 Buscamos, com os recortes temporais propostos, em contrapartida, a
narrativa e análise das curvas e oscilações que formam um ciclo, que perpassa um
intervalo de tempo à altura de uma explicação em que a história pode se
inscrever169. Ou seja, aqui alvitramos uma história do movimento, da variação da
estrutura ondulante da economia.
Tendo este intento no horizonte, o nosso recorte temporal relativo ao tráfico
interno de escravos, é constituído pelos seguintes extremos: 1861-1887. O limite
superior é decorrente do fim do escravismo e da nossa pesquisa abranger o tráfico
local e intraprovincial170. Já o limite inferior é resultante da maior disponibilidade de
escrituras de compra e venda de escravos a partir de 1861. Esse maior número de
registros, ao que parece, decorreu da vigência do decreto imperial que previa o
lançamento das escrituras de negócios com escravos de valor superior a duzentos
mil-réis em livros de notas específicos para essa finalidade. O Decreto em questão é
o n° 2.699, de 28 de novembro de 1860. O seu terceiro artigo dispunha que “A
escritura pública é da substância de todo e qualquer contrato de compra e venda,
167
Cf. Paul Hugon, Prefácio. In José F. Camargo. Op. Cit. Págs. 3 e 4.
168 Jean Fourastié, Le Grand espoir du XXe siècle. Paris: Presses Universitaires, 1949.
169 Cf. Fernand Braudel, A História e as Ciências Sociais: A Longa Duração. In: Fernando Antonio
Novais & Rogério Silva, (Orgs.) Nova História em Perspectiva. Cosacnaify: São Paulo, 2010. p. 93.
170 Como já indicamos, o tráfico interprovincial foi interrompido em 1881, em virtude de impostos
proibitivos. Esta impossibilidade foi corroborada, em 1885, pela Lei do Sexagenário.
74
troca e dação in solutum de escravos, cujo valor ou preço exceder de 200$000,
qualquer que for o lugar em que tais contratos se celebrarem ou efetuarem”171.
Tal assertiva é corroborada pelos termos de abertura dos livros cartoriais
destinados a registrar a compra e venda de escravos. Em um dos livros que
examinamos em Rio Claro – cronologicamente o primeiro livro pertencente ao
acervo do Segundo Cartório de Notas e Protestos deste município –, lemos, em sua
primeira página, o seguinte escrito: “Servirá este livro para o segundo tabelião,
Thomas Carlos de Mollina, lançar as escrituras de compra e venda de escravos em
conformidade do decreto número 2.699 de 28 de novembro de 1860, art. 3º, § 1°, o
qual vai por mim numerado e rubricado”.
Optamos por segmentar nosso recorte temporal em três momentos, quais
sejam: 1861-1869, 1870-1880 e 1881-1887. Esta periodização justifica-se, pois: (i) A
partir de 1861, há um maior número de escrituras provavelmente em decorrência do
decreto n° 2.699, de 1860; (ii) Em virtude das expectativas e discussões que
antecederam a Lei do Ventre Livre (ou lei Rio Branco) promulgada em 1871; (iii) Em
1881, temos a promulgação dos impostos que tornaram proibitivas as transações
interprovinciais. Por fim, encontramos as últimas escrituras de compra e venda de
escravos, pertencentes ao nosso recorte espacial, em meados de 1887. Ademais,
adotamos essa periodização para termos possibilidade de confrontar os dados por
nós compulsados para esta pesquisa com os dados apresentados por alguns
trabalhos que temos como referência172.
1.5 Núcleo documental
A pergunta que esteve presente quando buscávamos eleger o núcleo
documental desta pesquisa foi: quais documentos podem fornecer grande número
de informações concernentes ao tráfico interno de escravos e, posteriormente, com
171
Coleção de Leis do Império do Brasil. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio. Acesso em: 10/05/2013. Ver também: José Flavio Motta. Op. Cit., 63.
172 Encontramos as últimas escrituras registradas nos município de Rio Claro em 17/04/1887, Araras
em 1883 e Araraquara em 16/7/1887.
75
o desenrolar de nossas investigações, nos permitir compararmos a dinâmica desse
comércio em diferentes municípios/áreas?
Tendo em vista estas perguntas, percorremos parte da bibliografia que
perpassa o nosso tema procurando referências que pudessem nos ajudar. Após
concluirmos algumas leituras elegemos como núcleo documental parte dos acervos
preservados pelos cartórios de notas e protestos.
As pesquisas de história econômica e social, na Europa, nos Estados Unidos
e na América Latina, não por acaso, ao longo das últimas décadas, têm utilizado e
valorizado cada vez mais as escrituras que formam os livros de notas ou similares.
Dentre os muitos documentos que conformam os arquivos notariais, há grande
volume de manuscritos sobre a escravidão que, diga-se de passagem, escaparam
da promulgação de 14 de dezembro de Rui Barbosa173. Vale frisarmos que além
deste núcleo documental ainda encontram-se disponíveis para os pesquisadores
interessados na escravidão: testamentos e inventários post-mortem, matrículas de
escravos, censos populacionais, arrolamentos de emancipação de escravos,
registros tributários, registros paroquiais diversos, anúncios de jornal, registros
judiciários e policiais, listas nominativas de habitantes etc. Talvez, dentre os arquivos
e coleções de documentos que versam sobre a escravidão e o colonato, os códices
encontrados sobre a guarda dos tabeliães municipais, constituam um dos escóis
documentais mais relevantes174.
Tendo este núcleo documental em vista, optamos pela compilação e análise
dos diversos dados presentes em parte das escrituras cartoriais, que formam, por
173
Em 14 de dezembro de 1890, Rui Barbosa, então Ministro da Fazenda, requisitou “de todas as tesourarias da Fazenda todos os papeis, livros e documentos existentes nas repartições do Ministério da Fazenda, relativas ao elemento servil, matricula dos escravos, dos ingênuos, filhos livres de mulheres escravas e libertos sexagenários”. Rui exigiu a remessa desses documentos ao Rio de Janeiro para serem incinerados. Contudo, esta promulgação, não teve a eficácia esperada pelo ministro, pois a despeito de ter acarretado a destruição sistemática de certos tipos de documentos provenientes das repartições da Fazenda (por exemplo, as matriculas dos escravos de 1872-73 e 1886-87) não alcançou as cópias desses mesmos documentos, que foram arquivados nos cartórios. Robert W. Slenes, Escravos, cartórios e desburocratização: o que Rui Barbosa não queimou sorá destruído agora? Revista Brasileira de História. São Paulo, V. 5, N. 10. Pp. 166-196. 1985. p. 167. Ver também: Robert W. Slenes. O que Rui Barbosa não queimou: novas fontes para o estudo da escravidão no século XIX. Estudos Econômicos Jan./abr. 1983. Págs. 117-149. A citação de Rui Barbosa é decorrente da portaria publicada no Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil, 18/12/1890, p. 5.845. In. Idem. p. 167.
174 Cf. Robert W. Slenes. Op. Cit. Estudos Econômicos Jan./abr. 1983. Págs. 117-149.
76
um lado, os livros de notas que registraram exclusivamente as compras e vendas de
escravos, a partir de 1861, e, por outro, os livros de notas gerais que também
evidenciam transações envolvendo escravos.
Esses livros constituíam a única forma de registro público existente à época;
assim sendo, neles, encontramos, além dos documentos mencionados, escrituras
dos mais variados tipos, tais como: compra e venda de imóveis urbanos e rurais,
doações, cessão de crédito (destacadamente hipotecário), escrituras de compra e
venda de café, empreitadas de construção de prédios e casas na cidade, atas de
eleições, testamentos, adoção de menores, reconhecimento de paternidade,
liquidação de débitos, reconhecimento de dívidas, contratos de formação de
sociedades agrícolas ou industriais, venda de heranças etc.175.
Apontamentos sobre as escrituras de compra e venda de escravos:
Trabalhamos com essas escrituras com o objetivo de estudar os contornos
mais marcantes do comércio interno de cativos, no Império do Brasil, nas três
últimas décadas de vigência da escravidão, tendo como pano de fundo o movimento
de expansão da lavoura cafeeira pela Província de São Paulo.
As fontes notariais distinguem-se pela sua funcionalidade, qual seja, de
documento oficial, regulamentário, interessado em atender as normativas jurídicas e
leis promulgadas. Destarte, esses documentos se caracterizam por certas estruturas
recorrentes, por um padrão de linguagem e pela mediação da pena do escrivão ou
tabelião. A despeito do caráter oficial, esses códices permitem a recuperação de
aspectos socioeconômicos da dinâmica do mercado interno de escravos, ao longo
das derradeiras décadas do Brasil Império.
A consideração das escrituras de compra e venda de escravos permitem
recuperar um precioso conjunto de informações sabre o tráfico de seres humanos.
Dentre outros aspectos, encontramos nesses documentos: (i) a data da transação;
(ii) os nomes do vendedor, do comprador e do escravo comerciado; (iii) a idade do
175
Ver, por exemplo, Rogério Naques Faleiros, Op. Cit. 2010.
77
escravo; (iv) a cor do cativo; (v) o preço da transação; (vi) o lugar de origem do
escravo (o que permite identificar se o tráfico foi intraprovincial ou interprovincial
etc.); (vii) o uso do escravo (lavoura, serviço doméstico, pedreiro etc.), (viii) a
identificação se o escravo era casado, solteiro, viúvo.
Sempre que disponíveis e legíveis, coletamos as informações constantes nas
escrituras mencionadas, registradas nas localidades selecionadas, num intervalo de
tempo comum: 1861-1887. Nestes anos, já descartada, desde meados do século
dezenove, a possibilidade de contar com o tráfico negreiro transatlântico, a
expansão cafeeira e o comércio interno de cativos enfrentaram diversas
dificuldades, a exemplo, da promulgação da Lei do Ventre Livre(1871) e da Lei do
Sexagenários(1885) bem como do impacto causado pela promulgação de impostos
restritivos, incidentes sobre certos ramos daquele comércio.
*
Assumimos, neste estudo, que nosso núcleo documental é incapaz de
apreender toda a mão de obra arregimentada nos marcos da periodização proposta.
Pois, de um lado, muitos escravos, provavelmente, foram vendidos, por meio das
três modalidades de tráfico, sem que estas transações tivessem sido registradas em
cartório, sendo necessário para reconstruir documentalmente, ao menos parte dessa
fatia do tráfico interno de escravos, o acesso a diversos núcleos de documentação
privados, pertencentes às fazendas mais relevantes dos municípios investigados. No
entanto, isso não foi possível, seja pela envergadura do trabalho envolvido neste
processo, seja pelo fato de que muitos dos antigos códices e demais documentos
relevantes se perderam ao longo do tempo. Além disso, acreditamos que uma
quantidade incomensurável de relações de trabalho foram acordadas verbalmente,
não deixaram registro.
Mesmo com esta ressalva em vista, acreditamos – em função da metodologia
adotada e dos resultados obtidos – que o núcleo documental que possibilitou esta
pesquisa é apropriado à investigação da problemática proposta.
78
79
CAPÍTULO II - Expansão cafeeira e o tráfico interno de escravos
1. Expansão da fronteira do café
A produção de café no Brasil se firma nos anos trinta do século XIX. Após um
período relativamente curto, este gênero passa a ocupar lugar de destaque no
âmbito da “indústria agrícola” brasileira, “fonte principal e opulentíssima da riqueza
pública e privada no Império”176 que “põe, em grande parte, na lavra da terra, a
segurança de sua fortuna e dos grandiosos destinos a que pode aspirar”177.
O Visconde de Mont’alegre, Ministro e Secretário dos Negócios do Império,
assim descreveu, em 1852, a situação da agricultura em geral e a do café em
particular: “a agricultura continua a lutar com a dificuldade dos meios de transporte,
com a falta de braços e com a de instrumentos e máquinas que os supra; conserva-
se pois estacionária, ou pelo menos é tão lento o seu progresso que mal se
percebe”. Com relação ao café: “desta regra só são excetuadas algumas antigas
produções do país, aliais mui importantes, como é, por exemplo, o café, que
visivelmente prospera”178. Por sua vez, no relatório da Repartição dos Negócios da
Agricultura Commercio e Obras Publicas, de 1862, o café aparece como “um dos
nossos mais importantes ramos da indústria agrícola"179. Já no ano imediatamente
subsequente, as considerações presentes no balanço desta mesma Repartição
apontam que os cafeeiros tornaram-se, inquestionavelmente, “o mais importante
ramo da nossa lavoura180”.
176
Brasil. Relatório do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Publica apresentado à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro, 1874. p. 9.
177 Idem. 1875. p. 10.
178 Brasil, Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa, pelo Ministro e Secretário d’Estado
dos Negócios do Império, Visconde de Mont’alegre. Rio de Janeiro: Typografia nacional, 1852. p. 13.
179 Idem. 1862. p. 4.
180 Idem. 1863. p. 5. O caso brasileiro destaca-se pelo ingresso tardio na produção nas Américas,
pela rapidez com que o café brasileiro dominou a produção mundial e pelo grau de concentração
80
Para além das assertivas presentes nos relatórios citados, segundo Renato
Leite Marcondes,
já em 1836, o café conformou mais da metade das exportações
do Rio de Janeiro. Algumas décadas depois, o porto do Rio
tornou-se quase exclusivamente do café. Em 1872-73, o café
representou 94,5% do valor total dos gêneros nacionais
embarcados na corte para o exterior e 77,7% das exportações
paulistas. Os destinos destas exportações foram diversos: os
EUA receberam 51,8% dos embarques cariocas e apenas
9,5% dos paulistas. A Alemanha, em contrapartida, recebeu
8,0% do café exportado por meio do porto do Rio e 42,6% do
enviado a partir de São Paulo. O Reino Unido importou 42,6%
do café que demandava de São Paulo e somente 8,0% do
Rio181.
Destarte, desde os anos 1830 a produção cafeeira e as atividades correlatas
tornaram-se o centro da modernização capitalista no Brasil.182 A partir daí, “a
fisionomia da sociedade nacional passou a ser determinada pela preponderância da
cafeicultura”183.
regional dos cafezais. Em uma trajetória inversa a do açúcar, o Brasil apreendeu com as Antilhas a cultivar café. Os cafeicultores do Rio de Janeiro absorveram primeiro de São Domingos e depois de Cuba as técnicas de produção em escala comercial. A combinação da crise criada pela eliminação de São Domingos com o aumento pós 1815 da demanda da Europa e América do Norte gerou a alta de preços que finalmente levou a indústria a sua fase madura. Luna e Klein. Escravismo no Brasil, São Paulo, Edusp, 2010. p. 105.
181 Renato Leite Marcondes, Diverso e desigual: o Brasil escravista na década de 1870. São Paulo:
FUNPEC-Ed., 2009. p. 84
182 Cf. Sergio Silva, Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1986,
p. 43. Brasil, Estatísticas históricas do Brasil: series econômicas, demográficas e sociais. IBGE, 1990. p. 350.
183 Octavio Ianni, O progresso econômico e o trabalho livre. In. História Geral da Civilização Brasileira.
Tombo II, Livro 5. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
81
Inicialmente, “a civilização do café” se estendeu pelo Vale do Paraíba
fluminense e paulista, assim sendo, ocupou a porção ocidental da Província do Rio
de Janeiro e, em seguida, o chamado Norte paulista, extensão da área cafeeira
fluminense, economicamente mais dependente da Corte do que da capital
paulista184. A antiga facilidade de obter escravos e a continua possibilidade de
arranjar terras, multiplicou os estabelecimentos rurais.
Continuando a sua marcha ascendente, fundada na incorporação de amplos
espaços, terras públicas ou não, houve expansão dos cafezais na Província de
Minas Gerais (zona da mata e Sul do Estado) e Espírito Santo, ao mesmo tempo em
que a produção se consolidou no interior de São Paulo. Nos anos iniciais da década
de 1860, os cafezais avançaram pela Mantiqueira paulista (Mococa, Pardo, Atibaia e
Bragança Paulista) e estabeleceram contato com os arbustos que vinham do Sul de
Minas Gerais.185Assim sendo, “o Sul de Minas e a Zona da Mata, combinando-se
com o Rio e a seguir, São Paulo e Espírito Santo, iriam integrar extenso bolsão
agrícola, fundado na lavoura cafeeira”186.
No âmbito da miscelânea cafeeira, a coexistência de diferentes atividades
principiou no interior das próprias fazendas de café, com o cultivo de cereais e
legumes nas ruas dos cafezais, sobretudo durante os primeiros anos dos cafeeiros,
e em áreas destinadas especificamente para este fim. Ademais, a gama de bens
demandados pela economia cafeeira “compreendeu desde gêneros importados do
exterior a, por exemplo, açúcar nordestino, charque gaúcho e toucinho e tecidos de
algodão de Minas Gerais.187”.
184
Em 1835, o Rio de Janeiro produziu 1 milhão de sacas de 60 Kg. Por sua vez, em 1840, 1870 e 1882 produziu, respectivamente, 1,5, 1,8 e 2,6 milhões de sacas. A partir daí, a sua produção minorou significativamente. Cf. Roberto C. Simonsen, Evolução industrial do Brasil e outros estudos. São Paulo: Nacional e EDUSP, 1973. p. 189. A produção paulista de café, por sua vez, representava, no início da década de 1870, 16% da produção brasileira, a partir deste momento vivencia grande expansão, chegando, em 1875, a ¼ da produção nacional e cerca de dez anos depois atingiu 40% desta produção.
185 Cf. Caio Prado Junior, História Econômica do Brasil. (São Paulo: Editora Brasiliense, 2006); Emília
Viotti da Costa. Da Senzala à Colônia. (São Paulo: Unesp, 1998); Furtado. Formação econômica do Brasil. (São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1972), 113.
186 Antonio Barros de Castro, 7 ensaios sobre economia brasileira. Rio de Janeiro: Forense
Universitária. 1975, Vol. II. p. 36.
187 Renato Leite Marcondes. Diverso e Desigual... Op. Cit. p. 90.
82
A partir dos dados colhidos nos recenseamentos oficiais de 1836 e 1920, nos
relatórios provinciais de 1854 e 1886 e no Boletim da Secretaria de Agricultura de
1935, Sérgio Milliet desenha o caminho percorrido pelo café em São Paulo, de tal
forma a “idear um mapa geral, suscetível de mostrar num golpe de vista o esquema
da ordem cronológico da invasão do café”188. A partir do mapa que reproduzimos
abaixo, Milliet conclui que o roteiro do café foi pautado por dois aspectos
peremptórios: evitar o clima desfavorável abaixo da linha do trópico e buscar,
ininterruptamente, a terra virgem das grandes florestas do Oeste. O Oeste de São
Paulo, segundo o autor, “é o ponto cardeal do agricultor, o horizonte para o qual ele
se dirige e que recua sempre e sempre até perder-se no Norte do Paraná”189.
Mapa 1
Com o espraiamento dos “pioneiros e plantadores de São Paulo” para Itu,
Campinas e as áreas mais a oeste190, o território paulista passou a vivenciar novos
tempos. Nestas áreas o cafeeiro foi introduzido, em parte, para substituir a produção
marginal de açúcar que aí se processava. A extinção do tráfico transatlântico de
188
Sérgio Milliet, Op. Cit. 1939. p. 19.
189 Idem. 19
190 Esta região do interior paulista não corresponde propriamente ao Oeste geográfico. Na verdade
ela compreende as áreas que foram cortadas pela linha férrea da Companhia Paulista e pela Estrada de Ferro Mogiana. Assim sendo, por um lado, corresponde à área que vai de Campinas a Araraquara e Catanduva, passando por Rio Claro e São Carlos e, por outro, a zona que se estende de Campinas a Ribeirão Preto, passando por Pirassununga e Casa Branca.
83
escravos contribuiu para os fazendeiros desviarem para a produção mais rendosa os
braços anteriormente empregados no plantio e beneficiamento do açúcar. Tal como
observou a professora Alice Canabrava:
“A economia cafeeira não apenas se apropriou das
características estruturais e de funcionamento herdadas da
açucareira assim como as superou. Pode-se dizer que a
transição da cultura da cana para a do café, iniciada nos anos
1830, consolidou-se nas décadas de 1850 e 1860”191.
O estudo, realizado em 1860, por Sebastião Ferreira Soares corrobora a
proposição de Canabrava ao afirmar que em 1854, já haviam sido desmontados, no
município de Campinas, 44 engenhos de cana para que os escravos fossem
direcionados às novas lavouras do café192.
Acompanhando o alargamento dos cafezais, às vezes à sua frente, às vezes
seguindo o seu rastro, atenuando os problemas do uso extensivo da terra e do
consequente afastamento das áreas produtivas dos centros de distribuição,
estendiam-se as ferrovias que possibilitavam à locomotiva dilatar a fronteira agrícola,
tornando as terras do Oeste Paulista economicamente abertas. Como nos diz um
dos Relatórios do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura: as
linhas férreas fizeram o papel “da mensageira dileta da civilização moderna
invadindo os sertões; eliminando para o esforço do agricultor laborioso e
perseverante, as distâncias; abrindo prospero mercado ao fruto do trabalho até
191
Cf. Alice P Canabrava, “Esboço da história econômica de São Paulo”. In: Ernani Silva Bruno, (org.), São Paulo Terra e Povo. Porto Alegre: Globo, 1967. Ver também: Maria Thereza Schorer Petrone, A lavoura canavieira em São Paulo: expansão e declínio (1765-1851). São Paulo, Difusão Europeia do Livro, 1968. João Manuel Cardoso de Mello enfatiza que: “Inúmeras fazendas de café foram organizadas com capitais transferidos diretamente do setor mercantil (comércio de mulas, capital usurário urbano, tráfico de escravos etc.)” João Manuel Cardoso de Mello, Op. Cit. p. 54.
192 Sebastião Ferreira Soares, Notas Estatísticas sobre a produção agrícola e carestia dos gêneros
alimentícios no Império do Brasil. Citado por Holanda, Sérgio Buarque. São Paulo. HGCB. Tombo II, Vol. 4. O Brasil monárquico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. Vale notarmos que, segundo Warren Dean, “enquanto durou o ciclo do açúcar, os escravos de Rio Claro eram (...) herdados dos pais, ou emprestado por parentes, ou talvez transferidos de outras propriedades que possuíam. As compras de escravos eram raras e ocasionais, às vezes apenas de um ou dois ao mesmo tempo; em geral os vendedores eram fazendeiros de municípios mais para o interior, onde as perspectivas para a cultura canavieira eram menos promissoras. Até o início do comércio de café, esse processo irregular foi suficiente.” Warren Dean. Op. Cit., p. 65.
84
ontem quase inútil e dando alento aos ousados que se adiantam nas ásperas
brenhas e remotos baldios”193. Quando as ferrovias ficavam aquém do progresso
dos cafeeiros, além dos “ruinosos efeitos ocasionados pelas dificuldades das
comunicações”, várias áreas ficavam ‘desocupadas’, “e, portanto, sem valor, os
tesouros escondidos no seio da terra, a riqueza das florestas imensas, a fertilidade
sem par do solo”. (...) “A consequência é ver-se a agricultura reduzida a uma estrita
zona”. Daí em diante, as plantações limitam-se “ao estritamente necessário para o
consumo local”194.
Tal como pontuou Maria Helena P. T. Machado, o papel de “mensageira dileta
da civilização moderna” também decorre de a ferrovia possibilitar aos seus operários
e escravos que circulavam por ela espalhar novas ideias, fatos e opiniões oralmente
e por meio de jornais e panfletos, em volume até então inédito. Além disso, o trem
possibilitou a expansão do horizonte geográfico, aproximou grupos distantes e,
juntamente com as estações, abrigou – muitas vezes com a anuência e incentivo
dos operários ferroviários – as articulações dos abolicionistas. “Assim, também, as
conspirações de escravos podiam, a partir daí, difundir-se na velocidade dos
trens”195.
A famosa São Paulo Railway – executada por Daniel Makinson Fox e
concluída em 1867, ligou o bairro do Valongo, em Santos, a Jundiaí – não foi uma
das desbravadoras, pois a região por ela cortada já era ocupada. Todavia, a maior
parte das outras estradas de ferro, destacadamente a Paulista, a Mogiana e a
Sorocabana, cumpriram este designo. À medida que os trilhos se prolongaram, os
cafezais foram invadindo terras virgens.
Há que lembrar, ademais, que o papel destas ferrovias não se restringiu à
expansão da fronteira paulista Oeste adentro. A diminuição dos custos relativos aos
transportes, antes feito por tropas de mulas, foi fundamental. Com a expansão das
ferrovias pela Paulista, Mogiana etc., os custos de transporte do café passaram a
corresponder a cerca de 20% do preço da saca exportada. O que representou,
193
Brasil, Relatório do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas apresentado à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro, 1974. p. 9.
194 Idem. 1970. p. 5-6.
195 Maria Helena P. T. Machado. Op. Cit. p. 92.
85
segundo Wilson Cano, uma diminuição dos custos cafeeiros em torno de 20% dos
preços de exportação196. Além disso, a ferrovia possibilitou maior produtividade,
visto que a produção das fazendas mais afastadas era recolhida a tempo e a perda
durante o transporte diminuiu substancialmente.
*
Os últimos vinte anos do Império marcaram os divergentes destinos do Vale
do Paraíba e Oeste Paulista. Enquanto a primeira área declinava, com exceção de
certas frentes ainda passíveis de expansão (destacadamente a região de Cantagalo)
a segunda continuava, reiteradamente, alargando grandemente suas fronteiras.
Nestas duas frentes a agricultura extensiva e predatória era a norma. Prevalecia, “as
grandes derrubadas das matas virgens para as grandes plantações197”. Contudo,
enquanto no Vale as terras escasseavam198, nas zonas novas havia léguas e léguas
de terras públicas passíveis – “apesar da solicitude com que o Governo tem
procurado dar execução à Lei n. 601, de 18 de Setembro de 1850199” – de serem
invadidas por inúmeros posseiros200. Alguns desses invasores, vale notarmos,
“cultivavam com proveito a parte de que se haviam apossado; outros, porém,
mostraram apenas desejo de se assenhorar-se de grandes porções de terrenos do
Estado”201.
196
Wilson Cano, Raízes da concentração industrial em São Paulo, São Paulo: T.A. Queiroz. p. 34.
197 Idem. 1862. Págs. 5-6.
198 E como era de se esperar, a acentuação da escassez de terras aproveitáveis para o cultivo de
cafeeiros, elevou muito os custos de ampliação da capacidade produtiva. De acordo com Emília Viotti da Costa, em Vassouras, “o preço do alqueire de terras virgens passara nessa região de 450$000 a um conto de reis, enquanto o preço da terra já aproveitada para pastos (...) oscilava entre cinquenta e cento e cinquenta mil réis o alqueire”. Emília Viotti da Costa, Op. Cit. p. 221.
199 Brasil, Relatório do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e
Obras Publicas apresentado à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro, 1877. p. 18.
200 Tal como Fragoso afirmou, “o paulista tinha diante de si uma fronteira aberta para a expansão de
sua agricultura extensiva, o que não ocorria no médio vale do Paraíba do Sul”. João Luiz Fragoso, O império escravista e a republica dos plantadores. Economia brasileira do século XIX: mais do que uma plantation escravista exportadora. In. Maria Yeda Linhares, (Org.) História geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campos, 1990.
201 Brasil, Relatório do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e
Obras Publicas apresentado à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro, 1862. p. 6. Novamente segundo o Relatório deste mesmo Ministério, de 1877, lemos nas páginas 18 e 19: “a discriminação
86
Podemos apontar a Lei de Terras como um dos fatores centrais que garantiu
a expansão do complexo cafeeiro. Esta promulgação ia ao encontro dos interesses
dos agentes que organizavam este complexo, pois estava diretamente relacionada
ao ‘problema nacional básico’: disponibilidade de braços para a lavoura. A
promulgação pautou-se pela suposição da necessidade do ‘cativeiro da terra’, pois
caso contrário não seria viável a obtenção de mão de obra outra que não a escrava.
Deste modo, o direcionamento de trabalhadores livres para a lavoura, ocorreria por
meio da imposição de barreiras à constituição da propriedade privada por este
grupo, “os forçando a trabalhar nas fazendas. Portanto, os tradicionais meios de
acesso a terra [do pequeno produtor - GR] – ocupação, forma de arrendamento,
meação – seriam proscritos.”202
Existe certo entendimento na história econômica – tal como afirma a
professora Ligia Osorio Silva – de que o acesso a novas porções de terra foi
essencial para o sucesso da economia cafeeira, já que consentia a diminuição dos
custos monetários e alargava a possibilidade de acumulação dos fazendeiros e
demais agentes vinculados à dinâmica deste complexo, mesmo em um contexto de
alta significativa do preço dos escravos e das parcelas de terras, ainda passíveis de
serem ocupadas pelo café, nas áreas mais antigas. Por conseguinte, importa
observarmos que a continua incorporação de terras pelos plantadores pioneiros
funcionou – aliada à expansão das ferrovias e crescente incorporação das máquinas
de beneficiamento – como contra tendência a uma possível expansão com margem
decrescente de lucro. Além disso, a marcha da fronteira era essencial, pois
possibilitava a manutenção do elevado grau de exploração do trabalho neste
complexo203.
da terra do domínio particular das do domínio publico, indispensável ao preenchimento dos fins da Lei de 1850, está ainda por fazer, tendo encontrado embaraços notoriamente conhecidos (...). As terras públicas têm continuado a serem invadidas depois do Regulamento de 30 de janeiro de 1854; e, não obstante as sucessivas prorrogações do prazo fixado aos posseiros, sesmeiros e outros concessionário para legitimação das posses e revalidação das concessões, são raros os que hão cumprido este dever, sem dúvida por confiarem os infratores que graves interesses da ordem pública não aconselham a rigorosa aplicação das disposições legais. O que d’aqui resulta é que a Lei das terras tem se tornado quase letra morta em vários pontos”.
202 Emília Viotti da Costa, Da monarquia à república: momentos decisivos. São Paulo: Grijalbo, 1977.
p. 133. Ver também: José de Souza Martins. O Cativeiro da Terra, Op. Cit. e, sobretudo, Ligia Osorio Silva. Terras devolutas e latifúndios. Op. Cit.
203 Cf., por exemplo, Rogério Naques Faleiros Op. Cit. 2010.
87
Por meio da Carta da Província de S. Paulo204, datada provavelmente de
meados da década de 1870, em virtude da extensão das ferrovias indicadas,
podemos vislumbrar, parcialmente, a vastidão das terras ainda sujeitas à invasão, às
vezes chamadas, tal como aparece no mapa, de ‘terrenos desconhecidos’.
Mapa 2
Carta da Província de S. Paulo
Como resultado da escassez de terras, nas áreas de ocupação mais antiga
no Vale do Paraíba, prevaleceu, em virtude do empobrecimento e erosão do solo,
“rendimentos decrescentes, enfraquecimento das plantas, aparecimento de pragas
destruidoras, abandono sucessivo das culturas e rarefação demográfica”205. Este
processo assumiu tal gravidade que desde o principio dos anos 1860, os relatórios
anuais do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, traziam uma sessão
inteiramente dedicada à “moléstia dos cafeeiros”. Ao longo das páginas desta seção
do mencionado relatório, encontramos o relato de algumas comissões encarregadas
de estudar e propor soluções para o mal que acometia os cafezais e a descrição da
continua evolução deste devastador achaque.
204
Jules Martin, Carta da Província de São Paulo. Citado por: A. J. Cavenaghi, Anais do Museu Paulista, São Paulo, Vol. 14, n. 1 pp. 195-241.
205 Chiara Vangelista. Os braços da lavoura: imigrantes e caipiras na formação do mercado de
trabalho paulista (1850-1930). (São Paulo: Hucitec/Instituto Italiano de Cultura, 1991), 23.
88
A diminuição da produtividade dos cafezais do Vale era notória. Os
municípios de Taubaté e Bananal, em 1855, – de acordo com o documento que José
Antonio Saraiva, presidente da Província de São Paulo, instruiu o relatório da
abertura da Assembleia Legislativa Provincial, ocorrida aos 15 dias do mês de
Fevereiro daquele ano – eram os principais produtores de café da Província
(Bananal: 555 mil arrobas; Taubaté: 355 mil arrobas) e possuíam, respectivamente,
o terceiro e primeiro maior contingente de escravos de São Paulo206. Entretanto,
Taubaté, em 1886, 1905 e 1920, produziu, respectivamente, 300, 225 e 146 mil
arrobas. Bananal, por sua vez, nos dois últimos anos indicados, forneceu 54 e 24 mil
arrobas207.
Além dos relatórios do Ministério da Agricultura, há muitos outros documentos
e escritos que evidenciam a perda de dinamismo do Vale do Paraíba e o modo
destrutivo como ocorre a expansão da fronteira agrícola ou das “frentes pioneiras”,
como propôs o geógrafo Leo Weibel. Podemos acompanhar este processo, em
grandes linhas, por meio de duas marcantes passagens. Uma escrita pelo promotor
público de Areias, Monteiro Lobato, e outra oriunda do texto, publicado pelo IBGE,
intitulado O Brasil, Suas Riquezas Naturais, Suas Indústrias, escrito em 1907.
Segundo Lobato:
A quem em nossa terra percorre tais e tais zonas, vivas
outrora, hoje mortas, ou em vias disso, tolhidas de insanável
caquexia (...) [decorrente do esvaziamento da - GR] uberdade
nativa do solo. Mal a uberdade se esvai, pela reiterada sucção
de uma seiva não recomposta, como no velho mundo, pelo
adubo, o desenvolvimento da zona esmorece, foge dela o
206
Documento que ilustríssimo e excelentíssimo senhor Dr. José Antonio Saraiva, presidente da Província de São Paulo, instruiu o relatório da abertura da Assembleia Legislativa Provincial, aos 15 dias do mês de Fevereiro de 1855. No ano deste relatório, o número de escravos destes municípios era: 7.622, em Bananal e 4.345, em Taubaté.
207 José Francisco de Camargo, Crescimento Populacional no Estado de São Paulo e seus Aspectos
Econômicos. Ensaio Sobre a Relação Entre Demografia e Economia. Boletim N. 153 Economia Política e História das Doutrinas Econômicas. São Paulo USP – 1952. P. 71. Para o Vale do Paraíba, ver, dentre outros: Alves Mota Sobrinho, A Civilização do Café. São Paulo: Brasiliense, 1978; Ricardo Salles. E o Vale era o escravo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
89
capital – e com ele os homens fortes, aptos para o trabalho. E
lentamente cai a tapera nas almas e nas coisas. Em São Paulo
temos perfeito exemplo disso na depressão profunda que
entorpece boa parte do chamado Norte. Ali tudo foi, nada é.
Não se conjugam verbos no presente. Tudo é pretérito. Umas
tantas cidades moribundas arrastam um viver decrépito, gasto
em chorar na mesquinhez de hoje as saudosas grandezas de
dantes208.
Por sua vez, de acordo com o texto O Brasil, Suas Riquezas Naturais...:
Ate hoje, porém, a regra tem sido a lucta, sem tregoas, entre o
cafezal e a floresta. Para cada cafezal que se pretende formar,
penetram, desapiedados, o machado e o fogo na verdejante
floresta, por sobre as ruinas da qual surge aquelle, em seguida,
contrastando o seu viço e belleza com os despojos
encarquilhados desta, symbolos sinistros da imprevidência
humana. E assim, graças a este processo, inevitável, sem
duvida, a principio, mas hoje nem sempre justificado, vai a
lavoura cafeeira cumprindo um triste fadário: para a frente
levando a destruição e a morte a essas riquezas maravilhosas,
que são o orgulho das regiões tropicaes; para traz, deixando a
pobresa e a desolação nessas velhas lavouras exhaustas,
onde os arbustos remanescentes mostram nos troncos
carcomidos, nos ramos semi-nús, nas folhas amarellecidas, a
miseria physiologica, a fome dos alimentos que o esgotado
terreno não mais pode lhes dar209.
208
E, mais a frente, Lobato continua a montar este cenário que chamou de decrépito: “Léguas a fio se sucedem de morraria ásperas, onde reinam soberanos a saúva e seus aliados, o sape e a samambaia”. Monteiro Lobato, Op. Cit. p. 21.
209 IBGE, Séries Estatísticas Retrospectivas. O Brasil, Suas Riquezas Naturais, Suas Indústrias. Vol.
2. Rio de Janeiro, 1986. Original publicado em 1908.
90
As distintas dinâmicas observadas nestas duas vastas áreas paulistas
também foram decorrentes, como sabemos, do arcabouço produtivo das fazendas.
A organização da cafeicultura no Planalto Paulista foi, em grande medida, pautada
pelo que poderíamos chamar de um novo paradigma tecnológico. Este se traduziu
em novas formas de cultivo, beneficiamento e armazenagem do café.
Enquanto a produção do Oeste Paulista vivenciava novos tempos, a do Vale
do Paraíba continuava sendo, sobretudo nas zonas de ocupação mais antigas,
estruturada por técnicas rudimentares que, mais cedo ou mais tarde, acarretavam a
erosão dos terrenos com cafeeiros plantados em linhas retas, perpendicularmente
às encostas. Além da forma de plantio, no Vale eram rudimentares as técnicas de
secagem e armazenamento. O café era seco em espaços de terra batida,
construídos sem as devidas preocupações com a drenagem das águas das chuvas.
Por sua vez, o maquinário elementar (engenho de pilão e despolpadores), movido
pelo braço escravo, por bois ou pela força hidráulica, destinado ao beneficiamento
contribuía para a um resultado final de baixa qualidade.
Em contrapartida, desde o último quartel do XIX, em Campinas e em diversas
outras localidades do ‘Oeste’, os cafeeiros passaram a ser cultivados respeitando-se
as curvas de nível o que minimizava os efeitos das enxurradas. Além disso, a área
que se abre em leque a partir de Campinas trata-se de uma região menos
montanhosa, com grandes extensões de terra roxa e com cafeeiros de menor idade,
o que possibilitava índices de produtividade cerca cinco vezes maiores do que os
verificado na ‘Zona Norte’, tal como Wilson Cano deduziu dos dados apresentados
por Simonsen210.
Também importa destacar, que as fazendas de café desta região operavam
com uma estrutura produtiva mais moderna. A produtividade destas empresas
agrícolas aumentou substancialmente, pois, por um lado, contavam com terreiros de
secagem de tijolos e cimento ‘Portland’, que minoravam os problemas decorrentes
das chuvas211 e, por outro, em virtude do maior volume de capital investido nas
fazendas e dos melhoramentos oriundos da segunda Revolução Industrial, que
210
Wilson Cano, A concentração... Op. CIt. p. 32.
211 O café não se misturava com a terra, a drenagem e evaporação eram mais eficientes, além de ser
possível aproveitar os dias de sol entre dias de chuva.
91
possibilitaram máquinas de beneficiamento (despolpadores, estufas de secagem,
ventiladores, brunidores – utilizados para o polimento dos grãos –, e
separadores/classificadores etc.), substancialmente mais eficientes e produtivas,
além do uso mais difundido do arado e da máquina carpideira212. Esta nova
organização das unidades produtoras teve, como uma de suas consequências
centrais, a maior intensidade do trabalho escravo. No Vale do Paraíba, um escravo
chegava a cuidar de um volume de cafeeiros cerca de quatro vezes maior do que no
Oeste Paulista, fato este que implicava, como nota Sérgio Buarque de Holanda,
menor zelo com os cafeeiros e, por conseguinte, menor produtividade213.
Taunay fez algumas assertivas acerca da redução dos custos da produção do
café em função da utilização dessas máquinas. Por volta dos anos 1870, segundo
Wilson Cano, Taunay deu a entender que se reduziram os custos, em montante
equivalente a 10% dos preços de exportação. Já na década de 1880 – período em
que se acentua a crise do escravismo e a transição para o trabalho livre como
resultado da utilização de máquinas mais arrojadas, as quais permitiam um produto
consideravelmente melhor –, a diferença de preço foi 33% maior em relação aos
‘cafés de terreiro’214.
Sem dúvida, a expansão agrícola de São Paulo, a partir do início da segunda
metade do século XIX, foi um dos mais expressivos acontecimentos da história
econômica do Brasil. Ao longo do Oitocentos o café figurou como o principal produto
de exportação paulista. Paralelamente, o algodão ocupou espaço crescente na
pauta de exportação de São Paulo, principalmente, após 1850 e da Guerra Civil
Norte-Americana – este produto conformou 22,2% das exportações provinciais, em
1872-1873. A admirável evolução das exportações paulistas ilustra o aquecimento
econômico da região. De pouco mais de 3 mil contos de réis em 1854-55, saltou
para 28 mil contos de réis aproximadamente, em 1874-75. Neste intervalo, a
212
Cf. Rogério Naques Faleiros, 2011. Op. Cit. pp. 77 e 78.
213 Sérgio Buarque de Holanda, Op. Cit. 2004.
214 Wilson Cano, A concentração... Op. Cit. p. 32.
92
participação de São Paulo nas exportações do Império aumentou de 3,9% para
13,5%215.
O Oeste da Província de São Paulo, que fora um território relativamente
marginalizado, com escassas vias de comunicação adequadas e com parca
população economicamente ativa, se transformou no centro dinâmico da economia
brasileira.216 Em virtude da expansão dos seus cafezais, a Província assumiu o
primeiro lugar na produção brasileira de café, superando Minas Gerais (1881) e a
Província do Rio de Janeiro (1889).Neste momento, o espaço geográfico “que se
abre em leque desde Campinas para o Noroeste, alcançando Rio Claro e se
estendendo até Bauru e Ribeirão Preto”217, ganhou novos contornos e
características, configurando-se uma das principais bases geoeconômicas da
sociedade brasileira de então. O dinamismo do café em São Paulo, que podemos
divisar por meio do gráfico a seguir, originou o que foi alcunhado de complexo
cafeeiro capitalista paulista.218
Tal como afirma Monbeig, no Oeste Paulista, desde a fase final do Império,
tudo era alvoroço, confusão e dinamismo.
Mesmo que fechasse os olhos à paisagem, ao viajante não
escaparia à impressão de nova zona: seus companheiros se
comprazem em citar cifras prestigiosas, que testemunham o
surto das cidades atravessadas, a evocar o heroico nascimento
delas, ou a narrar os bons negócios que nelas se fizeram, os
golpes de especulação bem sucedidos. Noutros vagões, outros
215
Cf. Renato Leite Marcondes, Diverso e Desigual... Op. Cit. pp. 92-93.
216 Cf. Joseph Love. A Locomotiva: São Paulo na Federação Brasileira (1889-1937). (Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1982). Ao longo dos anos, a produção de café do Estado do Rio ficaria em posição cada vez mais secundária, sendo ultrapassada por Minas, em 1896 e pelo Espírito Santo, em 1928. Roberto Simonsen. Aspectos da História Econômica do café. Evolução industrial do Brasil e outros estudos. (São Paulo: Cia Ed. Nacional, 1973), 190.
217 Warren Dean, Op. Cit. p. 13.
218 Wilson Cano, “Padrões diferenciados das principais regiões cafeeiras (1850-1930).” Estudos
Econômicos v. 15, n. 2, maio/agosto (1985): 291-306. p. 294. Ver também: João Manoel Cardoso de Mello, Op. Cit. p. 128-129.
93
viajantes, em andrajos, carregando pobres trouxas e
arrastando crianças de olhos fundos, contemplam
atemorizados essas paisagens estranhas; vêm da Bahia, de
Pernambuco ou do Ceará, atraídos pela fama lendária da
região pioneira paulista. Ouvia-se falar português, mas com o
zetacismo do japonês ou o sotaque do alemão. Os corredores
dos trens ficam abarrotados. Nas estações, numerosa multidão
se comprime sobre as plataformas e as jardineiras com os
estribos já apinhados de passageiros esperam a chegada do
trem de São Paulo, para conduzir novos recém-chegados até
as terras de que esperam mil maravilhas. [...] Sempre a mesma
impressão, quer se desembarque no término da
Araraquarense, quer nas últimas estações paulistas da
Noroeste que se embrenham nas terras de criação de Mato
Grosso, quer em Tupã, estação final da Companhia Paulista de
Estradas de Ferro, que ruma para o rio Paraná, onde também
vai dar a Sorocabana, quer em Londrina, a capital do Norte do
Paraná219.
219
Cf. Pierre Monbeig, Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo: Hucitec/Polis. 1984. p. 22-23.
94
Gráfico 1
*
Destarte, conforma-se em terras paulistas, na segunda metade do XIX, um
intrincado mosaico de acontecimentos, muitos dos quais já largamente tratados pela
literatura conexa. Vários destes trabalhos deixaram às claras a amplitude das
transformações ocorridas, permitindo bom conhecimento acerca do desenho
multifacetado resultante da história do café no Brasil e, em particular, em São Paulo.
Existem boas informações sobre a economia, a geografia, a sociedade singular que
se originou, em parte, em virtude da forma pela qual os trabalhadores escravos e,
posteriormente, colonos foram inseridos no processo produtivo; sobre o exercício do
poder político por parte daqueles que dispunham dos meios de produção,
comercialização e financiamento vinculados ao café; sobre a cultura popular e
erudita que nele se inspirou etc. Talvez, sobre nenhuma outra mercadoria produzida
em território brasileiro se tenha derramado tanta tinta.
*
Fonte: Brasil, IBGE. Series estatísticas retrospectivas. Vol. III - Series econômicas, demográficas e sociais 1550-1988. Rio de
Janeiro: IBGE, 1990. Adaptado.
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
70.000
18
21
-18
25
18
26
-18
30
18
31
-18
35
18
36
-18
40
18
41
-18
45
18
46
-18
50
18
51
-18
55
18
56
-18
60
18
61
-18
65
18
66
-18
70
18
71
-18
75
18
76
-18
80
18
81
-18
85
18
86
-18
90
18
91
-18
95
18
96
-19
00
19
01
-19
05
19
06
-19
10
Exportações brasileiras de café em grão - totais por quinquênios. Milhares de sacas de 60 Kg
95
No âmbito desta multiplicidade de elementos que perpassam o assunto café e
sua expansão, o mote do comércio interno de cativos, pós-1850constitui ponto
essencial e ainda, acreditamos, insuficientemente explorados.220 O presente trabalho
se inscreve nesta linha de investigação. Objetivamos inquirir algumas características
relativas a um dos aspectos mais traumáticos da escravidão: a compra e venda de
seres humanos.
Assim sendo, na segunda da parte desta pesquisa analisamos o comércio
doméstico de escravos. Prática terrível, que acarretou, a um só tempo, dor, aflição e
fortunas assombrosas. Esse foi realizado não mais pela via atlântica, mas agora por
trajetos terrestres e pela navegação costeira221. Este tema tem de importância
ímpar, pois: (i) o volumoso tráfico de cativos demonstrou a vitalidade da escravidão
ao longo de suas últimas décadas; (ii) abasteceu continuamente o ‘Oeste móvel’ da
Província de São Paulo; (iii) teve caráter específico, não se configurando "mero
substituto" do tráfico atlântico, mas "sua continuação”222; (iv) “contribuiu fortemente
para acelerar a abolição da escravidão no Brasil” – como afirmou, de forma
contundente, Richard Graham223 – e; (v) foi apontado como fundamental para a
manutenção do caráter centralizado do Império brasileiro.224
220
O tráfico interno de escravos – como afirmou o professor José Flávio Motta – tornou-se um dos principais temas de nossas pesquisas acadêmicas a partir de meados dos anos de 1990. Porém, ainda são escassas as localidades nas quais os documentos que registraram esse comércio foram investigados detidamente. José Flávio Motta. Escravos daqui, dali e de mais além. São Paulo: Alameda, 2013. p. 6.
221 Vale pontuarmos que o comércio interno de cativos – ou seja, a comercialização de escravos
dentro da América Portuguesa e, posteriormente, do Brasil – coexistiu com o tráfico transatlântico. Na segunda metade do século XIX, porém, sua importância cresceu enormemente e ganhou novo sentido.
222 Segundo Conrad, os fazendeiros brasileiros, apesar de tudo, não estavam preparados para as
formas costumeiras na aquisição de trabalhadores, apesar de algumas tentativas difusas e geralmente malsucedidas para incorporar trabalhadores da Europa e da China”. Conrad Robert, Tumbeiros... Op. Cit. p. 188. “O tráfico interno, pode-se concluir, não foi um mero substituto do tráfico escravista africano; em espírito e propósito, pelo contrário foi sua continuação. Pernambuco havia se tornado a Cafrária brasileira par as províncias cafeeiras como observaram brasileiros naquele tempo, o Maranhão sua costa d’África”. Idem. p. 205.
223 Este raciocínio se baseia no papel particularmente importante dos próprios escravos. O
crescimento da resistência dos escravos que tinham sido arrancados do contexto familiar e de antigos laços sociais minou a autoridade dos senhores e encorajou-os a forçar sua própria libertação através da ação direta, [pois] os atos de resistência individual provocados pelo trauma do tráfico interno de escravos fez elevar o custo da supervisão e segurança fragilizando a própria instituição da
96
Como cenário desta pesquisa, além da expansão da fronteira agrícola,
(sobretudo paulista) e das várias ocorrências que interferiam no cálculo econômico
dos fazendeiros brasileiros, durante o século XIX, – tais como: as condições de
demanda e oferta dos gêneros oriundos das plantations, a disponibilidade de crédito,
a dinâmica da taxa de juros etc. –, temos o problema da mão de obra, que definia as
possibilidades e os limites da reprodução do sistema vigente. Como afirmou João
Manuel Cardoso de Mello: a crescente dificuldade para acessar novos contingentes
de escravos decorrente tanto dos elevados preços, quanto dos entraves do lado da
oferta, constituía o mais sério obstáculo para a acumulação225. Por essa razão, os
problemas oriundos da inelasticidade da mão de obra, “problema nacional básico”226,
e as estratégias para atenuar as suas consequências estão no centro das
discussões empreendidas nesta pesquisa227.
Estas dificuldades foram ocasionadas, em grande medida, por fatores que
contribuíram para minar a base demográfica e econômica da escravidão, tais como:
escravatura. Tanto os senhores quanto seus críticos estavam conscientes de quão precária a velha ordem estava se tornando. Richard Graham. 2002, Op. Cit. p. 122. Ou seja, os escravos eram capazes de ações autonômicas. Ele não era meramente um ser humano tornado coisa, que esboçava, sobretudo, ações impostas pelos seus senhores, como propõe Fernando Henrique Cardoso. Fernando Henrique Cardoso, Capitalismo e escravidão no Brasil meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. São Paulo: Difusão. 1977.
224 Segundo Décio Saes. A formação do Estado burguês no Brasil (1888-1891). (Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1985), 50.
225 Cf. João Manoel Cardoso de Mello, Op. Cit. Cap. I, parte II.
226 Ver Celso Furtado. Op. Cit. p. 117-142. Tal como nos diz Spindel: “no que se refere à mão de obra
escrava, enquanto continuamente alimentada pelo tráfico internacional mostrara-se economicamente viável, sobretudo, considerando as altas taxas de exploração propiciadas pelo regime escravista. Não se cogitou diminuir a sua exploração, de forma a reduzir as altíssimas taxas de reposição e possibilitar a reprodução da escravaria. Não havia porque fazê-lo, não havia porque se preocupar com a reprodução enquanto a produção era garantida, de forma abundante e sistemática, pelo sistema econômico internacional, no qual se inseria a organização mercantil-escravocrata do café paulista. Mas, com as restrições ao tráfico, começam a se fazer sentir os problemas da inelasticidade do estoque de mão de obra, paralelamente à expansão do café para o Oeste”. Cheywa Spindel R. Op. Cit. p. 33.
227 A falta de trabalhadores foi muitas vezes comentada e exagerada em diversos relatórios e
documentos oficiais. Dentre esses, selecionamos uma passagem pertencente ao Relatório apresentado, em 1874, a Assembleia Geral Legislativa, na terceira sessão da décima quinta legislatura, pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, José Fernandes da Costa Pereira Junior. “Pelo que respeita ao aumento de braços laboriosos, força é confessar que, se alguma cousa se tem conseguido por meio da catechese e da colonização, muito pouco é para os sacrifícios que nos tem custado, e está longe de satisfazer, não direi já as necessidades do futuro, senão as da própria actualidade.”
97
a mudança do equilíbrio econômico regional resultante do conjunto de aspectos que
permitiram a marcha ascendente da rubiácea nas terras para lá de Campinas; a
impossibilidade da continuação do tráfico atlântico de escravos, em virtude da
enérgica perseguição inglesa aos “nautas de todas as plagas”228, intensificada em
1849 e 1851 (o governo imperial fez enérgicas diligências: os traficantes foram
expulsos do território nacional, seus escritórios e portos de desembarque foram
desmantelados)229; a alta taxa de mortalidade dos escravos; as alforrias e a
abolição gradual do escravismo conformada pelas promulgações de 1850, 1871,
1885 e 1888230; a gradual perda, ao longo do processo de emancipação dos
escravos, de sua condição de garantia para crédito no mercado financeiro231;as
recorrentes fugas e revoltas localizadas, principalmente durante os anos 1880232, e
consequente elevação dos custos para manter a escravaria233; também no âmbito
228
Castro Alves, O Navio Negreiro. In. Espumas Flutuantes. São Paulo: Companhia Editora Nacional: 2006.
229 Cf. Visconde de Abaeté (Antônio Paulino Limpo de Abreu), Protesto contra o acto do Parlamento
britânico, que sujeitou os navios brazileiros que fizerem o trafico de escravos ao Tribunal do Almirantado e a qualquer Tribunal de Vice-Almirantado dentro dos domínios de Sua Magestade Britannica. (Rio de Janeiro: Typ. Imperial e Constitucional de Villeneuve, 1845). Ver também: Stanley J. Stein. Vassouras: Um município brasileiro do café, 1850-1900. (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990). Ver também: Robert Conrad, Tumbeiros. Op. Cit.
230 Temos, sucessivamente: a interrupção do tráfico transatlântico, a Lei do Ventre Livre, a Lei do
Sexagenário e a Abolição. Segundo Célia M. M. Azevedo, essas promulgações partiram do medo que os negros, escravos e livres, geravam nos proprietários que buscavam um processo que lhes permitisse a extensão do regime e o controle da mão de obra e das tensões sociais. Em Onda negra, medo branco, a acentuação das resistências e revoltas escravas aparece como central na decisão dos proprietários em encaminharem legal e paulatinamente o término da escravidão. Célia M. M. Azevedo, Op. Cit. 1987. Ver também: Suely Robles Reis de Queiroz. Uma insurreição de escravos em Campinas. Neste artigo, dentre outras coisas interessantes, a autora chama atenção para o fato de que: “em relação a São Paulo, a documentação existente no Arquivo do Estado dá margem à negação da passividade do escravo, apontando-lhe o inconformismo ante a falta de liberdade e os maus tratos a que era submetido”. Revista de História (USP) Nº 99 - 3º trimestre de 1974. p. 194.
231 Cheywa Spindel, Homens e máquinas na transição de uma economia cafeeira. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1980. Págs. 80-82.
232 Segundo Dean: “nos primeiros meses de 1887 prosseguiam as fugas e as alforrias cresciam de
número mais rapidamente. (...) Houve revoltas em Itu, Campinas e Indaiatuba, Amparo, Piracicaba e Capivari. Pela primeira vez, aparentemente, os escravos conduziam armas de fogo, e ao invés de sair das fazendas às escondidas, para evitar confronto com a polícia, eles pareciam prontos a enfrentá-la.” Warren Dean, Op. Cit. p. 141. Célia M. M. Azevedo, Op. Cit. 1987. Maria Helena P. T. Machado. O Plano e o Pânico. Op. Cit. Da mesma autora: Crime e Escravidão. Edição revista e ampliada. 2o. Ed. São Paulo: EDUSP, 2014.
233Sobre essa temática, destacamos as pesquisas de Maria Helena Machado que, em O Plano e o
Pânico, debruça-se sobre diversas revoltas de escravos ocorridas ao longo dos anos derradeiros da escravidão, na região de Campinas, da Alta Mogiana e do Vale do Paraíba. Nesse livro, Machado discorre sobre as tensões no interior das fazendas, ambivalências, confusões, equívocos e
98
desta última década, o maior vigor do movimento abolicionista234; a maior
produtividade, propiciada por uma nova estrutura de produção (resultante do
prolongamento das estradas de ferro e da difusão do uso das máquinas de
beneficiar etc.), que passou a demandar mais trabalhadores em uma escala que as
relações de trabalho vigentes já não podiam responder.
Os aspectos acima relacionados aparecem insistentemente nos relatórios do
Ministério da Agricultura Comércio e Obras Públicas. No Relatório de 1877, por
exemplo, lemos:
A lei inevitável da mortalidade, a emancipação legal do estado
servil, e a liberdade [concedida - GR] pelos próprios senhores,
concorrem poderosamente para que dentro em poucos anos,
tenham de desaparecer os braços que atualmente fazem o
trabalho nos nossos estabelecimentos rurais. A iniciativa
particular, de sua parte, pouco ao nada tem feito no sentido de
substituir os trabalhadores que o tempo e a morte vão
inutilizando e extinguindo235.
O que se percebe é que as regiões, já em franco processo de decadência,
cujas relações sociais de produção eram pautadas pelo regime escravocrata,
enfrentaram grandes dificuldades para ingressar num regime regulado pela venda
da força de trabalho. Desta forma, há peculiaridades na transição do trabalho
hesitações das forças policiais e a distância entre os proprietários e a dinâmica do judiciário. Maria Helena P. T. Machado. O Plano e o Pânico.. Op. CIt. Ver também: Robert W. Slenes, “Grandeza ou decadência? O mercado de escravos e a economia cafeeira da província do Rio de Janeiro, 1850-1888”, in Iraci del Nero da Costa (org.), Brasil: História econômica e demográfica. São Paulo, Instituto de Pesquisas Econômicas, 1986.
234 Maria Helena P. T. Machado, O Plano e o Pânico... Op. Cit. Sobretudo, capítulo IV: Cometas,
Caifases e o movimento abolicionista. Ver também: Elcine Azevedo. Orfeu de Carapinha: A Trajetória de Luiz Gama na Imperial Cidade de São Paulo. Campinas, SP. Ed. UNICAMP, 1999. Sílvia Hunold Lara. Campos da Violência. Escravos e senhores na capital do Rio de Janeiro, 1750-1808. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.
235 Relatório do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras
Publica apresentado à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro, 1977. p. 18-19.
99
escravo para o livre em São Paulo que podem ser observadas em função do recorte
espacial e temporal, estabelecidos nesta pesquisa. A transição enfrentou
importantes barreiras no Vale do Paraíba que, em 1883, segundo dados de J. F.
Camargo, ocupava 28,5% dos escravos existentes na Província de São Paulo
(174.622 indivíduos). Já nas regiões mais antigas do Oeste Paulista (Campinas e
seu entorno) e nas regiões de fronteira a transição foi, respectivamente, gradativa e
abreviada236.
Quando atrelamos a dinâmica da transição à expansão dos cafezais – por
exemplo, entre 1876 e 1883, foram plantados mais 105 milhões de pés de café –
surge a questão, feita por, dentre outros, Wilson Cano: “dado que o estoque dos
escravos é relativamente constante no período, e que o fluxo imigratório é pequeno,
como poderiam ser formados estes cafezais, e quem faria sua colheita?237” Se
admitirmos que cada escravo podia tratar e colher os frutos de 2.000 cafeeiros, de
acordo com as conjecturas de Roberto Simonsen, a expansão nos oito anos do
intervalo indicado, demandaria cerca de 100 mil escravos238.
Por certo, a mão de obra livre nacional atenuou os problemas decorrentes da
falta de trabalhadores. Ela foi responsável, como mostra Taunay em diferentes
momentos239, pelos pesados trabalhos iniciais de derrubada das matas e dos
demais afazeres necessários para viabilizar a abertura das terras virgens. Além
disso, como evidenciou Cláudia Alessandra Tessari em livro recente, a atuação
deste grupo de trabalhadores – recorrentemente tratados, por grande parte da
literatura, como vadios, inaptos, desinteressados e, em última instância,
dispensáveis– foi fundamental para entendermos o fadário da transição entre a
quase total rigidez do trabalho durante a escravidão e uma posterior configuração
permeada por maior flexibilidade, conformada pela associação entre colonato e
trabalho temporário sazonal, responsável por permitir melhores condições para os
236
Alexandre Freitas Barbosa, A formação do mercado de trabalho no Brasil. São Paulo: Alameda, 2008. Págs. 141-152.
237 Wilson Cano, Op. CIt. p. 35.
238 Idem. p. 35.
239 Cf. A. Taunay, Op. Cit. Vol. VIII, Págs. 116 e 179 a 181.
100
fazendeiros incorporarem, em momentos particulares (destacadamente a colheita),
os braços necessários ao eito.
Resgatando a linha de continuidade e de ruptura interpretativa que marca a
história da formação do mercado de trabalho paulista, Claudia Tessari traz a
evidência de que esta maior flexibilidade se traduziu em aumento da rentabilidade
das unidades produtivas, em desoneração do fazendeiro do pagamento da mão de
obra nos momentos de não-trabalho na produção comercial, gerando a possibilidade
de rebaixamento do preço da força de trabalho e entendimento de que o progresso
técnico talvez não fosse conveniente apenas nos momentos de maior demanda de
trabalho. Resumidamente: o crescimento da elasticidade da oferta de mão de obra
permitiu ao capital maior maleabilidade na aplicação dos fatores de produção e,
portanto, maior racionalidade na administração dos seus custos240.
Para além da contribuição da mão de obra livre nacional para minimizar a
escassez dos trabalhadores indispensáveis para o trato e, sobretudo, para a colheita
dos cafeeiros, os imigrantes formaram, de fato, o novo grupo de trabalhadores
necessários para a continuidade da marcha dos cafezais. Mesmo que essa solução
só tenha se efetivado plenamente na segunda metade dos anos 1880, não se
verificou grandes barreiras ao processo de expansão dos cafezais nas zonas do
Oeste Paulista. Como vimos acima, o substancial alargamento das áreas dedicadas
ao café (entre 1854 e 1886, a produção passa de 3.580 mil arrobas para 12.380
mil)foi possível em virtude do vigor e intensificação do regime escravocrata,
paradoxalmente em meio a um contexto repressivo à escravatura. Tal vigor e
intensificação se traduziram no reiterado redimensionamento do contingente de
escravos, por meio dos negócios intra e interprovinciais, como veremos à frente.
Além disso, a nova estrutura tecnológica permitiu o emprego no eito dos escravos
anteriormente direcionados para as tarefas de transporte241 e beneficiamento242,
240
Cláudia Alessandra Tessari, Braços para colheita: sazonalidade e permanência do trabalho temporário na agricultura paulista (1890-1915). São Paulo: Alameda Editorial, 2012.
241 A ferrovia possibilitou significativa economia de mão de obra. Atenuou largamente o volume de
braços dedicados a conservação dos caminhos e eliminou a necessidade dos escravos conduzirem as tropas de mula. Segundo Costa, “calcula-se que, no mínimo 20% da força de trabalho masculina da fazenda, tirada entre os melhores escravos, eram subtraídos à lavoura e desviados para as funções de tropeiro”. Emília Viotti da Costa. Da senzala... Op. Cit. P. 171. 1966
101
assim como daqueles que se dedicavam às atividades domésticas. Como aventa
Taunay, provavelmente também ocorreu, mediante certa remuneração, o
alargamento do trabalho dos escravos para domingos e feriados243.
Este novo arranjo dos fatores de produção, inevitavelmente provisório,
expressou o esforço de prover a economia cafeeira em expansão do fator trabalho.
Destarte, a grande expansão cafeeira foi corroborada por certa conjunção dos
fatores de produção que possibilitaram uma acumulação favorável. Assim sendo,
parece adequada a hipótese de que o processo de produção cafeeira pôde suportar
– e não teve que suportar –o momento favorável à introdução do trabalho livre.Tal
como afirma Cheywa Spindel, “uma vez mantida a taxa de acumulação, a economia
cafeeira pode aguardar, por um lado, que o capitalismo europeu – italiano, sobretudo
– produzisse um excedente de força de trabalho – uma oferta de mão de obra livre e
a baixo custo, porquanto volumosa e já expropriada dos seus meios de subsistência.
Por outro lado, pode aguardar a convergência de injunções favoráveis a uma
estrutura de poder capaz de garantir os interesses dos cafeicultores, oferecendo o
patrocínio do Estado para a importação de mão de obra livre estrangeira"244.
A superação das relações de trabalho pautadas pelo braço cativo ocorreu, por
conseguinte, em virtude da convergência de situações internas e externas. Como
resultado da expansão da maquinaria e da grande indústria, as economias
europeias transformaram-se em grandes fornecedoras de força de trabalho para as
Américas. Por sua vez, os EUA e a Argentina, tradicionais destinos da força de
trabalho europeia enfrentaram, no último quartel do oitocentos, dificuldades que
tornaram estas paragens menos atrativas. Concomitantemente, os cafeicultores –
sobretudo do Oeste Paulista – conquistaram maiores espaços na cena política de
então e passaram, após um momento inicial de relutância, a exercer crescente
pressão para que o Estado promovesse a socialização dos custos da transferência
242
A fim de poupar trabalho manual e de melhorar, por meio de preparação cuidada (...) não hesitavam os fazendeiros em gastar verdadeiros tesouros em máquinas novas. (...) a promulgação da lei de emancipação de 1871 (...), concentrara a atenção geral para um só ponto, a poupança máxima do trabalho manual. Taunay, A. de E. v. VII, t. V, p. 25.
243 “Nos domingos e feriados, pagavam jornais aos pretos que quisessem tratar das lavouras da
fazenda. Assim também quanto ao serviço de colheita. Pagava-se o excesso de alqueires colhidos além de certa medida” A. E. Taunay, Op. Cit., VII, t. V, p. 436-437.
244 Cheywa Spindel Op. Cit. p. 37-38.
102
daqueles trabalhadores já expropriados, possibilitando adequado provimento deste
fator à lavoura cafeeira. Deste modo, a superação da “falta de braços” foi resultado
da confluência destes vários acontecimentos que possibilitaram, inicialmente(1876-
1883) a entrada de 155.473 imigrantes, de acordo com os dados estatísticos oficiais.
Se considerarmos o intervalo 1870 a 1930, percebemos que o crescente fluxo
imigratório solucionou a escassez da oferta de mão de obra. Ao longo deste
intervalo houve o afluxo de mais de quatro milhões de imigrantes europeus para o
país, sendo que cerca de 60% desses se estabeleceram em São Paulo245.
Paradoxalmente, ao longo das três décadas que antecederam a abolição,
este processo(pautado, principalmente, pela acentuação da escassez de
trabalhadores para o eito cafeeiro) fez do Oeste Paulista, por um lado, a área onde o
trabalho livre assalariado alcançou seus melhores resultados e os fazendeiros
estiveram menos comprometidos com a escravidão e, por outro a zona que, no
âmbito do tráfico interno, recebeu o mais significativo afluxo de escravos, pois os
proprietários aí situados, contavam com os recursos necessários para comprar
cativos remanescentes de outras regiões. “As fazendas do Oeste Paulista foram,
portanto, – como afirma W. Dean – ao mesmo tempo, o setor mais progressista e o
mais retrogrado da sociedade brasileira”246. Desta forma, no Oeste Paulista se
verificou, grosso modo, ao longo dos 30 últimos anos do império brasileiro, a mais
incisiva reativação do trabalho escravo. Desta forma, o largo apego à instituição
escravocrata se desenvolveu, justamente, onde as forças produtivas atingiram o seu
nível mais elevado de desenvolvimento no Brasil da época.
1.2 Acerca do tráfico interno de escravos
Cantagalo é um inferno, / Onde negro vai pena, / Não me venda meu sinhô, / Não me venda para lá. Catarina minha negra, / Teu senhor quer te vender, / Para o Rio de Janeiro, / Para nunca mais te ver.
Coletado por Afonso d’E. Taunay, que ouviu estes versos de D. Beatriz Taques Horta.
245
Cf., entre outros, Thomas H. Holloway, Imigrantes para o café: café e sociedade em São Paulo 1886.1934. Rio de Janeiro: Paz & Terra. 1984. Hall, M. A introdução do trabalho livre nas fazendas de café de São Paulo In. Revista Brasileira de História, 1983. Skidmore, Thomas E. Black Into White: Race and Nationality in Brazilian Thought (New York: Oxford University Press, 1974).
246 Warren Dean, Op. Cit. p. 62.
103
E a cativa desgraçada / Deita seu filho, calada, / E põe-se triste a beijá-lo, / Talvez temendo que o dono / Não viesse, em meio do sono, / De seus braços arrancá-lo!
A canção do africano - Castro Alves.
A escravidão negra foi a configuração predominante do trabalho durante a
história da América Portuguesa e, posteriormente, do Brasil Império. A América
Portuguesa/Brasil foi o maior importador de africanos dentre os países do Novo
Mundo. Recebeu grande parte dos mais de 12 milhões de africanos traficados para
as Américas247. Durante quase toda a história colonial (1500-1822), a população
escrava foi muito significativa.
Ao longo dos quase quatrocentos anos da América Portuguesa e do Brasil
Império, prevaleceu uma sociedade sobremaneira desigual, em que uma camada
detém o poder de expropriar os frutos do trabalho e, simultaneamente, o próprio
trabalhador. Prevalecia violência extrema e coisificação social do escravo.
Processos corroborados por ampla rede de controle social formada por juízes,
padres, feitores, camaradas, agregados e outros que garantiam sua legitimidade e
funcionalidade248. Na formação dessa rede de controle social, tal como chamam a
atenção Juarez Françoia e Mônica Ribeiro Oliveira, as estratégias matrimoniais, os
litígios e acertos relativos a terra e ao poder político, assim como, as alianças de
solidariedade desenvolvidas pelas parentelas e a lealdade política constituíam
mecanismos de controle de mercado e acesso aos financiamentos. Assim sendo,
tais mecanismos constituíam-se em estratégias socioeconômicas, possibilitando a
preservação do patrimônio fundiário e o nome da família. Além disso, esses
engenhos impulsionaram a promoção socioeconômica e política dessas camadas
permitindo reafirmarem a estrutura de controle prevalecente249.
247
Cf. Richard Graham, Nos tumbeiros mais uma vez? Comércio interprovincial de escravos no Brasil. Afro-Ásia. 27, 2002, pp. 121-160. Para nos aproximarmos do fado enfrentado pelas gerações de escravos traficados para fora da África e entender o modo como enfrentaram a experiência do cativeiro ver, dentre outros: Mariza de Carvalho Soares. O Império de Santo Elesbão na cidade do Rio de Janeiro, no século XVIII. Topoi, Rio de Janeiro, mar. 2002, pp. 59-83.
248 Cf. Maria Helena P. T. Machado. Crime e Escravidão... Op. Cit. 2014.
249 Juarez Françoia. Senhores de escravos: trajetórias, disputas e solidariedade no Oeste Paulista.
1845/1880. Dissertação mestrado. IFCH, Campinas, SP. Unicamp. 2009. Mônica Ribeiro Oliveira.
104
Ao longo desse período, os cativos foram de fato os braços e as pernas dos
seus senhores. De forma geral, nos séculos XVI e XVII, estavam à frente dos
engenhos no Nordeste. No XVIII, ocupavam-se das lavras mineiras e goianas, e no
XIX, até a abolição – embora os escravos perdessem relevância como proporção da
população total (em 1872 havia 1.510.806 escravos e 8.419.672 livres no país)250 –
a escravidão prosseguiu no âmbito do principal cultivo organizado pelos fazendeiros
fluminenses, paulistas, mineiros e capixabas.
A enorme absorção de escravos negros pela América Portuguesa e pelo
Brasil foi resultante da grande capacidade do país adaptar-se reiteradamente a uma
série de modificações relevantes no campo-socioeconômico. Essa plasticidade
talvez tenha procedido da boa assimilação das mudanças sociais e das condições
econômicas regionais e, também, do fato da escravidão não ter sido intrinsecamente
menos racional do que o trabalho livre. Ou seja, tal como argumentou Mello, Slenes
e também Rafael de Bivar Marquese251, autor fez suas considerações a partir da
análise de dois Manuais que indicavam “boas práticas” aos fazendeiros que
produziam durante a primeira metade do século XIX, no Brasil império, o regime
escravo não representou obstáculo à racionalidade indispensável à aceleração da
produção de lucro252. Estes aspectos permitiram que esta instituição resistisse mais
tempo aqui do que em qualquer outra região do mundo ocidental.
Negócios de Família: mercado, terra e poder na formação da cafeicultura mineira – 1780/1870. Bauru: Edusc, 2005
250 Pedro Carvalho de Mello, & Robert W. Slenes, Análise econômica da escravidão no Brasil. In.
Neuhaus, P. Economia Brasileira uma visão histórica. Rio de Janeiro: Campus, 1980. p. 91. Para alguns aspectos do tráfico transatlântico de escravos ao longo do século XVIII e início do XIX ver: Manolo Florentino, Alexandre Vieira Ribeiro e Daniel Domingues da Silva. Aspectos comparativos do tráfico de africanos para o Brasil (séculos XVIII e XIX). Afro-Ásia, 31 (2004), 83-126. Ver também: Maximiliano M. Menz. As “geometrias” do tráfico: o comércio metropolitano e o tráfico de escravos em angola (1796-1807). Revista de História, São Paulo, n. 166, p. 185-222, jan./jun. 2012.
251 Mello & Slenes refutam estes argumentos em Análise econômica da escravidão no Brasil. Op. Cit.
Págs. 93 e 94. Rafael de Bivar Marquese no texto A administração do trabalho escravo nos manuais de fazendeiro do Brasil Império, 1830-1847. Revista de História, 137 (1997), 95-111.
252 As proposições que afirmam que a escravidão era menos racional do que o trabalho livre se
fundam, sobretudo, nos problemas decorrentes do alto investimento necessário para adquirir um escravo. Esta compra de nova capacidade produtiva acarreta, segundo este ponto de vista, três problemas econômicos centrais, quais sejam: primeiro, o proprietário perde flexibilidade face às mudanças conjunturais; segundo, a possibilidade de morte prematura do escravo, aumenta o risco suportado pelo empregador; terceiro, elevam-se os custos de trabalho em virtude da necessária manutenção, ao longo do ano, dos escravos adquiridos. Para as discussões que atribuem menor racionalidade a escravidão ver, por exemplo, Octavio Ianni, Op. Cit. Págs. 356 e seguintes.
105
Quiçá, uma das mudanças mais significativas enfrentadas por este regime
tenha sido a interrupção do comércio transatlântico de escravos. Uma vez, tendo o
governo brasileiro acossado pelos ingleses suprimido o vai e vem dos tumbeiros que
singravam o Atlântico no começo dos anos 1850, os escravistas brasileiros
passaram a disputar somente os cativos disponíveis nas várias regiões do território
nacional253.
Vale ainda notarmos que esse fato, dentre outros, fez contrastar o caminho
adotado no Brasil e nos EUA para atenuar os respectivos problemas de
inelasticidade de mão de obra. Enquanto a proibição da entrada de novos escravos
incentivou os proprietários estadunidenses a limitarem a miscigenação e
estimularem a reprodução entre os escravos, o que implicava possibilitar uma
condição de vida um pouco menos rude, os fazendeiros brasileiros recorreram a
esta prática de forma diminuta254. No caso brasileiro, a recorrente miscigenação,
sem dúvida, teve relevância, tal como podemos parcialmente vislumbrar por meio do
crescente número de alforrias255 no âmbito deste grupo. Provavelmente a
miscigenação contribuiu para que muitos escravos alcançassem a liberdade, apesar
de alguns dados indicarem o contrário. Referimo-nos: (i) ao censo de 1872, onde
mais de um quarto dos escravos eram considerados “mistos”; e (ii) aos diversos
253
Diversas informações relevantes sobre a dinâmica, dimensão e a importância do tráfico transatlântico de escravos podem ser encontradas em: The Trans-Atlantic Slave Trade Database. Para tanto acessar: http://www.slavevoyages.org/tast/index.faces. O Banco de Dados Trans-Atlantic Slave Trade possui informações sobre mais de 35.000 viagens de escravos que embarcaram compulsoriamente mais de 12 milhões de africanos para as Américas entre os séculos XVI e XIX. Sem dúvida, oferece aos pesquisadores, estudantes e público em geral a oportunidade de redescobrir a realidade de um dos maiores movimentos forçados de povos na história do mundo.
254 Outros contrastes entre Brasil e EUA: (i) enquanto, nos EUA, a escravidão era regional e a
imigração tinha caráter nacional, no Brasil, a escravidão tinha caráter nacional e a imigração concentrava-se em São Paulo; (ii) a escravatura brasileira teve um relevante componente urbano, especialmente no início do século XIX. Isso foi decorrente dos problemas enfrentados pelos setores exportadores em fins do XVIII e pela ausência de mão de obra alternativa; (iii) por fim, as alforrias foram muito menos números nos EUA do que no Brasil. Thomas Merrick. & Douglas Graham. População e desenvolvimento no Brasil: uma perspectiva histórica. In. P. Neuhaus. Economia Brasileira uma visão histórica. Rio de Janeiro: Campus, 1980. p. 51
255 Segundo Schawrtz, o favoritismo que se demonstrava pelos mulatos, especialmente entre as
crianças alforriadas, foi resultante do fato de que “a cor era um importante aspecto da formação dos sentimentos de paternidade dos senhores”. Stuard B. Schawrtz, Sugar plantations in the formation of brazilian society. Bahia, 1550-1835.Cambridge, England, Cambridge University Press, 1985. Sobre as taxas de alforria ver: A 'Great Arch' Descending: Manumission Rates, Subaltern Social Mobility and Slave and Free(d) Black Identities in Southeastern Brazil, 1791–1888, in John Gledhill and Patience Schell (orgs), Rethinking Histories of Resistance in Brazil and Mexico. Durham, NC, forthcoming.
106
processos que muitas mães escravas, auxiliadas por advogados abolicionistas,
perpetraram procurando a própria liberdade ou a dos seus filhos tidos com o senhor.
Movimento, vale mencionarmos, que deu origem, em parte às discussões travadas
no âmbito do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, principalmente por
Perdigão Malheiros e Caetano Soares, sobre considerar de status liber a pessoa
escravizada pelo próprio pai ou por outro parente, tal como evidencia Eduardo
Spiller Pena, em Pajens da casa imperial: Jurisconsultos, escravidão e a lei de
1871256.
O fim do tráfico transatlântico negreiro, aliado ao baixo grau de crescimento
da população escrava e a postura de não se furtarem de extrair dos cativos a maior
massa possível de trabalho no menor tempo crível, submetendo os escravos a uma
faina esgotante257, geralmente adotada pelos fazendeiros brasileiros das áreas
prósperas, vinculadas às culturas de exportação, contribuíram para a acentuada
redução dos braços escravos disponíveis. Esta marcada tendência, como é notório,
confirmou-se a despeito da ocorrência de alguma mudança no cálculo econômico
dos senhores, por estarem privados do anterior fluxo contínuo de braços, tal como
advoga Maria Helena P. T. Machado:
As contingências pelas quais passava a instituição na segunda
metade do século, o surgimento de uma incipiente opinião
pública nas cidades, as denúncias dos jornais, o maior alcance
da atuação policial e judiciária e, anos mais tarde, a atuação
dos abolicionistas, podem ter exercido certa influência benéfica
no tratamento dispensado aos escravos de forma geral258.
256
Eduardo Spiller Pena. Pajens da casa imperial: Jurisconsultos, escravidão e a lei de 1871. Campinas: Unicamp, 2001.
257 Pedro Carvalho de Mello, A escravidão nas fazendas de café: 1850-1888. Rio de Janeiro, PNPE,
1984, Vol. 1. p. 104.
258 Maria Helena P. T. Machado, O Plano e o Pânico. Op. Cit. p. 23. Entretanto, a dinâmica de
exploração da mão de obra cativa e a disciplina imposta não apenas permaneceram preservadas, como recrudesceram no último quartel do escravismo. Tal como afirma Laërne: “eles são melhor tratados, melhor alimentados e mais bem cuidados, mas eles têm que trabalhar mais”. Citado por Idem. p. 22.
107
As alforrias foram fator importante para a diminuição da população cativa
brasileira, sobretudo, durante o século XIX, pois – tal como nos diz Peter L.
Eisemberg – “na medida em que grupos de pessoas hostis à escravidão exerceram
fortes pressões e minaram o poder de outros grupos que ainda sonharam em
preservar e prolongar a vida da escravidão, as alforrias aumentaram em
frequência”259. Podemos vislumbrar, indiretamente, a acuidade das emancipações,
por meio dos seguintes dados: em 1800, os indivíduos negros representavam 12%
do total da população livre e, em 1872, 45% (com a participação escrava declinando
de 48 para 15%)260.
Tal como lemos no Relatório do Ministério da Agricultura de 1877, “a grande
obra da gradual extinção do estado servil, encontrou curso eficaz nos generosos
sentimentos de nossa população. São raras as disposições de última vontade em
que se não concedem libertações. Os bons serviços dos escravos são o mais das
vezes recompensados pelos seus senhores”261. Vale notarmos que para além
destes supostos “generosos sentimentos”, os quais atrelavam as manumissões aos
bons serviços e do fato dos escravos serem tratados como uma forma peculiar de
propriedade em que razões de ordem emocional influenciaram as decisões de
ordem econômica, as alforrias, tal como pontuou Eisenberg e Maria Helena
Machado, serviam aos senhores para livrarem-se de escravos imprestáveis,
estimular a fidelidade de certo tipo de escravos, a exemplo dos domésticos – diante
dos quais os senhores eram mais vulneráveis –, estabelecer contratos (alforrias
condicionais) a fim de reter os trabalhadores nas suas propriedades262. Ademais, as
259
Peter L. Eisenberg, Ficando livre: as alforrias em Campinas no século XIX. In. Estudos econômicos. 17(2). Maio/ago. 1987. p. 179.
260 Thomas Merrick, & Douglas Graham, População e desenvolvimento no Brasil: uma perspectiva
histórica. In. P. Neuhaus, Economia Brasileira uma visão histórica. Rio de Janeiro: Campus, 1980. p. 51. Ver também: Keila Grinberg. A Fronteira da Escravidão: a noção de "solo livre" na margem sul do Império brasileiro. Terceiro encontro: Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. Terceiro encontro escravidão e liberdade no Brasil meridional. Maio de 2007. Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário Florianópolis, SC.
261 Relatório do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras
Publicas apresentado à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro, 1877. Págs. 18.
262 Maria Helena P. T. Machado. O Plano e o Pânico. Op. Cit. p. 67. Vale notar que os libertos
condicionais muitas vezes se recusavam a cumprir os contratos o que deu origem a diversos autos jurídicos. Cf. Peter L. Eisenberg, Ficando livre: as alforrias em Campinas no século XIX. In. Estudos econômicos. 17(2). Maio/ago. 1987. p. 179.
108
cartas de liberdade também constituíam uma fonte de renda suplementar derivada
do pecúlio dos escravos, ou como propôs Kátia Mattoso, este instrumento
acarretava fonte de lucro suplementar para o senhor263. Já Jacob Gorender nos diz
que o padrão das alforrias no Brasil pode ser sintetizado nas seguintes
características: a) maioria de alforrias onerosas e gratuitas condicionais; b)
proporção relevante de alforrias gratuitas incondicionais; c) maior incidência das
alforrias na escravidão urbana do que na escravidão rural; d) alforrias mais
frequentes nas fases de depressão e menos frequentes nas fases de prosperidade;
e) maioria de mulheres entre os alforriados, embora elas fossem minoria entre os
escravos; f) elevado percentual de domésticos entre os alforriados; g) maior
incidência proporcional de alforrias entre os pardos do que entre os pretos; h)
elevado percentual de velhos e inválidos em geral entre os alforriados264.
Finalmente, a prática da alforria, em decorrência da crescente hostilidade
contra a escravidão, mudou substancialmente durante os últimos 25 anos deste
regime. Assim sendo, o volume das manumissões também refletia a correlação de
forças na sociedade sobre a questão da legitimidade da escravidão, que se tornou
cada vez mais combalida, como discute Elciene Azevedo em O Direito dos escravos,
à medida que a matriz ideológica relativa à propriedade cativa tornou-se quebradiça.
Processo este, impulsionado, a partir de 1871, por meio da recorrente realização de
discussões acerca da pertinência e longevidade da escravidão, do direito à
indenização da propriedade escrava e da impossibilidade de muitos senhores
excetuarem a sua propriedade escrava de problemas, posto que grande parte de
seus cativos foram introduzidos ilegalmente no país, após 1831265.
263
Cf. Kátia de Queirós Mattoso, Ser escravo... Op. Cit. 2003.
264 Jacob Gorender, Op. Cit., 352-355. Futuramente, pretendemos examinar algumas destas
conclusões, confrontando-as com dados que temos coletados para a Zona da Baixa Paulista. Nesta ocasião, trabalharemos com a hipótese – já postulada anteriormente por Peter L. Eisenberg – de que muitas das características do alforriado variavam, no tempo e no espaço, segundo determinações históricas especificas. Acreditamos ser mais proveitoso discutir as manumissões a partir das especificidades atribuídas pelos recortes temporal e espacial do que adotar um padrão que perpassa toda a América Portuguesa e, posteriormente, Brasil Império.
265 Elciene Azevedo. O Direito dos escravos. Campinas, SP. Ed. UNICAMP. 2010. Com relação à
introdução ilegal de escravos no país Kátia Mattoso, afirma: “aplicadas ou não, contornadas, deturpadas, as leis referentes ao tráfico multiplicaram-se ao longo do século XIX e vão colorir as estruturas referidas com matizes importantes, sobretudo nos portos de importação. O tráfico brasileiro transoceânico, que põe em contato portos africanos e portos nacionais, sofreu medidas que o tornam ilegal. Entre 1815 e 1830, o trafico continua legal, mas somente ao sul do Equador. Entre 1831 e
109
Para além das características das alforrias, importa enfatizarmos a sua
contribuição para o enrijecimento da oferta de trabalhadores para o eito e atividades
correlatas. De acordo com relatório apresentado pelo Ministro Antonio da Silva
Prado à Assembleia Legislativa, em 1886, houve, como podemos vislumbrar na
tabela abaixo, considerável número de manumissões, a título oneroso ou gratuito
(gratuidade condicional ou incondicional), e um volume menos importante resultante
do Fundo de Emancipação, entre 1871 e 1884. É necessário pontuarmos que
possivelmente alguns dos dados expostos pela tabela abaixo tenham sido estimados
ou levantados de forma equivocada. Essa percepção resulta do confronto desse
quadro com a tabela número 4, ambas decorrentes do mesmo relatório apresentado
por Antonio da Silva Prado. Chama atenção, por exemplo, quando confrontamos os
dados das duas tabelas, que o Rio Grande do Sul alforriou cerca de 65% dos seus
escravos e Minas Gerais apenas aproximadamente 5%!
Tabela 1
1851, passa a ser clandestino e, finalmente, é posto fora da lei pelo embargo ministerial que Eusébio de Queiros Coutinho Mattoso da Câmara assina a 28 de setembro de 1850. Para fugir à vigilância dos ingleses, fiadores principais de todas as leis contra o trafico negreiro, e cujas esquadras vigiam as costas, inútil dizer que todos os meios são bons; os navios que partem para fazer o trafico recebem um salvo conduto para portos imaginários, ou se antes de 1830, para um porto situado ao sul do Equador quando, na verdade, iam para outro ao Norte da linha. . Pratica-se também o sistema de duplo salvo conduto ou o do pavilhão falso. É fácil trocar em alto mar o pavilhão brasileiro por uma bandeira portuguesa, espanhola ou Norte-americana. O capitão tinha ainda o recurso de declarar seu navio “em perigo”, ou “em situação difícil” , obrigado a tocar para um porto do trafico, sob pena de perder a tripulação e carga”. Mattoso, Op. Cit.1990, p. 60.
A título oneroso A título gratuito Total
Pernambuco 3.121 7.425 10.546 2.249
Bahia 9.207 6.453 15.660 3.202
Município Neutro 2.192 12.990 15.182 754
Rio de Janeiro 5.918 15.134 21.052 4.115
S. Paulo 5.168 11.131 16.299 2.791
Minas Gerais 4.093 13.026 17.119 4.230
Rio Grande do Sul 24.787 22.000 46.787 1.466
Relatório apresentado pelo Minis tro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras
Públ icas , Antonio da Si lva Prado à Assembleia Legis lativa . Rio de Janeiro: Imprensa Nacional , 1886.
ManumitidosProvíncias e Município Neutro
Alforrias concedidas
pelo Fundo de
Escravos manumitidos a título oneroso e gratuito (até 30 de junho de 1885) e por meio do Fundo de
Emancipação ( entre set/1871 - jan./1885)
110
Outrossim, Robert Slenes, no Capítulo X de sua tese de doutorado, a partir
dos dados do Ministério e Secretaria dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras
Públicas que acabamos de expor, evidencia terem as taxas de manumissões
aumentado significativamente entre 1873 e meados da década 1880. Em uma das
tabelas desse capítulo (tabela 10-3), Slenes estimou a porcentagem da população
de cada província (com exceção do Amazonas e Ceará, que não possuem dados)
que foi liberta entre as duas matrículas de escravos, por ação individual ou pelo
fundo de emancipação. Os dados de Slenes indicam que ao menos 13,3% da
população escrava de 1873 foi liberta entre 1873-1887. Esse dado e certas
ponderações do autor ao longo do capítulo indicado nos ajudam a balizar melhor os
dados oficiais que apresentamos266.
Com o fim do comércio transatlântico de escravos, a dinâmica da população
cativa do Brasil Império passou a depender das possibilidades de seu crescimento
vegetativo. Mas as sucessivas tarefas árduas, a má alimentação, as longas
jornadas, os maus tratos, além da baixa proporção de mulheres no contingente de
escravos267, fizeram com que o número de mortes excedesse o de nascimentos268.
Deste modo, celeremente, consumiu-se este estoque de mão de obra. Esse
processo era corroborado pela crença, bastante difundida, de que do segundo ano
em diante, tudo que o escravo produzisse seria lucro269, por conseguinte não havia
necessidade de reduzir o ritmo de trabalho imposto aos escravos pelos fazendeiros
e seus administradores.
Por sua vez, o abreviado êxito reprodutivo da população escrava brasileira,
ainda não desgastada completamente, foi derivado, em parte, da dinâmica da vida
266
Robert Slenes, 1976. Op. Cit. p. 494-497.
267 Dean relativiza a importância da menor proporção de mulheres ao afirmar que desproporção
semelhante esteve presente nos contingentes de imigrantes e mesmo assim eles se reproduziam. Warren Dean. Op. Cit. p. 65-66.
268 Vale ressaltar que a mortalidade dos escravos foi substancialmente mais relevante para minar a
escravidão do que as alforrias. Segundo W. Dean, a taxa de mortalidade, por volta de 1870, foi sete vezes superior à taxa de alforrias em Rio Claro. Warren Dean, Op. Cit. p. 134. Tal constatação é corroborada pelo marquês de Olinda que indicava que a evolução demográfica iria contribuir decisivamente para o fim da escravidão. Em suas palavras “a morte era aliada da liberdade”. S. Chalhoub, Machado de Assis historiador. São Paulo: Cia das Letras, 2003. Págs. 144-145.
269 Cf. Robert Conrad, Os últimos anos... Op. Cit. Págs. 35-57.
111
em cativeiro270. Tal como já indicamos, a dinâmica de trabalho e a vida dos escravos
que labutavam no Brasil Império (com a importante exceção de MG) contribuíram
para não permitir o aumento da sua taxa de reprodução, mesmo com a criação de
algumas estratégias que buscavam permitir melhores índices de reprodução
interna271.
Mesmo tendo em vista que as relações sexuais e matrimoniais entre os
cativos nem sempre eram submetidas ao crivo legal e/ou religioso272, é de se
esperar que esta dinâmica tenha influenciado negativamente a formação da família
escrava273, mesmo quando, contrariando o censo de 1872, admitimos que a família
escrava se caracterizava pelo pai ausente, devido às pressões do cativeiro, ou seja,
quando agregamos às famílias escravas aquelas ‘capitaneadas’ por mães
solteiras274. Tal inclusão torna-se relevante, por exemplo, quando temos em vista
que “parece que reinou, durante muito tempo, um regime de pater incertus, mater
certa no interior das senzalas, o qual seria incentivado pelos próprios donos das
escravas”275. Além das coações que prevaleciam no ‘quadrado’, provavelmente,
270
Cf. Emília Viotti da Costa, Da senzala... Op. Cit. p. 258.
271 Cf. Hebert S. Klein, The internal slave trade in 19
th century Brazil. In. The middle passage.
Comparative studies in the Atlantic slave trade. Princeton: Princeton University Press. 1978, Págs. 95-96.
272 Segundo Florestan Fernandes e R. Bastide: “a vida sexual dos escravos não encontrava uma
expressão normal e reguladora no matrimônio”. Bastide, Roger & Fernandes, Florestan. Brancos e negros em São Paulo. Ensaio sociológico sobre a formação, manifestações atuais e efeitos do preconceito de cor na sociedade paulistana. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1971, p. 97. Por sua vez, Emília Viotti da Costa nos diz: “Raramente eram confirmadas por ato religioso (…)". Costa, Op. Cit. 1982, p. 259.
273 Cf. Robert W. Slenes, 1976, Op. Cit.; Merrick, Thomas & Graham, Douglas. População e
desenvolvimento no Brasil: uma perspectiva histórica. In. Neuhaus, P. (org.) Economia Brasileira uma visão histórica. Rio de Janeiro: Campus, 1980.
274 Cristiany Miranda Rocha estudou a formação e o desenvolvimento das famílias escravas ao longo
de várias gerações, em Campinas. Para tanto, realizou o cruzando de diversas informações envolvendo os mesmos cativos, tais como: registros paroquiais de batismos e casamentos, inventários post-mortem, cópias da matrícula de escravos de 1872, listas nominativas de habitantes (censos), processos-crimes e ações de liberdade. Além disso, a autora fez considerações sobre a integração dos escravos, decorrentes do tráfico interno interprovincial e estabelecidos em Campinas, às comunidades cativas já existentes nas fazendas. Cristiany Miranda Rocha. Histórias de famílias escravas: Campinas, século XIX. Campinas, SP. Ed. UNICAMP, 2004. Por sua vez, Fragoso e Florentino discutem a importância e a estabilidade da família escrava no texto: "Marcelino, filho de Inocência Crioula, neto de Joana Cabinda: um estudo sobre famílias escravas em Paraíba do Sul (1835-1872)". In. Estudos Econômicos. 17(2): 151-173. Maio/Ago. 1987.
275 Bastide & Fernandes, Op. Cit.. p. 97. Ver também: Cardoso & Ianni, 1960. Cabe mencionarmos
que as formulações de Bastide & Fernandes acerca da família escrava (os autores afirmam que
112
como resultado das promulgações do Decreto nº 1695 de 15 de setembro de 1869 e
da Lei de 28 de setembro de 1871, o reconhecimento da família escrava enfrentou
outros obstáculos. O decreto versava sobre a proibição da separação da família
escrava, o que deve ter, de alguma forma, reduzido a liquidez de parte dos
escravos. Com relação às ‘crianças’, no seu artigo segundo, lemos: “Em todas as
vendas de escravos, ou sejam particulares ou judiciais, é prohibido, sob pena de
nullidade, separar o marido da mulher, o filho do pai ou mãe, salvo sendo os filhos
maiores de 15 annos”. Já a referida lei, diminui a idade mencionada para 12 anos.
Acreditamos que o advento destas leis fez com que os proprietários de escravos,
muitas vezes, omitissem ou declarassem aos tabeliães municipais, quando as
vendas eram registradas, que parte ou a totalidade dos escravos que estavam
sendo transacionados eram solteiros e que as crianças envolvidas no negócio
possuíam pais mortos ou desconhecidos. Igualmente, a grande superioridade
numérica dos escravos em relação às escravas facilitaram as soluções empregadas
pelos senhores no assentamento das escrituras de compra e vendas, visto que
coincidia com o interesse do senhor, pois eliminava os problemas que surgiam por
ocasião da venda de escravos casados.
Antes de avançarmos, gostaríamos de frisar que essa disparidade numérica
(escravos versus escravas) corroborou, muitas vezes, afirmações relativas à
promiscuidade entre os escravos. Temos aí, por exemplo, a postura profundamente
racista de, por exemplo, Nina Rodrigues. Tal como evidencia o professor José Flávio
Motta, esse autor, em suas análises acerca do negro, privilegia a sua “raça” em
detrimento de seu passado como escravo. No âmbito das suas apreciações racistas,
advoga que os negros conformam raça inferior cujo comportamento sexual é
pautado pela promiscuidade e imoralidade276. Segundo Gilberto Freyre, a
libertinagem residia nos proprietários e, adivinha do próprio sistema escravocrata277.
prevaleceu a fragmentação da família escrava nas propriedades situadas no Oeste de São Paulo), em parte, contrariam as pesquisas pautadas por documentos oriundos de diferentes arquivos que postulam existência de famílias escravas estáveis. Para tanto, ver, por exemplo, Robert W. Slenes. Na senzala, uma flor. Campinas, SP. Ed. UNICAMP. 2011.
276 José Flávio Motta, Corpos escravos vontades livres: posse de cativos e família escrava em
Bananal (1801-1829). São Paulo: Annablume, 1999.
277 Gilberto Freyre, Casa grande e Senzala. Formação da família brasileira sob o regime da economia
patriarcal. Rio de Janeiro: Record, 2001.
113
Assim como Freyre, Fernando Henrique Cardoso destaca o papel do regime
escravocrata como determinante da perversão de costumes278. Jean Baptiste
Debret, em sua viagem à América Portuguesa, escreveu, por volta de 1816:
como um proprietário de escravos não pode, sem ir de
encontro à natureza, impedir aos negros de frequentarem as
negras, tem-se por habito, nas grandes propriedades, reservar
uma negra para cada quatro homens; cabe-lhes arranjar-se
para compartilharem sossegadamente o fruto dessa
concessão, feita tanto para evitar os pretextos de fuga como
em vista de uma procriação destinada a equilibrar os efeitos da
mortalidade.279
Encontramos contrapontos a essas formulações nas pesquisas de Robert
Slenes. Por exemplo, no livro Na senzala, uma flor. Neste trabalho, o autor –
contrariando o argumento corriqueiro na bibliografia clássica sobre escravidão no
Brasil e, sobretudo no Oeste Paulista, de que o maior contingente de homens, as
condições de trabalho aliadas aos desmandos dos senhores haviam fragilizado
sobremaneira as famílias escravas – documenta a significativa presença da família
cativa (conjugal, intergeracional e extensa) nas grandes e médias propriedades do
Sudeste, entre o final do século XVIII e a abolição. Assim sendo, apesar das
dificuldades, os escravos tiveram possibilidade de constituir famílias monogâmicas e
estáveis. Nas palavras do autor:
O grande desequilíbrio entre homens e mulheres adultos tem
implicações importantes para a família cativa (...). É bem
possível que, numa tal sociedade, o poder de barganha das
mulheres nas relações sexuais fosse consideravelmente maior
278
Fernando H. Cardoso, & Octavio Ianni, Cor e mobilidade social em Florianópolis. Aspectos das relações entre negros e brancos numa comunidade do Brasil Meridional. São Paulo: Cia. Ed. Nacional 1960.
279 Debret, 1972, t.1, p. 196, citado por José Flávio Motta, Corpos escravos vontades livres... 1999, p.
184.
114
e as sanções masculinas contra a ‘promiscuidade’ feminina
fossem necessariamente mais relaxadas. Mas, mesmo que
esse fosse o caso, a tendência central dessas mulheres e suas
filhas (...) provavelmente teria sido a de tentar implementar as
normas africanas de vida familiar nas quais haviam sido
socializadas. Em suma, as mulheres escravas normalmente
não teriam utilizado seu maior poder de barganha vis-à-vis os
homens para abraçar a poliandria ou embarcar de preferência
em relações passageiras (...)280.
Richard Graham, ao discutir as consequências do tráfico interno para os
escravos281, corrobora a importância que os escravos atribuíam aos laços familiares.
Tal importância fica evidente quando uma vez libertos, os membros da família
buscavam restabelecer os vínculos com aqueles que anteriormente foram vendidos.
O que era possível quando parte da família havia sido alienada no bojo do tráfico
local ou para um município próximo e muito difícil quando as vendas que
fragmentaram as famílias enviavam os escravos para fazendas muito distantes, ou
seja, quando a transação ocorria no âmbito do tráfico interprovincial. A partir dos
textos de Lauderdale Graham, Proteção e obediência282, Chalhoub, Visões da
liberdade283, Graham informa seu argumento por meio dos fados enfrentados por
Maria Ana de Sousa do Bomfim e Felicidade, vejamos:
Maria Ana de Souza do Bomfim, uma mãe que tinha sido
alforriada na Bahia, foi para o Rio de Janeiro em 1868 procurar
sua filha Felicidade, que para lá tinha sido vendida muito antes.
Lauderdale Graham mostra que, quando Maria Ana chegou ao
280
Robert W. Slenes. Na senzala, uma flor. Campinas, SP. Ed. UNICAMP, 2011. p. 82.
281 O autor nos diz: “Os transferidos se viam isolados de seus contatos humanos costumeiros. A
estranheza do novo ambiente que encontravam certamente aumentava seu desânimo. Mães, irmãs, companheiras e crianças deixadas para trás devem ter sido devastadas pelo vazio deixado por aqueles mandados para longe”. Richard Graham, Nos tumbeiros mais uma vez?... Op. Cit. p. 149.
282 Sandra Lauderdale Graham, Proteção e obediência: Criadas e seus patrões no Rio de Janeiro,
1860-1910, São Paulo, Companhia das Letras, 1992.
283 Sidney Chalhoub, Visões da liberdade... Op. Cit. 2001.
115
Rio, sua filha já tinha sido entregue a um comprador em Minas
Gerais. A mãe então contratou um fornecedor de escravos do
Rio, pagando-o para ir a Minas Gerais procurar a sua
Felicidade, comprá-la e trazê-la com ele para o Rio onde Maria
Ana iria pagar sua alforria em prestações. Este plano deu certo,
até que a mãe deixou de fazer dois pagamentos e houve uma
batalha judicial acerca do estatuto jurídico de Felicidade. Sua
mãe finalmente conseguiu que Felicidade fosse considerada
coartada, isto é, libertada condicionalmente com a obrigação
de fazer pagamentos até completar seu preço de venda, e o
tribunal decidiu que tais pagamentos podiam ser convertidos na
obrigação das duas, mãe e filha, prestarem serviços por um
período de três anos. O senhor de Felicidade concordou com
esta solução, disse ele, por causa do “espírito de
insubordinação de que é natural estar possuída”284.
Retomando as promulgações que indicamos acima, podemos nos aproximar
do impacto dessas medidas na constituição da família escrava quando confrontamos
os dados decorrentes dos censos de 1854 e 1872, tal como expostos na tabela
abaixo. Mesmo tendo em vista a fragilidade desta comparação, esses dados nos
permitem notar que no bojo destas importantes localidades paulistas (algumas das
quais terão a sua documentação relativa ao tráfico de escravos analisada ao longo
desta investigação), enquanto a população escrava aumentou, o número de
casamentos diminuiu significativamente. Esses dados, é importante frisarmos, não
incluem uniões consensuais. Além disso, vale termos em vista que o matrimônio
sancionado pela Igreja não era concedido a todos os cativos que o requisitavam.
Outrossim, os senhores de escravos normalmente inviabilizavam o casamento
formal entre cativos de donos diferentes e entre escravos e pessoas livres.
284
Richard Graham, Nos tumbeiros mais uma vez?... Op. Cit. p. 149-150. Além desse caso, há, ao longo do texto de Graham, diversos outros exemplos.
116
Tabela 2285
Ainda com relação à dinâmica reprodutiva dos escravos, Warren Dean em
sua pesquisa sobre Rio Claro, apurou que a proporção de crianças sobreviventes
em relação às mulheres em idade fértil era mais do que três vezes maior para as
mulheres livres do que para as escravas, apesar dos “favores” das cativas, para
muitos, serem solicitados mais frequentemente. Talvez, a menor fecundidade
registrada entre as escravas, seja resultante da escrava ter sido um agente de
reprodução da própria escravidão. O princípio legal de partus sequitur ventrem
285
Cabe mencionar que, a despeito de oficiais, os dados presentes nessa tabela divergem significativamente dos dados encontrados nos estudos pautados pelas matrículas de escravos.
Solteira Casada Viúva Total
Araraquara 1.087 419 82 1.588
Bananal 5.839 1.730 52 7.621
Campinas 4.582 2.862 705 8.149
Itú (**) 2.140 960 72 3.172
Mogi-Mirim 5.329 1.698 282 7.309
Pindamonhangaba (**) 4.324 1.198 106 5.628
Rio Claro (**) 1.527 614 43 2.184
São Paulo 4.856 762 153 5.771
Solteira Casada Viúva Total
Araraquara 1.104 283 30 1.417
Bananal 6.698 1.477 106 8.281
Campinas 9.931 3.056 698 13.685
Itu 2.931 409 158 3.498
Mogi Mirim 4.500 392 114 5.006
Pindamonhangaba 3.600 99 19 3.718
Rio Claro 3.578 296 61 3.935
São Paulo 3.329 380 119 3.828
(**) Municípios com Tota l Parcia l
População Escrava segundo Estado Civil
Fonte: Censos de 1854, 1872. Dados organizados por Bassanezi , M. S. C.
B. São Paulo do passado: dados demográficos . Campinas : NEPO-
UNICAMP, 1998. 1 CD-ROM.
Municípios
Municípios
População Escrava 1854
População Escrava 1872
117
afirmava que a condição legal do filho decorria da condição legal da mãe286. Por isso
mesmo, os casais de escravos procuraram evitar o que ambos deveriam considerar
uma desgraça, a concepção de um filho escravo. Pela mesma razão,
provavelmente, praticavam o coito interrompido e o infanticídio, conclui Dean287.
João Pandiá Calógeras, por seu turno, estimou uma taxa de crescimento
vegetativo dos escravos da ordem -4,5% a/a. Já Maurício Goulart, a partir de
documentos censitários sobre São Paulo (1800 e 1826) e Maranhão (1779),
constatou taxas ligeiramente positivas, todavia alerta que não há meios para
concluirmos que a taxa de crescimento vegetativo das populações escravas fosse
positiva288. Por sua vez, Robert Slenes, analisando a dinâmica da população
escrava da Corte, conclui que essa diminuía 1,3% ao ano. Das 36.807 crianças
nascidas e registradas entre 1871 e 1887 como filhos de mães escravas, 9.546
morreram o que origina um índice de mortalidade de 232 por mil, entre zero e 16
anos. Assim, a mortalidade é suficiente para tornar a balança de nascimentos e
mortes negativa289.
286
Peter L. Eisenberg, Op.Cit. 183.
287 Warren Dean, Op. Cit. Págs. 72-74.
288 Tanto Calógeras quanto Goulart aparecem citados em José Flavio Motta, Op. Cit. 1999.
289 Cf. Emília Viotti da Costa, Da senzala... Op. Cit. p. 50. De acordo com Maria de Fátima Rodrigues
das Neves: “Os fatores que, no século XIX, provocavam doenças e levavam anualmente à morte milhares de crianças escravas brasileiras durante o primeiro mês de vida achavam-se profundamente relacionados às condições de gravidez e parto da mãe. Na interação, dieta, doença e trabalho materno, expressos por área e por época do ano, residiam as principais causas do elevado número de óbitos observados na população infantil escrava no século XIX. Já a mortalidade pós-neonatal (do 1º ao 12º mês de vida) e das crianças maiores vinculava-se estreitamente às condições de alimentação nos primeiros meses e anos de vida”. Maria de Fátima Rodrigues das Neves, “Mortalidade e morbidade entre os escravos brasileiros no século XIX”, Anais do Encontro Nacional de Estudos populacionais (1994), p. 59. Outro aspecto que vale pontuarmos é o suicídio dos escravos. De acordo com Ana Maria Galdini Raimundo Oda & Saulo Veiga Oliveira, poucas pesquisas têm se ocupado especificamente do suicídio cativo. Temos por exemplo, José Alípio Goulart que dedicou ao tema um capítulo de Da fuga ao suicídio (1972), considerando-o reação aos maus tratos do cativeiro, decorrente de fugas mal sucedidas e decorrentes de crenças de retorno espiritual à África. Em 1990, Renato Pinto Venâncio publicou artigo sobre o suicídio de escravos na cidade do Rio de Janeiro, nas últimas duas décadas da escravidão, procurando relacionar o fim do regime escravista à diminuição do número global de suicídios registrados. Por seu turno, em seu estudo sobre a vida escrava no Rio de Janeiro da primeira metade do XIX, Mary Karasch dedica ao suicídio parte do capítulo acerca dos “fugitivos e rebeldes”. A partir de relatos de viajantes, estatísticas policiais e hospitalares e do compêndio sobre as doenças do Brasil escrito pelo Dr. Sigaud, médico francês radicado no Rio de Janeiro, Karasch discorre sobre as motivações para os suicídios, quais sejam: rebeldia contra a condição cativa e consequência dos maus-tratos; nostalgia / banzo e outras perturbações mentais graves; e desejo de retorno espiritual à África. Estes comentários acerca do suicídio escravos são decorrentes do texto: Registros de suicídios entre
118
O cenário conformado pela cessação do tráfico atlântico, por medidas legais
que procuravam extingui-lo e pelos demais processos já indicados, de um lado,
evidenciou, por mais contraditório que possa parecer, em virtude da continuidade do
escravismo, a vitalidade deste sistema social que já perdurava por quase quatro
séculos290;e, de outro, propiciou importante decréscimo da população escrava291.
Enquanto em 1850 havia, aproximadamente, 2.500.000 escravos no Brasil292, em
1870, de acordo com o recenseamento geral do Império realizado na primeira
metade desta década, o contingente de cativos era de 1.555.000, número que caiu
para cerca de 700.000, por volta de 1887.
Contudo, tal como lemos no relatório do Ministério da Agricultura, Comércio e
Obras Públicas de 1866, “a diminuição dos únicos braços que se empregavam na
lavoura não se tem feito sentir na produção” (...) “os dados estatísticos provam uma
progressão constantemente ascendente em seus valores, parece-me inegável não
escravos em São Paulo e na Bahia (1847-1888): notas de pesquisa. Terceiro encontro escravidão e liberdade no Brasil meridional. Maio de 2007. Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário Florianópolis, SC.
290 O que evidencia, tal como propõe Spindel, que a “organização escravocrata desenvolve, à medida
que se defronta com as suas próprias contradições, novos elementos e novas conexões de sustentação, que se gestão e se estruturam no próprio evoluir da economia cafeeira, desde o prenuncio da escassez da mão de obra escrava, até a gradativa extinção deste fator básico de produção”. Cheywa Spindel, Op. Cit. p. 32.
291 Estes reiterados decréscimos formaram diversas expectativas de decadência para a cultura
cafeeira. Por exemplo, pensava o Visconde de Nova Friburgo que depois da tentativa falha de 1883 de substituir os escravos por colies chineses, nada poderia deter a ruína da grande lavoura. (...) Declarou: “nós estamos condenados! Qualquer esperança de se manter a cultura cafeeira está desde já perdida”. A de E. Taunay, Op. Cit. V. VII, t. V. p. 357.
292 Vale notarmos que, já pressentindo o fim do tráfico, os negreiros estabelecidos no Brasil tomaram
a precaução de introduzir no país, somente no quadriênio 1846-1849, 220 mil africanos. Repetiam a prática da intensificação da atividade dos navios tumbeiros em 1827-1830, às vésperas da aprovação da lei que pôs o tráfico africano na ilegalidade total, em 1831. Cf. L. Bethell, A Abolição do comércio brasileiro de escravos: a Grã-Bretanha, o Brasil e a questão do comércio de escravos 1807-1869. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002. P. 70-75. A partir da observação da movimentação de entrada de navios negreiros no porto do Rio de Janeiro, Manolo Florentino propôs que o tráfico atlântico de escravos apresentou três conjunturas distintas na passagem do século XVIII para o XIX: uma fase de estabilidade (1790/6-1808), uma de aceleração (1809/10-1825), vinculada a transferência da Família Real para o Brasil e a abertura dos portos coloniais ao comércio internacional, e a da “crise de oferta africana” (1826-1830), quando a expectativa pelo fim do tráfico, em decorrência dos diversos acordos e tratados assinados com a Inglaterra, e o aumento da demanda por cativos no sudeste brasileiro contribuíram para um substancial crescimento no volume de importação de africanos. Ver: Manolo Florentino. Em costas negras: uma história do tráfico atlântico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). 1ª Edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 44-50; Manolo Florentino; José Roberto. A paz nas senzalas: famílias escravas e o tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790- c. 1850. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997, p. 46-9.
119
só que melhoram-se e aperfeiçoam-se os processos agrícolas, como que a lavoura
vai por si dando solução ao problema social que nos aterra”. (...) “É natural que se
altere nosso método de cultura, nossos hábitos agrícolas, prestando-nos então mais
obediência ao grande principio econômico da divisão do trabalho”293.
Ponderam os autores do Relatório de 1866, por sua vez, que “talvez a
deslocação dos braços servis do trabalho doméstico para os rurais, que a remessa
de escravos do Norte para o Sul294 [tal como podemos vislumbrar na tabela a seguir
- GR], tem trazido para os grandes centros de produção cafeeira o suprimento
preciso de braços, e assim compensado, com aumento deste valioso gênero de
exportação [café - GR], a diminuição ou abandono de outros artigos de cultura”295.
293
Esta e as citações anteriores deste parágrafo são decorrentes do Relatório do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Publica apresentado à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro, 1966. “Este fato de grande alcance econômico deve – de acordo com o Relatório deste mesmo Ministério para o ano de 1867 – provar aos mais incrédulos, que o trabalho escravo exclui, por assim dizer, o trabalho livre e à medida que um desaparece o outro, melhor apreciado e remunerado, encontra condições favoráveis para se desenvolver”. Relatório do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Publica apresentado à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro, 1866. Págs. 19-20. Michael Hall argumenta que não foi à abolição que possibilitou a imigração em massa, mas esta que possibilitou aquela.
294 “Para os homens públicos do Império e, em grande parte, também da República Velha, a geografia
regional do Brasil era bem simples: havia as províncias, depois estados, do Norte, do Amazonas à Bahia, e as províncias, depois estados, do sul, do Espírito Santo ao Rio Grande. Nada de nordeste, sudeste ou Centro-Oeste”. Evaldo Cabral de Mello. O Norte agrário e o Império, 1871-1889. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999. p. 15.
295 Relatório do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras
Publica apresentado à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro, 1966. p. 19-20. Assim sendo, os escravos eram direcionados, principalmente, para as áreas de fronteira mais dinâmicas. Aí, tal como constatou Peter L. Eisenberg para Campinas entre 1798 e 1829, os escravos constituíam quase sempre o item mais valioso nos inventários dos ricos, e sua representatividade foi se alargando até que na década de 1820, o plantel representava quase a metade das fortunas destes fazendeiros. (Eisenberg, citado por: Renato Leite Marcondes, Diverso e desigual: Op. Cit. p. 19). Segundo Marcondes, essa importância deve ser considerada tão-somente para áreas da fronteira exportadora, diferente, por exemplo, do contexto nordestino. “As decisões de investimento mostraram-se muito diversificadas, pois em áreas mais mercantis os plantéis não corresponderiam à parcela tão significativa dos patrimônios”. Podemos, a partir dos trabalhos que analisaram a participação dos escravos na riqueza, por meio dos inventários post-mortem, descortinar a representatividade destes na riqueza de seus proprietários em diferentes épocas e lugares. Zélia Cardoso de Mello, acerca da cidade de São Paulo, a partir da análise de 746 inventários, entre 1845 e 1895, notou redução da participação dos escravos no conjunto da riqueza de 32,3%, no início do recorte, para 7,8%, entre 1872-80. Em contrapartida houve a ascensão dos imóveis urbanos, ações e apólices públicas na riqueza paulista. Diferentemente da capital, por exemplo, em Franca, Jaú, Socorro, Mogi Mirim “notamos uma menor redução da participação dos escravos na riqueza dos inventariados do que na capital, mantendo a sua importância em virtude especialmente da dinâmica da economia cafeeira”. Os estudos que focaram outras províncias também apontam participações elevadas dos escravos no âmbito da riqueza dos seus proprietários. Eisenberg apontou uma participação de 26,5% nos ativos totais de trinta senhores de engenho em Pernambuco, entre 1859 e 1888. Na Zona da Mata
120
Tabela 3296
“Sem negar a realidade do facto – continua o Relatório de 1866 –, nego que
tal suprimento esteja na razão da necessidade sentida, e a elevação considerável do
valor do escravo servirá de prova cabal”297. (...) Mas, pergunta o mesmo Relatório,
como ficaram as províncias do ‘Norte’ que remeteram seus escravos para o ‘sul’?
“Às causas gerais do decréscimo de braços servis ajunta-se para ellas essa outra
sergipana, os escravos conformavam 29% da riqueza, contra 38% dos bens de raiz. No agreste e sertão de Pernambuco, os escravos representavam, respectivamente, 39,3 e 49,1%. Idem. p. 20, 22 e 23. Os senhores de engenho, em comparação com os escravistas do sertão e nordeste, detinham menor parcela de sua riqueza em escravos, provavelmente como resultado do volume de terras, equipamentos, estruturas necessários para a sua atividade. Idem. p. 23. R. L. Marcondes chegou a estas conclusões a partir, respectivamente, dos seguintes estudos: Oliveira, 1997; Santos, 1980; Siqueira, 1999, Soares, 2003; Eisenberg, 1977; Silva, 2004; Versiani e Vergolino, 2003.
296Vale termos em vista que haviam escravos no “Norte”, sul e sudeste porém não haviam dados.
297 As proposições de Versiani & Vergolino em Preços de escravos em Pernambuco no século. XIX.
In: Anais do XXX Encontro Nacional de Economia - ANPEC 2002, contrariam esta proposição, que segundo os autores persiste na literatura com a força de um dogma. p. 2.
Região 1819 1823 1872 1882 1887
37,25 38,92 58,99 58,17 74,48
Minas Gerais 15,22 18,74 24,52 22,09 30
Rio de Janeiro e Corte 13,19 13,12 22,6 24,11 25,47
São Paulo 7,01 1,83 10,37 10,33 16,91
Espirito Santo 1,83 5,23 1,5 1,64 2,1
33,06 43,03 23,15 24,03 25,52
Bahia 13,3 20,69 11,11 10,47 12,05
Pernambuco 8,82 13,07 5,89 6,71 6,45
21,69 14,57 10,53 10,89 -
Maranhão 12,04 8,47 4,96 4,76 -
Ceara 5,01 1,74 2,11 1,55 -
8 3,48 7,33 7,91 -
Rio Grande do Sul 2,55 0,65 4,49 5,44 -
Goiás 2,42 2,09 0,71 0,55 -
¹ Nordeste: Bahia , Pernambuco, Sergipe, Alagoas , Para íba, Rio Grande do Norte
² Norte: Amazonas , Para, Maranhão, Piauí e Ceara
³ Sul e sudoeste: Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul , Goiás e Mato Grosso
População escrava brasileira, por província, em perceptual 1819 - 1887
Fontes : F. J. Ol iveira Vianna, Resumo his tórico dos inquéri tos cens i tários rea l izados no Bras i l"; e
Ci ro T. de Pádua, "Um capítulo da his tória econômica do Bras i l", ci tados em Stein, Vassouras :... ,
p.341. Os dados que resultaram nesta tabela , por nos organizada, foram origina lmente
ordenados por: Neves , Op. Ci t. p. 113.
Ano -->
Sul e
sud
oe
ste
³ Total Sul e sudoeste
Pro
vín
cias
em
de
staq
ue
Total SudesteN
ord
est
e¹
Pro
vín
cias
em
de
staq
ue
Total Nordeste
No
rte
² Total Norte
Pro
vín
cias
em
de
staq
ue
Pro
vín
cias
Sud
est
e
121
fonte de diminuição; e por ventura a sua lavoura definha?” (...) “Ponderae nos
quadros apensos a este relatório, concernentes as Províncias do Norte, e vereis que
nellas, bem como em todo o Império, o progresso é sensível”298.
Quando nos deparamos com os fragmentos que conformam esta longa
citação, cabe reiterarmos e respondermos a pergunta levantada. Por quais motivos a
“emigração escrava”, dinamizada pela expansão cafeeira do sudeste, não ocasionou
a decadência da “indústria agrícola” do ‘Norte’?
A decadência não se verificou, tal como podemos constatar nos quadros
apensos a um dos Relatórios citados, pois os escravos que sofreram a sina do
tráfico interprovincial não foram oriundos, sobretudo, do complexo casa-grande e
senzala da Zona da Mata litorânea. Vale frisarmos o equívoco, muitas vezes
reiterado por parte da literatura conexa, de que eram os senhores de engenho os
vendedores que alimentavam os plantéis do sudeste. Usualmente, não foi este o
caso. Os escravos ‘nortistas’ comerciados foram decorrentes de pequenos plantéis
existentes, principalmente, no âmbito da menos lucrativa produção açucareira
nordestina oriunda de médias e pequenas propriedades, do sertão semi-árido, onde
a criação extensiva de gado era preponderante, da região intercessora do agreste,
onde se cultivava algodão e culturas alimentares, além da criação de gado, em
propriedades relativamente pequenas, e de áreas mais urbanizadas, o que ajuda a
explicar o avanço mais célere do trabalho livre nestas zonas299. Alguns dos autores
cujas pesquisas constituem referências para este trabalho enfatizam tal aspecto,
vejamos.
Slenes, por exemplo, em The Brazilian Internal Slave Trade, 1850-1888:
Regional Economies, Slave Experience, and the Politics of a Peculiar Market
298
Relatório do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Publica apresentado à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro, 1966. p. 19-20.
299 Esta proposição, é relevante observarmos, contraria a literatura que afirma que a região não
açucareira de Pernambuco, por exemplo, não era compatível com o trabalho escravo. Ver, Manuel Correia de Andrade, A terra e o homem no Nordeste. 3ed. São Paulo Brasiliense, 1973 e Antônio Barros de Castro. 7 ensaios sobre economia brasileira. 2v. Rio de Janeiro: Forense, 1971. A discussão que perpassa este parágrafo é desenvolvida por, dentre outros, Versiani & Vergolino, Preços de Escravos em Pernambuco no Século XIX. Série Textos para Discussão Texto n. 252, Brasília, Outubro de 2002 e ANPEC 2002, p. 2.
122
evidencia que os mercados de escravos do Nordeste e Sudeste eram relativamente
independentes. Cada um era pautado por sua respectiva economia de exportação.
No Nordeste, os preços dos escravos oscilavam em decorrência da dinâmica do
preço do açúcar, enquanto no Sudeste eles seguiam o preço do café. Essa evolução
marca uma importante diferença entre este mercado no Brasil e EUA: nos EUA, os
preços dos escravos foram condicionados, da metade dos anos 1820 em diante,
apenas pelo preço do algodão. Assim sendo, segundo Slenes, o comércio inter-
regional brasileiro não refletiu simplesmente o declínio da economia açucareira.
Slenes argumenta que ao longo dos anos 1870, o tráfico inter-regional (Nordeste-
Sudeste) se avolumou, pois os senhores de engenho do Nordeste não tiveram mais
possibilidade de absorver todos os escravos colocados á venda por pequenos
produtores rurais e por proprietários urbanos300.
Richard Graham, em Nos tumbeiros mais uma vez?, enfatizou que os
escravos enviados do Nordeste para o Sudeste:
não vinham das plantações de cana de açúcar. Pelo fato de
que a exportação nordestina de açúcar não estava mais em
expansão, há a falsa convicção de que eram os senhores de
engenho que vendiam seus escravos para o Sul, mas não foi
usualmente este o caso. A mais importante fonte, a longo
prazo, para o novo tráfico de escravos foram as pequenas e
médias propriedades agrícolas [e os proprietários urbanos]. (...)
Podemos supor que os proprietários urbanos de escravos
venderiam seus escravos tanto para os senhores de engenho
das áreas vizinhas, quanto para os traficantes de escravos de
300
Robert Slenes. The Brazilian Internal Slave Trade, 1850-1888: Regional Economies, Slave Experience, and the Politics of a Peculiar Market. In: Johnson, Walter (Org.) The Chattel Principle: Internal Slave Trades in the Americas. Yale University Press, 2004. Esta proposição é ainda corroborada pelo fato das transferências inter-regionais de escravos no Brasil ter ocorrido fundamentalmente por meio da venda, ao contrário do que aconteceu no Sul dos EUA, onde a maioria dos migrantes escravos deslocou-se com seus proprietários. A pequena migração de proprietários pode indicar que os senhores de engenho ainda gozava de lucros aceitáveis, mesmo ao longo da década de 1870. Idem.
123
longa distância, dependendo inteiramente do preço que por
eles eram oferecidos301.
Luna e Klein, por sua vez, chamam atenção para o fato de que além de uma
transferência progressiva da população escrava no Brasil, dos centros menos
prósperos para as regiões mais dinâmicas e das áreas urbanas para as rurais,
com a expansão dos trabalhadores livres de cor, diminuiu a
necessidade de cativos nas áreas urbanas. De fato, de acordo
com o primeiro censo de 1872, o acelerado crescimento da
população livre de cor no século XIX fez dela o maior grupo
populacional do império. Apesar dessa multiplicação da
população livre negra, a agricultura de exportação, na maioria
das regiões permaneceu baseada principalmente na mão de
obra escrava até o fim da escravidão302.
Assim sendo, os escravos enviados para o ‘sul’ eram provenientes, de áreas
urbanas e, principalmente, dos sertões e do agreste onde a dinâmica da produção,
submetida às especificidades da pecuária e policultura, estava sujeita ao emprego
da meação e trabalho familiar autônomo, além do assalariado diarista303. Os
senhores de engenho, mesmo ocasionalmente não tendo a força dos plantadores do
sudeste para competir pelos trabalhadores necessários, não venderam grande
número de escravos para esses304. Concorreram favoravelmente com outros
301
Richard Graham. Nos tumbeiros mais uma vez? O comércio interprovincial de escravos no Brasil. Afro-Ásia, 27 (2002), 121-160. Págs.130-131 e 133.
302 Luna & Klein, Op. Cit. 2010, p. 91.
303 Cf. Evaristo F. Neves, Op. Cit. p. 104.
304 Cf. Agostinho Marques Perdigão Malheiro, Discurso, 03/07/1877, em Brazil, Congresso, Câmara
dos Deputados, Anais 2 (1877): 23; Stanley J. Stein, Op. Cit. 95.
124
escravistas do ‘Norte’, e o mercado de escravos da zona da mata continuou estável,
mesmo durante os anos 1870305.
Corroborando o argumento que acabamos de enfatizar, Josué Modesto dos
Passos Subrinho, apontou o vigor do escravismo, pós 1850, em Sergipe. Segundo o
autor:
a) o emprego da mão de obra escrava permaneceu importante
para o setor açucareiro, até as vésperas da abolição da
escravidão; b) a taxa de alforrias [...] foi baixa na província,
elevando-se apenas nos últimos anos do regime escravista [...]
1873-1887, houve uma redução relativa da população escrava
urbana, aumento relativo da população empregada na lavoura”.
Por sua vez, o tráfico interprovincial teve consequências
distintas nas diferentes áreas de Sergipe. A Zona da “Mata
importou, em termos líquidos, escravos de outras regiões da
província, no período 1873-1886. Porém, quanto às regiões do
Agreste-Sertão, especialmente o Agreste-Sertão de Itabaiana,
o tráfico inter e intraprovincial de escravos teve um papel
importante na redução de seu estoque306.
305
Cf. Robert W. Slenes, R. e Pedro C. Mello, Op. Cit. Págs. 98 e 99. In. Neuhaus, P. (org.) Economia Brasileira uma visão histórica. Rio de Janeiro: Campus, 1980. Ver também: Slenes, The Brazilian internal slave trade, 1850-1888.... Op. Cit. p. 325-370. No que diz respeito ao tráfico interprovincial, no caso baiano, por exemplo, os grandes proprietários, muitos dos quais ligados à agro exportação, fizeram o possível para manter seus escravos. Segundo o estudo realizado por Bert Barickman, proprietários de engenhos do Recôncavo baiano utilizaram a mão de obra escrava em larga escala até a véspera da abolição. Para tanto, adquiriam escravos junto a pequenos roceiros e fazendeiros menos abastados, além de adquirir cativos nas vilas e cidades vizinhas. Ricardo Tadeu Caíres Silva. A participação da Bahia no tráfico interprovincial de escravos (1851-1881) Terceiro encontro escravidão e liberdade no Brasil meridional. Universidade Federal de Santa Catarina. Maio, 2007.
306 Josué Modesto dos Passos Subrinho (Reordenamento do trabalho: trabalho escravo e trabalho
livre no Nordeste açucareiro; Sergipe, 1850/1930. Aracaju: Funcaju, 2000) citado por: Renato Leite Marcondes, Diverso e desigual... p. 21. Neste momento, importa termos em vista alguns dados relevantes acerca da produção açucareira. Apesar do declínio relativo do açúcar brasileiro no mercado mundial. Luna e Hebert Klein, a partir de dados de Deerr, The history of Sugar, montam o seguinte quadro: “apesar de seu declínio relativo nos mercados mundiais, a produção brasileira de açúcar expandiu-se durante a maior parte do século XIX. Na década de 1820 chegou 40 mil toneladas, e na década seguinte aumentou para 70 mil. Um decênio depois atingia a faixa das 100 mil toneladas, e nesse patamar permaneceria pelas duas décadas seguintes, quando os preços mundiais sofreriam o golpe da entrada do açúcar de beterraba no mercado europeu. Mas a expansão voltou a ocorrer com preços mundiais favoráveis, e nos anos 1870 a produção brasileira média era de 168 mil toneladas, chegando a 200 mil toneladas na última década da escravidão”. Op. Cit. 2010, p. 97.
125
O argumento que ora esposamos é corroborado, tal como podemos notar nos
gráficos abaixo, pelo fato de o preço dos escravos em Pernambuco, uma das
principais provinciais açucareiras, ter sido fortemente influenciado pela dinâmica do
preço do açúcar307. Assim sendo, os dados abaixo, apóiam as proposições de
Robert Slenes, quando afirma que “Pernambuco [assim como parte da Bahia,
segundo este mesmo autor - GR] formava um mercado forte e relativamente
independente, no qual o maior componente da demanda por escravos não era um
componente externo, mas interno: a atividade açucareira”308.
307
Robert W. Slenes, foi um dos autores que enfatizou a associação entre os preços das mercadorias de exportação e o preço dos escravos, na segunda metade do século XIX. Sobre o nordeste açucareiro e particularmente Sergipe, ver: Josue Modesto dos Passos Subrinho. Reordenamento do trabalho: trabalho escravo e trabalho livre no Nordeste açucareiro, Sergipe 1850/1930. Doutorado em Economia, UNICAMP. 1992.
308 Robert W. Slenes, The demography... Op. Cit. p. 201.
126
Gráfico 2 e 3
Em recente pesquisa, Resende, Versiani, Nogueról e Vergolino afirmam que o
preço dos cativos de Pernambuco era positivamente afetado pelos preços de
exportação do açúcar e do café. Os autores nos dizem “que o preço do açúcar
tivesse esse efeito não é surpreendente, por se tratar da principal atividade produtiva
da Província; mas é muito significativo que o preço do café apareça como fator
relevante, atestando provável arbitragem de preços entre Províncias”, já que a
cultura do café era atividade marginal, em Pernambuco. Os autores mencionados
Fonte: Fonte: Bras i l , IBGE. Series estatís ticas retrospectivas . Vol . I I I - Series econômicas ,
demográficas e socia is 1550-1988. Rio de Janeiro: IBGE, 1990. Adaptado.
Fonte: Vers iani , F. R. & Vergol ino, J. R. O. Preços de Escravos em Pernambuco no Século XIX.
Série Textos para Discussão. Univers idade de Bras íl ia , Departamento de Economia. Texto no
252, Bras íl ia , Outubro de 2002. Obs . Escravos padrão: os da fa ixa etária mais produtiva , de
15 a 40 anos , excluídos os que eram descri tos como portadores de doença ou defei to fís ico.
-100
100
300
500
700
900
1.100
Evolução do preço médio do escravo padrão por quinquênios e sexo, em Pernanbuco. 1800-1887 - Mil Réis
Preço médio Homens Preço médio Mulheres
020406080
100120140160180200
Evolução do preço médio da tonelada do açucar exportado por quinquênios . 1800-1887 - Mil Réis
127
concluem que um aumento de “1% no preço de exportação aumentaria o preço dos
escravos em 1,09%, no caso do açúcar, e em 0,38%, no caso do café”309.
Além disso, alguns dados concernentes aos movimentos de entrada e saída
de escravos dos municípios baianos indicam que durante o intervalo 1850-1880, a
área açucareira, possivelmente, foi ganhadora líquida de escravos por meio do
tráfico interno, enquanto que as zonas urbanas e as para além do Recôncavo foram
perdedoras liquidas de escravos310.
Podemos ter uma visão mais abrangente da dinâmica de entradas e saídas
de escravos de diversas províncias do Império, por meio do quadro abaixo. Aí,
temos informações que perpassam os anos compreendidos entre 1873 e 1885,
período caracterizado, dentre outras coisas, por um intenso tráfico interprovincial
durante os anos 1870 (sobretudo entre 1874-1880), tal como sobejamente é
indicado pela literatura, e pela interrupção desse em função da promulgação de
tarifas proibitivas no início da década de 1880. Além das substanciais entradas
ocorridas em São Paulo e no Rio de Janeiro, e do quase equilíbrio verificado em
Minas, o que talvez mais chame atenção é o caso de Pernambuco, pois corrobora
os argumentos esposados acima. Observamos que as entradas, ao longo deste
período crítico para o tráfico interprovincial, superaram significativamente as saídas
da província. Além disso, vale chamarmos atenção para o fato de que, de acordo
com os dados abaixo (portanto sem considerarmos as alforrias), São Paulo foi a
única província a ter saldo líquido positivo quando confrontamos saídas e mortes
com entradas.
309
Cf. Resende, Versiani, Nogueról, Vergolino. Preços de escravos e produtividade do trabalho cativo: Pernambuco e Rio Grande do Sul, século XIX. Anais do Encontro Nacional de Economia – ANPEC, 2013. p. 11.
310 Robert W. Slenes, e Pedro C. Mello, Op. Cit. Págs. 98 e 99. In. Neuhaus, P. (org.) Economia
Brasileira uma visão histórica. Rio de Janeiro: Campus, 1980. Ver também: Slenes, Op. Cit.,134. Segundo Luna e Klein: “Até aquele ano [1850 - GR], grande parte dos escravos enviados ao interior eram cativos recém-chegados da África, via tráfico negreiro. No período seguinte, até o fim da escravidão, os escravos que circularam no tráfico interno eram fornecidos pelas áreas de menor densidade econômica e abasteciam as ricas zonas de expansão da grande lavoura. Havia também um movimento de escravos das áreas urbanas para o campo. Nesse sentido a movimentação de escravos pós 1850 assemelhava-se ao trafico interno de escravos que ocorreu nos Estados Unidos durante o século XIX, trafico terrestre que cruzava as fronteiras dos Estados, como também por via marítima a partir dos Estados do Sudeste, por exemplo, para o porto de Nova Orleans. A comparação de dados deste tráfico interno pré e pós 1850 no Brasil e nos Estados Unidos, na primeira metade do século XIX, mostraram maior importância do tráfico interno por via marítima nos Estados Unidos do que no Brasil”. Op. Cit. 2010, p. 90.
128
Tabela 4311
Afora os cativos do ‘Norte’, o ‘sul’ do Império, onde a atividade do charque
estava em declínio, também contribuiu para engrossar os fluxos de escravos para o
sudeste do Brasil. A partir dessa localidade, os cativos foram conduzidos,
311
Algumas ponderações acerca desses dados podem ser encontradas no apêndice A da tese de Robert Slenes, 1976. Op. Cit.
Províncias e município
neutro
Escr
avo
s ex
iste
nte
s em
30
de
sete
mb
ro d
e 1
87
3,
con
form
e a
mat
rícu
la
Escr
avo
s en
trad
os
dep
ois
de
30
de
sete
mb
ro d
e 1
87
3
Saír
am
Fale
cera
m
Pará 31.216 5.502 4.593 3.962
Maranhão 52.733 6.638 9.654 13.929
Piauhy 24.016 2.477 5.414 2.392
Rio Grande do Norte 13.165 2.520 5.997 846
Parahyba 27.651 509 3.951 3.677
Pernambuco 92.745 21.132 17.690 13.271
Alagoas 35.002 7.284 10.422 3.761
Sergipe 35.187 8.654 11.638 4.753
Bahia 169.766 14.766 21.171 14.879
Espíri to Santo 22.284 5.900 2.503 3.769
Município Neutro 47.084 17.149 9.695 9.447
Rio de Janeiro 303.807 92.568 60.485 63.938
Santa Catarina 15.220 1.773 3.103 1.939
Paraná 11.807 1.312 2.511 1.368
São Paulo 166.427 77.585 42.744 31.699
Minas Gera is 340.444 107.615 105.349 49.316
Rio Grande do Sul 99.401 10.806 26.486 9.692
Aspectos da estatística escrava existente no Império até
30 de junho de 1885: entradas e saídas
Fonte: Bras i l , Relatório do Minis tro e Secretário de Estado dos Negócios
da Agricultura , Commercio e Obras Publ ica , Antonio da Si lva Prado,
apresentado à Assembleia Gera l Legis lativa na primeira sessão da
vigés ima legis latura . Rio de Janeiro, 1886. Pág. 34.
129
principalmente, para os portos do Rio de Janeiro e Santos, e daí, crescentemente
para o Oeste da Província de São Paulo.
Ademais, outro aspecto importante acerca da evolução dos preços dos
escravos transacionados na segunda metade do século XIX, para além da restrição
da oferta em virtude do fim do tráfico transatlântico312 e da promulgação posterior de
tarifas proibitivas, das oscilações das economias nordestinas, do declínio da
atividade do charque etc. reside, tal como postulam Versiani, Tannuri-Pianto e
Vergolino, no aumento de demanda internacional por cativos. Esse aumento
acarretou, segundo esses autores, alta semelhante de preços em Cuba, nos anos
cinquenta, local no qual o tráfico africano só iria ser descontinuado na segunda
metade da década seguinte. Esse movimento provavelmente refletiu – como
notaram Fraginals, Klein e Engerman – na ampliação da demanda de produtos
agrícolas então cultivados com trabalho escravo (açúcar, café, algodão e fumo),
nesse período, por parte da Europa e da América do Norte313.
Por fim, é importante termos no horizonte que, os custos de transferência de
um escravo para o Sudeste (custos de transporte, impostos, comissões de
comerciantes etc.) atenuaram, em parte, o impacto da demanda do Sudeste sobre
os mercados de escravos do Nordeste. Isto aconteceu, segundo Mello e Slenes,
mesmo na década de 1870, quando os preços de escravos e do açúcar, no
Nordeste, haviam atingido seu ponto mais baixo314.
312
Segundo Paula Beiguelman, “com o declínio da importância do tráfico negreiro como fator de acumulação de capital, o interesse pelo escravismo se desloca do âmbito do comércio para o da produção, passando o estímulo para preservar a ordem escravista a advir fundamentalmente do barateamento de custo propiciado pelo trabalho escravo. Em consequência, uma vez que também o trabalho semi-servil ou livre pode ser conduzido a satisfazer, na esfera da produção, as necessidades econômicas preenchidas com o recurso ao braço escravo, rompe-se o vínculo de necessidade que ligava o sistema econômico internacional à ordem escravista, enquanto ela se baseava essencialmente no comércio de escravos. É nesse quadro, em que o escravismo implantado na época moderna tem redefinido seu papel, que operam as circunstâncias das quais resulta sua destruição, processada sucessivamente nas Antilhas inglesas, nas Antilhas francesas, nos Estados Unidos, em Cuba e no Brasil”. Paula Beiguelman. Destruição do escravismo capitalista. Revista de História. Nº 69 - 1º trimestre de 1967.
313 Flávio Versiani, Tannuri-Pianto, Maria Eduarda Rabelo & José Raimundo Vergolino O. Demand
Factors in The Brazilian Slave Market. LACEA 2003; Latin American and Caribbean Economic Association, Eighth Annual Meeting. Puebla, México, October 9-11, 2003. 16p. (Publicado em CD-ROM). Fraginals, Klein e Engerman citados por: Idem.
314 Cf. Robert Slenes & Pedro C. Mello, Op. Cit. Págs. 98 e Renato Leite Marcondes, Diverso e
desigual... Op. Cit. P 21.
130
Os dados quantitativos existentes sobre o conjunto do tráfico interno pós
1850, são ambíguos. Não obstante, é consensual ser seu volume menor que o do
anterior tráfico, o qual fazia sob o “estalar de açoite legiões de homens negros como
a noite”315 dançar nos tombadilhos.
Sebastião Ferreira Soares, contemporâneo do contexto pós-tráfico
transatlântico (escrevendo ao longo da segunda metade do século XIX), concluiu
que o número médio de escravos traficados anualmente do Nordeste para o Rio de
Janeiro, nos anos 1850, foi de 3.439; estimou em aproximadamente 1.500 os cativos
introduzidos no Rio pelos seus proprietários. Estes mesmos números foram
reproduzidos e corroborados por Stanley Stein em seu trabalho sobre o município de
Vassouras. Herbert Klein, por sua vez, concluiu que, se forem somados aos dados
de Soares os embarques de escravos para o porto de Santos, é admissível que o
número de escravos vindos do Nordeste tenha alcançado, nas décadas de 1850 e
1860, uma média de 5 ou 6 mil por ano.316
Outra estimativa disponível nos foi oferecida pelos estudos de Robert Slenes.
Se referindo à tipologia tráfico interprovincial, esse autor afirma que entre 1850 e
1880-1881, quando as Províncias cafeeiras estabeleceram impostos proibitivos para
importação de escravos, o sudeste recebeu um número líquido (entradas menos
saídas) de cerca de 220.000 escravos provenientes de outras regiões. Cerca de 5
mil por ano entre 1850 e os primeiros anos de 1870, e aproximadamente 10 mil por
ano entre 1872 e 1880. Só a polícia do porto do Rio de Janeiro, registrou a entrada
de mais de 60 mil escravos ao longo dos anos de apogeu do tráfico interprovincial,
1873-1881317. Por sua vez, Robert Conrad agrega às estimativas de Slenes, dados
relativos ao comércio intraprovincial. Ao fazer isso, nos diz: “(...) um número muito
maior foi movimentado intraregionalmente. Se Slenes estiver certo, mais de 400.000
315
Alves, Castro. Espumas Flutuantes. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2006. Cerca de 24 mil escravos foram, por ano, trazidos da África para todos os portos do Brasil, durante 1830-40.
316 Sidney Chalhoub. Op. Cit., 129. Ver também: José Flávio. Escravos daqui, dali e de mais além.
Op. Cit., p. 53.
317 Robert W. Slenes, The demography… Op. Cit. cap. III. Apêndice A.
131
escravos foram vítimas desse tráfico, durante aquelas três décadas”.318 Estes
números, por sua vez, são próximos do montante estimado por Jacob Gorender.
Esse autor avaliou terem os municípios cafeeiros absorvido cerca 450 mil escravos
decorrentes do comércio interprovincial e intraprovincial.319
O tráfico interno de cativos envolveu, pois, número expressivo de indivíduos,
essencialmente enviados para as áreas integradas à economia exportadora do
sudeste320. Este deslocamento humano apresentou diferenças significativas com
relação à travessia atlântica com destino ao Brasil – por exemplo: (i)As
possibilidades de sobrevivência nesse trajeto foram maiores em comparação à
travessia atlântica; (ii) O tráfico interno por via costeira envolveu número
relativamente pequeno de escravos transportados por viagem. H. Klein concluiu,
para o ano de 1852, que a média de escravos transportados por navio foi de 4
indivíduos, enquanto comércio transatlântico de escravos da África para o Rio de
Janeiro, no começando do século XIX, a média foi de 480 cativos321; (iii) Com o
318
Robert Conrad, Tumbeiros... Op. Cit. p. 196.
319 Jacob Gorender O escravismo Colonial. São Paulo: Ática, 1985, 326. Já o professor José Flávio
Motta, por seu turno, em sua tese de Livre Docência, no tocante a essas distintas estimativas da quantidade de cativos comercializados internamente, após 1850, adotou as avaliações de Robert Slenes para aquele tráfico. Em Another Middle Passage? The Internal Slave Trade in Brazil, Richard Graham, dentre outras coisas, analisa quantos escravos foram envolvidos para o Brasil e de onde vieram e para onde eles foram tais cativos. In Walter Johnson, Chattel Principle. Yale University Press 2004.
320 É importante mais uma vez pontuarmos que o comércio interno de escravos não surgiu em virtude
do fim do tráfico transatlântico e da expansão cafeeira do sudeste. Na verdade, esses processos acentuaram algo que sempre existiu em menor monta. O tráfico interno de cativos, portanto, perpassou os quatro séculos de escravidão que estas plagas vivenciaram. Por exemplo, a exploração do ouro em Minas Gerais e Goiás configurou um dos momentos, anteriores ao fim do comércio internacional, em que o tráfico interno foi dinamizado. A este respeito, vejamos o que nos diz Kátia Mattoso: “a descoberta das jazidas auríferas e diamantíferas nas terras do interior do Brasil, notadamente nas Minas Gerais, modifica sensivelmente o sistema do tráfico, que se prolonga muito além da simples venda no porto de desembarque. Chamam-se com frequência ‘tratantes’ os comerciantes menores, cujo papel é de servir como intermediários entre os grandes importadores de escravos e os necessitados nas zonas mineiras. A estrutura comercial do tráfico, já complicada pelo surgimento desse grupo novo de comerciantes, torna-se ainda mais complexa com a eclosão de um espírito altamente especulativo, cuja consequência imediata será a brutal elevação dos preços da mão de obra servil. A explosão dos preços encoraja o aparecimento de um novo mercado, o de transferência: o tráfico interno”. Mattoso, Katia de Queirós. Ser escravo... Op. Cit. p. 57. “Essa transferência, motivada por um novo espírito de especulação, é consequência do marasmo da economia açucareira”. Idem. p. 59.
321 Herbert Klein. The Internal Slave Trade… Op. Cit. p. 578.
132
decorrer dos anos, os escravos transacionados passaram a ser preponderantemente
‘crioulos’ (‘negros’, mulatos etc.) já aclimatados.322
Sem embargo, houve características análogas. Em especial, no que diz
respeito ao sexo e à idade das pessoas negociadas. Estes aspectos perpetuaram,
grosso modo, as mesmas desproporções (sexo e idade) que marcaram os
contingentes provenientes das diversas localidades africanas. Essa desproporção
alavancou o balanço negativo entre mortalidade e natalidade323 e patenteou, por um
lado, o envelhecimento e a preponderância de escravas nas zonas que enfrentavam
dificuldades e a concentração de homens jovens nas áreas mais prósperas. O
percentual masculino na composição da população escrava do Nordeste e Centro-
Sul nos anos 1872, 1884 e 1888, apresentou a seguinte evolução: (i) Nordeste:
51,5%; 49% e 48,8%; (ii) Centro-Sul: 54,5%; 54,5% e 53% respectivamente. Por sua
vez, quando observamos este mesmo percentual, ao longo destes mesmos anos na
Província de São Paulo e Bahia324 encontramos a seguinte evolução:
322
Cf. Robert Conrad. Op. Cit. 194-195.
323 Para Rio Claro, concluiu Dean, com base no Censo de 1872, que a proporção de crianças
sobreviventes de 3 a 15 anos em relação a mulheres em idade fértil era mais de três vezes maior para as mulheres livres do que para as escravas. W. Dean. Op. Cit., 72-73. Vale frisar que o crescimento vegetativo da população escrava não deve ser tornado sempre, a priori, como negativo. Cf. Wilson Cano e Vidal Luna, A reprodução natural de escravos em Minas Gerais (século XIX): uma hipótese, em Ensaios sobre a formação econômica regional do Brasil. (Campinas: Editora da UNICAMP, 2002). Os autores argumentam que, dada a queda nas taxas de exploração do trabalho escravo em virtude da decadência da mineração aurífera, a população cativa de Minas ao longo do Oitocentos tornou-se capaz de se auto-reproduzir. Com taxas positivas de crescimento vegetativo de sua população escrava a província de Minas transformou-se em criadora de escravos.
324 Com relação à Bahia, o relatório do presidente dessa província, Luiz Antônio da Silva Nunes, de
01 de maio de 1876, enfatiza o volume e as consequências da saída dos escravos da Bahia. Apesar de Silva Nunes não ter indicado o sexo dos escravos ‘exportados’ a tabela 6 permite concluirmos que a maioria era constituída por cativos homens. Vejamos um trecho do seu relatório: “Cabe aqui dizer-vos que perdura a falta de braços, uma das causas incontestáveis do estado de definhamento em que se acha a lavoura do Paiz, e especialmente a da Bahia, que há anos e em consequência da epidemia de cólera, tão grande desfalque sofreu. E essa falta cresce em consequência mesmo do mísero estado em que se acha a lavoura e da crise que atravessa. Baldos de recursos com que solvam os seus débitos veem-se os lavradores reduzidos à triste necessidade de se desfazerem de seus instrumentos de trabalho, tornando-se assim cada vez mais precária a sorte que os aguarda. E o desfalque a que me refiro tem, nestes dois últimos anos, tomando grandes proporções. Nos 9 anos que decorreram de 1853 a 1861 foram despachados pela Secretaria da Polícia para fora da Província 12.370 escravos, dando um termo médio anual de 1.374. Nos 9 anos seguintes (1862-1870), foram despachados pela referida repartição 4.121, sendo de cerca de 458 o termo médio. Em 1872, foram despachados 453. Em 1873, elevou-se o número a 547. Nos anos porém de 1874 e 1875, o número de escravos despachados para fora excedeu em muito ao dos anteriores, quando aliás era na Província muito menos avultado o número deles. Em 1874, foram despachados 2.479. Em 1875, saíram 1.840, o que se explica pela triste necessidade que constrange o agricultor a sacrificar assim os meios de dar maior impulso á sua lavoura. Daí a conclusão que a cada passo entra pelos olhos,
133
Tabela 5
Já de acordo com o Mappa da População da Provincia de S. Paulo, apurado
pela Repartição Pública de Estatística, havia em São Paulo 88.040 escravos e
68.572 escravas, totalizando 156.612 cativos no final da primeira metade da década
de 1870. Já para o ano 1885, podemos observar o número de escravos e escravas
em várias Províncias, por meio, da Estatística da população escrava existente no
Império até 30 de junho do referido ano.
isto é, o decrescimento do número dos engenhos em atividade: o aumento dos denominados de fogo morto”. Relatório com que excelentíssimo senhor presidente, Luiz Antônio da Silva Nunes, abriu a Assembleia Legislativa provincial no dia 01 de maio de 1876. Bahia, Typ. Do Jornal da Bahia, 1876, pp.106-107. Trecho citado por: Ricardo Tadeu Caíres Silva, A participação da Bahia no tráfico interprovincial de escravos (1851-1881). Terceiro encontro escravidão e liberdade no Brasil meridional. Maio de 2007. Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário Florianópolis, SC.
Bahia São Paulo
52,9 56
48,8 56,7
49,3 58,3
Percentual masculino na composição da
população escrava da Bahia e São Paulo.
Fonte: Conrad, Robert. Os úl timos anos da
escravatura no Bras i l . Apendice I
134
Tabela 6
Por fim, a seguir, para não tornar o texto excessivamente exaustivo, fizemos
breves apontamentos sobre alguns aspectos relevantesdecorrentes do tráfico
interno de escravos:
(i) o afluxo crescente de escravos tornava a dinâmica do aparelho produtivo
cafeeiro ainda mais inconstante. Estes novos contingentes que passavam
a integrar a força de trabalho do sudeste vinham de regiões distantes e em
geral não conheciam as práticas cafeeiras, ou mesmo qualquer trabalho
agrícola;
Províncias e
município neutroHomens Mulheres Total
Pará 10.550 9.668 20.218
Maranhão 15.100 16.801 31.901
Piauhy 7.410 8.088 15.498
Rio Grande do Norte 3.601 3.608 7.209
Parahyba 8.920 9.904 18.824
Pernambuco 36.241 36.129 72.370
Alagoas 12.748 12.298 25.046
Sergipe 11.772 12.553 24.325
Bahia 65.281 67.541 132.822
Espíri to Santo 10.534 9.228 19.762
Município Neutro 14.707 15.202 29.909
Rio de Janeiro 136.846 114.050 250.896
Santa Catarina 4.634 3.587 8.221
Paraná 3.431 3.405 6.836
São Paulo 87.050 62.220 149270*
Minas Gera is 148.841 127.434 276.275
Rio Grande do Sul 14.603 12.639 27.242
Fonte: Bras i l , Relatório do Minis tro e Secretário de Estado dos
Negócios da Agricultura , Commercio e Obras Publ ica , Antonio da
Si lva Prado, apresentado à Assembleia Gera l Legis lativa na primeira
sessão da vigés ima legis latura . Rio de Janeiro, 1986. Pág. 34.
Escravos existentes em 30 de junho de 1885, em
diversas Províncias do Império
* Esta soma foi rea l izada de forma equivocada pelo Relatório. Aqui
apresentamos a soma correta.
135
(ii) As inquietações dos fazendeiros cresciam, pois, tal como observa Célia
Marinho Azevedo325, havia a expectativa de que os indivíduos que foram
arrebatados abruptamente de seus locais de origem, da companhia de
seus familiares e da execução dos seus afazeres trabalhos habituais eram
mais predispostos a reagirem de forma violenta, por meio de fugas,
emboscadas, rebeldias e insurreições contra os capatazes, fazendeiros e
donos das casas de comissão. Na Assembleia provincial, por exemplo,
alegava-se que o tráfico interno contribuía para acentuar a criminalidade
escrava: “Trazendo consigo o vício, a imoralidade, a insubordinação,
deixam em perigo a ordem pública. Assassinos e não trabalhadores,
recolhem em suas casas os fazendeiros que compram escravos que vem
de fora”326.
Para além dos crimes explícitos e mais violentos, também podemos
admitir que os escravos que enfrentaram o fadário do tráfico interno,
sobretudo quando este envolvia longas distâncias, estavam mais
tendentes a recorrente prática de resistências e oposições miúdas: ligeiras
faltas, roubos de parte da produção agrícola do senhor, trabalho
desleixado e inacabado, preguiça etc.
Podemos acompanhar a revolta escrava, como reflexo do tráfico
interprovincial, por meio, da pesquisa de Sidney Chalhoub, Visões da
liberdade. Neste trabalho, através da análise do inquérito policial atinente
a uma sublevação ocorrida no Rio de Janeiro, na casa de comissão de
propriedade de José Moreira Veludo, o Chalhoub evidencia a revolta de
um grupo de escravos que foram decorrentes, em sua grande maioria de
províncias do Norte e Nordeste327. Maria Helena P. T. Machado, a partir de
acurada análise de documentação policial da Província de São Paulo,
325
Célia M. M. Azevedo. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites, século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. Págs. 116-118.
326 APESP, Polícia, 23/dez/1876 citado por Dean, W. Op. Cit. p. 135.
327 Sidney Chalhoub, Visões da liberdade... Op. Cit. 2001.
136
percebeu o incremento da criminalidade escrava a partir dos anos 1860.
Segundo a autora:
a redundância com que se sucediam as denúncias acerca dos
crimes de escravos, com seus requintes de crueldade e
irracionalidade, passavam a conotar a escravidão como
empresa de risco. Além disso, as áreas cafeeiras do Oeste
Paulista surgiam, neste contexto, como particularmente
violentas328.
Machado também revela que as autoridades se esquivavam e omitiam
recorrentemente (censurando jornais, minimizando as ocorrências de
revoltas e crimes cometidos por escravos nos relatórios oficiais) a sua
incapacidade de lidar com o cenário de crescente desordem prevalecente
na década de 1880:
(...) a questão da manutenção da segurança pública e da ordem,
fortemente ameaçada pela eclosão de frequentes sedições de
escravos e pela descoberta da organização de tantas outras,
com mãos abolicionistas, implicou na montagem, por parte das
autoridades policiais com a anuência dos governos provincial e
imperial, de uma estratégia de desinformação e censura no
tratamento político da questão escrava.
Por seu turno, Robert Slenes em Grandeza ou decadência, indica, a partir
da comparação entre diferentes propriedades situadas em Campinas, a
existência de maior agitação e inquietação naquelas com maior número de
cativos advindos do tráfico interno. Além disso, advoga que o incremento
328
Maria Helena P. T. Machado, O Plano e o Pânico. Op. Cit. p. 24. Criminalidade, enquanto fenômeno social amplo permitia a percepção de regularidades e padrões. Crime, por sua vez, diz respeito ao fenômeno em sua singularidade. Ver: Boris Fausto. Crime e cotidiano. A criminalidade em São Paulo (1880-1924). São Paulo: Brasiliense, 1983. Sobre a complexidade e os nexos com a trama social da criminalidade escrava, ver: Maria Helena P. T, Machado. Crime e Escravidão... Op. Cit. Eugene Genovese. Roll, Jordan, Roll. The word the slaves made. Nova Iorque, 1974.
137
dos custos decorrentes da vigilância e organização dos cativos no Oeste
Paulista sobreveio de tal forma que equilibrou os custos de produção entre
essa área e a do Vale do Paraíba Fluminense, cuja produtividade
minorava329.
No seu artigo de 2002, publicado no Brasil pela revista Afro-Ásia, Richard
Graham conclui, como já indicamos nesta pesquisa, que tráfico doméstico
de cativos colaborou para acelerar a abolição no Brasil. Para tanto, o
protagonismo do escravo, sobretudo daqueles que foram violentamente
separados do seu antigo círculo social e de trabalho, foi central.
Relativamente jovens, desentranhados da vida social de uma
comunidade, violentamente impedidos de manter contatos
com a família e amigos — o que poderia ter exercido uma
influência moderadora no comportamento —, os homens
assim transportados provavelmente estavam irados,
ressentidos, ansiosos, menos constrangidos por expectativas
sociais e certamente prontos a explodir. Homens sozinhos
sempre tiveram menos a perder por sua resistência ativa. (...)
É lógico concluir que aqueles que tinham sido arrancados de
seu lugar tenderiam a culpar o próprio sistema escravista,
pois sua experiência não só os colocou numa situação de
hostilidade em face de seus novos proprietários, mas indicou
a eles que os arranjos implicitamente negociados com os
antigos proprietários tinham sido um mero exercício de
tapeação. (...) Em resumo, os atos de resistência individual
provocada pelo trauma do tráfico interno de escravos fez
elevar o custo de supervisão e segurança para os senhores e
minou a própria instituição da escravatura. Tanto os senhores
quanto seus críticos estavam conscientes de quão precária a
velha ordem estava se tornando.
329
Robert W. Slenes, “Grandeza ou decadência? O mercado de escravos e a economia cafeeira da província do Rio de Janeiro, 1850-1888”, in Iraci del Nero da Costa (org.), Brasil: História econômica e demográfica (São Paulo, Instituto de Pesquisas Econômicas), 1986.
138
(iii) Por conseguinte, tal como enfatizam os autores citados ao longo dos
parágrafos anteriores, a resistência do escravo ao sistema de dominação
então prevalecente foi fundamental. Conforme acreditamos, essa
perspectiva coloca em cheque a suposta condição de anomia escrava,
postulada por parte relevante dos estudos clássicos sobre a escravidão no
Brasil que seguiram, de certa forma, a interpretação de Joaquim Nabuco,
em O Abolicionismo. Esta advoga que o cativo apartado de sua
humanidade pela brutalidade do regime era desguarnecido de qualquer
ação autônoma, cabendo aos abolicionistas, pessoas ilustradas e
progressistas, o papel de conscientizá-los, politizá-los e de resgatá-los da
sua situação.
Tal como Chalhoub, não conseguimos imaginar escravos que não
produziam valores próprios, “ou que pensem e ajam segundo significados
que lhes são inteiramente impostos”330. Ademais, quando nos deparamos
com os crimes (homicídios contra senhores, feitores capatazes, furto da
produção agrícola etc.) e o padrão da criminalidade escrava, notamos que
eram produtos da vida cotidiana nas fazendas e que estas ações
atribuíam ao cativo papel relevante como agente social e sujeito histórico.
Tal como enfatiza Maria Helena P. T. Machado: “fragilizar a dominação
senhorial, onerá-la e limitá-la por meio de resistências e confrontos
demonstraram-se atos coerentes, pois possibilitaram aos escravos forjar
simultaneamente, espaços de sobrevivência e vida autônomas”331. Esse
processo de fragilização promovido pelo escravo, talvez sobretudo por
aqueles que foram outrora arrancados de suas famílias e demais laços
sociais em decorrencia do tráfico interno, alcançou tal magnitude que
acabou por acelerar a abolição da escravidão no Brasil.
330
Sidney Chalhoub, Visões da liberdade... Op. Cit. 2001.
331 Maria Helena P. T. Machado. Crime e Escravidão… Op. Cit. Ver também: Robert Slenes. The
Brazilian Internal Slave Trade, 1850-1888: Regional Economies, Slave Experience, and the Politics of a Peculiar Market. In: Johnson, Walter (Org.) The Chattel Principle: Internal Slave Trades in the Americas. Yale University Press, 2004.
139
(iv) O fato de os escravos existentes serem largamente disputados entre os
fazendeiros do sudeste deu origem ao medo de uma nação dividida entre
um Sul escravocrata e um Norte sem escravos. Tal como reiteram Luna e
Klein:
Todos esses complexos desdobramentos seriam
acompanhados pelo deslocamento da população cativa em
relação à distribuição regional vigente no século XVIII. O
Nordeste e o Sul perderiam sua importância relativa na
concentração de escravos, e as três províncias cafeeiras, Rio
de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, assumiriam a primazia
como centros escravagistas em fins do século XIX. Embora o
tráfico interno não tivesse a mesma magnitude do tráfico
atlântico, foi suficiente para mudar a distribuição da população
cativa, concentrando-a nessas três províncias (...). Embora o
tráfico interno também viesse a cessar, quando isso ocorreu o
centro da escravidão voltara-se drasticamente na direção da
grande lavoura cafeeira e açucareira do Sudeste332.
Em virtude desta transformação, o Conselheiro J. J. Teixeira Junior
advertiu seus pares parlamentares, em 1877, que os escravos existentes
em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais perfaziam mais do que a
metade do contingente total. Três anos mais tarde, foi revelado que as
10 Províncias ao Sul do Espírito Santo tinham o dobro do número das 11
Províncias ao Norte da Bahia, aproximadamente uma relação de
920.921 para 498.268333. Para remediar este quadro, no final de 1880 e
começo de 1881, foi criado – na Província do Rio de Janeiro e, também,
nas Províncias de São Paulo e Minas Gerais – impostos de tal monta
que tornaram proibitiva a importação de escravos de outras Províncias,
pondo fim a esse ramo do tráfico interno – tendo, a sua possibilidade,
332
Luna & Klein, Escravismo no Brasil, São Paulo, Edus, 2010, p. 91-92.
333 Cf. Stanley Stein, Op. Cit. p. 96.
140
sido proibido definitivamente com a Lei do Sexagenário, em 1885. Logo,
em São Paulo, entre os anos de 1881-1887, tal comércio limitou-se ao
deslocamento intraprovincial e local de cativos.
O que de fato motivou a promulgação dos impostos que impossibilitaram
o tráfico interprovincial de escravos é controverso. Tal como notou
Richard Graham, “os debates na legislatura paulista fornecem
abundante munição para todas as partes envolvidas”334. Paula
Beiguelman, em A formação do povo no complexo cafeeiro, vincula o
surgimento dos impostos à derrocada da solução escravidão e
consequente maior demanda por trabalhadores livres (imigrantes
europeus). Para os cafeicultores, segundo a autora, os imigrantes só
seriam atraídos em quantidades adequadas se não tivessem que
trabalhar ao lado dos escravos. Essa expectativa fez com que
proprietários das áreas em expansão e aqueles com largos plantéis nas
zonas mais antigas (interessados em valorizar o seu patrimônio
ampliando a inelasticidade da oferta) apoiassem a efetivação das
proposições que pleiteavam os impostos proibitivos. Para Robert
Conrad, o intuito dos impostos que inviabilizaram o tráfico entre
diferentes províncias do Brasil Império era evitar que o Nordeste do
Brasil ficasse apenas com uma população rala de escravos formada por
mulheres, velhos e doentes, contexto que favoreceria os fazendeiros e a
bancada de políticos do Nordeste pleitearem a abolição da
escravatura335. Assim sendo, esses impostos não foram formulados para
fragilizar ainda mais a escravidão e abreviar o seu fim, mas sim para
possibilitar certa sobrevida à instituição. Por sua vez, Célia Marinho
Azevedo organiza o seu argumento a partir dos discursos que frisavam o
334
Richard Graham, Nos tumbeiros... Op. Cit. p. 139.
335 Essa constatação foi corroborada por diversos autores. Erivaldo Fagundes Neves, por exemplo,
afirma: “A grande seca de 1857- 1860, suas trágicas consequências e o tráfico interno deixaram o Nordeste com maioria de escravos idosos e crianças, proporcionando sobrevida à escravidão no Sudeste cafeeiro, postergando a gradual extinção com jovens, sadios e em pleno vigor físico. A morosa agonia escravista associada à estagnação econômica nordestina, relativamente à dinâmica anterior e a expansão do Sudeste, deprimia drasticamente os preços locais dos escravos. A migração compulsória reverteu esse processo, gerando demanda ao transferir consideráveis contingentes de cativos”. Neves, Op. Cit. p. 104.
141
‘medo branco’ em decorrência da ‘onda negra’ resultante da
concentração dos escravos no Sudeste. Assim, a perspectiva de
rebelião, muito presente nos cafeicultores, contribuiu decisivamente para
o fim do tráfico interprovincial de cativos. Richard Graham concorda com
esse argumento e acrescenta:
os senhores de escravos sabiam que o tráfico de escravos
expunha à opinião pública a verdadeira natureza
desumanizante da escravatura, negando suas tentativas de
pintá-la (para os outros e para si próprios) como uma mera
forma de trabalho com muitas compensações, caracterizada
pelo benevolente paternalismo no qual a punição só era
aplicada como um corretivo útil e como último recurso. Era
impossível manter tal mito diante dos escravos acorrentados
nos navios, ruas, mercados de escravos ou marchando para o
interior e, como um movimento abolicionista estava sendo
organizado nas cidades pela primeira vez, manter o mito era
mais importante que nunca336.
336
Richard Graham, Nos tumbeiros... Op. Cit. p. 140.
142
143
PARTE II
144
CAPÍTULO III - Tráfico interno de escravos: Rio Claro, 1861-1869
I. Introdução
Para o período 1861-1869, lemos, reunimos e organizamos as informações
constantes nas 320 escrituras de compra e venda337 de escravos que conseguimos
localizar nos arquivos do 1º e 2º Cartórios de Notas de Rio Claro. Essas escrituras
perfazem um total de 575 cativos – homens, mulheres, crianças e velhos, de ambos
os sexos, “de nação” (originários do continente africano) ou ‘“crioulos”’ (nascidos no
Brasil Império), muitos oriundos de outras Províncias etc. – vendidos/comprados,
com procuração ou não338, ao longo dos anos abarcados pelo intervalo temporal
mencionado339.
As informações que encontramos perpassam a totalidade de anos do nosso
recorte temporal. Ao longo deles, encontramos maior número de negócios em 1864,
ano em que 111 escravos foram negociados e, menor em 1862, quando 28 escravos
trocaram de proprietário.340 Desses, quase seiscentos cativos, mais de quatro
337
Além das escrituras de compra e venda de escravos, encontramos certo número de documentos (relativamente ao conjunto dos códices compulsados não muito expressivo) que registraram trocas, doações, transferências e procurações. Todavia, esses códices não foram objeto de nossa análise.
338 As procurações foram recorrentes, sobretudo, no âmbito do tráfico interprovincial e intraprovincial.
Tal como mencionamos na parte inicial desta pesquisa, este instrumento era um expediente muito usado para evitar o pagamento do tributo sobre as compras e vendas de escravos. Cf. Robert W. Slenes, Op. Cit. 1986, p. 118.
339 Para além desses dados gerais, ainda neste momento inicial, gostaríamos de chamar atenção
para o fato de que os dados que apresentamos neste capítulo e nos capítulos subsequentes provavelmente estão um pouco subestimados, pois tal como o professor Robert Slenes evidenciou nas suas pesquisas cerca de 20% dos escravos comerciados em Campinas abasteciam o Oeste Paulista. Assim, parte dos escravos que entraram e atuaram nas localidades que temos em apreço, possivelmente foram decorrentes de Campinas e, dessa forma, não foram captados pelas nossas incursões nas documentações cartoriais que analisamos. 340
Vale salientar que tais cifras registram o tráfico legal, submetido a taxas provinciais. Assim sendo, o contrabando, reconhecidamente volumoso nesta década, não é contemplado. Além disso, ao longo dos anos 1860, muitas transações de compra e venda de escravos não foram registradas nos cartórios e sim viabilizadas, provavelmente, por meio de “contratos de gaveta”.
145
quintos, foram negociados em transações envolvendo mais de um escravo341 – a
média das vendas foi de 1,8 escravo por escritura342. A disparidade entre o número
de homens e mulheres transacionados, sobretudo nos últimos anos do recorte
temporal em apreço, também chama atenção. No gráfico a seguir, dispusemos o
número de escravos comerciados, segundo sexo e ano de registro da escritura.
Gráfico 1
Para além dos aspectos anteriores, vale salientarmos que mesmo possuindo
certo padrão, diversas escrituras apresentam algumas diferenças e particularidades
341
18 escrituras registraram a venda de 5 a 10 escravos, 7 consignaram negócios envolvendo mais de 10 escravos e várias outras vendas envolveram mais de um escravo. As três transações mais robustas envolveram a compra-venda de 31, 17 e 16 escravos. A seguir, elencamos, brevemente, alguns dos dados que perpassam as duas primeiras transações mencionadas. A primeira foi realizada, em 07/06/1865, entre Anna Joaquina Nogueira de Oliveira e Antonio José Vieira Barbosa, ambos residentes em Rio Claro. Dos 31 cativos, 13 eram africanos e 18 crioulos, 16 eram homens, com idade média de 24 anos e 15 mulheres, com idade média de 30 anos. O preço médio de cada um destes escravos foi de 1:451$612 réis. A segunda ocorreu em 16/07/1861. Como vendedor, José Maria de Moraes e como comprador, Francisco de Assis Barros, ambos residentes em Pirassununga. Dos 17 escravos, 7 eram homens, com idade média de 24 anos e 5 eram mulheres, com idade média de 23 anos. Além destes, havia 5 meninos, com idade entre 1 e 6 anos. Todos eram filhos de alguma das escravas negociadas. Todos os 17 cativos foram registrados como crioulos.
342 Número muito próximo ao encontrado por Warren Dean para o período 1861-1872, que foi de 1,7.
Cf. Warren Dean, Op. Cit., 67.
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e
2º) de Rio Claro. Coleta e compi lação dos dados próprias .
0
10
20
30
40
50
60
70
1861 1862 1863 1864 1865 1866 1867 1868 1869
Número de escravos transacionados segundo sexo e ano de
registro da escritura . Rio Claro, 1861 - 1869
Homens Mulheres
146
o que, em parte, pode ser explicado pelos distintos tabeliães e escreventes que
elaboraram os registros ou em função da solicitação, de uma das partes envolvidas,
do assentamento de alguma especificidade relacionada ao acordo. Algumas vezes,
tais particularidades acarretaram problemas para coletarmos os dados que pautaram
a presente análise.
Outros contratempos foram decorrentes da forma prosaica de registro das
escrituras, sendo que a dificuldade mais séria e recorrente foi originada pelas
escrituras de compra-venda de mais de um escravo. Essas, normalmente, não
especificavam o preço de cada indivíduo, mas sim o preço do conjunto dos escravos
negociados, o que impossibilitou atribuirmos, de forma apropriada, o preço nominal
dos escravos de acordo com sua respectiva idade, habilidade etc. Portanto, em
média, na maioria das vezes, os cativos das mais diferentes idades e qualificações
aparecem com o mesmo preço. Deste modo, uma escritura datada do “ano de
nascimento do Nosso senhor Jesus Christo de mil oito centos e sessenta e dois, aos
treze dias do mês de julho” registrou a venda de sete escravos, perpetrada por
Francisco José da Rosa, morador de Sorocaba, ao Alferes José Augusto de
Azevedo, residente em Rio Claro. O documento assim registrou o fato:
Francisco José da Rosa “(...) pela presente escritura vende, como
vendido tem, ao Alferes José Augusto de Azevedo sete escravos
de que é senhor e possuidor, livre de qualquer ônus, sendo
Justino crioulo, de idade vinte três anos, solteiro; Gregório crioulo
de vinte e quatro, digo de vinte e três anos, solteiro; Ricardo
crioulo de trinta anos; Felizarda de idade de doze anos; Luiza
crioula, de idade de trinta anos, Joanna crioula, de idade de sete
anos e Claudio crioulo de idade de dezoito anos; cuja venda faz
pela quantia de onze contos, quinhentos e cinquenta mil e ao
comprador transfere todo o senhoril e domínio que tinha nestes
escravos de ora avante (...). Declarou o vendedor que sendo o
escravo Claudio doente de uma hepathite chronica, se obriga a
fazer boa venda dele, isto é, se não se reestabelecer durante o
prazo de um ano a contar desta data será obrigado a recebelo e
restituir ao comprador a quantia de um conto e seiscentos mil reis,
digo, um conto seiscentos e cinquenta mil reis, assim como se
147
neste prazo morrer da dita enfermidade será obrigado à
restituição referida quantia (...)".343
Ao lermos este exemplo, notamos que escravos com idades bastante distintas
– quatro homens, dois com 23, um com 30 e outro com 18 anos e 3 mulheres com
12, 30 e 7 anos – foram vendidos conjuntamente pelo preço de 11:650$000, de tal
modo que, em média, cada uma destas pessoas atingiu o preço de 1:650$000.
Mesmo o cativo Claudio, tendo recebido atenção especial no registro da venda por
ser “doente de uma hepathite chronica”, foi negociado por este mesmo preço.
Para atenuar o problema, quando, no decorrer deste trabalho fizermos
apontamentos sobre o preço dos cativos, por um lado, indicaremos o número de
observações que levantamos, por outro, quando possível, trabalharemos com o
preço presente em escrituras que envolveram a venda de apenas um indivíduo.
Todavia, à parte as escrituras que possuíam traços distintivos ou alguma
outra vicissitude, os negócios que habitualmente apresentaram menor número de
obstáculos foram as vendas de apenas um indivíduo. Podemos ilustrar esta fatia do
tráfico humano mediante a transação realizada em vinte sete de janeiro de 1866, do
escravo Sebastião – “crioulo-fula” de 36 anos, solteiro, “de serviço de roça”, natural
de MG. Participaram como vendedor e comprador, respectivamente, Isabel S.
Cardoso, moradora de Constituição (Piracicaba) e Manuelino de Godoy Bueno, de
Rio Claro. Este cativo foi vendido por intermédio do comércio intraprovincial por
1:050$000, preço, diga-se de passagem, significativamente mais baixo (28% menor)
do que a média dos escravos homens, com idade entre 31 e 45 anos negociados
neste tipo de transação, ao longo do período observado, como veremos à frente.344
343
O documento relativo à negociação destes escravos encontra-se no arquivo do 1º Cartório de Notas e Protestos de Rio Claro. Livro I, Folha 15. Itálico nosso. Não realizamos a modernização dos trechos extraídos dos documentos que reproduzimos neste trabalho.
344 A escritura, registrando a venda do cativo Sebastião, é preservada pelo 2º Cartório de Notas e
Protestos de Rio Claro.
148
II.
Para além do preâmbulo que perpassa as páginas anteriores, iniciamos nossa
análise mediante a tabela e os comentários abaixo. Observamos, primeiramente e
de passagem, a discrepância dos preços levantados por W. Dean, em seu livro Rio
Claro: um sistema brasileiro de grande lavoura e por nossa pesquisa. Enquanto
Dean aferiu os preços que discute em “livros de vendas de escravos, livros de notas
e inventários”, nós nos baseamos nos livros de notas que registraram as compras e
vendas de escravos, o que talvez coincida com o primeiro conjunto de documentos
apontado por aquele autor.
Tabela 1
Outro item relevante que gostaríamos de chamar atenção, ainda no âmbito
desses primeiros passos, diz respeito às formulações que afirmam que, durante o
século XIX, o comércio interno de escravos, desenvolvia-se num ambiente
Número de
casos
Preço
médio em
mil réis
Número de
casos
Preço médio
em mil réis
1861 13 1750 15 1.775 -1,4
1862 10 1.860 11 1.687 9,3
1863 8 1.920 28 1.754 8,6
1864 4 1.970 29 1.728 12,3
1865 1 2.000 14 1.501 25,0
1866 4 1.500 14 1.643 -9,5
1867 3 1.700 34 1.624 4,5
1868 - - 21 1.567 -
1869 - - 36 1.788 -
Preços médios, em mil-réis, de escravos masculinos, de 15 a 29 anos. Rio
Claro - SP 1861-1869 - Confronto dados W. Dean e G. Rossini
Anos
Rio Claro - W. Dean Rio Claro - G. Rossini Confronto dos
dados
decorrentes das
duas pesquisas
Fonte: Warren Dean, Rio Claro:..., p. 66 e Escrituras de compra e venda de escravos
preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compilação
dos dados próprias.
149
razoavelmente competitivo, pois havia, em geral, muitos participantes e extensa
disseminação de informações sobre preços345.
Quando sistematizamos o nosso banco de dados, sobre os anos 1860,
(fizemos, nos capítulos subsequentes, a mesma análise para as décadas seguintes
e para os outros municípios do Oeste Paulista que constituem o nosso recorte
espacial) percebemos, a despeito do extenso número de agentes envolvidos nas
transações, significativa recorrência de compradores e vendedores, possibilitando
assimetrias nas atuações desses indivíduos no mercado, o que fragiliza a hipótese
de mercado atomístico.
Além disso, notamos que os escravos, mesmo aqueles pertencentes à
mesma faixa etária, não eram bons substitutos, ou seja, variáveis como
nacionalidade, experiência prévia, sexo etc. influenciavam o seu preço e a
preferência manifestada pelos compradores. Para corroborar este argumento
(mercado pouco competitivo) evidenciamos alguns dados, quais sejam: dos cerca de
260 vendedores que alienaram seus escravos no município e na década que temos
em vista, apenas 23 deles foram responsáveis pela venda de pouco menos da
metade (258 pessoas) dos cativos comerciados. Por sua vez, dos cerca de 210
compradores, apenas 30 adquiriram nada menos do que 364 escravos de um total
de 575 transacionados.
Ademais, a despeito de terem existido vendedores e compradores assíduos,
observamos que o contato entre os mesmos personagens não foi recorrente ao
longo do tempo. Ou seja, as transações não eram condicionadas por laços de
confiança que poderiam facilitar vendas a prazo. Cabe destacarmos que, mesmo
sendo essa hipótese válida para outros lugares e momentos, ela apenas
corroboraria uma das conclusões da presente pesquisa (mercado interno de
escravos não competitivo), pois se para além dos aspectos já indicados, a relação
de compra e venda fosse frequentemente favorecida por conhecimento e laços de
confiança já existentes entre as partes – o que poderia facilitar o crédito, as vendas
345
Cf. Resende, Versiani, Nogueról, Vergolino. Preços de escravos e produtividade do trabalho cativo: Pernambuco e Rio Grande do Sul, século XIX. Anais do Encontro Nacional de Economia – ANPEC, 2013.
150
a prazo e possibilitar a garantia dos “predicados do escravo” – o mercado se tornaria
ainda menos competitivo.
Assim, acreditamos que o mercado interno de escravos, ao menos na parte
inicial da importante região da Baixa Paulista (uma das principais áreas receptoras
de cativos, ao longo dos anos 1860 e 1870), não foi competitivo, pois: o mercado
não era atomístico, o “bem” comercializado não era homogêneo, possivelmente
havia assimetrias de informação e alguns compradores e vendedores possuíam
certo poder de mercado. Essas características quando associadas com a elevada
inelasticidade da oferta de cativos no mercado interno, sobretudo, no curto prazo346,
torna pouco crível as hipóteses que postulam que “como em qualquer mercado
competitivo, espera-se que os preços sejam determinados pela interação das forças
de oferta e de demanda”347.
Por sua vez, ao dispormos os dados sobre o comércio interno de cativos
relativos à Rio Claro, durante os anos 1860, para vislumbrarmos a relação existente
entre o preço nominal médio dos escravos versus idade e sexo, percebemos a
prevalência de uma feição preço idade em U invertido. Além disso, vale notarmos,
ainda que de passagem, que esse perfil também é corroborado pelas habilitações
dos escravos e pela sua nacionalidade (investigaremos esses pontos à frente). Para
evitarmos um dos problemas relevantes e já mencionado348, concernentes ao núcleo
documental que serve como referência para esta pesquisa, elaboramos os gráficos
dispostos abaixo a partir dos códices que registraram apenas um indivíduo sendo
comercializado, o que diminui significativamente o número de observações, mas
propicia informações isentas de distorções decorrentes de médias de preços que
apagariam características centrais dos escravos.
346
Cabe termos em vista que no âmbito do tráfico transatlântico o curto prazo pode durar uma ou duas décadas. Idem. p. 3. Já no bojo do tráfico interno de escravos acreditamos que o curto prazo, dadas as necessidades decorrentes da dinâmica da expansão cafeeira, perpasse um período substancialmente menor. Para dados acerca do tráfico africano Cf. The Trans-Atlantic Slave Trade Database. Acessar: http://www.slavevoyages.org/tast/index.faces.
347 Resende, Versiani, Nogueról, Vergolino. Preços de escravos e produtividade do trabalho cativo:
Pernambuco e Rio Grande do Sul, século XIX. Anais do Encontro Nacional de Economia – ANPEC, 2013. p. 3
348 Tal como evidenciamos há pouco, as escrituras de compra-venda de mais de um escravo,
habitualmente, não especificaram o preço de cada indivíduo, mas sim o preço do conjunto dos escravos negociados, o que impossibilitou atribuirmos o preço nominal dos escravos de acordo com sua respectiva idade, habilidade etc.
151
Gráfico de 2-4349
Percebemos que esses dados corroboram as análises dos preços de
escravos presentes na literatura conexa, como a contida no recente livro de L. W.
Bergad, na obra de Fogel e Engerman, Robert Slenes e José Flávio Motta350.
Este resultado (curva com o perfil U invertido e o recorrente maior preço dos
homens) apoia as formulações que postulam a existência de boa correlação entre o
preço dos cativos e os rendimentos líquidos que proporcionavam aos seus
proprietários. Desta forma, como a fecundidade do trabalho escravo era vinculada à
349
Para não deixar a leitura excessivamente cansativa e ainda mais redundante, optamos, ao longo dos próximos capítulos, por deslocar os gráficos resultantes dessa análise para o anexo desta pesquisa.
350Robert W. Fogel, & Stanley L. Engerman. Time on the Cross. 2v. Boston: Little, Brown & Co., 1974.
L. W. Bergad, Escravidão e Robert Slenes (The demography and economics… e Na senzala...) e José Flavio Motta. Escravos daqui... Todos esses trabalhos já foram citados ao longo da presente pesquisa.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compilação dos dados próprias.
0200.000400.000600.000800.000
1.000.0001.200.0001.400.0001.600.0001.800.0002.000.0002.200.0002.400.000
3 4 7 8 10 12 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 30 32 35 36 40 50 60 70
Pre
ço
N. de anos
Relação preço nominal médio versus idade dos escravos (homens e mulheres) negociados, individualmente, em Rio Claro, ao longo dos anos 1860
200.000400.000600.000800.000
1.000.0001.200.0001.400.0001.600.0001.800.0002.000.0002.200.0002.400.000
4 8 10 12 14 15 16 17 18 19 20 22 23 24 26 28 30 35 60
Pre
ço
N. de anos
Relação preço nominal médio versus idade das escravas negociadas, individualmente, em Rio Claro, ao longo dos anos 1860
200.000400.000600.000800.000
1.000.0001.200.0001.400.0001.600.0001.800.0002.000.0002.200.0002.400.000
3 7 10 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 27 28 30 32 35 36 40 50 70
Pre
ço
N. de anos
Relação preço nominal médio versus idade dos escravos homens negociados, individualmente, em Rio Claro, ao longo dos anos 1860
152
capacidade física de trabalhar351, temos uma afeição temporal análoga entre
homens e mulheres, qual seja: seus preços aumentam até por volta dos 15 anos (ao
longo destes anos iniciais o preço das meninas e meninos são próximos), daí até os
30 anos, apresentam maior constância e, a partir dos 30-35 anos, caem
significativamente352.
Dando um passo à frente, abordamos o número e preço nominal médio dos
escravos e escravas jovens (15 a 29 anos de idade) negociados em grupo e
individualmente, em Rio Claro, ao longo do espaço de tempo por nós eleito353.
351
O cálculo dos rendimentos líquidos propiciados pelos escravos aos seus senhores, por sexo e idade, resulta em curva semelhante, o que comprova que o preço dos escravos relacionava-se com a fecundidade do seu trabalho e não com busca de status e ostentação, tal como propunham antigas teses. Cf. Robert W. Fogel & Stanley L. Engerman. Time on the Cross. 2v. Boston: Little, Brown & Co., 1974. Pedro C. de Mello, “Rates of Return on Slave Capital in Brazilian Coffee Plantations, 1871-1881.” In: R.W. Fogel & S. Engerman (eds.). Without Consent or Contract; Markets and Production. (Technical Papers, v.1). New York: Norton, 1992.
352 Cf. Resende, Versiani, Nogueról, Vergolino. Op. Cit. 2013.
353 Neste momento, é oportuno lembrarmos do importante trabalho de Mircea Buescu no livro 300
anos de inflação. Rio de Janeiro: ANPEC: 1973. Neste trabalho, o autor construiu um índice de preços que, entre 1861-1869, apresentou variação positiva de 22,7%. No período mencionado, a maior aceleração verificou-se após 1865. O preço dos escravos não fez parte do índice de Buescu, pois “(...) é impossível afirmar, como foi feito, que o preço dos escravos acompanhava a marcha geral dos preços. Havia indiscutível interdependência entre os preços, mas cada um guardava sua individualidade, e o preço do escravo revestiu-se sempre de aspectos muito peculiares”. Buescu citado por José Flávio Motta. Op. Cit. 2012, p. 158.
153
Gráfico 5
Gráfico 6
Em seguida, além de algumas outras ponderações que aparecem na tabela,
adotamos os mesmos recortes dos gráficos anteriores, porém, restringimos nossa
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º e 2º Cartório de
Notas de Rio Claro. Coleta e compilação dos dados próprias.
0
10
20
30
40
1861 1862 1863 1864 1865 1866 1867 1868 1869
Número de escravos jovens (15-29 anos) negociados em Rio Claro segundo sexo (1861-1869)
Escravos Homens Escravas Mulheres
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º e 2º Cartório de
Notas de Rio Claro. Coleta e compilação dos dados próprias.
1.000.000
1.200.000
1.400.000
1.600.000
1.800.000
1861 1862 1863 1864 1865 1866 1867 1868 1869
Preço médio nominal dos escravos jovens (15-29 anos) negociados em Rio Claro segundo sexo (1861-1869)
Escravos Homens Escravas Mulheres
154
observação às escrituras que registraram um único escravo sendo comerciado354.
Esse passo é importante, pois elimina as distorções de preços resultantes da venda
de grupos de escravos. Nessas situações, normalmente, como já mencionado, a
escritura registrava apenas o preço do conjunto dos indivíduos envolvidos na
transação, o que obriga o pesquisador a chegar aos preços individuais dos cativos
de forma aproximada, por meio de médias que podem puxar para baixo o preço dos
indivíduos jovens (15 – 29 anos de idade), pois, muitas vezes, os “misturam” com
pessoas de pouca idade (< 15 anos) e com aqueles que vivenciavam o outono de
seus fados (aqueles que possuem entre 30 e 45 ou mais).
Tabela 2
Antes de partirmos para a análise dos dados apresentados, cabe fazermos
algumas observações relativas aos preços dos escravos. Esses preços eram
decorrentes da interação de diversas variáveis, algumas concernentes ao cativo e
outras alheias à sua pessoa. O preço do escravo dependia, por exemplo, da
concorrência, da distância e da forma de deslocamento (por cabotagem, por rios ou
por trilhas e estradas), da especulação, do fato de a venda ser a prazo ou à vista, da
dinâmica das diferentes produções que empregavam o braço escravo, da conjuntura
econômica, das recorrentes leis sobre o uso dos escravos e sua comercialização,
das intempéries e consequente perda de parte ou, no limite, da totalidade da
354
Neste momento é importante notarmos que o conjunto de informações analisado torna-se mais restrito.
Número de
escravosIdade Média Mediana
Desvio-
PadrãoPreço médio
Número de
escravasIdade Média Mediana
Desvio-
PadrãoPreço médio
1861 3 19,6 18 3,86 2.000.000 3 20,6 20 2,49 1.800.000
1862 4 18,8 17 3,70 2.062.500 3 20,0 19 4,55 1.500.000
1863 10 21,2 21 4,02 1.740.000 7 17,4 17 2,56 1.548.857
1864 9 19,0 20 2,92 1.812.500 8 21,0 20,5 4,56 1.603.125
1865 1 22,0 22 0,00 1.800.000 2 17,0 17 1,00 1.900.000
1866 5 19,8 18 4,21 1.495.400 4 21,3 21 2,59 1.337.500
1867 7 21,4 20 2,77 1.667.143 6 17,8 17,5 1,67 1.435.000
1868 6 19,3 19 2,21 1.866.667 1 22,0 22 0,00 1.500.000
1869 4 18,8 18,5 1,48 1.737.500 1 19,0 19 0,00 1.500.000
N. de escravos, sexo, idade média, mediana, devio padrão e preços médios nominais dos escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos individualmente em
Rio Claro, 1861 - 1869
Ano
Homens Mulheres
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compi lação dos dados próprias .
155
produção, dos momentos de crise e fome – sobretudo no Nordeste –, de epidemias
que dizimavam parte da população escrava de certos lugares355 e, ainda com
relação ao cativo: da idade, do sexo, da saúde, da taxa de natalidade (aspecto
importante na determinação do preço das escravas em MG, por exemplo), da sua
expectativa de vida e de sua experiência prévia.
Ainda com relação aos preços dos escravos, quanto maior a distância e mais
árduo o trajeto, maiores os gastos e o risco de perda de parte das ‘peças’. Outro
aspecto relevante diz respeito à evolução da especulação e dos possíveis ganhos
de arbitragem, os quais abordaremos quando discutirmos, em diferentes momentos,
o comércio de cativos interprovincial. Outrossim, a demanda de escravos variava
também em decorrência da expansão ou não da produção. Em períodos de queda
dos preços internacionais e consequente retração da atividade produtiva, as
compras de novos escravos eram postergadas, pois os fazendeiros adquiriam,
muitas vezes, novos indivíduos a prazo, o que os expunham ainda mais aos azares
das flutuações internacionais bruscas ou muito prolongadas. Por outro lado, em
momentos de retração da produção, os pequenos e médios proprietários,
principalmente do Nordeste, ao longo da segunda metade do XIX, vendiam parte
dos seus escravos para áreas que estavam em expansão, destacadamente, parte
do Vale do Paraíba e Oeste de São Paulo. Por seu turno, a venda a prazo supunha
o pagamento do principal e o pagamento dos juros. Destarte, os aspectos alheios
aos escravos eram numerosos e difíceis de classificar, porém certamente
influenciaram o preço de venda dos escravos. Por sua vez, na exposição que
realizamos no decorrer de algumas das próximas seções, destacamos alguns dos
elementos atinentes ao cativo responsáveis por influenciar seu preço, quais sejam:
sexo, idade, origem e experiência prévia.
Tendo em vista a pouca diferença na esperança de vida entre os sexos, como
afiança parte da literatura, acreditamos que, para além dos fatores mencionados
acima, a distinção entre os preços de escravos e escravas era decorrente,
principalmente, da produtividade do trabalho. A recorrência de preços maiores para
355
Temos em vista, por exemplo, a epidemia de cólera morbos que ceifou, entre 1855-56, a vida de cerca de 30.000 escravos apenas no Recôncavo Baiano. Esta tragédia humana foi mencionada por Katia Mattoso. Op. Cit. 2003, p. 80.
156
os escravos homens – tal como notamos nos dois gráficos acima relativos aos
preços dos cativos – indica serem eles mais produtivos.
Além dos elementos que acabamos de mencionar, mesmo tendo em conta a
limitação geográfica desta série histórica, podemos discutir criticamente proposições
feitas por alguns autores.356 Alguns têm sugerido que o preço das escravas em
idade de trabalho, grosso modo entre os 15 e 40 anos, em virtude de distintos
episódios que representaram ameaças à continuidade do comércio internacional de
escravos, aumentou intensamente em relação ao dos escravos homens, pois “se o
tráfico de escravos tivesse terminado a continuidade da escravidão só estaria
garantida com a decisiva emulação do aumento natural que ocorria nos Estados
Unidos (...). A ameaça ao comércio escravagista imposta pelas atividades dos
ingleses era um lembrete evidente da importância decisiva das mulheres em idade
de parir para o futuro da mão de obra escrava”.357
Bergad, por exemplo, quando escreveu sobre a dinâmica do preço dos
escravos em algumas localidades mineiras, chama atenção para dois episódios
responsáveis por colocar em primeiro plano o potencial reprodutivo das escravas,
fazendo com que o preço delas se igualasse ao preço dos escravos homens. O
primeiro foi um episódio efêmero ocorrido em 1814, que talvez tenha antecipado o
tratado de 1815 entre Inglaterra e Portugal, banindo o tráfico escravagista para o
Norte do Brasil e sinalizando dificuldades futuras para esse comércio. Outro
momento, segundo o mesmo autor, em que as mulheres em idade de fértil tiveram o
mesmo valor dos homens no século XIX foi em 1850, às vésperas da proibição
definitiva do comércio escravagista transatlântico para o Brasil. Mais uma vez, como
conjectura Bergad, temos um repentino aumento do preço das escravas resultante
do seu potencial reprodutivo.358 Por fim, vale notar que, de acordo com os dados
356
Para levarmos esta ponderação à frente, é obviamente necessário ampliarmos o recorte geográfico, movimento realizado, ainda que de forma restrita, nos capítulos subsequentes.
357 Laird W. Bergad, Escravidão e história econômica: demografia de Minas Gerais, 1720-1888. Bauru
– SP: EDUSC, 2004. p. 260.
358 Cf. Idem. Op. Cit., Págs. 246-253. Esta proposição é em parte corroborada por Stein, quando nos
diz: “Até que o fim do tráfico de escravos forçasse os fazendeiros a cuidar mais das necessidades físicas de seus escravos a fim de prolongar a sua vida produtiva, eles procuravam trabalhadores para o campo que pudessem dar tudo de si de maneira eficiente e os substituíam por novas levas. Sob tais circunstâncias, os fazendeiros preferiam homens a mulheres, pois durante o final da gestação e os meses após o parto não se podia contar com o trabalho feminino nos campos e nas encostas de café.
157
apresentados por este autor, tal fenômeno não se repetiu nos anos antecedentes e
mesmo coincidentes com a promulgação, no início da década de 1830, da proibição
(natimorta) do tráfico transatlântico de cativos. Contudo, para esse episódio, Bergad
não explora os motivos da não elevação dos preços das escravas.
Entretanto, quando olhamos para os dados relativos ao comércio interno de
cativos, as informações atinentes a um importante centro demandante de força de
trabalho do Oeste Paulista, como Rio Claro, percebemos: (i) Que a oscilação do
preço médio nominal dos homens de 15 a 29 anos (negociados em grupo e
individualmente) ocorreu, majoritariamente, dentro do intervalo 1:800$000 a
1:500$000, enquanto a variação do preço das mulheres, desta mesma faixa etária,
foi reiteradamente inferior (ocorreu, sobretudo, entre 1.600$000 e 1.400$000)359; (ii)
que existiu (quando consideramos os cativos negociados em grupos e
individualmente) dois momentos, ao longo da década de 1860, nos quais o preço
das mulheres coincidiu com o preço dos escravos homens: 1865 e 1868.
Coincidências essas que, aparentemente, não se justificam por situações adversas
vivenciadas pelo tráfico interno de cativos às quais atribuiriam maior importância ao
potencial reprodutivo das escravas. Por sua vez, quando observamos a dinâmica
dos preços decorrentes das escrituras que registraram um único escravo sendo
transacionado, percebemos que o preço médio nominal das escravas superou o
Consequentemente, entre os africanos em Vassouras, a proporção entre homens e mulheres era em torno de sete para três, e era sem dúvida o índice normal de nascimento que mantinha essa proporção entre a população escrava. No entanto houve uma mudança, de 77% de homens e 23% de mulheres na década de 1820-1829 para 56% e 44%, respectivamente, em 1880-1888. A mudança foi tão gradativa que se pode concluir que a sociedade escrava de Vassouras permaneceu predominantemente masculina durante o crescimento e o declínio do município.” Stanley Stein, Op. Cit., 108.
359 Com o intuito de realizar um incipiente confronto da dinâmica do tráfico interno de cativos
registrado em Rio Claro, com a movimentação deste comércio em outras localidades, ao longo da exposição e análise dos dados por nós compulsados, iremos, em diferentes momentos, cotejar o nosso levantamento com os resultados da importante pesquisa realizada pelo professor José Flávio Motta (2012, Op. Cit.) acerca de alguns municípios paulistas. Este cotejamento se justifica, dentre outros motivos, pela coincidência do núcleo documental eleito por ambas as investigações. Este autor encontrou para os escravos e escravas de 15-29 anos, comerciados nas localidades que estudou, durante o mesmo recorte temporal aqui empreendido, os seguintes preços médios nominais: Areias: 1:532$583 (H) e 1:123$500 (M); Guaratinguetá: 1:432$857 (H) e 1:121$739 (M); Constituição (Piracicaba): 1:819$388 (H) e 1:513$171 (M). Ademais, desde já, assumimos a influência dos trabalhos do professor José Flávio Motta sobre a análise aqui realizada.
158
preço dos homens por um período considerável, sobretudo em 1865360, além de a
amplitude das variações dos preços dos homens e das mulheres serem maiores.
Gráfico 7
Sem perder de vista o baixo número de observações – tanto para os escravos
comerciados em grupo e individualmente, como para aqueles negociados apenas
individualmente –, avançamos a seguinte conjectura: talvez, parte da dinâmica dos
preços em 1865, por exemplo, explique-se, parcialmente, em virtude da Guerra do
Paraguai e da consequente Lei 1.101 de 20 de setembro 1865. Essa, em seu art. 5°
parágrafo 4°, facultou a substituição do convocado ou recrutado no lugar de outra
pessoa, possivelmente um escravo. Essa promulgação, ainda, foi corroborada, em
1866, pela lei segundo a qual o governo imperial concedia liberdade aos escravos
de nação que servissem ao exército, assim como instigava a concessão de
galardões honoríficos a particulares que libertassem parte dos seus escravos para o
360
Com relação aos escravos negociados em grupo e individualmente, vale mencionarmos que encontramos, em 1865, 7 escravas, com idade média de 21,9 anos, preço nominal médio de 1.529.493 réis e nenhuma delas teve a sua experiência ou alguma habilidade especial mencionadas. Por sua vez, com relação aos homens, encontramos 11 indivíduos com idade média de 19,8 anos, preço nominal médio de 1.538.709 réis, todos crioulos e também sem nenhuma experiência prévia mencionada. Com relação a 1868, encontramos 21 escravos e apenas 2 escravas. Em virtude do baixo número de escravas nos abstemos de avançar qualquer conjectura para este ano.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de
Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compilação dos dados próprias.
1.000.000
1.200.000
1.400.000
1.600.000
1.800.000
2.000.000
2.200.000
2.400.000
18
61
18
62
18
63
18
64
18
65
18
66
18
67
18
68
18
69
Preços médios nominais dos escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos individualmente em Rio Claro, 1861 -
1869
Homens Mulheres
159
combate361. Acontecimento e promulgações as quais podem ter direcionado, ao
longo dos esforços iniciais da guerra, significativo contingente de escravos homens
para terras paraguaias, aumentando, consequentemente, a demanda e os preços
das escravas362.
Identificar o volume e a contribuição dos escravos que combateram na Guerra
do Paraguai é uma tarefa complexa e controvertida em virtude da precariedade das
estatísticas existentes e do desejo de omitir o quanto o Império escravocrata
brasileiro dependeu de seus cativos para a consecução de seus objetivos
militares363. Chiavenatto, por exemplo, buscando desfazer o mito que afirma que os
voluntários da Pátria formaram a maioria dos indivíduos que se envolveram
diretamente na guerra, diz: de uma forma geral, para incentivar o comparecimento
espontâneo, além de os combatentes espontâneos serem direcionados para frentes
as mais tranquilas do cenário de batalha, quinhões de terra eram prometidos. Além
disso, “aos negros, alforriava-se: o que também foi um ótimo negócio para os
senhores, indenizados ao fornecerem este tipo de voluntário – aliás, a maioria
absoluta dos soldados que fizeram a campanha”364. Richard Graham, por sua vez,
advoga a inexistência de estimações sobre o número de escravos combatentes.
Entretanto, evidencia a importância do governo imperial ter seguido um arranjo em
que “os escravos que lutassem se tornariam livres, mesmo que tivessem fugido para
361
Beiguelman, Paula, O encaminhamento político da escravidão no Império, in História geral da civilização brasileira. Tomo II, vol. III. P. 206.
362 Há na literatura especializada diversas referências à participação e importância dos escravos na
guerra, dentre estas, para ilustrar a nossa hipótese, reproduzimos um trecho de Joaquim Nabuco. “Chegou a hora de fazermos alguma justiça, tão pouco quanto à de que somos capazes, à raça que tem feito gratuitamente no Brasil tudo quanto ele é, a raça que não paga somente os subsídios dos representantes da nação, mas paga, também, a alta lista civil da família imperial; paga ainda os juros de nossa dívida em Londres, e quando a honra da nacionalidade brasileira corre risco, paga com seu sangue larguíssimo tributo”. Discurso de 30/07/1885. Citado por Evaristo de Moraes em A campanha abolicionista. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1986.
363 Cf. Ricardo Salles, Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do exército. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1990. p. 63.
364 Chiavenatto citado por Ricardo Salles, Op. Cit. p. 64.
160
unir-se às fileiras”365. Já Robert Conrad estima em 20.000 o número de escravos,
incluindo as mulheres dos soldados, que conseguiram a liberdade com a guerra366.
As oscilações dos preços nominais médios dos escravos e a coincidência de
preço de ambos os sexos verificada, em 1865, também podem, em parte, ser
explicadas em virtude do aumento do preço do café e do açúcar, ao longo da
primeira metade dos anos 1860. Quando confrontamos o primeiro com o segundo
quinquênio da década de 1860, aferimos que, a partir deste último, a produção
brasileira de café definitivamente superou a casa das 10.000.000 de sacas367 - não
por acaso, encontramos, em 1864-65, os maiores preços da década, do café
exportado para os EUA368. Com relação ao preço do açúcar, observamos, durante
os anos 1860, que o preço médio da tonelada foi maior do que o verificado nas duas
décadas anteriores e na década subsequente369, possibilitando, como
argumentaremos adiante, melhor correlação de força para os pequenos e médios
escravagistas nordestinos, sobretudo aqueles vinculados à cana, manterem seus
escravos, diminuindo a oferta no sudeste e, possivelmente, aumentando o preço das
escravas.
Para além destes momentos, cujos preços dos escravos homens e mulheres
coincidiram com o preço dos cativos ou quando o preço das escravas esteve acima
do preço dos escravos (vendidas individuais), prevaleceu, como observamos na
tabela relativa às escrituras que registraram as vendas individuais, certa dinâmica
adversa do preço dos escravos durante a maior parte da década de 1860. Quiçá, tal
comportamento se justifique pelos desdobramentos do processo abolicionista geral,
o qual vivenciou na década de 1860 momentos relevantes, quais sejam: (i) o fim da
Guerra Civil Norte americana, que teve como uma das suas consequências a 365
Richard Graham, Escravidão, reforma e imperialismo. São Paulo: Perspectiva, 1979, p. 37.
366 Robert Conrad, Os últimos... Op. Cit. p. 96. Para outras informações atinentes a esta discussão,
Cf. Ricardo Salles, Op. Cit. Págs. 63-77.
367 Brasil, IBGE. Séries estatísticas retrospectivas. Vol. III - Séries econômicas, demográficas e
sociais 1550-1988. Rio de Janeiro: IBGE, 1990.
368 Relatório do ministro brasileiro em Washington, Sr. Assis Brasil, Intitulado O Café nos EUA. In.
Antonio Delfim Netto, O Problema do Café no Brasil. p. 277-278. São Paulo: ED. Unesp/Facamp. 2009.
369 Brasil, IBGE. Séries estatísticas retrospectivas. Vol. III - Séries econômicas, demográficas e
sociais 1550-1988. Rio de Janeiro: IBGE, 1990.
161
abolição da escravidão; (ii) em 1867, o comércio escravagista cubano, que foi
encerrado; (iii) extrapolando um pouco o período analisado neste capítulo, em 1871,
a Lei do Ventre Livre, a qual “libertou” todos os filhos nascidos de mães escravas,
uma medida responsável pela mudança nos preços relativos dos escravos por sexo,
o que talvez possa ser explicado, ao menos em parte, pela impossibilidade de se
continuar levando em conta o potencial reprodutivo delas.
Também vale notarmos a importância de os dados por nós compilados se
aproximarem, até certo ponto, das longas séries organizadas e estudadas por Fogel
e Engerman sobre o Sul dos EUA e por Bergad, sobre Minas Gerais. Estes autores
descobriram que, em torno dos 27 anos de idade, o preço das escravas era cerca de
80% do preço dos escravos, diferencial próximo ao encontrado por nós em Rio Claro
entre os escravos e escravas com idade entre 25 e 29 anos (87%).370
Já com relação à cor, percebemos que o preço dos escravos não variava de
forma significativa em virtude das diferentes tonalidades da pele, tal como podemos
apreender por meio da tabela abaixo. A exceção, não relevante em virtude do
restrito número de informações, foi o conjunto de escravas mulatas negociadas em
termos médios por 1:800$000.
Destarte, “mulatos, negros, pardos, fulas, cabras” etc. eram considerados
“artigos” equivalentes ou muito próximos no momento das suas vendas. Assim
sendo, acreditamos que as ligeiras diferenças de preço dos escravos arrolados na
tabela abaixo, assim como nas tabelas que constituem o anexo V desta pesquisa
(que também relacionam cor, sexo, número de indivíduos e preço nominal médio)371,
são decorrentes de outros fatores, tais como: experiência do cativo, o fato de o
escravo estar mais próximo do limite inferior ou posterior do recorte etário indicado
etc.
370
R. Fogel e S. Engerman. Time on the cross: The economics of American negro slavery. (Nova Iorque: Little, Brown, 1974), 75. Bergad. Op. Cit., 266.
371 Esta constatação é reiterada pelas informações que compulsamos para o restante do nosso
recorte geográfico e temporal, tal como pode ser verificado nas tabelas do Anexo V desta pesquisa. Para não deixar a leitura excessivamente repetitiva optamos, ao longo dos próximos capítulos, por deslocar essas tabelas para o anexo da pesquisa.
162
Tabela 3
Ao fazermos alguns apontamentos atinentes à cor dos cativos
transacionados, importa não perdermos do horizonte a inexistência de concordância
acerca dos ‘atributos decorrentes’ da cor da pele dos escravos. Os dados da tabela
anterior nos permitem notar que os ‘cabras’, alcançaram preço médio próximo ou
superior ao dos demais escravos do sexo masculino, mesmo sendo considerado,
muitas vezes, resultante do “cruzamento de índio e africano e, cujo produto é inferior
aos seus ramos de origem” ou “indivíduo forte, de maus instintos, petulante,
sanguinário, muito diferente do mulato por lhe faltarem as maneiras e a inteligência
deste”372.
Bernardino José de Souza pontua que o ‘cabra’, é termo de uso corrente no
Norte do Brasil, designativo do mestiço de negro e mulato. Já, segundo V.
Chermont, ‘cabra’ trata-se do mestiço de branco e negro, portanto, seria o mulato.
Rodolfo Teófilo acrescenta, o ‘cabra’ “é pior do que o caboclo e o negro. É tão
conhecida a índole perversa do ‘cabra’ que o povo diz: ‘não há doce ruim nem cabra
bom”. Ao ‘cabra’ não raro se chama também de pardo, fula ou fulo, bode e cabrito,
372
Ambas as passagens são de Rodolfo Teófilo citado por Clóvis Moura, Dicionário da Escravidão Negra no Brasil. São Paulo: Edusp, 2004. p. 75.
Número de escravos Preço médio
Número de escravos Preço médio
Preto(a) 11 1.759.091 6 1.520.833
Pardo(a) 6 1.665.476 2 1.550.000
Cabra 2 1.850.000 - -
Mulato(a) 2 1.950.000 3 1.800.000
Fula 2 1.700.000 1 1.700.000
Preto-Fula 1 2.000.000 - -
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e
compi lação dos dados próprias .
Preços médios nominais dos escravos adultos jovens (15 - 29 anos), negociados individualmente, de
acordo com a cor da pele indicada na Escritura - Rio Claro (1861-1869)
Cor
Homens Mulheres
163
todos mestiços e tratados, reiteradamente por parte da bibliografia, como
inferiores373.
Em virtude da falta de concordância existente acerca das diferenças
cromáticas, provavelmente comparamos na tabela anterior (e nas tabelas que
formam o anexo V desta pesquisa) indivíduos que, na verdade, possuíam a mesma
cor da pele e, assim sendo, a diferença observada em seus preços não tem relação
com essa característica, que pautava muitas vezes diversos predicados atribuídos
aos escravos pelos proprietários e autores antiquados.
Assim sendo, acreditamos que quando a cor da pele eventualmente ocupe o
primeiro plano da discussão, um caminho sensato é ter em vista que as diferenças
cromáticas, aludidas nas escrituras de compra e venda de escravos e em outras
situações, não acarretavam preços significativamente distintos para os escravos. Na
verdade aventamos a hipótese que a ênfase na cor da pele do escravo fez parte da
tática de divisionismo ético dos proprietários de escravos para fragmentar a
população negra, segundo as diferentes tonalidades da pele e características
sociais. Um dos efeitos deste artifício foi o alheamento dos mulatos da luta dos
negros, a ponto daqueles criarem, no Rio de Janeiro, uma imprensa própria que
pautava apenas os seus pleitos e expectativas374. Tal como lemos em Moura:
desta forma, puderam os homens de cor livre, por meio da
impressa, ascender socialmente como profissionais, quer como
técnicos, quer como intelectuais. O que queremos registrar
aqui é que esta elite negra que se intitula mulata já procura dar
as costas à grande massa que constituía a escravaria do eito e
das minas e passa a reivindicar soluções de problemas que
dizem respeito ao homem livre na ordem escravista. Há,
portanto, uma fratura no comportamento do negro no Brasil,
373
Idem. p. 75.
374 Idem. p. 75. Ver também: Souza, Bernardino José. Dicionário da terra e da gente do Brasil. São
Paulo: Nacional, 1961.
164
através dessa filosofia de mulataria, tão bem expostas nos
seus jornais375.
Quando organizamos o banco de dados oriundo das nossas pesquisas sobre
o tráfico interno de escravos direcionado para o Oeste de São Paulo, com o intuito
de acessarmos informações relativas às famílias escravas (estado conjugal e filhos
declarados) e às crianças cativas comerciadas para Rio Claro, obtivemos, dentre
outros, os resultados expostos abaixo:
Tabela 4
375
Clóvis Moura, 1883, in Dicionário da escravidão negra no Brasil. Op. Cit. P. 199.
Número total de
crianças escravas
comercializadas
Idade média de todas as
crianças escravas
vendidas
(individualmente e em
grupo)
Crianças
vendidas
individualment
e
Idade média das
crianças escravas
vendidas
individualmente
Preço nominal
médio das crianças
vendidas
individualmente
(Contos de Réis)
Número total de
crianças escravas
comercializadas
Idade média de
todas as crianças
escravas vendidas
(individualmente e
em grupo)
Crianças
vendidas
individualmente
Idade média das
crianças escravas
vendidas
individualmente
Preço nominal médio
das crianças vendidas
individualmente
(Contos de Réis)
1861 14 9,0 2 11,5 1.600.000 5 11,2 2 11,0 1.575.000
1862 3 12,6 1 14,0 1.500.000 4 10,0 1 14,0 1.600.000
1863 14 11,8 1 7,0 800.000* 9 12,2 6 12,3 1.483.333
1864 12 11,0 5 10,6 1.587.500** 17 10,6 5 7,8 1.185.000***
1865 6 12,2 2 12,5 1.600.000 10 10 4 11,3 1.175.000
1866 7 13,0 3 13,0 1.200.000 5 5,4' 1 4,0 450.000
1867 13 12,7 - - - 2 12,0 2 12,0 1.100.000
1868 17 9,6 - - - 2 11,0 2 11,0 1.125.000
1869 18 12,0 4 11,3 1.575.000 1 14,0 1 14,0 1.400.000
Total 104 11,5 18 11,4 1.495.000 55 11,4 24 10,8 1.232.593* Este valor baixo explica-se em função da idade pouca idade (7 anos) da única criança vendida individualmente.
** Para não distorcermos o resultado, excluimos deste preço médio um criança de 3 anos de idade, comercializada individualmente por 350.000.
*** Para não distorcermos o resultado, excluimos deste preço médio, a venda individual de uma criança de apenas 1 ano de idade comercializada por 200.000.
' A baixa idade média registrada, assim como o baixo preço médio indicado, decorre da comercialização de dois escravos com apenas 1 ano e 1 com 4 anos de idade.
Obs. Nenhuma criança do sexo masculino foi comercializada individualmente no ano de 1867 e 1868.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compilação dos dados próprias.
Preços médios nominais dos escravos crianças (menores de 15 anos) registrados em Rio Claro, entre 1861-1869
Crianças escravas - sexo masculino Crianças escravas - sexo feminino
Ano
165
Gráfico 8
Os documentos notariais preservados pelos cartórios de Rio Claro
evidenciaram que 28% dos escravos direcionados no bojo do tráfico interno para
esse município eram constituídos por crianças (escravos menores de 15 anos de
idade), em consequência dos elevados preços nominais médios observados e do
fato de as crianças escravas aparecerem (apesar do pequeno número de
observações para alguns anos) em todos os anos do recorte temporal indicado, e
por fim, em decorrência deste ramo do tráfico também envolver pequenos com
poucos anos de idade – não obstante o maior grupo comercializado ter sido
constituído por aqueles de 12-14 anos – a importância do comércio destes
indivíduos torna-se evidente.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio
Claro. Coleta e compilação dos dados próprias.
0
200000
400000
600000
800000
1000000
1200000
1400000
1600000
1800000
1-2 anos 3-5 anos 6-8 anos 9-11 anos 12-14 anos
Preços nominais médios (Contos de Réis) dos escravos crianças,
por faixa etária e sexo. Rio Claro, 1861-1869.
Homens
Mulheres
166
Gráficos 9 e 10
Contudo, antes de avançarmos com novas ponderações quantitativas,
gostaríamos de fazer algumas breves ponderações acerca da criança escrava. Todo
escravo, durante certo período da sua vida, foi um infante. Mas, em virtude das
vivências e experiências diversas, não há uma resposta única para a pergunta: em
que condições e por quanto tempo? “Diversas, por exemplo, se o escravo nasceu na
África ou se nasceu crioulo; diversas, também, se o escravo chegou criança no
Brasil, frequentemente fase de idade que o transforma em jovem trabalhador376”.
Mattoso, por meio dos inventários post-mortem e testamentos, distinguiu duas
infâncias para os escravos: do zero aos sete para oito anos, as crianças cativas
normalmente não desempenhavam atividade econômica377; mas a vida dos
folguedos infantis era curta, dos sete para os oito anos até os doze anos de idade,
os jovens escravos deixavam de ser crianças para entrarem no mundo dos adultos,
mas ainda na qualidade de aprendiz. Ainda segundo Mattoso, as faixas etárias
376
Esta passagem, assim como a pergunta anterior, aparece em Mattoso, K. Q. O Filho da escrava (em torno da Lei do Ventre Livre). Ver. R. Bras. de Hist. S. Paulo, V. 8, n. 16. Pp. 37-55. Mar.88/ago.88. p. 43. Maria Lúcia Mott apontou quatro razões que justificam o interesse dos traficantes relativo à importação de crianças: (i) a facilidade com que estas se adaptavam ao trabalho; (ii) a perspectiva de uma vida longa; (iii) o fato de as crianças terem sempre um preço inferior ao escravo adulto; (iv) a crença de que os escravos crioulos eram menos dóceis e menos ativos. A criança escrava na literatura de viagens. Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas), São Paulo, v. 31, p. 57-68, 1979.
377 Maria Lúcia Mott, por sua vez, diminui esta idade para 5-6 anos. Idem. p. 61.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compilação
dos dados próprias.
Demais39%
12-14 anos61%
Maior participação do grupo de escravos
crianças do sexo masculino, de 12-14 anos, registrados em Rio Claro, entre 1861-1869
Demais42%
12-14 anos58%
Maior participação do grupo de escravas crianças do sexo feminino, de 12-14 anos, registrados em Rio Claro, entre 1861-1869
167
aludidas foram corroboradas por documentos oficiais provindos da legislação civil e
eclesiástica. Além da lei de 1869, mencionada à frente, e da Lei de 1871378, “é por
demais conhecido que, para a Igreja, a idade de razão de todo o cristão jovem situa-
se aos 7 anos de idade, idade de consciência e de responsabilidade. Para a Igreja,
aos sete anos a criança adquire foro de adulto: de ingênuo torna-se alma de
confissão379”. Por seu turno, a parte relativa ao direito civil do Código Filipino que
vigorou durante todo o século XIX, estipulava a maioridade aos 12 anos para as
meninas e aos 14 anos para os meninos380.
Tendo esses aspectos em vista, ao longo desta pesquisa, consideramos as
crianças escravas aquelas com até 14 anos, mesmo sabendo que parte da literatura
aponte que as crianças passariam a executar trabalhos semelhantes aos dos
adultos por volta dos 12 anos381. Fizemos isso, sobretudo: (i) em virtude da
legislação de 1869; (ii) como consequência de os escravos com 12 anos de idade
ainda serem consideradas aprendizes; (iii) pelo fato de o Código Filipino considerar
que os meninos passavam à maioridade aos 14 anos; (iv) em decorrência de alguns
autores hodiernos estabelecerem, ao longo de suas apreciações econômico-
demográficas, a primeira faixa etária como sendo formada por escravos com idade
de zero a 14 anos completos. Uma vez feita essas ponderações acerca das crianças
cativas, seguimos à diante de forma balizada.
Compreendemos que os dados que expomos a seguir podem refletir a
expectativa das promulgações decretadas em 1869 e 1871. No primeiro ano
mencionado, temos o Decreto nº 1.695, de 15.09.1869. No seu segundo artigo
lemos: "em todas as vendas de escravos, ou sejam particulares ou judiciais, é
378
A Lei do Ventre Livre estipulou que os senhores deveriam criar os filhos ingênuos de suas escravas até a idade de 8 anos completos. Quando a criança chegasse aos 8 anos de idade, o senhor da mãe poderia optar por receber uma indenização de 600$000 do governo Imperial ou de utilizar os serviços desse ingênuo até a idade de 21 anos. Cf. Actos do Poder Legislativo, Lei n. 2040, de 28 de setembro de 1871. Artigo 1, parágrafo 1. In Leis do Brasil. Rio de Janeiro, Imprensa Oficial.
379 Kátia Q. Mattoso, O filho da escrava... Op. Cit. p. 42.
380 Idem. p. 42.
381 A este respeito, Cf. Kátia Q. Mattoso, “O filho da escrava”, in Mary del Priore (org.), História da
Criança no Brasil (São Paulo, Contexto, 1991), p. 81; Maria José de Souza Andrade, A mão de obra escrava em Salvador, 1811-1860, São Paulo, Corrupio, 1988, p. 10; João José Reis, “População e Rebelião: notas sobre a população escrava na Bahia na primeira metade do século XIX”, Revista de Ciências Humanas, v. 1, nº. 1 (1980), pp. 148-149.
168
proibido, sob pena de nulidade, separar o marido da mulher, o filho do pai ou mãe,
salvo sendo os filhos maiores de 15 anos"382. Por sua vez, a Lei do Ventre Livre de
1871 (Lei nº 2.040), nos seus parágrafos 7º e 8º do art. 4º, institui que:
Em qualquer caso de alienação ou transmissão de escravos é
proibido, sob pena de nulidade, separar os cônjuges, e os filhos
menores de 12 anos, do pai ou da mãe. Se a divisão de bens
entre herdeiros ou sócios não comportar a reunião de uma
família, e nenhum deles preferir conservá-la sob o seu domínio,
mediante reposição da quota-parte dos outros interessados,
será a mesma família vendida e o seu produto rateado383.
Gráfico 11
Aventamos a hipótese de que os senhores, para atenuar a perda de liquidez
dos seus cativos, decorrente dessas leis, no momento da venda, omitiam o real
status conjugal e situação familiar dos seus escravos. Para tanto, declaravam, por
um lado, que as crianças tinham pais desconhecidos, mortos ou eram órfãs e, por
382
Brasil Império, Collecção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, typ. Nacional, 1869, p.129-30
383 Lenine Nequete Escravos e magistrados no Segundo Reinado: aplicação da Lei n° 2.040, de 28
de setembro de 1871. Brasília: Fundação Petrônio Portela, 1988, p.154.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro.
Coleta e compilação dos dados próprias.
7% 2%
19%
72%
Estado conjugal e filhos declarados de acordo com as Escrituras de Compra e Venda de Escravos - Rio Claro (1861-1869)
Casados Escrituras que mencionavam a existência de filhos (crianças escravas) Solteiros Sem informação
169
outro, afirmavam que os adultos eram na sua maioria solteiros ou meramente não
incluíam esta informação384. Essas simples declarações, na grande maioria dos
casos, acreditamos, acabavam passando por verdadeiras. Daí por diante, as
crianças ‘tornavam-se’ órfãs ou com pais ‘mortos’ etc., os cativos casados eram
transformados, repentinamente, em solteiros. Estratagemas que permitiram aos
senhores desmembrarem as famílias escravas quando conveniente.
Vale notarmos que esses artifícios corroboram, em parte, o movimento
diagnosticado por autores que afirmam que a política senhorial dificultava a família e
a solidariedade entre os cativos, mesmo tendo em vista que os africanos
escravizados e seus descendentes construíram, para além do parentesco, outras
formas e meios de solidariedade para orientar suas vidas. Contudo, a despeito
dessa hipótese, não compartilhamos as formulações que afirmam que os escravos
foram incapazes de formar famílias estáveis, de aculturação, de exercer participação
política, ou seja, que prevalecia dentre eles condição de anomia385. Chamamos a
384
Acerca das negociações envolvendo famílias escravas, ver também: Fragoso &Florentino, "Marcelino, filho de Inocência Crioula, neto de Joana Cabinda: um estudo sobre famílias escravas em Paraíba do Sul (1835-1872). In. Estudos Econômicos. 17(2): 151-173. Maio/Ago. 1987. Maria José de Souza Andrade, A mão de obra escrava em Salvador, 1811-1860. São Paulo: Corrupio, 1988. Motta & Marcondes. O comércio de escravos no Vale do Paraíba Paulista: Guaratinguetá e Silveiras na década de 1870. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 30, n. 2, p. 267-299, abr/jun. 2000a.
385 Manolo Garcia Florentino. Em costas negras: uma história do tráfico atlântico de escravos entre a
África e o Rio de Janeiro. Séculos XVIII e XIX. Companhia das Letras: São Paulo, 1997. José Roberto Góes, A paz das senzalas. Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790 – 1850, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1997. Contrariando as hipóteses de Florestan Fernandes em A Integração do Negro na Sociedade de Classes (Rio de Janeiro: Ed. Globo, 2008), Robert Slenes afirma: “A escravidão foi duríssima. Mesmo assim, os escravos emergiram do cativeiro com um forte sentimento da importância de laços familiares. Se não tiveram o mesmo sucesso que os imigrantes no pós-abolição, isso se deveu à criação pela "sociedade de classes" de novos mecanismos de exclusão”. Slenes, Robert. Folha on-line, (17/4/2000). Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/ entre_14.htm. Acesso em: 10/04/2014. Ademais, quando nos deparamos com os crimes (homicídios contra senhores, feitores capatazes, furto da produção agrícola etc.) e o padrão da criminalidade escrava, notamos que eram produtos orgânicos da vida cotidiana nas fazendas e que estas ações atribuíam ao cativo papel relevante como agente social e sujeito histórico. Tal como enfatiza Maria Helena P. T. Machado: Fragilizar a dominação senhorial, onerá-la e limitá-la por meio de resistências e confrontos demonstraram-se atos coerentes, pois possibilitaram aos escravos forjar simultaneamente, espaços de sobrevivência e vida autônomas. Maria Helena P. T. Machado. Crime e Escravidão. Edição revista e ampliada. 2º ed. São Paulo: EDUSP, 2014. A dinâmica da criminalidade e das transgressões escravas atingiram tais magnitudes que os fazendeiros viram escapar das suas mãos o necessário controle da situação, a tal ponto de não poderem mais resistir. Assim, tal como propõe Robert B. Toplin (The Abolition of Slavery in Brazil. New York; Atheneum, 1972. p. 665), os proprietários aproximaram-se cada vez mais, em virtude do crescente receio de revoltas escravas de maiores proporções da Abolição. Ver também: Elciene Azevedo. O direito dos escravos. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2010. As revoltas escravas também problematizam a perspectiva de anomia escrava. Ver p. ex.: Ricardo Figueiredo Pirola Senzala Insurgente: mulungos, parentes e rebeldes nas fazendas de Campinas (1831). Campinas, SP. Ed. Unicamp, 2011. Silvia Hunold Lara. Campos da Violência. Escravos e senhores na capital do
170
atenção para o fato de que estudos demográficos realizados, sobretudo ao longo
dos anos 1990 e 2000386, nos ajudam a qualificar o quadro empírico referente à
família escrava. Esses trabalhos elegeram como recortes principalmente o século
XIX e a Província de São Paulo. Essas investigações apresentam como resultado
comum, além da larga preponderância de escravos homens, elevadas taxas de
casamento formal, feito na Igreja, em fazendas com 10 ou mais escravos. Indicam
também, para essas propriedades, larga estabilidade das famílias conjugais
formadas (isto é, entre cônjuges e na convivência entre pais e filhos menores de 10
anos), ademais encontramos nesta bibliografia formulações que afirmam que a
partilha das propriedades senhoriais entre herdeiros normalmente não separavam
casais e filhos.
Assim sendo, tal como afirma Robert Slenes, nas propriedades maiores, a
estabilidade familiar foi recorrente. Outrossim, nas médias e grandes propriedades,
com anos de operação, essa constância se exprimia na “existência de famílias
extensas, contando com a presença de três gerações e a convivência entre irmãos
adultos e seus respectivos filhos”387. Se o tráfico transatlântico e interno direcionava
novos contingentes de cativos (principalmente homens) para as fazendas do
sudeste, “não é verdade que a maioria dos cativos – muito menos a maioria das
mulheres e das crianças – estivessem “perdidos uns para os outros” [como
Rio de Janeiro, 1750-1808. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988. Robert. W. Slenes. Brazil. In. Slavery in the Americas. Oxford University Press Inc. New York, 2010. p. 114.
386 Ver, por exemplo: Heloísa Maria Teixeira, Família escrava, sua estabilidade e reprodução em
Mariana, 1850-1888. Afro-Ásia, 28 (2002), 179-220. José Flávio Motta, Corpos escravos, vontades livres. Estrutura de posse de cativos e família escrava em um núcleo cafeeiro (Bananal, 1801-1829), São Paulo: Annablume & FAPESP, 1999. Edson Fernandes Rios, Família escrava numa boca do sertão. Lenções, 1860-1888, Revista de História Regional 8(1): 9-30, 2003; Ana Lugão, Família e transição. Famílias negras em Paraíba do Sul, 1872-1920, dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1990; José Roberto Pinto de Góes, Escravos da paciência: um estudo sobre a obediência escrava no Rio de Janeiro (1790-1850), tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1998. O cativeiro imperfeito. Um estudo sobre a escravidão no Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX, Vitória, Lineart, 1993.
387 Robert Slenes, Família escrava e trabalho. Tempo, Vol. 3 - n° 6, Dezembro de 1998. p. 2-4. Ver
também: Robert Slenes. Brazil. In. Slavery in the Americas. Oxford University Press Inc. New York, 2010. p. 116-117.
171
propuseram Fernandes e Bastide - GR]”388. Por fim, como assevera o professor R.
Slenes:
A família cativa emerge de um processo de conflito entre
escravo e senhor. O senhor é forçado a ceder certo espaço
para os escravos formarem famílias, encarando isso, porém,
como parte de uma política de desmonte de revoltas. A política
funciona até certo ponto, pois, ao dar ao escravo algo a perder,
ela o torna mais vulnerável, transforma o cativo em refém. No
médio e longo prazo, contudo, o espaço acaba sendo
altamente subversivo, pois é usado pelos escravos como lugar
de criação e transmissão de uma identidade própria,
antagônica à dos senhores e forjada a partir da descoberta de
tradições africanas compartilhadas389.
388
Robert W. Slenes, Família escrava e trabalho. Op. Cit. p. 2-4. Ver também de Robert W. Slenes: Na Senzala, uma Flor... Op. Cit. Pág. 56 e outras. Mais uma vez segundo R. Slenes: “O quadro demográfico para o Oeste Paulista parece ser válido para a outra região principal de grande lavoura do Sudeste, o Vale do Paraíba (paulista e fluminense), incluindo-se a região de Campos. Os trabalhos de Manolo Florentino, José Robert Góes, Hebe Maria Mattos e Sheila de Castro Faria sugerem isto. (...) As taxas de casamento formal entre escravos nesta região eram semelhantes às do Oeste Paulista no final do século XVIII e início do XIX. Começam, contudo, a cair antes de 1850 e despencam drasticamente após 1860 (refletindo, talvez, o impacto da Guerra Civil Norte-americana sobre as expectativas dos senhores no que diz respeito ao futuro da escravidão). Por razões ainda não bem conhecidas, a taxa permanece alta no Oeste Paulista até os anos 1880; e cai mais acentuadamente entre 1872 e 1886 na medida em que o observador se afasta dessa região, descendo o Vale do Paraíba. Acredito que a explicação tem a ver, não com o “lar” escravo, mas com diferenças no “controlar” branco: no Oeste Paulista, os senhores encaravam o casamento formal escravo não apenas como uma instituição que contribuía para a reprodução, mas também como um elemento simbólico essencial para seu domínio. Em suma, os resultados das pesquisas sobre o Oeste Paulista seriam não apenas típicos mas paradigmáticos, no que diz respeito à família escrava nas regiões de grande lavoura do Sudeste. Naquela parte de São Paulo, os dados sobre casamentos formais incluem praticamente a totalidade dos casamentos consensuais – e, portanto, captam a realidade social – o que cada vez mais não é o caso no Vale do Paraíba, especialmente até 1860”. Slenes, R. Família escrava e trabalho. Tempo, Vol. 3 - n° 6, Dezembro de 1998. Por sua vez, Segundo Andréa Simonato, a porcentagem de escravos inseridos em famílias para o meio rural fluminense, tendo como base os inventários, chega a 44% dos escravos vinculados a outros através de laços de parentesco. Simonato, “O parentesco entre os cativos no meio rural do Rio de Janeiro em 1860”. População e família, São Paulo: Humanitas, v. 1, n. 1, p. 143-179 jan./ jun. 1998.”, p. 147.
389 Robert W. Slenes, Folha on line, (17/4/2000). Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/ entre_14.htm. Acesso em: 04/02/2015. O argumento do Prof. Slenes é corroborado, por exemplo, pela articulação dos escravos revoltosos de Campinas de 1832. Esse foi um dos processos em que família e rebelião caminharam juntas. Ver: Ricardo Figueiredo Pirola. Senzala insurgente. Campinas, Sp. Ed. UNICAMP. 2011. Por sua vez, Manolo Florentino e José Roberto Góes, em A paz das senzalas, propõe que o parentesco e a família escrava constituía o cimento da comunidade cativa e possibilitava dirimir conflitos e permitia a paz das senzalas. A paz nas senzalas: famílias escravas e o tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790- c. 1850. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. Por fim, Robert Slenes reafirma um dos
172
Ao manipularmos os dados para avançarmos na hipótese mencionada
parágrafos acima (omissão deliberada por parte dos senhores da situação conjugal
e familiar dos seus escravos no momento da venda), temos os resultados expressos
nos gráficos abaixo. Vale ressaltarmos que esses dados, contudo, por serem
decorrentes de escrituras de compra e venda, não corroboram os argumentos que
postulam a destruição da família escrava e sua suposta condição de anomia em
virtude das condições impostas pelos senhores. Advogamos, que a família conjugal
escrava, a despeito da sua vulnerabilidade, foi instituição viável no bojo das grandes
e médias propriedades do Sudeste – i.e., região de grande importação de cativos ao
longo do século XIX e de proprietários que pouco vendiam seus escravos390. Desta
forma, a família possivelmente ajudou muitos cativos a preservarem e tecerem sua
identidade, experiências, valores e memórias, além de enfrentarem de forma mais
estruturada as pressões da escravidão. “Ao mesmo tempo, no entanto, ao dar aos
escravos um maior interesse na sociedade de plantation, a família também forneceu
ao senhor um instrumento efetivo de controle social”.391
resultados de suas pesquisas em Na senzala, uma flor. O autor nos diz: durante todo o século XIX, o complexo de grande lavoura em Campinas – segundo o autor, município representativo das áreas de plantation do Centro-Oeste Paulista – criou sérios empecilhos para a formação de grupos de parentesco, nucleares e extensos, entre os escravos, mas não a ponto de deixar os cativos destituídos de instituições e normas familiares. Tanto nas plantations de café quanto nas de açúcar (ou mais amplamente, nas propriedades com mais de dez cativos), os escravos conseguiram casar-se, manter unidas suas famílias conjugais e até construir redes de parentesco externas, com mais frequência do que os historiadores haviam pensado e com mais facilidade do que seus parceiros nas unidades produtivas menores, voltadas normalmente para outras atividades que não a grande lavoura. Robert Slenes. Na senzala, uma flor... Op. Cit. 54. Esta e outras proposições que perpassam este capítulo, em grande medida, são válidas também para os capítulos subsequentes. Contudo, nem todas as formulações desse primeiro capítulo, sobre o tráfico interno de escravos, a família escrava, as crianças escravas etc. foram replicadas nos próximos capítulos. Assim o fizemos para não tornar a leitura demasiadamente fatigante. O mesmo acontece com algumas proposições presentes nos capítulos posteriores: nem sempre as replicamos nos capítulos precedentes algumas das elaborações presentes nos capítulos posteriores.
390 Nessas regiões, segundo Slenes, houve índices de casamentos razoavelmente altos entre as
mulheres escravas (mas não entre os homens), em grandes e médias propriedades: “às vezes até surpreendentemente altos, considerando-se a historiografia sobre o assunto”. Alternativamente, houve significativa existência de laços de parentesco simples, apesar do desequilíbrio numérico entre homens e mulheres decorrente do tráfico africano e interno de cativos. Robert. W. Slenes. Robert Slenes. Na Senzala, uma Flor Op. Cit. p. 54.
391 Idem. p. 28.
173
Gráfico 12
É importante notarmos que apesar de as escrituras que registraram a venda
das crianças escravas não trazerem, normalmente, nenhuma referência aos pais
destas crianças, a grande maioria dos menores de 15 anos de idade (84%) foi
comerciada no interior de grupos – as vendas individuais foram significativas apenas
no bojo do comércio local (49%) –, tal como constatamos por meio dos dados
expostos no próximo gráfico392. Isto nos permite avançar a hipótese, já postulada
por José Flávio Motta, de que nem sempre as vendas de crianças escravas
resultavam no afastamento das suas famílias, sobretudo se encararmos essas
relações de modo abrangente, ou seja, se sairmos do círculo circunscrito da família
nuclear e pensarmos no elenco dos tios, avós, sogros, cunhados e nas relações de
compadrio393.
392
Os grupos também compostos por crianças foram negociados, mormente, no âmbito do tráfico intraprovincial e a razão de sexo, envolvendo a totalidade das crianças negociadas, ao longo dos anos 1860, em Rio Claro, foi de 130 escravos por 100 escravas.
393 José Flavio Motta, Escravos daqui, dali... Op. Cit.
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de
Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compi lação dos dados próprias .
9%
91%
Número de crianças escravas comerciadas em Rio
Claro, 1861-1869
Crianças escravas vendidas com os paisCrianças escravas vendidas sem nenhuma referência aos pais
174
Gráfico 13
Os dados compulsados em Rio Claro corroboram a importância das crianças
escravas (evidenciar essa acuidade é um dos objetivos deste tópico ). Assim
sendo, as crianças não foram carga inútil para os senhores. A importação de
crianças escravas, sua manutenção em poder dos senhores, a venda doméstica, a
provável omissão de informações e o registro de inverdades nas escrituras de
compra e venda relativas aos cativos menores de 15 anos – em decorrência das
promulgações de 1869 e 1871 – confirmam que os proprietários estavam
interessados em aproveitar as crianças escravas, em algum momento de suas vidas,
como força de trabalho ou mercadoria394.
Antes de prosseguirmos, vale notarmos que, muitas vezes, mesmo as
crianças escravas comerciadas conjuntamente com adultos395, ao longo dos anos
394
Contudo, não pretendemos negar completamente a lógica que provavelmente capitaneou a ação de muitos proprietários, em diferentes contextos e situações. Como é notório, parte da literatura relacionada enfatiza que diversos senhores, na ininterrupta busca por escravos masculinos adultos, atribuíram pouca importância às crianças escravas.
395 Os grupos eram formados muitas vezes por escravos de ambos os sexos, por crioulos (nascidos
no Brasil Império) e escravos ‘de nação’ (originários do continente africano, sobretudo, de Angola e
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de
Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compi lação dos dados próprias .
16%
84%
Crianças escravas vendidas individualmente e no âmbito de grupos em Rio Claro , 1861-1869
Escrituras que registraram apenas uma crinça escrava sendo negociado
Escrituras que registraram crinças escravas sendo vendidas no bojo de grupos
175
1860 em Rio Claro, não tiveram sua origem identificada. Esse fato nos permite
admitir que parte desses pequenos, sobretudo aqueles comerciados no início da
década em apreço, também era de origem africana. Um dos relatos de Ebel sobre o
mercado de escravos do Valongo (Rio de Janeiro), mesmo se tratando de outra
paragem e de um momento recuado no tempo (Ebel escreve em 1824), ajuda a
ilustrar o peso da importação de crianças escravas, vejamos:
Logo que chegam os navios negreiros – ocorrência frequente –
os escravos são desembarcados e depois que se restabelecem
da viagem, lá são expostos para serem vendidos. Há dias
fundeou um com 250 negros, na maioria crianças de 10 a 14
anos, que acocorados nesses galpões em fila de três, pelo
chão, assemelhavam-se mais a macacos396.
Destarte, postulamos, tal como Maria Lúcia B. Mott, que as crianças escravas
ocuparam lugar relevante no sistema escravista – talvez, sobretudo, as com mais de
5 anos, pois a taxa de mortalidade caía consideravelmente (em Rio Claro, ao longo
dos anos 1861-69, 93% das crianças comerciadas sozinhas tinham mais de 5 anos)
– seja pelo menor preço que possuíam, o que possibilitava que fossem compradas
por pessoa de menores possibilidades, seja pelas diversas funções que exerciam.
Funções essas com características específicas: as crianças escravas engraxavam
os sapatos; escovavam as roupas; serviam a mesa, espantavam mosquitos;
balançavam a rede; abanavam o fogo; buscavam água no poço; faziam compras;
levavam e traziam recados; carregavam pacotes, lenço, leque, vela, missal, guarda-
chuva, guarda-sol Além disso, serviam como: ama-seca, moleque de recados ou
criada/o, buscavam o jornal ou o correio nas vilas e cidades próximas; preparavam
Costa da Mina). Vale pontuarmos que, com relação à origem africana do escravo, há muitas informações relevantes no The Trans-Atlantic Slave Trade Database - TSTD 1999; 2010. Tais como: Cerca de 70% dos escravos embarcados para o Brasil vieram de Angola; e, dentre os escravos embarcados em Angola, 70% teve o Brasil como destino. Disponível em: http://www.slavevoyages.org/ tast/index.faces. Acesso: 10/03/2015.
396 Ernest Ebel, O Rio de Janeiro e seus arredores em 1824. São Paulo: Ed. Nacional, 1972.
176
os cavalos para serem montados; arrumavam o quarto e cozinha; ajudavam a vestir,
desvestir e a banhar as pessoas da casa e os visitantes397.
Com o intuito de darmos um passo adiante, nos gráficos seguintes,
conjugamos duas informações relevantes: por um lado, dispusemos os dados gerais
acerca do percentual de indivíduos transacionados em grupo ou individualmente e,
por outro, agregamos a este levantamento as informações que coletamos sobre
localidade/província de residência dos agentes (compradores e vendedores) que
participaram do comércio de escravos398.
Contudo, cabe uma nota prévia, qual seja, este e outros arranjos dos dados,
realizados ao longo do texto, foram perpetrados de acordo com certa tipologia do
comércio interno de seres humanos, que assim ficou estabelecida: houve o comércio
local, que se caracterizou pelo fato de o vendedor e o comprador residirem na
mesma cidade onde a escritura de averbação do negócio foi elaborada e arquivada;
existiu o tráfico intraprovincial, no qual vendedor e/ou comprador residiam em
diferentes localidades da Província de São Paulo; e, por fim, ocorreram as
transações interprovinciais, nas quais as partes envolvidas moravam em distintas
províncias do Império.399
Dos 575 escravos negociados ao longo dos anos em apreço, identificamos a
modalidade do tráfico para 412. Tendo esses números em vista, ao associarmos os
registros comerciais que envolveram vendas individuais ou em grupo com a tipologia
do tráfico interno de cativos, fica manifesta a preeminência do tráfico intraprovincial
397
Maria Lúcia B. Mott, Ser mãe: a escrava em face do aborto e do infanticídio. R. Historia, São Paulo, 120, p.85-96, jan/jul. 1989.
398 Nós nos baseamos no local de residência do comprador e do vendedor para definirmos a tipologia
do tráfico escravo (local; intraprovincial e interprovincial). Ao fazermos isso, admitimos a possibilidade desse critério não evidenciar a efetiva movimentação do cativo transacionado, pois, por exemplo, os proprietários poderiam ter diferentes residências etc. Todavia, acreditamos que esta eventualidade seja diminuta.
399 Esta tipologia não foi criada por nós. Alguns outros trabalhos que abordam a presente temática já
a utilizaram. É importante frisarmos que, ao longo desta pesquisa, reconhecemos certa ambiguidade na análise do tráfico local como distinto do intraprovincial. Para atenuar os contratempos daí decorrentes, tomamos o cuidado de, em nenhum momento, incorrermos em dupla contagem (isto é, agregarmos a movimentação do tráfico local com a do tráfico intraprovincial) para não distorcermos o volume do comércio intraprovincial.
177
entre os escravos negociados em grupo (47%) e do comércio local400 entre os
cativos vendidos individualmente (55%).
Gráficos 14 e 15
Por sua vez, com o intuito de atenuarmos problemas decorrentes de divisões
políticas rígidas (fronteiras provinciais), reorganizarmos os dados para acessarmos
os escravos traficados localmente, intra-regionalmente (no âmbito das províncias do
Sudeste) e inter-regionalmente (cativos decorrentes do Norte, Nordeste e Sul do
Brasil e enviados para o Sudeste). Ao fazermos isso, percebemos a grande
preeminência do comércio realizado entre províncias contíguas do Brasil Império e o
pequeno volume de escravos envolvido no tráfico inter-regional.
400
As transações locais foram aquelas negociadas dentro de um município e seus respectivos termos.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º e 2º Cartórios de Notas de Rio Claro. Coleta e compilação dos dados próprias.
55%30%
15%
Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram apenas um escravo sendo negociado
Local Intraprovincial Interprovincial
33%
47%
20%
Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram mais de um escravo sendo negociado
Local Intraprovincial Interprovincial
178
Tabela 5
O professor Robert Slenes, generosamente, reorganizou o extenso banco de
dados resultante das pesquisas que originaram a sua tese de doutorado The
demography and economics of brasilian slavery: 1850-1888, defendida em 1976 na
Universidade de Stanford, de forma a possibilitar um confronto com parte dos dados
apresentados pela nossa pesquisa.
Os dados decorrentes da pesquisa do professor Slenes, atinentes a década
de 1860 e ao município de Campinas, evidenciam que no âmbito local, intra-regional
e inter-regional foram negociados respectivamente 18%, 48% e 34% dos escravos
comerciados. Ou seja, os resultados de Slenes diferenciam-se dos nossos,
sobretudo no que diz respeito ao tráfico local e inter-regional. Parte da diferença
relativa ao tráfico local decorre do fato de Slenes não ter incluído nessas
ponderações os escravos africanos (“de nação”), cuja venda ocorreu em Rio Claro,
sobretudo no âmbito local, ao longo dos anos 1860, como veremos à frente. A
grande distância, entre os resultados das duas pesquisas, relativa ao volume de
escravos negociados inter-regionalmente, nos anos 1860, talvez decorra dos
cafeicultores de Rio Claro terem recorrido, principalmente, ao mercado de Minas
Gerais e Rio de Janeiro para abastecerem suas plantações dos braços necessários
ao eito. Ademais, neste momento, não temos como avaliar o volume dos escravos
provenientes do entreposto do Rio de Janeiro que foram originários, de fato, de
alguma província do Norte e Nordeste. Ou seja, parte dos escravos que a localidade
Local Intra-regional - Sudeste
0,39 0,58 Nordeste -> Sudeste* 0,03
- - Sul -> Sudeste** 0,01
* Bahia, Pernambuco, Ceará, Alagoas e Piauí
** Santa Catarina
Tráfico local, intra-regional e inter-regional (%), Rio Claro 1861-1869
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios
de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compi lação dos dados próprias .
Inter-regional
179
que temos em apreço recebeu por meio do tráfico intra-regional do Rio de Janeiro,
muito provavelmente foi oriunda do mercado inter-regional.
A classificação dos cativos negociados em Rio Claro, de acordo com sexo,
origem e tipo de tráfico, foi organizada na tabela seguinte. Dos escravos sobre os
quais identificamos o tipo de tráfico, 42,2% foram negociados por meio do tráfico
intraprovincial, 39% por intermédio do comércio local e 18,6%, adquiridos em outras
províncias do Império.
Observamos também que, mesmo após mais de uma década da extinção
efetiva do tráfico transatlântico para o Brasil, os escravos “de nação” ainda
perfaziam 10,2% do conjunto dos escravos traficados401. Talvez, estes, dentre os
escravos cuja comercialização foi por nós perscrutada, conformem o grupo que
enfrentou as piores agruras. Provavelmente, esses infelizes, em algum momento ao
longo das duas ou três décadas anteriores, por um lado, além de terem sofrido a
aflição da captura, de possivelmente terem caminhado longuíssimas distâncias para
atingir um dos portos africanos, de serem postos a ferros à espera dos tumbeiros, de
ocuparem nestas embarcações espaços mínimos, de conviverem durante a
travessia (afora casos excepcionais), de um a seis meses, com sujeira e
promiscuidade inauditas, de desembarcarem, quando sobreviviam, em terra
incógnita e agressiva, de serem postos à engorda etc., por outro, esses cativos
enfrentaram os horrores de serem vendidos ao menos mais uma vez. Nesta
segunda venda, seus sofrimentos não foram menores, pois:
[tiveram que] igualmente separarem-se dos amigos, talvez
também dos parentes, deixar um tipo de vida ao qual se havia
mais ou menos se adaptado, para ser acorrentado e arrastado
ao desconhecido, numa angústia somente igualada ao
desgaste físico levado ao extremo pela viagem forçada,
401
Quando temos em vista apenas os escravos, cuja origem identificamos, essa porcentagem sobe para 11,7%. José Flávio Motta, aferiu que, ao longo do mesmo período, para Areias, este volume correspondeu a 21,3%, para Guaratinguetá esta proporção cai para 7,5% e, para Constituição atinge 13%.José Flávio Motta, Op. Cit. 2012.
180
[submetido - GR] à fome e à rudeza agressiva dos seus
condutores402.
No âmbito do trágico grupo dos escravos “de nação”, cuja comercialização foi
registrada em Rio Claro, percebemos que, durante a década de 1860, a maioria
(59,5%) foi comerciada no âmbito local, 35,7% migraram de um município para outro
da província paulista e o restante passou de uma província para outra. No campo
dos negócios locais, estes africanos representaram 15,5% das 161 pessoas as quais
trocaram de mãos no âmbito do comércio local. Dos 42 africanos vendidos por meio
das três modalidades de tráfico, 28 eram homens, acarretando a razão de sexo de
200 homens para 100 mulheres. Ademais, observamos a maior disparidade entre os
sexos na esfera do comércio intraprovincial; neste caso, a razão de sexo era
bastante elevada (400 homens: 100 mulheres).403
Os cativos africanos foram predominantemente negociados no interior de
grupos mistos (africanos e ‘crioulos’), que abarcavam mais de 3 pessoas. Dos
africanos vendidos durante os anos 60, apenas 6 foram negociados individualmente.
Um desses seis foi o cativo Manoel, de 32 anos, quiçá novamente teve de deixar
para trás família, amigos, flertes e amores d’outrora404. Manoel foi vendido, em dez
de novembro de 1861, por Joaquim Teixeira das Neves405, importante traficante de
Rio Claro, a Antonio Rodrigues de Barros, habitante de Constituição (Piracicaba),
por 1:500$000.406 Além destes aspectos, o conjunto de escrituras contendo
402
Kátia Q. Mattoso, Op. Cit. 2003. p. 65.
403 Vale enfatizarmos que esta razão de sexo é prejudicada pelo abreviado número de casos
observados.
404 Sobre a organização do tráfico de escravos e seu impacto nas sociedades africanas e sobre como
essas pessoas foram capturadas e reduzidas à escravidão ver, dentre outros: Mariana P. Candido. O limite tênue entre liberdade e escravidão em Benguela durante a era do comércio transatlântico. Afro-Ásia, 47 (2013), 239-268.
405 Sobre Joaquim Teixeira das Neves, ver: Juarez Françoia. Senhores de escravos: trajetórias,
disputas e solidariedade no Oeste Paulista. Rio Claro, 1845-1880. Dissertação de mestrado, IFCH, UNICAMP. 2010.
406 Outro exemplo é a escrava Emília, de 35 anos, transacionada, em meados de 1868, por
1:300$000. A escritura registrando a venda de Manoel encontra-se no arquivo do 1º Cartório de Notas e Protestos de Rio Claro, já o documento relativo à negociação da escrava Emília está preservado pelo 2º Cartório de Notas e Protestos desse município.
181
transações com escravos originários de diferentes partes da África evidencia que 21
deles possuíam idades iguais ou inferiores a 30 anos, o que indica, por um lado, que
esses indivíduos foram traficados para o Brasil explicitamente à revelia da proibição
deste comércio, promulgada em 1831407 e, por outro, o peso da influência e dos
interesses dos cafeicultores na política imperial e a importância, para o erário do
Império, do tráfico atlântico ilegal de escravos que era muito grande408, de acordo
com parte da bibliografia de referência. Tal como nos diz Stanley Stein, “no meio da
década de 1830, as finanças do Império estavam apoiadas na prosperidade dos
cafeicultores, a dependência [dos cafeicultores foi - GR] mais forte do que a pressão
da diplomacia inglesa aplicada durante 20 anos”.409
407
O que foi fundamental, vale frisarmos, para a atuação do ilustre Luiz Gonzaga Pinto da Gama. Nascido livre e tornado escravo pelo próprio pai, Luiz Gama – que estudou por conta própria e tornou-se poeta, advogado, republicano e claro, ferrenho militante abolicionista – sustentou gratuitamente perante os tribunais, obtendo muitos sucessos, todas as causas de liberdade que lhe foram confiadas. Questionou veementemente a legalidade da posse dos escravos traficados após a lei de 1831. Ver: Elciene Azevedo, Orfeu de Carapinha, Campinas, SP. Ed. UNICAMP, 1999. Ver também: Tâmis Parron. Política do tráfico negreiro: o Parlamento imperial e a reabertura do comércio de escravos na década de 1830. Estudos Afro-Asiáticos, v. 1-2-3, p. 91-121, 2007.
408 Ver, por exemplo, Sidney Chalhoub, A força da escravidão: ilegalidade e costumes no Brasil
oitocentista. São Paulo: Cia. das Letras, 2012.
409 Stanley Stein. Op. Cit., 93. Segundo o mesmo autor, o tráfico à revelia da proibição ocorria da
seguinte forma: “Em pontos estratégicos ao longo da costa, frequentemente nas proximidades do Rio, eram realizados desembarques de escravos contrabandeados. Mesmo quando apreendidos no ato, os juízes locais absolviam rapidamente os grupos envolvidos. Alguns fazendeiros e comerciantes tinham seus depósitos de africanos em locais costeiros isolados; nos barracões, os escravos eram supridos de roupa e alimento antes de serem embarcados em carros de boi para o interior. Uma vez que a incapacidade de falar português era a única prova da chegada recente – e uma prova duvidosa o comércio interno de escravos podia ser constante e ilicitamente abastecido com novas levas.” Idem, 93.
182
Tabela 6
Já os “crioulos”, totalizavam 76,7% dos 412 escravos presentes na tabela
anterior. 35,8%, e 20,9%, dos escravos desse grupo foram vendidos-comprados por
mediação do tráfico local e interprovincial, respectivamente. O contingente mais
representativo, 43,4%, foi objeto do comércio intraprovincial. No contexto desse
ramo de comércio, os “crioulos” representaram 78,7%. Vale ressaltar que, se
excluirmos do tráfico intraprovincial os escravos cuja origem não foi relatada ao
longo das escrituras de compra e venda dos cativos negociados em Rio Claro, este
conjunto atinge mais de 90% das pessoas vendidas nessa paragem do interior da
província de São Paulo. Quando fazemos essa mesma ponderação (computar
unicamente os cativos que tiveram a sua origem registrada), a proporção dos
“crioulos” sobe para 81,9% no tráfico local e 97% dos que vieram de outras
províncias para algum município de São Paulo.
Para os “crioulos”, novamente encontramos razões de sexo elevadas para
todos os tipos de tráfico. Registramos a diferença mais notável no comércio
Tráfico Sexo De nação* Crioulos **Sem identificação
de origem Total
Homens 15 73 13 101
Mulheres 10 40 10 60
Razão de sexo*** 150,0 182,5 130,0 168,3
Total (H + M) 25 113 23 161
Homens 12 95 15 122
Mulheres 3 42 7 52
Razão de sexo 400,0 226,2 214,3 234,6
Total (H + M) 15 137 22 174
Homens 1 58 8 67
Mulheres 1 8 1 10
Razão de sexo 100,0 725,0 800,0 670,0
Total (H + M) 2 66 9 77* De origem africana.** Nascidos nas Américas/Brasil.*** Número de homens para cada 100 mulheres.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º e 2º Cartórios de Notas de Rio Claro. Coleta e compilação dos dados
próprias.
Escravos negociados segundo sexo, origem e tipo de tráfico - Rio Claro (1861-1869)Lo
cal
Intr
ap
rov
inci
al
Inte
rpro
vin
cia
l
183
interprovincial, no qual esta relação atingiu 725 homens por 100 mulheres traficadas.
No que diz respeito a esse último tipo de tráfico, temos, dentre vários outros, o
exemplo da escritura de compra e venda de três escravos, registrada em dezoito de
abril de 1866. Foram negociados Paulino, Adão e Tolentino, respectivamente de 22,
20 e 16 anos de idade, todos pretos, “crioulos”, roceiros e solteiros. Estes três
homens foram transferidos da província do Rio de Janeiro para a cidade de Rio
Claro com todas as suas chulices, calundus e quizílias (grosserias, irascibilidade,
zanga), mediante o pagamento total de 5:100$000, o que correspondeu a um preço
nominal médio de 1:700$000.
Na tabela abaixo, dispomos os escravos que entraram ou saíram apenas do
município de Rio Claro, de acordo com sexo e modalidade do tráfico. Estas 201
pessoas correspondem a pouco mais de um terço (35%) do conjunto de escravos
negociados ao longo dos anos compreendidos entre 1861 e 1869. Com o panorama
formado por estes dados, mais uma vez, notamos: (i) largo predomínio dos
indivíduos de sexo masculino em ambos os movimentos e; (ii) que o comércio
intraprovincial abarcou um número significativamente maior de cativos – 71% do
total.
184
Tabela 7410
Também observamos vasta preponderância das entradas em relação às
saídas tanto no tocante ao movimento no interior do território paulista quanto entre
diferentes províncias e Rio Claro411. Assim sendo, durante a década de 1860,
consideramos que este município não foi “uma espécie de pequeno entreposto deste
tipo de transação”, tal como afirmou W. Dean sobre a dinâmica deste comércio no
município, durante o período 1874-1885.412 Com relação ao movimento
interprovincial, a migração originária da província do Rio de Janeiro, com destino à
municipalidade em apreço, foi a mais expressiva. Esse movimento migratório
forçado envolveu a “descida” de 73,2% dos indivíduos comprados por escravagistas
rio-clarenses.
Com respeito às entradas decorrentes do tráfico intraprovincial no município
analisado, elaboramos a tabela a seguir.413 Nela, observam-se os entrepostos de
410
A diferença existente entre o total de entradas e saídas ocorridas em Rio Claro, por meio do tráfico intraprovincial e interprovincial, e o total de escravos vendidos no âmbito destes mercados é decorrente do fato de que parte dos escravos, comerciados por estas vias, terem sido direcionados para outros municípios de SP, apesar de a sua escritura de venda ter sido lavrada em Rio Claro.
411 É importante termos em vista que provavelmente está informação (n. de saídas) está subestimada,
pois temos, neste caso, apenas os informes de Rio Claro. Muitos escravos podem ter deixado o município sem que sua venda tenha sido registrada neste município.
412 Cf. Warren Dean. Op. Cit., 69.
413 As distâncias elencadas nesta tabela foram obtidas por meio do google-maps. Portanto, elas não
são decorrentes de linhas retas, mas sim da distância que um viajante hodierno enfrentaria por meio das principais estradas paulistas.
Tráfico Sexo Entradas Saídas Total
Homens 84 17 101
Mulheres 31 11 42
Total (H + M) 115 28 143
Homens 48 0 48
Mulheres 8 2 10
Total (H + M) 56 2 58
Intr
apro
vin
cial
Inte
rpro
vin
cial
Entradas e saídas de Rio Claro segundo sexo (1861-1869)
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º e 2º Cartórios de Notas de Rio Claro. Coleta e
compilação dos dados próprias.
185
Santos414 e a cidade de São Paulo como os principais provedores de braços
escravos para Rio Claro. Estes municípios forneceram juntos 42,6% dos cativos que
lá passaram a residir e sofrer o vaticínio dolente do cativeiro. Importa termos em
vista que o fato de Santos aparecer como principal fornecedor do mercado
intraprovincial problematiza a magnitude do comércio escravo por essa via, pois
provavelmente os escravos decorrentes dessa cidade eram originários de outras
paragens e apenas permaneceram temporariamente nos empórios de Santos.
Tabela 8
Ao analisarmos os documentos registrados em Rio Claro acerca do tráfico
interprovincial com destino a São Paulo, deparamo-nos com o resultado expresso no
gráfico abaixo. Esse nos permite perceber, por um lado, a proeminência das
províncias do Rio Janeiro (importantíssimo entreposto de escravos decorrentes do
tráfico interprovincial) e Minas Gerais no aprovisionamento de cativos que
corroboraram a expansão dos cafeeiros na região da Baixa Paulista e, por outro, a
pequena contribuição do Nordeste, ao longo dos anos 1860.
414
Vale pontuarmos que Santos era, sobretudo, um porto de entrada de escravos de outras regiões. Provavelmente, a grande maioria dos escravos decorrentes dessa cidade não eram “naturais” de lá.
Município
N. de escravos
que forneceu a
Rio Claro
Distância de Rio
Claro (em Km)Município
N. de escravos que
forneceu a Rio
Claro
Distância de Rio
Claro (em Km)
Santos 28 252 Campinas 2 83,8
São Paulo 21 178 Jacareí 2 223
Sorocaba 9 164 Limeira 2 31,5
Iguape 8 355 São Carlos do Pinhal 2 60,8
Pirassununga 8 82 Botucatu 1 147
Constituição 7 39 Franca 1 268
Província de SP* 5 - Itu 1 123
Ubatuba 5 394 Pindamonhangaba 1 328
Brotas 4 74,3 São Simão 1 150
Jaú 4 126 Tietê 1 85
Araraquara 2 101 - - -
* Na escritura a referência era: província de São Paulo.
Tráfico intraprovincial: entradas em Rio Claro, 1861-1869 - Distância entre as localidades
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e
compilação dos dados próprias.
186
Essa última constatação, diga-se de passagem, corrobora algumas das
proposições, anteriormente já indicadas, concernentes à dinâmica do tráfico
interprovincial de escravos – a despeito de alguns autores terem indicado,
aparentemente com acerto, que, no início dos anos 1860, aumentou o volume de
escravos que deixaram, por exemplo, a Bahia, em função de severa seca415 –
calcadas na ocorrência da Guerra Civil nos EUA e no consequente crescimento da
produção de algodão nordestino.
Gráfico 16
415
Cf. Erivaldo Fagundes Neves, Op. Cit. p. 104. Foi significativo o tráfico de escravos baianos para Minas Gerais. Dos 8.578 cativos nascidos em outras províncias e recenseados na de Minas em 1872, 24,4% procediam da Bahia. Grande parte concentrava-se no sul, de economia mais dinâmica, que importava através do Rio de Janeiro. Muitos desses escravos acompanharam os senhores na emigração para Minas ou no serviço temporário em fazendas da mesma propriedade de um lado e outro da divisa entre as duas províncias. Idem. p. 102-103. Ver também: Roberto Borges Martins, "Minas Gerais no século XIX: tráfico e apego à escravidão numa economia não-exportadora", Estudos Econômicos, no 13 (I), jan./abr., 1983, pp. 181-209.
* Bahia, Pernambuco, Alagoas, Ceará e Piauí
** Santa Catariana
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º e 2º
Cartórios de Notas de Rio Claro. Coleta e compilação dos dados próprias.
0
10
20
30
40
50
60
70
Nordeste* para SP Sul** para SP MG e RJ para SP
Tráfico interprovincial: nordeste, sul e MG + RJ para a província de São Paulo e Município de Rio Claro
(1861-1869)
Rio Claro Outros municípios paulistas
187
Outrossim, a partir dos dados ulteriores, percebemos que Minas Gerais
participou de forma preponderante (ao menos no que diz respeito a importante Zona
da Baixa Paulista) do grande comércio interprovincial de cativos que se avolumou
após o fim do tráfico escravagista transatlântico. Fato que nos permite relativizarmos
(apenas o fizemos em virtude da restrição do conjunto de dados, do recorte espacial
e temporal que trabalhamos – novas investigações poderão corroborar esse
argumento) as formulações de Roberto Borges Martins e Laird Bergad. Ambos
insistiram que Minas Gerais exportava poucos escravos416.
Assim sendo, Minas figurou juntamente com o Nordeste, o restante do
Sudeste e o Sul do país, como agente exportador de cativos para as áreas mais
dinâmicas do Brasil Império, a despeito de ter, sobretudo, preservado e propiciado a
expansão da sua escravaria como podemos apreender pelos informes do censo,
desde a década de 1850 até 1872 – este último registrou que 90% dos escravos de
Minas haviam nascido na província. Vale ressaltarmos, tal como aparece nos
capítulos subsequentes, que a significativa contribuição de Minas Gerais é valida
para o todo o nosso recorte espacial e também para a década de 1870417.
416
Algumas das pesquisas desses autores são citadas em parágrafos subsequentes do texto.
417 É importante termos no horizonte que, a despeito de parte dos resultados desta pesquisa, de
acordo com os dados do Recenseamento de 1872, Minas nunca foi uma exportadora líquida de escravos, pois o número de cativos naturais da província arrolados, residindo em outras unidades do Império, foi mínimo, menor de fato do que a quantidade de nascidos em outras províncias e registrados como moradores mineiros. Douglas Cole Libby Historiografia e a formação social escravista mineira. Acervo. Revista do Arquivo Nacional. Acervo Rio de Janeiro v.3 n.1 p. 1-137 jan.-jun. 1988. p. 13.
188
Gráfico 17
O que acabamos de apontar, contudo, não invalida a hipótese, reiterada pelo
autor de Escravidão e História Econômica, segundo a qual o uso do trabalho
escravo em Minas produzia maior proveito econômico do que o capital
possivelmente gerado pela venda dos cativos. Destarte, muitas vezes era mais
lucrativo para os proprietários empregar suas escravarias em suas respectivas
produções do que vendê-los, mesmo ao longo do período em que os preços
aumentaram reiteradamente, após 1850418. A questão relevante para testarmos essa
hipótese (que, de partida, é corroborada pelos dados do censo de 1872) é: como
Minas – apesar de ter participado do tráfico interprovincial de forma importante,
mormente ao longo dos anos 1860 (tal como os nossos dados evidenciam) – teve
possibilidade de preservar sua escravaria419 e, além disso, ter tido um saldo positivo
418
Cf. Lair W. Bergad, Op. Cit. p. 254-255.
419 Mesmo em algumas áreas meramente voltadas para o cultivo de gêneros alimentícios variados, tal
como evidenciado pela pesquisa de Camila Carolina Flausino que comentamos na introdução desta pesquisa. Camila Carolina Flausino, Negócios da escravidão: tráfico interno de escravos em Mariana, 1850-1886. Dissertação de mestrado apresentada ao programa de pós-graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora. 2006.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas
(1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compilação dos dados próprias.
61%
39%
A participação de MG no bojo dos escravos comerciados, no
âmbito interprovincial, com destino a Rio Claro, 1861-1869
Tráfico MG --> Rio Claro Restante do tráfico interprovincial
189
de importação de cativos?420 Encontramos elementos relevantes que nos ajudam a
responder essa questão nos trabalhos de Robert Slenes, Luna e Cano (já
comentado em outra parte deste trabalho421) e Douglas Cole Libby.
O primeiro, em Os múltiplos de porcos e diamantes: a economia escravista de
Minas Gerais no século XIX422 aponta que a economia mineira não se encontrava
apartada do comércio com o restante da economia nacional. Slenes evidencia que
parte da produção agrícola de subsistência era encaminhada para a Corte e regiões
cafeeiras. Além disso, argumenta que Minas Gerais possuía setores dinâmicos:
mineração aurífera (industrial conduzida por estrangeiros e faiscação), cultivo de
café da Zona da Mata e extração diamantífera. Assim sendo, havia setores que
estavam atrelados tanto ao mercado internacional, quanto ao mercado interno local
e intra-regional.
Douglas Cole Libby focalizando as atividades de transformação presentes em
Minas no Oitocentos, concluiu que, desde pelo menos a década de 1830, essa
província encontrava-se no envolver da “proto-industrialização”, principalmente, no
que diz respeito às atividades relacionadas aos setores siderúrgico, artesanal geral e
têxtil. Ademais, as minas auríferas pertencentes a companhias estrangeiras,
420
Para além das exportações, Martins concluiu que Minas também importava poucos escravos. O autor observa que entre 1873 e 1881 as importações líquidas corresponderam à entrada de cerca de 7.000 cativos. Robert Slenes, por sua vez, postulou que, ao longo do mesmo período Minas importou 24.000 escravos de outras províncias. Laird Bergad, a partir do exame de mais de 10.000 inventários post-mortem e vários censos locais concluiu que não houve grande importação de escravos para a província antes de 1873. Roberto Borges Martins, Growing in Silence: The Slave Economy of Nineteenth-Century Minas Gerais, Brazil, Ph. D., Vanderbilt University, 1980, pp. 169, 178, 184 (citado), 212-13, 218-20; e Robert W. Slenes, “The Demography and Economics of Brazilian Slavery, 1850-1888”, Ph.D., Stanford University, 1975, p. 616. Robert W. Slenes, “Comments on ‘Slavery in a Nonexport Economy’”, Hispanic American Historical Review, 63, 3 (1983), pp. 569, 577, e Robert W. Slenes, “Os múltiplos de porcos e diamantes: A economia escrava de Minas Gerais no século XIX”, Estudos Econômicos, 18, 3 (1988), pp. 449-95. Devemos esse “caminho bibliográfico” que retrata esta fatia do debate acerca da história econômica e social de Minas Gerais ao excelente trabalho de síntese realizado por Richard Graham no artigo Nos tumbeiros mais uma vez? O comércio interprovincial de escravos no Brasil. Afro-Ásia, 27 (2002), 121-160.
421 Wilson Cano e Vidal Luna, A reprodução natural de escravos em Minas Gerais (século XIX): uma
hipótese, em Ensaios sobre a formação econômica regional do Brasil. (Campinas: Editora da UNICAMP, 2002). Os autores argumentam que, dada a queda nas taxas de exploração do trabalho escravo em virtude da decadência da mineração aurífera, a população cativa de Minas ao longo do Oitocentos tornou-se capaz de se auto reproduzir. Com taxas positivas de crescimento vegetativo de sua população escrava a província de Minas transformou-se em criadora de escravos.
422 Robert Slenes. Os múltiplos de porcos e diamantes: a economia escravista de Minas Gerais no século XIX. Cadernos IFCH Unicamp 17, junho de 1985.
190
mormente britânicas, que operavam principalmente com mão de obra escrava, até a
década de 1880, propiciavam divisas, impostos e demandavam grande parte do que
se produzia em Minas. Por fim, Libby argumenta que “o fenômeno da proto-
industrialização fatalmente se liga ao processo de formação de um mercado
nacional”423.
Essas formulações são corroboradas pelo fato de MG, no apagar das luzes
do escravismo, conservar o maior contingente de escravos do país. O plantel
mineiro de 1872 era maior do que os plantéis combinados da Bahia, Pernambuco e
Rio Grande do Sul, mais que o dobro do plantel paulista e mais de 20% maior que o
fluminense. Em 1887, o Sudeste possuía mais de 74% dos escravos do Império.
Nesse mesmo ano, enquanto MG possuía 30% (após ter tido 24,5%, em 1872,
quando o Sudeste possuía 59% da escravaria brasileira) daquele contingente, RJ,
SP e ES tinham, respectivamente: 25,5%, 17% e 2%424.
Cabe indicarmos, tendo os elementos anteriores em vista, o equívoco muitas
vezes repetido por diversas investigações que abordaram os desdobramentos da
história econômica e social de Minas Gerais ao longo do século XIX. Segundo
diversos estudos a história de Minas, especialmente no período provincial, foi
marcada pela decadência da mineração aurífera e consequente estagnação
econômica. “As atividades econômicas, fora da limitada região do surto cafeeiro que
se processou da década de 1840 em diante, restringiam-se quase exclusivamente
as da agropecuária de pura subsistência”425.
Encalhada na lama da estagnação e incapaz de implantar uma
produção agrícola ou pastoril que pudesse substituir a de
metais e pedras preciosas, como vínculo vital ao mercado
mundial, a província passou por uma involução absolutamente
423 Douglas Cole Libby, População e mão-de-obra industrial na província de Minas Gerais (1830-1889). Tese de doutoramento apresentada à Universidade de São Paulo, 1987.
424 Os dados que resultaram nestas porcentagens, por nós organizados, foram originalmente
ordenados por: Erivaldo Fagundes Neves, Op. Cit. p. 113. Já expusemos alguns dados relevantes sobre a distribuição dos escravos decorrentes de: Brasil, Relatório do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Públicas, Antonio da Silva Prado, apresentado à Assembleia Geral Legislativa na primeira sessão da vigésima legislatura. Rio de Janeiro, 1986. p. 34.
425 Douglas Cole Libby Historiografia e a formação social escravista mineira. Acervo. Revista do
Arquivo Nacional. Acervo Rio de Janeiro v.3 n.1 p. 1-137 jan.-jun. 1988. p. 12.
191
impropícia ao desenvolvimento endógeno, seja este do setor
primário ou secundário. Esse quadro de pobreza e/ou miséria
generalizadas teria resultado, entre outras coisas, na
redundância do grande plantel mancípio herdado à província
pela capitania do ouro. Assim, Minas Gerais teria sido uma
importante fonte de mão-de-obra para o desenvolvimento da
cafeicultura dentro e fora de suas fronteiras e, por isto mesmo,
a província teria marchado mais ou menos tranquilamente
rumo à Abolição, na medida em que se encontrava cada vez
menos ligada ao regime escravista. E apenas muito
recentemente que se começa a questionar essa visão tão
negra da história mineira do Oitocentos426.
Para além dos aspectos que perpassam os últimos parágrafos, antes de
direcionarmos a nossa atenção para outro conjunto de dados, neste momento vale
frisar os possíveis ganhos de arbitragem auferidos pelos traficantes, ao transferir
escravos de Minas para Rio Claro. De acordo com os dados compilados por Bergad,
a partir da análise de inventários427, em 1861, o preço médio nominal dos escravos
do sexo masculino, sem distinção de origem, saudáveis, entre 15 e 40 anos de
idade, em MG, era de 1:508$000 e, em 1866, havia caído para 996$000.428 Estes
mesmos escravos, em Rio Claro, no primeiro ano mencionado, eram vendidos, em
média, por 1:610$220 e, no segundo, por 1:460$000; portanto, uma diferença
(desconsiderando os custos de transporte) que possibilitou ganhos de quase 7%, em
1861 e de 31,7%, em 1866. Já com relação ao mesmo recorte, aqueles que
venderam mulheres escravas obtiveram ganhos substancialmente maiores. Esses
426
Idem. p. 13.
427 Segundo Bergad: “Estes dados não são ideais para medir os preços verdadeiros dos escravos
porque se baseiam mais em valores estimados do que em reais transações de mercado. Não obstante, estes dados de inventário foram extraídos das únicas fontes históricas disponíveis contendo valores de escravos e abrangendo um vasto período”. L. W. Bergad. Op. Cit., 246. Obs. Bergad usa os termos ‘preço’ e ‘valor’ de forma alternada no decorrer do seu texto.
428 Lair W. Bergad. Op. Cit., 256.
192
foram – mais uma vez não considerando os custos envolvidos no transporte –,
respectivamente, de 12% e 64%429.
A seguir, conjugamos os dados que obtivemos relativos a idade, sexo, origem
e preço nominal médio. Com estes dados em vista, fica claro que, para além do
sexo, como já comentamos anteriormente, a idade era o fator mais decisivo na
valorização dos escravos. Além disso, quando comparamos os dois próximos
gráficos alguns aspectos chamam atenção, quais sejam: (i) os dados confirmam a
esperada desigualdade na distribuição etária de acordo com a origem dos escravos;
(ii) não houve escravos “de nação” com idade inferior a quinze anos430; (iii) o maior
preço dos crioulos, sobretudo, no âmbito da faixa etária mais produtiva (15 a 29
anos). A experiência prévia, como indicaremos à frente, e a expectativa,
compartilhada pelos compradores de escravos, que os crioulos teriam vida produtiva
mais longa, ajudam-nos a justificar os maiores preços desse grupo. Além disso,
quanto à origem, pode-se supor que o conhecimento, desde criança, da língua
portuguesa e dos costumes locais tornasse preferível o brasileiro ao africano. Antonil
advertiu que muitos escravos “de nação” (i.e. nascidos no continente africano)
chegavam ao Brasil demasiadamente rudes e pouco sociáveis e assim continuam
por toda a vida. E Koster aludiu que os senhores habitualmente concordavam que
“os crioulos [i. e, nascidos no Brasil - GR] aprendem mais depressa um ofício que os
africanos” – conquanto, os dois autores afirmaram que muitos africanos eram
considerados igualmente ou mais astutos, atilados e estimados que os crioulos431.
429
A possibilidade deste grande ganho de arbitragem na venda das mulheres em 1866 pode, em parte, ser explicado pelo fato de as 13 escravas transacionadas, neste ano, em Rio Claro, pertencentes a faixa etária de 15-40, serem jovens. A idade média observada foi de 26,5 anos. Neste momento vale uma importante ressalva: temos em vista que confrontamos fontes de informação distintas (os preços constantes em escritura de compra e venda de escravos não são iguais aos preços de cativos decorrentes dos inventários) o que problematiza os resultados atinentes a possíveis ganhos de arbitragem. Porém, mesmo tendo essa distinção e os possíveis problemas em vista, optamos por levar a frente este exercício para termos alguma ideia das possibilidades de ganho a partir de dados já compilados. De outra forma, não seria possível.
430 Vale notarmos que estes mesmos aspectos foram observados por José Flávio Motta, (Op. Cit.
2012) para Areias, Guaratinguetá e Constituição.
431Cf. André João Antonil, (João Antônio Andreoni). Cultura e Opulência do Brasil. [1711]. Belo
Horizonte: Itatiaia, 1982. p. 36. Henry Koster, Viagens ao Nordeste do Brasil. [1816]. Trad. e notas: Luiz da Câmara Cascudo. Recife: Editora Massangana, 2002. 2v. Ambas as referências são decorrentes do trabalho de Cf. Resende, Versiani, Nogueról, Vergolino. Preços de escravos e produtividade do trabalho cativo: Pernambuco e Rio Grande do Sul, século XIX. Anais do Encontro Nacional de Economia – ANPEC, 2013.
193
Gráfico 18432
Ademais, quando agrupamos os escravos africanos com idade de até 45
anos, percebemos que 58% pertenciam ao intervalo etário de 30 a 45 anos – nesse
conjunto os homens correspondiam a 72,4%433.
Em contrapartida, quando consideramos os dados concernentes aos cativos
“crioulos”, notamos que, como lágrimas não eram argumento, expressivo número de
crianças e jovens (33,1% com idade inferior a 15 anos) foram separados de suas
432
Dentre os escravos de nação, apenas 6 foram vendidos individualmente (3 mulheres e 3 homens). Desses, 4 tinham idades entre 25 e 35, 1 tinha 40 anos e um, 60 anos de idade. O preço médio nominal do grupo mais jovem foi 1:350$000. A escrava de 40 anos foi vendida por 500$000 e o cativa de 60 anos por 300$000.
433 Esses dados, parcialmente, corroboram uma das conclusões de Florentino e Machado que afirma
que: “em seu conjunto, quando da vigência do tráfico de africanos, os cativos tendiam a apresentar altos percentuais de pessoas entre 15 e 40 anos de idade (mais ou menos 60%), com crianças e escravos de mais de 40 anos constituindo, respectivamente, 25% e 15% da escravaria, em média”. Florentino, Manolo e Machado, Cacilda. Sobre a família escrava em plantéis Ausentes do mercado de cativos: três estudos de casos (século 19). XI Encontro Nacional de Estudos Populacionais da ABEP.
* De origem africana;
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro.
Coleta e compilação dos dados próprias.
De 15 a 29 anos De 30 a 45 anos De 46 a 55 anos Mais de 55 anos
12 escravos, 1:415$949
21 escravos, 1:447$614
7 escravos, 897$497
2 escravos,705$000
9 escravas, 1.343$309
8 escravas, 1.100$403
2 escravas, 1:430$000
2 escravas, 483$333
Escravos de nação* negociados: em Rio Claro segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio (1861-1869)
Homens Mulheres
194
famílias e vendido a outros proprietários.434 Quantos desses se tornaram
Prudêncios, cavalos de todos os dias que, com as mãos no chão receberam “um
cordel nos queixos, à guisa de freio”, para terem os dorsos trepados e serem
fustigados pela varinha de um molecote, filho de seu proprietário, tal como
Prudêncio de Machado...?435.
Já dos “crioulos” com idade inferior a 46 anos, apenas 5% encontram-se na
faixa etária de 30 a 45 anos, enquanto 61,6% possuíam entre 15 e 29 anos (desses,
73% eram homens, originando uma razão de sexo de 270 escravos para cada 100
escravas). Assim sendo, a maioria era de homens que se encontravam em pleno
vigor físico, adequados para o pesado trabalho na roça do café, verdadeiro
castigo.436
434
A legislação com vistas a coibir a separação entre cônjuges e entre pais e filhos cativos entrou em vigência e abarcou apenas os últimos meses do período por nós estudado. Assim sendo, lemos no Decreto n.º 1.695, de 15 de setembro de 1869, em seu artigo 2.º: “em todas as vendas de escravos, ou sejam particulares ou judiciais, é proibido, sob pena de nulidade, separar o marido da mulher, o filho do pai ou mãe, salvo sendo os filhos maiores de 15 anos.” (Coleção de Leis do Império do Brasil,1808-1889. Atos do Poder Legislativo de 1869. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legislacao/publicações/doimperio). Já a Lei Rio Branco (n. 2.040, de 28 de setembro de 1871), dispunha em seu artigo 4.º, § 7.º uma nova idade para as separações entre pais e filhos, vejamos: “Em qualquer caso de alienação ou transmissão de escravos é proibido, sob pena de nulidade, separar os cônjuges, e os filhos menores de 12 anos, do pai ou mãe.” Brasil. Coleção de Leis do Império do Brasil, 1808-1889. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legislacao/publicacoes/doimperio>.
435 Prudêncio, personagem de Machado de Assis, era fustigado pelo seu dono até dar “mil voltas a
um e outro lado, e ele obedecia, – algumas vezes gemendo –, mas obedecia sem dizer palavra, ou, quando muito, um – ‘ai, nhonhô’ – ao que eu retorquia: – ‘Cala a boca, besta!’” Machado de Assis. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Ed. Globo, 2008.
436 Calmon, partindo de uma visão próxima a de Gilberto Freyre, nos diz: “veio à decadência dos
engenhos. Na senzala, o negro vivia a sua vida: às vezes, alforriava-se. Os outros, do canavial e da fabricação do açúcar, tinham um dia seu, por semana; moravam em família: ouviam missa, na capela, junto da casa grande... A fazenda de café — sem essa aproximação de cativo e senhor — parecia um castigo: principalmente a fazenda nova. Nos engenhos patriarcais, suavizaram-se os contrastes.” Op. Cit., 82. A despeito da tendência de Calmon de encarar a relação senhor-escravo no âmbito dos engenhos e canaviais como sendo mais suave etc., um dado que, em parte, corrobora o cenário pintado por este autor aparece em Neves, no texto Sampauleiros traficantes... Nesse texto, dentre outras coisas, Neves afirma que há 686 cartas de liberdade no Arquivo Público da Bahia para o período 1840 e 1879. Cf. Erivaldo Fagundes Neves. Sampauleiros traficantes: comércio de escravos do alto sertão da Bahia para o Oeste cafeeiro paulista. Afro-Ásia, 24, 2000: 98.
195
Gráfico 19437
Os dados anteriores corroboram parte da literatura que analisa o preço dos
escravos em virtude de sua origem. Os dados levantados apoiam as hipóteses que
asseveram o fato de na maioria das sociedades escravistas onde ocorria o tráfico de
cativos os “crioulos” dos dois sexos, em idade de trabalho, alcançavam,
principalmente ao longo do século XIX, preços superiores ao dos africanos das
mesmas frações etárias. Quando cotejamos os valores nominais médios dos dois
conjuntos de indivíduos, encontramos a diferença mais significativa entre os homens
de 15 a 29 anos. Nesta faixa etária, ao passo que os cativos “crioulos” foram
vendidos, ao longo da década de 1860, em média, por 1:683$998, os africanos
foram negociados por 1:447$614, ou seja, uma desigualdade de pouco mais de
14%, em parte explicada por serem os africanos relativamente mais velhos, isto é,
encontrarem-se, majoritariamente, mais próximo ao limite superior deste intervalo de
idade. Além desses aspectos, alguns elementos que talvez tenham influenciado a
437
Dentre os crioulos de 15 a 29 anos de idade, vendidos individualmente: encontramos 29 homens com preço nominal médio de 1:773$345 e 9 mulheres com preço médio de 1:763$000.
* Nascidos nas Américas/Brasil.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e
compilação dos dados próprias.
< 15 anos De 15 a 29 anos De 30 a 45 anos De 46 a 55 anos
97 escravos, 1:485$661
187 escravos, 1:683$998
15 escravos, 1:269$013
3 escravos, 872$549
42 escravas, 1:348$406
70 escravas, 1.478$282
6 escravas,1:054$796
Escravos crioulos* negociados em Rio Claro segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio (1861-1869)
Homens Mulheres
196
estrutura de preços dos escravos por ascendência são as seguintes: (i) sobretudo os
“crioulos” trabalhavam como empregados domésticos, carpinteiros, ferreiros,
alfaiates, cocheiros ou em outros misteres mais estimados; ao passo que os
africanos eram considerados, mais amiúde, lavradores sem outras habilidades. Para
os dados que coligimos, identificamos a ocupação de 32 escravos para além dos
que estavam envolvidos no fadário da roça. Destes, apenas um era africano ou tal
como usamos no presente texto, “de nação.” Trata-se do escravo Antonio, “preto”,
ferreiro, de 38 anos de idade, vendido por José C. Bastos para Ignácio Xavier
Negreiros, por meio do tráfico intraprovincial, em dezembro de 1869438; (ii) os
compradores de escravos comumente confiavam serem os escravos “crioulos” de
vida produtiva mais longa439; (iii) os escravos “crioulos” conviviam melhor com as
doenças corriqueiras do Brasil Império; (iv) para as escravas, as taxas de fertilidade
relativas à origem era outra importante variável de determinação do preço.
Usualmente, pressupunha-se que as crioulas eram mais férteis que as africanas,
assim, alcançavam preços mais altos.440
Além do mais, ao considerarmos a variável gênero, encontramos disparidades
consideráveis referentes ao preço nominal médio, no interior de cada grupo. Assim
sendo, por exemplo, os homens africanos com idade entre 30 e 45 eram negociados
por um preço 24% superior ao das mulheres. Já os “crioulos” do sexo masculino, de
15 a 29 anos de idade, possuíam preço 12,2% maior do que o das mulheres.441
Em seguida, associamos a caracterização do tráfico, com a idade, o sexo e o
preço médio nominal dos cativos. Ao fazermos isso, além de percebemos, como já
438
Escritura preservada pelo 2º cartório de Notas de Rio Claro. Essa escritura está presente no primeiro livro, em ordem cronológica, dedicado aos negócios com escravos neste município. p. 101, verso.
439 Lair W. Bergad. Op. Cit., p. 271.
440 Idem. p. 271.
441 Vale observar que essa disparidade entre os valores de mercado dos escravos de acordo com o
sexo seria posteriormente referendada pela legislação. De fato, na matrícula dos cativos brasileiros determinada pela Lei no 3.270, de 28 de setembro de 1885, e regulamentada pelo Decreto no 9.517, de 14 de novembro de 1885, estabeleceu-se que "o valor seria declarado pelo proprietário do escravo, não excedendo o preço máximo regulado pela idade do matriculado, conforme tabela que consta do artigo 1° da Lei [...] Sendo que o valor dos escravos do sexo feminino teria um abatimento de 25% sobre os preços estabelecidos." Graf, 1974, p. 20, in José Flávio Motta, Op. Cit., 2012. p. 101.
197
evidenciado, ter sido o comércio intraprovincial ligeiramente superior ao local e o
interprovincial aquém de ambos442, notamos, reiteradamente, no conjunto de
homens e mulheres, de todas as idades e origens alguns aspectos marcantes.
Primeiramente, em todos os tipos de tráfico há significativa disparidade entre o
número de homens e mulheres. Deste modo, enquanto a razão de sexo, para a
comercialização local era de 170 homens por 100 mulher e para o intraprovincial 375
homens por 100 escravas, no bojo do tráfico interprovincial essa dessemelhança
atinge a marca de, nada menos nada mais, que 670 escravos homens : 100
escravas. Aferimos ainda, que em todas as modalidades do comércio escravo
prevaleceram transações envolvendo cativos jovens, com idade entre 15 e 29 anos.
Esses sempre estiveram próximos dos 60% do total negociado em cada tipo de
tráfico.443
442
Esta constatação nos permite qualificar a proposição de Dean, a qual afirma que quase todas as vendas registradas pelos cartórios locais evidenciavam que os escravos eram decorrentes de municípios vizinhos. De acordo com os dados presentes nas escrituras do primeiro e segundo cartório de Rio Claro, 106 escravos foram adquiridos no mercado local, 84 no intraprovincial e 15 no interprovincial.
443 59,4% para o tráfico local, 61,6% para o intraprovincial e 58,4 para o interprovincial. Esta
preponderância também é recorrente no âmbito dos dados compulsados por José Flávio Motta para os anos 1860. José Flávio Motta, Op. Cit., 2012.
198
Gráfico 20444
Outro aspecto essencial novamente surge quando confrontamos preço e
gênero. A dessemelhança é notória. Por exemplo, se centrarmos atenção na fatia
etária que engloba a maior parte dos indivíduos vendidos mediante as três formas
de tráfico, ou seja, sujeitos com idades entre 15 e 29 anos, temos o seguinte
resultado: no comércio local, enquanto os homens eram vendidos, em média, por
1:611$068, as mulheres foram transacionadas por 1:489$221. Já no tráfico
intraprovincial, os homens foram comercializados por um preço 15,6% superior ao
das mulheres; no interprovincial, eles alcançaram um preço 12,5% maior.
444
As diferenças encontradas (relativas ao no. de escravos transacionados) entre alguns dos dados
expostos nos três próximos gráficos em relação aos dados da tabela intitulada Escravos negociados segundo sexo, origem e tipo de tráfico são decorrentes do fato de o registro da venda de alguns escravos não incluírem a idade dos cativos comerciados. Portanto, esses casos foram contabilizados na referida tabela e não nesses gráficos. Ademais, nos três próximos não restringimos a análise aos escravos comerciados individualmente. Adotamos essa alternativa para ampliar o número de observações. Para atenuar possíveis problemas decorrentes dessa opção, elaboramos uma tabela intitulada: Escravos jovens (15 - 29 anos de idade) negociados individualmente de acordo com: tipo de tráfico, número de observações, sexo e preço nominal médio (Rio Claro, 1861-1869). Em Réis. (exposta logo após os três gráficos subsequentes).
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio
Claro. Coleta e compilação dos dados próprias.
Menores de 15 anos De 15 a 29 anos De 30 a 45 anos De 46 a 55 anos
24 escravos, 1:622$061
39 escravos, 1:781$364 3 escravos,
1:556$1901 escravo,350$000
3 escravas, 1:466$667
6 escravas, 1:558$333
1 escrava, 400$000
Escravos negociados no tráfico interprovincial segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio (Rio Claro, 1861-1869)
Homens Mulheres
199
Gráfico 21
Outrossim, apreendemos também que tanto os homens quanto as mulheres,
alvos das agruras do tráfico humano interprovincial, possuíam preços superiores ao
dos escravos e escravas alienados por intermédio dos outros dois caminhos.
Observamos essa mesma desigualdade nos demais parcelamentos etários
realizados, salvo algumas exceções. Dentre essas exceções temos, por exemplo, a
escrava Beralda, crioula, solteira de 45 anos, que passou pelo fado da barganha
interprovincial (vendida por D. Josepha Maria da Conceição da cidade de São João
Baptista, província de Santa Catarina e comprada por Francisco Villares Pinto da
Palha, morador da cidade de Rio Claro por 400$000)445. Além de Beralda estar no
limite superior deste recorte etário (30 – 45 anos), na escritura que registrou os
detalhes de como o “domínio e o senhoril” desta senhora escrava passou de D.
Josepha para Francisco Palha, lemos uma passagem esclarecedora deste preço de
445
Sobre esta rota do tráfico interno (sul - sudeste) ver: Rafael da Cunha Scheffer. Comércio de escravos do sul para o sudeste, 1850-1888: economias microrregionais, redes de negociantes e experiência cativa. Tese de Doutorado. IFCH, UNICAMP. 2012.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio
Claro. Coleta e compilação dos dados próprias.
Menores de 15anos
De 15 a 29 anos De 30 a 45 anos De 46 a 55 anos Mais de 55
22 escravos, 1:246$099
58 escravos, 1:611$068
15 escravos, 1.385$101
4 escravos,1.192$495
1 escravo, 300$000
16 escravas, 1:236$976
36 escravas, 1:489$221
5 escravas, 1:370$967
1 escrava,666$666
Escravos negociados no tráfico local segundo faixa etária, sexo e preço nominal
médio (Rio Claro, 1861-1869)
Homens Mulheres
200
venda anormalmente baixo446: conforme o documento, a primeira vende ao segundo
a dita escrava, com “todos os seus achaques novos e velhos, vícios e defeitos ”,
quem sabe esses achaques, vícios e defeitos fossem manifestos e copiosos...447
Além de Beralda, encontramos ainda, o escravo Caetano, preto de 50 anos, portanto
pertencente à penúltima fração etária por nós discutida, que ‘desceu a cambindar e
saruê’ – talvez com os urubus no seu encalço dizendo, lá de longe: “la vai o nosso
comê”448 – da província do Rio de Janeiro para o município de Rio Claro. Para tanto,
Antonio J. Alves Fonseca recebeu de Francisco R. de Almeida a importância de
350$000449, ao passo que os homens dessa faixa etária, ao longo dos documentos
por nós compulsados, eram vendidos no tráfico intraprovincial, pelo preço nominal
médio de 816$912 e no local por 1:192$495.
Gráfico 22
446
A média do preço das escravas de 30 a 45 anos, vendidas no comércio local e intraprovincial foi de 1:370$967 e 1:139$706, concomitantemente.
447 O documento relativo à negociação de Beralda encontra-se no arquivo do 1º Cartório de Notas e
Protestos de Rio Claro. Livro I, Folha 31, verso.
448 Pedro Calmon. História do Brasil na Poesia do Povo. (Rio de Janeiro: Edições Bloch, 1973), p. 67.
449 A escritura que registrou a negociação do escravo Caetano se encontra no arquivo do 1º Cartório
de Notas e Protestos de Rio Claro. Em ordem cronológica no livro II, Folha 48.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio
Claro. Coleta e compilação dos dados próprias.
Menores de 15anos
De 15 a 29 anos De 30 a 45 anos De 46 a 55 anos
32 escravos, 1:459$453
70 escravos, 1:623$294
14 escravos, 1:457$379
4 escravos, 816$912
12 escravas, 1:463$182
36 escravas, 1:370$113
4 escravas, 1:139$706
Escravos negociados no tráfico intraprovincial segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio (Rio Claro, 1861-1869)
Homens Mulheres
201
Ao restringirmos nossas observações ao principal grupo etário presente nas
três modalidades de tráfico interno (escravos jovens com idade entre 15 e 29 anos)
e às escrituras que registraram apenas um cativo sendo transacionado,
encontramos o resultado a seguir. Esse nos permite balizar melhor – apesar do
número de observações bastante mais restrito – as possíveis ponderações sobre os
dados expostos acima.
Tabela 9
Por fim, nos cabe fazer alguns apontamentos acerca de outro aspecto de
grande acuidade no âmbito de nossa análise, qual seja: a relação
ocupação/experiência–preço. Dos escravos envolvidos nas diversas transações que
perpassam as apreciações aqui empreendidas, obtivemos o informe da ocupação de
98 indivíduos. Apenas 4 escravos “de nação” tiveram a sua experiência prévia
Homens Mulheres
Preço Preço
1.855.556 1.783.333
Homens Mulheres
Preço Preço
1.700.000 -
Homens Mulheres
Preço Preço
1.958.333 1.500.000
Local
Intraprovincial
Interprovincial
Escravos jovens (15 - 29 anos de idade) negociados
individualmente de acordo com: tipo de tráfico, sexo e preço
nominal médio (Rio Claro, 1861-1869). Em Réis.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos
Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compilação dos dados
próprias.
202
apontada; três “de lavoura” e um ferreiro. A maioria absoluta – 67 pessoas – era de
escravos dedicados ao eito das fazendas, ao trato da terra grosseira e crassa que
exigia braços gozosos de pleno vigor, o que se traduz em homens de pouca idade.
Como observamos na tabela, das 67 pessoas destinadas à roça, 59 eram homens e
a idade média era de 21,4 anos. A segunda ocupação mais recorrente foi a de
serviços domésticos. Aí, mais uma vez, os homens foram maioria. Os demais cativos
se distribuíram pelas ocupações listadas abaixo.450
Tabela 10
450
Para uma classificação detalhada e justificada dos ofícios dos escravos no Rio de Janeiro, para um período mais recuado do que o trabalhado por nós, Cf. C. A. M. Lima. Artífices do Rio de Janeiro (1790-1808). (Rio de Janeiro: Apicuri, 2008). Neste trabalho, Lima organizou uma classificação dos ofícios artesanais dos escravos de acordo com a respectiva qualificação demandada, sendo o tempo de aprendizado uma das variáveis centrais. Segundo autor, no âmbito das atividades que exigiam períodos menores de aprendizado, portanto as atividades menos complexas, os artesões estavam aptos, normalmente, com quase trinta anos, já nos ofícios mais complexos, a conclusão da ‘formação’ ocorria por volta dos quarenta anos de idade. Com relação aos escravos homens de “serviço da roça”, José Flávio Motta (Op. Cit., 2012), além de evidenciar que estes formavam os maiores contingentes, encontrou para os anos 1860, os seguintes preços: Areias: 1:195$063 Guaratinguetá: 1:325$909, Constituição 1:601$790.
Homens Mulheres
N. de escravosN. de
escravos
Copeiro/Cozinheiro/engomador 1 -
Cozinheiro 2 -
Carpinteiro 4 -
Lavoura 59 8
Servente 1 -
Serviço doméstico 16 2
Alfaiate 1 -
Pesca 1 -
Ferreiro 2 -
Pedreiro 1 -
Ocupação
Escravos negociados em Rio Claro segundo sexo e ocupação
(1861-1869)
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos
Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compilação dos
dados próprias.
203
Identificamos o preço de apenas 20 pessoas com experiência/habilidades
específicas comerciadas individualmente. Aqueles destinados à lavoura
conformaram, como era de se esperar, o maior contingente de escravos cuja
experiência previa identificamos. A idade média desse grupo foi 20,8 anos e o preço
nominal médio, de 1:808$556. Dentre os escravos de maior preço, temos os
cozinheiros e carpinteiros451. Dentre os primeiros, encontramos dois escravos
vendidos no bojo de grupos, porém com o seu preço especifico indicado (ou seja,
cada um dos escravos que compuseram os grupos tinha o seu respectivo preço que
diferia do preço dos demais). Um destes foi vendido por 2:200$000 e outro por
2:000$000.Os carpinteiros foram negociados individualmente, mediante o comércio
interprovincial (ambos migraram da província do RJ para Rio Claro), o primeiro foi
vendido com um grupo, formado por mais quatro cativos, também saídos do Rio de
Janeiro, porém, com destino a Botucatu. No conjunto destes cozinheiros, Benzinho
alcançou o maior preço, sendo vendido em dezenove de junho, ao Barão de
Araraquara – possivelmente um dos mais importantes escravistas da região – por
2:200$000, preço que pode ser explicado por este escravo, além de ser um jovem
cozinheiro, possuir habilidades de copeiro e engomador.452 Com relação aos
carapinas, elegemos como arquétipo o cativo Benedito, crioulo, de 20 anos, natural
de Santo Antonio. Foi vendido individualmente por Claudio A. Oliveira a Candido
José de Souza, por meio do tráfico intraprovincial (Jaú Rio Claro) por 1:600$000.
Assim sendo, o treinamento dos escravos associado à aquisição dessas
habilidades era algo que poderia ser compensador do ponto de vista econômico,
dada a elevação de cerca de 25%, dos preços dos escravos – chegamos nesse
dado quando confrontamos a média dos preços nominais dos escravos homens cuja
qualificação acarretou maiores preços de venda com a média do preços nominais de
todos os escravos homens de 15 a 40 anos de idade.
451
Estes ofícios, de acordo com Lima, são considerados de baixa qualificação.
452 Todos estes registros se encontram preservados nos arquivos do 1º Cartório de Notas e Protestos
de Rio Claro.
204
Considerações finais
Neste capítulo investigamos o tráfico interno de escravos no município de Rio
Claro, cidade que pertence ao que José Francisco de Camargo chamou de Região
da Baixa Paulista e que Emília Viotti da Costa tratou como uma zona relativamente
nova do Oeste Paulista, cujo desenvolvimento, decorrente da expansão Leste-Oeste
dos cafezais fora, sobretudo, posterior a 1850.
Partindo deste contexto, analisamos 320 escrituras de compra e venda de
escravos, que abarcaram negócios envolvendo 575 pessoas mercadejadas entre
1861 e 1869. Quando analisamos estas fontes primárias manuscritas, em um
primeiro momento, notamos ter sido a maior parte dos cativos transacionados em
grupos de três ou mais indivíduos, nos quais os homens jovens constituíram a
grande maioria. No tocante à modalidade do tráfico, apreendemos que a
movimentação intraprovincial foi a mais significativa (envolvendo a venda de 174
cativos), seguida das transações locais, que envolveram 161 pessoas e,
interprovinciais, responsáveis por 77 indivíduos terem se deslocado de outras
províncias (sobretudo, RJ e MG) para o fado das fazendas de café Rio-clarenses.
Além disso, quando consideramos a classificação dos cativos de acordo com a
origem, aferimos que os crioulos corresponderam a quase 80% do total de
indivíduos com procedência identificada. Enquanto estes foram vendidos, sobretudo,
mediante o comércio intraprovincial, os “de nação” foram vendidos, principalmente,
por meio do tráfico local.
Em seguida, além de termos constatado terem sido as entradas em Rio Claro,
tanto pelo tráfico intraprovincial, quanto pelo interprovincial, bastante mais
significativas que as saídas, percebemos que ao agruparmos os escravos africanos
(“de nação”) com idade de até 45 anos, quase 60% desses encontravam-se no
intervalo etário de 31 a 45 anos – conjunto no qual os homens correspondiam a
72,4%. Em contrapartida, quando consideramos os dados concernentes aos cativos
crioulos, notamos a ocorrência de expressivo número de crianças e jovens (cerca de
30% com idade inferior a 15 anos). Já dentre os crioulos com idade inferior a 46
anos, apenas 5% encontravam-se na faixa etária de 31 a 45 anos, enquanto 61,6%
possuíam entre 15 e 29 anos (desses 73% eram homens).
205
Por fim, dentre outros, associamos a caracterização do tráfico com idade,
sexo e preço médio nominal dos cativos. Ao fazermos isso, visualizamos distinções
patentes, tais como: se centrarmos atenção na fatia etária que engloba a maior parte
dos indivíduos vendidos individualmente, mediante as três formas de tráfico (15 e 29
anos), temos como resultado que, no comércio local, enquanto os homens eram
vendidos, em média, por 1:855$556, as mulheres foram transacionadas por
1:783$333. Já no tráfico intraprovincial, os homens foram vendidos por 1:700$000,
no interprovincial, eles alcançaram um preço cerca de 30% maior. Apreendemos,
também, que os escravos alienados do sexo masculino, por intermédio das vendas
entre diferentes províncias, foram comerciados por preços superiores ao dos
escravos e escravas comerciados por meio dos outros dois caminhos.
206
207
CAPÍTULO IV – Tráfico interno de escravos: Rio Claro, Araras e
Araraquara, 1870-1880453
I. Introdução
A pesquisa realizada no âmbito das três localidades cujos informes cartoriais
referentes às transações envolvendo escravos, ocorridas entre 1870-1880, foram
por nós perscrutados, possibilitou os seguintes resultados: identificamos e
compulsamos os dados presentes em 428 escrituras, afora os códices que
evidenciaram algumas transações menos recorrentes envolvendo cativos – trocas,
venda de partes, doações etc. As referidas escrituras registraram as vendas de
1.071 escravos, assim divididos: 477 em Rio Claro, 323 em Araras e 271 em
Araraquara454. Apenas para esse último município, encontramos informações para
todos os anos da década em apreço. A média de escravos alienados por escritura
foi de 2,5. Ademais, os intervalos existentes nos dados de Rio Claro e Araras estão
apontados na tabela subsequente.
No bojo dos anos 1870-1880, localizamos o maior número de transações, em
1870, quando foram negociados 163 escravos e 68 escravas. Em 1872, por sua vez,
observamos o menor número de transações, decorrência da inexistência de dados
para duas das localidades pesquisadas455 – ou do extravio de livros e/ou do
desconhecimento da sua existência por parte dos tabeliães, aliado ao possível
malogro em nosso intento em identificá-los. Ao dispormos os dados para
453
Frisamos que neste momento tratamos do recorte temporal mais extenso da nossa periodização.
454 É de se esperar que parte das transações envolvendo escravos direcionados para Rio Claro e
Araras, ao longo de todo o período abrangido por esta pesquisa, tenha sido registrada em Campinas.
455 Vale salientar que tais dados evidenciam o tráfico legal, submetido a taxas provinciais. O
contrabando de escravos não é contemplado. Contudo, a partir do início dos anos 1870, em virtude da Lei do Ventre Livre e da decorrente maior preocupação, por parte dos proprietários com as escrituras de compra e venda, acreditamos que o volume do comércio ilegal tenha minorado significativamente. Ademais, gostaríamos de pontuar que outro caminho, não utilizado nessa pesquisa, para avaliar a dinâmica do comércio interno de cativos é o imposto de meia siza. A siza, imposto de transmissão de propriedade, correspondia a 10% do valor da operação comercial. No caso do escravo pagava-se meia siza ou 5% do seu preço.
208
acessarmos o número de escravos transacionados segundo sexo e ano de registro
da escritura, apreendemos os anos em que a disparidade de sexo foi mais
acentuada: em 1870, 1873, 1877 e 1879, quando mais de dois escravos foram
comerciados para cada escrava vendida. No cômputo geral, para a década, a razão
de sexo foi de 199 escravos por 100 escravas transacionadas.
Tabela 1
Dentre estes 1.073 indivíduos – a maioria homens, ‘crioulos’, ‘pretos’,
solteiros, de 15 a 29 anos, traficados em grupo, destinados à roça – o maior
contingente foi alienado por meio do comércio entre diferentes províncias do Brasil
Império. Essas ‘peças’ – como parte dos coevos dizia – foram oriundas, sobretudo
do Nordeste, MG e RJ456, com volume próximo ao das transações intraprovinciais e
456
Tal como afirma Pedro Calmon à possibilidade da venda de parte dos seus escravos, principalmente, para outras províncias do Império constituía um instrumento de controle senhorial e assim, funcionava como estratégia de pacificação da escravaria, arrefecendo a rebeldia e os ocupantes de raiva. Segundo ele, os senhores ameaçavam de venda e de fato vendiam os atrevidos e belicosos; mandavam-nos para os cafezais do sudeste, longe dos mocambos, dos terreiros e batuques das senzalas antigas dos engenhos e do convívio das confrarias ou grupos raciais. Resumo do trecho de Calmon (1959, p.1.658), citado por Ricardo Tadeu Caíres Silva. A participação da Bahia no tráfico interprovincial de escravos (1851-1881). Terceiro encontro escravidão e liberdade no Brasil meridional. Maio de 2007. Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário Florianópolis, SC. p. 11. Neste momento vale resgatarmos um dos argumentos já apresentados no início desta pesquisa: a venda atenuava os problemas enfrentados pelos senhores de escravos indisciplinados ou rebeldes, porém acentuava as dificuldades enfrentadas pelo escravocrata que adquiriu os cativos, a tal ponto, tal como argumenta Richard Graham, que o tráfico interno de escravos contribui decisivamente para a abolição da escravatura. Cf. Richard Graham, Op. Cit. 2002.
Ano H - Rio Claro M - Rio Claro H - Araras M - Araras H - Araraq. M - Araraq. Total Homens Total Mulheres Total geral
1870 161 66 - - 2 2 163 68 231
1871 32 13 - - 6 6 38 19 57
1872 - - - - 2 4 2 4 6
1873 - - - - 22 10 22 10 32
1874 - - - - 29 28 29 28 57
1875 - - 22 11 28 16 50 27 77
1876 84 22 52 39 16 15 152 76 228
1877 57 45 48 12 37 7 142 64 206
1878 - - 27 17 14 13 41 30 71
1879 - - 52 19 5 4 57 23 80
1880 9 17 1 1 10 18 28
Total 334 146 210 115 162 106 706 367 1073
Escravos vendidos segundo localidade, sexo e ano de registro da escritura
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas e Protestos das localiaddes pesquisadas. Coleta e compilação dos
dados próprias.
209
locais registradas nas três localidades – de cujos dados cartoriais fizemos ampla
varredura – tal como visualizamos no gráfico abaixo.
Gráfico 1
Mais uma vez, quando temos em vista os dados decorrentes da tese de
doutoramento do professor Robert Slenes, reorganizados pelo autor com o objetivo
de permitir comparações com parte dos resultados da nossa pesquisa, percebemos
que a importância do tráfico inter-regional foi preponderante em ambas as
pesquisas, porém essa maior importância foi marcante, sobretudo na pesquisa de
Slenes que identificou que 76,3% dos escravos foram comerciados inter-
regionalmente. O que pode ser parcialmente explicado pelo fato de Campinas,
município cujos documentos cartoriais foram amplamente analisados por Slenes,
colocar-se no cenário do Oeste Paulista como um importante entreposto de
escravos. Segundo o próprio Slenes, cerca de 20% dos escravos que chegavam a
Campinas eram direcionados para outras localidades do Oeste de São Paulo. Os
resultados relativos ao comércio intra-regional (Sudeste) foram mais próximos:
enquanto na nossa pesquisa identificamos que 29% dos cativos foram
transacionados por intermédio do tráfico intra-regional, Slenes identificou que este
ramo do tráfico interno abarcou 21,6% dos escravos comerciados ao longo dos anos
1870. Verificamos a maior distância no âmbito do tráfico local. Os dados de Slenes,
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas e Protestos das localidades
pesquisadas. Coleta e compilação dos dados próprias.
24%
20%
56%
Escravos negociados segundo tipo de tráfico, localidades pesquisadas. 1870
- 1880.
Local Intraprovincial Interprovincial
210
relativos a Campinas, evidenciam que apenas 3% dos escravos foram comerciados
localmente457.
Tabela 2
Com relação aos preços nominais médios dos escravos comerciados, quando
abordamos os cativos pertencentes ao intervalo etário de 15 a 29 anos, aferimos
que os homens foram vendidos por quantias substancialmente maiores do que as
mulheres, com exceção dos preços registrados em Araraquara, nos anos 1872 e
1873458.
Antes de concluirmos este introito, gostaríamos de pontuar uma discordância
relativa às formulações as quais advogam que, durante o século XIX, o comércio
457
Mais uma vez, agradecemos o Professor Robert Slenes por ter revisitado os dados decorrentes das suas pesquisas e ter possibilitado o confronto que acabamos de pontuar.
458 Por seu turno, quando organizamos os bancos de dados que construímos, relativo aos anos 1870-
1880 e às três localidades que temos em apreço, para acessarmos a relação existente entre o preço nominal médio dos escravos versus idade e sexo, notamos novamente, como era de se esperar, a feição preço idade em U invertido. Para evitarmos problema já indicado relativo ao núcleo documental, construímos os gráficos somente a partir das escrituras que comerciaram apenas um escravo. Para boa lembrança: os códices de compra e venda de mais de um escravo habitualmente não especificaram o preço de cada indivíduo, mas o preço do conjunto dos escravos negociados, o que impossibilitou atribuirmos o preço nominal dos escravos de acordo com sua respectiva idade, habilidade etc. Para não deixar a leitura excessivamente cansativa, optamos, por deslocar esses gráficos para o anexo desta pesquisa.
Local
Intra-regional -
SudesteInter-regional
25,00 29,00 46,00
Tráfico local, intra-regional e inter-regional (%), Rio Claro, Araras e
Araraquara 1870-1880
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos cartorios
cujos arquivos compulsamos. Coleta e compi lação dos dados próprias .
Obs . Encontramos apenas 21 escravos
211
interno de cativos, desenvolvia-se de forma competitiva, pois o mercado era
atomístico e prevalecia disseminação de informações sobre preços459.
Ao ordenarmos os dados que obtivemos, percebemos vultosa recorrência dos
agentes envolvidos nas transações, facultando assimetrias nas atuações desses
indivíduos no mercado, o que compromete as conjecturas que postulam que o
mercado interno de escravos era atomístico. Além disso, os escravos, mesmo
aqueles de mesma faixa etária, não eram bons substitutos –nacionalidade,
experiência, sexo etc. influenciavam seu preço e a preferência dos demandantes.
Para corroborar este argumento (mercado interno de escravos pouco
competitivo) evidenciamos alguns dados, quais sejam:
- Rio Claro (dados para os anos 1870, 1871, 1876 e 1877)
(i) Para este município, encontramos 192 vendedores. Destes, 25 foram
responsáveis pela negociação de 307 cativos (14 vendedores comerciaram 5 ou
mais e 11 negociantes alienaram 3 ou 4 indivíduos). Houve 7 vendas que
envolveram 20 ou mais escravos. A venda mais volumosa foi realizada por Diogo
Antonio de Barros e envolveu 54 indivíduos (24 mulheres e 30 homens, a grande
maioria com idade entre 15 e 40 anos). Esses indivíduos foram vendidos por meio
de uma única negociação, realizada em fevereiro de 1870, para João Francisco de
Paula Souza, morador de Rio Claro e vinculado à fazenda Santa Gertrudes. Romão
Teixeira Leonil foi responsável, juntamente com Rodrigo Mengres dos Santos, pelas
duas maiores vendas subsequentes. Ambos comerciaram 33 escravos. O segundo,
residente no Maranhão, por meio de uma única venda no mercado interprovincial. O
primeiro, morador da cidade de São Paulo, vendeu os seus escravos por meio de 12
vendas distintas para compradores de Pirassununga e, sobretudo, Rio Claro. É
interessante notarmos que essas vendas ocorreram ao longo dos meses de março e
abril de 1870. O elevado número de vendas e a recorrência no tempo e no espaço
nos levam a crer que Romão Teixeira Leonil tratava-se de um traficante
459
Cf. Resende, Versiani, Nogueról, Vergolino. Preços de escravos e produtividade do trabalho cativo: Pernambuco e Rio Grande do Sul, século XIX. Anais do Encontro Nacional de Economia – ANPEC, 2013.
212
profissional460. Ademais, dentre os 25 principais vendedores, não encontramos
nenhuma mulher.
(ii) Dos 102 compradores, 34 foram responsáveis pela aquisição de 402 escravos.
Desses, 25 compraram 5 ou mais cativos e 11 adquiriram 10 ou mais escravos. O
maior contingente foi comprado pela Fazenda Santa Gertrudes por meio de três
compras distintas – uma, em 1870 e duas, em 1876 – totalizando 72 escravos. Em
seguida, as maiores compras foram feitas pelo Barão de Araraquara, residente em
Rio Claro, que adquiriu 43 pessoas, por meio, principalmente, do tráfico
interprovincial e Manoel Alves de Oliveira Doria, morador da mesma cidade e
comprador de 40 escravos por meio do tráfico interprovincial.
- Araras (dados para os anos 1875, 76, 77, 78, 79 e 1880)
(i) Ao dispormos os dados que compulsamos quanto aos anos que perpassam o
intervalo 1870-1880, no arquivo do Primeiro Cartório de Notas e Protestos de
Araras, notamos, mais uma vez, importante repetição de compradores e vendedores
tornando plausíveis assimetrias nas atuações desses indivíduos no mercado
doméstico de escravos e, assim, enfraquecendo as formulações que postulam o
atomismo dos agentes envolvidos nesse comércio. Em Araras, dos 95 vendedores,
26 negociaram 214 escravos de um total de 298. As vendas ocorreram
majoritariamente por meio do tráfico interprovincial. O conjunto mais volumoso de
escravos comerciados, 26 indivíduos, foi alienado por João Pereira de Almeida,
morador do Rio de Janeiro, por meio de quatro vendas distintas, ao longo do ano de
1879. Antonio Joaquim Soares Franco, residente em Piracicaba, mediou todas
460
Quiça Leonil, meses antes, percorreu diversas regiões do nordeste e de Minas Gerais em busca de cativos, ‘seduzindo’ pequenos e médios proprietários muitos dos quais comerciavam alguns de seus escravos em virtude dos prejuízos e dívidas ocasionados por longos períodos de estiagem, para daí revendê-los por maiores preços nas províncias cafeeiras. Ao contrário dos traficantes que buscavam suas “peças” na África, dos quais temos algumas informações, pouco sabemos sobre os comerciantes que se dedicaram ao tráfico doméstico. Segundo o abolicionista baiano Luís Anselmo da Fonseca, “os maiores e mais audazes traficantes da Bahia, tanto dos escravos importados de África como dos importados do interior da província, foram os portugueses”. O certo mesmo é que os indivíduos envolvidos no tráfico interno não gozavam do mesmo prestígio que outrora desfrutavam os antigos traficantes de ‘peças africanas’. Talvez, em razão disso, não tenham deixado muitas pistas sobre suas identidades. L.A. Fonseca. A escravidão, o clero e o abolicionismo. Bahia: Imprensa Econômica, 1887. p. 156.
213
essas negociações. Os escravos envolvidos eram homens jovens com idades entre
14 e 28 anos;
(ii) Por sua vez, dos mais de 67 compradores, 19 adquiriram 250 cativos. José de
Lacerda Guimarães arrematou o maior número de escravos, 38. Dentre as mulheres
compradoras de escravos, temos um caso pouco usual: Carolina Almeida de
Camargo fez a segunda maior compra registrada em Araras, nos anos 1870.
Adquiriu 33 indivíduos, dos quais 6 mulheres. A maior parte das compras foi
realizada por meio de procuradores.
- Araraquara, 1870-1880
(i) Dos cerca de 180 vendedores que comerciaram seus escravos, apenas 20
efetivaram a venda de 110 indivíduos de um total de 269 escravos (média de 5,5
escravos por vendedor). Dentre os vendedores mais frequentes encontramos
apenas 3 mulheres realizando e assinando a venda. Enquanto todas essas mulheres
realizaram as suas 11 vendas no âmbito do tráfico local, as 5 mais volumosas
ocorreram por meio do tráfico interprovincial. As seis transações restantes foram
firmadas no mercado local;
(ii) Dos 142 compradores, apenas 26 adquiriram 177 (média de quase 7 escravos
por comprador). Dentre os compradores encontramos 3 mulheres, 2 realizando suas
compras por meio do tráfico interprovincial e 1 acessando alguns escravos no
mercado local e outros no interprovincial. As compras não eram realizadas de uma
única vez. Se tomarmos como exemplo o principal comprador da década de 1870,
em Araraquara, Justino Corrêa de Freitas, notamos que os 24 escravos aos quais
teve acesso foram adquiridos em oito compras distintas, 6 por meio do comércio
interprovincial e 2 por meio das transações locais (aqui incluída a sua compra
individual mais volumosa: 10 cativos).
Veremos, no decorrer deste capítulo, dentre outras coisas, o detalhamento de
alguns dos aspectos dessa introdução, que atribuíram os contornos mais definidos
do tráfico interno de escravos destinado a saciar a reiterada fome de braços do eito
214
cafeeiro do Oeste Paulista, resultado da incessante vinculação predatória de novas
áreas, mormente devolutas.
*
O argumento que postulamos ao longo das últimas páginas é também apoiado
pelo fato de que em Rio Claro, por exemplo, os compradores de escravos mais
recorrentes – com exceção do Barão de Araraquara que pagou um preço nominal
médio (tendo em vista as suas diversas compras) ligeiramente maior que a média de
preço prevalecente ao longo dos anos 1870-1880 –, granjearam preços de compra
atrativos, o que pode ser explicado, ao menos parcialmente, pelo maior volume de
suas compras em relação às aquisições do “comprador médio”. Por sua vez, ao nos
debruçarmos sobre os dados atinentes aos principais vendedores que circularam em
Araras, nos anos 1870, notamos que esses obtiveram um preço nominal médio de
16 a 21% superior ao preço médio de venda dos escravos comerciados nesse
município.
Tabela 3 e 4
Nome Idade média
(A) Preço médio
pago escravos 15-40
(Réis)
(B) Preços médios
15-40 anos (Réis)A/B
Barão de Araraquara 20,5 1.965.581 1,06
Ignacio Xavier Negreiros 22,0 1.700.000 0,92
João Francisco de Paula Souza 27,0 1.500.694 0,81
José Luis de Oliveira Borges 17,0 953.846 0,51
Manoel Alves D'Oliveira Doria 21,9 1.686.111 0,91
Manoel Ferras Pacheco 21,8 1.780.645 0,96
NomeIdade média
dos escravos
(A) Preço médio
pago escravos 15-40
(Réis)
(B) Preços médios
15-40 anos (Réis)A/B
Herculano de Oliveira Martins, José Malaquias de Souza, José de Souza Botelho,
Bernardino Pereira do Lago, Joanna Carolina Calmom, José Alves de Castro,
Leandro Soares de Souza, José Francisco da Silva Andrade*
20,4 2.150.000 1,16
José de Castro Euzébio 24,3 2.252.381 1,21
João Pereira de Almeida 20,1 2.218.750 1,19
* Esses diversos vendededores realizaram vendas em conjunto por meio de um procurador/traficante .
1.860.000
Principais vendedores de escravos em Araras, 1870-1880
Principais compradores de escravos em Rio Claro, 1870-1880
1.854.311
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas
pelo 1º Cartório de Notas de Araras. Coleta e compilação dos dados próprias.
215
II. Tráfico interno de escravos: Rio Claro, 1870-1880
A análise a seguir foi realizada a partir dos subsídios oriundos da leitura e
análise de 128 escrituras manuscritas, de compra e venda461 de escravos,
preservadas pelos 1º e 2º Cartórios de Notas e Protestos de Rio Claro. Estas
escrituras perfazem um total de 477 cativos traficados, ao longo dos seguintes anos:
1870, 1871, 1876 e 1877.
As lacunas encontradas são, provavelmente, decorrentes da perda de dois
dos cinco livros que estavam sob os cuidados do 2º Cartório de Notas e Protestos da
localidade em apreço. Assim sendo, as informações que levantamos não cobrem a
totalidade da década de 1870. Com o intuito de minimizarmos esse problema, como
veremos à frente, compulsamos os dados de Araras que, a despeito de apresentar
algumas características próprias, em virtude da proximidade com Rio Claro (25 Km),
foi tragada pela expansão da fronteira agrícola cafeeira ao longo do mesmo período.
No bojo dos quatro anos observados, localizamos o maior número de pessoas
vendidas em 1870, quando foram negociados 161 escravos e 66 escravas. Em
contrapartida, observamos o menor número de transações em 1871, possivelmente
em virtude dos motivos acima apontados e também da promulgação da Lei do
Ventre Livre, que fez com que os senhores de escravos postergassem novas
compras durante certo período. A média de escravos vendidos por transação foi de
3,7.
A venda mais numerosa ocorreu em fevereiro de 1870, entre o vendedor
Diogo Antonio de Barros e os proprietários da fazenda Santa Gertrudes. Nesta
transação, 54 escravos foram direcionados para a mencionada fazenda. Destes, 30
eram homens com idades muito variadas. Apenas 7 tinham entre 15 e 29 anos e 16
pertenciam, sobretudo, à faixa etária dos trinta e poucos anos. Havia também 3
jovens menores de 15 anos e 4 crianças com menos de 7, nenhum destes
‘moleques’ teve os pais identificados. Já as mulheres, com exceção de 4 com idade
igual ou superior a 45 anos, tinham idades entre 20 e 38 anos. O preço nominal
médio do conjunto desses escravos – se retirarmos da conta os muito jovens e os
461
Além das escrituras de compra e venda de escravos, encontramos certo número de documentos (relativamente ao conjunto documental levantado não muito expressivo) que registraram troca, doações, transferências e procurações. Todavia, estes processos não foram objeto de nossa análise.
216
‘velhos’ –, foi de 1:755$127 cada. Nesta venda, encontramos 15 escravos ‘de
nação’, 13 homens e 2 mulheres, todos com experiência de lavoura. Este grupo era
composto por 9 escravos de 38 anos, 2 com mais de 40, dois com mais de 50 e
apenas 1 com 60 anos. Vale notar que, não por acaso, a idade registrada destes
escravos “de nação” era de ao menos 38 anos, espaço de tempo mínimo que
tornava a importação desses africanos legal, pois, aparentemente, respeitava a lei
de 7 de Novembro de 1831, a qual promulgou, em seu 1º artigo, a liberdade de
“todos os escravos que entrarem no território ou portos do Brasil vindos de fora. Os
apreendidos seriam reenviados para qualquer lugar da África (...) com a maior
brevidade possível”462. Mais à frente, voltaremos a este ponto.
462
Brasil, Senado Federal. Disponível em: http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes. action?id=85334. Acesso em: 23/08/2013. Do art. 1º dessa lei, “excetuam-se: 1º Os escravos matriculados no serviço de embarcações pertencentes a paiz, onde a escravidão é permittida, emquanto empregados no serviço das mesmas embarcações. 2º Os que fugirem do territorio, ou embarcação estrangeira, os quaes serão entregues aos senhores que os reclamarem, e reexportados para fóra do Brazil”. Por sua vez, por meio do seu artigo segundo, ficou estabelecido que: “os importadores de escravos no Brazil incorrerão na pena corporal do artigo cento e setenta e nove do Codigo Criminal, imposta aos que reduzem à escravidão pessoas livres, e na multa de duzentos mil réis por cabeça de cada um dos escravos importados, além de pagarem as despezas da reexportação para qualquer parte da Africa; reexportação, que o Governo fará effectiva com a maior possível brevidade, contrastando com as autoridades africanas para lhes darem um asylo. Os infractores responderão cada um por si, e por todos”. Idem.
217
Gráfico 2
Na tabela seguinte, observamos a discrepância dos preços encontrados por
Warren Dean, em seu livro Rio Claro: um sistema brasileiro de grande lavoura e pela
nossa investigação. Como já mencionamos, Dean apurou os preços apresentados
em sua pesquisa nos “livros de vendas de escravos, livros de notas e inventários”463,
enquanto nós nos baseamos em registros de compras e vendas de escravos, o que
talvez coincida com o primeiro conjunto de documentos apontado pelo autor.
463
Warren Dean, Op. Cit. p. 66.
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e
2º) de Rio Claro. Coleta e compi lação dos dados próprias .
0
50
100
150
200
1870 1871 1876 1877
Número de escravos transacionados segundo ano de registro da escritura. Rio Claro, 1870, 1871, 1876 e 1877
Homens Mulheres
218
Tabela 5
Com os próximos gráficos e a tabela exposta a seguir, temos acesso ao
número e à dinâmica do preço nominal médio praticado no comércio de escravos
rio-clarense, da totalidade dos escravos jovens (15-29 anos)464 transacionados e
também dos cativos jovens vendidos individualmente. Esses preços estão
organizados para a faixa etária de 15 a 29 anos, segundo o sexo das pessoas
negociadas.
464
Vendidos no âmbito de grupos e individualmente.
Número de casosPreço médio em mil
réisNúmero de casos
Preço médio em
mil réis
1870 - - 93 2.066 -
1871 17 1.770 22 2.081 -14,9%
1872 3 1.920 - - -
1873 8 1.600 - - -
1874 1 1.000 - - -
1875 16 2.200 - - -
1876 11 2.270 65 2.134 6,4%
1877 15 2.130 30 1.849 15,2%
1878 20 2.070 - - -
1879 78 2.080 - - -
Anos
Rio Claro - W. Dean Rio Claro - G. Rossini
Precos médios em mil-réis de escravos masculinos, de 15 a 29 anos Rio Claro - SP 1870-1879
Confronto dos dados
decorrentes dos preços
apresentados na pesquisa de
W.D. e G.R.
Fonte: Warren Dean, Rio Claro: Op. Ci t. p. 66 e Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos 1º e 2º Cartórios de Notas de Rio Claro.
Coleta e compi lação dos dados próprias .
219
Gráfico 3
A partir do gráfico ulterior, verificamos que o preço médio nominal dos
homens flutuou, reiteradamente, acima do das mulheres. Enquanto o preço destas
apresentou clara tendência de queda entre 1870-77, o dos homens, após discreta
alta, acompanhou esta propensão somente a partir de 1876, de forma pouco mais
agressiva 465. Outro aspecto que nos chamou a atenção diz respeito ao fato de o
preço da mão de obra escrava, ao longo da década de 1870, ser diferenciado por
local de residência do proprietário vendedor, o que não ocorreu em Rio Claro, na
década anterior. Quando os senhores de escravos residiam em áreas do sudeste
vinculadas ao café, o preço dos cativos era cerca de 20% superior ao dos escravos
decorrentes de outras paragens, tais como Norte, Nordeste e Sul do Império.
Quando restringimos as nossas observações aos cativos pertencentes à faixa etária
de 15 a 29 anos, aferimos que esta diferença passou a ser de 16%.
Aqui, diferentemente dos subsídios compulsados para Araraquara, quiçá em
virtude dos dados preservados nos cartórios rio-clarenses não terem continuidade,
465
Vale notarmos que a relativa estabilidade do preço dos homens, ao longo da primeira metade dos anos 1870, corroborou a dinâmica dos preços apreendida por Mircea Buescu que, para o mesmo período, averiguou variação de –0,4%. Mircea Buescu, Op. Cit.
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio
Claro. Coleta e compi lação dos dados próprias .
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1870 1871 1876 1877
N. de escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos em Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877)
Número de escravos homens Número de escravos mulheres
220
não podemos aferir pari passu a dinâmica do preço das escravas. Assim sendo, não
temos como cotejar, por exemplo, os impactos da Lei Rio Branco – perda da
possível importância da escrava em idade fértil etc. – sobre o preço nominal médio
destas.
Gráfico 4
A seguir, restringimos o levantamento aos códices que registraram a
comercialização de um único indivíduo466. Observamos assim, – a despeito do
pequeno número de casos – os preços médios nominais decorrentes das escrituras
que registraram a venda de um único escravo. Como esperado, verificamos preços
mais elevados, em relação aos preços constantes no gráfico anterior (cujos preços
dos escravos foram decorrentes de médias que contemplaram os escravos vendidos
em grupo e individualmente), tanto para homens quanto para mulheres467.
466
Neste momento, os dados por nós coletados e analisados se aproximam menos das longas séries compulsadas por Fogel & Engerman e por Bergad, do que os números obtidos em Araras e Araraquara. Estes levantamentos concluíram que, em torno dos 27 anos, os senhores recebiam, por meio da venda de suas escravas, por volta de 80% do preço dos escravos. A análise dos dados que compulsamos em Rio Claro evidenciou que as escravas com idades entre 25 e 29 anos alcançaram 71% do preço nominal médio dos escravos.
467 Como já apontamos, os preços observados no gráfico acima são decorrentes de médias que
puxam para baixo o preço dos escravos jovens (15 – 29 anos de idade), pois recorrentemente os
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro.
Coleta e compi lação dos dados próprias .
1.000.000
1.200.000
1.400.000
1.600.000
1.800.000
2.000.000
2.200.000
1870 1871 1876 1877
Preços médios nominais, em Contos de Réis, dos escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos em Rio Claro (1870, 1871, 1876 e
1877)
Homens Mulheres
221
Tabela 6468
Além dos preços nominais médios dos escravos jovens, constatamos alguns
dados atinentes às crianças. Destes, destacamos os seguintes: (i) 21% dos
escravos vendidos possuíam até 14 anos. Esta elevada proporção pode, em parte,
ser explicada pelos elevados custos de manutenção de uma criança escrava, que os
proprietários rurais enfrentavam, em 1870. Para os escravocratas do Nordeste em
estagnação, por exemplo, o valor girava em torno de 40 mil-réis anuais. Se levarmos
em conta que apenas metade das crianças chegavam aos 8 anos de idade,
vislumbramos que o risco representado pelas crianças escravas era considerável.
Esse dado, sem dúvida, ajuda-nos a compreender o fato de 45% das crianças “misturam” com cativos de pouca e “muita” idade. Também, pontuamos outro aspecto que gostaríamos de chamar a atenção: para não deixar a leitura excessivamente repetitiva optamos por deslocar as informações relativas à cor da pele mencionada nas escrituras e sua relação com o sexo, a idade, o número de indivíduos transacionados e o preço nominal médio desses para as tabelas que formam o Anexo V desta pesquisa. Tal como constatamos na tabela relativa ao município de Rio Claro, para os anos de 1870, 1871, 1876 e 1877, mais uma vez verificamos que a cor não constituiu fator relevante na definição dos preços dos escravos. Destarte, mulatos, negros, pardos etc. eram considerados equivalentes para a lida com os cafezais. Quando direcionamos nossa atenção para as transações envolvendo apenas uma “peça”, no bojo dos grupos mais representativos (pretos e pardos), encontramos: (i) 17 homens pretos vendidos em média por 2:197$059; (ii) 16 cativas pretas comerciadas pelo preço médio de 1:533$750; (iii) 8 escravos pardos vendidos por 2:150$000 em média.
468 Tal como já pontuamos atrás, com o intuito de realizar um incipiente confronto da dinâmica do
tráfico interno de cativos registrado em Rio Claro, com a movimentação deste comércio em outras localidades, ao longo da exposição e análise dos dados por nós compulsados, iremos, em alguns momentos, cotejar o nosso levantamento com os resultados da importante pesquisa realizada pelo professor José Flávio Motta acerca de alguns municípios paulistas. Motta aferiu, para os escravos e escravas de 15-29 anos, comercializados individualmente, comerciados nas localidades que estudou, ao longo dos anos 1870-1880, os seguintes preços médios nominais: Areias: 1:963$333 (H) e 1:365$909 (M); Guaratinguetá: 1:986$800 (H) e 1:317$280 (M); Constituição/Piracicaba: 2:053$763 (H) e 1:372$814 (M); Casa Branca: 2:054$565 (H) e 1:239$105 (M). José Flavio Motta, Op. Cit. 2012. Págs. 184, 205, 230.
Número de
escravos
Idade
MédiaMediana
Desvio-
Padrão
Preço
médio
Número de
escravas
Idade
MédiaMediana
Desvio-
Padrão
Preço
médio
1870 17 20,9 21 3,45 2.250.000 12 23 24 4,02 1.795.000
1871 1 20 20 0,00 1.900.000 1 15 15 0,00 1.200.000
1876 10 20,9 22 2,81 2.083.333 9 19,75 18,5 3,56 1.288.889
1877 2 25 25 2 1.950.000 9 23,3 24 4,31 1.133.333
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compi lação dos
dados próprias .
N. de escravos, idade média, mediana, devio padrão e preços médios nominais (Réis) dos escravos adultos jovens (15-
29 anos) vendidos individualmente em Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877)
Ano
Homens Mulheres
222
entradas em Rio Claro, por meio do comércio interprovincial, ao longo do decênio
em apreço, serem provenientes do Nordeste; (ii) As mais novas, vendidas sozinhas,
foram uma menina e um menino, ambos de onze anos. Ele, com experiência de
lavoura, comerciado, por 1:700$000, através do tráfico intraprovincial, em fins de
1870, e ela, destinada ao serviço doméstico, foi traficada por 1:300$000, no início de
1871; (iii) Já as crianças de 12-14 anos de idade vendidas individualmente – um
escravo e três escravas –, alcançaram o preço médio de 1:360$000. Este preço
inferior aos das crianças de 11 anos justifica-se pela existência, no âmbito desse
último grupo, de duas meninas vendidas por preços muito inferiores à média
observada, por motivos não registrados nas escrituras que formalizaram suas
negociações. Dentre os escravos dessa faixa etária, vendidos individualmente,
prevaleceram as vendas intraprovinciais. Desta forma, o preço das crianças de 11 e
de 12 a 14 anos, equivaliam, respectivamente, a 66% e 73% do preço médio de um
escravo com idade entre 15 e 29 anos, vendido em Rio Claro, (2:057$632), ao longo
dos anos 1870.
No que diz respeito ao estado conjugal e número de filhos declarados, como
esperado, encontramos o maior contingente de escravos registrado como solteiro.
Poucas escrituras indicaram a existência de filhos, além de muitos códices não
terem assentado nenhuma informação a esse respeito.
Além dos comentários já feitos no capítulo anterior (alguns dos quais
retomamos a seguir), vale termos em vista que, a despeito das diligências da igreja
católica e de alguns senhores, muitos escravos continuaram, possivelmente, a
conviver com estruturas familiares assemelhadas às de suas culturas de origem,
ficando resguardados de certos tabus das sociedades brancas desta plaga quanto à
conduta sexual. Em algumas dessas culturas, “por exemplo, nas regiões onde
dominavam os cultos mulçumanos, talvez a concubinagem fosse aceita como
legítima ou talvez imperassem formas várias de poligamia”469. Assim, em virtude da
complexidade envolvida e da fachada de monogamia erigida pelos censos e demais
documentos que registraram aspectos da família escrava – dentre eles as escrituras
de compra e venda – a análise quantitativa, possivelmente, passa ao largo de
características relevantes desses grupos.
469
Emília Viotti da Costa, Da senzala à Colônia... Op. Cit. p. 48.
223
Como já apontamos nos capítulos anteriores, outros elementos importantes
para a dinâmica da família escrava foram decorrentes dos efeitos da Lei Rio Branco
(28 de setembro de 1871). Os proprietários de escravos omitiam a real situação dos
seus cativos ou declaravam para o tabelião que parte de seus escravos amasiados
ou efetivamente casados eram solteiros. Ademais, essa hipótese ganha força
quando constatamos que parte das escrituras que incluem a venda de crianças,
após 1869 e principalmente após a Lei do Ventre Livre, registrou que as crianças
transacionadas possuíam pais desconhecidos, mortos ou libertos.
Esse argumento, assim como a afirmação da morte do pai em diversas
escrituras, é qualificado por investigações de Florentino e Góes, as quais afirmam
que mulheres aptas à reprodução eram direcionadas para e/ou demandadas por
cativos maduros ou idosos, o que pode ser explicado, ao longo da maior parte da
segunda metade do século XIX: (i) Por vontade do senhor em minimizar as
consequências das leis citadas; (ii) Pela existência de regras culturalmente aceitas
para as uniões conjugais; (iii) Pela possibilidade dos homens mais velhos terem
acumulado maior pecúlio do que os mais jovens (traduzido em dinheiro acumulado,
moradia própria, roças etc.). Os escravos jovens, por seu turno, permaneciam
afastados do acesso às cativas com pouca idade. Esses, contudo, podiam flertar,
amigar-se e casar com escravas já inférteis. As curvas das idades de casamento
comentadas pelos autores assinalam o fato de que escravas acima de 45 anos eram
cerca de 20 anos mais velhas que seus parceiros. De outra parte, entre os cativos
maduros, a disparidade se invertia: quanto mais velho o escravo, mais jovens eram
suas companheiras470. Podemos admitir que, ao menos parcialmente, essa dinâmica
influenciou a formação das famílias escravas da segunda metade do século XIX,
pois, provavelmente, dentro de poucos anos, os pais com idade avançada, estariam
mortos o que poderia facilitar eventual desmembramento da família escrava.
470
Manolo Garcia Florentino. Em costas negras: uma história do tráfico atlântico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. Séculos XVIII e XIX, Companhia das Letras: São Paulo, 1997 Manolo Florentino e José Roberto Góes. A paz das senzalas. Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, 1790 – 1850, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1997. Essa observação também é valida para os demais municípios que compões o nosso recorte espacial e temporal. Contudo, para não tornarmos a leitura demasiadamente cansativa não reproduzimos estes argumentos para todos os períodos e lugares que conformam os nossos recortes.
224
Gráfico 5
Tais estratagemas procuravam driblar alguns dos inconvenientes enfrentados
pelos proprietários, no ato da venda dos seus escravos, a partir das promulgações
daquelas peças legais. Essas situações ocasionam indagações que ficam em
aberto, pois a real situação dos pais das crianças escravas não era investigada no
momento da venda das crianças escravas. Estas simples indicações (pais mortos,
desconhecidos etc.) possibilitavam, em última instância, um atestado de orfandade
que, de um lado, preservava o espírito da lei, já que essa não exigia informações
mais detalhadas e, de outro, isentava o vendedor da responsabilidade legal de
separar pais e filhos ou marido e mulher471. Estes apontamentos ganham gravidade
471
José Flávio Motta, a partir de algumas escrituras de compra e venda que compulsou, também chama atenção para estes estratagemas. Ver, por exemplo, José Flávio Motta, Op. Cit. 2012. p. 171-172.
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e
compi lação dos dados próprias .
Obs . Não há redundância entre as escri turas que mencionavam a exis tência de fi lhos e as demais categorias que
aparecem neste e nos demais gráficos semelhantes desta pesquisa. Chegamos em 4,1% apenas cons iderando as
crianças escravas (menores de 15 anos) qual i ficadas unicamente como fi lho(a).
4,1%4,1%
65,2%
26,6%
Estado conjugal e filhos declarados de acordo com as Escrituras de Compra e Venda de Escravos - Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877)
Casados Escrituras que mencionavam a existência de filhos (crianças escravas) Solteiros Sem informação
225
quando organizamos os dados, tal como expomos nos gráficos abaixo, para
acessarmos o número de crianças escravas vendidas com os pais ou sem referência
a eles e o volume de crianças escravas vendidas individualmente ou no âmbito de
grupos ou turmas.
Todavia, antes de prosseguirmos, a despeito dos artifícios eventualmente
utilizados pelos proprietários para fragilizavam a família escrava, sobretudo no
momento da venda dos escravos, e, assim, tornar a alienação das suas “peças”
legais, cabe não perdermos de vista um dos importantes resultados decorrentes das
pesquisas do professor Robert Slenes. Ele identificou que, nas médias e grandes
propriedades com anos de operação, a estabilidade familiar foi uma realidade. Essa
estabilidade se exprimia na “existência de famílias extensas, contando com a
presença de três gerações e a convivência entre irmãos adultos e seus respectivos
filhos”472.
Podemos, em parte, corroborar essa proposição (maior fragilidade da família
escrava no momento da venda) por meio das escrituras de compra e venda de
escravos compulsadas em Rio Claro. A partir das informações decorrentes do
gráfico anterior, identificamos que pouco mais de 4,0% dos escravos eram casados
ou possuíam filhos. Quando lançamos mão de outras fontes documentais, por meio
das pesquisas de outros autores, os resultados mudam substancialmente, vejamos:
para Paraíba do Sul, João Luís Fragoso e Manolo Florentino, valendo-se de
inventários post-mortem, concluíram que 56,3% dos cativos pertenciam a famílias;
para Cruzeiro e Lorena, a partir de Listas de Classificação, José Flávio Motta e
Renato Leite Marcondes identificaram que 55,2% dos cativos viviam em famílias; por
fim, Renato Marcondes, também por meio de Listas de Classificação dos Escravos
para Emancipação, apontou que 52,8% dos escravos do município de Bananal,
viviam em família473.
472
Robert W. Slenes. Família escrava e trabalho. Tempo, Vol. 3-n° 6, Dezembro de 1998. p. 2-4.
473 Fragoso & Florentino, “Marcelino, filho de Inocência”, p. 156. Renato Leite Marcondes, A
propriedade escrava no Vale do Paraíba paulista durante a década de 1870, São Paulo, FEA/USP-Ribeirão Preto, 2000, p.13. José Flávio Motta & Renato Leite Marcondes, “A família escrava em Lorena e Cruzeiro (1874)”, População e família, 3 (2000), p. 110.
226
Gráfico 6
No conjunto de escrituras que envolveram a negociação de crianças escravas
(menores de 15 anos) apenas 56% possibilitaram a identificação da tipologia do
tráfico. No âmbito das escrituras que mencionaram o local de residência das partes
envolvidas na negociação, verificamos que o maior contingente de crianças foi
vendido por meio do comércio entre diferentes províncias do Império. Por essa
vertente do tráfico interno, 72% das crianças em questão, após, imaginamos, muita
aflição, castigos e fome, chegaram ao Oeste da província de São Paulo, por meio
das estradas, picadas e rios, além da cabotagem pela costa. As principais províncias
fornecedoras foram, no Nordeste, Maranhão e Bahia e, no Sudeste, Minas e Rio de
Janeiro. Por sua vez, a razão de sexo, envolvendo a totalidade das crianças
negociadas, ao longo dos anos 1870, em Rio Claro, foi de 200 meninos para cada
100 crianças cativas do sexo feminino.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º
e 2º) de Rio Claro. Coleta e compilação dos dados próprias.
25%
75%
Número de crianças escravas comerciadas em Rio Claro
(1870, 1871, 1876 e 1877)
Crianças escravas vendidas com os pais
Crianças escravas vendidas sem nenhuma referência aos pais
227
Gráfico 7
Provavelmente, parte destas transações envolvendo crianças escravas pode
ser explicada pela maior facilidade com que se habituavam às diferentes atividades
que formavam a labuta diária dos escravos; pela probabilidade de uma vida mais
longa dedicada ao trabalho; pela diferença entre o preço do escravo criança e
adulto; pela expectativa de venda futura; pela possibilidade de iniciar, desde cedo, o
aprendizado de algum ofício exigente de maior destreza etc.
Com relação a algumas das atividades desempenhadas pelas crianças
escravas, Rugendas fornece-nos informações relevantes, referindo-se às fazendas
do clero. Vejamos:
Até os doze anos as crianças (...) apenas limpam os feijões e
outros cereais destinados à alimentação dos escravos ou
cuidam dos animais, e executam pequenos trabalhos
domésticos. Mais tarde, as moças e os rapazes são
encaminhados para os campos. Quando um menino mostra
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º
e 2º) de Rio Claro. Coleta e compilação dos dados próprias.
7%
93%
Crianças escravas vendidas individualmente e no âmbito de grupos em Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877)
Escrituras que registraram apenas uma crinça escrava sendo negociado
Escrituras que registraram crinças escravas sendo vendidas no bojo de grupos
228
disposições especiais para determinado ofício, é-lhe este
ensinado, a fim de que o pratique na própria fazenda474.
Talvez, alguns destas crianças tenham sido vítimas do costume de dar
crianças escravas como presente, tal como comenta Warren Dean:
uma mulher de recursos desejando dar uma sincera mostra de
amizade, enfeitaria a filha ou filho pouco promissor de uma
escrava e enviaria a criança para o outro lado do município,
para a casa de uma neta ou sobrinha recém-casada. Às vezes
se registrava no termo de doação que a escrava valia tantos
mil-réis, uma maneira de mostrar o preço do presente, sem
dúvida, o que era sempre calculado com exagero. O presente
talvez fosse bem intencionado e bem recebido; a criança
poderia ser mimada e protegida. No entanto, que horror ver
uma menina tratada exatamente como se fosse uma boneca de
corda; e enquanto na sala as insípidas senhoras, aos gritinhos,
trocavam os costumeiros gracejos (...) sobre a menina de cinco
anos (...) como faria a mãe [e a filha - GR] para sufocar a dor
da separação?
Nos próximos gráficos, evidenciamos o percentual de pessoas traficadas
individualmente ou em grupo. Dos quase 500 indivíduos vendidos, identificamos o
caminho percorrido pelos cativos, em 272 casos. Temos, aí, o registro de 51 vendas
individuais e 221 envolvendo mais de um escravo. Quando comparamos os códices
que registraram vendas individuais ou não, apuramos a superioridade do tráfico
intraprovincial entre os escravos negociados individualmente (53%) e o largo
predomínio do comércio interprovincial, no âmbito dos cativos vendidos em grupo
(70%).
474
Rugendas, citado por Maria Lúcia Mott, A criança escrava na literatura de viagens. Cadernos de pesquisa, Fundação Carlos Chagas, nº. 31 (1972), p. 61.
229
Gráficos 8, 9 e 10
A distribuição dos escravos cuja venda foi registrada em Rio Claro, de acordo
com origem, sexo e tipo de tráfico é por nós demonstrada, na tabela abaixo. Dos
cativos que identificamos a tipologia do tráfico, 60,3% foram agenciados através do
tráfico interprovincial; 27,2% por intermédio do comércio intraprovincial e 12,5%, por
meio do mercado local. Observamos também que, passadas duas décadas da
interrupção das viagens dos tumbeiros entre a costa da África e o Brasil, o
contingente de escravos “de nação”, negociados em Rio Claro – se levarmos em
consideração os escravos vendidos para a fazenda Santa Gertrudes, como
comentado acima, cuja modalidade de tráfico não foi possível identificar – reduziu-se
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de
Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compi lação dos dados próprias .
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de
Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compi lação dos dados próprias .
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de
Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compi lação dos dados próprias .
27%
53%
20%
Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram apenas um escravo sendo negociado
(Rio Claro, 1870, 1871, 1876 e 1877)
Local Intraprovincial Interprovincial
9%
21%
70%
Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram mais de um escravo sendo negociado (Rio Claro, 1870,
1871, 1876 e 1877)
Local Intraprovincial Interprovincial
12%
35%53%
Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram cinco ou mais escravos sendo negociados (Rio Claro,
1870, 1871, 1876 e 1877)
Local Intraprovincial Interprovincial
230
para 4,2% (na década anterior, este grupo havia ocupado 10,2%) do conjunto de
cativos cujo tráfico identificamos.
Com relação à razão de sexo, para os “crioulos”, no âmbito do tráfico
intraprovincial, verificamos a maior dessemelhança: 670 homens para cada grupo de
100 mulheres. Quanto ao comércio local e interprovincial, temos, respectivamente,
130 e 430 homens por 100 mulheres comerciadas.
Tabela 7
Na tabela abaixo, evidenciamos os escravos que entraram ou saíram da
localidade em apreço, de acordo com sexo e modalidade do tráfico. O conjunto
destes cativos corresponde a 40% do total dos escravos negociados e 79% dos
escravos transacionados no interior da província paulista e no bojo do comércio
interprovincial. Com o panorama formado por estes dados, mais uma vez, notamos
larga ascendência do sexo masculino, em ambos os movimentos, assim como,
apreendemos extensa superioridade das entradas em relação às saídas, em ambos
Tráfico Sexo De nação* Crioulos **
Sem
identificação de
origem Total
Homens 1 9 10 20
Mulheres 0 7 7 14
Razão de sexo*** - 128,6 142,9 142,9
Total (H + M) 1 16 17 34
Homens 2 47 11 60
Mulheres 0 7 7 14
Razão de sexo - 671,4 157,1 428,6
Total (H + M) 2 54 18 74
Homens 1 81 39 121
Mulheres 0 19 24 43
Razão de sexo - 426,3 162,5 281,4
Total (H + M) 1 100 63 164* De origem africana.
** Nascidos nas Américas/Bras i l .
*** Número de homens para cada 100 mulheres .
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compi lação dos dados próprias .
Escravos negociados segundo sexo, origem e tipo de tráfico - Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877)
Loca
lIn
trap
rovi
nci
alIn
terp
rovi
nci
al
231
os movimentos475. Assim sendo, também durante a década de 1870, este município
não constituiu um entreposto de escravos, tal como afirmou W. Dean sobre a
dinâmica deste comércio no município, durante o período 1874-1885.
Tabela 8476
Com relação ao movimento interprovincial, que abarcou mais de 60% dos
escravos com tipo de tráfico identificado, o fluxo Nordeste-São Paulo, tal como
podemos notar a partir do gráfico ulterior, foi o mais relevante, compreendendo 58%
do total; sendo que desse conjunto, 78% foram direcionados para Rio Claro. Das
províncias do Norte e Nordeste do Império, Maranhão e Bahia foram as que mais
ofertaram escravos, 36% e 33% do total proveniente desta região do Império
brasileiro, respectivamente. Vale notar que os proprietários maranhenses obtiveram
um preço nominal médio mais elevado, pois enquanto venderam seus escravos, em
475
É importante termos em vista que provavelmente esta informação (n. de saídas) está subestimada, pois temos, neste caso, apenas os informes de Rio Claro. Muitos escravos podem ter deixado o município sem que sua venda tenha sido aí registrada.
476 As diferenças existentes entre o total de entradas e saídas ocorridas em Rio Claro, por meio do
tráfico intraprovincial e interprovincial e o total de escravos vendidos no âmbito dessas vertentes do comércio interno de cativos (ver tabela: Escravos negociados segundo sexo, origem e tipo de tráfico - Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877)) é decorrente do fato de que parte dos escravos (17 por meio do comércio intraprovincial e 33 através do interprovincial) foi direcionada para outros municípios de SP, apesar de a sua escritura de venda ter sido lavrada em Rio Claro.
Tráfico Sexo Entradas Saídas Total
Homens 37 8 45
Mulheres 12 0 12
Total (H + M) 49 8 57
Homens 91 0 91
Mulheres 40 0 40
Total (H + M) 131 0 131
Entradas e saídas de Rio Claro segundo sexo (1870, 1871, 1876 e 1877)
Intr
apro
vin
cial
Inte
rpro
vin
cial
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compi lação dos
dados próprias .
232
média, por 1:706$574, os baianos negociaram os seus por 1:232$793. Todavia, a
província que mais contribuiu com braços para a lavoura cafeeira do Oeste Paulista,
de acordo com as escrituras examinadas em Rio Claro, foi o Rio de Janeiro, então o
mais importante entreposto brasileiro de cativos. Apenas dessa província, saíram
com destino a São Paulo/Rio Claro, 24% dos escravos que sofreram as agruras da
mercancia interprovincial.
Para nos aproximarmos dos ganhos resultantes das vendas interprovinciais,
partimos dos dados decorrentes de uma das regiões que mais ofertou escravos para
a monocultura cafeeira rio-clarense, ao longo da década de 1870: o agreste baiano.
Para tanto, partimos dos dados relativos à localidade baiana de Caetité. Ela foi
importante centro econômico regional, principalmente por se localizar na saída da
Bahia para Minas Gerais e por seus caminhos se estenderem até Goiás, assim,
mantendo contato com o Sudeste e o Centro-Oeste do Império. No final do século
XIX, na Bahia, Caetité se projetou por sua dimensão territorial, densidade
populacional e extensão da agropecuária477.
De acordo com os dados dessa localidade, compulsados por Evaristo
Fagundes Neves, em 1871, o preço nominal médio dos escravos jovens (de 15 a 29
anos de idade) de ambos os sexos era de 1:050$000 e, em 1879, aumentou para
1:450$000478. Para o ano de 1871, em Rio Claro, identificamos 25 escravos de
ambos os sexos pertencentes à faixa etária mencionada. Estes eram vendidos, em
média, por 2:024$000, portanto, na cidade que temos em apreço, estes cativos eram
comerciados por um preço 93% maior. Com relação a 1879, para este município do
Oeste Paulista, levantamos 54 escravos e escravas com idades entre 15 e 29 anos.
O grupo alcançou um preço médio de 1:920$685, permitindo um ganho de pouco
mais de 10%. Portanto, mesmo se considerarmos que os fazendeiros, produtores
etc. não fossem inteiramente calculistas, mesmo os encarando como burgueses
imperfeitos que confessavam, em diferentes oportunidades, aspirações de natureza
muito tradicionais (hipóteses que não compartilhamos), aqueles que comerciavam
seus escravos obtinham recorrentemente ganhos consideráveis.
477
Evaristo Fagundes Neves, Sampauleiros traficantes: comércio de escravos do alto sertão da Bahia para o Oeste Paulista. Afro-Ásia. 24 (2000), 97-128. p. 98.
478 Idem. p. 111.
233
Gráfico 11
A seguir, associamos os nossos dados relativos a idade, sexo, origem e preço
nominal médio. A partir do resultado obtido, fica claro que, para além do sexo, como
já comentamos acima, a idade era fator determinante na valorização dos escravos.
Além disso, ao confrontarmos os dois gráficos posteriores, verificamos ser ratificada
a esperada disparidade na distribuição etária, de acordo com a origem dos escravos.
Não há cativos “de nação” registrados com idade inferior a 38 anos, que tornava a
importação desses africanos legal, de acordo com lei de 7 de Novembro de 1831.
Certamente, porém, parte destes escravos foi comerciada, apesar de
provavelmente juridicamente livres, pois a preponderância dos interesses vinculados
à grande lavoura foi suficientemente grande para que a lei não fosse observada. Por
essa razão, o tráfico e os seus horrores prosseguiram com a mesma intensidade.
Destarte, alguns dos escravos que formam os dados aqui apresentados,
provavelmente fizeram parte dos três a quatro mil cativos, em média,
desembarcados no país, por ano, entre 1840 e 1850.
Nordeste* para São Paulo²
Sul** para São Paulo
MG para São Paulo
RJ para São Paulo
* Alagoas , Bahia , Ceará, Maranhão, Para iba, Pernambuco, Piauí e Sergipe
** Parana e Rio Grande do Sul
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro.
Coleta e compi lação dos dados próprias .
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Nordeste* para São Paulo² Sul** para São Paulo MG para São Paulo RJ para São Paulo
Tráfico interprovincial: nordeste, sul , MG e RJ para a província de São
Paulo e Município de Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877)
Rio Claro Outros municípios paulistas ***
234
Além da compra dos escravos de nação feita pela Fazenda Santa Gertrudes,
já comentada, ocorreram outras cinco transações envolvendo africanos, todas
realizadas ao longo do ano de 1870. No bojo destes negócios, o único vendido
individualmente foi Timóteo. Escravo de 45 anos, com experiência na lida com o
eito, vendido por Francisco H. M., residente na cidade de São Paulo, a Antonio
Barbosa Ferras, morador de Rio Claro, pelo preço de 1:270$000479.
Dentre os escravos identificados como ‘crioulos’, os adultos jovens, de 15 a
29 anos, que conformavam 65% do total (313 pessoas). A razão de sexo para essa
fração etária foi de 300 homens para cada grupo de 100 mulheres. Ao passo que os
cativos ‘crioulos’, do referido recorte etário, foram vendidos por 1:793$389, em
média; os africanos foram agenciados por 1:332$837, representando 74% do preço
dos primeiros.
Outro aspecto importante surge quando apreciamos a variável gênero. Como
vemos abaixo, havia disparidades consideráveis, referentes ao preço nominal médio,
no interior de cada grupo etário.
479
O documento relativo à negociação destes escravos se encontra no arquivo do 2º Cartório de Notas e Protestos de Rio Claro. Livro III, Folha 102, verso.
235
Gráfico 12480
480
As diferenças encontradas (relativas ao no de escravos transacionados) entre alguns dos dados
expostos nos três próximos gráficos com os dados da tabela intitulada Escravos negociados segundo sexo, origem e tipo de tráfico são decorrentes do fato de o registro da venda de alguns escravos não incluírem a idade dos comerciados. Portanto, esses casos foram contabilizados na referida tabela e não nesses gráficos.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio
Claro. Coleta e compilação dos dados próprias.
< 15 anos De 15 a 29anos
De 30 a 45anos
De 46 a 55anos
Mais de 55anos
12 escravos, 1.332.837
2 escravos1.483.796
1 escrava, 1.267.592
Escravos 'de nação' negociados segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio (Réis) (Rio Claro, 1870, 1871, 1876 e 1877)
Homens Mulheres
4 escravos1.238.194
236
Gráfico 13
A seguir, agregamos os dados concernentes ao tipo de tráfico, idade, sexo e
preço nominal médio dos cativos. Com os dados assim organizados, além do
comércio interprovincial ter sido preponderante481, apreendemos: (i) A ascendência
dos homens, sobretudo no âmbito das modalidades de tráfico onde encontramos
maior número de observações, ou seja, intraprovincial e interprovincial. Entre os
escravos, de 15 a 29 anos, transacionados entre diferentes províncias, por exemplo,
a razão de sexo foi de 260 homens para cada grupo de 100 mulheres; (ii) Quando
observamos as diferentes variedades de tráfico interno, constatamos, ainda, a
preponderância das vendas de indivíduos com idade entre 15 e 29 anos, os quais
corresponderam a 74% dos escravos movimentados por meio dos negócios
intraprovinciais e 61% e 55% no campo dos mercados interprovincial e local.
Por seu turno, quando confrontamos preço e sexo, a desigualdade é notória.
Por exemplo, se, mais uma vez, observarmos os sujeitos com idade entre 15 e 29
481
Com estes dados em vista, podemos qualificar a proposição de W. Dean, segundo a qual, a partir de 1873, quase todos os escravos eram provenientes de outras províncias. De acordo com os dados preservados pelos cartórios de Rio Claro, temos: o tráfico interprovincial envolveu 164 indivíduos, o intraprovincial, 74 escravos e o local 34. Cf. Warren Dean, Op. Cit. p. 67.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio
Claro. Coleta e compilação dos dados próprias.
< 15 anos De 15 a 29anos
De 30 a 45anos
De 46 a 55anos
Mais de 55anos
49escravos, 1.739.577
152 escravos, 2.067.146
1 escrava,1.267.592
2 escravos, 1.476.852 1 escravo, 700.000
17 escravas, 1.332.527
50 escravas, 1.512.123
19 escravas,1.316.744
21 escravos, 1.793.389
1 escrava,1.686.111
Escravos 'crioulos' negociados segundo faixa etária, sexo e preço
nominal médio (Réis) (Rio Claro, 1870, 1871, 1876 e 1877)
Homens Mulheres
237
anos482 identificamos o seguinte: à medida que no fluxo interprovincial o preço das
mulheres correspondia a 67% do preço dos homens, no contexto intraprovincial e
local, esta relação era, respectivamente, de 76% e 69%. Por fim, ao compararmos o
preço dos cativos agenciados pelas três esferas de tráfico, percebemos que os
homens e as mulheres trocados de mãos, por meio do mercado intraprovincial,
alcançaram os maiores preços.
Gráfico 14
482
A preponderância dos escravos com idades entre 15 e 29 anos, ao longo da década de 1870, também foi constatada, reiteradamente, por José Flávio Motta, Op. Cit., 2012.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro.
Coleta e compilação dos dados próprias.
< 15 anos De 15 a 29 anos De 30 a 45 anos De 46 a 55 anos Mais de 55anos
2 escravos.1.350.000
11 escravos.2.119.091 6 escravos.
1.413.333
1 escravo.1.700.000
3 escravas.1.226.667
7 escravas1.458.571
3 escrava.1.433.333
Escravos negociados no tráfico local segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio (Réis). Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877).
Homens Mulheres
238
Gráfico 15
Gráfico 16
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta
e compilação dos dados próprias.
< 15 anos De 15 a 29 anos De 30 a 45 anos De 46 a 55 anos Mais de 55 anos
10 escravos.2.088.333
44 escravos.2.205.455
6 escravos.1.855.000
1 escrava.2.000.000
11 escravas.1.667.273
2 escravas.1.583.333
Escravos negociados no tráfico intraprovincial segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio- (Réis). Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877).
Homens Mulheres
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta
e compilação dos dados próprias.
< 15 anos De 15 a 29 anos De 30 a 45 anos De 46 a 55 anos Mais de 55 anos
32 escravos.1.632.547
71 escravos.2.023.096
13 escravos.1.701.980
2 escravos.1.809.722
1 escravo.700.000
10 escravas.1.246.977
27 escravas.1.364.163
2 escravas.1.279.419
2 escravos.1.193.056
Escravos negociados no tráfico interprovincial segundo faixa etária, sexo e
preço nominal médio- (Réis). Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877).
Homens Mulheres
239
Quando direcionamos nossa atenção ao grupo etário mais significativo
presente nas distintas vertentes do comércio interno de cativos (escravos adultos
jovens com idade entre 15 e 29 anos) e às escrituras que registraram a venda de
apenas um indivíduo, chegamos aos resultados expostos na tabela abaixo483.
Tabela 9
Para concluirmos nossas apreciações sobre os dados acerca do tráfico
interno de escravos, registrados em Rio Claro, durante os anos 1870, resta fazermos
algumas notas sobre a relação ocupação/experiência versus preço.
483
A partir desses dados, temos possibilidade de evitar algumas distorções, presentes nos preços que aparecem nos gráficos anteriores – essas derivam das médias dos preços dos escravos jovens (15 – 29 anos), uma vez que levam em consideração grupos de indivíduos com idades, sexo, experiências etc. distintas.
Homens Mulheres
Preço Preço
2.246.000 1.350.000
Homens Mulheres
Preço Preço
2.145.833 1.674.000
Homens Mulheres
Preço Preço
2.060.000 1.300.000
Local
Intraprovincial
Interprovincial
Escravos jovens (15 - 29 anos de idade) negociados
individualmente de acordo com: tipo de tráfico, sexo e
preço nominal médio (Rio Claro, 1870, 1871, 1876 e 1877).
Em Réis.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas
pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e
compilação dos dados próprias.
240
Encontramos, em 208 casos, menção à existência de habilidades específicas
dos escravos agenciados. O maior grupo, 134 pessoas, era composto por escravos
com experiência de lavoura. Além dos homens serem maioria, a idade média dos
escravos e escravas dedicados ao lavradio era de 24 anos. A segunda ocupação
que envolveu o maior número de escravos foi a dos serviços domésticos. Aí, as
mulheres eram preponderantes. Expomos as demais ocupações na tabela abaixo.
Verificamos, outrossim, que dentre os homens destinados à lavoura a idade média
dos escravos comerciados individualmente e o seu preço médio foram
respectivamente de 20,6 anos e 2:156$154. Os maiores preços individuais foram
alcançados pelos proprietários do carpinteiro Manoel, crioulo, solteiro de 21 anos,
vendido por meio do tráfico intraprovincial e do pedreiro Matias de 22 anos de idade.
Enquanto o primeiro foi alienado por 2:500$000 o segundo foi vendido por
2:470$000. Com relação às escravas, a mucama Fátima – fula, crioula, de 25 anos,
vendida a Ignácio Xavier Negreiros por 1:850$000, no domínio do comércio
intraprovincial (Santos-Rio Claro) – foi a que atingiu maior preço484.
484
O documento relativo à negociação desta escrava encontra-se no arquivo do 2º Cartório de Notas e Protestos de Rio Claro. Livro III, Folha 121. Vale termos em vista que outro destino admissível para algumas cativas “qualificadas” era a prostituição. Por exemplo, segundo Richard Graham: “Honorata foi trazida por sua senhora, uma lavadeira, da Bahia no início da década de 1860 e foi forçada à prostituição com 12 anos. Quando tinha cerca de 19 anos, por vezes teve que se virar por conta própria, pagando semanalmente uma determinada soma para sua senhora, providenciando sua própria casa, roupas, comida e encontrando seus clientes. [Por sua vez,] Corina, uma mulata, foi vendida para o tráfico na Bahia com 20 anos, em março de 1867, e foi logo a seguir comprada, de um fornecedor na cidade do Rio de Janeiro, por uma mulher negra de meia-idade, proprietária de bordel muito conhecida por sua coleção de “belíssimas (....) mulatinhas escravas (...) todas elas mais ou menos claras (...) todas moças, quase implumes”. Richard Graham, Nos tumbeiros... Op. Cit. p. 146.
241
Tabela 10
III. Tráfico interno de escravos: Araras, 1875-1880
Em Araras, compulsamos os Livros Cartoriais relativos à compra e venda de
escravos existentes no município, preservados pelo 1º Cartório de Notas e
Protestos. Aí, encontramos 323 transações de compra e venda de cativos, divididas
em 110 escrituras, que perpassaram o período 1875-80.
Além da importância decorrente de sua produção cafeeira, do número de
negociações envolvendo escravos e da absorção de imigrantes, a análise das
informações constantes nos seus Livros de Notas que registraram a comercialização
de escravos ganha importância, pois complementa e conclui o nosso exame sobre a
parte da zona da Baixa Paulista, cujas terras foram primeiramente engolfadas pela
Ocupação Homens Mulheres
N. de escravos N. de escravas
Lavradores 99 35
Pedreiros 3 0
Serviço doméstico e de lavoura9 9
Mucamas 0 1
Serviços Domésticos 9 33
Carpinteiros 4 0
Ferreiros 1 -
Sapateiros 1 0
Oleiros 1 0
Cozinheiros 1 2
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos
Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compi lação dos
dados próprias .
Escravos negociados em Rio Claro segundo sexo e ocupação
(1870, 1871, 1876 e 1877)
242
contínua marcha dos cafeeiros485, uma vez que preenche algumas lacunas
existentes nas séries de dados que levantamos sobre Rio Claro486.
Quando lemos as escrituras que compõem os livros destinados ao registro da
compra e venda de escravos em Araras, além de encontrarmos o lançamento de
uma procuração487 – que possibilitou ao outorgado realizar a compra, imediatamente
subsequente, de uma escrava –, e a doação da cativa Joana, cozinheira, de 40 e
poucos anos488, deparamo-nos com um códice o qual consignava a venda de parte
de um escravo. Essa venda ocorreu aos 16 de setembro de 1877, quando Messias
Franco Alves, residente na Villa de Nossa Senhora do Patrocínio das Araras, alienou
a parte que possuía no escravo Felix, fulo, solteiro, com boa aptidão para o serviço
da lavoura e matriculado na coletoria da cidade de Limeira. Assim o documento
assentou a transação:
o vendedor vende, como de fato tem vendido ao comprador,
Antonio Chrispim Alves, pelo preço de seiscentos mil réis que o
comprador recebe em dinheiro corrente e da quitação e
traspassa na pessoa do mesmo toda posse, domínio e
senhorio que conjuntamente com o mesmo comprador tinha
em dito escravo, ficando somente de sua propriedade de hoje
para sempre489.
Por meio dos 110 códices que de fato registraram a comercialização de
escravos, é possível percebermos múltiplas características marcantes. Por exemplo,
485
Araras encontra-se a pouco mais de 25 Km em linha reta de Rio Claro.
486 Com relação aos dados de Rio Claro, há duas lacunas significativas, quais sejam: (i) Entre 1871-
1875, não há dados; (ii) Entre 1878-1883, não há dados. Estes importantes vazios justificam-se, provavelmente, pelo extravio de dois dos cinco livros que eram preservados pelo 2º Cartório de Notas e Protestos do município.
487 Escrituras de Compra e Venda de Escravos, preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de
Araras. Livro I. p. 44.
488 Escrituras de Compra e Venda de Escravos, preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de
Araras. Livro I. p. 69v.
489 Escrituras de Compra e Venda de Escravos, preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de
Araras. Livro I. p. 61.
243
em várias dessas transações, por mais que os proprietários buscassem omitir a real
situação do escravo (idade, filiação etc.), como procuramos evidenciar com alguns
dados expostos à frente, diversos negócios realizados explicitaram os efeitos das
promulgações que visavam coibir a venda de crianças desacompanhadas dos pais.
Referimo-nos ao decreto nº 1695, de 15 de setembro de 1869490, e à Lei Rio Branco.
Destarte, podemos ilustrar a apreensão dos proprietários em convalidar a transação
perante a lei, por exemplo, por meio da venda realizada aos 16 de junho de 1876,
entre Manuel da Silveira Maciel e José Martinho Pacheco, este morador de Araras,
aquele de Minas Geras. Esta venda envolveu 4 crianças e 4 escravos adultos, que
formavam dois casais, compostos por Balbina, de 23 anos, e Camilo, de 28, ambos
crioulos e matriculados em Itajubá; e por Francisca e Manoel, ambos com 30 e
poucos anos. O primeiro casal foi identificado como sendo pais de duas das crianças
mencionadas, Esmeria e Procópio, de 8 e 9 anos respectivamente e, o segundo,
como pais de Generosa, de 13 anos de idade, e Francisco, de 9. Todavia, como
também indicaremos à frente, ocorreram muitas vendas de crianças (menores de 15
anos), desacompanhadas dos pais.
Além desses aspectos, talvez a marca mais manifesta seja a recorrente
disparidade entre o número de homens e mulheres. Quando organizamos os dados
para acessarmos o número de escravos transacionados segundo sexo e ano de
registro da escritura, tal como no gráfico a seguir, notamos os anos em que esta
diferença foi mais marcante: 1877 e 1879. Para o primeiro ano referido, encontramos
o registro de 440 homens por cada grupo de 100 mulheres transacionadas. Com
relação ao último ano do nosso recorte temporal, a razão de sexo foi de 270
escravos por 100 escrava.
490
Texto completo disponível em: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral .action?id=58079&norma=73932. Acesso em: 17.abr.2012.
244
Gráfico 17
Observamos, também, as vendas mais volumosas nos anos 1876 e 1879,
quando, respectivamente, 91 e 71 escravos foram negociados. Das 323 vendas
registradas, pouco menos de 80% abarcaram mais de um escravo.491 19 escrituras
registram a venda de 5 a 10 escravos, 5 evidenciam os negócios envolvendo mais
de 10 escravos e várias outras compreenderam mais de um escravo – a média das
vendas foi de 2,97 escravos por escritura.
Os dois negócios mais alentados realizados em Araras, entre 1875-1880,
envolveram a comercialização de 14 e 16 escravos. A primeira transação foi
realizada no “ano de nascimento do Nosso senhor Jesus Christo de mil oito centos e
setenta e sete, aos doze dias do mês de setembro”. Estes escravos foram
comerciados por 2:000$000 cada. Eram todos homens, solteiros, com idades entre
491
17 escrituras registraram a venda de 5 a 10 escravos, 5 registraram os negócios envolvendo mais de 10 escravos e várias outras vendas envolveram mais de um escravo. Os dois negócios mais robustos realizados em Araras, entre 1875-1880, envolveram a compra-venda de 16 e 14 escravos. A primeira foi realizada em março de 1878 e a segunda em dezembro de 1877. Cf. escrituras de Compra e Venda de Escravos, preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de Araras. Livros I e II.
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de Araras .
Coleta e compi lação dos dados próprias .
0
10
20
30
40
50
60
1875 1876 1877 1878 1879 1880
Número de escravos transacionados segundo sexo e ano de registro da escritura . Araras , 1875-1880
Homens Mulheres
245
14 e 30 anos. O documento que formalizou esta venda não mencionou o local de
residência do vendedor, contudo, o ajuste provavelmente ocorreu no âmbito do
tráfico interprovincial, pois todos os escravos foram matriculados em províncias do
“Norte” do Império, com exceção de um, registrado no RJ. Já a venda acertada em
março de 1878 compreendeu 11 homens e 5 mulheres, cada um alienado por
1:585$714. A idade dos escravos variou, majoritariamente, entre 13 e 21 anos e a
das escravas, entre 14 e 25 anos. Todos estes cativos foram negociados entre o Rio
Grande do Sul e Araras, eram solteiros e sem nenhuma destreza específica
explicitada492. Esta transação, vale notar, registrou para a segunda metade da
década dos 1870, o maior deslocamento legal de cativos do Sul do país para Araras.
Além dela, houve apenas mais três transações entre o Sul do Império e Araras, duas
envolvendo dois escravos e uma venda individual493.
Como já indicamos anteriormente, a forma de assentamento das informações
nas escrituras ocasionou alguns problemas para compulsarmos os dados
inventariados para a análise. Quando nos detivemos nas duas negociações mais
volumosas que acabamos de mencionar, novamente ficaram patentes os possíveis
equívocos resultantes das escrituras não mencionarem o preço de cada indivíduo,
mas sim o preço do conjunto dos escravos vendidos, não permitindo indicarmos com
precisão o preço nominal médio das pessoas traficadas em função de suas idades,
aptidões etc. Por conseguinte, na maioria das ocasiões, quando alienados em
conjunto, na média, os cativos das mais distantes idades e habilidades aparecem
com o mesmo preço. Destarte, a escritura da segunda venda indicada acima, após
mencionar a cor, o nome, a idade, que tinham boa aptidão para o trabalho e o local
de matrícula dos escravos, assentou que os vendedores presentes e os
procuradores dos ausentes disseram, com relação aos
escravos acima descritos cedê-los, como de fato cedidos tem
(...) ao comprador José de Lacerda Guimarães pelo preço de
vinte dois contos e duzentos mil réis, que deverão ser
492
Sobre esta rota do tráfico interno (sul - sudeste) ver: Rafael da Cunha Scheffer. Comércio de escravos do sul para o sudeste, 1850-1888: economias microrregionais, redes de negociantes e experiência cativa. Tese de Doutorado. IFCH, UNICAMP. 2012.
493 Cf. escrituras de Compra e Venda de Escravos, preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos
de Araras. Livro I. p. 59v.
246
recolhidos do comprador em dinheiro corrente, pelo que dão
quitação, cedendo-lhe e passando-lhe todo o domínio e
senhorio que em ditos escravos tinham para que ele,
comprador, possa gozar dos seus serviços como seus que
ficam sendo de hoje para sempre494.
A seguir, apontamos o número de escravos adultos jovens (entre 15 e 19
anos) negociados em Araras, entre 1875-80, e a dinâmica do preço nominal médio
deste grupo.
Gráfico 18
494
Cf. escrituras de Compra e Venda de Escravos, preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de Araras. Livro I. p. 65.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de Araras.
Coleta e compilação dos dados próprias.
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
1875 1876 1877 1878 1879 1880
N. de escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos em Araras (1875-1880)
Número de escravos homens Número de escravos mulheres
247
Gráfico 19
Com relação aos escravos e escravas vendidos individualmente, formulamos
a tabela a seguir. Com ela, mais uma vez, verificamos o quão distinto são os preços
dos indivíduos negociados em grupo daqueles vendidos individualmente.
Tabela 11
Os gráficos anteriores (que levam em consideração os escravos vendidos em
grupo ou não) nos consentem visualizar que o movimento do preço médio nominal
dos homens, de 15 a 29 anos, além de formar curiosamente um espelho em relação
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de Araras . Coleta e
compi lação dos dados próprias .
1.000.000
1.200.000
1.400.000
1.600.000
1.800.000
2.000.000
2.200.000
2.400.000
1875 1876 1877 1878 1879 1880
Preços médios nominais , em Contos de Réis, dos escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos em Araras (1875-1880)
Homens Mulheres
Número de
escravosIdade Média Mediana
Desvio-
PadrãoPreço médio
Número de
escravasIdade Média Mediana
Desvio-
PadrãoPreço médio
1875 2 17,0 17,0 1,00 2.250.000 2 22,5 22,5 4,50 1.800.000
1876 3 20,6 21,0 2,05 2.266.667 6 20,0 21,0 3,53 1.500.000
1877 6 19,8 19,5 3,39 2.225.000 1 17,0 17,0 0,00 1.280.000
1878 - - - - - 2 18,0 18,0 3,00 1.800.000
1879 2 26,0 26,0 2,00 1.700.000 5 20,2 18,0 4,96 1.510.000
1880 - - - - - 5 18,8 17,0 3,97 1.370.000
N. de escravos, sexo, idade média, mediana, devio padrão e preços médios nominais dos escravos adultos jovens
(15-29 anos) vendidos individualmente em Araras, 1875 - 1880
Ano
Homens Mulheres
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compi lação dos dados próprias .
248
ao preço das mulheres (até 1879), esteve sempre acima da variação do preço delas
(com exceção de 1880) e, mormente, dentro do intervalo 2:200$000-1:800$000.
Como já mencionamos, esta diferença, pode ser atribuída, sobretudo, à maior
produtividade do trabalho dos homens e também em virtude da possível preferência
dos vendedores em preservar as mulheres envolvidas nos afazeres domésticos.
Esse aspecto pode ter tido alguma relevância, mas, sem dúvida, a demanda por
trabalhadores agrícolas propiciada pelos cafezais é o fator explicativo
preponderante495. Encontramos, ao longo do período em questão, a maior distância
entre o preço de ambos os sexos, em 1875, quando o preço das mulheres foi de
1:132$000 e o dos homens, 2:243$878. Em contrapartida, encontramos a maior
proximidade de preços em 1880, quando os preços coincidiram.
Quando confrontamos o preço dos escravos comerciados individualmente e
em grupo, ao longo dos anos 1875-1880, encontramos os seguintes resultados: no
primeiro grupo, os homens alcançaram preço nominal médio de 1:967$645 e as
mulheres, 1:967$645. Por sua vez, os escravos comerciados individualmente, foram
transacionados por 1:968$333 (homens) e 1:606$000 (mulheres).
Brevemente, podemos exemplificar as vendas que obtiveram os maiores
preços, por meio dos exemplos a seguir. No primeiro ano em questão, o maior preço
alcançado por uma venda foi de 2:500$000. Esse preço diz respeito à venda do
escravo João, negociado individualmente, em 13/10/1875, por meio do tráfico
interprovincial (Maranhão-Araras). João, originário do Piauí, era pardo, solteiro e
tinha 18 anos. A escritura que registrou esta transação não apontou nenhuma
habilidade especial deste escravo. Já as cativas que atingiram os preços mais
elevados foram Antonia e Marcolina, ambas vendidas individualmente, em maio de
1875, por 1:800$000, a primeira (parda, solteira, 18 anos, sem habilidades
mencionadas), por intermédio do tráfico intraprovincial (Rio Claro-Araras) e a
segunda (preta, solteira, 27 anos, cozinheira), por meio do local496. Com relação a
1878, ano cujos preços foram mais similares, os homens atingiram seu maior valor
em uma venda envolvendo três escravos no comércio interprovincial (Bahia-Araras),
495
Cf. Richard Graham, Nos tumbeiros... OP. Cit. p. 135.
496 Cf. Escrituras de Compra e Venda de Escravos, preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos
de Araras. Livro I. p. 6.
249
todos pretos, homens, solteiros, com idades de 18, 20 e 29 anos (ou seja,
pertencentes ao intervalo etário de 15-29 anos), sem aptidões aludidas, vendidos
cada um por 2:300$000. Joana foi a escrava mais cara, vendida por 1:970$000.
Tinha 40 anos, era de cor preta, cozinheira e solteira497. Outrossim, as séries de
dados que compulsamos em Araras, para os anos 1875-1880, apontam que entre 25
e 29 anos de idade os senhores recebiam, no ato da venda das escravas, 77% do
preço dos cativos.498
Por sua vez, além de notarmos a ausência de diferenciação no preço dos
escravos jovens em virtude do local de residência do vendedor, no que diz respeito
ao preço das crianças escravas, observamos que as de 6 a 8 anos de idade (as
mais novas vendidas individualmente) alcançaram um preço nominal médio de
1:075$000. Já entre as de 10-12 anos, encontramos em Araras, três escrituras que
registraram apenas a venda de uma criança. O preço médio alcançado por elas foi
de 1:150$000. Nos três casos, foram vendidas por meio do mercado interprovincial.
Quando dispomos os dados para levantarmos certas informações relativas às
famílias escravas (estado conjugal e filhos declarados), avaliamos, como já
postulado anteriormente, que os números podem refletir a reação dos proprietários
de escravos (pautada pela omissão da existência de filhos e casais) à Lei de 1869 e
à Lei Rio Branco (28 de setembro de 1871), pois apenas 3,7% das escrituras
indicam o estado conjugal dos escravos e tão somente 13,1% delas apontam a
existência de filhos. A Lei Rio Branco decretou, dentre outras coisas, a nulidade de
todas as vendas de escravos que resultassem na separação do marido da mulher e
497
Cf. Escrituras de Compra e Venda de Escravos, preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de Araras. Livro I. Págs. 64 e 69v. Gostaríamos de chamar a atenção para o fato de que as informações relativas à cor da pele mencionada nas escrituras e sua relação com o sexo, a idade, o número de indivíduos transacionados e o preço nominal médio desses para as tabelas que formam o Anexo V desta pesquisa. Tal como constatamos na tabela relativa ao município de Araras, entre 1875-1880, percebemos que a cor não constituiu fator definidor dos preços dos escravos. Quando organizamos o nosso banco de dados para levantarmos os preços dos escravos jovens vendidos sozinhos, segundo a cor da pele mencionada na escritura, temos o seguinte quadro (decorrente dos grupos mais representativos): (i) 8 escravos pretos, comerciados por 2:206$250; (ii) 10 escravas pretas vendidas por 1:483$000; (iii) 3 escravos pardos transacionados, em média, por 2:200$000; (iv) 8 cativas pardas negociadas pelo preço nominal médio de 1:575$000.
498 Cf. Fogel, R. & Engerman, S. Time on the cross: The economics of American negro-slavery. (Nova
Iorque: Little, Brown, 1974), 75. Bergad. Op. Cit., 266. A partir de longas séries históricas, Fogel e Engerman (sul dos EUA) e Bergad (Minas Gerais) concluíram que os senhores recebiam em decorrência da venda de uma escrava por volta de 80% do preço de venda de um escravo do sexo masculino, quando esses tinham 27 anos de idade.
250
do filho do pai ou da mãe, salvo quando os filhos fossem maiores de 12 anos, o que
minorava a liquidez dos escravos.
Gráfico 20499
Com estes dados em vista é importante não olvidarmos que, tal como propõe
José Flávio Motta e Renato Leite Marcondes, se afastarmo-nos do âmbito da família
nuclear ou matrifocal, e “pensarmos no elenco dos tios, avós, sogros, cunhados etc.,
e mesmo indo mais além, nas relações de compadrio, a preservação observada da
família não significa a manutenção da rede de relacionamentos, firmada pelos
escravos, decerto complexa. Como nos dizem os autores, é indiscutível que o
comércio escravo representou um dos elementos da violência inerente ao sistema
499
Neste gráfico, 5 crianças escravas (menores de 15 anos de idade) que aparecem como filhos de outros escravos também foram contabilizadas como solteiras, em virtude da descrição feita na escritura de suas vendas. Vale ressaltar que este gráfico não contempla ingênuos, mas apenas crianças escravas.
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de Araras . Coleta e compi lação dos dados
próprias .
3,4%
4,9%
78,6%
13,1%
Estado conjugal e filhos declarados de acordo com as Escrituras de Compra e Venda de Escravos - Araras (1875-1880)
Casados Escrituras que mencionavam a existência de filhos (crianças escravas) Solteiros Sem informação
251
escravista. Todavia, podemos aventar que para diversos cativos o fado da venda
não significou a plena ruína da vida familiar500.
Mais uma vez, os dados relativos às crianças escravas vendidas com ou sem
os pais, sozinhas ou em grupo corroboram a hipótese aventada. Enquanto 76% dos
escravos com menos de 15 anos foram vendidos sem nenhuma referência aos pais,
83% das vendas das crianças cativas ocorreram no bojo de uma turma de escravos.
Dentre as crianças comerciadas em grupo, o tráfico interprovincial teve primazia,
envolvendo 56% de todas as crianças enviadas para o Oeste da província de São
Paulo, cujas vendas foram registradas em Araras. Ainda, encontramos nesta
paragem 130 escravos por 100 escravas transacionadas.
Gráfico 21
Felícia foi exemplo de uma das escravas comerciadas individualmente por
meio do tráfico interprovincial. De 11 anos de idade, preta, crioula, natural de Minas
Gerais, foi uma das crianças vendidas por meio do comércio interprovincial. Esta
500
José Flávio Motta & Renato Leite Marcondes, “O comércio de escravos no Vale do Paraíba paulista: Guaratinguetá e Silveiras na década de 1870”, Estudos Econômicos, vol. 30, nº 2, (2000), p. 293.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de
Araras. Coleta e compilação dos dados próprias.
21%
79%
Número de crianças escravas comerciadas em Araras, 1875 - 1880.
Crianças escravas vendidas com os pais
Crianças escravas vendidas sem nenhuma referência aos pais
252
escrava foi comerciada, em agosto de 1876, pelo traficante mineiro Clemente
Bittencourt para Antonio José de Castro Junior, morador de Araras, por 1.050$000.
Por sua vez, em outubro de 1876, um grupo de 5 proprietários vendeu sete
escravos, três dos quais menores de 15 anos, por intermédio do tráfico
interprovincial, para Augusto Cincinato de Almeida Lima, morador de Araras. Esta
negociação envolveu três mulheres e um homem, além das três escravas crianças
de 11, 12 e 14 anos de idade, todas pardas, solteiras e naturais da Bahia. Em
função dos 4 adultos jovens envolvidos – a média de idade foi de 20 anos –, as
crianças foram negociadas por um preço médio nominal de 1.321$429. Temos aqui,
mais uma vez, as recorrentes distorções ocasionadas pela não identificação do
preço individual dos cativos transacionados.
Gráfico 22
As crianças escravas, importa notarmos, além de terem desempenhado os
diversos trabalhos já indicados, foram responsáveis por uma função que apenas
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de
Araras. Coleta e compilação dos dados próprias.
17%
83%
Crianças escravas vendidas individualmente e no âmbito de grupos.
Araras, 1875 - 1880.
Escrituras que registraram apenas uma crinça escrava sendo negociado
Escrituras que registraram crinças escravas sendo vendidas no bojo de grupos
253
elas poderiam levar à frente: gerar e preservar o leite da mãe501. Daí, talvez a razão
delas, em uma época um pouco mais recuada, acompanharem as mães nos navios
negreiros, em condições que muitas vezes, acarretavam a sua morte, e de alguns
proprietários oferecerem cuidados especiais para as escravas grávidas e para
aquelas paridas há pouco.
Dando um passo à frente, nos dois gráficos abaixo, arranjamos os dados para
vislumbrarmos a porcentagem de escravos negociados em grupo ou individualmente
por meio das três modalidades de tráfico.
Dos 323 escravos comerciados, ao longo dos anos em apreço, identificamos
a modalidade do tráfico (local, intraprovincial e interprovincial) para 241. Partindo
desta constatação, ao relacionarmos os registros comerciais que envolveram vendas
individuais ou em grupo com a modalidade de comércio interno de cativos, desponta
a preeminência do tráfico interprovincial entre os escravos mercadejados em grupo
(80%) e, também, entre aqueles vendidos individualmente (42%). Como veremos à
frente, estes dados corroboram as proposições que afirmam ter sido intenso o tráfico
interprovincial, ao longo da segunda metade dos anos 1870, principalmente em sua
vertente Nordeste–Oeste Paulista.
Gráficos 23 e 24
501
Idem. p. 92.
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de
Notas de Araras . Coleta e compi lação dos dados próprias .
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º
Cartório de Notas de Araras . Coleta e compi lação dos dados próprias .
37%
21%
42%
Tipo de tráfico segundo as escrituras que
registraram apenas um escravo sendo negociado (Araras, 1875-1880)
Local Intraprovincial Interprovincial
6%
14%
80%
Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram mais de um escravo sendo negociado (Araras, 1875-
1880)
Local Intraprovincial Interprovincial
254
Dispusemos na tabela seguinte, os dados referentes aos cativos vendidos em
Araras, segundo sexo, origem e tipo de tráfico. Para os casos que apreendemos a
modalidade de comércio, observamos, tal como já notamos, larga preponderância
dos escravos decorrentes de outras províncias do Império. Por sua vez, 17% foram
comerciados por meio do tráfico intraprovincial e apenas 7,8% por intermédio do
comércio local.
Quando nos deparamos com os dados expostos a seguir, fica patente a
preponderância dos escravos homens mercadejados no âmbito do tráfico
intraprovincial e interprovincial. Com relação aos identificados como crioulos,
encontramos no âmbito do comércio intraprovincial, 5 homens para cada mulher e
no bojo do deslocamento dos cativos entre diferentes províncias, 2 escravos para
cada escrava. Por seu turno, a razão de sexo entre as pessoas agenciadas no
domínio do mercado local, a despeito do baixo número de observações, foi de 450
mulheres por 100 homens. Já as razões de sexo dos escravos cuja origem não foi
possível identificarmos aparecem no quadro abaixo.
Consoante à origem dos escravos comerciados, diferentemente da década de
1860, quando, em Rio Claro, os escravos “de nação” ainda totalizavam 11% do
conjunto das pessoas traficadas, em Araras de 1875-80, não houve registro de
indivíduos originários das diferentes partes da África. Possivelmente, este fato pode
ser explicado pela maior distância do fim do tráfico transatlântico de escravos
(setembro de 1850) e pela camuflagem dos cativos contrabandeados após 1831.
255
Tabela 12
Na tabela abaixo, organizamos os dados concernentes aos escravos que
entraram ou saíram de Araras, de acordo com modalidade do tráfico e sexo. Ao
fazermos isso, identificamos o movimento de 203 pessoas, o que corresponde a
cerca 70% dos cativos presentes nas escrituras analisadas, entre 1875-80. Com o
panorama formado por esses dados, apuramos extenso predomínio das entradas
com relação às saídas nos dois movimentos observados. As entradas foram
constituídas, sobretudo, por escravos homens transacionados por intermédio do
comércio interprovincial.
Tráfico Sexo De nação* Crioulos **
Sem
identificação de
origem Total
Homens 0 4 7 11
Mulheres 0 9 6 15
Razão de sexo*** - 44,4 116,7 73,3
Total (H + M) 0 11 9 26
Homens 0 5 27 32
Mulheres 0 1 9 10
Razão de sexo - 500,0 300,0 320,0
Total (H + M) 0 6 36 42
Homens 0 80 29 109
Mulheres 0 40 28 68
Razão de sexo - 200,0 103,6 160,3
Total (H + M) 0 120 57 177* De origem africana.
** Nascidos nas Américas/Brasil.
*** Número de homens para cada 100 mulheres.
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de Araras . Coleta e compi lação dos dados próprias .
Escravos negociados segundo sexo, origem e tipo de tráfico - Araras (1875-1880)
Loca
lIn
trap
rovi
nci
alIn
terp
rovi
nci
al
256
Tabela 13502
No que diz respeito às escrituras registradas no município que ora
analisamos, as cidades de São Paulo e Campinas foram as principais fornecedoras
de trabalhadores para o eito cafeeiro ararense, vendendo, concomitantemente, 53%
e pouco mais 30% dos cativos para lá enviados por meio das barganhas
intraprovinciais. Na esfera dos ajustes interprovinciais, o Nordeste do Império – tal
como explicita o gráfico abaixo – foi o maior fornecedor de braços, para essa
lavoura. Nessa vertente, a Bahia foi a principal aprovisionadora, contribuindo
sozinha com cerca 30% de todas as entradas ocorridas. Dos escravos que
‘desceram’ da Bahia (56% de todos os escravos enviados do Nordeste para Araras),
53% eram mulheres, o que diferencia as vendas desta província das realizadas
pelas duas outras principais fornecedoras de trabalhadores cativos, para Araras, no
período considerado: Maranhão e Piauí. O Maranhão contribuiu com 23,1% dos
502
A diferença existente entre o total de entradas e saídas ocorridas em Araras, por meio do tráfico interprovincial, e o total de escravos vendidos no comércio interprovincial (177 indivíduos) é decorrente do fato de parte (pequena) dos escravos comerciados por esta via ter sido direcionada para outros municípios de SP, apesar de sua escritura de venda ter sido lavrada em Araras.
Tráfico Sexo Entradas Saídas Total
Homens 24 3 27
Mulheres 10 0 10
Total (H + M) 34 3 37
Homens 107 0 107
Mulheres 57 2 59
Total (H + M) 164 2 166
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de Araras . Coleta e compi lação dos dados
próprias .
Entradas e saídas de Araras segundo sexo (1875-1880)In
trap
rovi
nci
alIn
terp
rovi
nci
al
257
escravos chegados em Araras por meio do comércio interprovincial. No âmbito deste
conjunto, os homens representaram 95,3%. Já o Piauí, forneceu 13,2% dos cativos
que sofreram as agruras do tráfico interprovincial com destino ao município de
referência. Neste caso, as mulheres representaram 41,8% dos transacionados503.
Com relação aos possíveis ganhos de arbitragem alcançados pelos senhores
que venderam seus escravos por intermédio do tráfico interprovincial, tomamos
como referência os escravos vendidos por proprietários baianos para escravocratas
ararenses. Mais especificamente, a seguir, mais uma vez confrontamos os preços de
venda decorrentes da localidade sertaneja baiana de Caetité e Araras. De acordo
com os dados coletados e organizados por Neves – a partir de escrituras de compra
e venda de escravos – em Caetité, no ano de 1876, o preço nominal médio dos
escravos jovens (de 15 a 29 anos de idade), de ambos os sexos, era de 920$000 e,
em 1879, aumentou para 1:450$000.504 Para o ano de 1876, em Araras,
encontramos 53 escravos de ambos os sexos pertencentes à faixa etária
mencionada, vendidos, em média, por 1:812$866. Portanto, nesta localidade do
Sudeste de São Paulo, esses escravos eram negociados por um preço 97% maior.
Com relação a 1879, para o município do Oeste Paulista que temos em apreço,
levantamos 55 escravos e escravas com idades entre 15 e 29 anos. Este grupo
alcançou um preço médio de 1:920$685, o que permitiu um ganho de arbitragem de
470$685 ou 32%.
503
Ainda com relação ao tráfico interprovincial, vale apontarmos que MG foi responsável por 11% das entradas ocorridas em Araras por essa via.
504 Neves, Evaristo Fagundes. Sampauleiros traficantes: comércio de escravos do alto sertão da
Bahia para o Oeste Paulista. Afro-Ásia. 24 (2000), 97-128. p. 111. Neste caso, vale notarmos as fontes utilizadas por Neves e pela presente pesquisa coincidem: escrituras de compra e venda de escravos.
258
Gráfico 25
Arranjamos, na tabela ulterior, as informações relativas à idade, sexo, origem
e preço nominal médio. Com estes dados em vista, fica claro que, para além do
sexo, como já indicamos anteriormente, a idade influenciava o preço dos escravos.
Além disso, quando agrupamos os escravos homens com idade de até 45 anos,
notamos que 83% estão no intervalo etário de até 29 anos. Deste grupo, os homens
com idades entre 15 e 29 anos correspondem a 74%. Com relação às mulheres,
84% tinham até 29 anos e as escravas adultas (15-29 anos) representavam 50% do
total.
* Bahia , Maranhão, Pernambuco, Ceará e Piauí
** Santa Catariana
*** Nestes casos : Nordeste --> Campinas ; MG --> Pirassununga; RJ --> Campinas .
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de Araras . Coleta e
compi lação dos dados próprias .
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Nordeste* para SãoPaulo²
Sul** para São Paulo MG para São Paulo RJ para São Paulo
Tráfico interprovincial: nordeste, sul , MG e RJ para a província de São
Paulo e Município de Araras (1875-1880)
Araras Outros municípios paulistas ***
259
Tabela 14
Outro dado repleto de significado aparece quando filtramos os informes que
obtivemos para visualizarmos a venda das crianças escravas. Ao longo dos seis
anos que estamos observando, encontramos a alienação de 78 crianças cativas.
Vale ressaltar que apenas 8 dessas crianças, de acordo com as escrituras
compulsadas, foram alienadas juntamente com os pais (4 foram comerciadas
juntamente com o pai e mãe e 4, somente com a mãe) e outras 8 vendas indicaram
o nome de ao menos um dos genitores. As crianças, de 6-9 anos custavam
aproximadamente 1:200$000 e, com 10 anos, quase 1:400$000505, ou seja, 69% e
80%, respectivamente, do preço nominal médio de um escravo com idade entre 15 e
29 anos (1:738$138). Por sua vez, quando levantamos a venda de crianças de 12 a
14 anos, deparamo-nos com 56 transações (crianças vendidas individualmente e em
grupo) e um preço nominal médio de 1:372$500, levando em consideração apenas
as vendas individuais. Ademais, vale notarmos que no final dos anos 1870 e em
1880 não encontramos crianças ingênuas. Ou seja, as crianças foram registradas
como tendo, ao menos, a idade exatamente necessária para passarem ao largo da
Lei do Ventre Livre, o que possibilitou aos proprietários realizem vendas “legais”.
Com relação às crianças menores de 12 anos, temos o exemplo de
Henriqueta. Vejamos alguns fragmentos do documento que registrou sua venda:
505
Para chegarmos a estes números consultamos a única escritura, entre 1875-79, que registrou a venda de apenas um escravo com 10 anos de idade. Realizamos o mesmo procedimento para levantarmos o preço das crianças de 6-9 anos. Para estas últimas encontramos apenas dois registros que envolveram a venda de um único escravo. Cf. Escrituras de Compra e Venda de Escravos, preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de Araras. Livros I e II.
N. de escravos Preço médio (réis) N. de escravos Preço médio (réis)
< 15 anos 19 1.801.203 20 1.184.336 39
De 15 a 29 anos 84 2.157.066 29 1.335.723 84
De 30 a 45 anos 11 1.856.818 9 1.191.667 12
De 46 a 55 anos 1 1.150.000 - -
Mais de 55 anos - - - -
* Nascidos nas Américas/Brasil.
Mulheres
Escravos negociados: faixa etária, origem, sexo e preço nominal médio (Araras, 1875-1880)
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de Araras. Coleta e compilação dos dados próprias.
Faixa etária
Crioulos* N. de escravos sem
identificação de
origem.
Homens
260
Saibam quantos este público instrumento de escritura virem
que no ano de nascimento do nosso senhor Jesus Cristo de mil
oitocentos e setenta e cinco aos vinte quatro de agosto do dito
ano nesta Vila de Nossa Senhora do Patrocínio das Araras
compareceram em meu cartório partes entre si contratadas
como vendedor José Pinto de Oliveira Junior (...) e como
comprador Francisco da Rocha Campos ambos reconhecidos
pelos próprios de mim Tabelião interino e das testemunhas
adiante nomeadas e assinadas que dou fé perante as mesmas
o primeiro nomeado vendedor José Pinto de Oliveira Junior (...)
é senhor e legítimo possuidor de uma escrava de nome
Henriqueta de cor preta, de seis anos de idade, matriculada na
coletoria do brejo Grande, província da Bahia (...) a qual
escrava assim descrita e matriculada, ora vende ao comprador
Francisco da Rocha Campos pelo preço de quatro centos e
cinquenta mil réis que recebe do comprador em moeda
corrente e da quitação e transfere na pessoa do comprador
toda posse, domínio e senhorial que em dita escrava tinha,
podendo gozá-la como sua que fica sendo de hoje para
sempre506.
A seguir, integramos a modalidade do tráfico, com a idade, o sexo e o preço
médio nominal dos cativos. Ao fazermos isso, notamos algumas características
importantes, quais sejam: (i) O grupo de escravos da fração etária de 15 a 29 anos
é, tal como nos capítulos anteriores, majoritário nas três modalidades de comércio
interno de escravos. Os cativos, homens e mulheres, desta faixa etária
representaram 65% das pessoas traficadas entre províncias, 53% dos escravos
vendidos entre diferentes cidades da província de São Paulo e 40% dos indivíduos
506
Escrituras de Compra e Venda de Escravos, preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de Araras. Livros I. p. 4v.
261
negociados localmente; (ii) Mais uma vez, existe significativa desigualdade entre o
número de homens e mulheres nos diferentes tipos de comércio interno de cativos.
Assim sendo, enquanto a razão de sexo, entre os escravos de 15 a 29 anos,
comercializados localmente – a despeito do baixo número de observações – foi de
900 mulheres para cada grupo de 100 homens (proporção que seria muito
significativa caso o número de observações fosse maior), para o intraprovincial, foi
de 280 escravos para cada conjunto de 100 cativas e para o interprovincial: 230
homens por 100 mulheres.
Quando confrontamos preço, gênero e tipo de tráfico, identificamos as
distâncias mais acentuadas no âmbito do comércio interprovincial. Nos três primeiros
recortes etários que pautam parte dos gráficos reproduzidos na sequência,
encontramos, no bojo dos negócios concretizados entre distintas províncias, o
seguinte: entre os escravos com menos de 15 anos, as mulheres custavam 76,5%
do preço dos homens; já entre os de 15 a 29 anos, elas eram compradas por 66%
do preço do escravo homem e, por sua vez, no âmbito da faixa de 30 a 45, o preço
das mulheres correspondia a 59% do preço dos homens.
Outrossim, apreendemos que, tanto os homens quanto as mulheres,
traficados por meio do comércio humano interprovincial, possuíam preços superiores
ao dos cativos vendidos por meio dos outros dois caminhos.
262
Gráfico 26507
Gráfico 27
507
As pequenas diferenças encontradas (relativas ao no. de escravos transacionados) entre os dados
expostos nos três próximos gráficos e as informações da tabela intitulada Escravos negociados segundo sexo, origem e tipo de tráfico - Araras (1875-1880) são decorrentes do fato do registro da venda de alguns escravos não incluírem a idade dos cativos comerciados. Portanto, esses casos foram contabilizados na referida tabela e não nesses gráficos.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de Araras. Coleta e
compilação dos dados próprias.
< 15 anos De 15 a 29anos
De 30 a 45anos
De 46 a 55anos
Mais de 55anos
22 escravos1.744.751
78 escravos, 2.094.297
8 escravos, 1.880.804
1 escravo,1.150.000
22 escravas, 1.336.055
34 escravas, 1.374.459
8 escravas, 1.109.375
Escravos negociados no tráfico interprovincial segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio- (Contos de Réis). Araras, 1875-1880.
Homens Mulheres
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de Araras. Coleta e
compilação dos dados próprias.
< 15 anos De 15 a 29anos
De 30 a 45anos
De 46 a 55anos
Mais de 55anos
14 escravos, 1.769.048
3 escravos, 1.672.222
1 escravo,500.000
1 escrava, 1.800.000
5 escravas, 1.800.000
3 escravas, 1.35.000
9 escravos,1.724.017
Escravos negociados no tráfico intraprovincial segundo faixa etária, sexo e
preço nominal médio- (Contos de Réis). Araras, 1875-1880.
Homens Mulheres
263
Gráfico 28
Quando direcionamos nossa análise para a mais relevante fração etária
presente nas três tipologias de comércio interno de escravos (cativos entre 15 e 29
anos) e às escrituras que registraram a venda de apenas um indivíduo, chegamos
ao resultado exposto na próxima tabela. Os dados aí organizados possibilitam
balizarmos mais apropriadamente – a despeito do pequeno número de casos – as
possíveis conjecturas sobre parte dos dados que formam os três gráficos anteriores,
pois as informações aí expostas não foram decorrentes de médias envolvendo
recortes etários distintos.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de Araras. Coleta e
compilação dos dados próprias.
< 15 anos De 15 a 29anos
De 30 a 45anos
De 46 a 55anos
Mais de 55anos
6 escravos1.917.857
1 escravo, 2.000.000
2 escravos, 1.700.000
5 escravas, 1.294.286
9 escravas, 1.402.679
2 escravas, 1.550.000
Escravos negociados no tráfico local segundo faixa etária, sexo e preço
nominal médio- (Contos de Réis). Araras, 1875-1880.
Homens Mulheres
264
Tabela 15
Finalmente, cabe consideramos a relação existente entre ocupação-
experiência versus preço. Do conjunto de escravos que compõe as apreciações das
páginas anteriores, aferirmos a habilidade de 73 indivíduos. Desses, 40 foram
indicados como lavradores, 38 homens e 2 mulheres. A idade média desse grupo
era de 28 anos. A segunda ocupação mais recorrente foi a de serviços domésticos.
Neste caso, os homens foram minoria. Os demais cativos distribuíram-se pelos
ofícios indicados na tabela ulterior. Com relação aos preços de parte desses cativos,
constatamos que, o preço nominal médio dos homens, negociados individualmente,
destinados à roça foi de 1:900$000. Com relação às mulheres vendidas
individualmente, aquelas destinadas aos serviços domésticos e empregadas apenas
na cozinha foram vendidas pelos seus respectivos senhores por 1:450$000.
Homens Mulheres
Preço Preço
2.000.000 1.650.000
Homens Mulheres
Preço Preço
2.500.000 1.800.000
Homens Mulheres
Preço Preço
2.183.333 1.546.667
Escravos jovens (15 - 29 anos de idade) negociados
individualmente de acordo com: tipo de tráfico, sexo e
preço nominal médio (Araras, 1875-1880). Em Réis.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas
pelo 1º Cartório de Notas de Araras. Coleta e compilação dos
dados próprias.
Local
Intraprovincial
Interprovincial
265
Tabela 16
IV. Tráfico interno de escravos: Araraquara, 1870-1880.
Com relação aos anos compreendidos entre1870-1880, em Araraquara,
lemos e analisamos as 192 escrituras que compõe cinco livros dedicados ao registro
das negociações envolvendo escravos, preservados pelo Primeiro Cartório de Notas
e Protestos do município. As escrituras trazem um total de 271 cativos traficados, ao
longo de todos os anos da década em vista, muitos provavelmente por meio de
procurações concedidas aos que exerciam a nova profissão criada pelo
robustecimento do tráfico interno de escravos: os “compradores de escravos
viajantes”508.
Cronologicamente, a primeira escritura foi registrada “no ano de nascimento
do nosso Senhor Jesus Christo de 1870, aos nove dias do mês de setembro do dito
anno”. Este códice foi assentado no verso da décima primeira folha, do quinto livro, o
508
Cf. Robert Conrad, Op. Cit. 1885, p. 68.
Homens Mulheres
N. de escravos N. de escravas
Cozinheiros 0 8
Lavradores 38 2
Jornaleiros 1 0
Costureiros 0 1
Serviços Domésticos 3 15
Vaqueiro/Campeiro 4 0
Sem ofício 1 0
Ocupação
Escravos negociados em Araras segundo sexo e ocupação
(1875-1880)
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º
Cartório de Notas de Araras . Coleta e compi lação dos dados próprias .
266
que nos permite apontar, já neste introito, alguns problemas com o núcleo
documental deste município. Além da hodierna numeração equivocada (os livros
foram, em algum ano recente, reencadernados e renumerados), podemos entrever
vicissitudes pelo fato de que alguns anos, com expressivo número de transações
arroladas, são precedidos e/ou sucedidos por anos com poucos registros, tanto
durante a primeira como no decorrer da segunda metade da década 1870, tal qual
exposto a seguir.
Ao analisarmos as escrituras que compõem os livros mencionados, além de
encontrarmos diversos códices de compra e venda sucedidas pela transcrição
integral da procuração que possibilitou a um terceiro levar adiante a negociação,
localizamos 16 documentos que registraram venda de partes de escravos, 4 trocas,
11 cartas de liberdade e um testamento e sua posterior retificação. Ilustramos estes
documentos menos frequentes no bojo dos livros dedicados exclusivamente às
negociações envolvendo escravos, com os excertos dispostos a seguir. Esses
tratam de um dos lançamentos de liberdade e de uma das trocas de cativos
encontradas.
Em 21 de janeiro de 1878, “pelos bons serviços prestados”, Maria Rosa do
Sacramento registrou uma carta de liberdade envolvendo três escravos: “Rita, de
cinquenta e tantos anos mais ou menos e de seus dois filhos de nomes João e José,
aquele de dezenove ou vinte anos mais ou menos e este de 18 anos mais ou
menos”. Como esta liberdade era condicional, os três escravos deveriam prestar
obediência e serviços a Maria Rosa durante o restante de sua vida. A escritura
menciona que os cativos seriam alugados e mensalmente deveriam pagar à Maria
Rosa as diárias que haviam recebido. Além disso, temos: “depois do meu
falecimento tem eles a obrigação de prestar todo o auxílio à Rita, sua mãe,
sustentando e fazendo tudo que ela precisar”. Por fim, antes de algumas das
formalidades prosaicas que concluíam as escrituras da época, lemos: “ficando eles
d’ora em diante libertos”509!
Aos 2 dias de junho de 1871, Antonio de Arruda Camargo vendeu a José
Joaquim Soares as partes que possuía da “escrava Theresa e sua produção”. Neste
509
Carta de Liberdade, preservada pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de Araraquara. Livro III. p. 16.
267
documento, o “vendedor sendo senhor e possuidor das três partes do valor da
escrava Theresa e sua “produção” de nomes Francisco, Fortunato Eleonora,
Domingos e Sebastião obtidos por herança que houve como cabeça de sua mulher,
de seu sogro (...) e cunhados (...) já falecidos”. Vale notarmos que a soma das três
partes referidas conformam pouco mais de 310$000. As partes de “Theresa como
também a sua produção ou filhos da mesma escrava já mencionados” foram
vendidos por 600$000, ou seja, quase o dobro do montante da herança. Contudo,
dado o princípio legal de partus sequitur ventrem – que afirmava que a condição
legal do filho decorria da condição legal da mãe – este valor foi substancialmente
baixo para a venda de parte de uma escrava acompanhada de 5 filhos. Infelizmente,
a escritura não fornece qualquer pista sobre os motivos do baixo preço alcançado
por este conjunto de cativos510.
Tal como dispomos no gráfico abaixo, no decorrer da década de 1870,
localizamos o maior número de escravos comerciados, 61 indivíduos, em 1874.
Esses foram vendidos, sobretudo, por meio do tráfico interprovincial (67%). Por seu
turno, o menor número de transações ocorreu nos anos de 1870 e 1880,
possivelmente em virtude do extravio de parte das escrituras registradas pelo
Primeiro Cartório de Notas. A média de cativos vendidos por transação foi de 1,4.
Dentre as 192 escrituras que efetivamente registraram negociações envolvendo
cativos, a venda mais numerosa foi registrada por uma escritura datada de março de
1873, quando 10 escravos, de diferentes idades (a maioria com mais de 30 anos),
de ambos os sexos, vendidos por um preço nominal médio de 1.140$000, trocaram
de proprietários por intermédio do tráfico local. Além desta, houve uma venda de 9
cativos, em novembro do mesmo ano. Eles, mesmo possuindo média etária mais
baixa que a da venda mencionada anteriormente, foram comerciados por preço
nominal médio cerca de 300$000 menor. Outras escrituras registraram vendas
envolvendo de 4 a 6 escravos, mas a maior parte das vendas de grupos ou turmas
envolveram apenas dois ou três indivíduos.
510
Escritura de compra e venda de escravo, preservada pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de Araraquara. Livro V. p. 17.
268
Gráfico 29
A seguir, indicamos o número de escravos adultos jovens (entre 15 e 29
anos) transacionados em Araraquara, entre 1870-80, e a dinâmica do preço nominal
médio desse conjunto.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas
e Protestos de Araraquara. Coleta e compilação dos dados próprias.
0
5
10
15
20
25
30
35
40
1870 1871 1872 1873 1874 1875 1876 1877 1878 1879 1880
Número de escravos transacionados segundo sexo e ano de
registro da escritura - Araraquara (1870-1880)
Homens Mulheres
269
Gráfico 30
Gráfico 31
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas
e Protestos de Araraquara. Coleta e compilação dos dados próprias.
0
500.000
1.000.000
1.500.000
2.000.000
2.500.000
1870 1871 1872 1873 1874 1875 1876 1877 1878 1879 1880
Preços médios nominais dos escravos jovens (15 - 29 anos) por
sexo - Araraquara (1870-1880). Réis.
Preço médio nominal homens Preço médio nominal mulheres
270
Os dados organizados desta forma nos possibilitam apreendermos que a
oscilação do preço médio nominal das mulheres entre 15 e 29 anos ocorreu sempre
abaixo da variação do preço dos homens, com duas exceções: em 1872, quando os
preços foram iguais, e em 1873, quando o preço da única escrava vendida, que
encontramos para a faixa etária em vista, foi cerca de 300$000 superior ao preço
masculino511. Enquanto o valor dos homens variou entre 1:150$000 e 2:250$000, o
das mulheres movimentou-se entre 1:150$000 e 1:533$333. Dentre os anos que
pautam nosso recorte temporal, foi em 1876 que encontramos a maior diferença
entre o preço de ambos os sexos, quando o valor das mulheres foi de 1:037$500
inferior ao dos homens.
Com relação aos dados compulsados para o início da década (mesmo tendo
em vista o limitado número de casos observados), cabe retomarmos uma das
sugestões que aparecem na pesquisa de Bergad. No decorrer dos meses
subsequentes a setembro de 1871, estamos diante dos efeitos imediatos da Lei do
Ventre Livre, mesmo tendo em vista que a sua regulamentação ocorreu somente em
novembro de 1872. Esses efeitos, podemos aventar, deslocam definitivamente a
importância das escravas em idade fértil para a continuidade do sistema. Mesmo
assim, houve movimento de proximidade, coincidência e ligeira superação do preço
médio nominal das escravas em relação ao dos cativos, como observamos no
gráfico a seguir. Dinâmica que, mais uma vez, problematiza parte das proposições
expostas pelo autor do livro Escravidão e história econômica512, o qual afirma
(analisando dados de MG) que a capacidade de reprodução das escravas jovens era
um componente importante de seu preço.
A partir do gráfico anterior e da tabela abaixo, notamos a discrepância de
preços ao longo das primeira e segunda metades da década 1870 e durante o ano
de 1880; provavelmente, resultante da exacerbação e posterior arrefecimento –
testemunha da expectativa de lucro a curto e médio prazo do trabalho escravo –,
das apreensões que os proprietários experimentaram em virtude da Lei do Ventre
511
De acordo com o índice de preços elaborado pelo autor de 300 anos de inflação, enquanto na primeira metade dos anos 1870 houve pequena variação (-0,4%); entre 1875-80, ocorreu uma aceleração dos preços, mas significativamente menor do que a verificada no decorrer dos mesmos anos da década anterior (+6,7 contra + 15,5%). Buescu, M. Op. Cit.
512 Bergad, L. W. Op. Cit. p. 259.
271
Livre. Mais uma vez, ao longo da segunda metade dessa década, observamos que a
produtividade do trabalho foi o fator preponderante na determinação do preço dos
cativos. Como eram majoritariamente destinados ao eito e, neste emprego,
considerados mais produtivos, seu preço foi substancialmente maior do que o das
escravas. Desta forma, a produtividade atrelada ao sexo, à idade e à experiência
prévia se tornou fator balizador dos preços dos indivíduos mercadejados513.
Tabela 17
Além dos preços dos escravos e escravas jovens, apreendemos alguns dados
relativos às crianças: (i) As mais novas comerciadas sozinhas foram dois meninos e
uma menina, tinham 7 anos de idade. As vendas ocorreram por meio do tráfico local
e o preço nominal médio foi de 633$333; (ii) Já as de 10-12 anos vendidas
individualmente – três escravos e uma escrava – alcançaram o preço médio de
1:535$000. Dessas, duas foram vendidas por intermédio do comércio interprovincial,
513
Fazemos esta especulação, sem perder de vista que apontamos na primeira parte desta pesquisa que a taxa de natalidade entre os escravos no Oeste Paulista era muito baixa.
As informações relativas à cor da pele mencionada nas escrituras e sua relação com o sexo, a idade, o número de indivíduos transacionados e o preço nominal médio desses aparecem nas tabelas que formam o Anexo V desta pesquisa. Tal como constatamos na tabela relativa ao município de Araraquara, para os anos compreendidos entre 1870-1880, as diferentes tonalidades da pele não constituíram elemento proeminente na definição dos preços dos escravos.
272
uma do local e uma do intraprovincial. Dentre estes cativos, Severino, de doze anos
de idade, originário de Santos, comerciado entre pessoas que residiam em
Araraquara, alcançou o maior preço: 2:140$000. Assim sendo, o preço das crianças
de 7 e de 10 a 12 anos, correspondiam a 37,7% e 91,6%, respectivamente, do preço
médio de um escravo com idade entre 15 e 29 anos (1:676$534), entre 1870 e 1880.
Ainda, percebemos que a idade e os preços das crianças escravas dos dois sexos
eram muito semelhantes até os 9 anos de idade. A partir dos 10 anos, os escravos
do sexo masculino passaram, em virtude da sua melhor desenvoltura na lida com a
terra, a ter preços maiores em todas as faixas etárias.
Os dados por nós coletados e analisados, mais uma vez, aproximam-se das
longas séries históricas organizadas por Fogel e Engerman sobre o Sul dos EUA e
por Bergad, sobre Minas Gerais. Esses autores concluíram que os senhores
recebiam, em virtude da alienação de uma escrava, por volta de 80% do preço de
venda de um escravo do sexo masculino, quando esses tinham 27 anos de idade,
parcela próxima à encontrada por nós em Araraquara, quanto os escravos e
escravas com idades entre 25 e 29 anos. Neste município, ao longo da década de
1870, as escravas eram vendidas por 76% do preço dos escravos.514 Essa diferença
foi recorrente a despeito da expectativa de vida ao nascer das escravas ser
consideravelmente maior. Segundo Pedro Carvalho de Mello, a expectativa de vida
ao nascer dos escravos homens era de 18-26 anos e das escravas em 20-35 anos.
Esses resultados, tal como afirma o autor, “sustentam as interpretações que
apontam as condições de mortalidade vigentes no Brasil muito mais próximas das
de Cuba, Índias Ocidentais e Suriname do que da experiência do Sul dos Estados
Unidos”515, onde a expectativa ao nascer para um escravo do sexo masculino era de
35,5 anos em 1850516.
A partir dos dados expostos a seguir, mais uma vez podemos divisar os efeitos
da Lei de 1869 e da Lei do Ventre Livre. Em função delas, acreditamos que os
proprietários reiteradamente omitiram a real situação dos seus escravos: muitos dos
514
Robert W. Fogel, & Engerman, Op. Cit. p. 75. Bergad. Op. Cit., 266.
515 Pedro Carvalho de Mello, “Estimativa da longevidade de escravos no Brasil na segunda metade do
século XIX”, Estudos Econômicos, vol. 13, nº 1, (1983), p. 168.
516 Idem. P. 168.
273
casados, provavelmente, eram declarados solteiros, crianças escravas figuravam
como tendo pais desconhecidos ou mortos etc. Outro aspecto relevante, também
válido para as outras localidades e para os outros períodos que estudamos nesta
pesquisa, diz respeito à existência de uma política tácita, amplamente praticada, de
restringir as possibilidades de relacionamento do escravo apenas ao grupo do qual
fazia parte. Com relação a esse aspecto, Schwartz, tendo certas localidades baianas
em vista, fez a seguinte formulação: havia uma política de
restringir o universo do cativo, confinando-o quando possível,
ao perímetro do engenho, da plantação de cana ou do plantel.
Tal política limitava drasticamente as oportunidades familiares
para o escravo, especialmente em propriedades menores,
onde havia poucos parceiros disponíveis ou onde os escravos
existentes poderiam ser parentes consanguíneos. Em centenas
de registros de batismo, casamento e óbito não encontrei
nenhum escravo mencionado como casado com cativo de
outro senhor. Não é difícil imaginar as complicações que
poderiam surgir quando esse tipo de união ocorria: residências
diferentes, separação forçada, conflitos sobre tratamento
humano e direitos de propriedade517.
Esta política também tinha a sua importância para impedir que as escravas
ou escravos estabelecessem vínculos com indivíduos livres o que poderia acarretar
a liberdade dos filhos decorrentes dessas associações, tal como salienta Alida
Metcalf:
os cativos usavam suas famílias como um meio de obter
liberdade para seus descendentes (...). Os homens cativos
viam todos os seus filhos nascerem livres (...). Mesmo os
casamentos entre escravas e homens livres podiam resultar em
liberdade para a prole. Embora os filhos nascidos desses
casamentos viessem ao mundo como escravos, seu pai
517
Schwartz, 1985, Págs. 382-383.
274
poderia libertá-los, [pois] crianças pequenas, de pouco valor
imediato para os seus senhores, podiam ser compradas por
quantias reduzidas518.
Gráfico 32
As ponderações que reiteramos acima são corroboradas, por um lado, pelo
número de crianças escravas comerciadas com os pais e sem referência a eles e,
por outro, pelo número de crianças escravas vendidas individualmente e no âmbito
de grupos. Expomos estes dados, para Araraquara, entre 1870 e 1880, nos dois
gráficos subsequentes.
518
Metcalf, A. 1983, pág.182-183. Citada por José Flávio Motta, OP. Cit. 1999. p. 222.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de Araraquara. Coleta e
compilação dos dados próprias.
9%9%
58%
24%
Estado conjugal e filhos declarados de acordo com as Escrituras de Compra e Venda de Escravos - Araraquara (1870-1880)
Casados Escrituras que mencionavam a existência de filhos (crianças escravas) Solteiros Sem informação
275
Gráfico 33
Por meio do gráfico anterior e do próximo, novamente percebemos que 49%
dos escravos com menos de 15 anos de idade foram comercializados no interior de
grupos – a despeito das escrituras que registraram a venda das crianças escravas
não apresentarem, em 61% dos casos, nenhuma referência aos pais destas
crianças. A venda de apenas uma criança escrava foi preponderante no circuito
local. A razão de sexo, envolvendo a totalidade das crianças negociadas, entre 1870
e 1880, em Araraquara, foi de 150 escravos para cada grupo de 100 escravas.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas e
Protestos de Araraquara. Coleta e compilação dos dados próprias.
38%
62%
Número de crianças escravas comerciadas em Araraquara, 1870 -1880.
Crianças escravas vendidas com os pais
Crianças escravas vendidas sem nenhuma referência aos pais
276
Gráfico 34
O lugar ocupado pelas crianças escravas – personagens “duplamente mudas,
e duplamente escravas, vez que geralmente entende-se que todo escravo, mesmo
adulto, é criança para seu senhor, menor perante a lei e eterno catecúmeno para a
Igreja519” –, no bojo do sistema escravista, ganha relevo, por exemplo, quando
consideramos algumas das tarefas que lhes eram delegadas. As crianças foram,
muitas vezes, utilizadas, em detrimento de escravos adultos, na venda de secos e
molhados, no pastoreio, no cuidado dos filhos pequenos dos senhores e agregados
(tarefa, principalmente, das meninas escravas), para buscar água no poço etc.
Outras vezes, seus afazeres complementavam a faina dos adultos, assim sendo,
ajudavam a colher café, a descaroçar algodão, catar lenha. A importância dessas
atividades desempenhadas, sobretudo por crianças com idades entre 8 e 14 anos,
não obstante os benefícios que o adulto usufruía, eram pouco reconhecidas, no
limite invisíveis.
519
Kátia Q. Mattoso, O filho da escrava (em torno da Lei do Ventre Livre). R. Bras. de Hist. S. Paulo, V. 8 N. 16. Pp. 37-55, mar.88/ago.88. p. 38.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas e
Protestos de Araraquara. Coleta e compilação dos dados próprias.
52%48%
Crianças escravas vendidas individualmente e no âmbito de grupos. Araraquara, 1870 - 1880.
N. de escrituras que registraram apenas uma crinça escrava sendo negociado
N. de escrituras que registraram crinças escravas sendo vendidas no bojo de grupos
277
Já as crianças ainda mais jovens eram, segundo comentário de Debret,
tratadas como animais de estimação. O autor nos diz:
No Rio, como em todas as outras cidades do Brasil, é costume,
durante o tête-à-tête de um jantar conjugal, que o marido se
ocupe silenciosamente dos seus negócios e a mulher se
distraia com os negrinhos que substituem os doguezinhos, hoje
quase completamente desaparecidos na Europa. Esses
molecotes mimados até a idade de cinco ou seis anos, são em
seguida entregues a tirania dos outros escravos que os
dominam a chicotadas e os habituam assim a compartilhar com
eles das fadigas e dissabores do trabalho.520
Dando prosseguimento à análise dos códices compulsados para esta
pesquisa, nos dois gráficos abaixo, organizamos os dados para exibição das
seguintes porcentagens: escravos negociados em grupo ou individualmente, por
meio das três modalidades de tráfico.
Para o tráfico de escravos registrado na localidade e ao longo dos anos que
ora temos em vista, identificamos a modalidade do tráfico para todos os cativos
negociados, diferentemente dos assentamentos que encontramos em Rio Claro e
Araras, para a mesma década. Partindo desta verificação, ao agregarmos parte das
informações que compõe os anais deste infame comércio com o intento de
relacionarmos as vendas individuais ou em grupo com a modalidade de comércio
interno de cativos, manifesta-se a primazia das vendas locais entre os escravos
mercadejados individualmente (51%).
520
Debret, Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, Trad. por Sérgio Milliet. Itatiaia, Belo Horizonte, Edusp, São Paulo. 1978
278
Gráfico 35
Já entre aqueles negociados em grupo, o tráfico local foi apenas ligeiramente
superior (44%) ao conjunto dos escravos que sofreram as agruras do comércio
interprovincial (42%). Mais uma vez, como teremos oportunidade de aferirmos
adiante, estes dados apoiam as conjecturas que asseveram ser intenso o tráfico
interprovincial, ao longo da segunda metade dos anos 1870. Como veremos, no
campo deste movimento, a preponderância do fornecimento de mão de obra para os
cafezais araraquarenses não ficou com o Nordeste, mas com Minas Gerais.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos
de Araraquara. Coleta e compilação dos dados próprias.
51%
33%
16%
Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram apenas um escravo sendo negociado - Araraquara 1870 - 1880
Local Intraprovincial Interprovincial
279
Gráfico 36
Dentre as 192 negociações realizadas em Araraquara, que redundaram na
venda de 271 cativos, durante o recorte temporal aqui empreendido, encontramos
apenas três escravos “de nação”, ou seja, originários do continente africano:
Carolina, José e Mathias. Com relação aos primeiros dois, ambos tinham 40 anos de
idade. Ela, vendida sozinha pelo Padre-Vigário Felippe Ribeiro da Fonseca Rangel à
Maria Barbosa Vitalina, por 800$000, em 1871, por meio do comércio local; ele,
comprado em 1874, por 925$000, em grupo, por intermédio do tráfico interprovincial.
Mathias, por sua vez, era um jovem de 29 anos, originário de Cabo Verde, vendido
pelas mãos do traficante José Jacintho da Silva, por 2:400$000, no mercado
interprovincial (MG Araraquara), em 1878. Assim sendo, de acordo com a
escritura que registrou a sua venda, este escravo chegou ao Brasil Império pouco
antes do fim do tráfico transatlântico, com cerca de 1 ano de idade. Quando
acessamos os dados para visualizarmos a origem dos escravos que pautam as
análises realizadas neste item da pesquisa, é necessário termos em vista que 72%
não possuíam origem indicada, portanto, possivelmente, existiam outros escravos
‘de nação’ no bojo deste percentual.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos
de Araraquara. Coleta e compilação dos dados próprias.
44%
14%
42%
Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram mais de um escravo sendo negociado - Araraquara 1870 - 1880
Local Intraprovincial Interprovincial
280
Abaixo, evidenciamos os escravos que entraram ou saíram da localidade em
apreço, de acordo com sexo e tipologia do comércio interno de cativos. O conjunto
destes escravos corresponde a cerca de 52% dos indivíduos alienados em
Araraquara, entre 1870 e 1880. Com o panorama formado por esses dados,
novamente notamos largo predomínio do sexo masculino nos dois tipos de tráfico.
Também constatamos vasta superioridade das entradas em relação às saídas em
ambos os movimentos521. Com relação ao tráfico intraprovincial, as entradas em
Araraquara corresponderam a 73% dos cativos comerciados por esta via e, no que
diz respeito à movimentação interprovincial, nenhum escravo saiu de Araraquara por
meio desse mercado. Desta forma, este município mesmo tendo dimensões de
propriedade bastante distintas das de Rio Claro, por exemplo, não foi um entreposto
de escravos, pois a maioria dos escravos que para lá eram direcionados, lá
permaneciam.
Tabela 18
Com respeito às entradas decorrentes do tráfico intraprovincial no município
analisado, elaboramos a tabela a seguir. Com ela podemos aferir que, na Província
521
É importante termos em vista que provavelmente está informação (no. de saídas) está
subestimada, pois temos, neste caso, apenas os informes de Araraquara. Muitos escravos podem ter deixado o município sem que sua venda tenha sido aí registrada.
Tráfico Sexo Entradas Saídas Total
Homens 27 12 39
Mulheres 9 5 14
Total (H + M) 36 17 53
Homens 55 - 55
Mulheres 34 - 34
Total (H + M) 89 - 89
Inte
rpro
vin
cial
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de Araraquara. Coleta e
compilação dos dados próprias.
Entradas e saídas de Araraquara segundo sexo (1870-1880)
Intr
apro
vin
cial
281
de São Paulo, Franca foi a principal cidade fornecedora de braços para o eito
araraquarense. Nenhuma outra cidade aparece com destaque, mesmo Franca, vale
ponderarmos, forneceu apenas 7 dos 53 cativos que entraram no município.
Tabela 19
Com relação ao movimento interprovincial, que abarcou aproximadamente
33% dos escravos cujos registros de venda encontram-se no Primeiro Cartório de
Notas e Protestos da localidade que ora dedicamos atenção, o fluxo Minas Gerais-
São Paulo, tal como podemos observar no gráfico a seguir, foi o mais relevante,
compreendendo 48% do total. Deste conjunto, 88% dos cativos foram enviados para
Araraquara. Das localidades mineiras que ofertaram escravos, Carmo do Frutal
(Uberaba-MG), por motivo que ainda desconhecemos, foi a principal fornecedora,
contribuindo com 34% das “peças” decorrentes de outras Províncias do Império,
entradas em Araraquara. Vale notarmos que os proprietários mineiros, desta
localidade, venderam seus cativos por um preço nominal médio de 1:122$800,
portanto, consideravelmente abaixo da média do preço dos demais escravos
cedidos por meio do tráfico interprovincial, que foi de 1:677$531. Esta diferença
pode ser explicada em virtude de a maioria dos escravos que chegaram à
Araraquara, a partir de Frutal, terem menos de 12 anos de idade. Com relação ao
Nordeste, os maiores fornecedores foram, por ordem de importância, Maranhão,
Bahia e Ceará. Estas três províncias enviaram juntas 25% dos escravos oriundos
desta região. Por fim, do Rio de Janeiro, então o mais importante entreposto
brasileiro de escravos, saíram, com destino à província de São Paulo/Araraquara,
MunicípioN. de escravos que
forneceu à Araraquara
Distância de
Araraquara (em Km)Município
N. de escravos que
forneceu à Araraquara
Distância de
Araraquara (em Km)
Franca 7 159,92 Santos 2 306,45
Brotas 3 54,66 Cajuru 1 106,96
Jabuticabal 3 61,73 Dois Corregos 1 67,47
Jundiaí 3 204,01 Porto Feliz 1 171,73
São Paulo 3 251,06 São José do Morro Agudo 1 119,4
Bahia do Descalvado 3 58,53 Vila de Água Choca (Monte Mor) 1 155,77
Jaú 3 68,75 Lençois 1 111,17
Itapecerica 2 253,64 - -
Tráfico intraprovincial: entradas em Araraquara, 1870-1880.
Obs. Distâncias em linha reta fornecidas pelo site: http://br.distanciacidades.com/. Acesso em: 02/07/2013.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de Araraquara. Coleta e compilação dos dados próprias.
282
20% dos escravos que sofreram os fados de serem mercadejados no âmbito
interprovincial.
Infelizmente, não dispomos de séries históricas que evidenciem a dinâmica do
preço dos escravos para a região de Carmo do Frutal. Contudo, por meio da
pesquisa, calcada em inventários, realizada por Bergad, temos acesso aos preços
dos escravos saudáveis, de 15 a 40 anos, levantados em três importantes regiões
mineiras, quais sejam: (i) Diamantina, Ouro Preto e Mariana; (ii) São João del Rei;
(iii) São José del Rei. Esses distritos, diga-se de passagem, foram os primeiros
centros da economia mineira e permaneceram como importantes polos
populacionais, econômicos e administrativos, após o fim da mineração. Quando
confrontamos os dados consultados pelo mencionado autor e aqueles que
compulsamos em Araraquara, concernentes à década de 1870, identificamos
diferenças que permitiram a formação de consideráveis ganhos decorrentes deste
ramo do comércio interprovincial. Para a última localidade mencionada,
descobrimos, no que diz respeito aos cativos homens saudáveis, com idades entre
15 e 40 anos, para os anos de 1871, 1875 e 1879, os seguintes preços nominais
médios: 1:513$000, 1:866$274 e 1:962$500. Por sua vez, Bergard identificou para
estes mesmos anos os preços nominais médios a seguir: 1:150$000, 1:400$000 e
1:600$000. Assim sendo, quando os escravos eram adquiridos nas localidades
mineiras indicadas e vendidos em Araraquara, houve a possibilidade dos seguintes
ganhos de arbitragem, ao longo dos três anos que temos em referência: 32%, 33% e
23%. No que diz respeito às mulheres escravas, quando adotamos o mesmo
recorte, os possíveis ganhos de arbitragem, nos dois primeiros anos indicados,
foram respectivamente de: 30%, 62%. Com relação a 1879, o preço de venda das
escravas, em MG, foi cerca de 20% maior do que em Araraquara, não por acaso,
neste ano, nenhuma cativa foi para aí enviada, a partir de Minas522.
522
Neste momento, vale uma importante ressalva: temos em vista que confrontamos fontes de informação distintas (os preços constantes em escritura de compra e venda de escravos não são iguais aos preços de cativos decorrentes dos inventários) o que problematiza os resultados atinentes a possíveis ganhos de arbitragem. Porém, mesmo tendo essa distinção e os possíveis problemas em vista, optamos por levar à frente este exercício para termos alguma ideia das possibilidades de ganho a partir de dados já compilados. De outra forma, não seria possível.
283
Gráfico 37
Nosso próximo passo consiste em agrupar os dados de forma a relacionar a
modalidade do comércio à idade, ao sexo e ao preço médio nominal dos escravos.
Expomos os resultados alcançados ao longo dos três gráficos ulteriores. Com os
dados assim arranjados, apreendemos a preponderância do tráfico local, que
abarcou 45% dos escravos transacionados e, novamente, constatamos a
prevalência nas três variantes do comércio interno, das negociações de cativos com
idade entre 15 e 29 anos. Essas corresponderam a 49% dos negociados no
mercado local e 54% e 53% nos mercados intraprovincial e interprovincial.
* Bahia, Pernambuco, Ceará e Piauí, Maranhão, Pará
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos
de Araraquara. Coleta e compilação dos dados próprias.
0
10
20
30
40
50
Nordeste* para São Paulo RJ para São Paulo MG para São Paulo
Tráfico interprovincial: nordeste, RJ e MG para a província de São Paulo e Município de Araraquara (1870-1880)
Araraquara Outros municípios paulistas
284
Gráfico 38
Ademais, percebemos, com relação ao sexo: (i) Significativa disparidade na
esfera do tráfico intraprovincial e interprovincial. Nestas correntes de comércio, a
razão de sexo foi, respectivamente, de pouco mais de 200 homens para cada 100
mulheres e de 180 escravos para cada grupo de 100 escravas; (ii) No domínio do
tráfico local, entretanto, esta dessemelhança foi menor. Nesta vertente a razão de
sexo foi de 109 homem para cada 100 mulheres; (iii) Quando confrontamos
escravos e escravas por faixa etária, elas os superaram na vertente do comércio
local, nas faixas etárias de 15 a 29 anos (120 mulheres por 100 homens) e 30 a 45
anos (150 mulheres por 100 homens) e, também, no campo do tráfico intraprovincial.
Na faixa etária de 30 a 45 anos, apesar do baixo número de observações – 9
escravos comerciados –, encontramos a maior diferença, 200 cativas para cada
grupo de 100 homens traficados; (iv) Identificamos as maiores desproporções em
favor dos homens, no tráfico local entre os menores de 15 anos (200 homens por
100 mulheres), no intraprovincial, entre os de 15 a 29 anos (300 homens : 100
mulher) e na mercância interprovincial, também entre aqueles pertencentes à última
faixa etária mencionada (270 homens para cada conjunto de 100 mulheres).
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de
Araraquara. Coleta e compilação dos dados próprias.
Menores de 15anos
De 15 a 29 anos De 30 a 45 anos De 46 a 55 anos Mais de 55
10 escravos, 917$778
26 escravos, 1.807$308
10 escravos, 1.429$667
4 escravos,970$000
21 escravas, 1.082$200
30 escravas, 1.204$333
15 escravas, 1.129$778
Escravos negociados no tráfico local segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio - Araraquara (1870-1880). Réis.
Homens Mulheres
285
Gráfico 39
Por seu lado, ao confrontarmos preço e sexo, mais uma vez verificamos
manifesta disparidade. Se novamente observarmos os sujeitos com idades entre 15
e 29 anos, notaremos que à medida que, no mercado local, o preço das escravas
correspondia a 66% do preço dos escravos, no âmbito do tráfico intraprovincial e
interprovincial, esta relação era, respectivamente, de 70% e 57%. Finalmente, ao
cotejarmos o preço dos cativos adultos jovens (15-29 anos) transacionados por meio
das três esferas de tráfico, apreenderemos que os homens vendidos por meio do
tráfico interprovincial e as mulheres mercadejadas no mercado intraprovincial
alcançaram os maiores preços.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de
Araraquara. Coleta e compilação dos dados próprias.
Menores de 15anos
De 15 a 29 anos De 30 a 45 anos De 46 a 55 anos Mais de 55
14 escravos, 1.802$024
32 escravos, 2.135$990
7 escravos, 1.730$952
1 escravo,1.500$000
14 escravas, 897$619
12 escravas, 1.216$667
3 escravas, 672$222
Escravos negociados no tráfico interprovincial segundo faixa etária, sexo e preço nominal médio - Araraquara (1870-1880). Réis.
Homens Mulheres
286
Gráfico 40
Ao centramos nossa análise nas vendas que envolveram apenas um escravo
e na faixa etária mais representativa (cativos entre 15 e 29 anos), chegaremos aos
resultados expostos a seguir. Percebemos, dentre outras coisas, que a maior
proximidade de preços entre homens e mulheres ocorreu no bojo do tráfico
intraprovincial.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de
Araraquara. Coleta e compilação dos dados próprias.
Menores de 15anos
De 15 a 29 anos De 30 a 45 anos De 46 a 55 anos Mais de 55
10 escravos, 1.441$667
22 escravos, 1.941$350
3 escravos, 955$556
1 escravos, 833$333
4 escravas, 1.033$333
7 escravas, 1.357$143
6 escravas, 1.061$111
Escravos negociados no tráfico intraprovincial segundo faixa etária, sexo e preço
nominal médio - Araraquara (1870-1880). Réis.
Homens Mulheres
287
Tabela 20
Afinal, para ultimarmos nosso exame acerca dos dados compulsados no
arquivo do primeiro Cartório de Notas e Protestos de Araraquara, referentes aos
anos 1870-1880, resta fazermos alguns apontamentos sobre a relação
ocupação/experiência-preço. Diferentemente de Rio Claro, com relação à
Araraquara encontramos menções atinentes à existência de aptidões prévias dos
escravos agenciados, em apenas 24 escrituras523.
Novamente, como era de se esperar, o maior contingente de escravos
possuía experiência “de lavoura”. No interior deste grupo, os homens perfaziam
maioria e seu preço nominal médio foi cerca de 30% maior do que o das escravas
destinadas a esta mesma finalidade. O preço mais alto foi atingido por um escravo
minerador, de 17 anos de idade, solteiro, vendido no comércio intraprovincial. A
seguir, expomos os demais dados que localizamos sobre as habilidades declaradas
deste grupo de escravos, cujas experiências fizeram parte dos seus registros de
venda.
523
Para discussões relativas aos ofícios dos escravos Cf. Lima, C. Op. Cit.
Homens Mulheres
Preço Preço
1.888.025 1.080.000
Homens Mulheres
Preço Preço
1.959.500 1.357.143
Homens Mulheres
Preço Preço
2.127.778 1.216.667
Escravos jovens (15 - 29 anos de idade) negociados
individualmente de acordo com: tipo de tráfico, sexo
e preço nominal médio (Araraquara, 1870-1880). Em
Réis.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos
preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de
Araraquara. Coleta e compilação dos dados próprias.
Local
Intraprovincial
Interprovincial
288
Tabela 21
V. Considerações finais: tráfico interno de escravos Oeste de São Paulo,
1870-1880
Entre 1870 e 1880, lemos compilamos e analisamos 428 escrituras de compra
e venda de escravos, que evidenciaram as tratativas de 1.071 indivíduos
comerciados. A média anual de escravos transacionados foi de 119,5 em Rio Claro
(1870, 1871, 1876 e 1877), 54 em Araras (entre 1875 e 1880) e 24,6 em Araraquara.
A partir do confronto desses dados, temos oportunidade de contrastar o que
poderíamos chamar de os dois extremos do recorte espacial que adotamos: Rio
Claro e Araraquara. Enquanto em Rio Claro o café começou a substituir a cana por
volta de meados do século XIX524, em Araraquara, entre 1870 e 1880, os cafezais
ainda estavam em formação. E como argumentam S. Milliet, J. F. de Camargo e
outros, essas distintas dinâmicas produtivas impactaram fortemente as trajetórias
524
Tal como os dados compilados por W. Dean evidenciam, a produção cafeeira de Rio Claro iniciou sua trajetória de robusto crescimento a partir do início dos anos 1850. Cf. Warren Dean, Op. Cit. p. 52.
Ocupação Homens Mulheres
N. de escravos N. de escravos
Cozinheiro - 2
Lavoura 13 2
Servente - -
Serviço doméstico 2 2
Vaqueiro 1 -
Minerador 1 -
Jornaleiro 1 -
Escravos negociados em Araraquara segundo sexo e ocupação (1870-
1880)
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º
Cartório de Notas e Protestos de Araraquara. Coleta e compilação dos dados
próprias.
289
populacionais dessas paragens. Não por acaso, ao longo dos anos 1860 e 1870, Rio
Claro vivenciou o maior crescimento de sua população escrava. Além disso, como já
dissemos anteriormente, outro aspecto relevante na discussão sobre esta área da
Baixa Paulista é a relação existente entre seu desenvolvimento e o de Araras (em
virtude de proximidade) e a expansão dos trilhos. A construção da estrada de ferro
Santos-Jundiaí, em 1867, assegurou o avanço do café para Oeste Paulista. Em
1872, a ferrovia chegou a Campinas e, em 1876, Rio Claro tornou-se “ponta de
trilho”, permanecendo assim até 1884. Nesta condição, o município ampliou sua
produção de café, população (livre e escrava) e sua influência sobre a vasta área
mais a Oeste. Além disso, é importante termos como horizonte que as fazendas de
café araraquarenses começaram a se expandir num período em que o problema da
mão de obra havia se tornado especialmente grave. O alargamento da cultura
cafeeira nesta localidade enfrentou diversos contratempos; parte desses,
decorrentes do fato de essa expansão ter ocorrido justamente na quadra em que as
investidas abolicionistas passaram do plano das formulações teóricas, debates e
agitação na imprensa, para a ação direta.
Por meio das escrituras compulsadas nos arquivos dos cartórios destas três
localidades, apuramos que o maior contingente de escravos foi alienado em grupos.
Encontramos a maior média de escravos vendidos por escritura em Rio Claro (3,7).
Os documentos de Araras registraram 2,94 escravos vendidos por códice e
Araraquara, 1,4. Cabe ressaltar que a maioria dos escravos transacionados eram
homens jovens, com idades entre 15 e 29 anos. Além disso, encontramos apenas
dois vendedores/traficantes operando simultaneamente em mais de um dos
municípios que constituem o nosso recorte geográfico (tal como evidenciamos no
anexo número dois desta pesquisa). Trata-se das firmas rio-clarenses Cabral e
Negrão e de José Pires de Carvalho, residentes na província da Bahia. Ambas
realizaram vendas ao longo dos anos 1876 e 1877, por meio de viagens recorrentes
para esse fim.
No que diz respeito à modalidade do tráfico, organizamos os dados que
expusemos a seguir. De partida, destacamos que as entradas de escravos nos três
municípios em questão, ocorridas por intermédio do tráfico interprovincial e
intraprovincial, foram largamente superiores às saídas de escravos destas
localidades. Também apreendemos ter sido a movimentação interprovincial a mais
290
significativa em Rio Claro e, sobretudo, em Araras. Em Araraquara, por sua vez, os
escravos mercadejados localmente foram mais numerosos, o que, mais uma vez,
explicita a especificidade dos negócios arrolados na cidade. No bojo dos
movimentos entre diferentes províncias do Império, Minas Gerais forneceu
importantes contingentes de cativos para São Paulo. Este fato problematiza a tese
defendida por alguns autores a qual postula ter sido baixíssimo o número de
escravos saídos de Minas para outras províncias.
Gráfico 41
Podemos notar outras particularidades do comércio de cativos registrado nas
localidades em apreço, ao longo dos anos 1870-1880, por meio da razão de sexo
geral observada, ou seja, envolvendo todos os escravos traficados. Em Rio Claro,
para cada 230 escravos mercadejados, 100 escravas foram vendidas. Em Araras,
esta relação foi 180:100 e, em Araraquara, identificamos a maior proximidade entre
o número de cativos e cativas negociados: 150 homens para cada 100 mulheres
escravas vendidas. Quando restringimos nossa análise para os escravos da faixa
etária de 15 a 29 anos, notamos que a preponderância dos escravos homens se
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas e
Protestos das localiaddes pesquisadas. Coleta e compilação dos dados próprias.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Rio Calro Araras Araraquara
Escravos transacionados, em um das localidades que temos
em apreço, de acordo com o tipo de tráfico (1870 - 1880).
Interprovincial Intraprovincial Local
291
acentua. Para essa faixa etária, a razão de sexo geral, foi de: (i) Rio Claro: 290
homens por mulher 100 mulheres; (ii) Araras: 240: 100; (iii) Araraquara: 160:100.
Por seu turno, quando arranjamos os dados para confrontarmos algumas
informações concernentes às famílias escravas (estado conjugal e filhos
declarados), encontramos os resultados abaixo, que permitem afirmarmos que
muitos proprietários, em função da Lei de 1869 e da Lei do Ventre Livre, omitiram a
real situação dos seus escravos, preservando a liquidez de suas ‘peças’. Assim
sendo, como já apontado, muitos dos escravos casados foram, provavelmente,
declarados solteiros; crianças escravas, figuradas como filhas de pais
desconhecidos ou mortos etc.
Gráfico 42
Finalmente, além de outras análises explicitadas ao longo do texto,
integramos o tipo do tráfico, idade, sexo e o preço médio nominal dos escravos
transacionados. Ao fazermos isso, notamos importantes diferenças. Com o intuito de
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas e Protestos das
localiaddes pesquisadas. Coleta e compilação dos dados próprias.
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Rio Claro Araras Araraquara
Estado civil e filhos declarados dos escravos negociados, ao longo
dos anos 1870-1880, nas localidades selecionadas.
Sem informação
Solteiros
Escrituras quemencionavam a
existência de filhosescravos
Casados
292
elaborarmos análises mais ‘firmes’, concentramo-nos na fração etária mais
representativa, 15 a 29 anos de idade, isto é, naquela que engloba o maior número
de indivíduos comerciados.
Gráfico 43
Ao adotarmos esse caminho, chegamos ao seguinte resultado: (i) Em Rio
Claro, os escravos homens negociados por meio das três tipologias do tráfico interno
alcançaram preços próximos. Por sua vez, as mulheres foram comercializadas por
maior preço através do tráfico intraprovincial; (ii) Em Araras e Araraquara, os
escravos transacionados alcançaram maiores preços no tráfico intraprovincial e
interprovincial respectivamente; (iii) Nas três localidades investigadas, os escravos
foram vendidos por preços significativamente mais elevados do que as escravas.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas e Protestos das
localidades pesquisadas. Coleta e compilação dos dados próprias.
0
500.000
1.000.000
1.500.000
2.000.000
2.500.000
3.000.000
Loca
l
Intr
ap
rovi
nci
al
Inte
rpro
vin
cial
Loca
l
Intr
ap
rovi
nci
al
Inte
rpro
vin
cial
Loca
l
Intr
ap
rovi
nci
al
Inte
rpro
vin
cial
Rio Claro Araras Araraquara
Preços médios nominais (Réis) dos escravos jovens (15-29 anos), negociados individualmente, segundo sexo, localidade e tipologia do
tráfico interno. Localidades selecionadas (1870-1880)
$ Homens
$ Mulheres
293
Capítulo V - Tráfico interno de escravos: Rio Claro, Araras e
Araraquara, 1881-1887
I. Introdução
Diferentemente dos outros itens que formam a segunda parte desta pesquisa,
neste, optamos por discutir simultaneamente a dinâmica do tráfico interno de
escravos nos três municípios indicados. Adotamos tal alternativa em virtude do
reduzido número de escrituras, relativas aos anos 1881-1887, situado nas
localidades cujos dados compulsamos e também, com relação especificamente a
Rio Claro e Araras, em decorrência de alguns motivos adicionais: (a) Existência de
lacunas nos dados relativos à Rio Claro resultantes da perda de dois dos cinco livros
que compunham o acervo concernente a compra e venda de escravos, do 2º
Cartório de Notas e Protestos do município; (b) Em consequência do vazio também
encontrado na série de dados de Araras. Enquanto para esta cidade localizamos
transações que perpassam os quatro primeiros anos da década de 1880; para Rio
Claro, compulsamos os dados relativos às negociações envolvendo escravos, de
1883 a 1887.
No âmbito das três localidades em questão, examinamos e compilamos as
informações presentes em 66 escrituras. 21 registradas nos 1º e 2º Cartórios de
Notas e Protestos de Rio Claro; 20 preservadas pelo 1º Cartório de Araras e 25
arroladas no 1º Cartório de Araraquara. Esses documentos assentaram a venda de
110 escravos; 32 em Araras; 40 em Rio Claro e 36 em Araraquara. Como veremos
na tabela a seguir, nenhuma das localidades cujos dados compulsamos registraram
transações em todos os anos que temos em vista. Quando agregamos os dados
dessas três paragens da Baixa Paulista, aferimos que a média de escravos
alienados por escritura foi de 1,7.
Com relação a Araras, além das escrituras usuais que registraram compras e
vendas de escravos, encontramos um documento que registrou, em 07/06/1882, a
venda interprovincial de ‘partes’ do escravo Manoel, ‘preto’, de 22 anos, solteiro,
294
natural da Bahia, dedicado ao serviço da roça; e da escrava Henriqueta, ‘preta’,
solteira, de 21 anos, destinada ao serviço doméstico. Antonio Joaquim de
Vasconsellos Pinto, Antonio Alves de Almeida Salles, Antonio Elias de Almeida
Lima, “todos fazendeiros, o segundo nomeado residente no termo de Pirassununga
e os outros neste termo”, tornaram-se proprietários de partes destes dois escravos
em virtude “do inventário que foi procedido no Juízo de Orphão da cidade de
Capivary, por falecimento de D. Anna Cândida de Almeida Lima, tia deles”. Além dos
‘Antonios’, ao continuarmos lendo esta escritura, notamos que o comprador, Manoel
Augusto d´Almeida Lima, também recebeu uma parte destes escravos como
herança de D. Anna Lima. Os mencionados escravos foram avaliados por
2:600$000. Assim sendo, cada um dos proprietários possuía uma parte, em termos
nominais, equivalente a 520$000. Ao nos depararmos com essa escritura,
aventamos a hipótese de que por se tratar da venda de apenas parte dos cativos
mencionados e, por possivelmente os escravos já se encontrarem em Araras ou
Pirassununga, os impostos que interromperam as transações interprovinciais não se
aplicaram.
A escritura em questão, assim transcreveu esta transação:
Nesta data [os vendedores - GR] recebem do comprador, em
moeda corrente do Império o valor de quinhentos e vinte mil
réis, importância esta correspondente a parte que cada um
delles vendedores tem em ditos escravos, pelo que dão
quitação e cedem e traspassam na pessoa do comprador toda
a posse e assim perdem o direito e senhoril que tinham em
ditos escravos podendo o comprador gozar e utilizar dos seus
serviços de hoje para todo o sempre525.
No que diz respeito a Rio Claro, além das escrituras de compra e venda de
escravos, encontramos alguns documentos que registraram a liberdade de alguns
cativos e a venda de parte de outro. Por fim, em Araraquara, também encontramos
duas cartas de liberdade e uma troca. No âmbito desses documentos destacamos o 525
Escrituras de Compra e Venda de Escravos, preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de Araras. Livro II. p. 37v.
295
lançamento de liberdade condicional ocorrido em março de 1883, em Araraquara,
envolvendo três escravos, dois dos quais jovens de 16 e 20 anos e o terceiro de 43
anos de idade. Essa escritura, assim justifica e estabelece a condição da liberdade:
“de cujos escravos, atentos aos bons serviços prestados pelos mesmos, damos a
liberdade com a condição unicamente de servir-nos durante nossas vidas e por
morte nossa gozarem da mesma, sem que ninguém ou qualquer de nossos filhos
possa reclamar por ser muito de nossa livre e espontânea vontade e para
documento lavramos a presente carta de liberdade526” etc. Após lermos este trecho,
fica a pergunta: os escravos irão gozar a sua liberdade ou a morte dos seus
senhores?
Quando organizamos os informes encontrados para acessarmos os cativos
comerciados segundo ano de registro da escritura e sexo, percebemos que entre
1881 e 1887, o maior volume de vendas ocorreu no ano de 1883. Nesse ano,
identificamos 21 escravas e 14 escravos negociados. No ano imediatamente
subsequente, ocorreu o menor número de transações527. Com relação à disparidade
de sexo, diferentemente das duas décadas anteriores – períodos que registraram
significativa preponderância masculina – aferimos, aproximadamente, que para cada
grupo de 100 escravos comerciado, ao longo dos sete anos em tela, foram
negociadas quase 200 escravas.
526
Carta de Liberdade, preservada pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de Araraquara. Livro IV. p. 2v.
527 Vale salientar mais uma vez, que tais dados evidenciam o tráfico legal, submetido a taxas
provinciais.
296
Tabela 1
A dinâmica das transações envolvendo cativos, mesmo ao longo dos anos
derradeiros da escravidão, evidencia, dentre outras coisas, o quão quebradiço eram
os vínculos das famílias desses indivíduos na ocasião da venda. As vendas foram
momentos críticos, “à semelhança dos processos de partilha nos inventários dos
escravistas, momentos estes nos quais relacionamentos construídos com
dificuldade, e que amiúde se mantinham estáveis por largos períodos, eram postos
sob a ameaça de possíveis e cruéis rupturas”528.
Dentre os escravos cujas vendas foram registradas nos anos finais do regime
escravocrata, em uma das três localidades da Baixa Paulista em apreço,
apreendemos que o maior contingente (55%) foi comercializado localmente. As
vendas intraprovinciais abarcaram 45% dos escravos transacionados e, como era de
se esperar, não houve vendas através do tráfico interprovincial, em virtude da
promulgação dos impostos que tornaram proibitivas as movimentações de cativos
entre diferentes províncias do Império.
528
José Flávio Motta, Op. Cit. 2012.
Ano H - Rio Claro M - Rio Claro H - Araras M - Araras H - Araraq. M - Araraq. Total Homens Total Mulheres Total geral
1881 3 6 3 6 9
1882 5 4 1 5 5 10
1883 6 4 5 9 3 8 14 21 35
1884 1 1 3 1 4 5
1885 1 3 4 6 5 9 14
1886 11 9 1 2 12 11 23
1887 2 2 5 3 7 5 12
Total 21 19 13 19 13 23 47 61 108
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas e Protestos das localidades pesquisadas. Coleta e compilação dos
dados próprias.
Escravos vendidos segundo localidade, sexo e ano de registro da escritura
297
Gráfico 1
Quando, mais uma vez, organizamos o nosso banco de informações para
verificarmos a atomicidade (ou não) do mercado interno de cativos, agora para os
anos 1881-1887, inicialmente aventamos a hipótese de que o mercado interno de
cativos desse período deveria ser mais competitivo em relação às décadas
anteriores, em virtude da promulgação de tarifas inviabilizadoras do tráfico
interprovincial, da crescente fragilidade dos negócios realizados e do consequente
esmaecimento da figura dos traficantes de maior envergadura.
Contudo, novamente notamos recorrência de compradores e vendedores,
gerando, provavelmente, possibilidades distintas de atuação no mercado. Para
informar esta consideração, indicamos alguns dados, quais sejam: em Rio Claro,
dos 40 escravos comerciados, 22 foram vendidos por apenas 3 dos 20 negociantes
encontrados ao longo das escrituras aí registradas. Por sua vez, dos 20
compradores, apenas 3 foram responsáveis pela compra de 23 indivíduos. Em
Araras, dos 58 escravos negociados, 4 vendedores (de um total de 24) efetivaram a
venda de 24 pessoas e 3 compradores (de um total de 23) adquiriram 19 cativos.
Por fim, em Araraquara ¼ dos escravos foi vendido por 3 negociantes. As compras
realizadas neste município, durante o intervalo 1881-1887, apresentaram o maior
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas e Protestos das localidades
pesquisadas. Coleta e compilação dos dados próprias.
55%
45%
Escravos negociados segundo tipo de tráfico, localidades pesquisadas. 1881 -1887
Local Intraprovincial Interprovincial
298
grau de atomicidade, isto é, nessa localidade a recorrência dos compradores foi
menos frequente.
Ao longo das páginas subsequentes, vejamos esses e outros aspectos
relevantes, concernentes ao tráfico interno de escravos, ocorrido ao longo dos anos
derradeiros do Brasil Império.
II.
Tendo estes três municípios em vista, ao longo dos anos finais do
escravismo, encontramos maior número de transações em Araras, no ano de 1883,
quando ocorreu quase metade das vendas aí registradas. Em Rio Claro,
observamos que as transações foram mais recorrentes em 1886. Por seu turno, em
Araraquara, o ano com maior número de vendas foi 1887, o que pode ser explicado,
acreditamos, por problemas encontrados nos livros cartoriais dedicados ao registro
das compras e vendas de escravos deste município, como já indicamos.
Gráfico 2
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de Araras .
Coleta e compi lação dos dados próprias .
0
2
4
6
8
10
1881 1882 1883
Número de escravos transacionados segundo sexo e ano de
registro da escritura . Araras , 1881- 1883
Homens Mulheres
299
Em Rio Claro, a média de indivíduos vendidos por transação foi de 1,9; já em
Araraquara e Araras, as médias foram respectivamente de 1,5 e 1,6 escravos
comerciados por escritura. Com relação ao sexo, observamos ligeira ascendência
dos homens em Rio Claro e a preponderância das escravas em Araras e,
principalmente, Araraquara. Neste último município, a relação de sexo foi de 146
mulheres para cada grupo de 100 homens, para os anos 1881-1887.
Assim sendo, percebemos, como afiança parte da literatura que aborda esse
aspecto, que os dados por nós compilados e analisados legitimam as afirmações
sobre uma paulatina diminuição da taxa do gênero masculino dentre os escravos.
Essa redução, ao que tudo indica, foi resultante do crescimento da população
escrava ‘crioula’, no decorrer das décadas finais do regime escravista. Stanley Stein,
por exemplo, em seu estudo sobre Vassouras, identificou expressiva mudança na
distribuição percentual dos escravos, segundo sexo. De acordo com este autor, essa
alteração foi “de 77% de homens e 23% de mulheres na década de 1820-1829, para
56% e 44%, respectivamente, em 1880-1888”. Por seu turno, ao ordenarmos os
dados procedentes de todos os informes, pertencentes às localidades da Baixa
Paulista componentes do recorte geográfico escolhido para esta pesquisa (sem
recortes etários ou de qualquer outra natureza), apreendemos que, entre as décadas
de 1870 e 1880, a redução da população escrava masculina comerciada foi ainda
mais acentuada. Enquanto durante os anos 1870, 67% da população escrava
transacionada era constituída por homens, nos anos 1881-1887, os homens
representaram 44% dos escravos negociados.
300
Gráfico 3
Em Araras, a transação mais significativa registrada, ao longo dos anos 1881-
1883, envolveu sete escravos, oriundos de Araras e Limeira, dos quais 6 eram
casados e um dos casais era acompanhado de seu filho ingênuo529. A maior venda
em Rio Claro foi realizada em 25/06/1886, por meio do mercado intraprovincial,
abarcando 11 escravos, a maioria homens, com menos de 25 anos, comerciados
entre membros de uma mesma e importante família de escravocratas da região, os
Teixeira das Neves. O preço nominal médio destes cativos (571$428) foi um dos
mais baixos registrados, nesta cidade, durante os anos analisados530. Em
Araraquara, os grupos vendidos eram de dois ou no máximo três cativos.
529
O documento relativo à negociação destes escravos se encontra no arquivo do 1º Cartório de Notas e Protestos de Araras. Livro II, Folha 42v.
530 O documento relativo à negociação destes escravos se encontra, cronologicamente, no último livro
usado para registrar vendas de escravos, preservado pelo 2º Cartório de Notas e Protestos de Rio Claro. Folha 11.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e
2º) de Rio Claro. Coleta e compilação dos dados próprias.
0
2
4
6
8
10
12
1883 1884 1885 1886 1887
Número de escravos transacionados segundo sexo e ano de
registro da escritura. Rio Claro , 1883- 1887
Homens Mulheres
301
Gráfico 4
A seguir, além de direcionarmos a nossa atenção, primeiramente – tal como
fizemos nos capítulos anteriores, nas partes relativas à Rio Claro – para a diferença
entre os preços levantados por Warren Dean em seu livro sobre Rio Claro e os
encontrados pelo levantamento que realizamos durante nossa pesquisa,
evidenciaremos o número de escravos adultos jovens (de 15 a 29 anos de idade)
mercadejados, assim como a dinâmica do preço nominal médio desse grupo.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de
Notas e Protestos de Araraquara. Coleta e compilação dos dados próprias.
0
2
4
6
8
1881 1882 1883 1884 1885 1886 1887
Número de escravos transacionados segundo sexo e ano de registro da escritura - Araraquara (1881-1887)
Homens Mulheres
302
Tabela 2
Dos 110 escravos transacionados, encontramos os preços de venda de 89
indivíduos. Quando restringimos nossa observação aos escravos com idades entre
15 e 29 anos, encontramos os resultados que compõem os gráficos e tabela
ulteriores. Como costumeiramente não é possível identificar o preço individual dos
cativos traficados em grupo, indicamos, mais uma vez, o número de observações
encontradas e também os preços nominais médios dos escravos adultos jovens (15-
29 anos) vendidos individualmente.
A partir dos dados presentes no gráfico relativo aos preços, constatamos que
a dinâmica desses com relação aos escravos e às escravas jovens registrados em
Araras, entre 1881 e 1883, foi bastante adversa. No primeiro ano indicado
(considerando apenas as vendas individuais), as escravas atingiram um preço
nominal médio de 1:360$000 e o proprietário do único escravo comerciado
individualmente recebeu pela venda do seu escravo 2.000$000. Todavia, três anos
depois, os homens foram vendidos por cerca de 800$000 e as mulheres, por
1:200$000.
Número de
casos
Preço
médio em
mil réis
Número de
casos
Preço médio
em mil réis
1881 1 2.000 - - -
1882 1 1.400 - - -
1883 8 1.080 4 671 37,9
1884 1 1.000 1 1.000 0,0
1885 16 870 - - -
1886 3 1000 6 703 29,7
1887 1 885 1 1.000 -13,0
Fonte: Warren Dean, Rio Claro: ..., p. 66 e Escrituras de compra e venda de escravos
preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compilação
dos dados próprias.
Preços médios, em mil-réis, de escravos masculinos, de 15 a 29 anos Rio
Claro - SP 1881-1887
Anos
Rio Claro - W. Dean Rio Claro - G. Rossini Confronto dos
dados
decorrentes das
duas pesquisas
303
Gráficos 5 e 6531
Com relação aos escravos e às escravas vendidos individualmente,
formulamos a tabela a seguir. Com ela, mais uma vez, verificamos o quão distinto
são os preços dos indivíduos negociados em grupo daqueles vendidos
individualmente.
Tabela 3
Entretanto, mesmo com as quedas observadas, quando comparamos os três
municípios em questão, apreendemos que os preços prevalecentes no início do
531
Para os anos que neste momento temos em vista, a relação existente entre o preço nominal médio dos escravos versus idade e sexo (a partir dos dados decorrentes das escrituras que comerciaram apenas um escravo), pode ser acompanhada por meio dos gráficos que compõe parte do anexo IV desta pesquisa.
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de Araras . Coleta e compi lação dos dados próprias .
800.000
900.000
1.000.000
1.100.000
1.200.000
1.300.000
1.400.000
1.500.000
1.600.000
1.700.000
1881 1882 1883
Preços médios nominais dos escravos jovens (15 - 29
anos) por sexo - Araras (1881-1883). Réis.
Homens Mulheres
0
1
2
3
4
5
6
7
1881 1882 1883
N. de escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos
em Araras (1881- 1883)
Homens Mulheres
Número de
escravos Preço médio Número de
escravas Preço médio
1881 1 2.000.000 5 1.360.000
1882 - - - -
1883 1 800.000 2 1.200.000
Preços médios nominais dos escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos
individualmente em Araras (1881-1883)
Ano
Homens Mulheres
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório
de Notas de Araras. Coleta e compilação dos dados próprias.
304
período que agora temos em vista (decorrente dos cativos negociados em grupo e
individualmente) foram altos em relação aos momentos finais do regime escravista
brasileiro. Se tomarmos como referência as onze vendas ocorridas em Rio Claro, em
1886, aferimos que além do preço dos homens e mulheres serem muito próximos,
os indivíduos alienados, neste momento, alcançaram um preço médio de 675$000,
ou seja, 61% do preço dos escravos comerciados em 1883, no município de Araras,
por exemplo. Quando confrontamos as 5 vendas ocorridas no último município
mencionado, em 1881, com as vendas realizadas em Araraquara, em 1887, também
percebemos expressiva queda do preço nominal médio dos escravos
transacionados, o que evidencia a notoriedade do eminente fim do escravismo à
brasileira532.
Gráficos 7 e 8
Para acessarmos os escravos vendidos individualmente, formulamos a tabela
a abaixo.
532
José Flávio Motta identificou que os escravos e escravas de 15-29 anos, comercializados nas localidades que estudou, ao longo dos anos 1881-1887, alcançaram os seguintes preços nominais médios: Areias: 1:194$444 (H) e 935$000 (M); Piracicaba: 1:192$857 (H) e 864$062 (M); Casa Branca: 817$857 (H) e 680$000 (M). José Flavio Motta, Op. Cit. 2012. Págs. 300, 314, 332.
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compi lação dos dados próprias .
300.000
400.000
500.000
600.000
700.000
800.000
900.000
1.000.000
1.100.000
1883 1884 1886 1887
Preços médios nominais dos escravos jovens (15 - 29 anos) por
sexo - Rio Claro (1883-1887). Réis.
Homens Mulheres
0
1
2
3
4
5
6
7
1883 1884 1886 1887
N. de escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos em Rio
Claro (1883- 1887)
Homens Mulheres
305
Tabela 4
Já, quando confrontamos os negócios ocorridos em Rio Claro, nos anos de
1883 e 1886, a diferença é mais discreta. O único escravo traficado nesta cidade,
em 1887, alcançou um preço inesperadamente alto. Trata-se do escravo ‘preto’,
solteiro, de 29 anos, chamado Augusto. Em janeiro, foi vendido por Bernardo
Valentim Filho, morador de São Paulo, a um experiente traficante de Rio Claro, José
de Campos Negreiros533. Ao confrontarmos o preço nominal médio dos escravos
negociados em Araraquara, nos anos de 1883 e 1887, verificamos dessemelhança
mais destacada, a despeito do baixo número de observações. O preço nominal
médio dos homens envolvidos nas últimas transações registradas foi 43% do preço
dos escravos mercadejados, em 1883. Esse resultado, juntamente com os
anteriormente expostos, corrobora o que Robert Slenes chamou de crash no
mercado de escravos, acontecimento ocorrido, como vimos, nos anos iniciais do
último intervalo temporal da periodização que adotamos.534
533
O documento relativo à negociação deste escravo se encontra, cronologicamente, no último livro usado para registrar vendas de escravos, preservado pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de Araraquara. Folha 16.
534 Com relação aos anos que perpassam o intervalo 1881-1887, os resultados por nós encontrados
ficaram relativamente próximos, com exceção de Araraquara, das séries organizadas por Fogel e Engerman, sobre os EUA, e por Bergad, sobre Minas. Como já indicamos nos capítulos anteriores, estes autores apontaram que, por volta dos 27 anos, o preço das escravas era cerca de 80% do preço dos escravos. Nas cidades que temos em apreço, no tocante aos escravos e escravas com idades entre 25 e 29 anos, identificamos que, enquanto em Rio Claro o preço das cativas correspondia a 83% do preço dos escravos, em Araraquara essa disparidade foi de 54% e, em
Número de
escravosPreço médio
Número de
escravasPreço médio
1883 1 1.300.000 1 500.000
1884 1 1.000.000 1 550.000
1885 - - - -
1886 1 1.000.000 2 687.500
1887 1 1.000.000 - -
Preços médios nominais dos escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos individualmente
em Rio Claro (1883-1887)
AnoHomens Mulheres
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e
2º) de Rio Claro. Coleta e compilação dos dados próprias.
306
Gráficos 9 e 10
A seguir, adotamos os mesmos recortes dos gráficos anteriores, porém,
restringimos nossa observação às escrituras que registraram um único escravo
sendo vendido. Esse passo é importante, pois elimina as distorções de preços
resultantes da venda de grupos de escravos, tal como já comentamos em diferentes
oportunidades.535
Araras, o preço das mulheres correspondeu a 90% do preço dos homens. R. Fogel e S. Engerman. Time on the cross: The economics of American negro slavery. (Nova Iorque: Little, Brown, 1974), 75. Bergad. Op. Cit., 266. Quando organizamos os dados para acessarmos a imaginável relação existente, ao longo dos anos em apreço, entre cor da pele e preço dos escravos transacionados ao longo do intervalo 1881-1887, temos os resultados expostos em parte das tabelas do Anexo V desta pesquisa. Com elas, novamente, percebemos que a cor da pele registrada nas escrituras pouco influenciou o preço dos cativos.
535 Nessas situações, normalmente, como já mencionado, a escritura registrava apenas o preço do
conjunto dos indivíduos envolvidos na transação, o que obriga o pesquisador a chegar aos preços individuais dos cativos de forma aproximada, por meio de médias que podem puxar para baixo o preço dos indivíduos jovens (15 – 29 anos de idade), pois, muitas vezes, os “misturam” com pessoas de pouca idade (< 15 anos) e com aqueles que vivenciavam o outono de seus fados (aqueles que possuem entre 30 e 45 ou mais). Neste momento é importante notarmos que o conjunto de informações analisado torna-se mais restrito.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de Araraquara. Coleta e compilação dos dados
0
2
4
6
1882 1883 1884 1885 1886 1887
Número de escravos jovens (15 - 29 anos) transacionados segundo sexo e ano de registro da escritura - Araraquara
(1881-1887)
Homens
0
500.000
1.000.000
1.500.000
2.000.000
1882 1883 1884 1885 1886 1887
Preços médios nominais dos escravos jovens (15 - 29 anos) por sexo - Araraquara (1881-1887). Réis.
Homens Mulheres
307
Tabela 5
Outro elemento relevante concernente aos preços dos escravos comerciados,
ao longo dos anos 1881-1887, diz respeito às disposições da Lei no 3.270, de 28 de
setembro de 1885, a chamada Lei dos Sexagenários. Esta promulgação, além de
outros aspectos – como o estabelecimento de um novo procedimento de matrícula
dos escravos –, no seu artigo terceiro, estipulou preços máximos para a venda de
escravos masculinos de diferentes idades. Os preços indicados foram os seguintes:
(i) Menores de 30 anos: 900$000; (ii) de 30 a 40 anos: 800$000; (iii) de 40 a 50
anos: 600$000; (iv) de 50 a 55 anos: 400$000; (v) de 55 a 60 anos: 200$000. Os
preços das escravas passaram a ser pautados pela mesma tabela, porém, com
abatimento de 25%536.
Nos casos das localidades cujos informes de compra e venda de escravos
fizemos ampla varredura, percebemos que:
(i) Em Rio Claro, o preço médio nominal dos cativos homens, negociados após a Lei
dos Sexagenários, pertencentes a primeira faixa etária mencionada por essa lei, foi
de 744$898 e o das mulheres, 653$571. Ou seja, com relação aos homens, a lei não
fez com que seus preços fossem pautados pelo teto estipulado. O preço de venda
536
Brasil, Coleção das Leis do Império do Brasil. Disponível em: http://www2.camara. leg.br/legin/fed/lei/1824-1899/lei-3270-28-setembro-1885-543466-publicacaooriginal-53780-pl.html. Acesso em: 11/07/2013.
Número de escravos Preço médio Número de escravas Preço médio
1881 - - - -
1882 - - 1 1.200.000
1883 2 1.700.000 4 1.150.000
1884 - - 1 350.000
1885 1 1.100.000 1 550.000
1886
1887 1 600.000 1 200.000
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas e
Protestos de Araraquara. Coleta e compilação dos dados próprias.
Preços médios nominais dos escravos adultos jovens (15-29 anos) vendidos individualmente
em Araraquara (1881-1887)
Ano
Homens Mulheres
308
das escravas, por sua vez, foi 14% menor do que o dos escravos e muito próximo do
preço máximo estipulado pela lei para as escravas (675$000);
(ii) Em Araraquara, o preço médio nominal dos escravos transacionados, com idade
inferior aos 30 anos, após a Lei de 1885, foi mais próximo ao limite superior
estipulado. Os homens cativos vendidos alcançaram o preço de 825$000. Tendo
este mesmo recorte em vista, as escravas foram traficadas por 494$444, ou seja,
por um preço consideravelmente abaixo do limite estabelecido pela Lei. Com estes
resultados em vista, fica claro que a Lei dos Sexagenários não balizou
decisivamente o preço de venda dos escravos nos anos derradeiros do sistema
escravista – ao menos nas localidades mencionadas –; receio, diga-se de
passagem, de parte do movimento abolicionista, que advogou que esta promulgação
acabaria por dar uma maior sobrevida ao escravismo537. Segundo Robert Slenes, o
escravismo não teve novo alento decorrente da Lei n. 3.270, em virtude da “luta
política contínua, que incluiu a agitação dos abolicionistas radicais e dos próprios
escravos, além de uma deserção de última hora da causa do escravismo por parte
de certas elites do Oeste Paulista e de Pernambuco”. Vale pontuarmos, mesmo de
passagem, que segundo o autor:
Estes últimos grupos estavam em boa posição para atrair
trabalhadores livres e empréstimos a juros baixos em um
ambiente pós-abolicionista – especialmente se os fundos do
governo não fossem distribuídos indiscriminadamente a ex-
senhores como indenização por sua mão de obra perdida538.
Considerando o número das transações realizadas nos municípios que temos
em apreço, apenas em Rio Claro o comércio escravagista passou por recuperação
em 1886. As proposições do professor José Flávio Motta acerca de Areias e Casa
Branca nos ajudam a explicar este acontecimento. Motta aponta que dois motivos
interligados podem explicar a aludida recuperação, quais sejam: nas disposições da
lei de 1885, consagrou-se, de um lado, a indenização a ser paga aos senhores pelos
537
Cf. Robert W Slenes, R. 2004. Op. Cit. p. 359.
538 Idem. p. 234-235.
309
escravos futuramente libertos e, de outro, estabeleceu-se um cronograma de
desvalorização do preço dos escravos, sendo que essa desvalorização, inicialmente
suave, seria total no décimo terceiro ano do cronograma539.
Por fim, é importante termos em vista, tal como notou Carvalho de Mello, que
o preço do aluguel de escravos não sofreu variações significativas até a abolição,
mesmo com a queda do preço dos escravos ao longo dos anos 1881-1887, no
sudeste cafeeiro do Império. Assim, segundo Mello, a queda de preços dos cativos
estava mais relacionada às incertezas sobre o futuro da escravidão, por parte dos
fazendeiros, do que à paulatina inadequação do trabalho escravo às condições de
produção vigentes.
Com o objetivo de acessarmos os dados relativos ao estado conjugal e filhos
declarados dos escravos, organizamos as informações que exporemos nos três
gráficos subsequentes.
539
José Flávio Motta, 2012, Op. Cit. p. 347.
310
Gráfico 11
Com esses dados em vista, percebemos que, além de os escravos solteiros
continuarem representando a maioria dos cativos comerciados, ao longo dos anos
1881-1887, apreendemos a venda de apenas uma criança escrava (não
encontramos vendas de crianças escravas, ao longo dos anos 1881-1887, nos
demais municípios que formam o nosso recorte temporal). Eva, de 13 anos de idade,
entrou em Araras, em março de 1883, sendo vendida por João Francisco do
Nascimento Rosa para Manoel Joaquim Mourão por 1:000$000.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de Araras. Coleta e
compilação dos dados próprias.
21%
72%
5% 2%
Estado conjugal e venda de crianças escravas de acordo com as Escrituras de Compra e Venda de Escravos - Araras (1881-1883)
Casados Solteiros Sem informação Escrituras que registraram apenas uma crinça escrava sendo negociada
311
Gráfico 12
Vale apontarmos que, em Rio Claro, no bojo da venda de escravos mais
volumosa, ocorrida em 1886, foram transacionados sete escravos, todos com idade
entre 15 e 29 anos (com exceção de um cativo com 42 anos). Esses escravos foram
acompanhados de quatro crianças ingênuas. Esta venda ocorreu entre importantes
negociantes de escravos da região: como vendedor, Francisco Teixeira das Neves,
de Pirassununga e como comprador, Joaquim Teixeira das Neves, morador de Rio
Claro. Gostaríamos de chamar atenção para o fato de que a despeito desse grupo
contar com a participação de quatro ingênuos, o preço nominal médio dos indivíduos
vendidos (571$429) ficou abaixo do preço nominal médio dos escravos e escravas
alienados individualmente, ao longo dos anos 1881-1887. Assim sendo, ao menos
nesse caso, que registrou o maior número de crianças ingênuas acompanhando um
grupo de escravos adultos jovens no momento da venda, o preço nominal médio
alcançado pelo grupo não foi impulsionado pela presença dos ingênuos. Muito pelo
contrario, pois sofreu penalização. O que talvez possa ser explicado pela possível
baixa idade das crianças ingênuas (a escritura de compra e venda não indicou a
idade de nenhuma delas) o que impediria o comprador de aproveitar os serviços
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º)
de Rio Claro. Coleta e compi lação dos dados próprias .
11%
63%
3%
23%
Estado conjugal de acordo com as Escrituras de Compra e Venda de Escravos - Rio Claro (1883-1887)
Casados Solteiros Viuvos Sem informação
312
dessas pequenas e acarretaria maiores custos decorrentes da subsistência desses
ingênuos.
Ademais, em relação às décadas anteriores houve um número pouco maior
de escravos registrados como casados. Isto talvez tenha ocorrido em virtude da
expectativa de proximidade da abolição, o que atenuava as preocupações de
outrora, relativas à liquidez dos escravos decorrentes da promulgação de 1869, que
estabeleceu uma legislação impeditiva da separação de pais e filhos menores de
quinze anos e, igualmente, a de cônjuges escravos, preocupações que foram
reiteradas na Lei do Ventre Livre, 1871.
O fato de essas localidades terem sido importadoras líquidas de escravos
ajuda-nos a explicar as uniões um pouco mais numerosas observadas nos anos
1881-87. As recorrentes importações de cativos – (mormente nos anos 1860 e 1870)
explicadas, sobretudo, em virtude da expansão dos cafezais – avolumaram o
contingente de escravos no sudeste do Império e, consequentemente, possibilitaram
certa estabilidade aos planteis e, consequentemente, uniões mais recorrentes e
duradouras540.
Para além das referidas peças legais e do crescimento e certa estabilidade
dos planteis, outro aspecto que condicionou o estado conjugal dos cativos, tanto ao
longo dos anos 1881-87, quanto no decorrer das décadas anteriores, foi,
acreditamos, o recorrente desequilíbrio entre os sexos, acentuado durante todo o
período para as localidades analisadas. Destarte, a desigualdade em favor do sexo
masculino, atenuada nos anos 1881-87, pode ser interpretada como condicionante
de certa licenciosidade da população escrava, pois incentivaria o estabelecimento de
relações instáveis541” – hipótese, como já vimos, contestada e matizada por autores
540
O maior número de relações familiares no âmbito de plantéis mais estáveis foi ilustrado por uma das constatações de Fragoso e Florentino acerca dos dados de oito das maiores fazendas de Paraíba do Sul. Os autores nos dizem: “Dos 1.171 escravos comprados até 1872, nada menos que 33,6% estavam unidos por laços de parentesco de primeiro grau (casais com filhos e mães solteiras e seus rebentos), dado que aponta a existência de um mercado de famílias na região. Da mesma maneira, o fato de 54% das famílias existentes terem sido compradas ou herdadas também aponta nesta direção, além de mostrar que este alto índice era anterior à incorporação dos plantéis de Paraíba do Sul”. Fragoso e Florentino, Op. Cit., 1987. p. 164.
541 Este é um argumento sustentado por, dentre outros: Cardoso & Ianni, 1960; Fernandes, F. &
Bastide, R. 1871; Katia Q. Mattoso, 1982; Emília Viotti da Costa, 1982. Tal como afirmaram Florestan Fernandes e Roger Bastide: “de fato, a escassez de mulheres criava uma fonte de insatisfação para os escravos (...) [que, muitas vezes, se] envolviam em conflitos com os companheiros, por disputas
313
como Robert Slenes. Todavia, a despeito dos dados “oficiais” que expusemos neste
e nos demais capítulos, não subestimamos a importância da família escrava.
Decerto, como já indicamos, a dinâmica dos casamentos que podemos apreender
por meio das escrituras de compra e venda de cativos reflete, em grande medida, o
interesse dos proprietários em não diminuir a liquidez das suas “peças”,
principalmente no momento da venda. Porém, tal como propôs Stuart B. Schwartz,
“o desinteresse dos proprietários e a ausência de casamentos não são de modo
algum uma medida da realidade escrava e da habilidade dos cativos em criar e
manter laços de afeição, associação e sangue que tivessem significado efetivo e
permanente em suas vidas”542. Além disso, os dados existentes são insuficientes
para expressar a família cativa, pois evidenciam apenas os escravos casados,
consequentemente não incluindo os indivíduos que viviam amasiados ou amigados.
Outro aspecto que nos chamou a atenção foi o fato de as escrituras
registradas em Araraquara mencionarem, com maior frequência, a existência de
filhos acompanhando os pais nas vendas. Para este município, 27% dos códices
apresentam esta informação, enquanto para Araras apenas 6% e, em Rio Claro,
este dado não foi explicitado nas escrituras. Por fim, resta mencionarmos que,
enquanto em Araraquara mais de 95% das crianças foram comerciadas no interior
de grupos, em Araras este montante caiu para cerca de 50%
amorosas. As escapadas noturnas para entrevistas de amor eram frequentes”. Fernandes, F. & Bastide, R. 1871, p. 97. Esse “fato” segundo os autores afrouxavam os laços de interdependência e solidariedade escrava, colocando os cativos em condição de anomia fazendo com que eles não participassem de forma relevante da revolução burguesa do Brasil, processo que demandava a abolição da escravatura. No desenrolar desse processo apenas parte dos fazendeiros do Oeste Paulista e os imigrantes figuraram como agentes históricos. Cf. Robert W. Slenes, Na senzala, uma flor... OP. Cit. p. 40 e seguintes.
542 Schwartz (1985, p. 380-81) citado por José Flávio Motta, Op. Cit. 1999, p. 211. Ver também:
Robert W. Slenes, Op. Cit. 1976, p. 422-423.
314
Gráfico 13
Nos próximos gráficos, evidenciamos aspectos do processo de migração
forçada de escravos para as regiões cafeeiras que temos em vista, segundo as
escrituras que registraram apenas um ou mais cativos sendo negociados. Das 66
escrituras compulsadas, identificamos o caminho percorrido pela maioria dos cativos
transacionados (63 indivíduos). Encontramos, neste conjunto, o assentamento de 41
vendas individuais e 22 envolvendo mais de um escravo.
315
Gráficos 14 e 15
Quando comparamos os códices que registraram vendas individuais,
constatamos a superioridade do tráfico local em Araraquara e do intraprovincial em
Rio Claro e Araras. Em Araras, o comércio intraprovincial foi largamente
preponderante, absorvendo 75% dos escravos transacionados.
Gráficos 16 e 17
Com relação às escrituras que arrolaram vendas envolvendo mais de um
escravo, observamos, novamente, a ascendência do comércio local em Araraquara
e do tráfico intraprovincial em Rio Claro e Araras.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de Araraquara. Coleta e compilação dos dados próprias.
72%
28%
Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram apenas um escravo sendo negociado - Araraquara 1881 -
1887
Local Intraprovincial
71%
29%
Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram mais de um escravo sendo negociado - Araraquara 1881 - 1887
Local Intraprovincial
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compilação dos dados próprias.
45%55%
Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram
apenas um escravo sendo negociado - Rio Claro , 1883 - 1887
Local Intraprovincial
86%
14%
Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram
mais de um escravo sendo negociado - Rio Claro , 1883 - 1887
Local Intraprovincial
316
Gráficos 18 e 19
Os informes dos escravos cujas vendas foram registradas em um dos
municípios em questão, de acordo com tipo de tráfico, idade e sexo e preço nominal
médio, são dispostos nas tabelas subsequentes.
Como esperado, em virtude dos elevados impostos incidentes sobre a
entrada de escravos oriundos de outras províncias, os códices compulsados não
evidenciaram escravos sendo comerciados por meio do tráfico interprovincial. De
fato, os impostos propiciaram o redesenho dos movimentos do comércio interno de
escravos: o tráfico interprovincial, fundamental ao longo das décadas anteriores, sai
de cena. Talvez a única exceção seja a venda de parte de escravos, já residentes
em um dos municípios estudados, feita por proprietários parciais desses cativos
residentes em diferentes províncias do Império. Essa posse parcial pode ter sido
decorrente, por exemplo, da partilha realizada em inventários, de compras de
escravos realizadas em sociedade, da quitação de dívidas etc.
Em São Paulo, por exemplo, os novos impostos taxaram, a partir de janeiro
de 1881, em 2:000$000 cada uma das pessoas transacionadas. Consequentemente,
como já indicado, o tráfico de escravos no decorrer dos anos 1881-1887, limitou-se
inteiramente, ao âmbito local e intraprovincial. E, como era de se esperar, as
consequências dessas mudanças foram muito além da cessação da comercialização
de pessoas entre diferentes províncias do Império. Zélia Cardoso de Mello, por
exemplo, pontua que:
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de Araras. Coleta e compilação dos dados próprias.
25%
75%
Tipo de tráfico segundo as escrituras que
registraram apenas um escravo sendo negociado - Araras , 1881 - 1883
Local Intraprovincial
37%
63%
Tipo de tráfico segundo as escrituras que registraram mai s de um escravo sendo negociado -
Araras , 1881 - 1883
Local Intraprovincial
317
Quanto a nós, cremos ter sido a proibição da entrada de
escravos na Província de São Paulo de grande contribuição
para as transformações ocorridas, mormente no que se refere
à substituição daqueles pelo trabalhador livre; justifica-se essa
ideia pelo fato de que, dada a escassez de trabalhadores,
privados da única fonte de trabalhadores disponível, ainda que
precária, aqueles setores necessitados de braços são
obrigados a procurar formas alternativas de suprimento543.
Tabela 6
543
Zélia C. Mello, O veto à taxa sobre escravos no plano das relações entre estado e sociedade. São Paulo: FEA-USP, Departamento de Economia, 1979. (Mimeo). Passagem citada por José Flávio Motta, Op. Cit. 2012. p. 285. Por sua vez, o professor Motta nos diz: “em sua etapa derradeira, o tráfico interno da mercadoria humana conviveu, é preciso ter sempre em mente, com uma dada solução para o problema da mão de obra, mediante uma agora decidida inflexão da lavoura cafeeira – ou ao menos, com maior intensidade, de seus setores mais dinâmicos – no sentido da utilização do trabalhador imigrante, assumindo importância ímpar na fase da assim chamada imigração subvencionada, o contingente italiano. De forma concomitante, o envolver da questão servil naqueles anos marcou-se, em meio à radicalização da campanha abolicionista, pela Lei dos Sexagenários, em 1885, e pela Lei Áurea, em 1888. Idem. p. 287. Sobre este tema e, em particular, sobre a atuação de Martinho Prado nestes anos decisivos da transição, Cf. Célia M. M. Azevedo. OP. Cit. 1987.
N. de escravos Preço médio (réis) N. de escravos Preço médio (réis)
Menores de 15 anos - -
De 15 a 29 anos - - 1 1.000.000
De 30 a 45 anos - - 1 500.000
De 46 a 55 anos - - - -
Mais de 55 - - - -
N. de escravos Preço médio (réis) N. de escravos Preço médio (réis)
Menores de 15 anos - - 1 1.000.000
De 15 a 29 anos 4 1.116.667 8 1.343.750
De 30 a 45 anos 1 1.000.000 - -
De 46 a 55 anos - - - -
Mais de 55 - - - -
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de Araras. Coleta e compilação dos dados
próprias.
Mulheres
Faixa etária
Local
Homens Mulheres
Faixa etária
Escravos negociados: faixa etária, tipo de tráfico, sexo e preço nominal médio (Araras, 1881-1883)
Intraprovincial
Homens
318
Aferimos também a inexistência de transações envolvendo escravos “de
nação” em Araras, Rio Claro e Araraquara, após três décadas do fim do tráfico
transatlântico. As escrituras não fizeram menção à origem dos escravos vendidos,
situação mais recorrente, ou os identificavam como ‘crioulos’.
Ademais, notamos acentuada disparidade de preços nominais médios nos
anos derradeiros do comércio interno de escravos. Por exemplo, ao compararmos
os escravos jovens (15-29 anos) do sexo masculino, negociados no âmbito do tráfico
intraprovincial, em Rio Claro e em Araraquara – ou seja, nos extremos do nosso
recorte espacial –, no decorrer do intervalo 1883-1887, constatamos que os cativos
negociados em Araraquara alcançaram um preço nominal médio quase 28%
superior aos escravos adultos jovens conduzidos, por meio da mesma modalidade
de tráfico, para a lavoura de Rio Claro.
Seguindo os mesmos parâmetros do parágrafo anterior, as mulheres
escravas foram comerciadas, em Rio Claro, por 65% do preço das escravas
vendidas em Araraquara no âmbito do comércio intraprovincial.
Tabela 7
N. de escravos Preço médio (réis) N. de escravos Preço médio (réis)
Menores de 15 anos - - - -
De 15 a 29 anos 8 731.786 3 698.619
De 30 a 45 anos - - 4 767.714
De 46 a 55 anos - - 1 750.000
Mais de 55 - - - -
N. de escravos Preço médio (réis) N. de escravos Preço médio (réis)
Menores de 15 anos - - - -
De 15 a 29 anos 5 802.857 4 585.714
De 30 a 45 anos 4 660.714 - -
De 46 a 55 anos - - - -
Mais de 55 - - - -
Homens
Local
Escravos negociados: faixa etária, tipo de tráfico, sexo e preço nominal médio (Rio Claro, 1883-1887)
Faixa etária Mulheres
Intraprovincial
Homens MulheresFaixa etária
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e
compilação dos dados próprias.
319
Com relação aos escravos jovens (15 a 29 anos de idade) traficados
localmente, temos dentre outras comparações possíveis: (i) Escravos homens
vendidos em Rio Claro, entre 1883 e 1887, versus escravos homens comerciados
em Araraquara para o mesmo período – aqueles representaram 64% do preço
nominal médio destes. (ii) Não houve escravos homens, dessa faixa etária,
negociados em Araras, entre 1881 e 1883.
Quando estabelecemos os mesmos recortes para as mulheres, obtivemos os
seguintes resultados: (i) As escravas vendidas em Araras atingiram um preço 22%
maior do que as negociadas em Araraquara; (ii) Os vendedores das cativas
negociadas em Rio Claro receberam 95% do preço obtido pelos negociantes de
Araraquara.
Tabela 8
A seguir, indicamos apenas os escravos comerciados individualmente por
meio do tráfico local e intraprovincial. Como já mencionamos em outros momentos,
esses dados nos permitem evitarmos algumas distorções de preços decorrentes da
venda de grupos de escravos.
N. de escravos Preço médio (réis) N. de escravos Preço médio (réis)
Menores de 15 anos - - - -
De 15 a 29 anos 3 933.333 10 783.333
De 30 a 45 anos 1 533.333 5 516.667
De 46 a 55 anos 1 600.000 - -
Mais de 55 - - - -
N. de escravos Preço médio (réis) N. de escravos Preço médio (réis)
Menores de 15 anos - - - -
De 15 a 29 anos 4 950.000 2 625.000
De 30 a 45 anos 2 775.000 1 600.000
De 46 a 55 anos - - - -
Mais de 55 - - - -
Intraprovincial
Homens Mulheres
Faixa etária
Escravos negociados: faixa etária, tipo de tráfico, sexo e preço nominal médio - Araraquara (1881-1887). Réis.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de Araraquara. Coleta e
compilação dos dados próprias.
Faixa etária
Local
Homens Mulheres
320
Tabela 9
Abaixo, organizamos os dados para observarmos os escravos que entraram
ou saíram dos municípios estudados de acordo com sexo e modalidade do tráfico.
LocalHomens Mulheres
Preço Preço1.000.000 675.000
IntraprovincialHomens Mulheres
Preço Preço
1.150.000 600.000
LocalHomens Mulheres
Preço Preço- 1.000.000
IntraprovincialHomens Mulheres
Preço Preço
800.000 1.366.667
LocalHomens Mulheres
Preço Preço1.150.000 862.500
Intraprovincial
Homens Mulheres
Preço Preço
1.400.000 -
Fonte: Arquivos cartoriais visitados.
Escravos jovens (15 - 29 anos de idade) negociados
individualmente de acordo com: tipo de tráfico, sexo
e preço nominal médio (Rio Claro, Araras e
Araraquara, 1881-1887). Em Réis.
Rio Claro
Araraquara
Araras
321
Tabela 10
A despeito do pequeno número de observações, a partir dos dados expostos
ao longo das três tabelas pertinentes, notamos: (i) O predomínio das mulheres no
comércio local registrado em Araras e Araraquara e das saídas intraprovinciais
encontradas em Araraquara; (ii) Que, como esperado, o tráfico intraprovincial foi o
mais significativo em função da proibição do comércio interprovincial; (iii) A
ascendência das entradas com relação às saídas em ambos os municípios, com
exceção dos movimentos registrados em Araraquara544.
544
A não coincidência dos dados expostos nas tabelas que evidenciam a entrada e saída de escravos das localidades que temos em vista e daqueles organizados ao longo das tabelas anteriores, que registraram faixa etária, tipo de tráfico e preço nominal médio, é resultante do fato de parte dos escravos terem tido apenas a sua transação registrada em um dos municípios que pautaram considerações. Por exemplo: a escrava Marta, parda, 23 anos de idade, destinada ao serviço doméstico, vendida em 1881 por 1:200$000, teve a sua venda registrada em Araras; contudo, seu vendedor residia em São Paulo e seu comprador, em Pirassununga. Cf. Livro 2. Folha 34. Primeiro Cartório de Araras.
Tráfico Sexo Entradas Saídas Total
Homens 4 1 5
Mulheres 7 1 8
Total (H + M) 11 2 13
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de Araras. Coleta e compilação dos dados
próprias.
Entradas e saídas de Araras segundo sexo (1881-1883)In
trap
rovi
nci
al
Dois outros escravos não saíram nem entraram de Araras, contudo a transação foi registrada neste município.
322
Tabela 11
Tabela 12
Finalmente, indicamos alguns dados relativos à ocupação/experiência dos
cativos transacionados.
Tráfico Sexo Entradas Saídas Total
Homens 8 1 9
Mulheres 1 2 3
Total (H + M) 9 3 12
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compilação dos dados
próprias.
Intr
apro
vin
cial
Entradas e saídas de Rio Claro segundo sexo (1883-1887)
Tráfico Sexo Entradas Saídas Total
Homens 4 2 6
Mulheres - 2 2
Total (H + M) 4 4 8
Entradas e saídas de Araraquara segundo sexo (1881-1887)
Intr
apro
vin
cial
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de Araraquara. Coleta e
compilação dos dados próprias.
323
Tabela 13 e Tabela 14
Quando comparamos os preços dos escravos homens que foram enviados
aos eitos das três cidades, notamos que os vendidos em Rio Claro, entre 1883 e
1887, alcançaram 74% do preço dos comerciados em Araraquara, durante o mesmo
recorte temporal. Acerca destes mesmos municípios e do mesmo período, os
vendedores das escravas em Rio Claro, por seu turno, obtiveram 55% do peço
nominal médio de venda das escravas de Araraquara.
Tabela 15
Homens Mulheres
N. de escravos N. de escravos
Cozinheiro 1 -
Carpinteiro 1 -
Lavoura 6 4
Serviço doméstico - 2
Alfaiate 1 -
Ocupação
Escravos negociados em Rio Claro segundo sexo e
ocupação (1883-1887)
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas
pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e
compilação dos dados próprias.
Homens Mulheres
N. de escravos N. de escravos
Lavoura 3 -
Serviço doméstico - 5
Escravos negociados em Araras segundo sexo e
ocupação (1881-1883)
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos
preservadas pelo 1º Cartório de Notas de Araras.
Coleta e compilação dos dados próprias.
Ocupação
Homens Mulheres
N. de escravos N. de escravos
Lavoura 6 2
Serviço doméstico - 1
Escravos negociados em Araraquara segundo sexo e ocupação (1881-
1887)
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º
Cartório de Notas e Protestos de Araraquara. Coleta e compilação dos
dados próprias.
Ocupação
324
III. Considerações Finais
Ao longo dos anos 1881-1887, encontramos e analisamos 66 escrituras que
registraram a movimentação de 110 escravos. A partir dessa documentação,
verificamos que a maioria dos cativos foi comerciada em grupos. Em Rio Claro, a
média de pessoas vendidas por transação foi de 1,9; em Araras e Araraquara, por
sua vez, a média foi respectivamente de 1,6 e 1,5. Quando temos em vista o sexo
dos indivíduos transacionados, diferentemente das décadas anteriores, quando as
transações envolvendo escravos homens foram largamente preponderantes,
observamos, ao longo dos anos derradeiros do escravismo, ligeira preponderância
dos homens em Rio Claro e a ascendência das escravas em Araras e,
principalmente, Araraquara. Neste último município, como indicamos ao longo do
capítulo, a relação de sexo foi de 170 mulheres por 100 homens vendidos. Desta
forma, os dados por nós compulsados corroboram as proposições que afirmam ter a
extinção do tráfico negreiro transatlântico, introduzido um movimento de gradual
minoração do gênero masculino dos cativos.
Com relação à tipologia do tráfico interno de escravos, construímos o gráfico
ulterior. Ao dispormos os dados dessa forma, chama atenção, a efetividade dos
impostos promulgados em 1881. Esses extinguiram o anteriormente pujante tráfico
interprovincial. Para além disso, nas décadas anteriores, no período que temos em
vista, as entradas de escravos nos municípios estudados (com exceção de
Araraquara, cujo número de entradas e saídas coincidiram) superaram as saídas.
Igualmente, identificamos que, enquanto em Rio Claro e Araras o tráfico
intraprovincial envolveu o maior contingente de cativos, em Araraquara, as
movimentações locais foram prevalecentes.
325
Gráfico 20
Quando organizamos os dados decorrentes dos arquivos cartoriais
pesquisados, com o intuito de compararmos o estado conjugal dos escravos,
notamos que a despeito da proporção dos casados ter aumentado um pouco em
relação às décadas anteriores, os escravos declarados solteiros permaneceram
como a imensa maioria. Destarte, esses dados nos permitem aventarmos que os
proprietários, no momento da venda, possivelmente usaram subterfúgios para
preservar a liquidez dos seus escravos, pois assim tinham a possibilidade de
fragmentar famílias.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas e
Protestos das localiaddes pesquisadas. Coleta e compilação dos dados próprias.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Rio Calro Araras Araraquara
Escravos transacionados em uma das localidades que temos em
apreço, de acordo com o tipo de tráfico. 1881 - 1887.
Interprovincial Intraprovincial Local
326
Gráfico 21
Afinal, para além de algumas outras ponderações econômicas e demográficas
que realizamos no decorrer das páginas anteriores, quando agregamos as
informações que inventariamos acerca da modalidade do tráfico interno de escravos,
da idade, do sexo e do preço nominal médio, cuja negociata foi registrada em uma
das paragens que compõe o nosso recorte geográfico, obtivemos os resultados
abaixo. Com o objetivo de não fazermos comparações frágeis, a seguir,
consideramos apenas os cativos negociados individualmente e pertencentes ao
intervalo etário de 15 e 29 anos.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas e
Protestos das localidades pesquisadas. Coleta e compilação dos dados próprias.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Rio Claro Araras Araraquara
Estado conjugal e filhos declarados dos escravos negociados, ao longo dos anos 1881-1887, nas localidades selecionadas.
Casados Solteiros Sem informação
327
Gráfico 22
328
Conclusões
329
Conclusões
Esta pesquisa abordou a dinâmica do tráfico interno de escravos na franja da
economia cafeeira paulista, entre 1861-1887 e teve como lócus privilegiado alguns
importantes centros cafeicultores do Oeste Paulista: Rio Claro, Araras e Araraquara.
Assim sendo, direcionamos nossa atenção para a Zona da Baixa Paulista, área que
José Francisco de Camargo apontou como uma “das mais interessantes [zonas de
São Paulo - GR] por representarem, as suas atividades econômicas e o seu
povoamento, um resumo da evolução econômica e demográfica de São Paulo”545.
A dinâmica da expansão dos cafeeiros nesta zona atingiu ritmo tal que ela se
tornou um dos principais centros produtores de São Paulo, no final do século XIX e
início do XX, contando, em 1905, com mais de 150 milhões de cafeeiros. A
população da Baixa Paulista, por sua vez, também aumentou substancialmente,
sendo que quase decuplicou de 1836 a 1900. Já a sua população escrava mais do
que duplicou entre 1854 e 1886 (atingindo neste último ano 17.253 indivíduos546).
Destarte, em virtude dos dados que coletamos acerca do comércio interno de
cativos e das informações a respeito da dinâmica econômica e demográfica de São
Paulo contidas em diversas análises citadas ao longo desta pesquisa547,
entendemos que os municípios indicados conformam uma amostra adequada para
acompanharmos a relação entre o alargamento da fronteira agrícola de São Paulo e
a evolução do comércio doméstico de escravos, ao longo do período eleito, na
importante Região da Baixa Paulista.
Nosso recorte temporal relativo ao tráfico interno de escravos teve como
extremos 1861-1887. O limite superior resulta do fim do escravismo e de nossa
545
José Francisco de Camargo, Op. Cit. p. 3.
546 De acordo com os dados consultados, a população desta zona se desenvolve intensamente a
partir de 1874. Entre 1874 e 1886, houve aumento de 92,1% e, de 1886 e 1900, a ampliação foi de 105,7% Idem. Vol. I. P. 91.
547 Por exemplo: Sérgio Milliet, Op. Cit. 1982. Warren Dean. Op. Cit. 1977. Joaquim Floriano de
Godoy, Op. Cit. 2007. Manuel Eufrásio de Azevedo Marques, Op. Cit. 1980.
330
pesquisa abranger o tráfico interno no âmbito local e intraprovincial. Já 1861,
decorre da maior disponibilidade de escrituras de compra e venda de cativos a partir
desse ano. Provavelmente, esse maior número de registros proveio da promulgação
do Decreto Imperial n° 2.699, de 28 de novembro de 1860, que determinava que as
transações envolvendo escravos de valor superior a duzentos mil-réis fossem
lavradas em livros de notas específicos para esse fim.
Para além dos extremos, optamos por segmentar nosso recorte temporal em
três subperíodos, quais sejam: 1861-1869, 1870-1880 e 1881-1887. Esta
periodização justificou-se: (i) Por haver, provavelmente em decorrência do decreto
de 1860, maior número de escrituras; (ii) Em virtude das expectativas e discussões
que antecederam a Lei do Ventre Livre (ou lei Rio Branco), publicada em 1871; (iii)
Pela promulgação dos impostos, em 1881, que tornaram proibitivas as transações
interprovinciais; (iv) Por fim, por serem de meados de 1887 as últimas escrituras de
compra e venda de escravos encontradas, atinentes ao nosso recorte espacial.548
Em virtude dos documentos atinentes ao tráfico interno de escravos
preservados nessas localidades até então não terem sido estudados por nenhuma
outra pesquisa e em decorrência dos resultados que apresentamos, cremos que a
periodização utilizada e o recorte geográfico adotado possibilitaram agregarmos
alguns elementos e conclusões às discussões concernentes a nossa temática.
Os resultados apresentados, sobretudo na segunda parte da pesquisa, foram
decorrentes da análise de 814 escrituras de compra e venda de escravos que
registraram a comercialização de 1.756 indivíduos das mais diferentes idades,
origens e ambos os sexos. Compulsamos 320 escrituras de compra e venda de
escravos, que abarcaram negócios envolvendo 575 pessoas mercadejadas entre
1861 e 1869 no município de Rio Claro. Entre 1870 e 1880, tendo em vista os três
municípios que formam nosso recorte espacial, lemos, compilamos e analisamos
428 códices de compra e venda de escravos, que registraram as vendas de 1.071
indivíduos. Ao longo dos anos 1881-1887, encontramos e examinamos 66 escrituras
que registraram a movimentação de 110 escravos.
548
Encontramos as últimas escrituras registradas nos município de Rio Claro em 17/04/1887, Araras em 1883 e Araraquara em 16/7/1887.
331
Ao analisarmos as fontes primárias compulsadas, num primeiro momento
notamos que a maior parte dos cativos foi transacionada em grupos de três ou mais
indivíduos, ao longo dos anos 1861-1869 e 1870-1880. No intervalo 1881-1887, a
venda de grupos de três ou mais escravos reduziu-se significativamente.
Quando comparamos os códices que registraram vendas de escravos
individuais ou em grupos, ao longo do primeiro intervalo que forma a nossa
periodização, ficou manifesta a preeminência do tráfico intraprovincial entre os
escravos negociados em grupo e do comércio local entre os cativos vendidos
individualmente. Por sua vez, ao reorganizarmos o nosso banco de dados com o
intuito de acessarmos os escravos comerciados nos mercados local, intra-regional e
inter-regional (no caso desta pesquisa: cativos decorrentes do Sul e, principalmente
do Nordeste e enviados para o Sudeste), entre 1861-1869, apreendemos a larga
superioridade do comércio intra-regional – ou seja, realizado entre províncias do
Sudeste brasileiro549 –, a importância do tráfico local e a quase inexistência das
transações inter-regionais.
Ao longo do intervalo 1870-1880 (mormente entre 1876-1880550), a
preponderância do tráfico interprovincial foi marcante entre os indivíduos negociados
em grupo, que envolveu a maioria absoluta dos escravos mercadejados. O comércio
intraprovincial teve ligeira preponderância entre os cativos negociados
individualmente. Ademais, nesse período, os deslocamentos inter-regionais foram
majoritários. Essas transações ocorreram, sobretudo, entre o Nordeste e o Sudeste
do Brasil Império. Por sua vez, no último período da nossa periodização, o comércio
intraprovincial abarcou principalmente os escravos negociados individualmente,
enquanto o local foi mais relevante entre aqueles vendidos em grupo.
549
Com exceção dos escravos vendidos localmente, isto é, quando comprador e vendedor residiam no município analisado. Portanto, não há redundância nos dados do comércio intra-regional e local, assim como também não há repetição dos dados do comércio local nos dados relativos ao tráfico intraprovincial.
550 Provavelmente, em virtude da apreensão resultante da Lei do Ventre Livre, a dinâmica das
transações da primeira metade dos anos 1870 foi mais tênue do que a verificada na segunda metade da mesma década. Assim, a caracterização de um tráfico interno de escravos muito intenso para os anos 1870 é valida, principalmente, para a segunda metade dessa década.
332
Importa termos em vista – contrariando conclusões presentes em algumas
pesquisas – que, de acordo com a documentação pesquisada relativa ao tráfico
interprovincial, entre 1861-1880, Minas Gerais ocupou espaço relevante como
fornecedora de escravos para o Oeste Paulista. Assim sendo, Minas figurou
juntamente com o Nordeste, o restante do Sudeste e o Sul do país como agente
exportador de cativos para as áreas mais dinâmicas da economia brasileira, a
despeito de ter, sobretudo, preservado e propiciado expansão da sua escravaria,
como pudemos apreender pelos informes do censo 1872, o qual apontou que 90%
dos escravos de Minas haviam nascido na própria província.
Percebemos que uma importante parte do tráfico interno foi possibilitada
pelos deslocamentos por terra entre cidades da mesma província ou entre
províncias fronteiriças e que o tráfico interno por navegação costeira ocorreu,
principalmente, na década de 1870 e ligou os portos do Sul e, principalmente do
Nordeste, aos portos do Rio de Janeiro e Santos, principais portas de entrada para o
Sudeste cafeeiro.
Como era de se esperar, os cativos transacionados eram em sua grande
maioria homens que se encontravam na faixa etária de 15 a 29 anos, portanto,
portadores de maior vigor físico e, assim, capazes de propiciar elevada
produtividade, sobretudo, no manejo com a terra. A despeito disso, o crescimento do
número de escravos nascidos no Brasil, após 1850, e a dinâmica da mortalidade
escrava e das alforrias, fez com que a distribuição por sexo e idade da população
cativa residente ficasse menos distorcida em relação ao período no qual prevalecia a
recorrente importação de novos cativos africanos. A população escrava que se
tornou, com o passar do tempo, majoritariamente ‘crioula’, todavia, continuou
apresentando assimetrias traduzidas no viés dos homens adultos em detrimento das
mulheres e crianças.
Esse movimento (diminuição no número de homens e maior heterogeneidade
etária) ficou patente quando percebemos que, entre 1881-1887, diferentemente das
décadas anteriores – nas quais as transações envolvendo escravos do sexo
masculino foram largamente preponderantes –, no plano das compras e vendas em
Rio Claro, houve apenas ligeira preponderância dos homens e em Araras e,
principalmente, em Araraquara, ascendência quantitativa das transações envolvendo
333
escravas. Neste último município, por exemplo, a razão de sexo foi de 170 mulheres
por 100 homens vendidos. Com relação à idade, os escravos de 15-29 anos, que
formavam larga maioria no decorrer das décadas 1860 e 1870, entre 1881-1887,
representaram cerca de metade dos escravos transacionados.
Com relação ao preço nominal médio de venda dos escravos de 15 a 29 anos
de idade (grupo etário mais representativo), comerciados individualmente,
alcançamos os seguintes resultados: em Rio Claro, no decorrer dos anos 1860, os
homens foram vendidos por 1.800$000 e as mulheres por 1.570$000. Na década de
1870, em relação aos anos 1860, eles foram comerciados por um preço 13% maior
e elas, 15% menor. Ao confrontarmos os preços praticados entre 1881-1887 e a
década anterior, apreendemos que houve queda de aproximadamente 50% tanto do
preço das mulheres quanto do preço dos homens. Ademais, a dinâmica dos preços
observada em Araras e Araraquara foi semelhante à ocorrida em Rio Claro.
Ainda com relação aos preços dos escravos, outro aspecto relevante diz
respeito à evolução da especulação e dos possíveis ganhos de arbitragem. Quando
temos o comércio interprovincial em vista, indicamos o quão relevante eram os
possíveis ganhos de arbitragem (desconsiderando os custos de transporte551),
particularmente quando os deslocamentos ocorriam de certas áreas do Nordeste e
de Minas Gerais para uma das cidades cujos documentos cartoriais fizemos ampla
varredura.
Além disso, quando consideramos a classificação dos cativos de acordo com
a origem, aferimos que os crioulos (nascidos no Brasil) corresponderam, ao longo
dos anos 1860, a quase 80% do total de indivíduos, cuja origem identificamos.
Enquanto estes foram vendidos, sobretudo, mediante o comércio intraprovincial, os
“de nação” (originários do continente africano) foram vendidos principalmente por
meio do tráfico local, no interior de grupos mistos (africanos e ‘crioulos’), que
abarcavam mais de 3 pessoas. Além desses aspectos, o conjunto de escrituras
contendo transações com escravos originários de diferentes partes da África
evidencia que metade desses cativos possuía idade igual ou inferior a 30 anos,
evidenciando, por um lado, que foram traficados para o Brasil explicitamente à
551
Quanto maior à distância e mais árduo o trajeto, maiores os gastos e o risco envolvido.
334
revelia da proibição deste comércio, promulgada em 1831. Já nas décadas
subsequentes, o número de africanos transacionados caiu substancialmente.
Também verificamos terem sido as entradas, para todo o recorte espacial e
temporal trabalhado, tanto pelo tráfico intraprovincial quanto pelo interprovincial,
bastante mais significativas que as saídas ocorridas nos municípios analisados. A
única exceção foi Araraquara que teve o mesmo número de entradas e saídas ao
longo dos anos 1881-87. O que, vale pontuarmos, não fez de Rio Claro, um
entreposto de escravos, tal como afirmou Warren Dean no livro Rio Claro, um
sistema brasileiro de grande lavoura.
Outrossim, apreendemos que as crianças escravas (menores de 15 anos)
formaram fatia relevante do tráfico interno ao longo de todo o período e recorte
espacial estudado.
Ao longo de nossa pesquisa, aventamos a hipótese de que os resultados
encontrados relativos às famílias e, sobretudo, às crianças escravas refletem as
expectativas e as consequências do Decreto nº 1695 de 15 de setembro de 1869 e
da Lei de 28 de setembro de 1871. Com essas promulgações o reconhecimento da
família escrava, principalmente no momento da venda, enfrentou maiores
obstáculos. O decreto versou sobre a proibição da separação da família, o que
reduziu a liquidez de parte dos escravos. Com relação às crianças, o decreto proibiu
a separação do marido da mulher e o filho do pai ou mãe, salvo quando os filhos
fossem maiores de 15 anos. Já a Lei do Ventre Livre, diminuiu a idade mencionada
para 12 anos.
Acreditamos que o advento dessas leis fez com que os proprietários de
escravos muitas vezes omitissem ou declarassem aos tabeliães municipais, quando
as vendas eram registradas, que parte ou a totalidade dos escravos que estavam
sendo transacionados era solteira e que as crianças envolvidas no negócio
possuíam pais mortos ou desconhecidos. Artifícios como esses corroboram em parte
o movimento diagnosticado pelos autores que afirmam que a política senhorial
dificultava a manutenção da família e da solidariedade entre os cativos. Mesmo
tendo em vista que os africanos escravizados e seus descendentes construíram,
para além do parentesco, outras formas e meios de solidariedades para orientar
suas vidas, acreditamos que as ações dos senhores, sobretudo no momento da
335
venda de parte da sua escravaria, tiveram consequências deletérias para a família
escrava. O que não significa afirmar terem sido os escravos incapazes de formar
famílias estáveis, de aculturação, de exercer participação política, ou seja, que
prevalecia dentre eles condição de anomia.
Vejamos alguns dados que corroboram o nosso argumento relativo à
fragilização da família escrava no momento da venda. Para não tornarmos as
nossas notas conclusivas exaustivas, faremos apontamentos relativos apenas às
informações que obtivemos sobre Rio Claro, entre 1870-1880. Porém, é importante
termos em vista que os resultados alcançados para os demais municípios e períodos
apoiam e legitimam essa conclusão. Ao organizarmos os dados para acessarmos o
número de escrituras de compra e venda de escravos que evidenciaram o estado
conjugal e filhos envolvidos nas transações, notamos que 65% das escrituras
indicaram que os cativos transacionados eram solteiros e 27% não evidenciaram
nenhuma informação. Em contrapartida, apenas 4% dos códices indicaram
transações envolvendo escravos casados e também 4% mencionaram a venda de
crianças escravas juntamente com os pais. Ao restringirmos nossas observações às
escrituras de vendas envolvendo crianças escravas, constatamos que 75% foram
comerciadas sem nenhuma referência aos pais, a despeito de 93% de essas
crianças terem sido vendidas no interior de grupos de cativos constituídos por
indivíduos de diferentes idades, sexo etc.
É importante notarmos que apesar de as escrituras que registraram a venda
das crianças escravas não trazerem, normalmente, nenhuma referência aos pais, a
grande maioria dos menores de 15 anos de idade foi vendida no interior de grupos.
Assim sendo, aventamos que esse fato pode ter atenuado o afastamento das
crianças escravas das suas famílias, principalmente se considerarmos as famílias
escravas para além do círculo circunscrito da família nuclear e pensarmos no elenco
de tios, avós, sogros, cunhados e nas relações de compadrio.
Ademais, além das crianças escravas ocuparem lugar relevante no sistema
escravista – sobretudo, as com mais de 5 anos de idade em função da grande
queda da taxa de mortalidade – em virtude do seu menor preço e das muitas tarefas
que foram tradicionalmente direcionadas para elas, vale assinalar que no final dos
anos 1870 e ao logo do ano de 1880, não encontramos nenhuma menção a crianças
336
ingênuas acompanhando os pais no momento da venda desses. Ou seja, elas foram
registradas como tendo, ao menos, a idade exatamente necessária para passarem
ao largo da Lei do Ventre Livre, o que possibilitou aos proprietários realizarem
vendas “legais”.552
Desta forma, a significativa presença da criança escrava no âmbito das
compras e vendas de cativos que perpassam a maior parte do nosso recorte
temporal e espacial (sobretudo o intervalo 1861-1880), a provável omissão de
informações e o registro de inverdades nas escrituras de compra e venda relativas
aos cativos menores de 15 anos, o fato de que no final dos anos 1870 e em 1880
não termos encontrado crianças declaradas como ingênuas, o interesse dos
proprietários em aproveitar as crianças escravas, em algum momento de suas vidas,
como força de trabalho ou mercadoria, corroboram a expressiva importância da
criança cativa.
Outro resultado da pesquisa, diz respeito a não recorrência dos
vendedores/traficantes nas diferentes áreas da Zona da Baixa Paulista cujos dados
analisamos. Encontramos apenas dois vendedores/traficantes operando
simultaneamente em mais de um dos municípios que constituem o nosso recorte
geográfico (Rio Claro e Araras).
Por sua vez, o último aspecto que gostaríamos de chamar atenção nestas notas
conclusivas, diz respeito aos resultados da sistematização das informações
decorrentes do tráfico ocorrido em de Rio Claro nos anos 1860, com o intuito de
avaliarmos a competitividade do mercado interno de cativos na região da baixa
paulista (fizemos, para a década de 1870, a mesma análise para os outros
municípios do Oeste Paulista que constituem o nosso recorte espacial e obtivemos
conclusões bastante semelhantes). Ao fazermos isso, percebemos, a despeito do
extenso número de agentes envolvidos nas transações, significativa recorrência de
compradores e vendedores, possibilitando assimetrias nas atuações desses
indivíduos no mercado, o que fragiliza a hipótese de mercado interno de escravos
atomístico/competitivo.
552
Em contrapartida, escrituras registradas entre os anos 1881-1887 mencionaram que alguns dos escravos vendidos eram acompanhados por seus filhos ingênuos de forma explicita ou deixavam subentendido, em virtude da idade das crianças que acompanhavam os pais escravos.
337
Além disso, notamos que os escravos, mesmo aqueles pertencentes à mesma
faixa etária, não eram bons substitutos, ou seja, variáveis como experiência prévia,
sexo, nacionalidade etc. influenciavam o seu preço e a preferência manifestada
pelos compradores. Para corroborar esse argumento (mercado pouco competitivo),
evidenciamos alguns dados, quais sejam: dos cerca de 260 vendedores que
alienaram seus escravos em Rio Claro, ao longo dos anos 1860, apenas 23 deles
foram responsáveis pela venda de pouco menos da metade (258 pessoas) dos
cativos comerciados. Por sua vez, dos cerca de 210 compradores, apenas 30
adquiriram 63% escravos transacionados.
Com relação ao intervalo 1881-1887, inicialmente aventamos a suposição de
que o comércio doméstico de escravos desses anos deveria ser mais competitivo
com relação aos períodos anteriores, em decorrência da vigência, a partir de 1881,
de tarifas que impossibilitaram o tráfico interprovincial; da maior fragilidade dos
negócios concretizados e do resultante esmaecimento da figura dos traficantes de
maior vulto. Entretanto, mais uma vez, constatamos importante recorrência de
compradores e vendedores, possibilitando, possivelmente, distintas formas de
atuação no mercado.
Ademais, a despeito de terem existido vendedores e compradores assíduos,
observamos que o contato entre os mesmos vendedores e compradores não foi
recorrente ao longo do tempo. Ou seja, as transações não eram condicionadas por
laços de confiança que poderiam corroborar as qualidades dos cativos e facilitar
vendas a prazo. Mesmo que essa hipótese seja válida para outros lugares e
momentos, ela apenas corroboraria uma das conclusões da presente pesquisa
(mercado interno de escravos não competitivo), pois se, para além dos aspectos já
indicados, a relação de compra e venda fosse frequentemente favorecida por
conhecimento e laços de confiança já existentes entre as partes – o que poderia
facilitar o crédito, as vendas a prazo e possibilitar a garantia dos “predicados do
escravo” –, o mercado se tornaria ainda menos competitivo.
Assim e por fim, acreditamos que o mercado interno de escravos, ao menos na
parte inicial da importante região da Baixa Paulista (uma das principais áreas
receptoras de cativos, ao longo dos anos 1860 e 1870), não foi competitivo, pois: o
mercado não era atomístico, o “bem” comercializado não era homogêneo,
338
possivelmente havia assimetrias de informação e alguns compradores e vendedores
possuíam certo poder de mercado. Essas características tornam pouco críveis
hipóteses as quais postulam que, como em qualquer mercado competitivo, os
preços eram originados pela dinâmica das forças de oferta e de demanda.
339
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Fontes primárias manuscritas
Livros de notas gerais e aqueles destinados ao registro da compra e venda de escravos preservados pelo Primeiro Cartório de Notas e Protestos de Rio Claro (1861-1887).
Livros de notas gerais e aqueles destinados ao registro da compra e venda de escravos preservados pelo Segundo Cartório de Notas e Protestos de Rio Claro (1861-1887).
Livros de notas gerais e aqueles destinados ao registro da compra e venda de escravos preservados pelo Primeiro Cartório de Notas e Protestos de Araras (1861-1887).
Livros de notas gerais e aqueles destinados ao registro da compra e venda de escravos preservados pelo Primeiro Cartório de Notas e Protestos de Araraquara (1861-1887).
Fontes primárias impressas e coletânea de documentos
ABAETÉ, Antônio Paulino Limpo de Abreu, Visconde de. Protesto contra o acto do Parlamento britânico, que sujeitou os navios brazileiros que fizerem o trafico de escravos ao Tribunal do Almirantado e a qualquer Tribunal de Vice-Almirantado dentro dos domínios de Sua Magestade Britannica. Rio de Janeiro : Typ. Imperial e Constitucional de Villeneuve 1845.
ANTONIL, André João (João Antônio Andreoni). Cultura e Opulência do Brasil. [1711]. Belo Horizonte: Itatiaia,1982.
BAHIA, Relatório com que excelentíssimo senhor presidente, Luiz Antônio da Silva Nunes, abriu a Assembleia Legislativa provincial no dia 01 de maio de 1876. Bahia, Typ. Do Jornal da Bahia, 1876
BRASIL, Documento que o ilustríssimo e excelentíssimo senhor Dr. José Antonio Saraiva, presidente da Província de São Paulo, instruiu o relatório da abertura da Assembleia Legislativa Provincial, aos 15 dias do mês de Fevereiro de 1855. Typografia nacional, 1855.
BRASIL, IBGE. Brasil, Estatísticas históricas do Brasil: series econômicas, demográficas e sociais. IBGE, 1990.
BRASIL, IBGE. Informações sobre o município de Araraquara. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/historicos_cidades/historico_conteudo.php?codmun =350320. Acesso em: 9/02/2012.
340
BRASIL, IBGE. Informações sobre o município de Rio Claro: IBGE, Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=354390#. Acesso em: 9/02/2012.
BRASIL, IBGE. Presença Negra: conflitos e encontros. In Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro: IBGE, 2000.
BRASIL, Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa, pelo Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios do Império. 1862
BRASIL, Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa, pelo Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios do Império. 1863
BRASIL, Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa, pelo Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios do Império, Visconde de Mont’alegre. Rio de Janeiro: Typografia nacional, 1852
BRASIL, Relatório do Ministério dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, 1884.
BRASIL, Relatório do Ministério dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, 1886.
BRASIL, Relatório do Ministério dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, 1887
BRASIL, Relatório do Ministério dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras
Publicas, 1890.
BRASIL, Relatório do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Publica apresentado à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro, 1860
BRASIL, Relatório do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Publica apresentado à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro, 1873.
BRASIL, Relatório do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Publica apresentado à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro, 1974.
BRASIL, Relatório do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Publica apresentado à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro, 1877.
BRASIL, texto de Rui Barbosa integrante da portaria publicada no Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil, 18/12/1890, p. 5.845.
BRASIL. IBGE, Series Estatísticas Retrospectivas. O Brasil, Suas Riquezas Naturais, Suas Indústrias.Vol. 2. Rio de Janeiro, 1986. Original publicado em 1908.
341
CASTRO, Teresinha de. Historia Documental do Brasil. Rio de Janeiro, São Paulo, Distribuidora Record, s.d. 415 p.
DEFFONTAINES, Boletim Geográfico. Conselho nacional de geografia, ano II, n. 24, março de 1945.
MERGULHÃO, Benedicto. O general Café na revolução branca de 37. 3ª ed., atualizada e acrescida do último trabalho do sr. Jayme F. Guedes, presidente do Departamento Nacional do Café, sobre A política econômica do café em 1943. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, 1945.
MONBEIG A divisão regional do Estado de São Paulo. Relatório apresentado à assembleia geral da AGB. Anais da Associação dos Geógrafos Brasileiros, vol. I (1945-46).
NEVES, Costa. História singela do café. Rio de Janeiro: Departamento Nacional do Café, 1938.
PESTANA, Paulo R. Brazil. O café em São Paulo (notas históricas). São Paulo: Typographia Levi, Directoria de industria e commercio, 1927.
RAMOS, Augusto. O café no Brasil e no estrangeiro. Contribuição comemorativa do 1º Centenário. Rio de Janeiro: Papelaria Santa Helena, 1923.
RELAÇÃO DOS CAFEICULTORES DO ESTADO DE SÃO PAULO. Superintendência dos Serviços do café. Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. São Paulo: Indústria Gráfica Siqueira, 1946, 7 volumes.
SÃO PAULO, Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial de São Paulo pelo presidente da provincia, Barão do Parnahyba, no dia 17 de janeiro de 1887. São Paulo, Typ. a Vapor de Jorge Seckler & Comp., 1887.
SÃO PAULO, Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial de São Paulo pelo presidente da provincia, exm. sr. dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves, no dia 10 de janeiro de 1888. São Paulo, Typ. a Vapor de Jorge Seckler & Comp., 1888.
SILVA, Alvimar. O novo Brasil. Rio de Janeiro: s/n. 1939.
TAUNAY, Affonso D’Escragnole. História do Café no Brasil. Obra Completa. Rio de Janeiro: Ed. Departamento Nacional do Café, 1939.
VILARES, Henrique Dumont. Contribuição para o estudo do problema econômico do café. São Paulo: s/n, 1933.
ZIMMERMANN, Albert. O café. Rio de Janeiro: Departamento Nacional do Café, 1935.
342
Fontes secundárias:
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de, Divisão internacional do trabalho, Lua Nova, São
Paulo: CEDEC-L&PM, v. 4, n. 1, jul./set., 1987: 95-103.
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. África e Brasil. In: Fundação Alexandre de Gusmão, Ministério das Relações Exteriores. (Org.). I Curso para Diplomatas Africanos - Textos Acadêmicos. 1ed. Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011, v. 1, p. 375-386.
________________________. Com quantos escravos se constrói um pais? Raízes Africanas. 1ed. Rio de Janeiro: Editora Sabin, 2009, v. 1, p. 26-30.
__________________________. Com quantos escravos se constrói um país?. Revista de História da Biblioteca Nacional, v. 39, p. 25-29, 2008.
_________________________. O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul. Séculos XVI e XVII. Companhia das Letras, 2000.
__________________________. De Nabuco a Nabuco. Folha de São Paulo, 8 de maio de 1987.
ALVES, Castro. Espumas Flutuantes. São Paulo: Companhia Editora Nacional: 2006.
AMARAL, L. História geral da agricultura brasileira. 2. ed. São Paulo: Nacional,
1958. v. 2.
ANDRADE, Edgar Lage de. Sertões da Noroeste 1850-1945. São Paulo: Ed. do
Autor, 1945.
ANDRADE, Manuel Correia de. A questão da terra na Primeira República. In: Silva,
S. e Szmrecsányi, T. (org.) História Econômica da Primeira República, São Paulo:
Hucitec, 1996. p. 143-156.
ANDRADE, Maria José de Souza. A mão de obra escrava em Salvador, 1811-1860. Corrupio, 1988.
ARRUDA, José Jobson de Andrade. Historiografia: Teoria e Prática. São Paulo: Ed.
Alameda, 2014.
_____________________________. Introdução do livro: CANABRAVA. Alice Piffer.
Desenvolvimento da Cultura do Algodão na Província de São Paulo. 1861-1875. São
Paulo: EDUSP. 2011.
343
____________________________. Cultura histórica: territórios e temporalidades
historiográficas. Saeculum 16, João Pessoa, jan./jun. 2007.
AURELIANO, Liana. No limiar da industrialização. 2. Ed. Campinas: IE/Unicamp,
1999. Série Teses.
AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no
imaginário das elites, século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
AZEVEDO, Elciene. O direito dos escravos. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2010.
AZEVEDO, Fernando de. Um trem corre para o oeste. Estudo sobre o Noroeste e
seu papel no sistema de viação nacional. São Paulo: Livraria Martins Editora S.A.,
1950.
AZZONI, A. et, al. Alguns problemas da propriedade cafeeira em Araraquara. In. O
café. Anais do congresso de história II. São Paulo: 1975. P. 371-403.
BACELLAR, Carlos Almeida Prado & BRIOSCHI, Lucila Reis. (orgs.) Na estrada do
Anhanguera. Uma visão regional da história paulista. São Paulo: Humanitas
FFLCH/USP. 1999.
BACHA, Edimar Lisboa; GREENHILL, Robert. 150 anos de café. Rio de Janeiro:
Salamandra, 1992.
BANDECCHI, Brasil. Legislação da província de São Paulo sobre escravos. Revista
de História (USP). Nº 99 - 3º trimestre de 1974.
BARBOSA, A. F. A formação do mercado de trabalho no Brasil. São Paulo:
Alameda, 2008.
BARBOSA, Francisco Benedito da Costa,. Relações de produção na agricultura: algodão no Maranhão (1760 a 1888) e café em São Paulo (1886 a 1929). Agric. São Paulo, São Paulo, v. 52, n. 2, p. 17-27, jul./dez. 2005.
BASSANEZI, Maria Silvia B. (Org.). São Paulo do passado: dados demográficos. Campinas: NEPO/UNICAMP, 1998. 1 CD-ROM.
BASSANEZZI, Maria Silvia B. Fazenda Santa Gertrudes. Uma abordagem
quantitativa das relações de trabalho em uma propriedade rural paulista 1895-1930.
Rio Claro: FFCL, 1973. Tese de doutoramento.
BASTIDE, Roger e FERNANDES, Brancos e negros em São Paulo. Ensaio sociológico sobre a formação, manifestações atuais e efeitos do preconceito de cor na sociedade paulistana. RJ: Ed. Globo, 2008.
344
BASTOS, Pedro Paulo Zahluth. A dependência em progresso: fragilidade financeira, vulnerabilidade comercial e crises cambiais no Brasil (1890-1954). Campinas: IE/UNICAMP, 2001. Tese de doutoramento.
BEIGUELMAN, Paula. A formação do povo no complexo cafeeiro: aspectos políticos. São Paulo: Pioneira, 1977.
___________________. O suíço que desbravou a Alta Paulista. In: Folha de S. Paulo. São Paulo: 25 dez. 2006, Caderno Cidades/Metrópole, C4.
___________________. A destruição do escravismo capitalista. Revista de História. Nº 69 - 1º trimestre de 1967.
__________________. O encaminhamento político da escravidão no Império, in História geral da civilização brasileira. Tomo II, vol. III. Rio de Janeiro: Bertrand.
BERGAD, Laird W. Escravidão e história econômica: demografia de Minas Gerais, 1720-1888. EDUSC, 2004.
BOCCIA, Ana Maria Mathias e MALERBI, Eneida Maria. O contrabando de escravos para São Paulo. Revista de História - Vol. LVI - N.º 112 Outubro-Dezembro 1977.
BOTELHO, Cândida Maria de Arruda. Fazendas paulistas do ciclo do café: 1756-
1928. Rio de Janeiro, RJ : Editora Nova Fronteira, 1984.
BRAUDEL, F. A História e as Ciências Sociais: A Longa Duração. In: Novais, F. e Silva, R. (Orgs.) Nova História em Perspectiva. Cosacnaify: São Paulo, 2010. p. 93.
BUSCH, R. K. História de Limeira. Limeira: Prefeitura Municipal de Limeira, Departamento de Educação e Cultura, 1927.
CABAT, Geoffrey Alan. O comércio de escravos no Brasil visto por funcionários diplomáticos americanos (1845-1857). Revista de História (USP). Nº 74 - 2º Trimestre de 1968.
CALMON, Pedro. História do Brasil na Poesia do Povo. Rio de Janeiro: Edições Bloch, 1973.
CAMARGO, José Francisco de. Crescimento da população no Estado de São Paulo
e seus aspectos econômicos. São Paulo: FFLCH/USP, 1952. 3 volumes.
CAMPOS, Z. F. de. Centenário de Rio Claro. Rio Claro: Typ. Conrado, 1929.
CANABRAVA, Alice P. “Esboço da história econômica de São Paulo”. In: BRUNO,
Ernani Silva (org.), São Paulo Terra e Povo. Porto Alegre: Globo, 1967.
___________________. Minhas reminiscências. Economia Aplicada. Vol.1, nº 1,
1997.
CANDIDO, Mariana P. O limite tênue entre liberdade e escravidão em Benguela durante a era do comércio transatlântico. Afro-Ásia, 47 (2013), 239-268.
345
CANO, Wilson & LUNA, Francisco Vidal. A Reprodução Natural de Escravos em
Minas Gerais (Século XIX) – uma Hipótese. In: Economia Escravista em Minas
Gerais, Campinas, Cadernos IFCH-UNICAMP, (10):1-14, outubro de 1983.
CANO, Wilson. Ensaios sobre a formação econômica regional do Brasil. Campinas,
SP: Editora da UNICAMP, 2002.
____________. Raízes da concentração industrial em São Paulo. 2. ed. São Paulo:
T. A. Queiroz. 1983.
____________. Padrões diferenciados das principais regiões cafeeiras (1850-1930).
Revista de Estudos Econômicos. São Paulo, vol.15, n.2, mai-ago 1985, p. 291-306.
CARDOSO, F. H. & IANNI, O. Cor e mobilidade social em Florianópolis. Aspectos das relações entre negros e brancos numa comunidade do Brasil Meridional. São Paulo: Cia. Ed. Nacional 1960.
CARLOS, Maria Cleide Rodrigues. Relação entre a Distribuição da Terra e o Uso
dos Fatores de Produção na Agricultura Brasileira. Piracicaba, Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz, 1971.
CARVALHO FRANCO, M. S. Homens livres na ordem escravocrata, São Paulo: Kairós, 1983.
CARVALHO, Vicente de. Solução para a crise do café. São Paulo: Livraria Civilização, 1903.
CAVES, Richard E. et al., Economia internacional: comércio e transações globais, São Paulo: Saraiva, 2001.
CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis historiador. São Paulo: Cia das Letras, 2003.
_________________. A Força da Escravidão: Ilegalidade e Costumes no Brasil Oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
________________. Visões da Liberdade: Uma história das últimas décadas da Escravidão na Corte. São Paulo: Cia das Letras, 2011.
COBRA, Amador Pereira Gomes Nogueira. Em um Recanto do Sertão Paulista. São
Paulo, Tip. Hennies, 1923.
COHEN, Ilka Stern & MARTINS, Ana Luiza, Brasil pelo olhar de Thomas Davatz (1856-1858), São Paulo, Atual, 2000.
CONRAD, Robert E. Os últimos anos da escravidão no Brasil: 1850-1888. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1975.
_________________.Tumbeiros: o tráfico de escravos para o Brasil, São Paulo, Brasiliense, 1985.
346
CORRÊA, A. M. M. História Social de Araraquara. São Paulo, 1967. Dissertação. Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.
COSTA, Emília Viotti da. Da Senzala à Colônia. São Paulo: Unesp, 1998.
__________________. Da monarquia à república. São Paulo: Grijalbo, 1977.
COSTA, Iraci del Nero da (org.), Brasil: História econômica e demográfica (São Paulo, Instituto de Pesquisas Econômicas), 1986.
DAVATZ, Thomas. Memórias de um colono no Brasil. 1850. Trad., prefácio e notas
de Sérgio Buarque de Holanda. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1980.
DEAN, Warren. Rio Claro: um sistema brasileiro de grande lavoura, 1820-1920. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
____________. A pequena propriedade dentro do complexo cafeeiro: sitiantes no
município de Rio Claro (1870-1920). Revista de História. São Paulo, vol. LIII, n. 106,
1976.
DEBES, Célio. A caminho do Oeste; subsídios para a história da Companhia
Paulista de Estradas de Ferro e das ferrovias de São Paulo. São Paulo, 1968.
“Edição comemorativa do centenário de fundação da Companhia Paulista".
DEDECCA, CLÁUDIO SALVADORI. Notas sobre a Evolução do Mercado de
Trabalho no Brasil. Revista de Economia Política, vol. 25, nº 1 (97), pp. 94-111,
janeiro-março/2005.
DELFIM NETO, Antônio. O Problema do Café no Brasil. São Paulo: ED. Unesp/Facamp 2009.
DENIS, Pierre. O Brasil no século XX. Lisboa: Antiga Bertrand - José Bastos
Editores, 1911.
DIÉGUEZ, M. População e propriedade da terra no Brasil. Washington, DC: União
Pan-americana, Secretaria Geral, Organização dos Estados Americanos, 1959.
DINIZ, Diana Maria de Faro Leal. Rio Claro e o café: Desenvolvimento, apogeu e
crise (1850-1900). Rio Claro: FFCL, 1973. Tese de doutoramento.
DOIN, José Evaldo de Mello. O Capitalismo Bucaneiro. Dívida Externa,
Materialidade e Cultura na saga do Café. Vol. I. Franca: UNESP/FHDSS, 2001. Tese
de Livre Docência.
DONALD JR, Cleveland. Slavery and Abolition in Campos, Brazil: 1830-1888, Ph. D.
Diss.,Cornell University, 1973.
347
___________________. Slave Resistance and Abolitionism in Brazil: The Campista
Case, 1879-1888, Luso-Brazilian Review, 13, 2 (1976), pp. 182-93.
DORATIOTO, F. F. M. Maldita guerra: nova história da guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
DRESCHER, Seymour. Econocide: British Slavery in the Era of Abolition. Chapel Hill:
University of North Carolina Press, 2010.
EISENBERG, Peter L. Modernização sem Mudança - A Indústria Açucareira em
Pernambuco 1840-1910. São Paulo: Paz e Terra, 1977.
ELLIS JR., Alfredo, 1896- Tenente-Coronel Francisco da Cunha Bueno; pioneiro da
cafeicultura no Oeste Paulista. Paulo, 1960.
ELLIS, Alfredo. O café e a Paulistânea. São Paulo: Edusp, 1951.
FALEIROS, Rogério Naques. Os colonos de café e a crise de 29: o dever e o haver
nas cadernetas da Fazenda Pau D’Alho de Campinas. Texto apresentado no I
Seminário de História do Café. Itu, 2006.
_______________________. Fronteiras do Café: fazendeiros e colonos no interior
paulista (1917-1937).Bauru: EDUSC, 2010.
_______________________. Homens do Café: Franca 1880-1920. Campinas:
IE/UNICAMP, 2002. Dissertação de Mestrado.
_______________________. Do escravo ao imigrante: cafeicultura e relações de
trabalho em São Paulo no século XIX. Revista Leituras de Economia Política, n. 08.
Campinas: IE/Unicamp, 2001, p. 87-110.
FAUSTO, Boris. Crime e cotidiano. A criminalidade em São Paulo (1880-1924). São
Paulo: Brasiliense, 1983.
____________. (org.) História Geral da Civilização Brasileira. 4 ª ed. Vol. 3, Tomo I.
São Paulo: Difel, 1985.
___________. (org.). Fazer a América. São Paulo: Memorial/Edusp/Fundação
Alexandre de Gusmão, 1999.
FENELON, Déa Ribeiro. Levantamento e sistematização da legislação relativa aos
escravos no Brasil. Anais do VI Simpósio Nacional dos Professores Universitários de
História. São Paulo: FFLCH-USP, 1973
FERNANDES, Florestan. A Integração do Negro na Sociedade de Classes. Rio de
Janeiro: Ed. Globo, 2008.
348
FERRAZ, J. R. História do Rio Claro (A sua vida, os seus costumes e os seus homens) – 1821 – 1827. São Paulo: Typographia Hennes Irmãos, 1922.
FLAUSINO, Camila Carolina, Negócios da escravidão: tráfico interno de escravos em Mariana, 1850-1886. Dissertação de mestrado apresentada ao programa de pós-graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora. 2006.
FLORENTINO, Manolo; RIBEIRO, Alexandre Vieira e SILVA, Daniel Domingues da. Aspectos comparativos do tráfico de africanos para o Brasil (séculos XVIII e XIX). Afro-Ásia, 31 (2004), 83-126.
FLORENTINO, Manolo; MACHADO, Cacilda. Sobre a família escrava em plantéis ausentes do mercado de cativos: três estudos de casos (século 19). XI Encontro Nacional de Estudos Populacionais da ABEP.
FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico atlântico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). 1ª Edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 44-50.
FLORENTINO, Manolo; GOES, José Roberto. A paz nas senzalas: famílias escravas e o tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790- c. 1850. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
FOGEL, R. & ENGERMAN, S. Time on the cross: The economics of American negro slavery. NY: Little Brown, 1974.
_________________________. Without Consent or Contract; Markets and Production. (Technical Papers, v.1). New York: Norton, 1992.
FONSECA, A. A. “Algumas palavras sobre a fundação de Rio Claro”. In: MOLINA, T. C. de (org.). Almanak de São João do Rio Claro para 1873. Campinas: José Maria Lisboa – Typografia da Gazeta de Campinas, 1972; SP: Arquivo do Estado; Imprensa Oficial do Estado, 1981.
FOURASTIÉ, Jean. Le Grand espoir du XXe siècle. Paris: Presses Universitaires,
1949.
FRAGOSO & FLORENTINO, "Marcelino, filho de Inocência Crioula, neto de Joana Cabinda: um estudo sobre famílias escravas em Paraíba do Sul (1835-1872). In. Estudos Econômicos. 17(2): 151-173. Maio/Ago. 1987.
FRAGOSO, J. L. O Império escravista e a republica dos plantadores. Economia brasileira do século XIX: mais do que uma plantation escravista exportadora. In. Linhares, M. Y. (Org.) História geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campos, 1990.
FRAGOSO, João. A gênese do quatrocentão. Folha de S. Paulo, 28 jan. 2007.
FRANÇA, Ary. A marcha do café e as frentes pioneiras. Rio de Janeiro: Conselho
Nacional de Geografia, 1960. Série Guia da excursão nº 3 realizada por ocasião do
XVIII Congresso Internacional de Geografia.
349
FRANÇOIA, Juarez. Senhores de escravos: trajetórias, disputas e solidariedade no
Oeste Paulista. 1845/1880. Dissertação mestrado. IFCH, Campinas, SP. Unicamp.
2009.
FREITAS, Sônia Maria de. E chegam os imigrantes. O café e a imigração em São
Paulo. São Paulo: Edição da autora, 1999.
FURTADO, Celso Monteiro. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Cia Editora
Nacional. 1972.
GADELHA, Regina Maria D'Aquino Fonseca. Os núcleos coloniais e o processo de
acumulação cafeeira (1850-1920): contribuição ao estudo da colonização em São
Paulo: FFLCH/USP, 1982. Tese de doutoramento.
________________. A lei de terras (1850) e a abolição da escravidão capitalismo e
força de trabalho no Brasil do século XIX.R. História, São Paulo. 120, p. 153-162,
jan/jul. 1989.
GENOVESE, Eugene. Roll, Jordan, Roll. The word the slaves made. Nova Iorque,
1974.
GHIRALDELLO, Nilson. À beira da linha: formações urbanas da Noreste-Paulista.
São Paulo: FFLCH/USP, 1999. Tese de doutoramento.
GODOY, Joaquim Floriano de. A Província de São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial e FUNDAP, 2007.
GÓES, José Roberto Pinto de, Escravos da paciência: um estudo sobre a obediência escrava no Rio de Janeiro (1790-1850), tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1998.
GÓES, José Roberto Pinto de, O cativeiro imperfeito. Um estudo sobre a escravidão no Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX, Vitória, Lineart, 1993.
GOMES, Ângela de Castro. Vargas e a crise dos anos 50. Rio de Janeiro: Relume-Dumara, 1994.
GORENDER, Jacob. O escravismo Colonial. São Paulo: Ática, 1985.
GRAHAM, D, & HOLANDA, S. B. de. Migrantion, regional and urban growth and
development in Brazil: a selective analysis of the historical record, 1872-1970. São
Paulo, IPE-USP, 1971.
GRAHAM, Richard. Nos tumbeiros mais uma vez? O comércio interprovincial de escravos no Brasil. Afro-Ásia, Salvador, n. 27, p 121-160, 2002.
_______________. Another Middle Passage? The Internal Slave. In. Johnson, Walter, The Chattel Principle: Internal Slave Trades in the Americas Trade in Brazil. Yale University Press, 2004.
350
_______________. Slavery and Economic Development: Brazil and the U.S. South Comparative Studies in Society and History, 23:4. Oct 1981.
_______________. Escravidão, reforma e imperialismo. São Paulo: Perspectiva, 1979.
_______________. Migração estrangeira e a questão da oferta de mão de obra no crescimento econômico brasileiro. 1880-1930. Revista de Estudos Econômicos. São Paulo, vol. 3, n. 1. 1973. p. 7-64.
GRAHAM, Sandra Lauderdale. Proteção e obediência: Criadas e seus patrões no Rio de Janeiro, 1860-1910, São Paulo, Companhia das Letras, 1992.
_________________________. “O impasse da escravatura: Prostitutas escravas, suas senhoras e a lei brasileira de 1871”, Acervo: Revista do Arquivo Nacional,9, 1-2 (1996), pp. 31-68.
GRANDI, Guilherme. Café e expansão ferroviária: a Companhia E.F. Rio Claro, 1880-1903. São Paulo: Annablume & FAPESP, 2007.
GRINBERG, Keila. A Fronteira da Escravidão: a noção de "solo livre" na margem Sul do Império brasileiro. Terceiro encontro: Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. Maio de 2007. Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário Florianópolis, SC.
HALL, M. A introdução do trabalho livre nas fazendas de café de São Paulo In.
Revista Brasileira de História, 1983.
________. Trabalhadores imigrantes - Revista Trabalhadores. Publicação Mensal do
Fundo de Assistência à Cultura, Campinas, n. 3.
________. Reformadores de classe média no Império Brasileiro: A Sociedade
Central de Imigração. Revista de História, n. 105, 1976, p. 148.
HARDMAN, Francisco Foot. Trem Fantasma: a modernidade na selva. São Paulo: Cia. das Letras, 1991.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e Fronteiras. 2ª ed. Rio de Janeiro: José
Olympio Editora, 1975.
__________________________. São Paulo. HGCB. Tombo II, Vol. 4. O Brasil
monárquico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
HOLLOWAY, Thomas H. Imigrantes para o café: café e sociedade em São Paulo
1886.1934. Rio de Janeiro: Paz & Terra. 1984.
____________________. Condições do mercado de trabalho e organização do
trabalho nas plantações na economia cafeeira de São Paulo 1885-1915: uma análise
351
preliminar. Revista de Estudos Econômicos. São Paulo, vol. 2, n. 6. 1972. p. 145-
180.
____________________. Vida e morte do Convênio de Taubaté. A primeira
valorização do café. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1978.
HOLSTON, J. Legalizando o ilegal: propriedade e usurpação no Brasil, Revista
Brasileira de Ciências Sociais, N°21, ano 8, fevereiro de 1993.
IANNI, Octavio. O progresso econômico e o trabalhador livre. HGCB. São Paulo:
Difel, t. II, v. 3, 1976.
JACKSON, Luiz Carlos. A tradição esquecida. Os Parceiros do Rio Bonito e a
sociologia de Antonio Candido. Belo Horizonte/São Paulo: Ed. UFMG/Fapesp, 2002.
JOHNSON, Walter (Ed.). The Chattel Principle: Internal Slave Trades in the Americas. New Haven & London: Yale University Press, 2004, p. 325-370.
JUNQUEIRA, M. O Instituto Brasileiro de terras devolutas, São Paulo, Edições Leal,
1976.
KAGEYAMA, Ângela Antônia. Crise e Estrutura Agrária, a agricultura paulista na década de 1930. Piracicaba: ESALQ/USP, 1979. Dissertação de Mestrado.
KLEIN, Herbert. The Internal Slave Trade in Nineteenth Century Brazil: A Study of Slave Importations into Rio de Janeiro in 1852. Hispanic American Historical Review, LI, no. 4 (Nov. 1971), pp. 567-568.
____________. The internal slave trade in 19th century Brazil. In. The middle passage. Comparative studies in the Atlantic slave trade. Princeton: Princeton University Press. 1978.
____________. Novas interpretações do tráfico de escravos do atlântico. R. História, São Paulo. 120. p. 3-25, jan/jul. 1989.
KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. [1816]. Trad. e notas: Luiz da
Câmara Cascudo. Recife: Editora Massangana, 2002.
LACERDA, Manoel Linhares de. Tratado das Terras do Brasil. Rio de Janeiro, Ed.
Alba, 1960.
LAMOUNIER, M. Da escravidão ao trabalho livre: a lei de locação de serviços de
1879. Papirus, 1988.
LAPA, José Roberto do Amaral. A economia cafeeira. São Paulo: Brasiliense, 1983.
LARA, Silvia Hunold. Campos da Violência. Escravos e senhores na capital do Rio
de Janeiro, 1750-1808. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.
352
LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime
representativo no Brasil. São Paulo: Alfa Ômega, 1986.
LIMA, R. C. Pequena história territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Porto
Alegre: Livraria Sulista, 1954.
____________. Terras Devolutas. História, doutrina, legislação. Porto Alegre, Livr.
Do Globo, 1935.
LIMA, Sandra Lucia Lopes. Oeste Paulista e a republica. São Paulo: Vértice, 1986.
LINHARES, Maria Yeda; SILVA, F. T. História da agricultura brasileira: combates e
controvérsias. São Paulo: Brasiliense, 1981.
_____________. (Org.) História geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campos, 1990.
LISANTI, Josephina Chaia e Luís. O escravo na legislação brasileira (1808-1889).
Revista de História (USP). Nº 99 - 3º trimestre de 1974.
LOBATO, Monteiro. A onda verde. São Paulo: Revista do Brasil, 1921.
_______________. Velha praga. In: Urupês. São Paulo: s/n, 1955.
LOVE, Joseph Leroy. A Locomotiva: São Paulo na federação brasileira. 1889-1937. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
LUGÃO, Ana. Família e transição. Famílias negras em Paraíba do Sul, 1872-1920,
dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal
Fluminense, Niterói, 1990.
LUNA & KLEIN, Escravismo no Brasil, São Paulo, Edus, 2010.
LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização no Brasil, 1808-1930. 2ª ed. São Paulo:
Alfa-Ômega, 1978.
_______________. "A administração provincial de São Paulo em face do movimento
abolicionista", Revista de Administração, VIII, 85.
_______________. (org.) Ideias econômicas de Joaquim Murtinho. Cronologia,
introdução notas bibliográficas e textos selecionados. Rio de Janeiro: Senado
Federal e Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980.
MACHADO, Cláudio Heleno, Monografia de Especialização: Tráfico interno de
escravos estabelecido na direção de um município da região cafeeira de Minas
Gerais: Juiz de Fora, na Zona da Mata (Segunda metade do século XIX). Juiz de
Fora: UFJF, 1998.
353
MACHADO, M. H. P. T. Crime e Escravidão. Edição revista e ampliada. 2o.ed. São
Paulo: EDUSP, 2014.
_________________. O Plano e o Pânico. Os Movimentos Sociais na Década da
Abolição. 2o. ed. São Paulo: EDUSP, 2010.
MADDISON, Angus. Dos crisis: America Latina y Asia, 1929-38 y 1973-83. México
DF: Fondo de Cultura Económica, 1988.
MALAN, Pedro S. (et. Alli.). Política econômica externa e industrialização no Brasil
(1939/52). Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1977.
MALTA, Mauro Moitinho; PELAÉZ, Carlos Manuel (Orgs.) Ensaios sobre o café e
desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Ministério da Indústria e do Comércio;
Instituto Brasileiro do Café, 1973.
MARCONDES, Renato Leite. A propriedade escrava no Vale do Paraíba paulista
durante a década de 1870, São Paulo, FEA/USP-Ribeirão Preto, 2000.
MARCONDES, Renato Leite. Diverso e desigual: o Brasil escravista na década de
1870. São Paulo: FUNPEC-Ed. 2009.
MARQUES, Manuel Eufrásio de Azevedo. Apontamentos Históricos, Geográficos, Riográficos, Estatísticos e Noticiosos da Província de São Paulo. Seguidos da cronologia dos acontecimentos mais notáveis desde a fundação da Capitania de São Vicente até o ano de 1876. São Paulo, livr. Martins Ed., 1952. 2 vols. (Biblioteca Histórica Paulista, 1).
MARQUESE, R. B. ; PARRON, T. P. ; BERBEL, M. R. . Escravidão e política. Brasil
e Cuba, c.1790-1850. São Paulo: Hucitec, 2010. 396p.
MARQUESE, Rafael de Bivar. Estados Unidos, Segunda Escravidão e a Economia
Cafeeira do Império do Brasil. Almanack, Guarulhos. n. 5, p. 51-60, 2013.
__________________________. Capitalismo, Escravidão e a Economia Cafeeira do
Brasil no longo século XIX. Saeculum (UFPB), v. 29, p. 289-321, 2013.
__________________________. Capitalismo & escravidão e a historiografia sobre a
escravidão nas Américas. Estudos Avançados (USP. Impresso), v. 26, p. 341-354,
2012.
________________________. A dinâmica da escravidão no Brasil: resistência,
tráfico negreiro e alforrias, séculos XVII a XIX. Novos Estudos CEBRAP (Impresso),
São Paulo, p. 107-123, 2006.
354
________________________. Feitores do corpo, missionários da mente. Senhores,
letrados e o controle dos escravos nas Américas, 1660-1860. São Paulo: Companhia
das Letras, 2004. 480p.
_______________________. Administração & Escravidão. Ideias sobre a gestão da
agricultura escravista brasileira. 1ª. ed. São Paulo: HUCITEC, 1999. v. 1. 259p.
_______________________. A administração do trabalho escravo nos manuais de
fazendeiro do Brasil Império, 1830-1847. Revista de História (USP) 137 (1997), 95-
111.
MARTINS, Ana Luiza. O trabalho nas fazendas de café. Coleção A Vida no Tempo.
Coord. Maria Helena Simões Paes; Marly Rodrigues. São Paulo: Atual, 1994.
MARTINS, José de Souza. Imigração e crise do Brasil agrário. São Paulo: Pioneira.
1973.
_______________________. O cativeiro da terra. São Paulo: Livraria editora
ciências humanas. 1979.
_______________________. Capitalismo e Tradicionalismo. Estudos sobre as
contradições da sociedade agrária no Brasil. São Paulo: Livraria Pioneira Editores,
1975.
MARTINS, Roberto Borges, "Minas Gerais no século XIX: tráfico e apego à
escravidão numa economia não-exportadora", Estudos Econômicos, no 13 (I),
Cjan./abr., 1983, pp. 181-209.
_________________. Growing in Silence: The Slave Economy of Nineteenth-
Century Minas Gerais, Brazil, Ph. D., Vanderbilt University, 1980.
MATOS, Odilon Nogueira de. Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e
o desenvolvimento da cultura cafeeira. São Paulo: Alfa-ômega. 1974.
MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silêncio. O significado da liberdade no sudeste
escravista: Brasil, século XIX. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1998.
MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser escravo no brasil. São Paulo: Brasiliense, 3 ed. 2003.
_________________. O Filho da escrava (em torno da Lei do Ventre Livre). Ver. Bras. De Hist. S. Paulo, V. 8, n. 16. pp. 37-55.
MELLO, Evaldo Cabral de. O norte agrário e o Império, 1871-1889. Rio de Janeiro:
Topbooks, 1999.
355
MELLO, João Manuel Cardoso de & NOVAIS, Fernando Antônio. Capitalismo Tardio e Sociabilidade Moderna. In: História da Vida Privada no Brasil. Vol. IV. São Paulo: Cia. Das Letras, 1998.
MELLO, João Manuel Cardoso de. O Capitalismo tardio. Contribuição à revisão crítica da formação e do desenvolvimento da economia brasileira. 10ª ed. Campinas: IE/UNICAMP, série 30 anos de economia Unicamp, 1998.
MELLO, P. C. de & Slenes, R. W. Análise econômica da escravidão no Brasil. In. Neuhaus, P. Economia Brasileira uma visão histórica. Rio de Janeiro: Campus, 1980.
MELLO, P. C. de. A escravidão nas fazendas de café: 1850-1888. Rio de Janeiro, PNPE, 1984, Vol. 1.
__________________. “Estimativa da longevidade de escravos no Brasil na segunda metade do século XIX”, Estudos Econômicos, vol. 13, nº 1, (1983), p. 168.
MENDES, J. E. Teixeira. MENDES, José de Castro. Lavoura cafeeira paulista
(velhas fazendas do município de Campinas). São Paulo: Departamento Estadual de
Informações, 1947.
MENZ, Maximiliano M. & ACIOLI, Gustavo. Resgate E Mercadorias: Uma Análise Comparada do Tráfico Luso-Brasileiro de Escravos em Angola e na Costa Da Mina (Século XVIII). Afro-Ásia, 37 (2008), 43-73.
MENZ, Maximiliano M. As “geometrias” do tráfico: o comércio metropolitano e o tráfico de escravos em angola (1796-1807). Revista de História, São Paulo, n. 166, p. 185-222, jan./jun. 2012.
MERRICK, Thomas & GRAHAM, Douglas. População e desenvolvimento no Brasil:
uma perspectiva histórica. In. Neuhaus, P. Economia Brasileira uma visão histórica.
Rio de Janeiro: Campus, 1980.
MESSIAS, Roseane Carvalho. O cultivo do café nas bocas do sertão paulista: mercado interno e mão de obra no período de transição – 1830-1888. São Paulo: Ed. UNESP, 2003.
MILLIET, Sérgio. O Roteiro do Café. Contribuição para o estudo da História Econômica e social do Brasil. São Paulo: Hucitec, 1982.
MONBEIG, Pierre. As estruturas agrárias da faixa pioneira paulista. In: Novos
estudos de geografia humana brasileira. São Paulo: Difel, 1957.
_______________. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo: Hucitec/Polis.
1984.
MONTEIRO, Denise Mattos. Política de terras no Brasil: elite agrária e reações à legislação fundiária na passagem do Império para a república História econômica & história de empresas V.2 (2002), 53-73 I 53.
356
MOREIRA, Paulo. Latifúndio Devoluto. Historia completa da falsificação de títulos de
domínios sobre terras devolutas. São Paulo, Empr. Graf. Da Revista dos Tribunais,
1941.
MORSE, Richard McGee. Formação histórica de São Paulo (de comunidade a metrópole). São Paulo: Difel, 1970.
MOTT, M. L. B. A criança escrava na literatura de viagens. Cadernos de Pesquisa.
Fundação Carlos Chagas, São Paulo, v. 31, p. 57-68, 1979.
_________________. Ser mãe: a escrava em face do aborto e do infanticídio. R.
História, São Paulo. 120. p.85-96, jan/jul.1989.
MOTT, M. L. B. NEVES, M. F. R. VENANCIO, R. P. A escravidão e a criança negra.
Ciência Hoje, São Paulo, v. 48, 1988.
MOTTA SOBRINHO, Alves. A civilização do café (1820-1920). Pref. de Caio Prado
Júnior. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1967.
MOTTA, José Flávio. Escravos Daqui, Dali e de Mais Além: o tráfico interno de
cativos na expansão cafeeira paulista (Areias, Guaratinguetá,
Constituição/Piracicaba e Casa Branca, 1861-1887). 1. ed. São Paulo: Alameda
Casa Editorial, 2012.
________________. A lei, ora a lei! Driblando a legislação no tráfico interno de
escravos no Brasil (1861-1887). História e Economia, v. 10, p. 15-28, 2012.
________________. O tráfico de escravos velhos (Província de São Paulo, 1861-
1887). História. Questões e Debates, v. 52, p. 37-69, 2010.
________________. Derradeiras transações: o comércio de escravos nos anos de
1880 (Areias, Piracicaba e Casa Branca, Província de São Paulo). Almanack
Braziliense, v. 10, p. 147-163, 2009.
________________. Escravos daqui, dali e de mais além: o tráfico interno de cativos
em Constituição (Piracicaba), 1861-1880. Revista Brasileira de História, v. 26, p. 15-
47, 2006.
_______________. Corpos Escravos, Vontades Livres: Posse de Cativos e Família
Escrava Em Bananal (1801 - 1829). São Paulo: Annablume / FAPESP, 1999.
MOTTA, José Flávio & MARCONDES, Renato Leite, “A família escrava em Lorena e Cruzeiro (1874)”, População e família, 3 (2000).
_______________________. “O comércio de escravos no Vale do Paraíba paulista: Guaratinguetá e Silveiras na década de 1870”, Estudos Econômicos, vol. 30, nº 2, (2000).
357
MOTTA, José Flávio ; NOZOE, Nelson . Cafeicultura e acumulação. Estudos Econômicos. Instituto de Pesquisas Econômicas, São Paulo, v. 24, n. 2, p. 253-320, 1994.
MOTTA, José Flávio ; NOZOE, Nelson ; COSTA, Iraci Del Nero da . A posse de escravos em uma paróquia da capital do Império do Brasil, 1870. Estudios Históricos (Rivera), v. 6, p. 1, 2011.
MOTTA, M. M. M. A grilagem como legado. In: Motta, M.; Pineiro, T. L. Voluntariado e universo rural. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2001.
_________________. Nas fronteiras do Poder: conflito e direito à terra no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: Vício de Leitura/Arquivo Público, 1998.
MOTTA, M. M. M.; FREITAS, T. de. Da posse e do direito de possuir. Revista de Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, n. 7, Dez. 2005, p. 254. Disponível em: http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista07/Docente/08.pdf Consulta de 13 de novembro de 2006.
MOURA, Denise A. Soares de. Saindo das sombras. Homens livres no declínio do escravismo. Campinas: Fapesp/Centro de Memória /Unicamp,1998. (Coleção Campiniana).
MULLER, Daniel Pedro. Ensaio d’um quadro estatístico da Província de São Paulo.
São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1978.
NEUHAUS, P. (Coord.). Economia brasileira: uma visão histórica. Rio de Janeiro: Campus. 1980.
NEVES, E. F. Sampauleiros traficantes: comércio de escravos do alto sertão da Bahia para o oeste cafeeiro paulista. Afro-Ásia, 2000, 97-128.
NEVES, Maria de Fátima Rodrigues das. “Mortalidade e morbidade entre os escravos brasileiros no século XIX”, Anais do Encontro Nacional de Estudos populacionais (1994).
NICHOLLS, Willian. A fronteira agrícola na história recente do Brasil: o estado do
Paraná, 1920-1965. Revista Brasileira de Economia. Rio de Janeiro, n. 24, vol. 4,
1970, p. 33-64.
OLIVEIRA, Carlos Alonso Barbosa de. O processo de industrialização. Do
capitalismo originário ao atrasado. Campinas: IE/UNICAMP, 1985. Tese de
doutoramento.
OLIVEIRA, Flávia Arbanch Martins de. Faces da dominação da terra: Jaú 1890-
1910. Marília: Fapesp, 1999.
OLIVEIRA, M. C. F. A. de & NETO, J. M. S. Café ferrovia e população: o processo de urbanização em Rio Claro. Texto produzido pelo Núcleo de Estudos de População - NEPO-UNICAMP, 1986.
358
OLIVEIRA, Mônica Ribeiro. Negócios de Família: mercado, terra e poder na
formação da cafeicultura mineira – 1780/1870. Bauru: Edusc, 2005.
PARRON, Tâmis. Política do tráfico negreiro: o Parlamento imperial e a reabertura
do comércio de escravos na década de 1830. Estudos Afro-Asiáticos, v. 1-2-3, p. 91-
121, 2007.
PASSOS SUBRINHO, Josué Modesto dos. Reordenamento do trabalho: trabalho
escravo e trabalho livre no Nordeste açucareiro; Sergipe, 1850/1930. Aracaju:
Funcaju, 2000.
PELÁEZ, Carlos Manuel. Análise econômica do programa brasileiro de sustentação do café – 1906/45: Teoria, política e mediação. In: Ensaios sobre o café e desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro do Café, 1973.
______________________. Uma análise econômica da história do café brasileiro. In: PERISSINOTTO, Renato M. Classes dominantes e hegemonia na República Velha. Campinas: Ed. Unicamp, 1994.
______________________. Estado e Capital Cafeeiro: burocracia e interesse de classe na condução da política econômica (1889-1930). Campinas: IFCH/Unicamp, 1997. Tese de doutoramento.
PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: Jurisconsultos, escravidão e a lei de 1871. Campinas: Unicamp, 2001.
PEREIRA, João Baptista Borges. Italianos no mundo rural paulista. São Paulo:
Pioneira/IEB/USP, 1974.
PETRONE, Maria Thereza Schorer. A lavoura canavieira em São Paulo: expansão e
declínio (1765-1851). São Paulo, Difusão Europeia do Livro, 1968.
________________________. Imigração assalariada. In: HOLANDA, S. B. de.
História geral da civilização brasileira. Tomo II. O Brasil monárquico. Reações e
transações. 3. ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Difel, 1976.
________________________. Sérgio Buarque de Holanda e Thomas Davatz. Art.
Ethnos Brasil, publicação semestral do NUPE, Núcleo Negro da UNESP para
Pesquisa e Extensão. Dossiê Sergio Buarque de Holanda. Ano I – n º2, set. 2002.
PINTO, Carvalho. Política cafeeira. Brasília: Senado Federal, 1973.
PIRES, Júlio Manuel. Finanças públicas municipais na República Velha: o caso de Ribeirão Preto. São Paulo, Estudos Econômicos, vol. 27, n. 3, p. 481-518, 1997.
PIROLA, Ricardo Figueiredo. Senzala Insurgente. Campinas, SP. Ed. UNICAMP.
2011.
PRADO JR. Caio Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 2000.
359
PRADO JUNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 2006.
QUEIROZ, Paulo Roberto Cimó. Uma ferrovia entre dois mundos. A E. F. Noroeste
do Brasil na construção histórica de Mato Grosso (1918-1956). São Paulo:
FFLCH/USP, 1999. Tese de doutoramento.
QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Uma insurreição de escravos em campinas. Revista de História (USP) Nº 99 - 3º trimestre de 1974.
RESENDE, VERSIANI, NOGUERÓL, VERGOLINO. Preços de escravos e produtividade do trabalho cativo: Pernambuco e Rio Grande do Sul, século XIX. Anais do Encontro Nacional de Economia – ANPEC, 2013.
RIBEIRO, Luiz Cláudio M. “A invenção como ofício: as máquinas de preparo e
benefício do café no século XIX”. In: Anais do Museu Paulista – Nova Série. São
Paulo, v. 14. n. 1, jan.-jun. 2006, pp. 121-166.
RIBEIRO, M. A. R. (Org.). Transformações urbanas e o mercado de trabalho em São
Paulo (1870-1954). São Paulo: FAU/USP, 1994.
RIBEIRO, M. A. R. CAMPOS, C. História da riqueza na economia cafeeira paulista: a
família Arruda Botelho 1854-1901. RESGATE - Revista Interdisciplinar de Cultura, v.
XX. p. 59-73, 2012.
RIOS, Edson Fernandes. Família escrava numa boca do sertão. Lenções, 1860-
1888, Revista de História Regional 8(1): 9-30, 2003.
ROCHA, Antonio Penalves. A escravidão na economia política. R. Historia, São
Paulo, 120 p. 97-108, Jan/Jul 1989.
ROCHA, Cristiany Miranda. Histórias de famílias escravas: Campinas, século XIX.
Campinas, SP. Ed. UNICAMP, 2004.
RODRIGUES, Lidiane Soares. A produção social do marxismo universitário. Mestres, discípulos e 'Um Seminário' em São Paulo (1958-1978). Doutorado em História Social, USP. 2012.
ROMERO, João C. P. O café no IAC. Instituto Agronômico. 60 anos de artigos
científicos publicados na revista Bragantina 1941-2001. São Paulo: editora
Agronômica Ceres, 2002.
ROSANE, Carvalho Messias Monteiro. Regiões esquecidas da história: um estudo
sobre a organização da mão-de-obra em fazendas do Oeste Paulista no período de
transição. UNESP, Araraquara.
ROSSINI, Gabriel Almeida Antunes. O Convênio de Taubaté. Verbete, Dicionário Histórico Bibliográfico – CPDOC-FGV. No prelo.
360
_____________________________. O trabalhador nacional-temporário na formação do mercado de trabalho paulista. Estudos Econômicos, 2015.
_____________________________. Apreciações acerca do tráfico interno de escravos no oeste da Província de São Paulo (Rio Claro, 1861-1869). História Econômica & História de Empresas, v. XVI, p. 45, 2013.
_____________________________. Fronteiras do Café: Fazendeiros e Colonos no Interior Paulista (1917-1937). Revista de Economia Política e História Econômica, v. 26, p. 205-215, 2011.
SAES, Décio A. M. A formação do Estado burguês no Brasil (1888-1891). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
SAES, Flávio. A. M. A grande empresa de serviços públicos na economia
cafeeira:1850-1930. 1. ed. São Paulo: Hucitec, 1986.
__________________. As ferrovias de São Paulo 1870-1940: expansão e declínio
do transporte ferroviário em São Paulo. São Paulo: Hucitec. 1981.
__________________. Crédito e Bancos no desenvolvimento da economia paulista
1850-1930. São Paulo: IPE/USP, 1986.
__________________. Estradas de ferro e diversificação da atividade econômica na
expansão cafeeira em São Paulo, 1870-1900. In: História Econômica da
Independência e do Império. Coletânea de textos apresentados no I Congresso
Brasileiro de História Econômica, 1993. São Paulo: Hucitec, Fapesp, 1996.
SALLES, Manuel Ferraz de Campos. Da propaganda à presidência. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1983.
SALLES, Ricardo. Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do
exército. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
______________. E o Vale era o escravo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2008.
SALLUM JR. Brasílio. Capitalismo e Cafeicultura. Oeste Paulista: 1888-1930. São
Paulo: Duas Cidades, 1982.
SANTOS, Fábio Alexandre dos. Rio Claro. Uma cidade em transformação. São
Paulo: Annablume/Fapesp, 2001.
SANTOS, José Vicente dos. Colonos do Vinho. Estudo sobre a subordinação do
trabalho camponês ao Capital. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1984.
SANTOS, Ronaldo Marcos. Resistência e superação do escravismo na Província de
São Paulo (1885-1888). São Paulo: Instituto de Pesquisas Econômicas, 1980.
361
SAPIENZA, Vitor. Café amargo. Resistência e luta dos italianos na formação de São
Paulo. São Paulo: Meta, 1991.
SCANTIMBURGO, João de. Café e o desenvolvimento do Brasil. São Paulo:
Melhoramentos, 1980.
SCHEFFER, R. da C. Tráfico interprovincial e comerciantes de escravos em Desterro, 1849-1888. Dissertação Mestrado, Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Santa Catarina. Florianópolis, 2006.
SCHEFFER, Rafael da Cunha. Comércio de escravos do Sul para o sudeste, 1850-1888: economias microrregionais, redes de negociantes e experiência cativa. Tese de Doutorado. IFCH, UNICAMP. 2012.
SEMEGHINI, Ulysses C. Campinas (1860-1980): agricultura, industrialização e
urbanização. Campinas: IE/Unicamp, 1998.
SILVA, Áurea Pereira. Engenhos e fazendas de café em Campinas (séc. XVIII – séc. XX). In: Anais do Museu Paulista – Nova Série. São Paulo, v. 14. n. 1, jan.-jun. 2006, pp. 81-120.
SILVA, Lígia Osório. Terras Devolutas e Latifúndio: efeitos da Lei de 1850.
Campinas/SP: Ed. Da Unicamp, 2008.
SILVA, Ricardo Tadeu Caíres. A participação da Bahia no tráfico interprovincial de
escravos (1851-1881). Terceiro encontro escravidão e liberdade no Brasil
meridional. Maio de 2007. Universidade Federal de Santa Catarina Campus
Universitário Florianópolis, SC.
SILVA, Ricardo Tadeu Caíres. A participação da Bahia no tráfico interprovincial de escravos (1851-1881). Terceiro encontro escravidão e liberdade no Brasil meridional. Maio de 2007. Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário Florianópolis, SC.
SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. 8ª ed. São Paulo:
Alfa-ômega, 1995.
SIMONATO, O parentesco entre os cativos no meio rural do Rio de Janeiro em
1860. População e família, São Paulo: Humanitas, v. 1, n. 1, p. 143-179 jan./ jun.
1998.
SIMONSEN, Roberto. Evolução industrial de São Paulo e outros aspectos. São
Paulo: Nacional, 1973.
_________________. Aspectos da história econômica do café. In: Revista do
Arquivo Municipal. São Paulo: Prefeitura do Município de São Paulo, 1940, v. LXV.
362
_________________. Evolução industrial do Brasil e outros estudos. São Paulo: Cia
Ed. Nacional, 1973.
________________. História Econômica do Brasil 1500-1820, Editora: Nacional,
1977.
SLENES, Robert W. The demography and economics of Brazilian slavery: 1850-1888. Tese de doutorado. Stanford University, Stanford, 1976.
________________. O que Rui Barbosa não queimou: novas fontes para o estudo da escravidão no século XIX. Estudos Econômicos. Jan./abr. 1983. Págs. 117-149.
________________. “Comments on ‘Slavery in a Nonexport Economy’”, Hispanic American Historical Review, 63, 3 (1983), pp. 569, 577.
________________. “Escravos, cartórios e desburocratização: o que Rui Barbosa não queimou será destruído agora?” Revista Brasileira de História, v. 5, n. 10, p. 166-196, 1985.
_______________. “Grandeza ou decadência? O mercado de escravos e a economia cafeeira da província do Rio de Janeiro, 1850-1888”, em Iraci del Nero da Costa (org.), Brasil: História econômica e demográfica. São Paulo: Instituto de Pesquisas Econômicas, 1986, pp. 110-33.
_______________. Escravidão e família: padrões de casamento e estabilidade familiar numa comunidade escrava (Campinas, século XIX). Estudos Econômicos, v. 17, n. 2, p. 217-227, maio/ago. 1987.
_______________. Família escrava e trabalho. Revista Tempo, Vol. 3 - n° 6, Dezembro de 1998.
_______________. “Os múltiplos de porcos e diamantes: A economia escrava de Minas Gerais no século XIX”, Estudos Econômicos, 18, 3 (1988).
_______________. The Brazilian Internal Slave Trade, 1850-1888: Regional Economies, Slave Experience, and the Politics of a Peculiar Market. In: Johnson, Walter (Org.) The Chattel Principle: Internal Slave Trades in the Americas. Yale University Press, 2004.
_______________. Brazil. In. Slavery in the Americas. Oxford University Press Inc. New York, 2010.
_______________. A 'Great Arch' Descending: Manumission Rates, Subaltern Social Mobility and Slave and Free(d) Black Identities in Southeastern Brazil, 1791–1888, in John Gledhill and Patience Schell (orgs), Rethinking Histories of Resistance in Brazil and Mexico (Durham, NC, forthcoming);
_______________. Na Senzala, uma Flor – Esperanças e Recordações na Formação da Família Escrava, Campinas, SP: UNICAMP, 2011.
363
SOARES, Mariza de Carvalho. O Império de Santo Elesbão na cidade do Rio de Janeiro, no século XVIII. Topoi, Rio de Janeiro, mar. 2002, pp. 59-83.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Mauad, 1994.
SOUZA, Antônio Cândido de Mello e. Os Parceiros do Rio Bonito: estudos sobre o
caipira e a transformação dos seus meios de vida. 3ª ed. São Paulo: Livraria Duas
Cidades. 1975.
SOUZA, Candice Vidal e. A Pátria Geográfica: sertão e litoral no pensamento social
brasileiro. Goiânia: Ed. Da UFG, 1997.
SPINDEL, Cheywa. Homens e máquinas na transição de uma economia cafeeira.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
STEIN, Stanley J. Vassouras: Um município brasileiro do café, 1850-1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
STOLCKE, Verena. Cafeicultura: Homens, Mulheres e Capital. (1850-1980). São
Paulo: Brasiliense, 1986.
STOLCKE, Verena; HALL, Michael. A introdução do trabalho livre nas fazendas de
café de São Paulo. In: Revista Brasileira de História, n. 6. São Paulo: Marco Zero,
1983.
SUBRINHO, Josué Modesto dos Passos. Reordenamento do trabalho: trabalho
escravo e trabalho livre no Nordeste açucareiro, Sergipe 1850/1930. Doutorado em
Economia, UNICAMP. 1992.
SUZIGAN, Wilson. Indústria Brasileira: origem e desenvolvimento. São Paulo: Ed. Hucitec/ Ed. Unicamp, 2000.
SYLOS, Honório de. São Paulo e seus caminhos. São Paulo: Editora McGraw-Hill do
Brasil, 1976.
SZMRECSANYI, Tomás. GRANZIERA, Rui G. Getúlio Vargas e a economia contemporânea. Campinas: Ed. Unicamp, 1986.
TAUNAY, A. E. História do café do Brasil imperial, 1822-1872, Rio de janeiro: ed.
Departamento Nacional do Café, 1939.
TEIXEIRA, Heloísa Maria. Família escrava, sua estabilidade e reprodução em
Mariana, 1850-1888. Afro-Ásia, 28 (2002), 179-220.
TESSARI, Cláudia Alessandra. Braços para colheita: sazonalidade e permanência do trabalho temporário na agricultura paulista (1890-1915). São Paulo: Alameda Editorial, 2012.
364
TOMICH, Dale e MARQUESE, Rafael de Bivar. O Vale do Paraíba escravista e a
formação do mercado mundial do café no século XIX In. Keila Grinberge Ricardo
Salles (Org.). O Brasil Imperial, vol. II. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2009.
TOMICH, Dale. Trabalho escravo e trabalho livre (origens históricas do capital).
Tradução: Luiza Franco Moreira. Revista de história USP. São Paulo, n. 13
CCS/USP. 1992. p. 100-17.
____________. O Atlântico como espaço histórico. Revista Afro-Asiática. Rio de
Janeiro, UCAM, jul/dez, 2004.
____________. Pelo prisma da escravidão: trabalho, capital e economia mundial.
São Paulo: Edusp, 2011.
TORELLI, Leandro Salman. A defesa do café e a política cambial: os interesses da
elite paulista na Primeira República. (Dissertação de Mestrado). Instituto de
Economia/ Unicamp: Campinas. 2004.
TRUZZI, Oswaldo. Café e indústria: São Carlos, 1850-1950. São Paulo: Arquivo de
História Contemporânea, UFSCar, 1986.
TURNER, Frederick J. The Frontier in American History. Nova Iorque: Henry Holt
and Company, 1940.
VANGELISTA, Chiara. Os braços da lavoura: imigrantes e caipiras na formação do mercado de trabalho paulista (1850-1930). São Paulo: Hucitec/Instituto Italiano de Cultura, 1991.
VASCONCELOS, Luiz Antônio Teixeira. Desenvolvimento econômico e urbanização
nas regiões administrativas de São José do Rio Preto e Araçatuba. Campinas:
IE/Unicamp, 1992.
VERGOLINO, José Raimundo. A demografia escrava no nordeste do Brasil: o caso de Pernambuco - 1880/1888.Revista Econômica do Nordeste, v. 28, Número Especial, jul. 1997.
VERSIANI, F.; VERGOLINO, J. R. de O. Preços de escravos em Pernambuco no século. XIX. In: Anais do XXX Encontro Nacional de Economia - ANPEC 2002.
VERSIANI, Flávio Rabelo, Maria Eduarda TANNURI-PIANTO & José Raimundo O. VERGOLINO. Demand Factors in The Brazilian Slave Market. LACEA 2003; Latin American and Caribbean Economic Association, Eighth Annual Meeting. Puebla, México, October 9-11, 2003. 16p. (Publicado em CD-ROM).
VERSIANI, Flávio Rabelo, TANNURI-PIANTO, Maria Eduarda & VERGOLINO, José Raimundo O. Demand Factors in The Brazilian Slave Market. LACEA 2003; Latin American and Caribbean Economic Association, Eighth Annual Meeting. Puebla, México, October 9-11, 2003. 16p. (Publicado em CD-ROM).
365
VERSIANI, Flávio Rabelo. Brazilian slavery: toward an economic analysis. Revista Brasileira de Economia, v. 48, n. 4, p. 463-478, out./dez. 1994.
VERSIANI, Flávio Rabelo; VERGOLINO, José Raimundo O. Escravos e estrutura da riqueza no agreste pernambucano, 1770-1887. XXVIII Encontro Nacional de Economia - Anais. Campinas, dez. de 2000. (publicado em CD-ROM).
VERSIANI, RESENDE, NOGUERÓL, VERGOLINO. Preços de escravos e produtividade do trabalho cativo: Pernambuco e Rio Grande do Sul, século XIX. Anais do Encontro Nacional de Economia – ANPEC, 2013.
VIANNA, Sérgio Besserman. A política econômica no segundo governo Vargas (1951-54). Rio de Janeiro: BNDES, 1987.
VILHENA, Elizabeth Silveira Cabral. A imprensa periódica e o café. São Paulo, 1979. Mestrado – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP.
WITTER, J. S. Ibicaba, uma experiência pioneira. São Paulo: Arquivo do Estado, 1982.
ZAMBONI, Sílvio Perini. O café no norte paulista. A crise de 29 na fazenda Dumont.
São Paulo: FFLCH/USP, 1979.
366
ESTATÍSTICAS, DICIONÁRIOS E ALMANAQUES
Estatísticas
BRASIL, Arrecadação do Imposto de Consumo Federal, 1889 a 1932 S. n.t. 245 p. Disponível: Ministério da Fazenda.
BRASIL, Conselho Nacional de Estatística. A População do Brasil. Dados censitários, 1872-1950. Rio de Janeiro, Serviço Gráfico do IBGE, 1958. 36 p.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Indústria e Comercio. Diretoria do Serviço de Estatística. Finanças. Quadros sinópticos da receita e despesa do Brasil (período de 1823 a 1913). Rio de Janeiro, 1914. 147 p.
BRASIL. Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. Diretoria Geral de Estatística. Idades da População Recenseada em 31 de Dezembro de 1890. Rio de Janeiro, Of. Da Estatística, 1901. 411 p. Disponível: Ministério da Fazenda.
BRASIL. Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. Diretoria Geral de Estatística. Sexo, Raça e Estado Civil, Nacionalidade, Filiação, Culto e Analfabetismo da População Recenseada em 31 de Dezembro de 1890. Rio de Janeiro. Of. Da Estatística, 1898. 446 p.
BRASIL. Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. Diretoria Geral de Estatística. Sinopse do Recenseamento de 31 de Dezembro de 1890. Rio de Janeiro, Of. Da Estatística, 1898. 133 p.
BRASIL. Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. Diretoria Geral de Estatística. Sinopse do Recenseamento de 31 de Dezembro de 1900. Rio de Janeiro, Of. Da Estatística, 1905. 106 p.
BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Brasil. Estatísticas e diagramas. Rio de Janeiro, Tip. Fluminense, 1934. 64 p.
HOMEM DE MELO, Barão [Francisco Inácio Marcondes Homem de Melo]. Diagrama da População e Receita Geral do Brasil e da Produção do Café desde o fim do século XVIII até hoje. Rio de Janeiro. Impr. Nacional, 1889. 1. Fl. desd. Disponível: Fundação Casa de Rui Barbosa
SÃO PAULO (ESTADO). Repartição de Estatística e Arquivo. Anuário Estatístico de São Paulo, 1899-1920. 21 vols.
Dicionários e Almanaques:
BLAKE, Augusto Vitorino Alves Sacramento. Dicionário Bibliográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, Conselho Federal de Cultura, 1970. 7 vols.
CPDOC-FGV, Dicionário Histórico Bibliográfico – CPDOC-FGV. No prelo.
367
DIAS, Artur. O Brasil Atual. Informações geográficas, políticas e comerciais. Rio de Janeiro, Impr. Oficial, 1904. 501 p.
EXPOSIÇÃO ARTISTICO-INDUSTRIAL FLUMINENSE, Catalogo da Exposição Artístico-Industrial Fluminense, Comemorativa do 4º Centenário do Descobrimento do Brasil. Promovida pela Sociedade Propagadora das Belas-Artes, inaugurada em 6 de maio de 1900. Rio de Janeiro, Impr. Nacional. 1900. 38 p.
HOUAISS, Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Com a nova ortografia da língua portuguesa. Ed. Objetiva, 2009.
MOLINA, T. C. de (org.). Almanak de São João do Rio Claro para 1873. Campinas: José Maria Lisboa – Typografia da Gazeta de Campinas, 1972-73; SP: Arquivo do Estado; Imprensa Oficial do Estado, 1981.
MOURA, Clovis. Dicionário da Escravidão Negra do Brasil. São Paulo, Ed. Edusp, 2004.
NERI, M.F. de Santa-Ana. Guide de l’Emigrant au Brésil. Paris, Libr. Charles Delagrave, 1889. 176 p.
OLIVEIRA, Belfort de. Cartilha do Trabalhador. Direitos e deveres do empregado em geral, ao alcance de todos, com índice da legislação social-trabalhista, desde 1880 aos nossos dias. Rio de Janeiro, Indústria do Livro, 1941. 142 p.
RODRIGUES, José Honório. A Pesquisa Histórica no Brasil. 3. Ed. São Paulo, Cia. Ed. Nacional; Brasília, INL, 1978. 306 p. (Brasiliana, 20).
Souza, Bernardino José. Dicionário da terra e da gente do Brasil. São Paulo: Nacional, 1961.
VELHO SOBRINHO. J.F. Dicionário Bibliográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, Irmãos Pongetti, 1937-40. 2 vols. Il.
ZETTIRY, Arrigo de. O Estado do Rio de Janeiro (Brasil). Manual do emigrante com gravuras e mapas geográfico. Roma, Tip. Da Unione Cooperativa Ed. 1897. 120 p.
368
369
Anexos
Anexo I – Conjunto de dados atinentes ao município de Rio Claro......372
Gráfico 1 – População escrava Baixa Paulista , Pop. total Rio Claro e Pop. Escrava Rio Claro - 1836-
1900
Tabela 1 – População de Rio Claro segundo condição social, nacionalidade e sexo
Tabela 2 – N. total de propriedades agrícolas - Rio Claro, 1904-05
Tabela 3 – Discriminação da área cultivada: alq. - Rio Claro, 1904-05
Tabela 4 – As propriedades agrícolas são pertencentes - Rio Claro, 1904-05
Tabela 5 – Produção agrícola dessas propriedades - Rio Claro, 1904-05
Anexo II - Conjunto de dados atinentes ao município de Araras.....374
Tabela 1 – População de Araras segundo condição social, nacionalidade e sexo
Tabela 2 – N. total de propriedades agrícolas - Araras, 1904-05
Tabela 3 – Discriminação da área cultivada: alq. - Araras, 1904-05
Tabela 4 – As propriedades agrícolas são pertencentes - Araras, 1904-05
Tabela 5 – Produção agrícola dessas propriedades - Araras, 1904-05
Anexo III - Conjunto de dados atinentes ao município de Araraquara.....376
Tabela 1 – N. total de propriedades agrícolas - Araraquara, 1904-05
Tabela 2 – Discriminação da área cultivada: alq. - Araraquara, 1904-05
Tabela 3 – As propriedades agrícolas são pertencentes - Araraquara, 1904-05
Tabela 4 – Produção agrícola dessas propriedades - Araraquara, 1904-05
Tabela 5 – Pessoal empregado nessas propriedades – Araraquara, 1904-05
370
Anexo IV - Relação preço nominal médio versus idade dos escravos homens negociados
(individualmente) para o recorte geográfico adotado e para os anos compreendidos entre 1870-
1880 e 1881-1887.....377
Gráfico 1 – Relação preço nominal médio versus idade dos escravos homens negociados,
individualmente, em Rio Claro, ao longo dos anos 1870, 1871, 1876 e 1877
Gráfico 2 – Relação preço nominal médio versus idade das escravas negociadas, individualmente,
em Rio Claro, ao longo dos anos 1870, 1871, 1876 e 1877
Gráfico 3 – Relação preço nominal médio versus idade dos escravos homens negociados,
individualmente, em Araras, ao longo dos anos 1875-1880
Gráfico 4 – Relação preço nominal médio versus idade das escravas negociadas, individualmente,
em Araras, ao longo dos anos 1875-1880
Gráfico 5 – Relação preço nominal médio versus idade dos escravos homens negociados, individualmente, em Araraquara, ao longo dos anos 1871, 1874 e 1880
Gráfico 6 – Relação preço nominal médio versus idade das escravas negociadas, individualmente, em Araraquara, ao longo dos anos 1871, 1874 e 1880
Gráfico 7 – Relação preço nominal médio versus idade dos escravos homens negociados, individualmente, em Rio Claro, ao longo dos anos 1883, 1887
Gráfico 8 – Relação preço nominal médio versus idade das escravas negociadas, individualmente, em Rio Claro, ao longo dos anos 1883, 1887
Gráfico 9 – Relação preço nominal médio versus idade dos escravos homens negociados, individualmente, em Araraquara, ao longo dos anos 1881-1887
Gráfico 10 – Relação preço nominal médio versus idade das escravas negociadas, individualmente, em Araraquara, ao longo dos anos 1881-1887
Gráfico 11 – Relação preço nominal médio versus idade dos escravos negociadas, individualmente, em Araras, ao longo dos anos 1881-1883
ANEXO V – Preços médios nominais dos escravos, de 15 - 29 anos, negociados
individualmente, de acordo com cor da pele, sexo e preço nominal médio indicados na
escritura de compra e venda.....380
Tabela 1 – Preços médios nominais dos escravos, de 15 a 29 anos, negociados individualmente, de
acordo com a cor da pele indicada na Escritura - Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877)
Tabela 2 – Preços médios nominais dos escravos, de 15 a 29 anos, negociados individualmente, de
acordo com a cor da pele indicada na Escritura - Araras (1875-1880)
Tabela 3 – Preços médios nominais dos escravos, de 15 a 29 anos, negociados individualmente, de
acordo com a cor da pele indicada na Escritura - Araraquara (1870-1880)
Tabela 4 – Preços médios nominais dos escravos, de 15 a 29 anos, negociados individualmente, de
acordo com a cor da pele indicada na Escritura – Rio Claro (1883-1887)
Tabela 5 – Preços médios nominais dos escravos, de 15 a 29 anos, negociados individualmente, de
acordo com a cor da pele indicada na Escritura - Araras (1881-1883)
371
Tabela 6 – Preços médios nominais dos escravos, de 15 a 29 anos, negociados individualmente, de
acordo com a cor da pele indicada na Escritura - Araraquara (1881-1887)
Anexo VI - Fotos e transcrição de uma escritura de compra e venda de escravos e procuração
subsequente......383
Anexo VII.....389
Tabela 1 – Quantidade e valor da exportação de café em grão
Anexo VIII.....390
Tabela 1 – Principais vendedores/traficantes domésticos de escravos e sua recorrência, ao longo dos
anos 1870-79, de acordo com as escrituras de compra e venda de escravos decorrentes dos três
municípios que formam o nosso recorte geográfico.
372
Anexo I - Conjunto de dados atinentes ao município de Rio Claro
Gráfico 1
Tabela 1
Os dados relativos à população total para os anos de 1870 e 1874, ass im como a pop. escrava de Rio Claro de 1870,
são decorrentes de: Marques , M. E. de A., Apontamentos Históricos, Geográficos, Biográficos, Estatísticos e Noticiosos da
Província de São Paulo: seguidos da cronologia dos acontecimentos mais notáveis desde a fundação da Capitania de São Vicente
até o ano de 1876. São Paulo: Livraria Martins Editora: 1952. In Joaquim Floriano de Godoy, A Província de SP . Imprensa
Oficia l e FUNDAP, 2007. p. 46 Tabela: Relação das povoações da província de SP, com sua população, ca lculada
segundo o número de elei tores e dos fogos de cada uma por Manuel Eufrás io de Azevedo Marques , apurada em
1870. A pop. escrava de Rio Claro para o ano de 1871, também é oriunda do l ivro de Joaquim Floriano de Godoy.
Encontramos a pop. escrava de Rio Claro, para o ano de 1872 em: Luné, A. J. B., Almanak da Província de São Paulo 1873 ,
Imprensa Oficia l , 1985. Os demais dados são provenientes de Camargo, J. F. Vol . I I . Op. Ci t. págs . 16, 61 - 62.
0
2.500
5.000
7.500
10.000
12.500
15.000
17.500
20.000
22.500
25.000
1836 1854 1870 1971 1872 1874 1886 1900
População escrava Baixa Paulista , Pop. total Rio Claro e Pop. Escrava Rio Claro -1836-1900
Pop. Escrava Baixa Paulista Pop. Total Rio Claro Pop. Escrava Rio Claro
Recenseamento Condição Social Homens Mulheres Total Razão de Sexo
População Livre (Brasileira + Estrangeira) 4.499 4.165 8.664 108,0
População Escrava 1.332 852 2.184 156,3
Pop. Escrava adulta (20-39 anos) 600 333 933 180,2
População Estrangeira 140 110 250 127,3
População Livre 5.767 5.333 11.100 108,1
População Escrava 2.314 1.621 3.935 142,8
Pop. Escrava: jovens e adultos (16-40 anos) 1.171 718 1.889 163,1
População Estrangeira* 538 280 818 192,1
População Livre - - - -
População Escrava** 2.054 1.250 3.304 164,3
Pop. Escrava adulta (30-40 anos) - - 1.240 -
População Estrangeira - - - -
População Nacional 13.053 11.380 24.433 114,7
População Estrangeira - - - -
Fonte: Censos de 1854, 1872, 1886 e 1890. Dados organizados por Bassanezi, M. S. C. B. São Paulo do passado: dados demográficos.
Campinas: NEPO-UNICAMP, 1998. 1 CD-ROM.
População de Rio Claro segundo condição social, nacionalidade e sexo
1854
1872
1886
1890
Notas: (*) incluem africanos; (**) Resumo geral dos escravos matriculados até 30 de março de 1887 - segundo sexo, estado civil e domicílio
373
Tabela 2 Tabela 3
até 10 alqueires 74
até 25 alqueires 94 em cafezal 6.720,0
até 50 alqueires 67 em cannavial 59,0
até 100 alqueires 78 em milharal* 1.970,0
até 250 alqueires 51 em feijoal** 814,5
até 500 alqueires 27 em fumal 1,0
até 1.000 alqueires 9 em videiras 5,0
mais de 1.000 alqueires 4 em arozal 168,5
Total 404 em maniçoba 1,0
Tabela 4
Tabela 5
a brasileiros 258 No total de cafeeiros 13.391.010
a italianos 67 producção de café 686.321 @s
a portuguezes 18 producção de assucar 400 @s
a hespanhóis 15 producção de aguardente 159.000 lit.s
a austriacos 4 producção de arroz 422.900 lit.s
a allemães 42 producção de milho* 9.308.900 lit.s
producção de feijão** 2.316.070 lit.s
producção de vinho 12.500 lit.s
producção de batatas 17.190 alq.
producção de farinha de mandioca 3.000 lit.s
producção de fumo em corda*** 20 @ s
Tabela 6 * Está comprehendida a producção da plantação feita no cafezal.
** Está comprehendida a Producção da plantação feita no cafezal e milharal.
*** Está comprehendida a Producção da plantação feita no cafezal.
nacionaes 2.000
estrangeiros 3.420
Pessoal empregado nessas
propriedades - Rio Claro, 1904-05
Fonte: S. Paulo, Estatística agrícola e
zootécnica de Rio Claro no ano agrícola de
1904 – 1905. Secretaria da Agricultura,
Commercio e Obras Publicas do Estado de S.
Paulo
As propriedades agrícola são
pertencentes - Rio Claro, 1904-05Produção agrícola dessas propriedades - Rio Claro, 1904-05
Fonte: S. Paulo, Estatística agrícola e
zootécnica de Rio Claro no ano agrícola de
1904 – 1905. Secretaria da Agricultura,
Commercio e Obras Publicas do Estado de S.
Paulo
Fonte: S. Paulo, Estatística agrícola e zootécnica de Rio Claro no ano agrícola de
1904 – 1905. Secretaria da Agricultura, Commercio e Obras Publicas do Estado
de S. Paulo
Fonte: S. Paulo, Estatística agrícola e zootécnica de Rio Claro no ano agrícola de
1904 – 1905. Secretaria da Agricultura, Commercio e Obras Publicas do Estado
de S. Paulo
N. total de propriedades agrícola -
Rio Claro, 1904-05
* Está comprehendida a area já ocupada no cafezal pelo mesmo genero. ** Está
comprehendida a area já ocupada no cafezal e milharal pelo mesmo genero.
Fonte: S. Paulo, Estatística agrícola e
zootécnica de Rio Claro no ano agrícola de
1904 – 1905. Secretaria da Agricultura,
Commercio e Obras Publicas do Estado de S.
Paulo
Discriminação da área cultivada: alq. - Rio Claro, 1904-05
374
Anexo II - Conjunto de dados atinentes ao município de Araras
Tabela 1
Re
cen
seam
en
toC
on
diç
ão S
oci
alH
om
en
sM
ulh
ere
sTo
tal
Raz
ão d
e S
exo
Po
pu
laçã
o L
ivre
(B
rasi
leir
a +
Estr
ange
ira)
--
--
Po
pu
laçã
o E
scra
va-
--
-
Po
p. E
scra
va a
du
lta
(20-
39 a
no
s)-
--
-
Po
pu
laçã
o E
stra
nge
ira
--
--
Po
pu
laçã
o L
ivre
1.76
41.
666
3.43
010
5,9
Po
pu
laçã
o E
scra
va1.
294
771
2.06
516
7,8
Po
p. E
scra
va: j
ove
ns
e a
du
lto
s (1
6-40
an
os)
589
345
934
170,
7
Po
pu
laçã
o E
stra
nge
ira*
167
142
309
117,
6
Po
pu
laçã
o L
ivre
--
9.51
9
Po
pu
laçã
o E
scra
va**
1.05
556
81.
623
185,
7
Po
p. E
scra
va a
du
lta
(30-
40 a
no
s)-
-56
9-
Po
pu
laçã
o E
stra
nge
ira
--
1.34
1-
Po
pu
laçã
o N
acio
nal
5.20
64.
149
9.35
512
5,5
Po
pu
laçã
o E
stra
nge
ira
--
--
1890
Fon
te: C
enso
s d
e 1
85
4, 1
87
2, 1
88
6 e
18
90
. Da
do
s o
rga
niz
ad
os
po
r B
ass
an
ezi,
M. S
. C. B
. Sã
o P
au
lo d
o p
ass
ad
o: d
ad
os
dem
og
ráfi
cos.
Ca
mp
ina
s: N
EPO
-
UN
ICA
MP
, 19
98
. 1 C
D-R
OM
.
No
tas:
(*)
in
clu
em a
fric
an
os;
(**
) R
esu
mo
ger
al
do
s es
cra
vos
ma
tric
ula
do
s a
té 3
0 d
e m
arç
o d
e 1
88
7 -
seg
un
do
sex
o, e
sta
do
civ
il e
do
mic
ílio
Po
pu
laçã
o d
e A
rara
s se
gu
nd
o c
on
diç
ão
so
cia
l, n
aci
on
ali
da
de
e s
exo
1854
1872
1886
375
Tabela 2 Tabela 3
até 10 alqueires 43 em cafezal 3.691,25
até 25 alqueires 20 em cannavial 106,5
até 50 alqueires 16 em algodoal 9
até 100 alqueires 21 em arrozal 153,75
até 250 alqueires 7 em milharal* 659
até 500 alqueires 15 em feijoal** 221
até 1.000 alqueires 7 * Está comprehendida a área já ocupada no cafezal pelo mesmo genero.
mais de 1.000 alqueires 5 ** Está comprehendida a área já ocupada no cafezal e milharal pelo mesmo genero.
Tabela 4 Tabela 5
N. total de cafeeiros 7.263.302
pertencentes: producção de café 407.999 @s
a brasileiros 78 producção de algodão 1.800 @s
a italianos 44 producção de arroz 447.250 litros
a portuguezes 6 producção de milho* 5.253.500 litros
a allemães 1 producção de feijão** 311.500 litros
a hespanhóes 1 producção de assucar 65 @s
a francezes 2 producção de aguardente 1.270.500 litros
a dinamarquezes 2 * Está comprehendida a producção da plantação fei ta no cafeza l
** Está comprehendida a prod. da plantação fei ta no cafeza l e mi lhara l .
Tabela 6
estrangeiros 2.909
Total 3.651
Pessoal empregado nessas propriedades -
Araras, 1904-05
Fonte: S. Paulo, Estatística agrícola e zootécnica de Araras
no ano agrícola de 1904 – 1905. Secretaria da Agricultura,
Commercio e Obras Publicas do Estado de S. Paulo
Fonte: S. Paulo, Estatística agrícola e zootécnica de Araras
no ano agrícola de 1904 – 1905. Secretaria da Agricultura,
Commercio e Obras Publicas do Estado de S. Paulo
Fonte: S. Paulo, Estatística agrícola e zootécnica de Araras no ano agrícola de 1904
– 1905. Secretaria da Agricultura, Commercio e Obras Publicas do Estado de S.
Paulo
Fonte: S. Paulo, Estatística agrícola e zootécnica de Araras no ano agrícola de 1904
– 1905. Secretaria da Agricultura, Commercio e Obras Publicas do Estado de S.
Paulo
Fonte: S. Paulo, Estatística agrícola e zootécnica de Araras
no ano agrícola de 1904 – 1905. Secretaria da Agricultura,
Commercio e Obras Publicas do Estado de S. Paulo
As propriedades agrícolas são pertencentes -
Araras, 1904-05
Producção agrícola dessas propriedades - Araras, 1904-05
Discriminação da area cultivada: alq. - Araras, 1904-05
N. total de propriedades agrícolas - Araras,
1904-05
376
Anexo III - Conjunto de dados atinentes ao município de Araraquara
Tabela 1
Tabela 2
até 10 alqueires 116
até 25 alqueires 105 em cafezal 9.357,0
até 50 alqueires 67 em cannavial 205,0
até 100 alqueires 49 em milharal* 44,3
até 250 alqueires 58 em feijoal** 2.610,5
até 500 alqueires 33 em fumal 1.475,5
até 1.000 alqueires 17 em videiras 2,0
mais de 1.000 alqueires 7 em maniçoba 3,5
Total 452
Tabela 4
Tabela 3
No total de cafeeiros 18.212.000
producção de café 895.000 @s
a brasileiros 295 producção de assucar 27.802 @s
a italianos 68 producção de aguardente 1.700.325 lit.s
a portuguezes 75 producção de arroz 197.000 lit.s
a hespanhóis 8 producção de milho* 14.502.800 lit.s
a francezes 1 producção de feijão** 7.177.500 lit.s
a allemães 2 producção de uvas 90 @s
a diversos 3 producção de fumo em corda*** 160 @s
* Está comprehendida a producção da plantação feita no cafezal.
** Está comprehendida a Producção da plantação feita no cafezal e milharal.
*** Está comprehendida a Producção da plantação feita no cafezal.
Tabela 5
nacionaes 1.859
estrangeiros 7.918
Fonte: S. Paulo, Estatística agrícola e zootécnica
de araras no ano agrícola de 1904 – 1905.
Secretaria da Agricultura, Commercio e Obras
Publicas do Estado de S. Paulo
N. total de propriedades agrícolas -
Araraquara, 1904-05
Fonte: S. Paulo, Estatística agrícola e zootécnica de araras no ano agrícola de 1904 –
1905. Secretaria da Agricultura, Commercio e Obras Publicas do Estado de S. Paulo
Discriminação da área cultivada: alq. - Araraquara, 1904-05
As propriedades agrícolas são
pertencentes - Araraquara, 1904-05
Producção agrícola dessas propriedades - Araraquara, 1904-05
* Está comprehendida a area já ocupada no cafezal pelo mesmo genero.
** Está comprehendida a area já ocupada no cafezal e milharal pelo mesmo genero.Fonte: S. Paulo, Estatística agrícola e zootécnica
de araras no ano agrícola de 1904 – 1905.
Secretaria da Agricultura, Commercio e Obras
Publicas do Estado de S. Paulo
Pessoal empregado nessas
propriedades - Araraquara, 1904-05
Fonte: S. Paulo, Estatística agrícola e zootécnica
de araras no ano agrícola de 1904 – 1905.
Secretaria da Agricultura, Commercio e Obras
Publicas do Estado de S. Paulo
Fonte: S. Paulo, Estatística agrícola e zootécnica de araras no ano agrícola de 1904 –
1905. Secretaria da Agricultura, Commercio e Obras Publicas do Estado de S. Paulo.
377
Anexo IV - Relação preço nominal médio versus idade dos escravos homens
negociados (individualmente) para o recorte geográfico adotado e para os
anos compreendidos entre 1870-1880 e 1881-1887
Gráficos 1 e 2
Gráfico 3 e 4
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compilação dos dados próprias.
0
200.000
400.000
600.000
800.000
1.000.000
1.200.000
1.400.000
1.600.000
1.800.000
2.000.000
2.200.000
2.400.000
1 6 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 36 40 50 55
Relação preço nominal médio (Réis) versus idade dos escravos homens negociados, individualmente, em Rio Claro ao longo
dos anos 1870, 1871, 1876 e 1877
0
200.000
400.000
600.000
800.000
1.000.000
1.200.000
1.400.000
1.600.000
1.800.000
2.000.000
2.200.000
3 5 11 13 15 17 19 21 23 25 28 30 35 40 45 55
Relação preço nominal médio (Réis) versus idade das escravas negociadas, individualmente, em Rio Claro ao longo dos anos
1870, 1871, 1876 e 1877
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de Araras. Coleta e compilação dos dados próprias.
400.000
700.000
1.000.000
1.300.000
1.600.000
1.900.000
2.200.000
2.500.000
6 10 11 13 14 15 16 17 18 20 21 24 26 27 29 38 38 40 42
Pre
ço C
on
tos
de
Ré
is
N. de anos
Relação preço nominal médio versus idade das escravas negociadas, individualmente, em Araras, ao longo dos anos
1875-1880
400.000
700.000
1.000.000
1.300.000
1.600.000
1.900.000
2.200.000
2.500.000
13 14 16 18 21 23 24 28 30 34 38
Pre
ço C
on
tos
de
Ré
is
N. de anos
Relação preço nominal médio versus idade dos escravos homens negociados, individualmente, em Araras, ao longo dos
anos 1875-1880
378
Gráfico 5 e 6
Gráficos 7 e 8553
553
Acreditamos que o formato da curva dos escravos homens negociados em Araraquara é decorrente do fato de o cativo mais jovem negociado ter 18 anos de idade e, portanto, alto preço. Como já mencionamos em outras oportunidades, para nos desviarmos das dificuldades atinentes ao núcleo documental eleito, restringimos as observações abaixo às transações que envolveram apenas um indivíduo – as escrituras de compra-venda de mais de um escravo, habitualmente, não especificaram o preço de cada indivíduo, mas sim o preço do conjunto dos escravos negociados, o que impossibilitou atribuirmos o preço nominal dos escravos de acordo com sua respectiva idade, habilidade etc.
.
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de Araraquara. Coleta e compilação dos dados próprias.
500.000
800.000
1.100.000
1.400.000
1.700.000
2.000.000
2.300.000
2.600.000
9 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 24 25 26 27 28 32 33
Pre
ço
N. de anos
Relação preço nominal médio versus idade das escravas negociadas, individualmente, em Araraquara, ao longo dos anos 1871, 1874 - 1880
500000
800000
1100000
1400000
1700000
2000000
2300000
2600000
9 12 13 14 15 16 17 19 20 21 22 23 24 25 27 28 29 37 38 40 50 55
Pre
ço
N. de anos
Relação preço nominal médio versus idade dos escravos homens negociados, individualmente, em Araraquara, ao longo dos anos 1871,
1874-1880
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compilação dos dados próprias.
400.000
500.000
600.000
700.000
800.000
900.000
1.000.000
1.100.000
1.200.000
15 20 29 30 34 36
Pre
ço C
on
tos
de
Ré
is
N. de anos
Relação preço nominal médio versus idade dos escravos homens negociados, individualmente, em Rio Claro, ao longo
dos anos 1883-1887
400.000
500.000
600.000
700.000
800.000
900.000
1.000.000
1.100.000
1.200.000
18 20 23 29 30 33 42 45 50
Pre
ço C
on
tos
de
Ré
is
N. de anos
Relação preço nominal médio versus idade das escravas negociadas, individualmente, em Rio Claro, ao longo dos anos
1883-1887
379
Gráfico 9 e 10
Gráfico 11554
554
Com relação a Araras, em virtude do restrito número de vendas encontradas (apenas três homens comerciados) optamos por apresentar um único gráfico contemplando ambos os sexos.
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de Araraquara. Coleta e compi lação dos dados próprias .
400.000
600.000
800.000
1.000.000
1.200.000
1.400.000
1.600.000
1.800.000
9 15 18 22 23 30 31 32
Pre
ço -
con
tos
de
re
isN. de anos
Relação preço nominal médio versus idade das escravas negociadas, individualmente, em Araraquara, ao longo dos anos
1881, 1882-87
400.000
600.000
800.000
1.000.000
1.200.000
1.400.000
1.600.000
1.800.000
18 19 26 29 31
Pre
ço -
con
tos
de
re
is
N. de anos
Relação preço nominal médio versus idade dos escravos homens negociados, individualmente, em Araraquara, ao longo dos anos
1881, 1882-87
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de Araras. Coleta e
compilação dos dados próprias.
0
300.000
600.000
900.000
1.200.000
1.500.000
1.800.000
2.100.000
13 17 21 22 23 24 27 35 42
Pre
ço -
Co
nto
s d
e r
eis
N. de anos
Relação preço nominal médio versus idade dos escravos negociados, individualmente, em Araras, ao longo dos anos 1881-1883
380
ANEXO V – Preços médios nominais dos escravos, de 15 - 29 anos,
negociados individualmente, de acordo com cor da pele, sexo e preço nominal
médio indicados na escritura de compra e venda.
Tabela 1
Tabela 2
Cor
Número de
escravos Preço médio Número de escravos Preço médio
Preto(a) 17 2.197.059 16 1.533.750
Pardo(a) 8 2.150.000 6 1.450.000
Mulato(a) - - 1 1.250.000
Fula - - 1 1.850.000
Preços médios nominais dos escravos, de 15 a 29 anos, negociados individualmente, de acordo
com a cor da pele indicada na Escritura - Rio Claro (1870, 1871, 1876 e 1877)
Homens Mulheres
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e
compilação dos dados próprias.
Cor Número de escravos
Preço médio
(Réis) Número de escravos
Preço médio
(Réis)
Preto(a) 8 2.206.250 11 1.483.000
Pardo(a) 3 2.200.000 8 1.575.000
Cabra 1 1.500.000 2 1.325.000
Preços médios nominais dos escravos, de 15 a 29 anos, negociados individualmente, de acordo com a cor da pele
indicada na Escritura - Araras (1875-1880)
Homens Mulheres
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de Araras. Coleta e compilação dos dados
próprias.
381
Tabela 3
Tabela 4555
Tabela 5
555
O que mais chama atenção quando nos deparamos com os resultados que expusemos nas três tabelas relativas à cor da pele, sexo e preço nominal médio relativas ao recorte temporal 1881-1887 é a significativa diferença entre os preços dos cativos adquiridos entre 1881-1883 (Araras) e 1883-1887 (Rio Claro). Tal fato é corroborado pelas vendas de Araras terem ocorrido entre 1881-1883 e as de Rio Claro após 1883.
Número de escravos Preço médio (Réis)
Número de escravos Preço médio (Réis)
Preto(a) 20 2.145.000 15 1.233.333
Pardo(a) 2 2.075.000 3 1.333.333
Cabra 1 1.800.000 2 900.000
Mulato(a) 1 2.100.000 - -
Fula 1 2.300.000 1 1.450.000
Preços médios nominais dos escravos, de 15 - 29 anos, negociados individualmente, de acordo com a cor da
pele indicada na Escritura - Araraquara (1870-1880)
Cor
Homens Mulheres
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de Araraquara. Coleta e
compilação dos dados próprias.
SexoCor Número de escravos Preço médio (Réis) Número de escravos Preço médio (Réis)
Preto(a) 3 1.000.000 1 700.000
Pardo(a) - - 2 525.000
Preços médios nominais dos escravos, de 15 a 29 anos, negociados individualmente, de acordo com a
cor da pele indicada na Escritura - Rio Claro (1883-1887)
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelos Cartórios de Notas (1º e 2º) de Rio Claro. Coleta e compilação dos dados
próprias.
Homens Mulheres
Cor Número de escravos Preço médio (Réis) Número de escravos Preço médio (Réis)
Cabra 0 - 1 1.400.000
Pardo(a) - - 1 1.200.000
Preto(a) 2 1.400.000 5 1.320.000
Homens Mulheres
Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas de Araras. Coleta e compilação dos dados
próprias.
Preços médios nominais dos escravos, de 15 a 29 anos, negociados individualmente de acordo com a cor da
pele indicada na Escritura - Araras (1881-1883)
382
Tabela 6
Número de escravos Preço médio (Réis)
Número de escravas Preço médio (Réis)
Preto(a) 6 1.275.000 3 783.333
Pardo(a) - - - -
Fula 1 800.000 2 1.300.000
Mulheres
Fonte: Escri turas de compra e venda de escravos preservadas pelo 1º Cartório de Notas e Protestos de Araraquara. Coleta e
compi lação dos dados próprias .
Homens
Cor
Preços médios nominais dos escravos de 15 - 29 anos), negociados individualmente, de acordo com a cor da pele indicada na
Escritura - Araraquara (1881-1887) - Réis
383
Anexo VI - Fotos e transcrição de uma escritura de compra e venda de
escravos e procuração subsequente.
Escriptura de compra e venda de quatro escravos que passa o Alferes Raimundo
Nonato da Silva, Manoel Domingues da Silva digo Diogo Fernandes, Joaquim
Leandro Ribeiro, Liberato Coelho de Resende, a Germano Xavier de Mendonça,
como abaixo declara, pela quantia de 8:000$000
384
385
Transcrição:
Escriptura de compra e venda de quatro escravos que passa o Alferes Raimundo
Nonato da Silva, Manoel Domingues da Silva digo Diogo Fernandes, Joaquim
Leandro Ribeiro, Liberato Coelho de Resende, a Germano Xavier de Mendonça,
como abaixo declara, pela quantia de 8:000$000
Saibam quantas esta virem que sendo no ano do nascimento do nosso senhor Jesus
Cristo de mil oito centos e setenta e quatro, aos vinte e três de dezembro do dito
ano, nesta Villa de Araraquara, em meu cartório compareceram as partes entre si
contratados de uma como vendedores Alferes Raimundo Nonato da Silva, Manoel
Domingues Fernandes, Joaquim Leandro Ribeiro e Liberato Coelho de Resende, por
seu procurador pelas procurações que apresentam José de Castro Eusébio, e como
comprador Germano Xavier de Mendonça, este morador nesta e aquelles sendo o
primeiro morador na Villa da Batalha, Província de Piauí, o segundo na Cidade de
Maranhão, o terceiro também em Maranhão, e o quarto na Villa das Barsas,
Província de Piauí, reconhecidos pelos próprios de mim de que trato e das
testemunhas adiante nomeadas e assinadas, em presença das quais pelo
procurador dos vendedores foi dito, que seus constituintes são Senhores e legítimos
possuidores dos escravos seguintes, o primeiro vendedor é Senhor do escravo
Benedicto, preto, matriculado em trinta de Abril de mil oitocentos e setenta e dois
sob número oitocentos e cinqüenta e oito da matrícula geral do município da Batalha
em vinte de digo Batalha, província de Piauí este escravo é solteiro, de trinta e três
anos, aptidão boa, lavrador, o segundo vendedor Manoel Domingues Fernandes é
Senhor do escravo Maurício, solteiro, preto, de idade de trinta anos, lavrador,
matriculado na Capital do Maranhão, sob número dois mil quatrocentos e cinquenta
e dois, no dia quatorze de janeiro de mil oitocentos e setenta e três. O terceiro
vendedor Joaquim Leandro Ribeiro é Senhor do escravo Ricardo, solteiro, preto, de
dezoito anos, lavrador, matriculado na Villa do Coroatá, província do Maranhão no
dia vinte e quatro de Julho de mil oitocentos e setenta e dois, sob o número mil
seiscentos e dois da matrícula geral daquele município. O quarto vendedor, Liberato
Coelho de Resende é Senhor do escravo João, solteiro, de quatorze anos, lavrador,
matriculado no dia quatro de Setembro de mil oitocentos e setenta e dois, na villa de
Barsas, província de Piauí, sob número mil duzentos e quarenta da matrícula geral,
segundo os documentos que me foram apresentados cujos escravos assim
declarados sem constrangimento algum vendem ao dito comprador Germano Xavier
de Mendonça, pelo preço e quantia de oito contos de réis, que ao passarem esta
receberão em moeda corrente, e por isso transferem na pessoa do vendedor toda
posse e domínio
386
que nos ditos escravos tinham, e elle procurador a fazer esta venda boa firma e
valiosa. Perante as partes disseram que aceitavam apresenta na forma declarada,
em virtude do que me apresentaram procurações, selos e siza seguintes = Saibam
que quantos este publico instrumento de procura bastante virem que no ano do
nascimento do nosso senhor Jesus Cristo, de mil oito centos e setenta e quatro, ao
primeiro dia do mês de julho do dito ano, nesta vila das Barsas, da província do
Piauí, em meu cartório, compareceu o Alferes Raymundo Nonato da Silva, do Termo
da Vila da Batalha desta commarca, que de ser o próprio dou fé. E disse que pela
presente procuração constituiu seu bastante procuradores em qualquer parte deste
Império aos Senhores Tenente Antônio Theodorino de Carvalho, deste termo,
Manoel da Silva Rodrigues, Júlio Ernesto de Castro Sousa, Luduvico José de Avillar,
Marcelino José da Silva Vargas, João Marttre, Vicente de Sá Rocha, Manoel F. da
Silva, José de Castro Eusébio, Francisco Gonsales Castro, Trindade A. Avillar e
Manoel Jorge Graças, aos quais e acorda em dar todos os poderes em descritos
para em nome dele outorgante como de próprio fosse, possa qualquer de seus ditos
procuradores vender a seu escravo Benedicto, pardo, solteiro, de trinta e cinco anos,
matriculado no município da Batalha sob número cento e cinquenta e oito da
matrícula geral da relação, conforme se vê da respectiva certidão que apresentou,
podendo os seus referidos procuradores receber o preço da venda e assinar a
respectiva escritura da venda e quitação de pago e todos os demais termos e papéis
precisos, e podendo este substabelecer em qualquer partecer e della uzar. Assim o
disse e foram testemunhas presentes os que abaixo vão assinar com o outorgante
depois de ouvir e ler este contratamento do que dou fé, estes todos reconhecidos de
mim José Princilos da Silva Tabelião publico e subscrevi e assino em público, em
testemunha de verdade, o Tabelião José Reinaldo da Silva, Raymundo Nonato da
Silva, Firmino Servo de Araújo, João Lofice de Morais, estava sellado com
estampilha. = Saibam quantos vissem este instrumento de procuração bastante,
que no ano do nascimento do nosso Senhor Jesus Cristo, de mil oito centos e
setenta e quatro, aos dezesseis dias do mês de Julho do dito ano, nesta cidade do
Maranhão, em meu Cartório, foi presente Manoel Domingues Fernandes que
reconheço e dou fé ser o próprio, e disse fazer por esta seus bastantes procuradores
em qualquer parte deste Império a José da Costa Eusébio, Trindade A. Avillas, José
Borges Pinheiro, Manoel Jorge Graça e José Rodrigues Cardeira, aos quais é a
cada da poderes, quanto em direito se requer, para em nome dele outorgante como
de presente fosse possa fazer venda de seu escravo de nome Mauricio, de idade de
trinta e sete anos, solteiro, natural desta Província recebendo a importância da
venda, assinado a respectiva escritura, e dando o comprante quitação e todos os
mais papéis precisos e podendo estes substabelecer a um ou mais procuradores e
dele usar. Afim disso, sendo testemunhas presentes os abaixo assinados que aqui
com o outorgante assinam depois de ouvirem, ler, este instrumento de que dou fé,
são todos conhecidos de mim, José Nunes de Sousa Berfor, Tabelião que a
subscrevi e assino em público e raso. Em testemunha da verdade, estava
387
o sinal público, o Tabelião José Nunes de Sousa Berfor, Manoel Domingues
Fernandes, Manoel Ferreira da Silva, José Francisco de Silveira, estava a
estampilha de duzentos réis, Joaquim Leandro Ribeiro, Capitão Quartel mestre da
Guarda Nacional. Pela presente procuração por mim feita e assinada com = mim
bastando procuradores em qualquer parte deste Império aos Senhores José de
Castro Eusébio, João Borges Pinheiro, Francisco Gonsalves de Castro, João
Antônio de Aguiar e companhia, Trindade A. Avillas, Manoel Jorge Graças, José
Cassiano Bastos, Manoel da Silva Pedroso, aos quais a cada um em solidum, dou
poderes para em meu nome, como de presente fosse vender o meu escravo
Ricardo, preto de dezessete anos, solteiro, natural desta província, podendo assinar
a competente escritura de venda, dar quitação e substabelecer esta e outras, e dou
tudo por bem feito e obrado por qual que demais ditos procurador e substabelecidos
presentes dou por firma e valioso por minha pessoa e bens. Maranhão dezessete de
Junho de mil oito centos e setenta e quatro, Joaquim Leandro Ribeiro estava
reconhecida a letra pelo tabelião José Nunes de Sousa, Estava a estampilha de
duzentos réis, saibam quantos virem este público instrumento de procuração
bastante que no ano do nascimento do nosso Senhor Jesus Cristo de mil oito centos
e setenta e quatro, aos dezesseis dias do mês de Junho do dito ano, nesta Villa das
Barsas, em meu cartório compareceram Liberato Coelho de Resende do Firmino
deBatalha que dou fé ser o próprio. E disse que constituía seus bastantes
procuradores em qualquer parte deste Império aos Senhores Tenente Antônio
Theodorico de Carvalho, Manoel da Silva Rodrigues, Júlio Ernesto de Castro Sousa,
Luduvico José de Avillas, Marcelino José da Silva Varga, João Marthe, Vicente de
Sá Rocha, Manoel Ferreira da Silva, José de Castro Eusébio, Francisco Gonsalves
de Castro, Trindade A. Avilla e Manoel Jorge Graças, aos quais acordam em solidum
dá poderes quanto em direito se requer, para em nome dele outorgante como
próprio presente fosse possa qualquer deles procuradores vender o seu escravo
Saturnino, preto, solteiro, de treze anos, matriculado neste município sob número mil
duzentos e quarenta da matrícula geral e três da relação, como tudo devida
respectiva certidão, que neste ato apresentou e poderão fazer venda do dito
escravo, assinando a respectiva escritura e receberem o produto da venda. Assim o
disse na presença das testemunhas presentes, abaixo assinadas que com Antônio
C. de Resende o faz o rogo do outorgante, por ser completamente sigo, vão todos
assinar depois de ou verem, ler, do que dou fé, do que dou fé, e são todos
reconhecidos de mim, José Reinaldo da Silva, Tabelião que a subscrevi e assino em
público e raso. Estava o Sinal público em testemunha de verdade o Tabelião José
Reinaldo da Silva, Antônio de Carvalho de Resende, Ricardo Costa Lima, José
Antônio de Mello, estava a estampilha de duzentos réis, selo da guia, número três.
Réis oito mil réis pagou oito mil réis ed selo. Araraquara, vinte e três de Dezembro
de mil oito centos e setenta e quatro. O Coletor Borba, o Escrivão Silva, número três,
pagou cento e vinte mil réis de meia siza. O Coletor Antônio Mariano Borba, o
Escrivão João Pires da Silva, cujos documentos ficam arquivados em meu cartório.
Em fé do que passei
388
apresento que sendo lhes lida aceitaram, assinaram com as testemunhas nas
presentes Doutor José Cesário da Silva Bastos e Antônio Mariano Borba, comigo
João Pires da Silva, Tabelião interino que na falta do atual a escrevi.
José de Castro Euzébio
Germano Xavis de Mendonça
José Cezario da Silva Bastos
Antônio Mariano Borba
389
ANEXO VII
Tabela 1
390
ANEXO: VIII
Tabela 1
Vend
edor
N. d
e es
crav
os
Tipo
de
tráf
ico
Vend
edor
N. d
e es
crav
os
Tipo
de
tráf
ico
Vend
edor
N. d
e es
crav
os
Tipo
de
tráf
ico
Dio
go A
nton
io d
e B
arro
s54
-Jo
ão P
erei
ra d
e A
lmei
da26
Inte
rpro
vinc
ial
Just
ino
Cor
rea
de F
reit
as11
Inte
rpro
vinc
ial
Rod
rigo
Men
gres
dos
San
tos
33In
terp
rovi
ncia
lJo
sé d
e C
astr
o E
uzéb
io20
Inte
rpro
vinc
ial
Jaco
b de
Pau
la e
Silv
a9
Inte
rpro
vinc
ial
Rom
ão T
eixe
ira
Leo
nil
33In
trap
rovi
ncia
lA
nton
io F
urta
do d
e M
endo
nça
18In
terp
rovi
ncia
lL
ucia
no A
nton
io V
ilano
9In
terp
rovi
ncia
l
Ant
onio
Joa
quim
de
Alm
eida
31-
José
Dua
rte
de C
astr
o14
Inte
rpro
vinc
ial
José
de
Cas
tro
Eus
ébio
7In
terp
rovi
ncia
l
José
Alv
arão
22In
terp
rovi
ncia
l
Man
oel C
andi
do d
e O
livei
ra G
uim
arãe
s, C
lem
ente
Rod
rigu
es d
os
Sant
os, A
na F
lavi
a de
Mag
alhã
es V
iana
, Nic
olau
Per
eira
da
Silv
a,
Fra
ncis
co A
nton
io d
a R
ocha
, Jos
é Jo
aqui
m M
afra
, Bru
no A
lves
Ara
nha,
Jac
inth
o M
orei
ra d
a Si
lvei
ra
11In
terp
rovi
ncia
lJo
se M
agda
leno
Cam
pos
6In
terp
rovi
ncia
l
Cab
ral e
Neg
rão
20In
terp
rovi
ncia
l e L
ocal
Joaq
uim
Jos
é da
s N
eves
, Ann
a Se
rafi
na d
a C
osta
Fer
nand
es, J
osé
Cav
alca
nti J
unio
r, C
yri
llo A
nton
io d
e So
uza,
Joã
o G
abri
el B
apti
sta,
Con
dess
a de
São
Lou
renç
o
11-
José
Mar
ia d
a C
osta
Pin
ho6
Loc
al
José
Car
neir
o B
asto
s20
Intr
apro
vinc
ial
José
Fer
reir
a de
Fig
ueir
edo,
Ago
stin
ho R
odri
gues
de
Oliv
eira
, Fra
ncis
co
Xav
ier
Gon
çalv
es, J
eron
imo
Ant
onio
de
Bri
to10
Inte
rpro
vinc
ial
Mar
ia R
ita
de A
raúj
o B
orba
6L
ocal
Tel
es d
o N
asci
men
to14
Inte
rpro
vinc
ial
Ant
onio
Joa
quim
Soa
res
Fra
nco
9In
trap
rovi
ncia
lB
ranc
a C
orre
a de
Mor
aes
5L
ocal
Ber
nard
ino
José
da
Cos
ta10
Inte
rpro
vinc
ial
Leo
lino
Pav
ein
Cot
rin
8In
terp
rovi
ncia
lC
amill
o N
. da
Silv
eira
e J
. N. d
a Si
lvei
ra5
Inte
rpro
vinc
ial
Fra
ncis
co J
osé
Mar
inho
Mac
hado
10-
Rod
olp
ho J
osé
de F
reit
as G
uim
arãe
s8
Intr
apro
vinc
ial e
inte
rJo
ão F
erre
ira
de M
orae
s5
Inte
rpro
vinc
ial
Del
fim
Rib
eiro
de
Abr
eu9
Inte
rpro
vinc
ial
Her
cula
no d
e O
livei
ra M
arti
ns, J
osé
Mal
aqui
as d
e So
uza,
Jos
é de
Sou
za
Bot
elho
, Ber
nard
ino
Per
eira
do
Lag
o, J
oann
a C
arol
ina
Cal
mon
, Jos
é
Alv
es d
e C
astr
o, L
eand
ro S
oare
s de
Sou
za, J
osé
Fra
ncis
co d
a Si
lva
And
rade
8In
terp
rovi
ncia
lJo
sé J
. Pad
ilha
e M
aria
V. d
e Je
sus
5L
ocal
Ant
onio
Aug
usto
da
Fon
seca
5L
ocal
Man
uel d
a Si
lvei
ra M
acie
l7
Inte
rpro
vinc
ial
Car
los
Aug
usto
Rod
rigu
es P
into
4L
ocal
Joaq
uim
de
Alm
eida
Pac
heco
5-
Ber
nard
ino
Per
eira
do
Lag
o, A
lber
to C
asem
iro
de A
zeve
do P
erei
ra, J
osé
de S
ousa
Bot
elho
, Mar
ia L
ucia
do
Esp
irit
o Sa
nto,
Jos
é E
vari
sto
de
Sous
a B
ritt
o
6In
terp
rovi
ncia
lF
ranc
isco
das
Cha
gas
Neg
rão
4In
terp
rovi
ncia
l
José
Pir
es d
e C
arva
lho
5In
terp
rovi
ncia
lC
abra
l e N
egrã
o6
Inte
rpro
vinc
ial
Hen
riqu
e M
orai
s 4
Inte
rpro
vinc
ial
Ben
vind
o de
Sou
za M
.4
Inte
rpro
vinc
ial
Gui
lher
me
Aug
usto
Rap
oso
6In
trap
rovi
ncia
lJo
ão A
nton
io C
apot
e4
Inte
rpro
vinc
ial
Leo
pol
do C
esar
de
Mas
care
nhas
Are
ça4
-
João
Ant
onio
de
Agu
iar,
Ber
nard
o da
Silv
a C
apel
la, R
aym
undo
Per
eira
Gon
çalv
es, M
anoe
l Fer
nand
es d
e A
raúj
o, P
edro
de
Fre
itas
Lim
a, J
osé
Ale
xand
re d
e A
raúj
o B
arce
llos,
Ago
stin
ho C
? F
raga
s
6-
Joao
Cae
tano
de
Oliv
eira
e S
ousa
4In
terp
rovi
ncia
l
Pei
xoto
de
Mel
lo4
Loc
alJo
ão J
osé
de F
aria
s6
Inte
rpro
vinc
ial
José
Fra
ncis
co d
e P
aula
4L
ocal
Ant
onio
Alb
erto
da
Silv
a P
rado
3-
José
Pir
es d
e C
arva
lho
6-
Jose
Xav
ier
de T
oled
o4
Loc
al
Cle
men
te J
osé
de L
ucen
a3
Inte
rpro
vinc
ial
Leo
pol
dino
Per
eira
Luz
arte
, Mar
ia F
erre
ira
Net
to d
os S
anto
s, F
elis
bert
o
José
Gon
çalv
es B
raga
, Ant
onio
Man
oel d
os S
anto
s, J
oão
Ath
amar
io
Bot
elho
, Jos
é Jo
aqui
m P
erei
ra d
e M
endo
nça
5-
Man
oel M
acha
do d
a Si
lvei
ra4
Loc
al
Deo
dato
Ros
enbe
rg A
lbuq
uerq
ue3
-Jo
sé L
eite
de
Cas
tro,
Fra
ncis
co F
élix
Fer
reir
a L
eite
4-
Mar
ia J
acin
tha
do N
asci
men
to4
Loc
al
João
da
Cun
ha F
rões
3In
terp
rovi
ncia
lL
uiz
Rib
eiro
da
Cun
ha e
Sob
rinh
os, J
oão
Fer
raz
?, J
oão
Aug
usto
de
Oliv
eira
Cas
tro,
Div
ina
Igne
z F
ranc
isca
de
Souz
a, J
osé
da C
osta
Ara
újo
4In
terp
rovi
ncia
l-
--
Lui
s ri
beir
o de
C. e
Sob
rinh
os3
Inte
rpro
vinc
ial
João
de
Bar
ros
Silv
a3
Inte
rpro
vinc
ial
--
-
Man
oel d
e A
lves
Fer
ras
3-
Fon
seca
e I
rmão
s3
Intr
apro
vinc
ial
--
-
Ped
ro J
osé
Mon
teir
o3
Inte
rpro
vinc
ial
Jaci
ntho
Ant
onio
de
Bri
to3
Inte
rpro
vinc
ial
--
-
Vic
ente
de
Sá R
ocha
3-
Joaq
uim
Ant
onio
de
Oliv
eira
Pin
to3
Inte
rpro
vinc
ial
--
-
--
-Se
bast
ião
Fia
lho
3In
terp
rovi
ncia
l-
--
Tot
al30
7T
otal
214
Tot
al11
0
Font
e: E
scri
tura
s co
mpu
lsad
as.
Rio
Clar
oAr
aras
Arar
aqua
ra
Prin
cipa
is v
ende
dore
s/tr
afic
ante
s do
més
tico
s de
esc
ravo
s e
sua
reco
rrên
cia
ao lo
ngo
dos
anos
187
0-79
, de
acor
do c
om a
s es
crit
uras
de
Com
pra
e Ve
nda
de E
scra
vos
deco
rren
tes
dos
três
mun
icíp
ios
que
form
am o
nos
so
reco
rte
geog
ráfic
o.