função social do microcrédito e empreendedorismo como ......função social do microcrédito e...

22
Página 1 de 22 Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago 1 A pobreza põe às claras a vida material, tornando-a por isso mesmo indesejável. Victor Hugo em “Os Miseráveis” RESUMO A tese de que somente políticas públicas erradicam a pobreza possui limites. Tanto no que tange à geração estável de renda aos beneficiados quanto no que se refere às estratégias de desenvolvimento econômico regional. Este artigo apresenta algumas das teorias vigentes sobre erradicação de pobreza e desenvolvimento regional, como as de Muhammad Yunus e Amartya Sen. No Brasil o pensamento de Paul Singer sobre empreendimento econômico solidário merece atenção por sua viabilidade. Tem ainda o objetivo de questionar a eficiência, ou não, de políticas públicas, como o Bolsa Família, no combate ou na erradicação da pobreza no Brasil. Buscaremos trazer uma definição de microempresa e sua função social, e definir quem são os empreendedores que podem ter acesso ao microcrédito para que não precisem mais depender exclusivamente de políticas públicas para saírem do cinturão de miséria, contribuindo no desenvolvimento das regiões em que moram. Palavras-chave: Microcrédito; Empreendedorismo; Erradicação da Pobreza; Políticas Públicas. 1 Doutorando em Ciências Sociais (UNESP-Marília). Mestre em Direito (UNIMEP). Graduado em Processos Gerenciais (FGV-SP). Professor na UNIVAG. E-mail: [email protected]

Upload: others

Post on 12-Oct-2020

9 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como ......Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago1

Página 1 de 22

Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil

Carlos Santiago1

A pobreza põe às claras a vida material, tornando-a por isso mesmo indesejável.

Victor Hugo em “Os Miseráveis”

RESUMO

A tese de que somente políticas públicas erradicam a pobreza possui limites. Tanto no que tange

à geração estável de renda aos beneficiados quanto no que se refere às estratégias de

desenvolvimento econômico regional. Este artigo apresenta algumas das teorias vigentes sobre

erradicação de pobreza e desenvolvimento regional, como as de Muhammad Yunus e Amartya

Sen. No Brasil o pensamento de Paul Singer sobre empreendimento econômico solidário merece

atenção por sua viabilidade. Tem ainda o objetivo de questionar a eficiência, ou não, de políticas

públicas, como o Bolsa Família, no combate ou na erradicação da pobreza no Brasil. Buscaremos

trazer uma definição de microempresa e sua função social, e definir quem são os empreendedores

que podem ter acesso ao microcrédito para que não precisem mais depender exclusivamente de

políticas públicas para saírem do cinturão de miséria, contribuindo no desenvolvimento das

regiões em que moram.

Palavras-chave: Microcrédito; Empreendedorismo; Erradicação da Pobreza; Políticas Públicas.

1 Doutorando em Ciências Sociais (UNESP-Marília). Mestre em Direito (UNIMEP). Graduado em Processos

Gerenciais (FGV-SP). Professor na UNIVAG. E-mail: [email protected]

Page 2: Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como ......Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago1

Página 2 de 22

Abstract

The thesis that only public policies eradicate poverty has limits. Both in terms of stable income

generation to benefit and in relation to regional economic development strategies. This article

presents some of the current theories on poverty eradication and regional development such as

Muhammad Yunus and Amartya Sen. In Brazil the thought of Paul Singer on supportive

economic development deserves attention for its viability. We seek to bring a definition of micro

enterprise and its social function and define who are the entrepreneurs who can have access to

microcredit so they do not rely solely on public policy to get out of the poverty belt, contributing

to the development of the regions where they live.

Keywords: Microcredit; Entrepreneurship; Eradication of Poverty; Public Policy.

INTRODUÇÃO

Muito se tem dito ultimamente sobre a desigualdade e a pobreza, não só no Brasil, como no

mundo. Mas o tema não é novo. Rousseau no século XVIII, em sua famosa monografia

“Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”, tece críticas

quanto aos aspectos de propriedade privada e de políticas públicas, que não se preocupam

efetivamente com o bem comum. E conclui dizendo que “Para dar a cada um o que é seu, é

preciso que cada um possa ter alguma coisa.” (ROUSSEAU, 2014, p. 91).

As utopias sociais de igualdade e justiça podem se diluir em dois segmentos, como destaca

Foucault (2011), p. 110) “De fato há duas espécies de utopias: as utopias proletárias socialistas

que têm a propriedade de nunca se realizarem, e as utopias capitalistas que têm a má tendência de

se realizarem frequentemente.”

Em recente artigo no jornal O Estado de São Paulo, Alves (2016) revela aspectos do

microempreendedor individual que fazem refletir sobre a eficiência deste tipo de prática como

combate ou erradicação da pobreza. Os dados mostram que estão cadastrados no Brasil, hoje,

como microempreendedores individuais – MEI – 6 milhões de indivíduos, mas que a cada 10

destes microempreendedores, 6 estão inadimplentes. Até maio de 2016, cerca de 405 mil pessoas

se cadastraram como MEI.

Page 3: Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como ......Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago1

Página 3 de 22

Entre janeiro e fevereiro de 2016, verificamos que foram gastos, com seguro desemprego de

trabalhador formal, mais de 5 bilhões de reais, totalizando mais de 1 milhão de segurados no

período2. No mês de maio de 2016, o programa Bolsa Família beneficiou 13.812.535 famílias,

que receberam benefícios com valor médio de R$ 161,75. O valor total transferido pelo governo

federal em benefício às famílias atendidas alcançou R$ 2.234.191.747 naquele mês3. Segundo os

dados do CAGED4, em abril de 2016 foram eliminados 62.844 empregos celetistas, o equivalente

à retração de 0,16% no estoque de assalariados com carteira assinada do mês anterior.

O que nos dizem estes números? Aumento do desemprego? Oportunidades de novos negócios?

Ou simplesmente reforçam a tese de que existe um empreendedorismo por necessidade (forçado),

que nada tem a ver com os microempreendedores que buscam oportunidades e inovação de

negócios e que geralmente carecem de capital para pôr em prática seus ideais?

No bojo da discussão sobre combate ou erradicação da pobreza, De Soto (2015) expõe que hoje

as pessoas, no caso os microempreendedores, não se revoltam porque não têm capital5, eles se

revoltam porque não têm acesso a ele. “As pessoas não rejeitam o capital e não o combatem –

elas o procuram”. (DE SOTO, 2015) (grifo nosso).

Uma questão geralmente analisada somente pelo viés político foram as manifestações que

culminaram na “primavera árabe” em 2011. Este que se tornou um grande movimento no oriente

médio neste início de século XXI teve como desdobramentos mudanças políticas importante em

várias regiões daquele lado do planeta, porém, não se iniciaram como forma de protesto de

2 Dados obtidos da coordenação-geral do seguro desemprego, do abono salarial e identificação profissional do

Ministério do Trabalho e da Previdência Social. Relatório emitido em 07 de março de 2016. 3 Relatório do Bolsa Família e Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome do

governo federal. Relatório emitido em 02 de junho de 2016. 4 Síntese do comportamento do mercado de trabalho formal no Brasil, em abril de 2016. CAGED – Lei 4.923/65.

5 Seria necessário um tópico específico para discutir uma (ou várias) definição de capital.

Para este trabalho utilizaremos a definição de Schumpeter para o capital como segue: “A economia capitalista é a forma de organização econômica na qual os bens necessários à nova produção são retirados de seu lugar estabelecido no fluxo circular pela intervenção de poder de compra criado ad hoc, enquanto aquelas formas de economia em que isso acontece por meio de qualquer tipo de poder ou comando ou por meio de um acordo de todos os interessados representam a produção não-capitalista. O capital não é nada mais do que a alavanca com o qual o empresário subjuga ao seu controle os bens concretos de que necessita, nada mais do que um meio de desviar os fatores de produção para novos usos, ou de ditar uma nova direção para a produção. Essa é a única função do capital e por ela se caracteriza inteiramente o lugar do capital no organismo econômico”. SCHUMPETER, Joseph A. A Teoria do Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1982.p.80 (grifo nosso).

Page 4: Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como ......Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago1

Página 4 de 22

governos ditatoriais e/ou corruptos, mas como uma forma de crítica dos microempreendedores da

Tunísia por acesso a crédito.6Os pequenos produtores queriam voltar a ter acesso às linhas de

crédito para continuarem em seus empreendimentos, este é o argumento de De Soto para a

afirmação de que as manifestações daqueles que produzem em pequena escala não é no sentido

de irem contra o capital ou desestabilizá-lo, é para poderem ter acesso a ele e continuarem em seu

processo de trabalho.

Por outro lado, são vários os artigos que defendem o microcrédito (FEITOSA e OLIVEIRA,

2016; FREITAS, 2016; NERI, 2016; SOUZA, 2016; KREUTZ e REIS, 2016) como sendo a

tábua de salvação ao desemprego e como fonte de geração de renda. Esse otimismo não reflete o

fato de que aqueles mesmos que se propõem a ser microempresários e a ter acesso ao crédito

geralmente acabam por se envolver em políticas públicas que proporcionam mais esperanças do

que resultados.

Pode realmente, dentro do modo de produção capitalista, o microempreendedorismo (seja ele de

inovação, seja ele por necessidade), o acesso ao microcrédito, combater e/ou erradicar a pobreza?

É necessário ainda pensar em políticas públicas de geração de renda e/ou de distribuição que

façam com que milhões de pessoas tenham acesso a bens de consumo? Essa espécie de

microempreendedorismo pode culminar no que Ritzer chamou de macdonaldização7? Esses

microempreendedores constituem uma nova classe? O objetivo geral deste artigo é discutir e

problematizar algumas teorias sobre desenvolvimento econômico e erradicação da pobreza no

contexto da globalização. Para tanto se faz necessário uma discussão acerca do que vem a ser

pobreza. Ou ainda, como os indivíduos a percebem.

A pobreza não pode ser determinada apenas por um viés meramente econômico ou relacional, ou

seja, aqueles que possuem mais são mais ricos que aqueles que não possuem tanto ou nada. Além

da dimensão econômica e social, também há uma dimensão antropológica que merece ser

considerada. Outro aspecto é o da chamada economia política da pena, cuja “ideia de quem vive

6 Sobre este tema ver The Changing Landscape of the Middle East. Thomas Anderson and Abdelkader Djeflat. In The

Real Issues of the Middle East and the Arab Spring. New York: Springer, 2013. 7 G. Ritzer, Il mondo ala Macdonalds. Bolonha, Il Mulino, 1997. APUD DE GIORGI (2006, p. 17). A macdonaldização é

um processo de homogeneização e despersonalização que, com os seus produtos, ocupa lugar de destaque na cultura de massa.

Page 5: Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como ......Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago1

Página 5 de 22

em condições de pobreza e precariedade está mais inclinado a cometer crimes.” (DE GIORGIO,

2013, p.55). Para os adeptos desta teoria existe uma relação factual entre o desemprego e a

pobreza que por sua vez acarreta em problemas sociais como a criminalidade, mas não é só isso,

a questão penal é utilizada por determinado governo como política de controle da mão de obra

excedente.

“A relação entre desemprego e encarceramento é medida, por conseguinte, por uma

percepção da marginalidade social como uma ameaça à ordem constituída, que se torna

hegemônica nos períodos de crise econômica.” (DE GIORGI, 2013, p. 55)

A desigualdade trazida pela pobreza faz com que se “introduzam grandes males para corrigir

outros menores” (ROUSSEAU, 2008, p. 25). Então, não podemos olvidar de que este

desagradável fato social que é a pobreza não possui apenas um viés econômico. Por isso, a

dimensão ontológica da pobreza merece atenção na determinação de quem são os pobres.

Os economistas geralmente atribuem o aumento do consumo à melhor qualidade de vida. Não

levam em consideração aspectos mais gerais como dignidade da pessoa, saúde, moradia. Os

padrões de qualidade de vida são determinados de forma midiática e sempre relacionados com

consumo exagerado. Kotler afirma que no futuro as empresas que praticarem este tipo de

marketing, aquele que apenas visa uma simples venda sem levar em consideração as necessidades

do ser humano e respeitá-lo como tal, tendem a desaparecer. Para ele a pirâmide precisa ser

transformada em losango (KOTLER; KARTAJAYA e SETIAWAN, 2010, p. 157-171).

Na visão de Sarti (2012) os pobres vivem uma espécie de ambiguidade em que defrontam o seu

cotidiano com as possibilidades de qualidade de vida através do consumo. “Nesta ambiguidade,

neste querer-e-não-poder, os pobres estruturam sua identidade social e constroem seus valores,

procurando retraduzir em seus próprios termos o sentido de um mundo que lhes promete o que

não lhes dá.” (SARTI, 2012, p. 34). Resumidamente a pobreza não pode ser considerada apenas

como um fenômeno econômico com viés consumerista, pela fata ou insuficiência de renda.

(REGO e PINZANI, p. 160)

Page 6: Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como ......Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago1

Página 6 de 22

Especificamente, o acesso facilitado ao microcrédito como elemento de desenvolvimento

regional pode contribuir para que a pobreza seja deixada de lado e proporcione melhor qualidade

de vida, mas não apenas baseada em consumo?

Hoje fala-se mais em empreendedorismo do que no empreendedor, criam-se políticas de acesso

ao crédito e de formalização, mas não se discute o sujeito desta ação. Criam-se padrões e depois

aplicam-se estes padrões a uma realidade que não adere a eles. Não há mais a intenção de

erradicar ou formalizar o trabalho informal: o objetivo passa a ser o de apoiá-lo (COLODETI e

LEITE, 2016, p. 7).

Para Colodeti e Leite (2016), a erradicação da pobreza é o problema central da política pública

que, por sua vez, deve orientar o Estado para iniciativas como o microcrédito.

É com tais formas de ver a pobreza – tomada pelo viés da (in)capacidade individual de

atuar no mercado e constituindo-se como problema central, na contemporaneidade – e a

informalidade (segmento do mercado de trabalho a ser apoiado mediante políticas

públicas de trabalho e renda); é com a reorientação do papel do Estado na área da

política social; é com a consideração do mercado como mecanismo capaz de

‘solucionar’ os problemas econômicos da atualidade – é com tudo isso que o

microcrédito ganha força e se expande no Brasil. (COLODETI e LEITE, 2016, p. 8).

A teoria pró-microcrédito constitui ferramenta básica no combate à pobreza e prioriza o

empreendedorismo produtivo, como o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo.

Uma definição de microempresa

Uma das questões que se coloca em pauta no acesso ao microcrédito é: quem é o destinatário

deste acesso?

Normalmente se insere a discussão no âmbito de pequenas e microempresas como sendo os

principais destinatários dos microcréditos. Na mesma esteira da definição de pobre (pobreza),

cabe um entendimento acerca do que são microempresas.

Page 7: Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como ......Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago1

Página 7 de 22

Uma definição de microempresa não pode se limitar apenas à dimensão econômica ou uma

concepção de tamanho. Assim como a definição de pobreza, a microempresa deve ser

considerada em sua dimensão multiplexa e que depende não apenas de aspectos internos de seu

funcionamento, mas também de suas interações externas. Uma visão unilateral, que leva em

consideração apenas o tamanho da empresa, é insuficiente para dar uma real dimensão da

importância socioeconômica e cultural da pequena e microempresa.

Geralmente as instituições financeiras levam em consideração o faturamento e o tamanho físico

da empresa para classificá-la em micro, pequena ou média empresa. Isso é determinante, pois

dependendo da classificação obtém-se maior ou menor acesso ao crédito, ou seja, o acesso é

diretamente proporcional ao tamanho da empresa. Uma empresa, entendida apenas nestes termos,

será grande se tiver uma grande quantidade de empregados, grande produção e capital

imobilizado que servirá como garantia de recebimento pelo crédito cedido. Mas a empresa é

muito mais que isso8. O ordenamento jurídico nacional não traz uma definição de empresa, mas

deriva esta da de empresário descrita no artigo 966, do Código Civil de 20029, que por sua vez é

uma cópia do artigo 2.082, do Código italiano de 194210

.

Esta derivação de empresa a partir de uma definição de empresário trouxe inúmeras discussões

doutrinárias, justamente porque a empresa, enquanto uma entidade abstrata, pode ou não possuir

direitos, como por exemplo, falir.

O aspecto jurídico é apenas uma das dimensões que se deve levar em consideração no

entendimento de microempresa.

Se uma definição jurídica de empresa no âmbito do ordenamento nacional não é consensual, isso

poderia gerar problemas de acesso ao que se classificaria como micro ou pequena empresa, pois

8 Para uma discussão mais aprofundada do conceito de empresa ver: L’Impresa. BUONOCORE, Vincenzo. Torino:

Giappichelli Editore, 2002. Particularmente o capítulo 2. 9 Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a

produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. 10

ART. 2082 IMPRENDITORE É imprenditore chi exercita professionalmente un’attività econômica organizzata al fine dela produzione o dello scambio di beni o di servizi.

Page 8: Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como ......Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago1

Página 8 de 22

estas não possuem o alcance (garantias) que uma grande empresa tem (do ponto de vista

estritamente econômico). Doravante iremos analisar o entendimento de Montaño (1999) sobre

uma definição de empresa.

A primeira observação é que o fato de a definição de empresa derivar de empresário não reflete a

realidade das microempresas (MONTAÑO, 1999, p. 13). Neste sentido, o que irá definir uma

microempresa é a realidade da própria empresa no sistema de produção capitalista e não o

entendimento que se tem da figura de empresário.11

Podemos constatar que, geralmente, existe

uma área de mítica em torno da figura do empresário que suplanta a ideia de empresa.

Em síntese, poderíamos sinalizar que a PeME, em geral, apresenta uma estrutura muito

elementar. Ela é pequena – poucos trabalhadores, baixo volume de produção e

comercialização e reduzido mercado e raio de incidência; pouco complexa – altamente

centralizada, com pouca estratificação e escassa divisão de tarefas e papéis; e

relativamente informal – insuficiente definição explícita de objetivos, normas, sistemas

de sanções e recompensas, assim como irregular aplicação das Leis Sociais e

Empresariais. (MONTAÑO, 1999, p. 15).

Esta aproximação (pequena, pouco complexa e relativamente informal) não revela a real

participação da microempresa no processo de produção capitalista, pois estas três características

revelam apenas um aspecto da microempresa, sua dimensão, tamanho. Destarte, não é somente a

dimensão ou o tamanho que define a importância socioeconômica da microempresa. É o fato de

ser microempresa que condiciona o seu tamanho e dimensão (MONTAÑO, 1999, p. 15), e não o

contrário. Daí já surge um empecilho no acesso ao crédito por parte das microempresas, pois os

analistas de crédito partem da ideia de que é o tamanho e as características do empresário que a

definem como pequena ou micro.

Outro ponto importante a considerar na definição de microempresa é que geralmente elas são

precárias tecnologicamente. Não no sentido comum de possuírem ou não computadores ou

equipamentos sofisticados, mas no sentido da composição orgânica do capital, ou seja, a relação

entre os valores constante e variável do capital.

O modo de produção capitalista privilegia a concentração de setores onde há a maior composição

orgânica. É que a elevada composição orgânica do capital só se dá quando ela determina um

11

Uma discussão detalhada sobre a idéia de empresário e sua importância no modo de produção capitalista pode ser encontrado em “A Teoria do Desenvolvimento Econômico”. SCHUMPETER, Joseph. São Paulo: Editora Abril, 1982. Cap. II.

Page 9: Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como ......Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago1

Página 9 de 22

crescimento da mais-valia, de tal ordem que compense o crescimento desta composição orgânica

(MONTAÑO, 1999, p. 18).

A precariedade tecnológica, segundo Montaño (1999, p. 19), faz com que as microempresas

acabem por privilegiar apenas a parte variável do capital orgânico da empresa, desta forma é uma

característica da microempresa ter um elevado valor da mão de obra. Isso pode ser verificado

empiricamente em microempresas que trabalham com artesanato, por exemplo. Esse aspecto faz

com que as microempresas sejam sempre subordinadas e dependentes de tecnologia e,

consequentemente, tenham um baixo capital constante (técnica, maquinário, etc.). E é justamente

este fator que a define como microempresa, não tão somente a sua dimensão ou tamanho.

Montaño ainda define dois tipos de microempresas:

“ - aquela que produz certa mercadoria ou serviço para o consumidor direto, ou para o

distribuidor (ou intermediário comercial).

- aquele que produz, certa mercadoria ou serviço para uma grande ou média empresa.”

(MONTAÑO, 1999, p. 21).

No âmbito do acesso ao microcrédito, parece-nos que as microempresas que produzem

mercadoria ou serviços para o consumidor final, geralmente inscrito dentro da própria

comunidade de atuação da empresa, são as que mais tendem a suprir, mas não a substituir, o

trabalho formal.

“Setores inteiros da produção começam, assim, a apoiar-se em mercados não regulados,

não tutelados, muitas vezes no limite da legalidade, em que domina o trabalho

intermitente, temporário, flexível às exigências contingentes de empresas que, de acordo

com a filosofia do just in time e da lean-production, contratam fora de fases isoladas do

processo de produção.” (De GIORGI, 2013, p. 68)

Concluímos este tópico definindo a microempresa como: entidade econômico-jurídico-social que

mantém uma composição do seu capital orgânico mais acentuado para o capital variável, possui

dependência tecnológica (técnica ou de equipamentos), atua com certo grau de informalidade

jurídica (não cumpre com as obrigações legais) e cumpre um papel social no sentido de

desacelerar o desemprego.

Page 10: Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como ......Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago1

Página 10 de 22

A polissemia do microcrédito

O crédito não é uma instituição recente. Desde a antiguidade as relações comerciais se basearam

na boa-fé e na legitimidade das relações mercantis. A confiança e o aval eram respeitados e

imprescindíveis numa relação comercial. Com o aumento das relações mercantis e sua

complexidade, a Lex Mercatoria12

começou a exigir garantias materiais para assegurar as

transações. Com isso o instituto do crédito passa a exercer características não apenas pautadas na

confiança, mas também nas garantias materiais desta confiança. Hoje, passados séculos, esta

dinâmica não mudou.

Para se obter crédito é necessário uma análise de risco (ou risco moral ou assimetria de

informações) e depois as garantias materiais para acesso ao crédito. Quanto maior o volume de

capital solicitado, maior as exigências de garantias materiais. Não se pode olvidar que depois

deste processo de acesso ao crédito, atrelam-se os juros.

Para aqueles que não conseguem passar pela análise de risco e/ou não possuem garantias

materiais que sustenham o crédito, o acesso ao capital se torna apenas um ideal. Doravante, no

Brasil, milhões estão à margem deste processo financeiro. O empresário que passa pelo crivo da

análise de risco e possui garantias para ter acesso ao crédito, desiste dele porque a taxa de juros

lhe soa inviável para o negócio; é quando ele descobre que vale mais a pena investir no capital

financeiro (especulativo) do que obter capital produtivo para investimento. Outros indivíduos

desejosos de obter crédito para, por exemplo, construir a casa própria, ou simplesmente não

passam pelo crivo da análise de crédito ou não possuem garantias que sustentem o acesso ao

crédito desejado ou, pior ainda, se atendem as condições bancárias ficam submetidos a taxas de

juros nada plausíveis com sua realidade financeira.

Disso podemos deduzir que conceder crédito pode ser um bom negócio apenas para as

instituições financeiras. Neste bojo, algumas instituições (como o Banco do Nordeste, por

exemplo) mudam a tradicional visão de concessão de política de crédito e passam a “explorar”

um segmento de mercado que é constituído, geralmente, de pessoas que tradicionalmente não

12

Para uma discussão sobre o ressurgimento da Lex Mercatoria ver: Les Principes Généraux de la Lex Mercatoria. OSMAN, Filali. Paris: LGDJ, 1992.

Page 11: Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como ......Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago1

Página 11 de 22

teriam como obter acesso ao crédito. Este produto novo do mercado financeiro se chama

microcrédito.

Mas o que é este produto financeiro chamado microcrédito?

Neri (2008, p. 29) e Monzoni (2008, p. 30-31) trazem a lume esta discussão e apresentam

algumas das possíveis interpretações do que venha a ser microcrédito. Vejamos algumas.

1) O microcrédito pode consistir-se em serviços financeiros de pequena escala e com valores

baixos.

2) O microcrédito é aquele concedido a pessoas de baixa renda.

3) O microcrédito é uma concessão de empréstimos de valor relativamente pequeno para

atividade produtiva.

A primeira definição tem um apelo subjetivo muito forte, pois cada instituição financeira pode ter

sua própria definição de “pequena escala” e “valores baixos”, o que pode incluir determinados

grupos de pessoas e excluir outros.

A segunda definição também pode trazer discrepâncias quanto ao entendimento de “baixa renda”.

Novamente aqui cada instituição pode ter seu próprio critério de classificação de baixa renda.

A terceira definição atrela duas condições. A primeira, que o montante a ser emprestado é

“relativamente pequeno” e, depois, que ele deve ser utilizado para uma atividade produtiva. Eis

aqui o ponto de discussão.

Ninguém diz, mas este produto financeiro chamado microcrédito, seja ele de que valor e para que

destinatário for, é condicionado ao uso produtivo, ou seja, para se investir em alguma atividade

e/ou manter uma atividade do tipo comercial ou de prestação de serviços. Destarte, as discussões

que se apresentam acerca de uma definição de microcrédito apenas discutem seus limites, mas o

que define o produto microcrédito é seu uso, ou seja, a destinação que é dada a ele. Por isso

Monzoni (2008, p. 31) fala que frequentemente o microcrédito é confundido com o de crédito

popular. O primeiro tem destinação para fins produtivos, o segundo para consumo e/ou para

pagamento de dívidas.

Page 12: Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como ......Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago1

Página 12 de 22

Por isso os autores deste tema relacionam o microcrédito como sendo aquele que é concedido a

microempresas, para fins de manutenção de suas atividades produtivas. Desta forma os valores a

serem concedidos não dependem da vontade ou da simples solicitação do microempresário, mas

da capacidade operacional de sua microempresa. Neste caso a análise de concessão de crédito não

se baseia em termos absolutos no risco moral e nem nas garantias materiais do empréstimo, mas

na viabilidade do negócio em que ele será empregado. O que nos apresenta novamente a

discussão entre ser “microempresário por necessidade” ou “microempresário por oportunidade”.

As instituições financeiras estarão atentas para atender à microempresa, que entende o negócio e

vê nele oportunidades de geração de renda e geração de emprego. Aqueles que apenas vêm o

acesso ao microcrédito como uma saída temporária ao desemprego, podem ter suas expectativas

frustradas com relação ao acesso de microcrédito. Neste contexto, as ações do Banco do

Nordeste, estão perfeitamente integradas ao plano Brasil sem Miséria, conforme Souza (2016).

A observação acima pode gerar um paradoxo com relação à discussão da defesa do acesso ao

microcrédito como um dos pilares para o combate ou erradicação da pobreza. Pois aqueles que

pretendem ter acesso ao microcrédito, para obter uma ocupação temporária por conta do

desemprego, podem não conseguir acesso ao microcrédito para desenvolver a atividade e, desta

forma, permanecerem ou caírem na pobreza. Poderia ser o caso de um mecânico que perde o

emprego, fica sem acesso ao seguro desemprego, e resolve comprar uma máquina de assar

frangos para, a partir desta ocupação, obter renda para sua família. Mas, quando o mercado

absorvê-lo novamente como mecânico, ele simplesmente deixa de lado a ocupação de vendedor

de frangos assados e passa a ser assalariado novamente. Isso é comum acontecer, e com a

justificativa de que ele é um profissional de mecânica e vendia frango apenas porque estava

desempregado.

Já, o indivíduo que “pede as contas” porque vê na ocupação de vender frangos assados uma

oportunidade de negócio e crescimento (um restaurante no futuro), este tem mais o perfil de

acesso ao microcrédito do que o anterior.

Precisaríamos de dados empíricos que sustentem esta tese, mas o discurso teórico sobre o acesso

ao microcrédito remete somente ao segundo perfil citado acima.

Page 13: Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como ......Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago1

Página 13 de 22

Erradicação ou combate?

A literatura sobre microcrédito frequentemente usa o termo combate para ilustrar as iniciativas

deste instituto nas questões como a pobreza. Neste ponto caberia uma definição ou reflexão

acerca dos termos que se usa para atribuir uma espécie de “eficácia” ao microcrédito.

Uma política social que utiliza o microcrédito, combate ou erradica a pobreza?

Ou a concessão de microcrédito pode ser considerada uma política social de redução da pobreza?

(COLODETI e LEITE, 2016, p. 10)

Ainda, como aumentar o bem-estar do pobre de acordo com a capacidade de pagamento deste?

(FEITOSA e OLIVEIRA, 2016)

O combate, nos parece, remete a algo que faz um enfrentamento, mas não há uma certeza de

vitória. Também, ele nos remete a algo que pode se prolongar por muito tempo. O termo também

remete a uma discussão entorno de um assunto ou mesmo debate sobre um determinado tema.

Todos estes sentido do substantivo combate não dão a idéia de término ou fim de uma situação,

apresentam uma continuidade.

Já a erradicação é mais condizente com um objetivo final, algo que pode se prolongar, mas

necessariamente deve ter um fim. Não se admite a manutenção da situação, exige-se que tenha

fim. Se tomarmos emprestada a definição de erradicação em ciências da saúde a erradicação de

uma doença (neste caso a pobreza) significa uma redução permanente com incidência zero e os

tratamentos e medidas preventivas não serão mais necessárias no futuro (MARKLE; FISHER e

SMEGO Jr, 2015, p. 73). Quando esta erradicação não consegue atingir o índice zero, mas baixa

a níveis próximos de zero chama-se eliminação. Adotaremos aqui a idéia de que a erradicação é

benéfica como política pública de longo prazo, pois traz a idéia não de manutenção, mas sim de

redução da pobreza a índice zero sem a possibilidade de volta no futuro.

Outra observação é que o termo erradicação é utilizado no art. 3° inciso III da Constituição

Federal de 1988 quando se refere à pobreza.

Page 14: Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como ......Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago1

Página 14 de 22

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e

regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e

quaisquer outras formas de discriminação. (STRECK e MORAIS, p. 146) (grifo nosso)

Constitucionalmente, erradicar a pobreza é um compromisso fundamental da República

brasileira.

“Nitidamente, a Constituição brasileira aponta para a construção de um Estado Social

de índole intervencionista, que deve pautar-se por políticas públicas distributivistas,

questão que exsurge claramente da dicção do art. 3° do texto magno.” (STRECK e

MORAIS, p. 147) (grifo nosso)

Destarte, os discursos que utilizam o microcrédito como uma forma de combate ao desemprego

e/ou à pobreza podem estar apenas sinalizando para a manutenção de uma situação, e não

permitindo que se chegue às vias de fato, ou seja, à sua erradicação. Isso pode ser percebido pela

empolgação e, às vezes, um excesso de otimismo com relação aos resultados alcançados pelos

programas de microcrédito.

A crítica de Colodeti e Leite (2016, p. 11-12) coloca a questão em outros termos:

1) No Brasil, há um acentuado contraste entre, de um lado, a abrangência do microcrédito, no que

tange ao número de tomadores efetivamente atendidos, e, de outro lado, as dimensões da pobreza.

2) Dados indicam que parte significativa dos tomadores de microcréditos, no País, não faz parte

dos segmentos mais pobres da população brasileira.

3) A concessão de microcrédito insere-se num conjunto maior de políticas de Estado que, de fato,

não contribuem para a diminuição das gritantes desigualdades que caracterizam a sociedade

brasileira.

Page 15: Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como ......Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago1

Página 15 de 22

Para Colodeti e Leite (2016) os dados relacionados ao microcrédito podem ser positivos, mas

não passam de uma gota no oceano. Programas de previdência social, por exemplo, possuem

maior alcance na erradicação da pobreza e distribuição de renda do que políticas de microcrédito.

Esses programas beneficiam mais famílias e trazem mais equidade do que programas de

microcrédito, que beneficiam apenas uma parcela dos pobres que desejam ser empreendedores

por oportunidade e não por necessidade.

Neste sentido, podemos enquadrar o termo combate ao que Singer (1999) chama de revolução

política; ou seja, aquilo que gera transformações apenas no seio das formas institucionais do

poder. Já, a erradicação, poderia ser enquadrada na categoria de revolução social, pois desta

forma pretende-se alterar o modo de produção da sociedade. São detalhes que podem parecer

insignificantes politicamente, mas são determinantes na questão social, pois apenas dar

manutenção à pobreza é apenas dar mais migalhas aos mais pobres e mais riqueza aos mais ricos.

Capitalismo humanista

O exposto até o momento (pobreza, microempresa, microcrédito, combate e erradicação) busca

analisar a função social do microcrédito e do empreendedorismo como processo de erradicação

da pobreza.

Que o microcrédito pode ser agregado a políticas sociais, disto não resta dúvidas; a questão que

se coloca é se este instituto promove uma verdadeira transformação social ou se mantém na

pobreza aqueles que ali se encontram, dando assim manutenção a esta condição e apenas

alimentando a expectativa de se ver livre dela. A função social deste instituto deve ser ampliada a

todos os segmentos ou apenas ao chamado setor produtivo?

Kotler et al discorrem sobre a possibilidade de o sistema de produção capitalista combater a

pobreza, quando gera oportunidades de empreendedorismo na base da pirâmide. A população de

baixa renda precisa estar mais exposta às informações e oportunidades de geração de renda.

(KOTLER; KARTAJAYA e SETIAWAN, 2010, p. 159).

Page 16: Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como ......Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago1

Página 16 de 22

Em outro texto, esses autores admitem que no capitalismo os ricos tendem a ficar mais ricos, a

classe média a crescer um pouco e os trabalhadores pobres e os extremamente pobres não

conseguem ter acesso aos frutos do crescimento econômico. (KOTLER e LEE, 2010, p. 244).

Yanus defende a ideia de "negócio social" em que o empreendimento beneficia ou gera

oportunidades de renda dentro de uma comunidade. Esse conceito envolve pequenos agricultores,

pescadores, tecelões, fontes de energia renovável, tecnologias de baixo custo etc.

While trying out all these approches, I saw myself moving from one level to another

level of my conceptual framework. I moved from microcredit to a much broader

concept, which neatly includes microcredit itself. This new concept will bring a

fundamental change in the architecture of our capitalist economy by bringing it closer

to a complete and satisfactory framework, freeing it from the basic flaws which lead to

poverty and another social and environmental ills. This is the concept of social business.

(YANUS, 2010, p. xiv) (grifos nossos)

Stiglitz (2007), um dos maiores críticos do processo predatório da globalização, prega que o

capital deve promover um melhor equilíbrio para promoção da igualdade nas nações. Para ele os

países desenvolvidos devem subsidiar os países em desenvolvimento, e estes, por sua vez, devem

ser responsáveis pelo uso eficaz de recursos.

Grande parte do debate sobre desenvolvimento centra-se na melhor maneira de os países

industriais avançados propiciarem mais recursos – por meio de ajuda, alívio da dívida e

investimento direto – e em como podem oferecer mais oportunidades, através da

reforma do comércio internacional. Mas, mesmo que a globalização consiga aumentar

os recursos para os países em desenvolvimento e abrir novas oportunidades, o

desenvolvimento não está garantido. Os países devem ser capazes de usar bem os

recursos e aproveitar as novas oportunidades. (STIGLITZ, 2007, p. 130) (grifo nosso)

Se lançarmos um olhar mais crítico a esses discursos de combate à pobreza e promoção de uma

justiça social, iremos verificar que nenhum deles promove um rompimento com o modo de

produção capitalista. Todos esses pensadores acreditam que organizando formas de

empreendimento social e acesso democratizado ao crédito torna mais eficaz o combate às

desigualdades e combate à pobreza. Ou seja, tornando o capitalismo mais humanizado.

Amartya Sen, irá evangelizar a questão da justiça social e a questão do foco no ser humano e não

no processo. Neste sentido sua grande contribuição é incluir como medida de índice econômico

não apenas o PIB, mas a expectativa de vida, educação etc, além do próprio PIB, para determinar

o índice de desenvolvimento humano (IDH). Para Feitora e Oliveira:

Page 17: Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como ......Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago1

Página 17 de 22

“Amartya Sem, autor da ideia de desenvolvimento como liberdade, propôs a inserção de

valores éticos no raciocínio econômico. A contribuição para a evolução do tema deve ser

destacada, em razão da relação direta entre desenvolvimento e concretização das

chamadas liberdades substantivas dos agentes, tais como a liberdade de participação

política, a oportunidade de receber educação básica ou assistência médica, entre outras.”

(FEITOSA e OLIVERA, 2016).

Singer (1999) descreve o mesmo fato sob uma outra perspectiva, com a substituição do modo de

produção capitalista por uma economia solidária. A diferença entre Singer e pensadores como

Kotler, Yanus, Stiglitz e Sen, é que ele opera no âmbito da revolução social e não da revolução

política.

Em todos eles o acesso ao crédito, particularmente ao microcrédito, é um fator de incremento no

processo de combate (Kotler, Yanus, Stglitz e Sen) ou erradicação (Singer) da pobreza. Nessa

perspectiva, tanto o acesso ao microcrédito como o empreendedorismo de indivíduos que tiveram

acesso ao crédito cumprem com uma função social, seja gerando renda (empreendedorismo de

oportunidade) seja reduzindo a taxa de desocupação (empreendedorismo por necessidade).

Porém não podemos olvidar que no modo de produção capitalista estas políticas sociais não

passam de subterfúgios para apaziguar a descrença dos trabalhadores no sistema. Funciona como

uma espécie de inclusão condicional à sociedade.

Ensina Behring e Boschetti:

“Pelo ângulo político, as políticas sociais são vistas como mecanismos de cooptação e

legitimação da ordem capitalista, pela via da adesão dos trabalhadores ao sistema.”

(BEHRING e BOSCHETTI, p. 37)

Entendemos que no Brasil, atualmente, o otimismo em torno do acesso ao microcrédito esteja em

conformidade com a ideia de um capitalismo mais humanizado através de políticas sociais

(revolução política) e com a ideia de De Soto, de que as pessoas não são contra o capital, mas

desejam seu acesso. Ainda sobre os desempregados, em face das teorias neoliberais, Feitosa e

Oliveira (2016) lembram que sem o apoio do Estado não há como garantir a reinserção deste

indivíduos.

Page 18: Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como ......Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago1

Página 18 de 22

Conclusão: A pobreza, boa vizinha da miséria

Do que fora exposto até o momento cabe usar este ferramental para responder alguns

questionamentos que deixamos aberto.

Inicialmente apresentamos alguns números obtidos diretamente de fontes governamentais com

relação a desembolso de políticas públicas.

O que nos dizem estes números? Aumento do desemprego? Oportunidades de novos negócios?

Uma interpretação precisa destes dados precisaria ser melhor desenvolvida em outro lugar. Mas

estes indicadores nos mostram que o aumento do desemprego não significa, necessariamente,

falta de trabalho. Neste sentido, o excedente de mão de obra poderia ser utilizado não em trabalho

formal com carteira assinada (os índices de desemprego apenas expressam isso) mas em

ocupação. Oportunidades de negócios desde que devidamente orientados e apoiados

financeiramente pode ajudar as pessoas a alocarem sua capacidade de trabalho em setores que

possam lhes gerar renda e não apenas salário.

Pode realmente, dentro do modo de produção capitalista, o microempreendedorismo (seja ele de

inovação, seja ele por necessidade), com acesso ao microcrédito, combater e/ou erradicar a

pobreza?

O microcrédito como política pública de incentivo a pequenos empreendimentos pode ser uma

alternativa ao desemprego como uma forma de ocupação e geração de renda, mas erradicar a

pobreza, no sentido de zerar seu índice de ocorrência, no atual modelo, é pouco provável. Isso se

deve mais à forma como a política de acesso ao crédito é gerenciada pelas instituições de

fomento do que à capacidade do microcrédito realizar tal tarefa. O microcrédito poder ser uma

ferramenta de apoio no intuito de não deixar retroceder aspectos de políticas públicas que já

conseguiram ajudar pessoas a saírem da linha da miséria, mas são constantemente ameaçados

pela instabilidade tanto política quanto econômica. Se estes indivíduos já extraídos da miséria

tiverem acesso a orientação de como gerir uma ocupação na obtenção de renda e acesso ao

microcrédito, este isso pode erradicar a pobreza.

Page 19: Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como ......Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago1

Página 19 de 22

É necessário ainda pensar em políticas públicas de geração de renda e/ou de distribuição que

façam com que milhões de pessoas tenham acesso a bens de consumo?

Esta é a confusão que geralmente se faz. Obter crédito para consumo e não produção. A idéia

geral do microcrédito é fazer com que os indivíduos utilizem seus recursos para gerar renda e daí

tirar sua subsistência fazendo com que, paulatinamente, este mesmo indivíduo dependa cada vez

menos de políticas públicas que o mantenha afastado da pobreza. Mas para isso o crédito precisa

ser orientado e não simplesmente cedido. Sem orientação este indivíduos tendem a utilizar o

crédito para obterem bens de consumo, o que não possibilitaria a manutenção de sua ocupação.

Essa espécie de microempreendedorismo pode culminar no que Ritzer chamou de

macdonaldização? Esses microempreendedores constituem uma nova classe?

Se analisarmos as formas como geralmente vem sendo tratado o microempreendedorismo seria

plausível concluir que a questão cultural (massificada) é atual. Vende-se a idéia de que o

empreendedorismo é apenas para pessoas de iniciativa e capacidade inventiva e que possua

características específicas para exercer a liderança na área em que pretende atuar. Nem a

definição clássica de Schumpeter sobre o papel do empresário coaduna com este tipo de

abordagem que exclui todos aqueles que pretenderem tem uma ocupação autônoma desvinculada

do formalismo habitual. Não é o microempresário uma nova classe é o que De Giorgio classifica

de “multidão”. Uma multidão é o que se chama na teoria econômica da pena como excedente

positivo do pós-fordismo.13

O acesso facilitado ao microcrédito como elemento de desenvolvimento regional pode contribuir

para que a pobreza seja deixada de lado e proporcione melhor qualidade de vida, mas não apenas

baseada em consumo?

Somente se ela for orientada para atividades ocupacionais e/ou profissionais em que as pessoas

possam realizar com convicção e prazer e não apenas para obtenção de dividendos. Aqui

mereceria um aprofundamento entre o empreendedorismo de necessidade e o empreendedorismo

de oportunidade. Nos parece que o primeiro é voltado apenas para o consumo, enquanto o

segundo a uma manutenção da vida profissional.

13

Para esta questão remetemos o leitor à obra de De GIORGI listado na bibliografia particularmente o capítulo 3.

Page 20: Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como ......Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago1

Página 20 de 22

Uma política social que utiliza o microcrédito, combate ou erradica a pobreza?

Conforme vimos acima as atuais políticas de microcrédito possuem mais características de

combate do que erradicação. Isso se deve a forma como vem sendo gerenciado o acesso por parte

das instituições de fomento que parecem ser temerosos pelo não recebimento de seus

investimentos neste setor, e isso justamente porque as garantias materiais são mínimas.

A oscilação entre pobreza e miséria, tendo como intermediárias as políticas públicas, e

particularmente o acesso ao microcrédito, pode surtir efeitos apenas paliativos onde os sujeitos

protagonistas deste acesso permanecem numa espécie de limbo entre o sucesso do

empreendimento e seu fracasso.

A visão otimista do acesso ao crédito como fator relevante na erradicação da pobreza pode não

possuir viés positivo. Por exemplo, se compararmos o que foi gasto com pagamentos do Bolsa

Família em maio de 2016, com o desembolso de Seguro Desemprego em janeiro/fevereiro do

mesmo ano, podemos inferir que ainda é mais forte o apelo assistencial do Estado do que um

incentivo ao empreendedorismo. Um estudo posterior poderia nos levar a questionar se este

suposto assistencialismo por parte das políticas públicas é um modelo keynesiano ou não.

Destarte, as políticas públicas de que tem por meta a erradicação da pobreza tornam mais

distantes a vizinhança entre a miséria e pobreza e não permitem um retrocesso, daí o motivo da

erradicação e não somente um eterno combate à pobreza. Neste sentido a função social do

microcrédito é garantir um mínimo de acesso ao crédito para àqueles que pretendem desenvolver

atividades na forma de uma ocupação com o fim de gerar renda para suprir suas necessidades

básicas de subsistência. Porém as formas de políticas de acesso a este crédito restringem a maior

parte dos indivíduos que poderiam usar este capital de forma a gerar renda e não apenas ócio,

como por exemplo, o seguro-desemprego.

Se continuarmos assim a pobreza ainda será uma boa vizinha da miséria, como bem descreveu

Hugo em Os Miseráveis.

Page 21: Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como ......Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago1

Página 21 de 22

REFERÊNCIAS

ALVES, Murilo Rodrigues. Calote de microempreendedor vai a 59%. O Estado de São Paulo.

4 de junho de 2016. Caderno Economia, B8.

COLODETI, Vicente de Paulo e LEITE, Izildo Corrêa. Microcrédito, Informalidade e combate

à pobreza. Disponível em: periódicos.ufes.br/SNPGCS/article/download/1631/1227. Acessado

em: 16 maio de 2016.

DE GIORGI, Alessandro. A Miséria Governada Através do Sistema Penal. Rio de Janeiro:

Editora Revan, 2013.

DE SOTO, Hernando. Os pobres contra Piketty. Folha de São Paulo, 07 de junho de 2015.

FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer e OLIVEIRA, Bruno Bastos. Política de Microcrédito,

Desenvolvimento Econômico e Direitos Humanos. Disponível em:

http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=8a56257ea05c7401. Acessado em: 30 maio 2016.

FREITAS, Leandro Klineyder Gomes. Programas de Microcrédito e Desenvolvimento: uma

discussão necessária. Disponível em:

www.sbsociologia.com.br/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=94

2&Itemid=171. Acessado em: 16 maio de 2016.

KOTLER, Philip e LEE, Nancy R. Marketing contra a pobreza. Porto Alegre: Bookman, 2010.

KOTLER, Philip; KARTAJAYA, Hermawan e SETIAWAN, Iwan. Marketing 3.0. São Paulo:

Editora Campus, 2010.

KREUTZ, Daiane Cristina e REIS, Carlos Nelson dos. Microcrédito como Política de Geração de

Emprego e Renda. Disponível em: www.fee.rs.gov.br/wp-

content/uploads/2014/05/201405267eeg-mesa20-microcreditocomopoliticapublica.pdf. Acessado

em: 20 nov 2015.

MARKLE, William H; FISHER, Melaine A. e Jr SMEGO, Raymond A. Compreendendo a

Saúde Global. 2ª Edição. Porto Alegre: AMGH, 2015.

MONTAÑO, Carlos. Microempresa na era da globalização. São Paulo: Cortez Editora, 1999.

MONZONI, Mario. Impacto em renda do microcrédito. São Paulo: Petrópolis, 2008.

Page 22: Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como ......Função Social do Microcrédito e Empreendedorismo como Processo na Erradicação da Pobreza no Brasil Carlos Santiago1

Página 22 de 22

NERI, Marcelo. O Programa Bolsa Família e a Inclusão Financeira. Disponível em:

docplayer.com.br/storage/25/6348181/1463423130/uFe2YpnHuz9U_rNvrFEZPw/6348181.pdf.

Acessado em: 16 maio 2016.

PANIS, Amanda da Cunha. Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado: Análise

dos resultados recentes da política. Disponível em:

bdm.unb.br/bitstream/10483/11167/1/2015_AmandadaCunhaPanis.pdf. Acessado em: 20 jan.

2016.

REGO, Walquiria Leão e PINZANI, Alessandro. Vozes do Bolsa Família. Autonomia,

Dinheiro e Cidadania. 2ª Edição. São Paulo: Editora Unesp, 2014.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Penguin Classics Companhia das

Letras, 2011.

_____________________. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre

os homens. Porto Alegre: L&PM Editores, 2014.

SARTI, Cyntia Andersen. A Família como Espelho. 7ª Edição. São Paulo: Cortez Editora, 2012.

SINGER, Paul. Uma utopia militante. 2ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 1999.

STIGLITZ, Joseph E. Globalização como dar certo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

STRECK, Lenio Luiz e MORAIS, José Luis Bolzan de. In Comentários à Constituição do

Brasil. J.J. Gomes Canotilho; Gilmar Ferreira Mendes; Ingo Wolfgang Sarlet e Lenio Luiz Streck

(coordenadores). São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 146 a 150.

YUNUS, Muhammad.. Building Social Business. New York: Public Affairs, 2010.