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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – INSTITUTO DE ECONOMIA – IE/UFRJ POLÍTICAS PÚBLICAS DE EMPREGO E MICROCRÉDITO: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA SHANNA NOGUEIRA LIMA Rio de Janeiro - RJ 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – INSTITUTO DE ECONOMIA – IE/UFRJ

POLÍTICAS PÚBLICAS DE EMPREGO E MICROCRÉDITO: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

SHANNA NOGUEIRA LIMA

Rio de Janeiro - RJ

2006

POLÍTICAS PÚBLICAS DE EMPREGO E MICROCRÉDITO: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

SHANNA NOGUEIRA LIMA

Dissertação apresentada ao Corpo Docente do

Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio

de Janeiro como parte dos requisitos necessários à

obtenção do título de Mestre em Ciências Econômicas.

Orientadora: Profa. Beatriz Azeredo

Setembro/2006

POLÍTICAS PÚBLICAS DE EMPREGO E MICROCRÉDITO: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

SHANNA NOGUEIRA LIMA

Dissertação apresentada ao Corpo Docente do

Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio

de Janeiro como parte dos requisitos necessários à

obtenção do título de Mestre em Ciências Econômicas

BANCA EXAMINADORA:

______________________________________

Profa. Beatriz Azeredo (orientadora)

IE/UFRJ

_____________________________________

Prof. Claudio Salm

IE/UFRJ

______________________________________

Profa. Maria Lucia Teixeira Werneck Vianna

IE/UFRJ

______________________________________

Antônio Sérgio Peixoto Barretto

BNDES

Setembro/2006

Agradecimentos

Gostaria de registrar meus agradecimentos à algumas pessoas que foram fundamentais

para o desenvolvimento dessa dissertação.

Em primeiro lugar, agradeço à minha orientadora, a professora Beatriz Azeredo. A

forma coerente e equilibrada com que expõe suas idéias ficaram evidentes para mim antes

mesmo de começarmos o trabalho. Sem a sua dedicação na leitura dos meus textos e a sua

visão bastante rica em relação às questões discutidas aqui, a realização deste trabalho não

teria sido possível.

Gostaria de agradeçer, ainda, ao professor Claudio Salm, que participou da minha

defesa de projeto e deu importante colaboração para o aprimoramento desse trabalho.

Agradeço, em especial, a Antônio Sergio Peixoto Barreto, não só por suas contribuições no

momento da defesa do projeto, mas também pela atenção e prestatividade concedidas à mim

nos momentos iniciais da pesquisa. As poucas conversas que tivemos foram de extrema

importância para definir o caminho a ser seguido nesse trabalho.

Aos meus amigos do mestrado, agradeço por tornar essa fase tão agradável. A nossa

convivência foi parte muito importante na minha formação, pois a diversidade de

conhecimentos e interesses tornavam as nossas conversas bastante enriquecedoras.

Agradeço, especialmente, à Vivi, ao Xandão, ao Pixolé, ao Ganzo e à Camila, que durante todo

o mestrado estiveram por perto, conversando, apoiando e dividindo os momentos de angústia e

de diversão.

Agradeço aos amigos que trabalharam comigo na Incubadora Tecnológica de

Cooperativas Populares da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (ITCP-FGV), os quais

foram responsáveis por despertar em mim a sensibilidade em relação ao enorme contingente

da população brasileira que se encontra privada de seus direitos básicos e de sua dignidade, e,

também, por me fazer acreditar que existem caminhos para lutar contra isso. Agradeço,

particularmente, ao amigo e professor Ricardo Bresler pelas inúmeras conversas

extremamente enriquecedoras, as quais foram importantes para a escolha do meu caminho e

para a decisão de cursar o mestrado.

Aos meus pais, agradeço pelo apoio incondicional, pela confiança que depositam em

mim e por incentivar a minha busca pelo crescimento, pessoal e profissional. A certeza de

contar com o apoio de vocês me dá coragem e segurança para correr riscos e enfrentar os

desafios. À minha mãe, agradeço pela intensidade com que torçe por mim, e por ter sido,

sempre, um exemplo para mim. A sua força sempre me estimulou a buscar os desafios, e o seu

senso de praticidade me levou a ter uma visão mais realista do mundo à minha volta.

Agradeço, inclusive, pelas nossas brigas, que me faziam parar para pensar e tentar ser uma

pessoa melhor. Ao meu pai, agradeço pelo exemplo de serenidade e inteligência, e pelos

incentivos ao meu desenvolvimento acadêmico.

Aos meus irmãos, Bruno e Rodrigo, agradeço por terem me mostrado as diversas

possiblidades que a vida oferece. O fato de serem mais velhos permitiu que eu aprendesse

com as suas experiências e, assim, tivesse melhores condições de escolher o meu caminho.

Finalmente, agradeço ao Felipe, pelo constante apoio, e por se fazer presente em todos

os momentos, tornando suas as minhas dificuldades e conquistas. As suas palavras de

carinho, compreensão e incentivo me fizeram ter mais confiança no meu trabalho e não me

deixaram desanimar, mesmo nos momentos mais difíceis. O seu companherismo e o nosso

convívio diário tornaram os últimos anos muito especiais. Obrigada por estar ao meu lado e

tornar a minha vida melhor.

Resumo

Esta dissertação visa analisar o Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER) e o Programa BNDES Microfinanças, comparando as suas abordagens e linhas de atuação, e buscando destacar a sua contribuição para o desenvolvimento do microcrédito e das Políticas Públicas de Emprego (PPEs) no Brasil. Para tanto, é feita uma contextualização das PPEs nos Países Centrais e no Brasil, assim como uma exposição do debate internacional acerca do microcrédito, destacando suas potencialidades e limitações enquanto instrumento para as PPEs brasileiras. A análise do PROGER e do BNDES Microfinanças mostra que, embora esses programas não tenham atingido seus objetivos de forma integral, eles foram responsáveis por importantes avanços na democratização do crédito, assim como no desenvolvimento das Políticas Ativas de Emprego no Brasil. Palavras-chave: microcrédito, microfinanças, políticas públicas de emprego, políticas ativas de emprego, PROGER, BNDES Microfinanças, Programa de Crédito Produtivo Popular.

Abstract

This thesis analyzes the Employment and Wealth Program (PROGER – Programa de Geração de Emprego e Renda) and the BNDES Microfinance Program, comparing their approaches and stressing their contribution to the development of microcredit and Public Employment Policies (PEP) in Brazil. This is illustrated by the context of PEP in Brazil and in the developed countries, as well as an exposition of the international debate on microcredit, its potencialities and limitations as an instrument of brazilian´s PEP. The analizys of PROGER and BNDES Microfinance shows that although their objectives weren´t fully accomplished, they were responsible for important improvements in credit democratization, as well as in the development of active employment policies in Brazil. Keywords: microcredit, microfinance, employment policies, active employment policies, PROGER, BNDES Microfinance .

Sumário

Introdução....................................................................................................................................8

Capítulo 1 – Sistemas Públicos de Emprego: as experiências internacional e brasileira.13

1.1 Introdução .........................................................................................................................13

1.2 Sistemas Públicos de Emprego (SPEs): a experiência internacional ...............................17

1.3 O surgimento do SPE brasileiro........................................................................................23

1.3.1 Contexto do mercado de trabalho brasileiro ..............................................................23

1.3.2 Os instrumentos clássicos (seguro-desemprego, intermediação de mão-de-

obra e qualificação profissional) no SPE brasileiro .............................................................26

1.4 Comentários Finais ...........................................................................................................41

Capítulo 2 – Microcrédito: a experiência internacional e o debate ......................................45

2.1 Introdução .........................................................................................................................45

2.2 Algumas experiências internacionais................................................................................50

2.2.1 Banco Grameen .........................................................................................................54

2.2.2 Banco Rakyat Indonesia (BRI) ...................................................................................56

2.2.3 BancoSol ....................................................................................................................58

2.2.4 Income Generation for Vulnerable Groups Development (IGVGD) ...........................60

2.3 As Instituições Microfinanceiras (IMFs) ............................................................................62

2.3.1 A tecnologia financeira das IMFs ...............................................................................63

2.3.2 A Comercialização da Atividade de Microfinanças ....................................................67

2.4 Microcrédito: combate à pobreza ou geração de empregos?...........................................71

2.4.1 O Trade-off entre focalização e sustentabilidade.......................................................73

2.4.2 O microcrédito chega aos mais pobres?....................................................................77

2.4.3 O impacto dos programas de microcrédito sobre a renda .........................................79

2.4.4 Qual deve ser o público-alvo dos programas de microcredtio? .................................80

2.5 O papel do Estado nos programas de microcrédito..........................................................86

2.5.1 Regulacão e Supervisão das IMFs ............................................................................88

Capítulo 3 – Microcrédito e Políticas Públicas de Geração de Emprego e Renda: a experiência brasileira ...............................................................................................................93

3.1 Introdução .........................................................................................................................93

3.2 Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER) ................................................99

3.3 BNDES Microfinanças.....................................................................................................113

3.3.1 Programa de Desenvolvimento Institucional (PDI)...................................................115

3.3.2 Programa de Crédito Produtivo Popular (PCPP) .....................................................122

3.3.3 Marco Regulatório....................................................................................................127

3.4 PROGER e BNDES Microfinanças: uma análise comparada.........................................131

3.5 Balanço das medidas recentes .......................................................................................138

Considerações Finais .............................................................................................................142

Bibliografia ..............................................................................................................................152

8

Introdução

O desemprego vem sendo, já há algumas décadas, uma das principais preocupações

da sociedade brasileira. Na tentativa de solucionar ou contornar este problema, as Políticas

Públicas de Emprego (PPEs) ganharam maior relevância no Brasil a partir dos anos 80. Estas

políticas visam, em geral, melhorar as condições de trabalho, contribuir para a redução das

desigualdades do mercado de trabalho, assim como, incrementar a criação de empregos.

É importante salientar que as PPEs não são suficientes para reverter um quadro de

elevado desemprego. Não se pode perder de vista, portanto, a relevância do crescimento

econômico para o aumento do nível de emprego. Ainda assim, a importância das PPEs não

deve ser desconsiderada. Segundo Salm (2003, p.4), mesmo se houvesse crescimento

sustentado da economia,

(...) sempre haveria segmentos de trabalhadores que devido a algum tipo de carência estariam impossibilitados de aproveitar as oportunidades abertas pelo crescimento. Para estes grupos em desvantagem caberia formular medidas de proteção social e de promoção da empregabilidade. Nessas circunstâncias, a questão do emprego seria apenas uma das dimensões da política social. E, na verdade, a maioria das políticas de emprego, quando foram concebidas nos anos 60 e 70, visava tais circunstâncias. Foram concebidas como complementares ao crescimento e não como substitutas.

As Políticas Públicas de Emprego surgiram nos Países Centrais, e se consolidaram no

Segundo Pós-Guerra, quando a proteção social e a busca pelo pleno emprego eram

consideradas pontos cruciais nas estratégias de desenvolvimento daqueles países. Os

instrumentos de política de emprego utilizados naquele período foram desenvolvidos de forma

coerente com esta estratégia, buscando combater especialmente o desemprego friccional. Tais

instrumentos, chamados de clássicos, eram o seguro-desemprego, a qualificação profissional

dos trabalhadores e a intermediação de mão-de-obra.

No Brasil, essas políticas passaram a fazer parte da agenda governamental de forma

mais significativa na segunda metade da década de 80, momento em que a crise do

9

desemprego se mostrava bastante acentuada, e ganharam força a partir do início dos anos 90,

especialmente após a criação do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). As PPEs brasileiras,

apesar de estarem voltadas para um mercado de trabalho com características particulares e

bastante distintas em relação aos Países Centrais, foram inspiradas nas políticas desses

países, utilizando os mesmos três instrumentos clássicos.

Esses instrumentos são fundamentais para aumentar a segurança dos trabalhadores,

compensar parcialmente a sua perda em uma eventual situação de desemprego, assim como

modificar as características da mão-de-obra ofertada, tornando-a mais qualificada, ou

aprimorando o fluxo de informação dentro do mercado de trabalho. Não são capazes, no

entanto, de contribuir para criação de novos postos de trabalho, ou seja, não atuam sobre a

demanda por mão-de-obra.

Levando em conta o contexto do mercado de trabalho brasileiro nos anos 90, o qual se

caracterizava pela presença de elevadas taxas de desemprego, ficava evidente a necessidade

de se ter políticas voltadas para a demanda por mão-de-obra e, assim, fomentar de forma mais

significativa a criação de empregos. Com isso, especialmente a partir de meados dos anos 90,

passaram a ganhar importância as políticas de geração de trabalho e renda por meio da

concessão de crédito aos micro e pequenos empreendedores, assim como aquelas voltadas

para fomentar as instituições de microcrédito no Brasil.

Estas políticas, ao expandir o crédito àqueles que, em geral, não têm acesso ao sistema

bancário tradicional, reduzem as desigualdades de oportunidade entre os empreendedores,

além de favorecer a viabilidade e expansão dos micro e pequenos empreendimentos. O acesso

ao crédito pode contribuir para estimular a capacidade empreendedora dos beneficiários,

incentivando a sua busca por autonomia e, em contrapartida, exige atitudes de

comprometimento e responsabilidade por parte dos tomadores de empréstimos.

10

Desta forma, diferente do que acontece nas políticas de transferência de renda, o

beneficiário do microcrédito deve ter habilidades empreendedoras e um mercado local para que

possam ser fomentados o auto-emprego e os pequenos negócios (Khandker, 2005, p.264).

Nas últimas décadas o microcrédito ganhou evidência em todo o mundo, sendo muitas

vezes considerado uma panacéia para o combate à pobreza e a geração de empregos. O

debate em torno desta questão esclarece os limites deste instrumento e evidencia o fato de que

as suas estratégias e objetivos devem ser bem definidos.

Os objetivos de combate à pobreza e geração de empregos podem ser conflitantes.

Isso acontece porque, no primeiro caso, o público-alvo selecionado deve estar entre as faixas

de renda mais baixas. Já no segundo caso, basta que o crédito seja concedido a micro e

pequenos empreendimentos com maior potencial de geração de empregos, o que não

necessariamente significa que os empreendedores beneficiados estarão entre a população de

baixa ou baixíssima renda. A definição do público a ser atendido pelas instituições de

microcrédito pode ser determinante para a sua estratégia, a qual envolve o nível de taxas de

juros cobradas dos tomadores de crédito, assim como a sua dependência de doações ou

subsídios governamentais.

Além disso, não se pode deixar de ressaltar, novamente, que os resultados obtidos com

as políticas de geração de trabalho e renda estão fortemente relacionados com o nível de

crescimento econômico do país. Quando se trata do microcrédito, é importante destacar que

este não é um instrumento compensatório, ou seja, ele não tem o poder de alavancar o

crescimento econômico. É um instrumento pró-cíclico, que tende a se expandir com o

aquecimento da economia e a queda do desemprego e, como afirma Khandker (2005, p.264),

“(...) em uma economia com baixo crescimento econômico, os empréstimos apenas

redistribuirão renda ao invés de impulsionar o crescimento” (Khandker, 2005, p.264).

11

Complementado as idéias de Khandker, Gonzalez-Vega afirma que “Microfinanças1 não criam

oportunidades produtivas, apenas ajudam a aproveitar as oportunidades existentes” (Gonzalez-

Vega, 2000, p.22 ou 23).

No Brasil, as instituições de microcrédito, sob a forma de Organizações Não

Governamentais (ONGs), já vinham se estabelecendo desde os anos 70. Entretanto, apenas a

partir de meados dos anos 90 é que o poder público se fez mais presente na questão do crédito

aos microempreendedores.

A partir deste período, as três esferas de governo – municipal, estadual e federal –

passaram a desenvolver políticas nesse sentido. Merecem destaque os dois programas

governamentais de abrangência nacional criados em 1995 e 1996, respectivamente: o

Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER) e o BNDES Microfinanças, que

engloba o Programa de Crédito Produtivo Popular (PCPP) e o Programa de Desenvolvimento

Institucional (PDI).

O PROGER foi criado no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em 1995,

e está voltado para a concessão direta de crédito aos empreendedores. Já o BNDES

Microfinanças surgiu um ano depois, em 1996, com o intuito de fortalecer as instituições de

microcrédito brasileiras.

Ambos os programas foram criados para fortalecer os micro e pequenos

empreendedores por meio do acesso ao crédito. No entanto as abordagens e estratégias

utilizadas para isso foram bastante distintas.

Este trabalho visa analisar os dois programas mencionados acima, comparando

as suas abordagens e linhas de atuação, e buscando destacar a sua contribuição para o

desenvolvimento do microcrédito e das PPEs no Brasil. Como pano de fundo para esta

1 O termo Microfinanças é mais amplo que microcrédito, e está relacionado com a oferta de outros instrumentos financeiros, além do crédito, ao público sem acesso ao mercado financeiro convencional. O capítulo dois trata melhor dos conceitos de microcrédito e microfinanças.

12

análise, será feita uma contextualização das Políticas Públicas de Emprego nos Países

Centrais e no Brasil, assim como uma exposição do debate internacional acerca do

microcrédito.

O trabalho será composto por três capítulos, além da introdução e das considerações

finais. O primeiro capítulo fará um panorama das políticas de emprego no Brasil, explicitando

as condições do seu surgimento e sua evolução nos últimos anos. Para introduzir este assunto,

será feita uma breve exposição acerca dos Sistemas Públicos de Emprego no contexto

internacional, mais especificamente, nos chamados países capitalistas avançados, onde estes

sistemas foram concebidos.

No segundo capítulo, constarão uma apresentação, em linhas gerais, da experiência

internacional envolvendo o microcrédito, mostrando suas principais características, e uma

resenha sobre o debate atual acerca do tema, onde serão expostos os principais focos de

consenso e de divergência entre os autores que estudam o assunto.

O terceiro capítulo apresentará a evolução do microcrédito no Brasil, com destaque

para as experiências do PROGER e do BNDES Microfinanças. O objetivo disso é mostrar as

diferenças entre as abordagens, estratégias de atuação e resultados obtidos nos dois

programas. Depois disso, serão realizadas as considerações finais.

13

Capítulo 1 – Sistemas Públicos de Emprego: as experiências internacional e brasileira

1.1 Introdução

Os sistemas de Welfare State e, conseqüentemente, os Sistemas Públicos de Emprego

se desenvolveram, nos Países Centrais, após a Segunda Guerra Mundial, numa fase de

grande prosperidade econômica e social. A combinação entre a política econômica

Keynesiana, que visava o pleno emprego, e as políticas socias do Welfare State fizeram com

que este período fosse caracterizado pelo chamado “círculo virtuoso”, o qual aliava crescimento

econômico e políticas universais de seguridade social. “Na era do ‘consenso Keynesiano’, não

se percebia trade-off algum entre a seguridade social e o crescimento econômico, entre

igualdade e eficência” (ESPING-ANDERSEN, 1995, p.3).

O pensamento econômico keynesiano se tornou dominante, principalmente a partir dos

anos 40, fazendo com que os países passassem a regular suas políticas econômicas de forma

a permanecer sempre em torno do pleno emprego. Dessa maneira, o desemprego que se

verificava neste período, na maior parte dos Países Centrais, era apenas friccional.

Esta fase, conhecida como os “anos gloriosos”, durou cerca de trinta anos e foi

extremamente favorável à construção e consolidação dos Sistemas Públicos de Emprego

(SPE), cujos pilares são o seguro-desemprego, a formação profissional e a intermediação de

mão-de-obra. Datam também deste período importantes avanços na organização dos

mercados de trabalho, dentre os quais estão:

o reconhecimento dos sindicatos, a generalização dos contratos coletivos de trabalho, a definição do salário mínimo, o aumento do emprego nos setores público e privado (...). Por conseqüência, o mercado de trabalho tornou-se menos heterogêneo, com pouca

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diferenciação salarial, baixo desemprego e maior estabilidade nos contratos de trabalho (POCHMANN, 1999, p.33).

Porém, a partir do início dos anos 70, com a crise econômica e a conseqüente

desaceleração da economia mundial, a política econômica keynesiana e os estados de bem-

estar social começaram a ser questionados, pois foram, em grande parte, responsabilizados

pelos aumentos nos déficits públicos.

Em busca de uma saída para a crise econômica, os governos passaram a adotar

políticas voltadas para a redução do gasto público, diminuição da intervenção estatal e

desregulamentação do mercado de trabalho, além de políticas macroeconômicas restritivas.

Houve redução das taxas de crescimento econômico e aumento das taxas de desemprego na

maior parte dos países pertencentes a Organização para Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE).

Além disso, o fenômeno do desemprego sofreu também transformações qualitativas,

como a sua maior incidência entre os jovens e as mulheres. O desemprego de longa duração e

a geração de ocupações de baixa qualidade também se tornaram fenômenos cada vez mais

comuns, caracterizando um processo de precarização do emprego. Com isso, percebe-se, em

muitos casos, a existência de um mercado de trabalho dual, onde uma parcela da população

está empregada formalmente, com ocupações de boa qualidade e uma outra parcela se

encontra excluída do mercado formal, com ocupações precárias, subemprego ou desemprego

de longa duração.

Para se adaptar às transformações do mercado de trabalho, os SPEs dos países

desenvolvidos passaram por diversas modificações, que resultaram na alteração de alguns

mecanismos antigos – por exemplo, o aumento do tempo de recebimento do seguro-

desemprego para fazer face ao desemprego de longa duração – e na criação de novos

benefícios – como os benefícios assistenciais, voltados para aqueles que não cumprem os

requisitos do seguro-desemprego. Passou a ser adotado, ainda, um outro conjunto de medidas,

15

que incluía a antecipação de aposentadorias, a concessão de crédito aos trabalhadores

autônomos e às micro e pequenas empresas, o subsídio à contratação de jovens, entre outras.

Uma outra medida bastante utilizada era o direcionamento dos programas a clientelas

específicas, na tentativa de aumentar a eficácia das políticas e diminuir os gastos sociais como

um todo.

Uma tendência comum a todos os países desenvolvidos é a focalização das ações voltadas ao mercado de trabalho. Os grupos mais vulneráveis (jovens, mulheres, adultos sem formação, etc) merecem um tratamento privilegiado em quase todas as políticas ativas e, muitas vezes até nas passivas(...) (RAMOS, 1997a, p.12).

As políticas ativas são aquelas que atuam sobre a oferta e a demanda de mão-de-obra

no mercado de trabalho, na tentativa de modificá-las. Alguns exemplos de políticas ativas são:

a qualificação profissional, a intermediação de mão-de-obra, a criação direta de empregos no

setor público; os programas de microcrédito e concessão de crédito a micro e pequenas

empresas, trabalhadores autônomos ou cooperativas; os subsídios à criação de empregos; etc.

Já as políticas passivas não atuam sobre a oferta ou demanda de emprego, sendo,

essencialmente compensatórias. Os principais exemplos deste tipo de política são as

compensações financeiras aos desempregados, como o seguro-desemprego.

Segundo Esping-Andersen (1995, p.84), no que se refere às políticas de proteção

social, os Países Centrais, nos anos 80, seguiram, basicamente, três direções em resposta à

crise: a primeira delas é a estratégia dos países escandinavos de expansão do emprego no

setor público, induzida pelo próprio Welfare State; o segundo direcionamento é aquele seguido

pelos países anglo-saxões, voltado para a desregulamentação do mercado de trabalho e um

certo enfraquecimento do Welfare State; e, finalmente, o terceiro caminho é a redução induzida

da oferta de mão-de-obra, típica dos países da Europa Continental.

A estratégia dos países escandinavos provocou uma separação entre empregos

masculinos e femininos, com os primeiros concentrando-se no setor privado e os segundos no

16

setor público com jornadas de meio período. Esta estratégia teve, no entanto, as vantagens de

proporcionar igualdade de ganhos entre homens e mulheres, permitir que estas conciliassem

suas carreiras e suas famílias e, além disso, “com uma grande proporção da população

engajada no trabalho remunerado, assegura-se ao Welfare State uma alta taxa de arrecadação

e baixos níveis de dependência” (ESPING-ANDERSEN, 1995, p. 86).

Já nos países anglo-saxões – principalmente Inglaterra, EUA e Nova Zelândia – a

estratégia de desregulamentação do mercado de trabalho gerou uma dispersão salarial

significativamente maior que a média da União Européia e dos países escandinavos. “O custo

desse mercado pouco regulamentado seria uma dualização social, que estaria dada pela

qualidade do emprego e não, como na Europa, pela desocupação” (RAMOS, 1997b, p.16).

Na Europa Continental, a rigidez dos mercados de trabalho e a proteção concedida aos

trabalhadores do mercado formal gerou dois grupos distintos,

um pequeno grupo de trabalhadores, predominantemente masculino, usufruindo salários altos, direitos sociais caros e grande segurança no emprego, contrastando com uma população excluída cada vez maior e dependente tanto de renda do provedor masculino quanto das transferências do Welfare State (ESPING-ANDERSEN, 1995, p.94).

Além disso, a estratégia européia onera especialmente as contas públicas, pois é

caracterizada por elevados níveis de transferência de renda.

A seção seguinte apresenta a trajetória dos Países Centrais no que se refere à

constituição e consolidação de seus Sistemas Público de Emprego (SPEs). Depois disso, a

seção 1.3 trata do caso brasileiro, buscando mostrar as condições em que o SPE foi criado, e a

forma pela qual os principais instrumentos de Políticas de Emprego foram aplicados no Brasil.

A seção 1.4 apresenta comentários a respeito do caso brasileiro, e as diferenças de contexto

em relação aos Países Centrais.

17

1.2 Sistemas Públicos de Emprego (SPEs): a experiência internacional

As primeiras experiências de assistência financeira aos desempregados, organizadas

pelo Estado, datam do início do século XX. Algumas décadas antes, no fim do século XIX, as

preocupações dos governos estavam mais voltadas para a prevenção ou combate ao

desemprego, do que para a compensação da perda dos salários por meio de auxílios

financeiros. Somente depois do reconhecimento de que as tentativas de combate ao

desemprego fracassaram é que se passou a adotar medidas compensatórias, as quais

culminaram na criação do primeiro Seguro-Desemprego compulsório na Inglaterra, em 1911

(MARSHALL, 1967, p.71).

No entanto, a consolidação dos esquemas de seguro-desemprego, e dos sistemas

públicos de emprego, deu-se efetivamente no período após a Segunda Guerra Mundial,

quando os Welfare States foram institucionalizados. Neste período, os SPEs dos Países

Centrais foram concebidos tendo como instrumentos centrais os programas de seguro-

desemprego, qualificação profissional e intermediação de mão-de-obra. Estes são conhecidos

como os três instrumentos clássicos dos SPEs.

Os programas de seguro-desemprego são o principal dentre os três instrumentos

clássicos, sendo, portanto, os que apresentam os maiores gastos em quase todos os países da

OCDE. Em geral, os trabalhadores desempregados contam com dois tipos de compensação

financeira: o seguro-desemprego, de natureza contributiva, e uma assistência voltada àqueles

que não se encaixam nos critérios do seguro.

Além disso, o seguro-desemprego costuma estar vinculado aos serviços de

intermediação e de qualificação profissional. Ou seja, o trabalhador que recebe o seguro deve

estar inscrito nas agências de intermediação de mão-de-obra e matriculado em cursos de

formação profissional para que, dessa forma, tenha maiores chances de se empregar

18

novamente enquanto recebe o benefício. Em alguns países, no entanto, esta vinculação acaba

não sendo operacionalizada.

Como já foi mencionado anteriormente, a qualificação e recolocação profissionais se

encontram no grupo das políticas ativas do mercado de trabalho, enquanto o seguro-

desemprego se enquadra entre as políticas passivas. Os gastos com políticas ativas e

passivas costumam variar de acordo com o país. No entanto, como se pode perceber na tabela

1.1, o seguro-desemprego continua sendo o principal componente de gastos na maior parte

dos países, a despeito da tendência de redução das despesas com este instrumento nos

períodos comparados.

19

Tabela 1.1 – Gastos com seguro-desemprego, políticas ativas e passivas em países selecionados (em % do PIB)

País Seguro-

desemprego Políticas passivas

(1) Políticas Ativas (2) Total (1)+(2) 1991-92 2002 1991-92 2002 1991-92 2002 1991-92 2002

Austrália 1,75 1,00 1,75 1,00 0,34 0,45 2,09 1,79

Áustria 1,09 1,12 0,16 1,24 0,30 0,53 0,46 2,07

Bélgica 2,07 1,64 2,82 2,40 1,04 1,25 3,86 4,69

Canadá 2,28 0,80 2,28 0,80 0,68 0,42 2,96 1,90

Rep. Tcheca nd 0,27 nd 0,27 nd 0,17 nd 0,44

Dinamarca 3,69 1,37* 4,97 3,04 1,56 1,58 6,53 6,18

Finlândia 3,32 1,53 3,77 2,06 1,76 1,01 5,53 4,83

França 1,46 1,63 1,94 1,81 0,88 1,25 2,82 3,94

Alemanha 1,32 2,10 1,81 2,13 1,64 1,18 3,45 4,95

Grécia 0,79 0,47* 0,79 0,47 0,39 0,46 1,18 1,32

Hungria nd 0,37 nd 0,37 nd 0,52 nd 0,89

Irlanda 2,89 0,63* 2,89 0,70 1,51 1,14 4,40 3,35

Itália 0,60 0,54 0,88 0,63 nd 0,57 nd 1,20

Japão 0,32 0,47 0,32 0,48 0,13 0,28 0,45 0,89

Corëia nd 0,14 nd 0,14 nd 0,27 nd 0,41

Países Baixos nd 1,72 nd 1,72 nd 1,85 nd 3,57

Nova Zelândia 1,95 1,00 1,95 1,00 0,74 0,52 2,69 2,26

Noruega 1,51 0,54 1,51 0,54 1,14 0,87 2,65 2,55

Portugal 0,59 0,69 nd 0,90 0,86 0,61 nd 2,37

Espanha 3,07 1,53 3,07 1,55 0,57 0,87 3,64 2,99

Suécia 2,71 1,04 2,78 1,05 3,21 1,40 5,99 5,66

Suiça 0,36 0,77 0,36 0,77 0,27 0,53 0,63 1,57

Reino Unido 1,69 0,37 1,69 0,37 0,59 0,37 2,28 1,33

EUA 0,58 0,57 0,58 0,57 0,25 0,14 0,83 0,96Nd: dados não disponíveis * Os dados disponíveis para Dinamarca, Grécia e Irlanda são referentes aos anos 2000, 1998 e 2001, respectivamente. Fonte: Elaboração própria, a partir de Ramos (1997a) e www.ocde.org

20

No que se refere às políticas ativas, a mais popular delas é a formação profissional, que

tem como principal motivação a busca por adequar o perfil dos trabalhadores às exigências das

firmas, ou seja, diminuir as diferenças entre o perfil da demanda e da oferta de trabalhadores

no mercado de trabalho. Espera-se, com isso, aumentar as chances do trabalhador manter seu

emprego ou conseguir um novo, caso esteja desempregado.

A importância dos programas de formação profissional tem crescido nas últimas

décadas, pois verificou-se, especialmente nos Países Centrais, o surgimento de um paradigma

tecnológico e organizacional que “requer um trabalhador mais qualificado e polivalente, se

comparado com o demandado no paradigma taylorista-fordista, e uma formação contínua, dada

a rapidez das mudanças tecnológicas” (AZEREDO e RAMOS, 1995 apud AZEREDO, 1998,

p.35).

Neste contexto, o desemprego de longa duração tende a aumentar, pois “dada essa

rapidez nas mudanças tecnológicas, o trabalhador desempregado iria perdendo habilidades

úteis, na medida em que permanece nessa situação, reduzindo as possibilidades de encontrar

emprego amanhã” (RAMOS, 1998, p.11). Portanto, a formação profissional do trabalhador

adulto deve contribuir para aumentar as suas chances de se manter no emprego ou conservar

sua empregabilidade enquanto estiver desempregado.

Quando se trata dos trabalhadores jovens, os programas de qualificação profissional

têm o papel de facilitar a sua entrada no mercado de trabalho. Segundo Ramos (1997a), as

taxas de desemprego entre os jovens de 20 a 24 anos – o chamado desemprego de inserção –

são as mais elevadas em todos os países da OCDE, independente da faixa de escolaridade.

Em muitos países, contribui para este resultado a falta de articulação entre os sistemas

educacionais e as firmas. Este é o caso da Itália e da Espanha. Naquele país, as taxas de

desemprego entre os jovens (homens de 20 a 24 anos) que saem da universidade são muito

altas (42,9% em 1991), enquanto os que receberam educação terciária fora das universidades

21

têm taxa de desemprego zero. Na Espanha, o problema do desemprego entre os recém-saídos

da universidade motiva o Estado a tomar medidas específicas de incentivo à contratação de

jovens (RAMOS, 1997a).

Em oposição a estes dois casos está o caso da Alemanha. Neste país, há uma

complementaridade entre as escolas de formação profissional e a formação que os jovens

recebem dentro das firmas. Em conseqüência disso, o desemprego de inserção é baixo na

Alemanha. As taxas de desemprego dos jovens entre 20 e 24 anos, em 1991, eram de 9,5%

para os egressos das universidades, e de 14,7% para aqueles que realizavam outros tipos de

ensino terciário, fora das universidades 2 (RAMOS, 1997a).

A tabela 1.2 apresenta um panorama dos gastos com formação profissional e da

quantidade de trabalhadores qualificados em alguns países da OCDE, em 1990.

Tabela 1.2 – Formação Profissional em países selecionados (em 1990)

Países % do PIB gasto com formação profissional

% da PEA assistida

Alemanha 0,5 4,1 Dinamarca 0,6 7,8 Espanha 0,1 1,2

EUA 0,1 0,9 França 0,3 4,1

Grã-Bretanha 0,2 1,1 Suécia 0,6 2,2

Fonte: Pochmann, 1999

O terceiro instrumento clássico dos SPEs é representado pelos serviços de

intermediação de mão-de-obra. Estes serviços, além de serem uma importante fonte de

informação para trabalhadores e empregadores, podem fornecer subsídios à elaboração de

2 Para um maior detalhamento destas informações, ver Ramos, 1997a.

22

programas de qualificação profissional, contribuindo para que sejam mais compatíveis com a

demanda do mercado de trabalho.

O objetivo da recolocação profissional é reduzir o tempo de procura do emprego e,

conseqüentemente, o desemprego friccional. É importante destacar que a capacidade dos

serviços de intermediação em diminuir o desemprego é limitada e vai depender muito do tipo e

da extensão do desemprego que cada país enfrenta. Em geral, este serviço “deve tornar mais

eficiente o mercado de trabalho – ou seja, dadas as vagas existentes, reduzir o contingente de

desempregados e elevar a eficiência na alocação de mão-de-obra” (RAMOS, 1998, p.37).

Para avaliar a eficácia dos sistemas de intermediação nos países da OCDE na década

de 80, Ramos (1998, p.17) cita um indicador que assinala o tempo médio entre duas ofertas de

emprego para cada desempregado. De um lado, os piores indicadores encontrados, ou seja, os

maiores intervalos, foram os da Espanha (37,4 meses), seguidos pela França (21,1 meses) e

pela Bélgica (20,6 meses). De outro lado, com intervalos inferiores a dois meses, estão a

Suécia (0,9 mês), a Suíça (1,6 mês), o Japão (1,4 mês) e a Noruega (1,7 mês). Estes países

também se caracterizam por baixas taxas de desemprego, o que pode levar à conclusão de

que “os indicadores de eficácia do SPE em matéria de intermediação caem na medida em que

a taxa de desemprego se eleva” (RAMOS, 1998, p.17).

Outro indicador selecionado mede o nível de confiança dos desempregados em relação

ao sistema público de intermediação. Este índice apresentava, em 1994, os melhores

resultados na Alemanha e na Itália, onde, respectivamente, 47,4% e 41,5% dos

desempregados procuravam emprego exclusivamente por meio deste sistema. Em seguida se

encontra a França com um índice de 17,3% dos desempregados confiando apenas no sistema

público de intermediação, uma posição ainda favorável se comparada aos outros países da

OCDE (RAMOS, 1998, p.19).

23

Esta seção apresentou um panorama da experiência internacional no que se refere à

utilização dos instrumentos clássicos de politica de emprego, os quais compõem a base dos

SPEs. Com as transformações ocorridas nos mercados de trabalho de diversos países

mencionados aqui, os instrumentos clássicos precisaram ser complementados com novas

medidas de apoio ao trabalhador, as quais variaram entre os diferentes países. A seção

seguinte apresenta o surgimento do SPE brasileiro, mostrando como são utilizados no Brasil os

três instrumentos clássicos e as suas principais limitações.

1.3 O surgimento do SPE brasileiro

1.3.1 Contexto do mercado de trabalho brasileiro

No momento em que os sistemas de proteção social e os Sistemas Públicos de

Emprego passavam por reformulações para enfrentar o novo contexto econômico dos Países

Centrais, o Brasil implementava o seu Programa de Seguro-Desemprego (em 1986) e, a partir

dos anos 90, começava a desenvolver um Sistema Público de Emprego.

O Brasil começa a montar seu SPE justamente em um momento histórico em que o formato tradicional de SPE já demonstrava sinais de esgotamento nos países centrais, dadas as transformações que configuravam o novo contexto econômico mundial desde os princípios dos anos 80 (CARDOSO, 2000, p.28).

O contexto em que o SPE brasileiro foi criado é bastante distinto daquele em que os

países desenvolvidos o fizeram no período do Segundo Pós-Guerra. Para visualizar este

cenário é importante destacar as transformações ocorridas no mercado de trabalho brasileiro

nas últimas décadas, resultantes, em parte, das mudanças na estratégia de desenvolvimento e

na política macroeconômica.

A estratégia de desenvolvimento brasileira, entre os anos 30 e 70, teve como marca a

promoção da industrialização, impulsionada pelo Estado. Durante este período de expansão

24

econômica, houve grande incorporação da População Economicamente Ativa (PEA) no

mercado formal. A trajetória verificada entre os anos 40 e 80 era de aumento da proporção de

empregos assalariados regulares e redução do desemprego e da participação das ocupações

sem registro, por conta própria ou sem remuneração em relação ao total da PEA. Isto se deve,

em parte, ao intenso processo de urbanização verificado no Brasil naquele período,

caracterizado pela enorme migração da população rural para as cidades, o que acarretou em

uma significativa redução da mão-de-obra subempregada no campo.

Assim, o emprego assalariado com registro cresceu a uma taxa média anual de 6,2%,

enquanto a taxa de subutilização da força de trabalho – que inclui os desempregados, por

conta própria e sem remuneração – caiu de 55,7%, em 1940, para 34,1% em 1980. Outra

característica do período é o aumento da participação do setor secundário no total das

ocupações, de 30,2% para 36,2% entre 1940 e 1980, este setor é caracterizado por um maior

nível de organização das ocupações. Enquanto isso, o setor terciário, que possui níveis mais

baixos de organização do trabalho, teve sua participação no total da ocupações reduzida de

69,8% em 1940 para 63,2% em 1980 (POCHMANN, 1999).

Apesar desse processo de estruturação do mercado de trabalho brasileiro e da intensa

criação de empregos, permaneceram ainda problemas estruturais, como “alto grau de

informalidade nas relações trabalhistas, enorme precariedade dos postos de trabalho e baixos

níveis de qualificação da mão-de-obra” (AZEREDO, 1998, p.62). A heterogeneidade,

caracterizada por uma significativa desigualdade de rendimentos e de qualidade do emprego,

continuou sendo marca importante do mercado de trabalho no Brasil.

A partir dos anos 80 verifica-se uma reversão na trajetória de estruturação do mercado

de trabalho e no intenso processo de geração de ocupações. Com a crise da dívida externa no

início da década de 80, as medidas macroeconômicas adotadas se tornaram mais restritivas,

desde então as taxas de investimento permaneceram em baixos patamares e o crescimento do

PIB reflete uma situação de estagnação da economia. Portanto, “ao lado do desemprego

25

estrutural histórico somou-se um fenômeno relativamente novo, dada a sua dimensão,

relacionado ao desemprego decorrente do esgotamento de um ciclo de expansão” (AZEREDO,

1998, p.63).

Dois outros fatores contribuíam para agravar ainda mais a insegurança do trabalhador:

a hiperinflação, onerando-o com o imposto inflacionário, e as sucessivas recessões e

recuperações econômicas, fazendo com que o número de ocupações sofresse constantes

oscilações. Além disso,

a política macroeconômica prevalecente de stop and go, em especial nos anos 1990, também prejudicou o desempenho do emprego formal, pois não permitiu a formação de expectativas de crescimento sustentado, tão fundamental para os empregadores realizarem contratações formais por prazo indeterminado (COSTANZI, 2004, p.25).

A reversão da trajetória anterior e o início de novo processo de desestruturação do

mercado de trabalho ficam claros quando se consideram os dados relativos às décadas de 80 e

90. Nos anos 80, o total de assalariados como proporção da PEA permaneceu constante,

porém, aumentou a participação daqueles sem carteira assinada (de 13,6% para 26% da PEA).

Já nos anos 90, os dados caracterizam o fenômeno do desassalariamento, com o emprego

sem remuneração crescendo a uma taxa média anual de 5% (entre 1989 e 1995). Além disso,

no mesmo período, a proporção dos assalariados na PEA apresentou tendência de queda (de

64% para 58%), e o nível de informalidade continuou crescendo – a participação do emprego

sem registro na PEA cresceu a uma taxa média de 3,2% ao ano (POCHMANN, 1999).

Reverteram-se ainda, nos anos 90, as trajetórias de participação dos setores

secundário e terciário no total das ocupações. Entre 1980 e 1995 houve queda de 36,2% para

26,3% da participação do setor secundário. Enquanto isso, os dados relativos ao setor terciário

declaram um aumento de sua participação no total das ocupações, de 63,8% para 73,7%

(POCHMANN, 1999).

26

1.3.2 Os instrumentos clássicos (seguro-desemprego, intermediação de mão-de-obra e

qualificação profissional) no SPE brasileiro

Até meados da década de 70, com o crescimento do emprego, decorrente da

industrialização e da expansão econômica, a ausência de políticas públicas de emprego no

Brasil não era tão marcante. Nos anos 80, com as transformações do mercado de trabalho –

mencionadas acima –, esse tema se fortalece nos debates. E, na prática, as Políticas Públicas

de Emprego só começaram a se configurar em meados da década de 80, com a criação do

seguro-desemprego. Até então, os trabalhadores contavam apenas com alguns mecanismos

dispersos criados ao longo da história do Brasil, como os que serão apresentados a seguir.

Nos anos 40, foram criados os serviços nacionais de aprendizagem, seguindo os

preceitos da Constituição de 1937, que reconhecia o papel do Estado em promover a educação

profissional. Nesse sentido, a partir de 1942, começaram a ser executados uma série de

decretos-lei relativos ao ensino profissional. O primeiro deles foi o Decreto-Lei 4.048 /1942 que

criou o Serviço Nacional de Aprendizagem das Indústrias (SENAI). Ainda em 1942, foi

aprovada a Lei Orgânica do Ensino Industrial, responsável pela multiplicação de escolas

técnicas no Brasil.

Depois disso, em 1943, foi aprovada a Lei Orgânica do Ensino Comercial e, três anos

depois, foi criado o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC). O SENAI e o

SENAC formaram um sistema de ensino paralelo ao oficial, sendo responsáveis pela

organização dos cursos de aprendizagem relativos à indústria e ao comércio. Ainda nos anos

40, foram criados o Serviço Social da Indústria (SESI) e o Serviço Social do Comércio (SESC).

O SENAI, SESI, SENAC e SESC formaram, nos anos 40, o chamado “Sistema S”. A

este sistema – que engloba os serviços nacionais de aprendizagem e os serviços sociais –

foram somados outros órgãos criados posteriormente. Atualmente, fazem parte do “Sistema S”,

além dos órgãos mencionados acima, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas

27

Empresas (SEBRAE), criado em 1972, o Serviço Nacional de aprendizagem Rural (SENAR),

criado em 1991, o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SENAT) e o Serviço

Social do Transporte (SEST), ambos criados em 1993. Desde os anos 40, o “Sistema S” tem

sido um dos principais meios de se obter educação profissional qualificada no Brasil. Ainda

assim, os serviços que formaram o “Sistema S” “não possuem uma política global que atenda

ao conjnto dos trabalhadores (especialmente aos desempregados), restringindo suas

atividades às demandas das firmas do setor moderno da economia” (AZEREDO e RAMOS,

1995, p.101).

Outro marco importante na regulamentação do mercado de trabalho brasileiro foi a

promulgação, ainda nos anos 40, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que agrupou as

leis trabalhistas produzidas após 1930, estabelecendo os direitos mínimos que as empresas

deveriam respeitar. Dessa forma, a CLT foi responsável por normatizar uma série de questões

ligadas ao trabalho no Brasil, dentre as quais se encontra a questão da estabilidade no

emprego. Nesse sentido, a CLT instituiu uma indenização aos trabalhadores com mais de um

ano de serviço na mesma firma demitidos sem justa causa e, para aqueles com mais dez anos

na mesma empresa, a estabilidade vínculo empregatício.

Porém, poucos trabalhadores tiveram estes direitos efetivados e as indenizações

raramente eram pagas no momento da dispensa. Contribuía para isto o fato de não haver um

fundo que obrigasse os empregadores a aportar recursos progressivamente para o pagamento

das indenizações, tornando necessário o dispêndio de uma significativa quantidade de recursos

no momento da dispensa. Para resolver este problema, foi criado, em 1964, o Fundo de

Indenizações Trabalhistas (FIT), que deveria ser formado por uma contribuição de 3% da folha

salarial das empresas.

A partir de 1965, se tornou vigente uma nova legislação para tratar do tema do auxílio

aos desempregados. Ainda naquele ano, a Lei 4.923 passou a regulamentar um plano de

assistência aos desempregados, que previa um auxílio financeiro aos trabalhadores demitidos

28

sem justa causa, o qual seria financiado pelo recém-criado Fundo de Assistência ao

Desempregado (FAD). Porém, já no ano seguinte, o acesso a este benefício acabou sendo

restrito apenas aos trabalhadores que se tornaram desempregados por motivo de fechamento

total ou parcial da empresa, ou seja, nos casos de dispensa coletiva.

Para resolver o problema da estabilidade no vínculo empregatício e substituir a antiga

lei que previa a estabilidade para aqueles com mais de dez anos de serviço na mesma firma,

foi criado, em 1966, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Na vigência da lei

antiga, muitas firmas demitiam seus empregados às vésperas de completarem o tempo

necessário para a conquista da estabilidade. A partir da instituição do FGTS, os trabalhadores

passaram a receber automaticamente uma indenização, proporcional ao seu tempo de serviço,

no momento em que eram demitidos. O novo fundo, formado por recolhimentos mensais do

valor equivalente a 8% das remunerações dos empregados, deveria, ainda, ser utilizado para

investimentos em habitação e saneamento, por meio do Banco Nacional de Habitação (BNH),

que administrava as contas individuais do fundo. Esses investimentos, entretanto, acabaram

não sendo realizados. O FGTS permitiu ao trabalhador a formação de um patrimônio que

poderia ser usado para a compra de uma moradia própria, contudo, na prática, beneficiava

muito pouco os trabalhadores com as menores remunerações, pois estes costumam apresentar

elevada rotatividade no emprego, não permitindo a acumulação de um patrimônio significativo.

Com a criação do FGTS, foi extinto o FIT. Já o FAD sofreu a redução de uma das suas

fontes de recursos e, nos anos seguintes, foram ampliadas as suas destinações. Isso tornava

cada vez mais difícil o custeio do auxílio financeiro aos desempregados por parte deste fundo.

Nos anos 70, ainda na tentativa de possibilitar o acúmulo de patrimônio individual pelo

trabalhador, foram criados mais dois fundos, o PIS e o PASEP, que poderiam ser utilizados em

casos de casamento, aposentadoria, invalidez ou morte. O PASEP era voltado para os

servidores públicos, e o PIS para o restante dos trabalhadores no mercado formal. As

29

contribuições que formariam os dois fundos eram incidentes sobre o faturamento das

empresas, no caso do PIS, e a receita dos órgãos públicos, no PASEP.

Quatro anos depois de sua criação, os recursos destes fundos foram unificados e

aplicados no BNDE, para compor o funding do Banco, contribuindo para o financiamento do

processo de industrialização brasileiro. Segundo Azeredo (1998, p.60),

a instituição do PIS-PASEP representou, de fato, a criação de um mecanismo de mobilização e centralização de recursos e mãos do governo federal voltados para o financiamento do processo de industrialização em curso. (...) Pode-se assim dizer que o PIS cumpriu a função de fundo de desenvolvimento, através do BNDE, que teve historicamente um papel fundamental na concessão de créditos a longo prazo no processo de industrialização brasileira.

Apesar de ser um efetivo mecanismo de financiamento do desenvolvimento, o PIS-

PASEP não foi capaz de acumular patrimônio individual para o trabalhador.

Os instrumentos criados até então foram pontuais e em sua maioria muito pouco

efetivos em termos de proteção ao trabalhador. A partir dos anos 80, com o aumento das taxas

de desemprego, ficou evidente a necessidade de se ter um sistema de proteção ao trabalhador

desempregado no Brasil, o qual começou a se formar nesta mesma década, nos moldes dos

SPEs europeus do Segundo Pós-Guerra, tendo como instrumentos clássicos, o seguro-

desemprego, a intermediação da mão-de-obra e a qualificação profissional.

1.3.2.1 Seguro-Desemprego

O Seguro-Desemprego, criado em 1986, foi um marco para as políticas de emprego

brasileiras. Isso se deve mais pelo seu simbolismo do que pela efetiva proteção oferecida aos

desempregados, já que, na sua primeira versão (entre 1986 e 1989), o Programa atingiu um

baixo grau de cobertura3, com média de 15,5%. Pode-se apontar como causa deste resultado

3 O grau de cobertura representa a proporção entre o número de segurados e o total de demitidos do mercado formal sem justa causa.

30

insatisfatório, a ausência de recursos específicos para o Programa, o que fez com que os seus

critérios de acesso fossem bastante restritivos.

Na concepção inicial, o seguro apresentava as seguintes regras: o trabalhador deveria

estar empregado no mercado formal durante os últimos seis meses e ter contribuído para a

previdência social por pelo menos 36 meses nos últimos quatro anos. O benefício tinha a

duração máxima de quatro meses, sendo que o trabalhador deveria cumprir um prazo de

carência de 18 meses para estar apto a requerer o auxílio novamente. O valor do benefício

tinha um limite inferior de 70% do salário mínimo4 e um limite superior de um salário mínimo e

meio. Os critérios citados acima impediam o acesso ao benefício por aqueles trabalhadores

com alta rotatividade no emprego, que são, em geral, justamente os que recebem os menores

salários e não conseguem acumular patrimônio através do FGTS. Além disso, o valor do

benefício era muito baixo em relação ao último salário do desempregado.

Isto se deve, em parte, pelo fato de que, até 1990, não havia uma fonte de

financiamento específica e estável para o seguro-desemprego, portanto os recursos utilizados

para o pagamento do auxílio financeiro eram provenientes do caixa do Tesouro Nacional. Com

a nova lei do Seguro-Desemprego, sancionada em 1990, foi estabelecido o Fundo de Amparo

ao Trabalhador (FAT), para custear o pagamento dos benefícios. As bases para a criação

deste fundo foram dadas pela Constituição de 1988, por meio do artigo 239, o qual determina a

destinação da arrecadação do PIS-PASEP ao financiamento do Programa de Seguro-

Desemprego e do abono salarial. Além disso, as empresas que apresentavam altos índices de

rotatividade da sua força de trabalho deveriam pagar uma contribuição adicional para o custeio

do seguro-desemprego.

O artigo 239 determinava, ainda, a destinação de 40% das contribuições do PIS-PASEP

ao BNDES para o financiamento de investimentos. Dessa forma, o FAT passa a receber uma

remuneração relativa aos recursos aplicados no BNDES. Em geral, os Programas de Seguro- 4 Mais tarde o limite inferior subiu para 1 salário mínimo.

31

Desemprego de outros países são financiados com receitas correntes do Orçamento Público,

por isso estão bastante sujeitos às oscilações de suas economias. No Brasil, com o FAT,

estabeleceu-se uma forma de financiamento diferente, onde parte dos recursos é aplicada

gerando retorno ao fundo e tornando-o independente das receitas correntes da União. Assim,

nos eventuais momentos de desaceleração econômica, quando costumam aumentar as

despesas com o seguro-desemprego, o pagamento do benefício não fica ameaçado pelas

quedas nas receitas correntes da União.

O FAT possui, portanto,

características claramente compensatórias face aos movimentos cíclicos da economia. (...) Em resumo, o Programa de Seguro-Desemprego não só deixou de estar atrelado às receitas correntes como também, em face do retorno das aplicações dos recursos, ganhou, potencialmente, um raio de manobra significativo para a melhoria nos critérios de pagamento do benefício (AZEREDO, 1998, p.90).

A nova forma de financiamento do seguro-desemprego, mais estável e menos sujeita

aos comportamentos cíclicos da economia, permitiu não só a ampliação do Programa de

Seguro-Desemprego, como também a implantação de outras políticas ativas, como PLANFOR

(Plano Nacional de Educação Profissional), em 1996, e o PROGER (Programa de Geração de

Emprego e Renda), em 1995. Além disso, o FAT possibilitou também uma maior

disponibilidade de recursos para os Programas de intermediação de mão-de-obra, realizados

pelo Sistema Nacional de Emprego (Sine) e, posteriormente, pelas centrais sindicais.

Em 1990, junto com a criação do FAT, foi instituída a nova lei do seguro-desemprego,

introduzindo diversas modificações no Programa anterior, dentre as quais estão os critérios de

acesso mais abrangentes e a criação de uma nova fórmula de cálculo do benefício.

Na nova versão do Programa de Seguro-Desemprego, após 1990, a única exigência

para o recebimento do benefício passou a ser a comprovação de emprego formal durante, pelo

32

menos, 15 meses nos últimos dois anos, além de ter cumprido o prazo de carência, que foi

reduzido de 18 para 16 meses.

Já a nova fórmula de cálculo dos benefícios passou a fazer com que o grau de

reposição da renda fosse maior quanto menor o salário do trabalhador. Os trabalhadores que

recebiam até três salários mínimos passaram a ter um benefício cujo grau de reposição da

renda varia entre 80 e 100%, enquanto aqueles que recebiam de três a cinco salários mínimos

tinham direito a um benefício equivalente a até 68% do seu antigo salário (AZEREDO, 1998,

p.88). Os trabalhadores pertencentes a esta faixa salarial – entre 1,01 e 5 salários minimos –

representavam, em 2001, 85,67% de todos os beneficiários do Programa de Seguro-

Desemprego. Enquanto isso, o benefício para aqueles que recebiam mais de cinco salários

mínimos teve o seu valor limitado em três salários mínimos.

Mesmo com a ampliação do Programa de Seguro-Desemprego, as disponibilidades de

recursos do FAT permaneceram abundantes, o que permitiu uma nova mudança nas regras do

seguro. A partir de julho de 1994, entrou em vigor a Lei no 8.900, que enunciava as seguintes

regras para o seguro-desemprego: três parcelas do benefício para aqueles que comprovassem

ter carteira assinada por pelo menos seis dos últimos trinta e seis meses; quatro parcelas para

aqueles que comprovassem ter carteira assinada por no mínimo doze dos últimos trinta e seis

meses; e cinco parcelas para aqueles que comprovassem emprego formal por pelo menos

vinte e quatro dos últimos trinta e seis meses.

A tabela 1.3 mostra a evolução do Programa de Seguro-Desemprego na década de 90.

33

Tabela 1.3 – Seguro-desemprego (1991-2005)

Ano Demitidos (A)

Requerentes (B)

Segurados (C)

Taxa de cobertura

(C/A)

Taxa de habilitação

(C/B) V.M.B*

1991 9.275.151 3.724.840 3.498.235 38% 93,9% 1,83

1992 7.715.682 4.015.225 3.895.157 50% 97,0% 1,69

1993 7.845.578 3.825.547 3.756.157 48% 98,2% 1,41

1994 8.211.328 4.091.318 4.029.718 49% 98,5% 1,55

1995 10.030.368 4.789.262 4.736.940 47% 98,9% 1,54

1996 9.403.906 4.393.366 4.348.166 46% 99,0% 1,56

1997 9.077.361 4.420.916 4.371.903 48% 98,9% 1,57

1998 8.846.257 4.385.496 4.329.525 49% 98,7% 1,56

1999 8.534.885 4.405.720 4.299.159 50% 97,6% 1,55

2000 9.218.645 4.274.239 4.185.736 45% 97,9% 1,51

2001 9.760.564 4.687.996 4.562.501 47% 97,3% 1,48

2002 9.049.965 4.884.001 4.803.535 53% 98,4% 1,42

2003 9.163.910 5.051.407 4.971.712 54% 98,4% 1,38

2004 9.773.220 4.892.760 4.812.008 49% 98,3% 1,39

2005 10.925.020 1.422.922 1.385.691 13% 97,4% 1,40 * Valor médio do benefício em salários mínimos Fonte: Elaboração própria, a partir de: MENDONÇA, 2002, www.mte.gov.br e IPEA – Mercado de Trabalho,Conjuntura e Análise.

Para analisar o desempenho do Programa de Seguro-Desemprego na década de 90,

Ansiliero (et al., 2002) utilizou dois indicadores: a taxa de cobertura temporal, que mede a

relação entre a duração média do seguro-desemprego e o tempo médio de procura por

trabalho; e a taxa de cobertura salarial, que mensura o quanto a renda média do trabalhador é

mantida pelo seguro-desemprego. Os gráficos 1.1 e 1.2 mostram os resultados obtidos entre os

anos de 1991 e 2001.

34

Gráfico 1.1 – Tempo médio de procura por trabalho versus número médio de parcelas do seguro-desemprego

Fonte: Ansiliero et al., 2002

Gráfico 1.2 – Valor médio do benefício e rendimento médio do assalariado com carteira assinada – em salários mínimos

Fonte: Ansiliero et al., 2002

O primeiro gráfico mostra, até 1998, uma taxa de cobertura temporal adequada para o

seguro-desemprego. Isso significa que, na média, o tempo de recebimento do benefício era

suficiente para cobrir o tempo de procura por um novo emprego. Desde o início dos anos 90,

35

no entanto, o tempo médio de procura por empregos passou a seguir uma tendência

ascendente, a qual, no fim dos anos 90, deixou de ser compensada pelos aumentos no número

médio de parcelas do seguro-desemprego.

Já o segundo gráfico indica que o beneficiário do seguro-desemprego, preservou na

década de 90, cerca de 1/3 do rendimento médio do trabalhador com carteira assinada.

O Programa de Seguro-Desemprego, assim, passou a cumprir nos anos 90 o papel de

oferecer auxílio financeiro aos desempregados do setor formal da economia, apresentando um

grau de cobertura significativo. Porém, no mercado de trabalho brasileiro, menos da metade da

PEA se encontra incluída no setor formal, o que faz com que o Programa de Seguro-

Desemprego não seja suficiente para oferecer proteção a todos os trabalhadores, sendo

necessário, portanto, o desenvolvimento de instrumentos voltados para o mercado informal.

1.3.2.2 Intermediação de mão-de-obra

Além do seguro-desemprego, faz parte do SPE brasileiro o serviço de recolocação

profissional, atribuído ao Sistema Nacional de Emprego (Sine). Este órgão foi criado em 1975,

com o intuito de oferecer atendimento aos trabalhadores desempregados e alocar a mão-de-

obra desocupada para o setor formal. Os objetivos do Sine eram: recolocar os desempregados

nos seus postos de trabalho assim como ajudar os jovens a encontrar um primeiro emprego;

orientar o trabalhador quanto à escolha do emprego; prestar informações junto aos

empregadores quanto à disponibilidade de recursos humanos; fornecer subsídios ao sistema

de formação profissional; estabelecer condições para adequar a demanda de postos de

traballho e a oferta de força de trabalho (MORETTO, GIMENEZ e PRONI, 2003).

A intenção era que o Sine fosse um embrião para o Sistema Público de Emprego

brasileiro, centralizando todo o atendimento aos desempregados nas suas agências. Apesar

disso, na prática, o Sine não conseguiu conquistar muita expresividade e suas agências se

36

limitaram a oferecer o serviço de recolocação profissional, não havendo articulação alguma

com programas de qualificação profissional ou seguro-desemprego.

Com a criação do seguro-desemprego em 1986 e sua ampliação após 1990 (...), o Sine poderia ter assumido papel de destaque dentro do Sistema Público de Emprego, pois seria o local ideal para centralizar os programas voltados para o trabalhador (...). Mas as disputas políticas e a falta de integração das ações públicas do país impediram que esse caminho fosse seguido (MORETTO, GIMENEZ e PRONI, 2003, p.256).

Os níveis de atratividade do Sine para os trabalhadores e para as firmas5, entre 1986 e

1996, estiveram em patamares muito baixos, nunca ultrapassando os 14% no primeiro caso e

8% no segundo caso. A participação dos trabalhadores colocados via Sine em relação ao total

de admitidos variou de 1,2% a 2,5%, neste mesmo período. Essa baixa participação pode ser

um reflexo da falta de atratividade do Sine para as firmas (RAMOS, 1998, p.23)6.

Até a década de 90, um dos motivos apontados como responsável por este fraco

desempenho era a falta de uma fonte estável de recursos. Com a criação do FAT, em 1990,

garantiu-se ao Sine um fluxo de recursos maior e mais estável. Ainda assim, no início da

década não houve mudanças significativas em sua atuação. Somente na segunda metade da

década de 90, o Sine começou a mostrar um crescimento mais acentuado de suas atividades,

evidenciado pelo aumento simultâneo dos números de inscritos, de vagas, de trabalhadores

encaminhados e colocados. A tabela 1.4 mostra estes dados.

5 O nível de atratividade do Sine para os trabalhadores é medido pela relação entre os inscritos no sistema durante o ano e o número de desligados deste mesmo ano. E a atratividade doSine para as firmas é medida pela relação entre as vagas ofertadas por meio do Sistema e as admissões totais durante o ano 6 Todos os dados são referentes ao período que vai de 1986 a 1996.

37

Tabela 1.4 – Sine: Intermediação de mão-de-obra – resultados e indicadores Brasil: 1997 a 2001

Resultados Indicadores de Eficácia

Ano Inscritos (A)

Vagas (B)

Encaminhados (C)

Colocados (D) C/A D/A C/B D/B D/C

1977 112.898 - 65.321 19.843 58% 18% - - 30%

1978 501.001 - 354.581 150.071 71% 30% - - 42%

1979 641.498 551.892 456.101 207.281 71% 32% 83% 38% 45%

1980 702.612 65.758 525.109 265.953 75% 38% 799% 404% 51%

1981 903.767 679.238 599.521 304.934 66% 34% 88% 45% 51%

1982 1.193.595 887.997 809.621 445.568 68% 37% 91% 50% 55%

1983 1.332.799 807.109 841.818 437.036 63% 33% 104% 54% 52%

1984 1.293.244 764.614 808.051 401.633 62% 31% 106% 53% 50%

1985 1.027.269 713.355 703.158 303.184 68% 30% 99% 43% 43%

1986 861.317 872.389 673.473 283.119 78% 33% 77% 32% 42%

1987 753.073 664.918 576.021 224.784 76% 30% 87% 34% 39%

1988 773.854 557.869 576.479 226.842 74% 29% 103% 41% 39%

1989 595.278 437.932 454.981 182.198 76% 31% 104% 42% 40%

1990 477.686 284.379 334.680 118.104 70% 25% 118% 42% 35%

1991 536.347 249.784 355.124 118.750 66% 22% 142% 48% 33%

1992 576.707 193.833 308.364 94.587 53% 16% 159% 49% 31%

1993 605.640 227.911 345.427 107.782 57% 18% 152% 47% 31%

1994 745.337 322.880 500.142 128.315 67% 17% 155% 40% 26%

1995 1.127.436 380.714 638.623 149.399 57% 13% 168% 39% 23%

1996 1.320.766 385.645 637.313 154.958 48% 12% 165% 40% 24%

1997 1.859.336 452.166 774.151 210.060 42% 11% 171% 46% 27%

1998 3.124.079 653.392 1.074.931 287.580 34% 9% 165% 44% 27%

1999 3.763.187 1.043.771 1.665.778 422.498 44% 11% 160% 40% 25%

2000 4.805.746 1.281.484 2.559.878 581.708 53% 12% 200% 45% 23%

2001 4.706.813 1.432.878 2.891.219 747.026 61% 16% 202% 52% 26%

TOTAL 34.341.285 13.911.908 19.529.865 6.573.213 57% 19% 140% 47% 34% Fonte: Mendonça, 2002

38

Mesmo com crescimento na segunda metade da década de 90, o papel do Sine ainda é

bastante limitado no Brasil. A partir dos anos 90, o serviço de intermediação de mão-de-obra

começou a ser feito também pelas centrais sindicais, as quais passaram a receber repasses de

recursos do FAT para realizar tal tarefa.

1.3.2.3 Qualificação Profissional

Até os anos 90 a qualficação profissional no Brasil era representada por uma série de

experiências e instituições, públicas ou privadas, isoladas. Uma das experiências de maior

destaque nesse sentido é o “Sistema S”, o qual, como já foi mencionado, realiza, desde os

anos 40, ações de qualificação profissional por meio de financiamento público. Não havia, no

entanto, uma política nacional para a formação profissional, que tratasse o tema de forma

integrada.

A primeira experiência brasileira nesse sentido foi o Plano Nacional de Educação

Profissional (PLANFOR), implementado em 1996. Este Programa “foi desenhado não como

simples programa de treinamento em massa, mas, antes de tudo, como estratégia de inclusão

da educação profissional (EP) na pauta da política pública de trabalho e geração de renda”

(SOUZA, 2004, p.49). Nesse sentido, o seu foco era a população que se encontra em situação

de vulnerabilidade, como os trabalhadores desocupados, pequenos e microprodutores urbanos

e rurais, pessoas sob risco de desocupação, trabalhadores autônomos e jovens candidatos ao

primeiro emprego.

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) atribuiu ao PLANFOR o papel de articular a

heterogênea Rede de Educação profissional existente no Brasil7, disponibilizando-lhes os

recursos para a realização dos planos de cursos, feitos pelos estados e municípios. O seu

7 A Rede de Educação Profissional brasileira é composta pelo sistema de ensino técnico estadual, federal e municipal, pelo “sistema S”, pelas universidades públicas e privadas, ONGs, empresas, entidades sindicais e escolas profissionais.

39

objetivo inicial com isso era qualificar 20% da PEA (15 milhões de trabalhadores). Porém, até

1999, foram efetivamente treinados pouco mais que 3% da PEA (CARDOSO, 2000).

Para implementar o Plano, os mecanismos utilizados foram as Parcerias nacionais e

regionais (PARCs) – convênios realizados diretamente entre o MTE e as instituições de ensino

profissional – e os Planos Estaduais de Qualificação (PEQs). Os PEQs eram a principal forma

de implementação do PLANFOR, por isso deveriam receber pelo menos 70% dos recursos

destinados ao Plano.

Os PEQs eram operacionalizados da seguinte forma: cada município elaborava os seus

planos de cursos e os enviava às Secretarias Estaduais de Trabalho, onde eram submetidos à

aprovação das Comissões Estaduais de Emprego. Isto conferia ao mecanismo das PEQs um

caráter mais democrático, já que aquelas comissões eram formadas por representantes dos

empregadores, dos trabalhadores e do poder público, e seu papel era fiscalizar, acompanhar e

estabelecer diretrizes para as políticas de qualificação. Só então, os Planos eram enviados

para análise no Ministério do Trabalho, o qual repassaria os recursos do FAT aos Estados, e

estes aos municípios.

Após serem definidos os municípios beneficiados, os recursos eram distribuídos entre

as instituições que ministravam os cursos, sendo que, estavam aptas a se candidatar para tal

tarefa todas aquelas da Rede de Ensino Profissional8. Nesse sentido, nos últimos anos,

verificou-se uma queda na participação das universidades – de 1997 a 2000 elas passaram de

39% para 13% das entidades executoras – e um grande aumento dos contratos com ONGs –

sua participação aumentou de 12% para 26% no mesmo período (SOUZA, 2004). Isso pode

ser explicado, em parte, pelo um grande número de ONGs criadas neste período, muitas delas

motivadas pela possibilidade de acesso aos recursos do FAT.

8 As instituições que poderiam se candidatar eram: as universidades; as escolas técnicas públicas e empresas públicas; federações empresariais, nacionais e estaduais, e serviços nacionais de aprendizagem; federações de trabalhadores e escolas sindicais; Fundaçõesincumbidas do ensino profissional e outrras instituições comprovadamente especializadas no ensino profissional (Souza, 2004).

40

A tabela 1.5 descreve alguns dos resultados obtidos com PLANFOR.

Tabela 1.5 – PLANFOR Brasil: 1995 – 2000

Ano Treinandos (em 1.000)

Investimento (R$ Milhões)

Municípios Atendidos

Entidades Execut.

1995 153,4 28,2 nd Nd

1996 1.193,1 220,0 2.614,0 500,0

1997 1.884,5 348,1 3.843,0 827,0

1998 2.012,5 408,8 4.279,0 1.323,0

1999 2.662,8 356,4 3.990,0 1.466,0

2000 3.141,0 383,8 4.824,0 2.066,0

1995/2000 11.047,3 1.745,3

Fonte: www.mte.gov.br

Um fato que destaca o PLANFOR em relação à outras experiências de qualificação

profissional no Brasil é a sua implementação descentralizada, feita por meio dos PEQs. Isso

deveria garantir que os cursos e conteúdos da formação seriam elaborados de acordo com as

demandas dos estados e municípios, e não de acordo com a oferta das instituições isoladas.

Na prática, todavia, havia inúmeros fatores na gestão do Plano que dificultavam a obtenção dos

resultados qualitativos esperados.

A implementação descentralizada, apesar de favorecer o atendimento às demandas

locais mais específicas, dificultava a fiscalização no que se refere à qualidade dos cursos

ministrados no âmbito do PLANFOR. Segundo Mendonça (2002, p.60),

a pressão pela realização descentralizada, ainda que apoiada em diretrizes metodológicas, corre o risco da excessiva fragmentação e pulverização. Assegurar qualidade aos cursos de qualificação é tarefa difícil, dada a enorme quantidade de entidades executoras envolvidas em todo território nacional. (...) Por último, a enorme demanda reprimida, em função da crise do mercado de trabalho, pode levar ao seu atendimento através da excessiva fragmentação de cursos de baixa eficácia, não alterando significativamente a possibilidade de requalificação dos trabalhadores e, portanto, a possibilidade de sua reinserção no mercado.

Em 2003, o PLANFOR passou por uma série de reformulações, resultando no Plano

Nacional de Qualificação (PNQ). O novo Plano manteve a característica de ter sua

41

implementação descentralizada. Houve, no entanto, uma mudança nos mecanismos utilizados

para isso. Os PEQs e PARCs foram substituídos por outros três instrumentos: os Planos de

Qualificação Territorial (PlanTeQs), onde o MTE atua em convênio com os Estados e

Municípios, por meio das Secretarias Estaduais de Trabalho; os Projetos Especiais de

Qualificação (ProEsQs), que são convênios com as instituições de educação profissional e

centrais sindicais para o desenvolvimento de metodologias de qualificação; e os Planos

Setoriais e Qualificação (PlanSeQs), voltados para a qualificação de setores específicos e

cadeias produtivas.

O público-alvo do PNQ são as populações mais vulneráveis econômica e socialmente,

assim como no PLANFOR. Nesse sentido, os resultados do novo plano em 2004 confirmaram o

seu foco naquela população. Em 2004, 56,2% dos beneficiários eram mulheres, 58,1% não-

brancos, 48,9% jovens entre 16-24 anos, e 61,5% possuíam ensino médio incompleto.

O PNQ qualificou em 2003 e 2004, respectivamente, 143 mil e 142 mil trabalhadores. O

menor número de qualificados, em relação ao Planfor, pode ser explicado pelas mudanças nos

indicadores do MTE, os quais passaram a levar em conta apenas os trabalhadores que

concluíam os cursos. Além disso, houve redução nos valores investidos. Estes, em 2001 e

2002, somaram R$ 410 milhões, e em 2003 e 2004 o volume de recursos caiu para R$ 99,4

milhões9.

1.4 Comentários Finais

Dentre os três instrumentos clássicos dos SPEs, o Programa de Seguro-Desemprego

se enquadra no grupo das políticas passivas, tendo um papel compensatório frente à situação

de desemprego. Além disso, apenas os trabalhadores do setor formal da economia podem ter

acesso a este benefício, o que era bastante compatível com o contexto do Segundo Pós-

9 Dados retirados do site do Ministério do Trabalho e Empego: www.mte.gov.br

42

Guerra nos Países Centrais, onde os níveis de informalidade não eram significativos. O

mercado de trabalho brasileiro, no entanto, possui baixos níveis de formalização das

ocupações, o que faz com que um grande contingente de trabalhadores esteja excluído do

direito ao auxílio financeiro.

Conforme já mencionado na seção 1.1, os instrumentos de proteção ao trabalhador

foram desenvolvidos para enfrentar o tipo de desemprego vigente na Europa, no período do

Pós-Guerra. Sobre o seguro-desemprego, Azeredo (1998, p.17) afirma que

(...) estes esquemas de seguridade social foram organizados em meio a uma situação de prosperidade econômica, em que o desemprego era considerado uma situação de desajuste temporário ou friccional. Em outras palavras, é sobre o pressuposto do pleno emprego que são organizados os esquemas de seguro-desemprego. Isto, por si só, já dá a idéia do escopo destes programas, concebidos enquanto mecanismos compensatórios de proteção financeira transitória aos trabalhadores.

Ao considerar o serviço de intermediação de mão-de-obra, pode-se perceber que este,

assim como o seguro-desemprego, também está adequado ao contexto do mercado de

trabalho nos países avançados durante o período do Segundo Pós-Guerra. Este instrumento

dos SPEs é destinado a combater o desemprego friccional, e não aquele estrutural e resultante

da falta de postos de trabalho, na medida em que apenas aloca os trabalhadores para as vagas

já existentes. A recolocação profissional pode ser considerada uma política ativa, pois atua

sobre a oferta de força de trabalho. O mesmo se pode dizer a respeito da qualificação

profissional, uma política ativa que é capaz de melhorar as chances de empregabilidade dos

beneficiários, mas não de criar novos postos de trabalho na economia.

A respeito destas políticas, Cardoso (2000, p.30) argumenta que

a natureza específica da crise contemporânea do (des)emprego no país parece fazer que sistemas de emprego montados da forma tradicional, tendo as políticas ativas pelo lado da oferta da força de trabalho (intermediação e qualificação profissional) como principal instrumento do arcabouço mais geral dos programas, sejam inadequados e ineficazes diante da crise estrutural do emprego e da empregabilidade que hoje domina a realidade do mercado de trabalho do país.

43

Portanto, é necessário que se desenvolvam políticas capazes de atuar sobre a

demanda por força de trabalho. Nesse sentido, as políticas de geração de trabalho e renda

assumem um papel importante, na medida em que buscam a criação de novos postos de

trabalho. O microcrédito é um instrumento fundamental para estas políticas, já que aposta na

capacidade empreendedora do beneficiário, aumentando suas chances de ter autonomia

financeira, seja por meio do associativismo e da formação de pequenos empreendimentos, seja

por meio do auto-emprego.

O microcrédito é especialmente importante ademais, porque atende aos trabalhadores

do mercado informal, em geral, excluídos do acesso às PPEs tradicionais. Além disso, ele se

diferencia da maior parte das políticas tradicionais de combate à pobreza, pois o seu foco está

na autonomia do beneficiário, e não no socorro às suas necessidade imediatas, como fazem os

programas de renda mínima, de concessão de auxílios financeiros ou de cestas básicas. As

instituições de microcrédito buscam estabelecer relações de longo prazo de confiança e

responsabilidade com os tomadores de empréstimos. Com isso, aumentam as chances de se

criarem negócios sustentáveis como fruto do empréstimo tomado, estimulando, assim, a

geração de ocupações de melhor qualidade.

Segundo Harper (2001, p.10), os programas de microcrédito são políticas adequadas

para o fomento do auto-emprego e dos microempreendimentos, pois são capazes de atingir

milhões de pessoas entre aquelas de baixa renda e ainda podem ser auto-sustentáveis, ou até

mesmo se tornar um negócio lucrativo. Além disso, estes programas possuem a vantagem de

ter como principais beneficiárias as mulheres, o que contribui para a redução das

desigualdades de gênero.

As instituições de microcrédito desenvolveram métodos alternativos e inovadores de

relacionamento com os seus clientes, exigindo deles garantias compatíveis com as suas

limitações de recursos. Dessa forma, possibilita-se o acesso a serviços financeiros pela

44

população que sempre esteve excluída do sistema bancário tradicional, favorecendo a

viabilidade econômica dos seus micro e pequenos empreendimentos.

Levando em conta a estrutura do SPE brasileiro e as transformações recentes do

mercado de trabalho, pretende-se identificar o papel e a importância do microcrédito como

instrumento para a realização de políticas de geração de trabalho e renda. Nesse sentido, os

próximos capítulos buscam mapear as potencialidades e limitações do microcrédito para,

então, identificar o seu papel nas políticas públicas de emprego brasileiras e no fomento aos

micro e pequenos empreendimentos.

45

Capítulo 2 – Microcrédito: a experiência internacional e o debate

2.1 Introdução

A prática de se oferecer pequenos créditos à população excluída do acesso ao sistema

financeiro não é recente. Desde o século XV se tem notícia da existência de fundos de

caridade na Inglaterra, criados com o intuito de fornecer empréstimos à grupos específicos,

com reduzidas taxas de juros. No século XIX, surgiram os fundos irlandeses e as cooperativas

de crédito na Alemanha (Cooperativas Raiffeisen), as quais inspiraram a criação de instituições

similares em outras partes do mundo (HOLLIS e SWEETMAN, 1998).

Os fundos de empréstimos de caridade na Inglaterra (English Lending Charities) eram

compostos por recursos privados destinados à filantropia, os quais eram utilizados para a

concessão de empréstimos a jovens empreendedores, com uma taxa de juros nominal

equivalente a zero.

Na Irlanda, o Irish Reproductive Loan Fund Institution (RLFI), destinado principalmente

aos pequenos fazendeiros e trabalhadores rurais, foi criado em 1822 e também era formado

por doações. Os recursos eram administrados por um comitê central, que os distribuía para os

9 condados irlandeses. O RLFI era uma opcão efetiva de financiamento para os pequenos

produtores rurais, pois apresentava reduzidos custos de transação. Apesar disso, o fundo

acabou se tornando um fracasso devido à falta de fiscalização e aos elevados níveis de

corrupção.

Já a história das cooperativas alemãs Raiffeisen começou em 1847 quando Friedrich

Wilhelm Raiffeisen criou a primeira associação de apoio à população rural. Alguns anos depois,

em 1864, esta associação serviu de modelo para a primeira cooperativa de crédito, a

46

Associação de Caixas de Empréstimos de Heddesdorf. No fim do século XIX, as cooperativas

criadas por Raiffeisen se tornaram as mais duradouras e abrangentes do mundo. Cada

cooperativa operava em uma região pequena, permitindo relações mais próximas entre os

tomadores e assegurando que todos os empréstimos fossem pagos, o que pode ser

considerado um dos principais fatores de sucesso destas experiências.

Foi, entretanto, no período recente que o microcrédito entrou em evidência,

especialmente na segunda metade do século XX, após o surgimento de uma série de

experiêcias internacionais de grande visibilidade – lideradas, na maior parte dos casos, pelas

Organizações Não Governamentais (ONGs). Estas experiências se distinguem das anteriores

por terem desenvolvido tecnologias operacionais e financeiras específicas, mais adequadas às

necessidades do seu público-alvo e capazes de facilitar, de forma considerável, o acesso ao

crédito.

As experiências de sucesso serviram, então, como inspiração para a multiplicação das

Instituições Microfinanceiras (IMFs). As IMFs utilizaram as tecnologias já desenvolvidas – e,

muitas vezes, criaram outras mais adaptadas aos seus ambientes específicos – com o intuito

de conceder crédito a um público que, em geral, não possui acesso ao sistema bancário

tradicional.

Estas instituições são chamadas de microfinanceiras (IMFs) porque, muitas vezes,

oferecem, além do crédito, outros serviços financeiros – como poupança, seguros, serviços de

penhora, empréstimos para habitação, cartões de crédito, troca de cheques, etc. O conceito de

microcrédito está incluído no de microfinanças, sendo, portanto, mais restrito. Este trabalho terá

como foco o crédito, em detrimento dos outros serviços financeiros mencionados. Apesar disso,

o termo IMF será utilizado para designar também as instituições que ofertam exclusivamente

microcréditos.

47

Em muitos países, o setor microfinanceiro se desenvolveu rapidamente e as IMFs se

tornaram uma importante alternativa de acesso ao crédito para os micro e pequenos

empreendedores. Sempre houve, no entanto, outros mecanismos, formais ou informais, por

meio dos quais era possível obter algum tipo de crédito distinto daquele oferecido pelos

bancos. Dentre os mecanismos informais estão os empréstimos de amigos e familiares, o

crédito obtido nas peqenas lojas locais, o crédito dos fornecedores, os agiotas, etc. Já entre os

mecanismos formais estão os fundos e clubes de poupança e crédito, as financeiras, o

crediário das lojas de varejo, etc. Nenhum destes mecanismos, entretanto, foi criado

especificamente para atender às necessidades dos micro e pequenos empreendimentos.

Quando se trata da obtenção de crédito em dinheiro, as financeiras – na categoria do

mecanismos formais – e os agiotas – na categoria dos informais – estão entre as formas mais

acessíveis à população de baixa renda. Elas apresentam, todavia, algumas desvantagens.

Os agiotas, segundo Harper (2001, p.6), muitas vezes se aproveitam das imperfeições

de mercado para impor monopólios locais e altas taxas de juros. Já as financeiras, apesar de

exigirem uma renda mínima relativamente baixa, costumam ser evitadas pelos clientes, que só

recorrem a elas em casos de emergência. Estas instituições

possuem má reputação, sendo muitas vezes classificadas como “agiotas legalizadas” ou “os piores dos agiotas”, em virtude das altas taxas de juros, da quantidade de papelada exigida, dos agressivos métodos de cobrança (retomada do bem adquirido, insistentes cobranças por telefone) e pela má-vontade na renegociação dos pagamentos atrasados (BRUSKY e FORTUNA, 2002, p.19).

Como alternativa ao crédito em dinheiro, Brusky e Fortuna (2002) mencionam o

conceito de crédito parcelado, definido como aquele outorgado sob a forma de um bem que

está sendo comprado. Nesta modalidade, o crediário das lojas de varejo se destaca pela sua

facilidade de acesso. As vantagens do crediário são os prazos longos, que tornam as parcelas

mais acessíveis, e a pouca burocracia. A principal desvantagem é que esta forma de crédito

não pode ser utilizada como capital de giro.

48

As instituições que trabalham com microcrédito buscam atender as necessidades dos

micro e pequenos empreendedores que não estão sendo satisfeitas pelos mecanismos formais

e informais de crédito existentes. Enquanto alguns destes mecanismos são inacessíveis aos

micrempreendedores, outros são acessíveis, mas não oferecem os serviços de que eles

necessitam para viabilizar seus empreendimentos.

Um bom exemplo disso é o caso dos crediários. Eles são acessíveis à população de

baixa renda, mas só podem ser utilizados para a compra de ativos, enquanto, em geral, a maior

parte dos empréstimos tomados em IMFs são utlizados como capital de giro. O oposto

acontece quando se trata dos bancos comerciais convencionais. Estas Instituições Financeiras

(IFs) oferecem uma vasta gama de serviços, mas pedem em troca uma série de garantias

reais, as quais os microempreendedores não têm condições de oferecer. Os serviços

oferecidos até podem ser adequados, mas há uma grande dificuldade no acesso a eles.

As IMFs buscam justamente preencher esta lacuna. Além de atender ao público

excluído do setor financeiro tradicional, podem oferecer uma gama de serviços financeiros que

vai muito além do crédito. Estas instituições buscam ainda manter um relacionamento de longo

prazo com seus clientes, de forma a acompanhar a evolução dos empreendimentos e oferecer

serviços financeiros adequados a cada fase do desenvolvimento do negócio.

De acordo com Morduch (1999), os programas de microcrédito provaram que

conseguem atingir a população de baixa renda, principalmente as mulheres. Grande parte dos

programas alternativos de crédito existentes até então haviam falhado em alcançar esta

parcela da população. Além disso, a metodologia desenvolvida no âmbito das IMFs resultou em

baixas taxas médias de inadimplência, em quase todos os maiores programas de

microcrocrédito no mundo.

Com o aumento da popularidade das IMFs e de suas metodologias, ganhou força, nas

últimas décadas, a crença de que o crédito é um importante instrumento para a promoção do

49

desenvolvimento social, no sentido de que possui potencial para a geração de empregos e para

a redução da pobreza. No entanto, este suposto potencial é motivo de controvérsia entre os

autores que estudam o assunto.

Muito se discute acerca do papel que o microcrédito deve assumir. Para Gonzalez-Vega

(2000), as microfinanças possuem um grande apelo político, sendo visto por todos como uma

atividade politicamente correta. No entanto, ele atenta para o fato de que “este consenso

político faz com que as microfinanças tenham diferentes significados para distintos atores, que

prometem coisas diferentes a diversos setores” (GONZALEZ-VEGA, 2000, p.22).

Há uma divergência entre os autores a respeito da função e dos objetivos dos

programas de microfinanças. Enquanto alguns acreditam que o crédito é um importante

instrumento de combate à pobreza, outros defendem que sua função deve ser a geração de

empregos, sendo a redução da pobreza uma possível conseqüência disso. Há, ainda aqueles

que enxergam as microfinanças como uma atividade lucrativa, e defendem a sua inserção no

sistema financeiro convencional.

Este capítulo pretende expor o debate acerca das funções e objetivos das

microfinanças, assim como mostrar as principais divergências entre os autores. A seção

seguinte apresenta experiências do cenário internacional, com o intuito de mostrar como

funcionam alguns dos mais conhecidos programas de microfinanças no mundo. As IMFs são o

tema da seção 2.3, onde são expostas sua forma de atuação, e as tecnologias financeiras

desenvolvidas por elas, assim como as tendências de comercialização das atividades de

microfinanças. Na seção 2.4, será apresentado o debate acerca dos objetivos e do público-alvo

do microcrédito. Por último, o papel e a forma de atuação do Estado nos programas de

microcrédito são tema da seção 2.5.

50

2.2 Algumas experiências internacionais

Até os anos 80, as políticas públicas voltadas para a concessão de crédito aos micro e

pequenos empreendedores consistiam principalmente na oferta direta de crédito pelo Estado,

por meio dos bancos estatais. Mais recentemente, alguns países têm desenvolvido políticas no

sentido de fomentar o mercado privado de microcrédito, ocupado tanto pelas ONGs como por

instituições financeiras comerciais.

Os programas de crédito, públicos ou privados, podem seguir dois caminhos: oferecer

crédito subsidiado, a taxas de juros mais baixas; ou realizar suas operações de forma

sustentável, não dependendo de subsídios governamentais. O primeiro modelo – de crédito

subsidiado – foi predominante nos programas governamentais, desde o Pós-Guerra até os

anos 90, com a intenção de baratear o custo dos empréstimos, e dessa forma torná-los

acessíveis à população de baixa renda. Este modelo, no entanto, não produziu os resultados

esperados na maior parte dos países onde foi aplicado.

A partir dos anos 90, a sustentabilidade das instituições que ofertam crédito se tornou

uma preocupação cada vez mais recorrente. Os subsídios passaram a ser alvo de muitas

críticas, principalmente pelo fato de que tornam as instituições dependentes, impedindo sua

viabilidade financeira. Difundiu-se, então, a idéia de que a facilidade de acesso ao crédito é

mais importante do que o baixo custo dos empréstimos. Portanto, o modelo de crédito

subsidiado cedeu lugar a uma prática que busca a sustentabilidade das instituições. Além

disso, desenvolveram-se metodologias inovadoras no sentido de criar alternativas aos

colaterais financeiros, e dessa forma facilitar o acesso ao crédito por parte da populacão de

baixa renda, sem com isso incorrer em maiores riscos para as instituições.

Quando se trata dos programas governamentais, esta transição pode ser verificada nas

experiências com bancos estatais nos países em desenvolvimento. Entre os anos 60 e 80,

muitos bancos estatais foram criados com o intuito de atender a população rural e os pequenos

51

proprietários de terras, assim como os microempreendedores urbanos. Para chegar a esta

população, principalmente no meio rural, estes bancos costumavam ter uma estrutura bastante

capilarizada. Os empréstimos eram feitos de forma tradicional, exigindo certas garantias e

colaterais financeiros, o que impedia o acesso por parte daqueles que não possuíam ativos a

oferecer como garantia para os empréstimos. O custo dos empréstimos, no entanto, era muito

baixo para os empreendedores, pois os subsídios governamentais reduziam as taxas de juros

cobradas dos clientes (YOUNG e VOGEL, 2005, p.5).

A partir da década de 90, e os bancos estatais passaram a ser alvo de diversas críticas,

pois o baixo custo dos empréstimos acarretava em prejuízos para os bancos e,

conseqüentemente, na dependência de constantes aportes de recursos governamentais. Além

disso, as taxas de inadimplência eram, em geral, muito altas. Isso se deve, em parte, à

inexistência de mecanismos alternativos aos colaterais financeiros para garantir a solvência

dos empréstimos, assim como ao uso político dos programas, o que fazia com que muitas

dívidas fossem perdoadas. Dessa forma, a sobrevivência dos bancos e a continuidade dos

programas ficavam ameaçadas.

Como resultado, uma série de bancos estatais, adeptos da estratégia do crédito

subsidiado, foram levados à falência. Um exemplo disso é o Banco Agrario del Peru, o qual, ao

encerrar suas atividades, deixou milhões de peruanos privados do acesso ao financiamento

rural. A expectativa de que o setor privado passasse a atender este público não se concretizou

(YOUNG e VOGEL, 2005, p.17).

Até o início dos anos 90, muitos bancos estatais foram, repetidamente, socorridos pelos

seus governos. A partir de meados da década de 90 e nos anos 2000, a resistência em

socorrê-los cresceu, pois eles não mostravam mudanças significativas nas suas práticas ou

melhoria de performance. Com isso, alguns bancos foram extintos, outros foram privatizados, e

ainda há aqueles que continuaram sendo estatais, mas passaram por grandes reformulações

52

internas, no sentido de se tornarem mais sustentáveis financeiramente (YOUNG e VOGEL,

2005).

Uma das maiores e mais bem sucedidas experiências de microcrédito em todo o mundo

se enquandra neste último grupo. O Bank Rakyat Indonesia (BRI) oferecia crédito subsidiado

até os anos 80. A partir de então, o Banco sofreu uma mudança de direção, adotando uma

visão comercial. Esta experiência será exposta de forma mais detalhada na subseção 2.2.2.

Outra experiencia inovadora é a Amhara Credit and Savings Instituition (ACSI), uma

instituição financeira controlada pelo Estado na Etiópia. A ACSI nasceu como uma ONG, mas

em 1995 o Estado adquiriu o seu controle, tornando-a uma das maiores instituições de

microfinanças da Etiópia, com mais de 300.000 clientes, cujos empréstimos totalizavam U$ 20

milhões, em 2004. A principal forma de financiamento da instituição são as suas contas de

poupança que, em maio de 2003, chegavam U$12 milhões. Um dos grandes fatores de

sucesso da ACSI são os seus baixos custos operacionais, o forte apoio do governo e o baixo

risco de seu portfólio (YOUNG e VOGEL, 2005, p.21).

Nas Filipinas, o Land Bank of Philippines (LDP) atende a grande parcela da população

rural. O banco, apesar de ser estatal, consegue evitar as intervenções políticas e sobreviveu

mais de 40 anos sem ter passado nenhuma vez sequer pelo risco de falência e pela

necessidade intervenção governamental. O LDP busca a promoção do desenvolvimento rural,

assistindo os pequenos produtores rurais e os beneficiários da reforma agrária. O banco

consegue chegar a clientelas normalmente difíceis de serem alcançadas pelos bancos comuns,

por isso possui uma diversificada gama de clientes, financiando desde os pequenos criadores

de animais e pescadores até projetos voltados para a infra-estrutura rural10 (YOUNG e VOGEL,

2005, p.23).

10 Dentre os empréstimos concedidos, cerca de 13% são utilizados para o financiamento de micro e pequenos negócios, 11% para os pequenos produtores rurais (criação de animais e pesca), 14% para projetos relacionados com a infra-estrutra e os e ngócios agrícolas e 9% para gastos domésticos (Young e Vogel, 2005).

53

As experiências citadas acima são consideradas por muitos autores exceções no

mercado das microfinanças, no qual predominam as ONGs, em detrimento dos programas

estatais. Por isso, muitas políticas públicas de crédito atualmente buscam criar melhores

condições para o desenvolvimento e a multiiplicação das IMFs. Ao invés de ofertar crédito

diretemente, ou por meio dos bancos estatais, os governos passam a adotar políticas que

buscam o fortalecimento dos mercados de microfinanças e o desenvolvimento institucional das

IMFs, assim como incentivos para os bancos comerciais ofertarem microcrédito.

A experiência do Chile é uma das mais inovadoras nesse sentido. Em 1993, o governo

criou o Fundo de Investimento Social Chileno (FISC), com o intuito de estimular os bancos

comerciais a prover empréstimos aos microempreendedores. Os bancos costumam ter

resistência em oferecer este tipo de empréstimo devido aos seus maiores custos de transação.

Por isso, os recursos do fundo são destinados a subsidiar tais empréstimos. Para acessar

esses recursos, no entanto, os bancos devem vencer uma espécie de leilão. Os vencedores

são aqueles que declararem ofertar o maior número de microempréstimos com os menores

subsídios. Como resultado, grandes bancos comerciais chilenos passaram a atuar no setor

microfinanceiro. Em 2000, quatro destes bancos11 dominavam o mercado de microcrédito, com

um portfólio de cerca de 100 milhões de dólares e aproximadamente 80.000 clientes ativos

(CHRISTEN e ROSEMBERG, 2001, p.32).

As políticas governamentais de apoio às IMFs foram, em geral, estimuladas pela

existência de experiências não governamentais de expressivo desempenho e grande

visibilidade no cenário internacional. Tais IMFs costumam servir de inspiração para o

surgimento de novos programas de microfinanças em diversos países. As experiências

apresentadas nas subseções seguintes foram selecionadas por estarem entre as mais

estudadas do mundo. Além disso, elas refletem as divergências dos programas em relação aos

11 Banco del Estado, Banco Santander, Banco Sudamericano e Banco del Desarrollo.

54

objetivos, às formas de atuação, ao público-alvo e à importância que conferem à

sustentabilidade ou à lucratividade.

De um lado, os programas de Bangladesh – o Banco Grameen e o programa IGVGD

(Income Generation for Vulnerable Groups Development) – estão focados no combate à

pobreza, por isso desenvolveram formas inovadoras de atender a clientela de baixíssima

renda. De outro lado, os programas da Bolívia e da Indonésia – o BancoSol e o Bank Rakyat

Indonesia (BRI), respectivamente – possuem uma visão comercial, por isso auferem lucros de

suas atividades, e os seus clientes são micro e pequenos empeendedores, que costumam

pertencer a camadas de renda mais elevadas que aquelas atendidas pelos programas de

Bangladesh.

2.2.1 Banco Grameen

O Grameen12 é considerado a experiência de microcrédito mais famosa e replicada em

todo o mundo. A maior parte das ONGs que trabalha com microfinanças hoje se inspira em

diversos aspectos desta experiência. O projeto foi idealizado por um professor universitário,

Muhammad Yunus, que começou utilizando recursos próprios para emprestar aos moradores

de uma aldeia próxima à universidade. Algum tempo depois, em 1976 o Grameen se tornou um

operador de crédito regularizado e, mais tarde, em 1983, se tornou um Banco, inserido no

sistema financeiro e regulado pela autoridade monetária de Bangladesh.

Os critérios de acesso estipulados pelo Grameen evidenciam a sua busca pela

focalização nos mais pobres. O banco dá preferência às mulheres – especialmente aquelas

que não possuem terras – e os empréstimos são feitos apenas em grupo, ou seja, por meio do

sistema de aval solidário, no qual os membros do grupo são fiadores uns dos outros. De acordo

com as regras do banco, os tomadores devem formar grupos de cinco pessoas em suas

12 No idioma local, o Bengali, Grameen significa aldeia.

55

vizinhanças. Se um dos membros do grupo atrasa o pagamento de sua parcela, enquanto esta

situação se mantiver, nenhum outro pode requerer novos empréstimos. Os grupos se

encontram semanalmente com os agentes de crédito e com outros grupos em sua aldeia,

formando um Centro. Cada Centro pode ter de dois a oito grupos, e é atendido por agências

locais.

Em julho de 2004, o banco possuía 3,7 milhões de tomadores de empréstimos, 96%

dos quais eram mulheres, com 1.267 agências atendendo a 46.000 aldeias em Bangladesh13,

mais de 66% do total das aldeias do país.

Os empréstimos feitos como aval solidário podem ser para uso individual, de apenas

um dos membros do grupo, ou para o uso coletivo, em empreendimentos ou aplicações

pertencentes ao grupo todo. A grande maioria das atividades nas quais são aplicados os

empréstimos são individuais.

O pagamento das dívidas, em geral, é dividido em cinquenta parcelas iguais e é feito

semanalmente, começando uma semana depois da liberação do crédito. Durante o período de

pagamento, os funcionários do Banco têm direito de verificar a utilização dos recursos

emprestados, se estão sendo utlizados para o fim solicitado.

Nas reuniões semanais, além dos pagamentos relativos aos empréstimos, cada

participante do programa deve contribuir com 7 taka14 por semana. Parte dessas contribuições

é utilizada para formar um Fundo do Grupo. Os membros podem fazer uso (individual ou

coletivo) de até metade dos recursos deste fundo, de acordo com a decisão do grupo.

Além deste, o Banco mantém outros fundos, como o Fundo Especial, que pode ser

utilizado apenas para atividades de interesse de todo o Centro, o Fundo de Emergência, que é

utilizado para prover seguro de vida para todos os membros que foram clientes do Banco por

mais de um ano, e o Fundo para o Bem-Estar Infantil, usado na construção de escolas e pré-

13 Dados retirados do site: www.grameen-info.org 14 A taxa de câmbio é de aproximadamente 50 taka para 1 dólar (Harper, 2001).

56

escolas. Além das contribuições compulsórias, o Grameen ainda estimula seus clientes a

formarem poupanças voluntariamente, em suas próprias contas, onde eles recebem uma

remuneração de 8,5% ao ano. Os fundos são remunerados a esta mesma taxa.

Apesar de captar depósitos dos clientes, o Banco não consegue financiar seus

empréstimos apenas com os recursos poupados. Segundo Harper (2001), as poupanças dos

clientes, tanto a compulsória como a voluntária, contribuem com menos de um terço dos

recursos necessários para os empréstimos. Além disso, o Grameem cobra de seus clientes

taxas de juros menores do que aquelas necessárias para cobrir seus custos. A taxa de juros

nominal é de cerca de 20% ao ano, para ser sustentável financeiramente – mantendo a mesma

estrutura de custos – as taxas de juros cobradas deveriam ser cerca de 32% ao ano. A visão

do Grameen é de que uma taxa de juros tão alta minaria a missão social do programa

(KHANDKER, 1998 apud MORDUCH, 1999).

Portanto, para complementar o financiamento de suas atividades, o Grameen mantém

um fundo, composto por recursos de doadores internacionais e nacionais, do qual o Banco

toma empréstimos a uma taxa de 2,5% ao ano. Dessa forma, o pagamento de juros ajuda a

preservar o valor do fundo, reduzindo a dependência de futuros aportes de recursos. Ainda

assim, a grande visibilidade internacional do Grameen o torna alvo de diversas organizações

internacionais de doadores, o que faz com que o Banco continue a receber um montante

considerável de doações.

2.2.2 Banco Rakyat Indonesia (BRI)

O BRI é um banco estatal criado em 1895 com o objetivo de oferecer serviços

financeiros às áreas rurais da Indonésia. Este banco opera no chamado sistema Unit Desa, que

consiste em uma extensa rede de pequenas agências bancárias voltadas para prover

empréstimos e serviços de poupança à população rural. Essas agências, localizadas nas

57

menores cidades e nos centros comerciais, são supervisionadas por unidades maiores,

localizadas nas grandes cidades e nas capitais dos distritos.

Até o início dos anos 80, o BRI oferecia crédito subsidiado aos fazendeiros de arroz. A

mobilização de poupança era muito baixa e as taxas de juros cobradas não cobriam os custos

do Banco. O resultado desta estratégia foi a ocorrência de constantes prejuízos.

A partir de meados da década de 80, o BRI sofreu uma drástica mudança de direção,

passando a ter uma visão mais comercial. Dessa forma, aumentou as taxas de juros cobradas

dos clientes, o suficiente para cobrir os custos e ainda auferir certo lucro, e criou um sistema de

incentivo à criação de poupanças. Nos anos seguintes, o Banco, apesar de ser uma instituição

estatal, passou a ser independente dos subsídios governamentais, obtendo lucro em suas

operações. As suas taxas de inadimplência permaneceram baixas, em torno de 2% para o

período entre 1984 e 1996 (HARPER, 2001, p.136).

Em 2003, o Banco tinha cerca de 30 milhões de contas, totalizando U$ 3,5 bilhões, e

3,1 milhões de empréstimos concedidos, totalizando U$ 1,7 bilhões (YOUNG e VOGEL, 2005,

p.13).

O BRI faz somente empréstimos individuais, nos quais exige algum tipo de colateral.

Há, no entanto, certa flexibilidade quanto a isso, o staff do Banco pode aumentar os valores

dos empréstimos para tomadores confiáveis, mesmo que estes não tenham condições de

apresentar todas as garantias reais necessárias (MORDUCH, 1999, p.1577). Além disso,

aceita-se ativos fixos e móveis – dos tomadores que não possuem suas próprias terras – e

ainda documentos menos formais do que os títulos de posse dos ativos, exigidos pela rede

bancária tradicional. Ainda assim, a exigência de algum tipo de colateral acaba excluindo os

clientes mais pobres.

Os empréstimos são progressivos, começam com valores pequenos, pagos

mensalmente, e aumentam com o tempo, à medida que as dívidas são pagas. O BRI só

58

oferece um tipo de empréstimo, chamado de Kupedes, cujos valores variam de Rp.25.000 a

Rp.25 milhões15. Os Kupedes podem ser classificados em dois tipos, segundo sua utilização:

para capital de giro e para investimento. Os primeiros podem durar até 24 meses, e os últimos

podem ser pagos em até 36 meses.

O BRI é responsável ainda pela fiscalização do Sistema chamado de Badan Credit

Desa (BKDs). Os BKDs, criados em 1929, são uma série de pequenas instituições de crédito e

poupança pertencentes às próprias aldeias. No sistema BKD, assim como no BRI os

empréstimos são feitos individualmente e as operações são financeiramente viáveis, ou seja,

são independentes de subsídios. Diferente do BRI, no entanto, os BKDs estão mais focalizados

na população mais pobre, e sua escala é pequena. Como substituto do colateral financeiro, os

BKDs propõem a criação de fundos no nível das aldeias, geridos pelas lideranças locais, o que

funciona bem devido ao organizado sistema de autoridade existente nas aldeias da Indonésia.

Os clientes que obtiverem sucesso com os empréstimos tomados pelo Sistema BKD estarão

aptos a evoluir para empréstimos de maior escala nas unidades do BRI.

2.2.3 BancoSol

A instituição hoje chamada de BancoSol nasceu, em 1986, na Bolívia, como a ONG

PRODEM (Fundación para Promoción y el Desarrollo de la Microempresa ), com o objetivo de

oferecer microempréstimos à população urbana. Para suportar o rápido crescimento de suas

atividades, em 1992, a ONG se transformou no BancoSol, um banco comercial privado.

A PRODEM transferiu para o BancoSol cerca de 14.300 clientes e um portfólio de

empréstimos de US$ 4 milhões. Atualmente, o BancoSol possui mais de 50.000 clientes, com

um portfólio de mais de 82 milhões16.

15 A taxa de câmbio em dezembro de 1996 era de 2.350 Rupiah Indonésios para U$1 (Harper, 2001). Isso significa que os empréstimos variam de aproximadamente 10 a 10.000 dólares. 16 Dados do site: www.bancosol.com.bo

59

O rápido ritmo de crescimento da instituição se deu em duas fases. Na primeira, até

1991, a PRODEM havia experimentado um crescimento “intensivo”, caracterizado pelo ganho

de produtividade e pelas inovações, o que permitia o crescimento do portfólio num ritmo maior

que o dos custos. Na segunda fase, a partir de 1992, o crescimento do BancoSol foi

basicamente “extensivo”, devido à grande expansão da rede de agências. A PRODEM em

1991 tinha quatro agências. Nos quatro anos seguintes, o BancoSol ampliou este número para

32 agências.

O crescimento extensivo é especialmente arriscado porque pressiona os custos

operacionais, e aumenta o custo médio dos empréstimos. Para compensar tal efeito, o Banco

aumentou a capacidade de geração de receita de cada empréstimo. Isto foi feito aumentando o

valor médio e o tempo de maturidade dos empréstimos. Dessa forma, as receitas com juros

aumentaram, sem a necessidade de elevar a taxa de juros (CGAP, 1997).

Apesar disso, as taxas de juros cobradas pelo BancoSol são relativamente altas, em

torno de 48% ao ano (MORDUCH, 1999), para garantir que o banco se mantenha

independente de subsídios e doações. Mas, ainda que seja um banco comercial, o BancoSol

trabalha apenas com microfinanças. Os seus principais acionistas são ONGs e organizações

de doadores, os quais acreditam que a busca por uma atividade rentável é a melhor maneira

de se ter mais impacto social. Quando o banco aufere lucros, estes são reinvestidos para que

se possa alcançar um número maior de pessoas (GONZALEZ-VEGA et al., 1996). Mesmo que

a captação de pequenas poupanças represente um alto custo para a instituição, o banco

acredita que há um importante valor social nesta atividade, pois apenas dessa forma a

instituição poderá manter relações de longo prazo com os clientes, e ser independente de

outras fontes comerciais de funding (GONZALEZ-VEGA, 1994 apud GONZALEZ-VEGA et al.,

1996).

60

Os candidatos aos empréstimos devem ter seus empreendimentos estabelecidos por,

pelo menos, um ano. Esse é um dos motivos pelos quais os clientes do BancoSol não estão

entre os mais pobres. A maioria deles, no entanto, atua no mercado de trabalho informal, por

isso não teriam acesso a serviços financeiros por meio do sistema bancário tradicional.

De acordo com os estudo de Gonzalez-Vega (et al., 1996), cerca de 83% dos

empréstimos são utilizados para atividades de comércio e aproximadamente 78% dos clientes

são mulheres. Isso acontece porque as mulheres predominam nas atividades de comércio

bolivianas. Ao contrário do que parece, o BancoSol não focaliza suas ações nas mulheres.

2.2.4 Income Generation for Vulnerable Groups Development (IGVGD)

O IGVGD é um programa administrado conjuntamente por uma ONG, o Bangladesh

Rural Advancement Committee (BRAC), e pelo governo de Bangladesh. O objetivo do

programa é reduzir a vulnerabilidade daqueles que estão em situação de pobreza absoluta17,

intervindo em prol da segurança alimentar desta população.

As pessoas que se encontram em situação de pobreza absoluta apresentam

resistências em aderir aos programas comuns de microfinanças, por não se julgarem capazes

de honrar suas dívidas no futuro. Percebendo isso, o IGVGD combinou distribuição de

alimentos e programas de treinamento com os serviços de crédito e poupança. Isto evita que o

dinheiro dos empréstimos seja gasto com as necessidades de consumo mais imediatas e,

aliado aos serviços de treinamento e capacitação, possibilita o investimento dos recursos em

atividades com potencial de geração de renda futura.

As beneficiárias do programa são todas mulheres, as quais são selecionadas segundo

três critérios. O primeiro é que elas sejam viúvas ou abandonadas por seus maridos, o segundo

17 A pobreza absoluta foi definida como o consumo máximo diário de 1740 calorias (CGAP, 2001b)

61

que elas possuam menos de meio acre de terra, e o terceiro é que seus rendimentos mensais

sejam inferiores a 300 taka por mês, o que equivale a aproximadamente seis dólares.

Estes critérios, entre outros fatores, fazem com que o programa do BRAC seja

reconhecido como um dos mais bem focalizados em Bangladesh. Foram encontradas fortes

evidências de que existe uma grande proporção de clientes extrememente pobres entre as

beneficiárias do programa (KHANDKER, 1998; HUSSAIN, 1998; ZAMAN, 1998 apud

ZAMAN,1999).

O IGVGD começou como um programa piloto em 1985, e em 2001, já atuava em cerca

de 50.000 das 86.000 vilas de Bangladesh, com 3,5 milhões de membros no seu programa de

microfinanças (CGAP, 2001b).

O primeiro empréstimo é concedido ao fim do programa de treinamento, e os

pagamentos semanais começam imediatamente após a concessão do empréstimo. A taxa de

juros cobrada é baixa, em torno de 15% ao ano. Quando o pagamento termina, os beneficiários

podem pegar um segundo empréstimo, de maior valor. Normalmente, a distribuição de

alimentos chega ao fim quando o segundo empréstimo ainda está sendo pago. Encerrado este

ciclo, os beneficiários podem evoluir para os programas de microfinanças tradicionais,

realizados pelo BRAC. Em geral, apenas as famílias que obtiveram incremento de renda

conseguem evoluir para os outros programas. Na prática, cerca de 80% dos membros

permanecem no IGVGD para um novo ciclo.

Uma das exigências do programa é que seus participantes poupem, ao menos, 25 taka

por mês (o que equivale a 0,5 dólar), valor sobre o qual se paga uma taxa de juros de 6% ao

ano. Este valor ajuda a compor o funding para a realização dos empréstimos.

O programa, no entanto, não é auto-sustentável, dependendo dos subsídios fornecidos

pelo BRAC. O treinamento e o crédito custam para a ONG cerca de 725 taka por pessoa,

enquanto a distribuição de alimentos é financiada pelo World Food Program (WFP), da

62

Organização das Nações Unidas (ONU). Se o BRAC tivesse que pagar pela distribuição de

alimentos, o custo total por pessoa seria de 6.735 takas (CGAP, 2001b).

Apesar da dependência dos subsídios, o IGVGD é considerado um dos programas mais

bem sucedidos do mundo por conseguir alcançar uma população que costuma ser muito

resistente em relação às organizações de microfinanças.

2.3 As Instituições Microfinanceiras (IMFs)

A experiência internacional sugere que as instituições ofertantes de microcrédito nos

anos 60 e 70 se dividiam em dois grupos principais (IBAM, 2001). O primeiro era composto por

instituições financeiras governamentais com crédito dirigido para as classes mais baixas, mas

mantendo tecnologias e práticas iguais às utilizadas nas operações de crédito tradicionais. Ou

seja, exigiam as mesmas garantias financeiras que o sistema bancário convencional,

impossibilitando o acesso do seu público-alvo ao crédito. Dessa forma, estes programas

acabavam se redirecionando a um público de maior renda.

O segundo grupo era formado por ONGs ou entidades governamentais. A maior

preocupação era com o enfoque social, por isso os projetos não eram selecionados de acordo

com a viabilidade econômica, e sim com o impacto social. Os juros eram subsidiados e havia

tolerância em relação à inadimplência. O resultado disso, na maioria dos casos, era a falência

ou a impossibilidade de ampliação dos programas devido à falta de fundos (IBAM, 2001).

Nas últimas décadas, como já foi mencionado aqui, uma série de instituições passou a

desenvolver diversas tecnologias financeiras, as quais foram capazes de facilitar o acesso ao

crédito pela população que não possui as garantias convencionais a oferecer e, ao mesmo

tempo, combater a inadimplência dos programas. As instituições adeptas deste novo modelo se

multiplicaram no Brasil e no mundo, especialmente nos países em desenvolvimento.

63

2.3.1 A tecnologia financeira das IMFs

Para que as IMFs obtenham sucesso no seu objetivo de alcançar o público não

atendido pelas Instituições Financeiras (IFs) convencionais, elas precisaram desenvolver

tecnologias, ou modos de operar, distintos daqueles utilizados nas operações de crédito

tradicionais. Segundo Utzig (2000, p.6),

o crédito popular tem uma especificidade que torna impraticável sua operação em moldes tradicionais. É que ele exige procedimentos simplificados, pouca burocracia, valores, prazos e taxas compatíveis e flexibilidade em relação às garantias, tudo que é exatamente o oposto da forma convencional de se trabalhar com o crédito nos dias atuais. O grande problema porém é como desburocratizar sem perder a segurança no retorno do recurso emprestado.

A metodologia difundida entre as IMFs, tanto no Brasil quanto em outros países, leva

em conta o fato de que o seu público-alvo não costuma ter condições para oferecer as

garantias reais exigidas pelas instituições financeiras tradicionais. Assim, foram criados

diversos procedimentos para substituir estas garantias. São os chamados colaterais sociais,

em substituição aos colaterais financeiros.

Uma prática bastante difundida é o aval solidário, no qual os tomadores de emrpéstimos

se juntam em grupos, onde os membros se avalizam mutuamente. Os empréstimos são

individuais, mas se um membro do grupo deixar de pagá-lo, o grupo inteiro será

responsabilizado. Assim, os membros fiscalizam uns aos outros para evitar a inadimplência e o

cancelamento dos empréstimos. Segundo Murdoch (1999, p.1579), o aval solidário é uma

forma de “(...) construir programas em torno dos ativos sociais quando os ativos físicos são

escassos”.

O aval solidário é capaz de minimizar diversos problemas relacionados à assimetria de

informações entre as IMFs e os seus clientes, reduzindo as taxas de inadimplência e o risco

envolvidido nas operações. Morduch (1999) trata de alguns desses problemas, especialmente

64

a seleção adversa e o risco moral, e mostra as implicações da utilização do aval solidário

nesses dois casos.

A seleção adversa ocorre porque as Instituições Financeiras (IFs) não são capazes de

diferenciar os clientes mais arriscados dos menos arriscados. Para se proteger de eventuais

perdas, essas instituições cobram de seus clientes taxas de juros mais altas. Tais taxas tornam

os empréstimos mais atraentes para os clientes que apresentam maior risco, expulsando do

mercado os clientes menos arriscados. Com o aval solidário, este problema é minimizado

porque dentro da vizinhança o fluxo de informações é maior, os vizinhos conhecem uns aos

outros e dessa forma, podem selecionar para fazer parte de seus grupos os tomadores que

considerarem menos arriscados, excluindo os tomadores mais arriscados do mercado. Dessa

forma, as taxas de inadimplência ficariam mais baixas, permitindo então a queda do risco

enfrentado pelas IFs e, conseqüentemente, a queda das taxas de juros cobradas.

Já o risco moral acontece após o fechamento do contrato de empréstimo entre a IF e o

cliente. As IFs costumam enfrentar inúmeras dificuldades e altos custos para realizar o

monitoramento de seus clientes. A falta de um sistema de monitoramento eficiente pode ser um

incentivo para que os clientes, na tentativa de obter maiores ganhos, invistam em atividades

mais arriscadas do que o combinado no contrato. No caso de fracasso do investimento feito, as

eventuais perdas serão divididas com a IF, já que o cliente não será capaz de honrar suas

dívidas. Em caso de sucesso, ao contrário, os ganhos serão exclusivos do cliente. Tal situação

constitui um incentivo para o investimento em atividades de maior risco. Quando se utiliza o

sistema de aval solidário, as perdas passam a ser dividas entre os membros do grupo, dessa

forma eles fiscalizam as atividades uns dos outros de forma a reduzir os riscos do próprio

grupo18.

18 Para informações mais detalhadas a respeito de seleção adversa e moral hazard nos grupos solidários ver Morduch, 1999.

65

Apesar de todas as vantagens do aval solidário, existem algumas localidades nas quais

este sistema é impopular, o que acontece, em geral, por fatores culturais. Então, como

alternativa, ou até mesmo para complementar o aval solidário, muitas IMFs utilizam o esquema

de empréstimos progressivos, no qual os valores emprestados vão aumentando à medida que

o tomador paga em dia o empréstimo anterior. Assim, o cliente é testado com pequenos

empréstimos iniciais e, apenas depois de conquistada a confiança da IMF, ele pode requerer o

aumento dos valores emprestados.

Este sistema, entretanto, pode ser ameaçado por alguns fatores. O primeiro deles é a

competição entre as IMFs, a qual permite que o tomador acumule empréstimos em diferentes

instituições, sem necessariamente ter pago os empréstimos anteriores. Para solucionar este

problema, Morduch (1999, p.1583) chama a atenção para a importância de se ter agências que

centralizem as análises de crédito em determinadas regiões.

Outro fator a ser considerado é a mobilidade regional da população atendida pelas

IMFs. Se a mobilidade for alta não será possível criar uma relação de longo prazo entre o

cliente e a instituição. O sistema de empréstimo progressivo funciona melhor em regiões de

baixa mobilidade, como as áreas rurais, ou entre as mulheres, que costumam ter menos

mobilidade do que os homens (MORDUCH, 1999, p.1583).

Para reduzir ainda mais as chances de inadimplência, muitas IMFs dividem o

pagamento dos empréstimos em pequenas partes, de forma que eles sejam realizados

quinzenalmente ou semanalmente, começando cerca de duas semanas após a data da retirada

do dinheiro. As vantagens desse sistema são: evitar os tomadores indisciplinados; não oferecer

tempo suficiente para que os tomadores acumulem grandes dívidas; antecipar eventuais

problemas com o pagamento dos empréstimos; permitir que a IMF tenha acesso aos resultados

dos investimentos feitos antes que o dinheiro todo seja consumido. Um dos problemas desse

sistema é que, dependendo do tempo de maturação do investimento, os pagamentos podem

começar antes dos investimentos renderem frutos.

66

Além dos chamados colaterais sociais, as IMFs contam com um importante ator na sua

aproximação com os clientes: o agente de crédito, que costuma fazer visitas pessoais aos

empreendedores e aos seus negócios. Este agente é responsável por analisar e monitorar os

empreendimentos atendidos e o seu fluxo de receitas e despesas, verificando se há

capacidade de pagamento. O monitoramento contribui para minimizar os problemas de risco

moral a que estão sucetíveis as IFs. Além disso, o agente de crédito muitas vezes é

responsável pelo recolhimento das parcelas de pagamento dos empréstimos, evitando, em

alguns casos, a necessidade de deslocamento do cliente até a IMF.

Estas metodologias representam importantes inovações, desenvolvidas e difundidas por

IMFs em todo o mundo, e é por meio delas que se tem conseguido acessar a população

excluída do sistema financeiro tradicional. Estas práticas acarretam, todavia, em um grande

aumento nos custos das IMFs, os quais já são altos por natureza, devido ao baixo valor médio

dos empréstimos. Por isso, as taxas de juros cobradas pelas IMFs costumam ser maiores do

que as praticadas no sistema financeiro tradicional.

Os juros devem cobrir os custos financeiros e operacionais, mas não devem repassar

aos clientes os custos de eventuais ineficiências das instituições. No setor microfinanceiro, isso

pode acontecer principalmente porque a competição ainda é baixa em muitos países. O grande

desafio das IMFs “está justamente em desenvolver uma estrutura organizacional adequada que

permita ao mesmo tempo reduzir ao máximo os custos operacionais, sem perda de controle da

inadimplência e com a cobertura dos seus custos” (PASSOS et al.,2002, p.49).

As inovações apresentadas acima foram, em geral, desenvolvidas por ONGs, com o

intuito de proporcionar um maior impacto social nas localidades onde atuam. Nos últimos anos,

instituições com fins lucrativos começaram a atuar no setor microfinanceiro, utilizando as

metodologias mencionadas acima para atender a um público que antes não era alvo das IFs

comerciais.

67

2.3.2 A Comercialização da Atividade de Microfinanças

As instituições financeiras com fins lucrativos têm buscado o setor das microfinanças

como forma de alcançar um novo nicho de mercado. Nesse sentido, pode-se verificar em

diversos países, especialmente na América Latina, a criação de instituições reguladas,

empenhadas em obter lucro por meio da oferta de serviços financeiros aos

microempreendedores. Da mesma forma, muitos bancos comerciais se aproveitam de sua

estrutra operacional para atender a uma nova clientela e ampliar seu mercado consumidor.

Mas a entrada das instituições com fins lucrativos no mercado das microfinanças é

bastante polêmica. A respeito deste assunto Harper (2001) aponta vantagens e desvantagens.

Para ele, a atuação dos bancos comerciais no setor microfinanceiro é a forma mais rápida de

se expandir este setor. Estas IFs necessitam, no entanto, receber treinamento nas novas

técnicas de microfinanças. Segundo o autor, as duas grandes limitações para a entrada dos

bancos comercias no mercado das microfinanças são: a enorme distância social entre estes

bancos e o público-alvo da IMFs, e a crença dos bancos de que a única forma de garantir o

pagamento dos empréstimos é a exigência de colaterais financeiros.

Os bancos e institituições financeiras – reguladas pelas autoridades monetárias dos

países onde atuam – apresentam maior potencial de crescimento porque, entre outros motivos,

possuem melhor acesso a fundos privados. O fato de se tratarem de instituições reguladas

permite a captação de investimentos privados ou o acesso a fontes comerciais de

financiamento e, em alguns casos, a mobilização de depósitos dos clientes. Estes fundos são

fundamentais para o crescimento das instituições, uma vez que os recursos dos doadores são

limitados.

No que se refere à atuação das ONGs, a experiência atual mostra que elas são as

principais inovadoras em microfinanças, foram elas as responsáveis por desenvolver toda a

tecnologia financeira à qual se deve, em grande parte, o sucesso das IMFs no atendimento aos

68

micorempreendedores. Harper (2001) aponta como vantagens desssas instituições, dentre

outras, a sua flexibilidade e o fato de que elas são movidas pelas demandas das comunidades

a que servem. Para o autor, elas possuem, no entanto, a desvantagem de ter fácil acesso aos

doadores, o que pode torná-las dependentes financeiramente ou, até mesmo, ter suas

atividades condicionadas aos interesses destes doadores. Além disso, as ONGs costumam ser

relutantes em aceitar a idéia de que negócios com fins lucrativos podem contribuir para

objetivos sociais.

A predominância das ONGs no setor das microfinanças levanta um dilema referente ao

crescimento deste setor. Estas organizações possuem uma estrutura mais flexível, por isso

sempre puderam realizar experimentos que as permitiram desenvolver inovações operacionais,

como as já mencionadas aqui. Entretanto, a sua estrutura institucional pode limitar o

crescimento de suas atividades. Este dilema, entre a flexibilidade para experimentação e as

dificuldades de crescimento das ONGs, é explicitado por Gonzalez-Vega.

A maneira encontrada para fomentar estes experimentos foi o de colocá-los em um ambiente criativo e flexível que somente organizações não governamentais não reguladas poderiam fornecer. Essas organizações, apoiadas pelos doadores, estiveram dispostas a fazer estes experimentos e, por não serem reguladas não foi possível frear a criatividade. Mas como qualquer atividade de pesquisa e desenvolvimento, é necessário contar com um espaço para experimentação. Porém, estes espaços encontravam-se em organizações cuja estrutura de propriedade e governabilidade eram muito frágeis. Como todo experimento, seu tamanho era piloto e, portanto, pequeno para garantir uma redução de custos considerável. Logo, o dilema é que com o crescimento venha a ruptura do pacto inicial de deixá-los fazer e experimentar dentro de uma estrutura que não necessariamente garante a sustentabilidade. (GONZALEZ-VEGA, 2000, p.28)

Como resultado, uma série de instituições microfinanceiras abriu mão de sua

flexibilidade em prol do crescimento de suas atividades. Nesse sentido, observou-se a

conversão de ONGs em bancos ou instituições reguladas, buscando a sua inserção no setor

financeiro formal. Um dos casos mais expressivos de que se tem notícia é a transformação

ONG PRODEM no Bancosol na Bolívia. Além deste, há outros casos na América Latina, como

69

a ONG AMPES em El Salvador, que se transformou na Financiera Calpi, e no Peru, a Acción

Comunitario del Perú se converteu no MiBanco.

As limitações apresentadas pelas ONGs e o potencial de crescimento dos bancos e

outras instituições reguladas – com fins lucrativos – têm inspirado o surgimento de diversas

experiências com uma abordagem comercial em relação às atividades de microfinanças.

Nesse sentido, as experiências latino americanas merecem destaque. No Chile, a

política governamental de incentivo à entrada dos bancos comerciais no setor microfinanceiro –

mencionada no item 2.2 – fez com que grandes bancos comerciais, como o Banco Santander,

o Banco Desarollo e o Banco Sudamericano passassem a oferecer microcrédito. No Equador,

o Banco Solidario e na Bolívia, o Banco Económico incluíram os micro e pequenos

empreendimentos na sua clientela. Na América Latina, em 2001, 29% dos recursos

emprestados a microempreendedores eram provenientes de bancos comercias, e 45% de

ONGs que se transformaram em instituições financeiras licenciadas. Estas instituições

atendiam a 53% dos clientes das IMFs latino americanas (CGAP, 2001a).

A principal crítica que se faz a esta tendência de comercialização das atividades

microfinanceiras é a possibilidade de desvio da missão inicial, ou seja, as instituições com fins

lucrativos não possuem as mesmas motivações que as ONGs no que se refere ao combate à

pobreza, a redução do desemprego ou a promoção do desenvolvimento.

Na América Latina, estas instituições tendem a apresentar empréstimos médios

significativamente maiores que os das ONGs. O valor médio dos empréstimos é uma das

formas de se verificar qual o nível de pobreza da população atendida pelas instiuições. Isso

significa, portanto, que as IMFs reguladas e os bancos comerciais emprestam para clientes

menos pobres do que ONGs.

Mas o atendimento voltado para clientelas menos pobres representa um desvio de

missão das IMFs? A resposta a esta pergunta depende de qual o objetivo que se deseja

70

alcançar com o microcrédito. Nesse sentido, é importante diferenciar dois objetivos: o de

combate à pobreza e o de redução do desemprego.

Muitos acreditam que o microcrédito é ferramenta fundamental para as políticas de

combate à pobreza, por isso deve ser focalizado na população de baixa ou baixíssima renda.

Enquanto isso, outros atribuem ao microcrédito a função de fomentar a criação de empregos

nos micro e pequenos empreendimentos, se constituindo como um instrumento de política de

emprego. As IMFs, então, não deveriam obrigatoriamente focar nos mais pobres, e sim nos

micro e pequenos empreendedores que possuem dificuldades de acesso ao crédito

convencional.

Dessa forma, os maiores valores médios dos empréstimos não necessariamente

representam um desvio de missão das IMFs com visão comercial. Na América Latina, quase

todas as IMFs mais antigas eram adeptas desta última abordagem, por isso os empréstimos de

maior valor faziam parte da estratégia destas instituições na busca pela criação de empregos e

na composição de uma carteira média de menor risco. Portanto, quando se trata desta

“primeira geração” de instituições pode-se concluir que não houve desvio de missão com a

adoção da visão comercial. Mais tarde, o setor microfinanceiro recebeu novos entrantes, os

quais em geral, adotaram a primeira abordagem, mais voltados para o combate à pobreza, por

isso sua clientela costuma ter renda mais baixa e seus empréstimos médios são menores

(CGAP, 2001a).

Na seção seguinte consta uma apresentação do debate que envolve estas duas

abordagens, assim como uma descrição de alguns estudos relacionados a elas.

71

2.4 Microcrédito: combate à pobreza ou geração de empregos?

No que se refere ao objetivo das instituições de microcrédito, Gulli (1998) expôs as duas

principais abordagens: a dos sistemas financeiros (“financial systems”) e a abordagem do

empréstimo aos pobres (“poverty lending”).

A primeira defende que o objetivo das IMFs deve ser a provisão sustentável de serviços

financeiros à população excluída do sistema bancário tradicional. O público-alvo não deve ser,

necessariamente, a população de baixa ou baixíssima renda. Os defensores dessa abordagem

acreditam que o crédito não é a ferramenta mais importante contra a pobreza. Defendem, ainda

que o microcrédito deveria ser alvo do setor privado com uma visão comercial, tendo o lucro

como objetivo, já que apenas este setor possui os recursos necessários para alavancar o

crescimento das IMFs. Enquanto o microcrédito depender de doadores e governos, se

restringirá a um número reduzido de clientes e os programas estarão sujeitos à

descontinuidade. Este grupo acredita que se há demanda pelos serviços microfinanceiros e os

créditos são pagos em dia, então já está garantida a relevância de tais serviços, sendo

desnecessária a realização de estudos para averiguar os impactos do microcrédito sobre a

pobreza.

Em oposição, a segunda abordagem defende que o objetivo principal do microcrédito

deve ser a redução da pobreza e o “empowerment”. Para atingir estes objetivos, as IMFs

muitas vezes devem oferecer serviços complementares (não financeiros). Essa abordagem

enxerga a provisão de serviços financeiros como um meio para a redução da pobreza, e

entende que o crédito é elemento fundamental para se atingir este objetivo. Nesse sentido, é

legítimo que as IMFs recebam doações e subsídios para se sustentarem já que a

disponibilidade de recursos é uma grande restrição à oferta de serviços financeiros para a

população de baixa renda. Este grupo defende que o microcrédito deve estar a cargo dos

72

governos, das ONGs e dos doadores, temendo que o setor privado ignore os clientes mais

pobres.

Cada uma das abordagens descritas acima possui um tipo de instituição mais adequada

para seus objetivos. Nesse sentido, foram denominados dois tipos distintos de instituições: as

desenvolvimentistas e as minimalistas. Os defensores da abordagem do empowerment são,

em geral, mais adeptos das IMFs desenvolvimentistas, as quais integram ao crédito outros

serviços não financeiros. Estas instituições costumam enxergar o crédito como apenas um dos

instrumentos necessários à melhoria da qualidade de vida das populações a que atendem. Por

isso, oferecem outros serviços, que vão desde a qualificação e a assessoria na gestão dos

empreendimentos até a distribuição de alimentos.

Por um lado, estes serviços devem melhorar as condições de utilização dos

empréstimos, e contribuir para a realização de investimentos com maior potencial de geração

de renda futura, principalmente quando a população atendida está entre aquela de mais baixa

renda. Por outro lado, a oferta de serviços não financeiros, como capacitação e assistência

técnica, representa um risco para as instituições. Isso acontece porque, ainda que o

empreendedor siga todas as recomendações das IMFs, não há como garantir que ele tenha

capacidade de pagamento do empréstimo. Além disso, a oferta dos serviços não financeiros

pode levar a um aumento nos custos das instituições e compromenter a sua sustentabilidade.

Em oposição às instituições desenvolvimentistas estão aquelas chamadas de

minimalistas, que oferecem apenas serviços financeiros. Estas, dependendo de sua política de

crédito, possuem melhores condições de alcançar a sustentabilidade financeira e de,

eventulamente, se tornarem lucrativas. Os adeptos da abordagem dos sistemas financeiros

costumam defender as instituições minimalistas.

Diante deste debate, a questão central é se o microcrédito deve ser um instrumento que

visa o combate à pobreza, como defende a abordagem do empowerment, devendo então se

73

focar na população mais pobre; ou se deve ser um meio para disponibilizar crédito aos

empreendedores excluídos do mercado financeiro tradicional – não necessariamente aqueles

de mais baixa renda – de tal forma que preserve a sustentabilidade das instituições, mantendo

o impacto sobre a pobreza como uma consequência indireta.

Muitos questionam ainda se as IMFs são realmente capazes de alcançar os mais

pobres e qual o impacto disso sobre a sua sustentabilidade financeira. Um dos principais

fatores que motiva este debate é a possível existência de um trade-off entre a sustentabilidade

financeira das instituições e a sua capacidade de atingir os mais pobres.

2.4.1 O Trade-off entre focalização e sustentabilidade

A sustentabilidade das IMFs tem sido uma questão cada vez mais presente no debate

acerca das microfinanças, especialmente a partir dos anos 90, e a sua importância passou a

ser um consenso entre grande parte dos autores. O objetivo de disponibilizar serviços

financeiros aos excluídos do sistema bancário convencional só pode ser consolidado se as

organizações que o fizerem forem capazes de sobreviver e permanecer no mercado, sejam

elas bancos comerciais ou organizações sem fins lucrativos.

“A sustentabilidade financeira fundamenta-se em dois níveis: a capacidade de alavancar

recursos para o fundo e sua política de crédito, capaz de tornar a instituição autônoma e atingir

rapidamente seu ponto de equilíbrio” (IBAM, 2001 p. 32). No que se refere à política de crédito,

a sustentabilidade depende da cobrança de juros que cubram os custos totais de execução do

programa, e de um sistema eficiente de recuperação dos empréstimos, de modo a manter

baixas as taxas de inadimplência (PASSOS et al., 2002).

Alguns autores acreditam que os mais pobres não são capazes de pagar as taxas de

juros maiores, indispensáveis para a sustentabilidade das IMFs. Para estes autores, existiria,

portanto, um trade-off entre a sustentabilidade financeira das IMFs e a focalização na clientela

74

de mais baixa renda. As instituições sustentáveis não poderiam focar nos clientes mais pobres,

sob pena de sacrificar sua saúde financeira, enquanto aquelas que recebem doações poderiam

cobrar taxas de juros subsidiadas e atender exclusivamente à população mais pobre.

Ledgerwood (1999) é uma das autoras que parece acreditar, ainda que parcialmente,

no trade-off. Para ela, é possível servir aos mais pobres de forma sustentável. No entanto, o

tempo para que a instituição alcançe sua sustentabilidade financeira será menor quando os

seus clientes forem economicamente ativos, ou seja, quando eles não estiverem entre os mais

pobres. Se, ao contrário, a instituição escolher atender ao núcleo duro da pobreza, os doadores

devem estar comprometidos a apoiá-la por um período mais longo.

Há, no entanto, autores que não acreditam na existência deste trade-off, afirmando que

os mais pobres são perfeitamente capazes de pagar as taxas de juros mais altas e ter

empreendimentos bem sucedidos. Outros afirmam, ainda, que apenas as IMFs sustentáveis

serão capazes de crescer e atingir um número maior de pessoas, de modo a incluir a

população de renda mais baixa em sua clientela.

Nos estudos feitos por Rhyne, Vogel e Christen (1995 apud RHYNE, 1998), a partir da

análise de 11 instituições de microfinanças19, estes autores concluíram que entre as IMFs com

boa performance, não havia correlação alguma entre o nível de pobreza dos clientes20 e a

viabilidade financeira da instituição. Para Rhyne, estas instiuições desenvolveram métodos tão

padronizados e eficientes de atendimento à clientela, que mesmo os clientes mais pobres são

capazes de cobrir os seus custos. A questão estaria, portanto, na capacidade das instituições

de oferecer eficientemente os serviços, de forma a reduzir seus custos e, conseqüentemente,

19 As instituições analisadas foram: Agence de Credit pour L’Enterprise Privee (ACEP), no Senegal; La Asociacion Dominica para el Desarrollo de la Mujer (ADOPEM), na República Dominicana; BancoSol da Bolívia; os BKDs e o BRI da Indonésia; Bankin Raya Karkara (BRK), no Niger; Corporacion de Accion Solidaria (CorpoSol), na Colômbia; Fundacion Integral Campesina (FINCA), na Costa Rica; o Banco Grameen de Bangladesh; Kenya Rural Enterprise Programme (K-REP) e o Lembaga Perkreditan Desas (LPDs), também na Indonésia. 20 O nível de pobreza dos clientes era medido (imperfeitamente, segundo a própria Rhyne) pelo valor do empréstmo.

75

as suas taxas de juros. Dessa forma, os clientes teriam mais facilidade em cobrir os custos das

IMF e torná-las economicamente viáveis.

Logo, aquelas instituições que afirmam ter sua sustentabilidade comprometida pelo fato

de que estão focando nos mais pobres devem provar que estão sendo o mais eficientes

possíveis, para que os subsídios não suportem ineficiências operacionais das organizações.

A este respeito, segundo a visão apresentada por Rhyne (1998), há uma

complementaridade entre sustentabilidade e o atendimento aos mais pobres. Apenas as IMFs

que foram sustentáveis financeiramente conseguirão ter acesso ao funding de que elas

necessitam para aumentar o tamanho da clientela e atingir os mais pobres. Portanto, o objetivo

das instituções seria alcançar os mais pobres, e a sustentabilidade serviria apenas como um

meio, uma ferramenta, para isso.

Ryne chama a atenção, ainda, para o fato de que não há uma divisão rígida entre as

IMFs sustentáveis e as que recebem doações. Mesmo aquelas que almejam a

sustentabilidade, muitas vezes precisam receber doações, principalmente nos seus primeiros

anos de funcionamento. A autora lembra que todas as instituições de microcrédito querem

atingir os mais pobres e todas acreditam que sustentabilidade é importante. A questão não está

em optar por um ou outro caminho, mas sim na maior ou menor ênfase que se dá a cada um

dos lados.

De um lado, a corrente que defende uma maior preocupação em focar nos mais pobres,

o faz por diversos motivos, que vão desde os morais e humanitários até os políticos. Dentre os

primeiros motivos, está o fato de que os mais pobres sofrem mais (inclusive com a fome), por

isso o microcrédito seria uma forma de aliviar este sofrimento. Quando se trata dos motivos

políticos, esta corrente defende que se deve focar apenas na população de baixa e baixíssima

renda e nas mulheres para não correr o risco de que os menos pobres se apropriem dos

ganhos dos mais pobres. Isso pode acontecer se os primeiros passarem a ter um poder de

76

controle no nível local, canalizando, dessa forma, recursos para si mesmos e excluindo os mais

pobres dos benefícios dos programas. Além disso, defendem que apenas mantendo o foco nos

mais pobres é que estes conseguirão ser atingidos. Essa preocupação nasceu a partir de um

fenômeno que acontece em diversos programas sociais, os quais frequentemente acabam

deixando de lado a população de menor renda, mesmo que esta faça parte do público-alvo do

programa (RHYNE, 1998, p.8).

De outro lado, os críticos dessa visão afirmam que os mais pobres não são atingidos

pelos programas de microcrédito, mesmo aqueles mais focalizados. Eles defendem que o

crédito não é uma ferramenta apropriada para aqueles que estão “às margens da

sobrevivência” (RHYNE, 1998, p.8). Nesse sentido, questiona-se muito a eficácia do

microcrédito no combate às situações mais graves de pobreza. Enquanto alguns defendem

esta estratégia, outros acreditam que o microcrédito é mais eficaz quando a população

beneficiada não é tão pobre, e possui melhores condições para investir o dinheiro dos

empréstimos.

Diante disso, diversos estudos empíricos foram realizados na tentativa de responder a

estas questões, alguns dos quais serão apresentados a seguir. Os tópicos 2.2 e 2.3 se referem

aos maiores programas de Bangladesh, os quais possuem a visão de que o microcrédito é um

instrumento de combate à pobreza, por isso têm como foco a população de mais baixa renda.

O próximo tópico analisa se estes programas obtêm sucesso na focalização do seu público-

alvo, enquanto o tópico que o sucede busca verificar qual o impacto dos programas na renda

dos beneficiários. Depois disso, a análise se concentra na definição do público-alvo mais

adequado para os programas de microcrédito, os mais pobres ou os micro e pequenos

empreendedores das faixas de renda imediatamente superiores.

77

2.4.2 O microcrédito chega aos mais pobres?

Quando se pensa naqueles programas adeptos da abordagem do empowerment, que

optam pela estratégia de focalização nos mais pobres, a primeira pergunta que surge é se eles

são realmente capazes de atingir seu foco, ou seja, se os beneficiários destes programas estão

entre os mais pobres.

Nesse sentido, é relevante o estudo feito por Amin, Ray e Topa (2003) com o intuito de

verificar se os maiores programas de Bangladesh conseguiram manter o seu foco nos mais

pobres e vulneráveis. Os autores consideraram as definições de que uma família é pobre se

tiver um baixo nível de consumo, enquanto vulneráveis são aquelas famílias incapazes de

manter um nível de consumo estável, dadas eventuais alterações na renda. O estudo consistia

em identificar as famílias que eram pobres e vulneráveis em 1991-1992, e verificar quais delas

faziam parte dos programas de microcrédito em 1995. Para isso foram utilizados dados de

consumo de 229 famílias por 12 meses, em 1991-1992. Os programas de microcrédito aos

quais se refere o estudo são os três maiores de Bangladesh e estão entre os maiores do

mundo. São eles: Grameen, Bangladesh Rural Advancement Committee (BRAC) e Association

for Social Advancement (ASA).

Os três programas buscam a focalização nos mais pobres, e são dependentes de

subsídios e doações. No passado, os programas que utilizavam crédito subsidiado eram

frequentemente manipulados politicamente, e acabavam tendo os seus objetivos iniciais

distorcidos, deixando de lado o público-alvo original. O intuito deste estudo é avaliar se os

novos programas são mais bem focalizados que os antigos, e se eles se mantêm fiéis aos seus

objetivos.

Os autores concluíram que os três programas analisados foram mais bem sucedidos

em relação àqueles do passado no que diz respeito à focalização na população de baixa renda.

As famílias que haviam aderido aos programas em 1995 eram mais pobres do que aquelas que

78

não aderiram a nenhum programa, de acordo com os dados de consumo familiar em 1991-

1992. Além disso, a proporção de membros dos programas abaixo da linha de pobreza variava

entre 75% e 79% nos dois vilarejos analisados. Um dos fatores que tornam os programas mais

focalizados é a escolha dos critérios de acesso. Em Bangladesh, a definição das mulheres

como público-alvo é um dos critérios mais importantes para isto.

Quando se analisa a categoria dos pobres e vulneráveis, concluiu-se que esta

população não foi atingida pelos programas analisados. Para os autores, isso pode ser

explicado pelo fato de que “as mesmas forças que tornam alguns pobres vulneráveis, também

os tornam mais arriscados para os provedores de crédito” (AMIN, RAY e TOPA, 2003, p.80).

Ainda que os programas tenham o combate à pobreza como principal objetivo, e que os

empréstimos sejam subsidiados, os pobres vulneráveis podem acabar sendo expulsos devido

ao seu alto risco de insolvência.

Quando isso acontece, aquela população que se encontra em situação de maior

insegurança – com padrão de consumo baixo e instável – não encontra no microcrédito um

instrumento para reduzir sua insegurança. Dessa forma, os três programas estudados

obtiveram sucesso em atingir a população de baixa renda, mas falharam no atendimento

àqueles que são, simultaneamente, pobres e vulneráveis.

Se o objetivo dos programas é o combate à pobreza e a focalização nos mais pobres,

então é necessário criar mecanismos para torná-los mais acessíveis ao seu público-alvo.

Nesse sentido, pode-se recorrer a ações complementares que atendam as necessidades mais

imediatas desta população, de forma a reduzir o seu risco de insolvência e a sua

vulnerabilidade.

79

2.4.3 O impacto dos programas de microcrédito sobre a renda

No que diz respeito ao impacto do microcrédito sobre a renda dos beneficiários,

Khandker21 encontrou, em Bangladesh, fortes evidências de que os programas beneficiam os

pobres por meio da suavização do consumo22 e do aumento de seus ativos. Segundo ele, os

resultados indicam que os programas promovem investimentos em capital humano (educação),

e aumentam os cuidados com questões relativas a saúde da família (como a utilização de

métodos contraceptivos). Além disso, também há impacto significativo no que se refere às

questões de gênero, indicando que as mulheres participantes passaram a adquirir ativos

próprios e a exercitar seu poder de decisão sobre a família.

Os estudos estimaram também o impacto marginal das microfinanças sobre o consumo,

que foi de 18% para as mulheres e 11% para os homens. Segundo Khandker, se este ritmo de

consumo for mantido, a cada ano, 5% dos participantes dos programas poderão sair da

pobreza por meio do microcrédito (KHANDKER, 2005, p.266).

O autor estimou a redução da pobreza nos vilarejos pesquisados entre 1991/92 e

1998/99. Os resultados indicaram que a redução da pobreza moderada nas áreas

contempladas pelos programas foi de 18%, e nas áreas não contempladas essa redução foi de

13%, sugerindo que os programas de microcrédito impactam nas regiões onde atuam. Nas

famílias participantes, as taxas de pobreza caíram, em média, três pontos percentuais por ano

no período entre 1991/92 e 1998/99. Segundo as estimativas de Khandker23, mais da metade

desta redução na pobreza pode ser atribuída aos programas de microcrédito. As estimativas

indicam que eles foram responsáveis por 1,6 ponto percentual na redução anual da pobreza

moderada e por 2,2 pontos percentuais na redução anual da pobreza extrema.

21Pitt e Khandker, 1998; khandker, 1998. 22 Por suavização do consumo entende-se evitar mudanças bruscas do consumo devido a queda da renda em um determinado mês. 23 O método utilizado para tal estimativa está em Khanker, 2005, p.283.

80

Segundo Khandker (2005), o impacto do microcrédito na redução da pobreza não se

restringe apenas aos tomadores de empréstimos. Os resultados dos estudos sugerem que a

média dos empréstimos correntes e passados para as mulheres de um vilarejo possui impacto

positivo significativo nos gastos per capita das famílias deste vilarejo, sejam elas participantes

ou não dos programas. Khandker concluiu que um aumento de 10% na média dos empréstimos

correntes e passados das mulheres em um vilarejo provocam, respectivamente, crescimentos

de 0,68% e 0,69% no gasto per capita de todas as famílias. Estes resultados sugerem que os

efeitos dos programas de microcrédito se espalham também para as demais famílias dos

vilarejos onde atuam.

Diante do estudo de Khandker, pode-se concluir – pelo menos no que se refere aos

programas de Bangladesh – que o microcrédito possui impacto positivo na renda dos

beneficiários e, conseqüentemente, contribui para a redução dos níveis locais de pobreza. Isto

não significa, entretanto, que o microcrédito deve ser, necessariamente, utilizado como

instrumento de combate à pobreza. Muitos autores defendem que o impacto dos programas

seria maior se eles fossem direcionados aos micro e pequenos empreendedores de faixas de

renda um pouco mais elevadas. Este fato caracterizaria o microcrédito mais como um

instrumento para a geração de empegos do que como uma forma de combate à pobreza. Os

estudos apresentados na seção seguinte buscam analisar a efetividade do microcrédito de

acordo com as faixas de renda da população atendida, para, assim, determinar qual público-

alvo permite que os programas promovam maior imapcto social.

2.4.4 Qual deve ser o público-alvo dos programas de microcredtio?

O primeiro estudo a ser exposto aqui foi realizado por Harper (2001), com o objetivo de

analisar a capacidade de pagamento dos microempreendedores. A sua intenção é descobrir se

os mais pobres são capazes de pagar as altas taxas de juros requeridas para a sustentabiliade

81

das IMFs e, dessa forma, testar se as instituições podem ser, ao mesmo tempo, sustentáveis e

atender aos microemprendedores mais pobres.

Nesse sentido, Harper (2001) propôs uma metodologia para medir a capacidade de

pagamento dos microemprendedores. Como as taxas de juros que as pessoas podem pagar

são uma função do retorno obtido com os investimentos feitos a partir dos empréstimos, Harper

desenvolveu um método para calcular o retorno de tais investimentos24, e o aplicou em 215

microempreendimentos na Índia e no Kenya. O retorno médio anual dos empreendimentos

(depois de subtraído o custo de oportunidade do trabalho) foi de 847%. A maior parte dos

casos em que o retorno anual ficou abaixo de 100% era de empreendimentos maiores, com

investimentos a partir de $50025. Para ele, isso não significa que os micro empreendedores são

ricos, pois seus investimentos são muito pequenos, mas sim que eles podem pagar altas taxas

de juros pela pequena quantidade de capital que necessitam.

A tese central de Harper é que os retornos dos investimentos nos pequenos negócios

costumam ser muito mais altos do que nos negócios maiores, ou seja, a produtividade marginal

do capital é decrescente. Isso, para ele, reforça a idéia de que “as microfinanças estão voltadas

para os micronegócios, cujos donos são pessoas com microrendimentos” (HARPER, 2001,

p.16), pois apenas estes negócios podem pagar as taxas de juros de que as IMFs necessitam

para cobrir seus custos.

Para Harper, uma das “regras de ouro” das microfinanças é que o acesso ao crédito é

mais importante do que o seu custo para os pequenos tomadores de empréstimos. Muitas

vezes, para proporcionar melhores condições de acesso, as IMFs além de serem bem

24 Este retorno é muito difícil de ser medido, pois os empreendimentos não costumam separar lucros, retornos, salários, etc. Harper defende, no entanto, que é possível, por meio do contato com os empreendimentos, obter uma aproximação das receitas e dos gastos dos empreendimentos e, dessa forma estimar o ganho líquido obtido com o negócio. O autor sugere, ainda, que se compare este ganho (obtido com o auto-emprego) com aquele que a pessoa poderia ter se estivesse empregada (por terceiros). Este seria o custo de oportunidade, o qual deve ser subtraído dos ganhos líquidos do negócio para se chegar ao ganho efetivo do empreendedor com o investimento. Dessa forma, o retorno do investimento será este ganho em relação ao total investido. Assim poderá se chegar a taxa de juros que estes empreendedores são capazes de pagar. 25 O retorno ficou abaixo de 100% em apenas 40 dos 215 casos.

82

gerenciadas e inovadoras, precisam cobrar taxas de juros mais altas, e isso não significa, de

forma alguma, que elas devem excluir a população de renda mais baixa dos seus programas.

Ao contrário, são justamente os empreendedores mais pobres que possuem melhor

capacidade de pagamento.

Em oposição às conclusões de Harper, está o estudo de Hulme e Mosley (1996, apud

CGAP, 1996), os quais acreditam que o empréstimo para os mais pobres é menos efetivo na

geração de renda futura do que o empréstimo para os menos pobres. Os autores realizaram

um estudo com o objetivo de entender os fatores que influenciam a sustentabilidade financeira

das IMFs. Para isso, eles examinaram 13 IMFs em sete países, entre 1989 e 1993, utilizando

uma amostra de 150 tomadores de empréstimos, e comparam as mudanças ocorridas neste

grupo com aquelas ocorridas num grupo de controle, composto por 150 pessoas não

participantes dos programas de microcrédito, mas que possuíam uma situação similar ao

primeiro grupo, no que se refere a renda, ativos e acesso a infra-estrutra.

Os autores separam essas 13 IMFs em dois grupos: o grupo A, do qual faziam parte as

instituições mais sustentáveis financeiramente; e o grupo B, formado pela IMFs menos

sustentáveis26. Segundo os estudos, as IMFs do grupo A apresentavam menores taxas de

dependência de subsídios e de inadimplência, assim como cobravam maiores taxas de juros do

que as do grupo B. No que se refere à relação entre sustentabilidade e pobreza o estudo

concluiu que as IMFs do grupo A, como um todo, provocaram maior impacto na renda. No que

diz respeito à focalização nos mais pobres, Hulme e Mosley não encontraram diferenças

significativas entre os dois grupos, ou seja, o grupo B não foca em clientes mais pobres que o

grupo A. Daí conclui-se que os autores não acreditam na existência do trade-off entre a

sustentabilidade e a focalização.

26 As IMFs classificadas no grupo A foram: BancoSol da Bolívia; BRI, BKK e KURK da Indonésia; Grameen, BRAC e TRDEP de Bangladesh; PTCCs do Sri Lanka; e o KREP Juhudi, do Kenya. No grupo B estavam: RPBs da Índia, KIE-ISP do Kenya, Mudzi Fund e SACA, ambos da Malásia.

83

Com os dados obtidos, os autores buscaram mostrar a relação entre a renda anterior

dos participantes (como um percentual da linha de pobreza), e o aumento percentual na renda

desses mesmos participantes após os empréstimos (em comparação com o aumento de renda

do grupo de controle).

Conlcuiu-se que o impacto dos programas de microcrédito cresce (a uma taxa

decrescente) à medida que a renda dos participantes é maior, isso significa que os programas

têm menor impacto sobre os participantes que estão abaixo da linha de pobreza. A tese de

Hulme e Mosley é que isso acontece porque os participantes mais pobres tendem a investir o

dinheiro dos empréstimos em atividades de baixa produtividade, devido ao seu menor grau de

educação, de informação sobre o mercado, e a menor possibilidade de correr riscos sem

ameaçar sua sobrevivência. Os autores chamam este investimento de protetor (“protectional”),

enquanto os menos pobres teriam mais condições de realizar investimentos promotores

(“promotional”), pois estariam mais dispostos a correr riscos e investir em tecnologia e

atividades de maior produtividade.

A tabela a seguir, elaborada pelos autores, mostra como os empréstimos tomados

foram utilizados em cada uma das categorias de renda.

84

Tabela 2.1 – Utilização dos empréstimos por cada US$100 emprestados (1993)

Categoria de renda das famílias

Utilização dos empréstimos

Renda menor que 80% da linha de

pobreza

Renda maior que 80% da linha de

pobreza

Consumo 69% 14%

Capital de Giro 15% 30%

Contratação de mão-de-obra 5% 12% Compra de capital fixo sem nova tecnologia 10% 32% Compra de capital fixo com nova tecnologia 6% 12%

Os dados da tabela corroboram a tese de que os tomadores menos pobres realizam

investimentos com maior potencial de retorno, enquanto os mais pobres gastam grande parcela

dos seus empréstimos em consumo, o que, segundo os autores, não proporciona

possibilidades de maiores ganhos futuros. Ao contrário, o aumento do consumo corrente pode

comprometer a renda futura dos tomadores, pois aumenta seu endividamento.

Hulme e Mosley acreditam, portanto, que a focalização nos clientes mais pobres não

proporciona um maior impacto sobre a pobreza, pois para eles estes clientes possuem menos

condições de realizar investimentos produtivos. A efetividade do microcrédito seria maior

quando os empréstimos fossem tomados pelos microempreendedores menos pobres, os quais

poderiam fazer melhores investimentos e gerar maior retorno sobre os recursos investidos.

Harper (2001) discorda desta tese, defendendo que há uma falsa distinção entre a

utilização do crédito para consumo e para produção. Muitas vezes, as pessoas precisam

comprar alimentos, roupas, remédios, etc. para poder trabalhar. Por isso, estes podem ser

considerados investimentos produtivos, mas o seu retorno, além de ser muito difícil de ser

medido, normalmente não é imediato.

Fonte: Hulme e Mosley, 1996, apud CGAP, 1996

85

Já a tese de Khandker (1998 apud PASSOS et al., 2002, p.47) parece ter pontos em

comum com a de Hulme e Mosley. Ele defende – para o caso de Bangladesh – que, como os

particiantes dos programas têm baixa qualificação, eles tendem a investir em atividades de

baixo crescimento potencial. Sendo assim, o microcrédito teria poucas possibilidades de reduzir

a pobreza no longo prazo, a não ser que sejam estimuladas atividades com maior crescimento

potencial.

Khandker defende ainda que, ao trabalhar com o núcleo duro da pobreza é necessário

aliar ao microcrédito outras políticas socias, como mecanismos complementares de seguridade

social, capacitação e assistência nas questões relativas à gestão dos empreendimentos. Em

Bangladesh, o IGVGD, apresentado no item 2.2.4, é um exemplo de sucesso na

complementariedade entre a concessão de crédito e políticas mais assistencias, como a

distribuição de cestas de alimentos. A estratégia do programa é distribuir alimentos aos

beneficiários, de forma que eles possam utilizar os empréstimos tomados para investir em

outras atividades que não a subsistência. Dessa forma, o programa obtêm sucesso no

atendimento ao núcleo duro da pobreza.

Os autores citados nesta seção apresentaram visões distintas acerca do papel e do

público-alvo do microcrédito. Esta divergência entre os autores apenas reflete as diferentes

concepções e formas de atuação das próprias IMFs. Na maior parte dos países, ainda existe

espaço no setor microfinanceiro para a convivência pacífica das IMFs com visões distintas.

Quando se trata de políticas públicas relacionadas ao microcrédito, no entanto, o

posicionamento do Estado em relação às concepções descritas acima é fundamental para

definir a forma de interferência governamental no setor microfinanceiro. A seção seguinte trata

deste assunto.

86

2.5 O papel do Estado nos programas de microcrédito

Como já foi mencionado neste capítulo, a participação estatal na concessão de

microcrédito é bastante criticada por grande parte dos autores que trabalham com o assunto.

Para eles, a atuação direta do Estado, ou de suas instituições oficiais, pode prejudicar a

indústria de IMFs já existente, além de estar sujeita a interferências políticas.

As críticas mais contundentes recaem sobre o crédito subsidiado, oferecido por muitos

bancos estatais, especialmente na década de 80. O crédito subsidiado, por ser muito barato

para os clientes, pode minar a indústria existente de microfinanças e ainda se torna

insustentável no longo prazo, devido ao seu alto custo para os governos (ou para os doadores).

Além disso, a falta de um esquema eficiente de recuperação dos empréstimos na maioria dos

programas governamentais torna as taxas de inadimplência destas experiências muito altas.

Com isso, impede-se a criação de uma cultura de crédito nas regiões onde estes programas

são dominantes. As críticas ao modelo de crédito subsidiado se fortaleceram nos anos 90,

quando a importância da sustentabilidade das IMFs se tornou consenso entre muitos autores.

Alguns autores acreditam, entretanto, que a atuação estatal pode ser bem sucedida,

desde que os programas sejam sustentáveis (não subsidiados). Segundo Passos (et al., 2002,

p. 51), “a ação direta do Estado pode ser bem sucedida desde que se sigam as melhores

práticas do setor, visando a sustentabilidade da iniciativa (...) a principal crítica é que essas

experiências tenderiam a ser não-sustentáveis ao longo do tempo”. Como exemplo de iniciativa

estatal bem sucedida, o autor cita o Bank Rakyat Indonesia, o qual trabalha com uma visão

comercial das microfinancas e obtêm níveis de lucratividade satisfatórios.

Hardy, Holden e Prokopenko (2003) possuem visão parecida a este respeito. Para eles,

o suporte às IMFs por parte do Estado ou de doadores é importante, desde que não cause

dependência ou enfraqueça os incentivos à sustentabilidade das IMFs. Os autores sugerem

então algumas formas de suporte. Uma delas é prover apenas uma injeção de capital para

87

cobrir os custos iniciais das instituições. Neste caso, a promessa de que só haverá uma ajuda

financeira inicial deverá ser crível por parte das IMFs, para que os incentivos à auto-

sustentabilidade não sejam afetados.

Outra sugestão dos mesmos autores é a criação de uma central de serviços para

assistir as IMFs em questões específicas, como treinamento, informatização, armazenamento

de informações, etc. Os serviços seriam providos de acordo com as necessidades das

instituições, no sentido de viabilizar sua auto-sustentabilidade.

Há ainda autores que defendem a utilização de crédito subsidiado para cobrir a parcela

do mercado que as IMFs não são capazes de atingir. Segundo Hulme e Mosley,

a atuação do governo de forma subsidiada deve buscar melhorar ou complementar a oferta já existente de serviços de microcrédito, e não substituí-la. (...) o governo poderia atuar atendendo diretamente a públicos ainda não satisfatoriamente atendidos, ou combinando assistência e qualificação ao crédito já existente para o melhor atendimento do ‘núcleo duro’ da pobreza, mais difícil de ser atingido (HULME e MOSLEY, 1996 apud PASSOS et al., 2002, p.59).

Khandker (1998) possui uma visão diferente. Para ele o uso do crédito subsidiado pelo

Estado se justifica quando o programa de microcrédito se mostra uma eficiente política de

combate à pobreza. Mas defende que os subsídios devem se manter em níveis mínimos.

As inúmeras críticas aos programas de crédito subsidiado pelo Estado podem ter

inspirado o surgimento de novas políticas públicas para as microfinanças, com diferentes

objetivos e formas de atuação. Nesse sentido, muitos autores reconhecem a importância dos

programas que buscam incentivar e fortalecer as instituições não governamentais do segmento

microfinanceiro, assim como a criação de marcos regulatórios propícios ao desenvolvimento

deste segmento. Segundo Passos (et al., 2002, p.50), “pouco se critica a participação estatal

no que diz respeito à criação de um cenário institucional adequado ao setor de microfinanças e,

eventualmente na disponibilização de fundos que permitam a operação ou estruturação das

IMFs”.

88

2.5.1 Regulacão e Supervisão das IMFs

O Estado pode ainda influenciar no funcionamento das IMFs por meio da criação de

regras específicas para o setor das microfinanças. Com a regulação, o Estado não só protege

os interesses dos atores envolvidos neste mercado, como também pode criar regras que

favoreçam o desenvolvimento da indústria microfinanceira.

Segundo Christen e Rosemberg (2001), a regulação dos provedores de serviços

financeiros é a criação de regras, por parte dos governos, e a determinação dos padrões de

segurança que devem ser atendidos por estes provedores. Já a supervisão é a fiscalização

sistemática para assegurar que as regras estão sendo obedecidas.

A criação e supervisão de normas específicas para as IMFs pode trazer uma série de

benefícios, tanto para as próprias instituições quanto para seus clientes, podendo ainda

promover o desenvolvimento da indústria de microfinanças como um todo. No entanto, deve-se

avaliar com cuidado a adequação das regras criadas ao perfil das insitituições de cada país. As

práticas relacionadas à regulação das IMFs possuem custos bastante elevados e, dependendo

da maneira como são realizadas, podem interferir negativamente no desenvolvimento do setor

de microfinanças.

Dentre os beneficios da regulação está a proteção aos clientes depositários das IMFs,

por isso, em geral, apenas as instituições reguladas estão aptas a captar depósitos dos seus

clientes. A oferta de serviços de poupança é uma necessidade tanto dos clientes, quanto das

IMFs. De um lado, “as experiências internacionais de microcrédito demonstram que há uma

clara demanda para este tipo de serviço, pois até mesmo os mais pobres têm se mostrado

dispostos a poupar” (PASSOS, et al, 2002, p.51). De outro lado, as poupanças representam

uma fonte segura de funding para as IMFs no longo prazo. Dessa forma, a captação de

depósitos é uma importante ferramenta para a conquista da auto-sustentabilidade.

89

Além disso, como já foi mencionado anteriormente, as instituições reguladas possuem

maior potencial de crescimento, não só porque algumas delas têm permissão para captar

depósitos, mas também porque possuem melhor acesso a investimentos e financiamentos

privados. Nesse sentido, a criação de um marco legal específico e adequado para as IMFs

possui uma estreita relação com a sua sustentabilidade.

Se houver, no entanto, excesso de regulamentações, ou falta de preocupação com a

saúde financeira das IMFs por parte do órgão regulador, o marco legal pode acabar

prejudicando o desenvolvimento da indústria microfinanceira.

Uma das formas de se fazer isso é impondo restrições à criação de inovações. Segundo

Hardy, Holden e Prokopenko (2003) , a regulação, ao proibir ou desincentivar inovações que

não estão previstas no marco regulatório, pode restringir a capacidade das IMFs de fazer

experimentações com novas formas de contratos de empréstimos ou sistemas para atrair

depósitos. Estas experimentações são fundamentais para derrubar as barreiras que impedem o

acesso dos clientes potenciais ao sistema financeiro e, ainda, para que as IMFs encontrem um

meio de se tornarem economicamente viáveis, mesmo com seus altos custos operacionais.

Outro mecanismo que o marco regulatório dispõe para limitar o desenvolvimento das

IMFs é a imposição de limites às taxas de juros. Na tentativa de proteger os tomadores de

crédito de eventuais taxas abusivas, muitos países criaram as chamadas Leis da Usura, que

fixam um teto para as taxas de juros cobradas por certas instituições, dentre as quais

costumam estar as ONGs. Estas Leis da Usura podem ser particularmente prejudiciais à

viabilidade econômica das IMFs, já que, muitas vezes, o teto estabelecido está muito abaixo do

nível necessário para cobrir os custos das instituições.

A restrição às taxas de juros se tornou um problema na Colômbia, onde o Governo, com

a intenção de impulsionar o crescimento da economia, reforçou as restrições e estipulou um

teto de 26% ao ano para as taxas de juros. Com esta taxa, muitas IMFs e ONGs não

90

conseguiam cobrir seus custos. A solução encontrada por uma das financeiras do país, a

FINAMÉRICA foi a sua divisão em duas empresas distintas. Uma que fornece o empréstimo e

cobra as taxas de juros no limite determinado pela lei, e outra que acessa os clientes e cobra

uma taxa de administração (JANSSON, 2000).

Ainda que o marco regulatório não seja repressivo em relação às taxas de juros e tenha

a preocupação de não interferir negativamente no desenvolvimento do setor microfinanceiro,

deve-se ponderar a necessidade de se ter leis específicas para as IMFs, devido aos altos

custos de supervisão e de adaptação a estas leis. No setor microfinanceiro, os custos de

regulação e supervisão são particularmente altos, tanto para os órgãos reguladores, quanto

para as IMFs. Isso acontece porque as IMFs possuem, em geral, uma pequena base de ativos,

um número muito grande de contas de clientes, um alto grau de pulverização das suas

agêncais, e uma natureza trabalho-intensiva de inspeção da carteira de empréstimos

(CHRISTEN e ROSEMBERG, 2001). Além disso, na maior parte dos países, há um grande

número de instituições, cada uma movimentando uma pequena quantidade de recursos.

Assim, cada instituição se depara com o custo de adaptação de suas operações às

exigências da autoridade regulatória, e o regulador enfrenta um alto custo para efetuar a

supervisão de um número, em geral, muito grande de IMFs.

As estimativas revelam que, no primeiro ano, 3% dos ativos das instituições microfinanceiras ficam comprometidos com os requerimentos para regulação. Este custo tende a decair ao longo do tempo, à medida que a instituição se adequa à regulação. Já para as autoridades supervisoras, o custo de fiscalização gira em torno de 1% dos ativos das IMFs (JANSSON, 2000).

Sobre os elevados custos de supervisão, Christen e Rosemberg (2001) citam o exemplo

dos Bancos Rurais27 nas Filipinas. Em 1997, estes bancos representavam 83% das instituições

supervisionadas pelo Banco Central das Filipinas, mas possuíam apenas 2% dos ativos. A

supervisão destes bancos consumia uma parcela muito grande dos recursos financeiros e 27 Apesar de serem chamados de Bancos Rurais, estes bancos podem ser encontrados tanto nas áreas urbanas quanto nas rurais.

91

humanos do Banco Central e, ainda assim, o nível de recursos era insuficiente para realizar tal

função. A solução encontrada pelo Banco Central das Filipinas foi o aumento do capital mínimo

necessário para constituir um Banco Rural28. Segundo os autores, a experiência das Filipinas

mostrou que o capital mínimo estipulado para estas instituições deve ser relativamente alto, de

forma a promover maior estabilidade na indústria e racionalizar as demandas sobre a

autoridade monetária.

A regulação e supervisão é uma condição necessária para que as IMFs possam

apresentar crescimento expressivo e se inserir nos sistemas financeiros dos países onde

atuam. No entanto, é necessário considerar os custos acarretados por estas atividades, assim

como a capacidade das IMFs e da autoridade regulatória para assumir tais custos.

Christen e Rosemberg (2001, p.4), “acreditam fortemente que o futuro das

microfinanças está em um cenário regulado, porque apenas desta forma será possível a

provisão de serviços financeiros ao pobres de forma massiva e sustentável”. É importante

ponderar, no entanto, o momento em que o marco regulatório deve ser estabelecido, assim

como as expectativas que se criam com isso. A história tem mostrado que as inovações

desenvolvidas até hoje só foram possíveis pela ausência de regras rígidas e pela flexibilidade

de que as ONGs dispunham.

Portanto, ao se considerar a criação de um marco regulatório, é necessário ponderar os

custos e benefícios provenientes das regras criadas, assim como o estágio de desenvolvimento

da indústria de microfinanças em cada país ou região específica. As IMFs precisam estar

preparadas para assumir os custos, e as regras devem ser desenvolvidas de forma a onerá-las

o mínimo possível.

A atuação estatal, seja por meio de concessão direta de crédito, seja por meio da

regulação e supervisão, deve ser cuidadosamente delineada para não prejudicar o

28 O capital mínimo estipulado pelo Banco Central passaou a ser de US$100.000 a US$1.000.000, de acordo com o tamanho do município no qual o banco era localizado.

92

desenvolvimento do setor microfinanceiro. Este capítulo buscou mostrar as formas pelas quais

o Estado vem atuando neste setor, assim como expor os principais pontos do debate acerca

das funções e objetivos do microcrédito. No próximo capítulo, pretende-se analisar as políticas

públicas brasileiras relacionadas ao microcrédito, assim como mostrar um panorama deste

setor no Brasil.

93

Capítulo 3 – Microcrédito e Políticas Públicas de Geração de Emprego e Renda: a experiência brasileira

3.1 Introdução

A implantação do microcrédito no Brasil é, em geral, dividida em três estágios.O

primeiro estágio abrange o surgimento das ONGs privadas de microcrédito, as quais

começaram a atuar em certas localidades desde os anos 70, com o apoio de órgãos técnicos e

financiadores internacionais. O segundo estágio se iniciou nos anos 90, especialmente a partir

de 1995, quando começaram a aparecer em maior escala as iniciativas públicas e as parcerias

do poder público com a sociedade civil. Já o terceiro estágio foi marcado pela criação das

Sociedades de Crédito ao Microempreendedor (SCMs), no fim da década de 90, tornando o

microcrédito um novo nicho do mercado financeiro (GUIMARÃES e MEZZERA, 2003).

Os primeiros programas de microcrédito brasileiros surgiram com o apoio, técnico e

financeiro, de organizações internacionais, sendo que o marco inicial foi dado, em 1973, em

Recife, pela criação da União Nordestina de Assistência a Pequenas Organizações, conhecida

como o Programa UNO, o qual era especializado na concessão de crédito a na capacitação

dos microempreendedores de baixa renda, especialmente aqueles do setor informal. Este

programa era apoiado pela ACCIÓN International, organização responsável não só pela

inicativa como pela assistência técnica.

O Programa UNO foi o primeiro a utilizar a metodologia do microcrédito no Brasil. A

despeito de sua descontinuidade – o UNO foi encerrado em 1991 – este programa é de

fundamental importância para o microcrédito no Brasil, pois introduziu conceitos e práticas

antes inéditos no país, se tornando referência para o surgimento de experiências similares em

toda América Latina.

94

Dos programas criados nesta primeira fase, dois se destacam pelo fato de que

sobrevivem até hoje: a Rede CEAPE (Centro de Apoio aos Pequenos Empreendimentos),

também ligada à ACCIÓN Internacional, e o Banco da Mulher. Os dois programas possuem

em comum o fato de se organizarem em redes, o que possivelmente foi fator decisivo para a

sua continuidade.

O primeiro CEAPE foi criado em 1987 no Rio Grande do Sul (RS), promovido por uma

parceria entre o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e a ACCIÓN International,

com aporte de recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da Inter-

American Foundation (IAF). A Rede CEAPE foi constituída em 1990, ano em que a

metodologia adotada no CEAPE-RS foi estendida para outros estados brasileiros29. Neste

mesmo ano, foi criada a Federação de Apoio aos Microempreendedores (FENAPE), com o

intuito de coordenar a expansão da Rede CEAPE e oferecer assistência técnica para as

entidades.

Os CEAPEs, a exemplo do Programa UNO, visam apoiar aos microempreendedres de

baixa renda por meio do crédito e da capacitação. A principal inovação metodológica que esta

Rede promoveu foi a introdução do sistema de aval solidário no Brasil.

A Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Mulher, conhecida como Banco da

Mulher, foi fundada em 1984 no Rio de Janeiro, com o intuito de financiar e criar mecanismos

para o desenvolvimento profissional de microempreendedores formais e informais, sempre

dando preferência às mulheres. A Rede Banco da Mulher é composta, atualmente, por sete

organizações, presentes em seis estados: Bahia, Paraná, Rio Grande do Sul (em Pelotas e

Caxias do Sul), Amazonas, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Para se constituir, a Rede contou

com o apoio do BID e da UNICEF, e hoje o Banco da Mulher conta com uma série de

29 Em 1989 foram criados os CEAPEs do Maranhão e do Rio Grande do Norte. A partir dos anos 90,os estados de Pernambuco, Sergipe e Distrito Federal, Paraíba, Goiás, Pará, Bahia, Piauí, Espírito Santo e São Paulo também ganharam CEAPEs.

95

parceiros, dentre os quais o BNDES e o próprio BID, além de receber apoio de diversas

empresas privadas.

No fim da década de 80, havia, no Brasil, cerca de 10 a 15 instituições operando

microcrédito. O movimento caracterizado pelo surgimento das sociedades civis sem fins

lucrativos – sob a forma de ONGs – para atuar na concessão de microcréditos prosseguiu até o

início dos anos 90. Assim como nos outros países da América Latina, as ONGs foram as

responsáveis por introduzir os métodos modernos de microcrédito no Brasil (GUIMARÃES E

MEZZERA, 2003, p.65).

Os anos 90 representaram a fase de maior expansão do microcrédito no Brasil, em

parte, como conseqüência da atuação mais marcante do poder público brasileiro neste setor.

Uma das principais formas de atuação estatal é a parceria dos governos municiapais e

estaduais com organizações da sociedade civil, para viabilizar a criação de ONGs de

microcrédito.

A pioneira nesta prática é a Instituição Comunitária de Crédito Portosol, que surgiu em

1995 a partir da parceria entre a Prefeitura de Porto Alegre, o Governo do Estado do Rio

Grande do Sul e a sociedade civil, com o apoio técnico da agência internacional German

Technical Corporation (GTZ).

Por ter sido criada em parceria com o Estado, a Portosol é considerada uma

organização mista. Em seu Conselho de Administração, estão presentes representantes dos

governos estadual e municipal e da sociedade civil. Para iniciar suas operações, na área

metropolitana de Porto Alegre, a Portosol contou com o apoio financeiro do Governo do Estado,

da GTZ e da IAF, que juntos somaram R$ 1,5 milhão de reais. Alguns anos depois, o BNDES e

o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Rio Grande do Sul

(SEBRAE/RS) ofereceram financiamentos, com condições especiais, para a constituição do

fundo de crédito da instituição.

96

O modelo de organização mista, no qual a Portosol foi pioneira, foi seguido por mais de

20 organizações de microcrédito no Brasil. Dentre as de maior visibilidade está a Blusol, criada

em 1997, em Santa Catarina, por iniciativa da Prefeitura de Blumenau, em parceria com a

sociedade civil.

Ainda em meados da década de 90, a prática das parcerias atraiu organizações

privadas, resultando na criação de IMFs a partir da parceria entre setor privado e sociedade

civil. O exemplo mais expressivo é o da VivaCred, que surgiu na favela da Rocinha, em 1996,

por iniciativa da ONG Viva Rio, e começou a consolidar suas operações em 1997, por meio de

uma parceria operacional com a Fininvest, uma financeira de origem privada e com fins

lucrativos.

Além das parcerias mencionadas acima, surgiram, no fim dos anos 90, iniciativas de

controle exclusivo dos governos estaduais e municipais, voltadas para a oferta direta de crédito

subsidiado à população de baixa renda. Estas experiências foram, em geral, chamadas de

Bancos do Povo. O pioneiro nesta prática foi o Banco do Povo do Estado de São Paulo, cujo

exemplo foi seguindo por diversos estados e municípios.

O Banco do Povo do Estado de São Paulo foi criado, em 1998, por meio do projeto da

Secretaria do Trabalho do Governo do Estado de São Paulo. O Banco possui uma carteira de

crédito composta exclusivamente por recursos estatais, e cobra de seus clientes uma taxa de

juros, altamente subsidiada, de 1% ao mês30 (GUIMARÃES e MEZZERA, 2003).

Seguindo o exemplo do Estado de São Paulo, diversos estados e municípios

constituíram projetos semelhantes. Alguns dos exemplos mais expressivos são o Banco do

Povo de Santo André, o Programa de Microcrédito do Estado da Bahia e o Banco do Povo de

Juiz de Fora. Este último se diferencia dos outros pela sua busca por sustentabilidade

financeira.

30 Atualmente este Banco é chamado de Banco do Povo Paulista, sendo que 90% de seu capital é composto por recursos do Estado e 10% por recursos do município de São Paulo.

97

Outra forma de atuação do Estado sobre a indústria microfinanceira é participação dos

bancos de desenvolvimento regionais no microcrédito. Nesse sentido, um dos maiores

destaques é o Programa Crediamigo, desenvolvido pelo Banco do Nordeste (BNB), um banco

de desenvolvimento estatal. Em 1998, ano de fundação do programa, foram criados,

exclusivamente para este fim, uma nova divisão e um fundo específico, formado, inicialmente,

com recursos do Banco Mundial.

O Crediamigo é considerado o maior programa de microcrédito brasileiro31, com uma

carteira de mais de 200.000 clientes ativos. Apesar de ser executado por um banco estatal, o

programa não trabalha com taxas de juros subsidiadas. Ao contrário, cobra as taxas

necessárias para cobrir seus custos financeiros e operacionais.

No que se refere aos programas de abrangência nacional, ainda em meados dos anos

90, surgiram os dois grandes programas voltados para a geração de trabalho e renda por meio

da concessão de crédito aos micro e pequenos empreendedores. De um lado o Ministério de

Trabalho e Emprego (MTE) implementou o Programa de Geração de Emprego e Renda

(PROGER), voltado para a concessão de crédito aos micro e pequenos empreendedores. Os

recursos para a realização deste programa são provenientes do FAT e a operacionalização é

feita por meio de determinados bancos públicos.

De outro lado, em 1996, foi criado o BNDES Microfinanças, que englobava o Programa

de Desenvolvimento Institucional (PDI) e o Programa de Crédito Produtivo Popular (PCPP),

com uma forma de atuação e uma concepção acerca do microcrédito bastante distintos em

relação ao PROGER. O BNDES tinha o objetivo de fortalecer o mercado das microfinanças no

Brasil. Para isso, oferecia financiamentos para as IMFs a taxas de juros reduzidas, os quais

podiam ser utilizados para compor o funding das instituições ou para o seu desenvolvimento

institucional. O Programa incluía, ainda, uma série de ações voltadas para o fortalecimento e

31 O Crediamigo é considerado o maior programa dentre aqueles que atuam na concessão direta de microcrédito, se utilizando das tecnologias financeiras desenvolvidas pelas IMFs, descritas no capítulo 2.

98

difusão da cultura do microcrédito sustentável no Brasil, além de articulações com diversos

atores para a constituição de um marco regulatório favorável ao desenvolvimento das

microfinanças.

Uma das alterações no marco legal brasileiro, resultante das articulações de alguns

atores – dentre os quais o BNDES – com o Banco Central (BC), foi a criação das SCMs, em

1999. Estas são caracterizadas como Sociedades com fins lucrativos, reguladas pelo BC e

voltadas para a oferta de crédito produtivo aos microempreendedores. A criação das SCMs

marca a terceira fase de implemtentação do microcrédito no Brasil, na qual o setor privado

ganha papel relevante no microcrédito, sendo considerado por muitos autores como o “único

capaz de atender à enorme massa de clientes e demandas, com lucro, no médio e longo prazo”

(GUIMARÃES E MEZZERA, 2003, p.9).

Verifica-se, portanto, a partir de meados dos anos 90, uma atuação mais forte do poder

público no sentido de expandir a oferta de crédito aos micro e pequenos empreendedores

brasileiros. Segundo Guimarães e Mezzera (2003, p.65),

Esse quadro revela a ascenção do microcrédito à condição de política pública, que se não foi estruturada como tal passa ao menos a integrar as ações governamentais de combate à pobreza e ao desemprego, incorporando-se ao universo das políticas sociais brasileiras.

Diante disso, as seções seguintes buscam analisar dois dos grandes programas

nacionais voltados para o crédito aos micro e pequenos empreendedores – BNDES

Microfinanças e PROGER – expondo as suas diferentes linhas de atuação e os resultados

obtidos, buscando explorar em que medida eles contribuíram para o aperfeiçoamento das

Políticas Públicas de Emprego (PPEs) no Brasil.

A escolha destes dois programas se justifica não só pelo fato de que atuam em âmbito

nacional, mas também por outros fatores. No caso do PROGER, é importante destacar sua

relevância para as PPEs brasileiras, especialmente pelo fato de que foi criado pelo Codefat, no

âmbito das políticas públicas organizadas a partir do surgimento do FAT, em 1990. Já o

99

BNDES Microfinanças se destaca por sua abrangência, no sentido que busca atender as

necessidades das IMFs de uma forma integrada – fornecendo financiamento e realizando

ações de desenvolvimento institucional – visando criar as condições necessárias para o

desenvolvimento de um mercado de microfinanças no país.

3.2 Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER)

O PROGER foi criado em março de 1994, por meio da Resolução no 59 do Codefat,

com a finalidade gerar emprego e renda por meio da

“concessão de linhas especiais de crédito a setores da sociedade brasileira tradicionalmente com pouco ou nenhum acesso ao sistema financeiro, associadas a ações de capacitação, assistência técnica e acompanhamento aos empreendimentos financiados” (IBASE, 1999b, p.10).

O Programa foi implementado em 1995, sendo o seu público-alvo composto pelas micro

e pequenas empresas, empreendimentos associativos, projetos de desenvolvimento municipal

e iniciativas próprias do setor informal. Neste mesmo ano, o Codefat autorizou aplicações de

recursos para a criação de mais dois programas de crédito rural, o Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e o PROGER Rural. O objetivo deste

trabalho é tratar apenas do crédito urbano, por isso os dois programas mencionados acima não

serão analisados aqui.

No momento da criação do PROGER32, o MTE enumerou os seus três objetivos

básicos33: a) estimular a geração de emprego e renda, mediante criação de novas unidades

produtivas e fomento das unidades já existentes; b) incentivar a organização dos

empreendimentos informais, de modo a prepará-los para o ingresso no setor formal da

32 O termo PROGER neste trabalho, será referente apenas ao PROGER Urbano, excluindo desta denominação o PROGER Rural e o PRONAF. 33 www.mte.gov.br

100

economia. Esses empreendimentos deveriam ter por base a auto-ocupação ou pequenos

negócios domiciliares; e c) propiciar a auto-sustentabilidade dos empreendimentos financiados,

mediante promoção de programas integrados de capacitação técnico-gerencial, de qualificação

profissional e assistência técnica aos beneficiários.

A coordenação e acompanhamento dos Programas de Geração de Emprego e Renda é

função do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), e a sua implementação deveria ser feita de

forma descentralizada, pelos poderes estadual e municipal, com participação da sociedade

civil. Para operacionalizar essa participação, o PROGER exigia a criação de Comissões de

Emprego (CEs) estaduais e municipais, órgãos colegiados formados por representantes dos

trabalhadores, dos empresários e do governo.

O MTE (2006) descreveu as competências dessas Comissões da seguinte forma:

Às Comissões Estaduais de Emprego compete consubstanciar a participação da sociedade civil organizada na constituição de um Sistema Público de Emprego no País. Compete precipuamente às Comissões o acompanhamento das ações executadas descentraIizadamente por parte do poder público estadual e municipal, financiadas com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT. No caso do PROGER, a definição das prioridades e o acompanhamento dos financiamentos contratados conferem transparência na implementação do Programa e permite a identificação de necessidades e potencialidades locais, direcionando os recursos para atividades produtivas que gerem emprego e renda e dinamizem a economia regional.

Tais comissões deveriam ser o canal de participação e controle social, e por meio delas

que se fiscalizava e acompanhava a aplicação dos recursos do FAT. Dessa forma, os atores

locais envolvidos teriam voz ativa na implementação do PROGER, e poder de adaptar o

programa às características e necessidades de cada localidade. Na prática, entretanto, a

participação das CEs deixou a desejar na maior parte das regiões em que o programa foi

implementado.

101

No tocante aos recursos utlizados para a execução do PROGER, o Codefat determinou

que os recursos excedentes à reserva mínima de liquidez34 do FAT seriam alocados para os

agentes financeiros conveniados, sob a forma de depósitos especiais. Estes depósitos

compunham o funding para a realização dos empréstimos ligados ao programa. Os agentes

financeiros são o Banco do Brasil (BB), o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), este último

atuando apenas no Nordeste e no norte de Minas Gerais, o BNDES35, a Caixa Econômica

Federal (CEF) e o Banco da Amazônia, incorporado apenas em 2003.

Os agentes financeiros apresentaram resultados bastante distintos entre si. Enquanto o

Banco do Nordeste mostrou um desempenho satisfatório, outras instituições se distanciaram

dos objetivos do PROGER. O bom desempenho do Banco do Nordeste pode estar relacionado

com a sua forma de atuação, mais ágil e atuando em parceira com os governos estaduais e

municipais, as comissões de emprego e instituições não-governamentais (AZEREDO, 1998,

p.146).

No período entre 1995 e 1998, o BNB, apesar de atender a uma região

significativamente menor que os outros agentes financeiros, foi responsável por mais de 70%

das operações do PROGER, enquanto BB e CEF responderam, respecitvamente, por 19% e

8,2% do total de operações. No que se refere aos recursos aplicados, o BNB foi responsável

por 61%, enquanto o BB aplicou 30.9% dos recursos. A diferença entre os percentuais de

quantidade de operações e recursos alocados é explicada pelo fato de que os empréstimos do

BNB tinham valores médios mais baixos que os do BB.

34 A Reserva Mínima de Liquidez é o valor que deve ser mantido em títulos do Tesouro Nacional no extramercado, de forma a garantir, a grosso modo, o pagamento do benefício do seguro-desemprego e abono salarial por seis meses (www.mte.gov.br). 35 Os recursos alocados no BNDES não foram destinados ao PROGER Urbano. Parte dos recursos foi para o PRONAF, e outra parte foi desitnada ao Programa de Crédito Produtivo Popular.

102

Gráfico 3.1

Participação dos agentes financeiros (1995-1998)

19.0%

72.8%

8.2%

30.9%

60.6%

8.5%

0.0% 10.0% 20.0% 30.0% 40.0% 50.0% 60.0% 70.0% 80.0%

BB

BNB

CEF

Quantidade de operações contratadas Recursos aplicados

Para definir a distribuição de recursos entre os estados, não há critérios previamente

estipulados. Segundo o IBASE (1999b), os critérios costumam ser apenas a vontade política e

a participação. Dessa forma, verifica-se uma acentuada desigualdade regional quanto aos

recursos aplicados no PROGER.

A grande participação BNB na aplicação de recursos e no número de operações é um

dos fatores que conferiram à região Nordeste o maior peso dentre as regiões brasileiras na

alocação dos recursos do PROGER. Em 1999, esta região recebia 54% dos recursos aplicados

no programa.

Fonte: IBASE, 1999a

103

Gráfico 3.2

Distribuição Regional dos recursos aplicados no PROGER Urbano

(1999)

54%

18%

24%

3%

1%

NordesteSul Sudeste Centro-OesteNorte

Os recursos totais aplicados no PROGER, de 1995 até o final de 2001, eram da ordem

de R$ 3,56 bilhões, contratados em cerca de 484,5 mil operações de crédito. Em 2002, foram

realizadas 109,4 mil operações, mas a partir de 2003 verifcou-se um acentuado crescimento do

número de operações. Só neste ano foram realizadas 470,2 mil operações, sendo que este

número mais do que triplicou no ano seguinte, alcançando 1.570,2 mil operações.

No período entre 1995 e 2001, o número de operações apresentou crescimento

sistemático. Merece destaque, no entanto, o ano de 2000, quando este número quase

quadruplicou em relação ao ano anterior. Entre 1995 e 1999, o número médio de operações

era cerca de 40 mil, e em 2000 foram registradas cerca de 185 mil operações (COSTANZI e

PASSOS, 2002).

Este elevado crescimento, observado em 2000, pode ser explicado, em parte, pela

criação, em 1999, do Fundo de Aval do Programa de Geração de Emprego e Renda

(FUNPROGER), um fundo a ser gerido pelo BB, utilizado para garantir parte dos riscos do

financiamento concedido pelas instituições financeiras federais no âmbito do PROGER. Com

isso, os agentes financeiros puderam reduzir a exigência de garantias reais.

Fonte: www.mte.gov.br

104

Entre 1995 a 2001, a relação entre o valor total aplicado e o número de operações

contratadas resultou em um empréstimo médio por operação de R$7.345 reais (ANSILIERO et

al., 2002, p.39). Tal valor, apesar de apresentar uma leve tendência de queda, ainda é bastante

alto, dados os objetivos e público-alvo do PROGER. O gráfico a seguir mostra a evolução dos

valores médios por operação de 1997 a 2001.

Gráfico 3.3

Valor médio das operações do PROGER Urbano

Os altos valores médios dos empréstimos podem ser explicados, em parte, pelo fato de

que, até a criação do FUNPROGER, todo o risco operacional dos créditos concedidos devia ser

respondido pelos agentes financeiros, ou seja, a inadimplência das operações afetava apenas

os bancos públicos, mantendo o FAT protegido. Este fato reduzia o poder do MTE na execução

Programa e fazia com que os bancos, para se proteger da inadimplência, exijissem garantias

reais dos beneficiários (COSTANZI e PASSOS, 2002). Tal exigência pode ter sido um dos

fatores reponsáveis pela exclusão da população de renda mais baixa do acesso ao crédito

concedido pelo PROGER.

Fonte: Ansiliero et al., 2002

105

Apesar disso, entre 1997 e 2000, verifica-se uma queda progressiva nos valores médios

das operações. Segundo Ansiliero (et al., 2002) este fato pode ser atribuído à queda da

participação das pessoas jurídicas, representadas pelas micro e pequenas empresas, entre os

beneficiários do PROGER. Como mostra o gráfico acima, este público realiza operações com

maiores valores. Segundo os mesmos autores, a participação das micro e pequenas empresas

caiu de 40,3%, em 1995, para 16,5%, em 2001. Com isso, os trabalhadores do setor informal –

representados no gráfico acima pelas pessoas físicas – passaram a ser predominantes entre

os beneficiários do PROGER, reduzindo os valores médios das operações contratadas.

No período entre 2001 e 2006, os valores médios dos empréstimos caíram de forma

significativa e o número de operações cresceu em um ritmo bastante acelerado (tabela 3.1).

Isto pode ser resultado, em parte, das mudanças realizadas no programa em 2002, as quais

possibilitaram que os créditos concedidos pelo PROGER fossem utilizados também para

capital de giro. Esta mudança pode ter contribuído para o grande aumento no número de

operações e a redução do valor médio por operação.

Em julho de 2002, foi criada uma linha de financiamento para o capital de giro voltada

para as micro e pequenas empresas formais. Até 2002, os financiamentos adquiridos no âmbito

do PROGER não podiam ser utilizados exclusivamente para capital de giro, era necessária a

realização de algum tipo de investimento com o crédito obtido. Esta, ao lado da exigência de

garantias reais, era considerada uma das maiores restrições do programa. Segundo o IBASE

(1999b), em alguns casos a restrição ao capital de giro limita mais o acesso ao crédito do que a

falta de garantias reais a oferecer.

Além disso, ainda em julho de 2002, foi criado – no âmbito dos programas de geração

de trabalho e renda – o FAT-Empreendedor Popular, com o intuito de atender os

empreendedores autônomos e o setor informal. Este programa incorporou a linha de

investimento voltada para o setor informal, que já existia no âmbito do PROGER, e criou uma

linha de crédito para capital de giro. Dessa forma, o PROGER passaria a atender apenas as

106

micro e pequenas empresas do setor formal e o FAT-Empreendedor Popular atenderia o setor

informal. No âmbito deste último programa, o Codefat autorizou a alocação de R$1 bilhão para

as instituições financeiras oficiais, na forma de depósitos especiais. Estes recursos poderiam

ser repassados a Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), SCMs e

cooperativas, transformando as instituições financeiras oficiais conveniadas em bancos de

segunda linha para as IMFs.

A tabela a seguir descreve a evolução de ambos os programas, no que se refere ao

número de operações, os recursos aplicados e os valores médios por operação até o início de

2006.

Tabela 3.1 - PROGER Urbano e FAT-Empreendedor Popular: recursos aplicados e quantidade de operações (1995-2006)

1995-2002 2003 2004 2005

2006 (Jan- Mai)

Média (1995-2006)

Quant. de operações

593.539

470.199

1.571.269

2.319.155

999.589

1.190.750

Valor (mil)

4.589.867

2.199.910

4.387.230

6.438.666

2.886.746 4.100.484 PROGER

Valor médio por operação 7.733 4.679 2.792 2.776 2.888

4.174

Quant. de operações 14.060 110.854 108.520 6.116 2.270

48.364

Valor (mil) 62.956 289.676 130.253 31.231 12.432 105.310

FAT -Empreendedor Popular

Valor médio por operação 4.478 2.613 1.200 5.106 5.477

3.775

A partir de 2002, verifcou-se um elevadíssimo crescimento das operacões realizadas no

âmbito do PROGER. É importante destacar também, neste mesmo programa, a significativa

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego - MTE

107

redução do valor médio dos empréstimos, os quais, em 2005 e 2006, ficaram abaixo daqueles

verificados no programa FAT-Empreendedor Popular. Este fato é contraditório com o propósito

da criação do FAT-Empreendedor Popular, o qual foi destinado a atender os empreendedroes

do setor informal, em geral, de renda mais baixa.

Os resultados obtidos com os programas de geração de trabalho e renda foram

auferidos, basicamente, por meio de duas avaliações. Na primeira avaliação o MTE contratou o

Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), o qual apurou os resultados

obtidos entre 1995 e 199836. A segunda avaliação foi realizada internamente pela Coordenação

Geral de Empregos (CGEM), do próprio MTE. Não foram realizadas, portanto, avaliações mais

recentes destes programas, o que impede a verificação dos resultados obtidos com a

implementação do FAT-Empreendedor Popular e as demais modificações realizadas em Julho

de 2002. Algumas das conclusões a que chegaram os estudos do IBASE e do CGEM serão

apresentadas a seguir.

No período analisado pelo IBASE, os créditos concedidos no âmbito do PROGER eram

divididos entre as micro e pequenas empresas do setor formal, que ficaram com 50,3% dos

empréstimos, e os empreendimentos do setor informal, que obtiveram 43,6%. A maior parte

dos financiamentos – 60% – foi utilizada para a compra de máquinas e equipamentos, 47% dos

beneficiários criaram novos estabelecimentos.

36 A pesquisa do IBASE foi efetuada em 8 estados – Bahia, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Rio e Janeiro, Rondônia, Rio Grande do Sul – e na Região Metropolitana de São Paulo.

108

Gráfico 3.4

Quantidade de operações de crédito por público-alvo (1995-1998)

50.30%43.60%

3.70%

1.30%

1.10%

MPEs

Informais

Recém-formados

Municípios (a)

não identif icado

Um fato curioso quando se considera os empreendedores beneficiados pelo PROGER é

que este público apresenta tendências opostas ao conjunto da população brasileira. Os dados

de escolaridade e classes de consumo exemplificam este fato. O nível de escolaridade dos

participantes do programa está muito acima da média do país: mais de 20% possuíam curso

superior e 33% completaram o 2º grau. Além disso, mais e 44% dos beneficiários perteciam às

classes de consumo A e B (IBASE, 1999b).

O público descrito acima corresponde aos donos dos empreendimentos financiados.

Muitos deles já possuíam empregos antes de receber o crédito. Em Minas Gerais, por exemplo,

30,11% dos beneficiários trabalhavam em empresas privadas, 13,92% em empresas públicas e

28,6% eram trabalhadores autônomos. Apenas 1,29% não possuía emprego (IBASE, 1999b).

Ainda assim, a criação de empregos com o PROGER não foi insignificante. Isso ocorreu, em

parte, porque os empreendimentos financiados passaram a gerar mais postos de trabalho após

o recebimento dos créditos.

Segundo as estimativas do IBASE (1999b), o PROGER foi responsável, entre 1995 e

1998, pela criação de mais de 100 mil postos de trabalho. A média do multiplicador de

ocupações geradas por operação de crédito nas regiões pesquisadas foi de 2,02. Além disso, o

Fonte: IBASE, 1999a

109

programa foi responsável pela manutenção de cerca de 180 mil opcupações, sendo que o

multiplicador de ocupações mantidas por opração de crédito foi de 5,62. O financiamento

necessário para manter uma ocupação – R$ 2.550 – foi significativamente menor que aquele

necessário para criar um novo posto de trabalho – R$ 7,1 mil.

O perfil das novas ocupações foi resumido pelo IBASE da seguinte forma: 58% eram

homens, quase 60% recebem até três salários mínimos e os índices de escolaridade eram

muito baixos, 48% eram apenas alfabetizados, ou analfabetos. Estes dados mostram a

dissiparidade entre o perfil dos beneficiários do PROGER e o perfil das ocupações geradas,

estas últimas se mostraram coincidentes com os segmentos mais vulneraveis da PEA. O

gráfico abaixo mostra o perfil salarial das ocupações geradas em cada um dos estados.

Gráfico 3.5

Segundo avaliação da CGEM, que buscava verificar o impacto do PROGER sobre os

empregos formais, as MPEs apoiadas pelo programa apresentaram, após o financiamento,

incremento de 18,1% no estoque de empregados com carteira assinada. Ainda de acordo com

o mesmo estudo, os empreendimentos formais apoiados pelo programa apresentaram

NÍVEL SALARIAL DAS NOVAS OCUPAÇÕES

0,0%

20,0%

40,0%

60,0%

0 a 1SM 1 a 2SM 2 a 3SM 3 a 5 SM Mais de 5SM

RMSP

CE

BA

RO

RS

PR

MG

RJ

GO

GERAL

Fonte: IBASE, 1999a

110

aumentos de 36,2% na geração de postos de trabalho durante os seis meses após o crédito,

em comparação com os seis meses anteriores. O estudo também mostrou que houve

sustentabilidade dos empregos gerados, pois mesmo três anos após o crédito ainda ocorreu

geração de empregos (Ansiliero et al., 2002).

Segundo a avaliação do IBASE, a maior parte dos empregos gerados até 1998 (40,2%)

eram formais. A tabela a seguir mostra como foi dividida a geração de ocupações entre as

diferentes categorias, entre 1995 a 1998.

Tabela 3.2 - Geração de novas ocupações com o PROGER

Categoria Total de novas ocupações %

Assalariados Permanentes c/ carteira 40.452 40,2

Assalariados Permanentes s/ carteira 14.763 14,7

Assalariados Temporários 24.401 24,2

Familiares Não Remunerados 8.607 8,5

Sócios 12.470 12,4

Verificou-se, ainda, o aumento de renda dos beneficiários do programa. Segundo as

estimativas do IBASE, a renda média dos beneficiários do programa aumentou 18% após os

financiamentos. Este resultado é especialmente importante para cerca de 65,7% dos

beneficiários, os quais têm a atividade financiada pelo PROGER como sua única fonte de

renda.

Quando se trata das taxas de inadimplência do PROGER, os resultados não são

positivos, a média nacional, calculada pelo IBASE, ficou em 8,65% entre 1995 e 1998. Os altos

índices de inadimplência podem ser, em parte, resultado das práticas bancárias inadequadas

Fonte: IBASE, 1999a

111

ao perfil do público-alvo do PROGER. Os agentes financeiros, em geral, não modificaram sua

rotina operacional. A respeito da inadequação do BB ao programa, em seus primeiros anos de

funcionamento,

sua atitude pode ser comprovada pelo fato de que apenas adaptou linhas de crédito já existentes às condições determinadas pelo Codefat, alimentando-as com recursos do FAT, sem modificar radicalmente sua filosofia de ação em termos de garantias exigidas, tetos de financiamento e agilidade na prestação de serviços (AZEREDO, 1998, p.236).

Dessa forma, para que o programa esteja mais adequado às necessidades de seu

público-alvo, seria necessário uma revisão na forma de atuação dos agentes financeiros e,

talvez, a adoção das tecnologias financeiras utilizadas nas instituições de microcrédito. A

convivência com altas taxas de inadimplência é prejudicial para o desenvolvimento e difusão de

uma cultura de crédito no país.

Além disso, segundo o IBASE (1999b, p.34), “a falta de viabilidade e sustentabilidade

econômica dos negócios financiados é um dos principais motivos da inadimplência”. Nesse

sentido, um programa adequado de capacitação para os empreendedores poderia aumentar as

chances de sucesso dos seus empreendimentos.

A capacitação – que constava entre os objetivos iniciais do PROGER e é considerada

um fator fundamental para o sucesso dos empreendimentos – se constitui em uma das maiores

fragilidades do Programa. Diferentemente das intenções anunciadas pelo Codefat na criação

do PROGER, até 1999, apenas 23% dos beneficiários haviam se submetido a algum tipo de

capacitação.

Uma das razões para este fato é a falta de articulação do programa com os atores

locais, os quais, normalmente, possuem melhores condições para realizar ações de

capacitação. Em geral, não houve envolvimento dos governos estaduais e municipais, ou até

mesmo de instituições não-governamentais no PROGER.

112

O caso do Ceará representa uma exceção a este quadro. Neste estado, 40% dos

beneficiários realizaram algum tipo de capacitação, este resultado se deve, principalmente, aos

incentivos à capacitação e à atuação mais proativa do BNB.

A implementação descentralizada e as Comissões de Emprego foram desenvolvidas

com o intuito de favorecer a participação da sociedade civil e das diferentes instâncias

governamentais na execução do programa. No entanto, as experiências de articulação entre os

atores locais e o envolvimento das CEs em prol dos objetivos do programa foram pontuais.

Nesse sentido, merece destaque o caso do município de Estrela37, o qual representa

um exemplo de como as Comissões de Emprego podem tornar o programa mais efetivo. A

Comissão de Municipal de Emprego de Estrela realiza um trabalho com os candidatos ao

crédito, informando-os a respeito das condições dos empréstimos e pré-selecionando os

pretendentes. Após o financiamento a comissão visita os empreendimentos para acompanhar e

checar o número de empregos gerados. O resultado disso é que em Estrela não se verificam

os principais problemas do PROGER, como inadimplência, falta de participação dos atores, etc.

(IBASE, 1999b).

A experiência de Estrela mostra a importância das CEs na implementação do programa

em cada uma das localidades. A atuação em parceria das comissões de emprego com os

agentes financeiros, por exemplo, poderia alertar tais agentes para a necessidade de mudança

nas suas práticas operacionais, e, dessa forma, diferenciar as operações de crédito do

PROGER das operações tradicionais. Em parceria com as CEs, os bancos poderiam

desenvolver, como recomenda o IBASE (1999b, p.84), “formas mais inovadoras e solidárias de

garantias, com o envolvimento dos beneficiários”.

Por um lado, o PROGER cumpriu o seu papel de democratização do crédito ao permitir

que 78% de seus beneficiários tivessem sua primeira experiência de empréstimo com o

37 Estrela fica no Estado do Rio Grande do Sul, possui 195Km2 de extensão e uma população de cerca de 30.000 habitantes.

113

programa. Por outro lado, como já foi mencionado, a adoção de práticas inadequadas por parte

dos agentes financeiros, como a exigência de garantias reais, dificultava o acesso ao programa

e excluia os empreendedores de renda mais baixa.

3.3 BNDES Microfinanças

Com uma metodologia distinta daquela utilizada pelo PROGER, o BNDES criou, em

1996, o BNDES Microfinanças, o qual visava o fortalecimento e o desenvolvimento institucional

das IMFs, como forma de garantir uma oferta permanente de crédito para o

microempreendedores. Para isso era necessário atrair investidores para as IMFs, o que seria

possível por meio da criação e consolidação de um mercado regulado de microfinanças no

Brasil, formado tanto pelas instituições com fins lucrativos – como as SCMs – quanto pelas

IMFs sem fins lucrativos – como as ONGs e OSCIPs.

Levando em conta o contexto de baixo desenvolvimento das microfinanças no Brasil, o

BNDES tinha como objetivo a inserção das microfinanças no Sistema Financeiro Nacional

(SFN), como forma de possibilitar uma significativa expansão da indústria microfinanceira no

Brasil, de maneira sustentável.

Nesse sentido, na vigência do programa, o enfoque e a visão de futuro do modelo do

BNDES são descritos a seguir:

o enfoque é na importância de trabalhar no fortalecimento institucional das IMFs brasileiras para que estas possam atingir o duplo objetivo do crescimento com sustentabilidade. A visão de futuro é de uma indústria totalmente integrada com o Sistema Financeiro Nacional, por este ser a fonte essencial e permanente de recursos para o segmento microfinanceiro, com instituições capazes de oferecer uma gama de produtos adequada às necessidades do seu público-alvo (GOLDMARK, NICHTER, e FIORI, 2002, p.10).

Dessa forma, o BNDES se posicionava em favor de uma visão mais comercial para as

microfinanças. Por isso, considerava fundamental a busca por sustentabilidade das IMFs e um

114

sistema de crédito especializado em microempreendedores, e não simplesmente a oferta de

crédito para a população de baixa renda. Defendia também uma avaliação mais apurada da

capacidade empreendedora do tomador de crédito.

Por meio do BNDES Microfinanças, o Banco pretendia ser uma fonte estável de

financiamento das atividades das IMFs e promover o seu desenvolvimento institucional, de

forma a incentivar a sua plena inserção no Sistema Financeiro Nacional (SFN), o que exigia a

transformação das IMFs em entidades reguladas e supervisionadas. Esta inserção, no entanto,

deveria ser gradual, o que exigia que programa tivesse um horizonte de planejamento de longo

prazo.

Para balizar a atuação do programa, foram eleitas quatro questões consideradas

fundamentais na consolidação do segmento de microfinanças no Brasil:

- o desenvolvimento de marcos regulamentares adequados;

- o desenvolvimento de uma rede internacional de serviços voltados para atender às instituições de microfinanças (consultoria, classificação de risco, auditorias especializadas, programas de capacitação etc.);

- a disseminação de informações sobre as melhores práticas na indústria microfinanceira; e

- a entrada de bancos comerciais no setor microfinanceiro (BARRETTO, GOMES e DZARS, 2002, p.128).

As ações realizadas pelo BNDES estavam, em geral, relacionadas com as questões

acima, sendo que sua atuação foi dividida em três frentes. Na primeira, por meio do PDI, o

Banco buscava ser um agente de desenvolvimento institucional das IMFs, ofertando

instrumentos gerenciais e operacionais. Na segunda frente, por meio do PCPP, o BNDES

atuava como banco de segunda linha destas instituições, e, na terceira frente, buscava a

articulação com o Poder Executivo e o Banco Central (BC) para a construção gradativa de um

marco regulador propício ao desenvolvimento do setor microfinanceiro no Brasil e à inserção

das IMFs no SFN.

115

3.3.1 Programa de Desenvolvimento Institucional (PDI)

Na primeira frente de atuação – o desenvolvimento institucional das IMFs – o BNDES

buscava munir as instituições de métodos gerenciais e operacionais, de forma a elevar os

níveis de eficiência e, assim, contribuir para a sua auto-sustentabilidade. Por meio do PDI,

(...) o BNDES vem participando ativamente da dinâmica de estruturação das instituições de microfinanças por todo o país, introduzindo, inclusive, o estabelecimento de padrões gerenciais e organizacionais necessários ao seu melhor desempenho, de forma a permitir, independentemente da continuidade de sua própria ação, a permanência dessa rede, seu crescimento, sua auto-suficiência e, notadamente, seu controle pela sociedade (BARRETTO, GOMES e DZARS, 2002, p.132).

De forma coerente com os objetivos do BNDES Microfinanças, a atuação nesta primeira

frente, como já foi mencionado, tinha o objetivo de fortalecer a indústria de microfinanças,

buscando tornar as IMFs atrativas para os investidores e contribuindo para a sua inserção no

SFN. A redução de custos e o aumento de eficiência alcançados com a utilização de

instrumentos gerenciais mais adequados poderiam atrair novas instituições para este mercado,

inclusive aquelas que visam o lucro.

Os recursos para isso eram provenientes do próprio BNDES e do BID. Este último

realizou um convênio de cooperação técnica com o BNDES, o qual foi responsável pela criação

do PDI, e desembolsou para este programa U$ 5 milhões não reembolsáveis, dos quais 60%

deveriam ser aplicados diretamente nas IMFs.

A primeira ação do BNDES em termos de desenvolvimento institucional foi anterior ao

PDI, e é considerada o embrião deste programa. Em 1998, foi desenvolvida uma metodologia

para formação de agentes de crédito, a qual foi sistematizada durante as 13 oficinas de

capacitação destes profissionais promovidas pelo BNDES. Segundo BARRETTO, GOMES e

DZARS (2002, p.135), “a qualidade deste produto obteve o reconhecimento geral, demonstrado

116

por sua utilização, por diversas entidades, no treinamento de agentes para as instituições

microfinanceiras”.

A formação deste profissional é de fundamental importância devido ao papel central que

ele assume nas metodologias utilizadas pelas instituições de microcrédito. Estes técnicos

devem ser “capacitados a interagir diretamente com o cliente em seu local de trabalho

(freqüentemente na própria moradia), reconhecer suas singularidades e identificar as

potencialidades do empreendimento” (BARRETTO, 1999, p.179). Por isso, a formação dos

agentes de crédito abrange desde o primeiro contato com o cliente até a avaliação dos

resultados obtidos com o crédito concedido.

No âmbito do PDI, os investimentos eram realizados, basicamente, de duas formas. De

um lado, os investimentos em infra-estrutura se voltavam para o mercado de microfinanças

como um todo, beneficiando as IMFs de forma coletiva. Isto envolvia, principalmente, a

disponibilização de instrumentos gerenciais e operacionais necessários à consolidação da

indústria microfinanceira. De outro lado, buscava-se o fortalecimento da capacidade

institucional, por meio do apoio às IMFs com potencial de auto-sustentabilidade, e o

investimento em projetos estratégicos. Estes últimos eram os projetos voltados para as IMFs

consideradas exemplares, as quais inspiravam a criação, o apimoramento e a expansão das

outras IMFs. O investimento nestas instituições era considerado estratégico por ter um efeito-

demonstração, que se propaga por toda a indústria.

3.3.1.1 Investimentos em infra-estrutura

Os investimentos em infra-estrutura visavam criar condições para a expansão da oferta

de serviços microfinanceiros no país. Por isso, nesta categoria, o BNDES optou por realizar

ações que pudessem beneficiar todas as IMFs, assim como atrair novos entrantes para este

mercado.

117

Foram, então, determinadas quatro áreas principais a serem trabalhadas: (a)

transparência das informações financeiras e operacionais das IMFs; (b) sistemas de

informação gerenciais; (c) desenvolvimento e adoção de novas tecnologias; e (d)

disponibilização de informações técnicas de microfinanças.

(a) Transparência das informações financeiras e operacionais.

Esta área visava estabelecer padrões de desempenho para a indústria, de modo a

permitir a comparação entre as instituições do mercado. Isto era feito por meio da criação de

serviços de classificação institucional – rating – e auditoria específicos para as IMFs.

Os objetivos do rating são, dentre outros, informar e comparar o perfil e desempenho

das IMFs e quantificar o risco das instituições para os investidores, credores e para elas

próprias (BARRETTO, GOMES e DZARS, 2002). Com o intuito de criar uma metodologia de

rating para as IMFs, foi realizada uma parceria com a ONG francesa Planet Finance (PF). A PF

desenvolveu uma ferramenta de rating, denominada GIRAFE38, a qual buscava avaliar o

desempenho e a sustentabilidade financeira das instituições. Esta metodologia foi aplicada em

quatro instituições brasileiras – Portosol, Blusol, CEAPE/RN e Rótula –, sendo que esta última

é uma SCM.

No que se refere à auditoria, o BNDES, em parceria com uma grande empresa privada,

sistematizou metodologia e procedimentos para a realização de auditoria financeira,

operacional e contábil para as IMFs.

(b) Sistemas de Informação gerenciais.

38 O nome GIRAFE decorre das seis áreas analisadas na metodologia: Governabilidade e tomada de decisão; Informação e sistema de administração; Risco (análise e controle); Atividades e carteira de empréstimos; Fundos (equity e débito) e; Eficiência e lucratividade.

118

Esta área foi criada com a intenção de estimular o desenvolvimento de um mercado de

sistemas de informática especializado para IMFs. O uso de sistemas de informacão adequados

permite a administração de maiores carteiras de clientes, e um controle mais efetivo sobre o

funcionamento das instituições e o trabalho dos agentes de crédito. Dessa forma, são

fundamentais para a expansão das IMFs, além de contribuirem para a redução dos seus custos

de transação.

Segundo Goldmark (et al., 2000, p.3),

A importância da informação gerada tem dois planos: um interno e outro externo. Primeiro, a instituição de microcrédito tem que produzir informação a ser utilizada no gerenciamento. Aqui, dados sobre inadimplência, carteira em risco, produtividade e outros se tornam indispensáveis. Segundo, a informação deve ser confiável a fim de permitir a troca entre os agentes envolvidos, tais como: investidores, bancos e etc.

Nesta área, o BNDES apoiou o desenvolvimento de sistemas de informação específicos

para as IMFs brasileiras, os quais foram criados e oferecidos no mercado pelas empresas

especializadas. Nesse sentido, quatro sistemas foram desenvolvidos com o apoio do Banco. O

primeiro deles, o Emerge.BR, foi uma adaptação para o contexto brasileiro do Emerge, um

sistema utilizado pela ONG Visão Mundial Internacional nos seus programas de microcrédito. O

segundo sistema é o mais popular no Brasil, o SIP, que surgiu como iniciativa da Portosol e já

foi vendido para mais de 40 IMFs. O terceio sistema foi criado por iniciativa da Rótula, e foi

chamado de MC 2002. Por fim, o quarto sistema, em 2002, ainda estava em processo inicial de

desenvolvimento, e havia sido impulsionado pela parceria entre uma SCM, a SocialCred e uma

empresa espcializada (BARRETTO, GOMES e DZARS, 2002).

(c) Desenvolvimento de novas tecnologias

Esta área visava apoiar o desenvolvimento de tecnologias que permitissem a redução

dos custos das IMFs. A sua principal atividade foi o desenvolvimento de um sistema de

119

pontuação de crédito, também chamado de credit-scoring. Este sistema seleciona indicadores

financeiros e atribiu pesos a cada um deles, considerando seus aspectos qualitativos, de forma

a definir uma pontuação para cada instituição.

(d) Disponibilização de informações técnicas de microfinanças no país

A intenção desta área era tornar disponível aos atores envolvidos com microfinanças e

microcrédito no Brasil, os materiais técnicos desenvolvidos em outros países, especialmente na

América Latina. Com isso, começou a ser provocado o debate a respeito das principais

questões referentes às microfinanças no Brasil.

A primeira ação realizada no âmbito do PDI foi a promoção do 1o Seminário

Internacional sobre Microfinanças, em Maio de 2000, o qual trouxe ao Brasil palestrantes

estrangeiros que embasaram conceitualmente a estratégia do BNDES para as microfinanças

(BARRETTO, GOMES e DZARS, 2002). Além disso, o seminário contribuiu para a divulgação

de técnicas de gestão das IMFs, permitindo a posterior publicação de manuais para gerentes,

elaborados pelo próprio BNDES.

Foram publicados cinco manuais para gerentes e um para empresas de auditoria. São

eles: Técnicas de Gestão Microfinanceira, Marketing para Microfinanças, Regulamentação das

Microfinanças, Sistemas de Informação para Microfinanças, Guia Básico para a Constituição e

Legalização de Instituições Financeiras e Auditoria Externa para Microfinanças.

Além disso, foram publicados, ainda, diversos estudos, dentre os quais: Entendendo as

microfinanças no contexto brasileiro; A Situação das Microfinanças no Brasil; Entendendo a

Demanda para as Microfinanças no Brasil: um estudo qualitativo de duas cidades; Iniciativas

Asiáticas para Desenvolver Mercados Financeiros Rurais: algumas idéias para o Brasil; Marco

Jurídico para Instituições de Microcrédito; e Microfinanças e Crédito Rural.

Os temas tratados nas publicações

120

foram selecionados como os mais relevantes para enfrentar os maiores desafios do segmento microfinanceiro brasileiro no momento, através de consultas dentro e fora do âmbito do PDI, sempre priorizando as demandas das instituições participantes do programa. (BARRETTO, GOMES e DZARS, 2002, p.142).

3.3.1.2 Fortalecimento da capacidade institucional e Projetos Estratégicos

O fortalecimento da capacidade institucional das IMFs, de forma individual, era também

objetivo do PDI. Por isso, parte dos recursos deste programa deveria ser repassado para as

instituições, com o intuito de realizar projetos que promovessem sua auto-sustentabilidade.

Foram eleitos seis tipos de projetos para serem apoiados pelo PDI (BARRETTO,

GOMES e DZARS, 2002):

(a) Governabilidade. Esta categoria inclui os projetos destinados a melhorar o

processo de governança nas instituições. Segundo Rock, Otero e Saltzman (1998, p.1),

“Governança é o processo pelo qual o corpo de diretores, por meio de sua gestão, leva a

instituição a atingir sua missão corporativa e a proteção dos ativos da instituição”.

(b) Regionalização. Nesta categoria se encaixam os projetos destinados a atingir o

interior do país e as áreas rurais, assim como aquelas instituições que desejam descentralizar

suas operações, com o intuito de atender aos municípios menores.

(c) Transformação institucional. Em consonância com os objetivos estratégicos do

BNDES Microfinanças, nesta categoria se encaixam os projetos de ONGs que pretendem se

transformar em SCMs.

(d) Criação das SCMs. O objetivo desta modalidade é apoiar os grupos de investidores

privados que pretendiam criar SCMs.

(e) Desenvolvimento de novos produtos. Aqui se encaixam os projetos das IMFs

mais maduras que desejam ampliar o leque de produtos oferecidos aos seus clientes.

121

(f) Entrada de IFs e bancos comerciais. O BNDES busca, por meio desta modalidade,

oferecer assistência técnica para a entrada de bancos comerciais e outras IFs no mercado de

microfinanças. Nesse caso, a IF deve apresentar recursos próprios para o projeto.

Por meio das categorias de projetos descritas acima é possível perceber as

preferências e opções estratégicas feitas pelo BNDES. Fica claro que a escolha dos projetos

era realizada no sentido de tornar mais profissional a gestão das IMFs, transformá-las em

instituições reguladas (SCMs) e inseridas no SFN, e fomentar a criação de um mercado de

serviços financeiros que vão além do crédito.

Em 2002, o PDI apoiava projetos de 13 instituições. A tabela a seguir mostra as

instituições apoiadas, assim como os valores envolvidos nos seus projetos.

Tabela 3.3 – Carteira Total do PDI

Instituição Valor do projeto (R$)

Banco da Mulher (BA) 143.016

Banco da Mulher de Curitiba 500.000

Banco da Mulher de Lages (SC) 72.540

Banco do Povo (BH) 465.540

Banco do Povo de Ipatinga (MG) 30.000

Blusol* 600.000

Blusol 2 500.000

Cresol 1.137.750

Orgape 801.025

Portosol* 1.171.000

Rótula 405.000

Socialcred 998.040

Visão Mundial* 1.105.000

Vivacred* 694.906

Total 8.623.817

122

(*) instituições já contratadas no âmbito do PDI Fonte: BARRETTO, GOMES e DZARS, 2002.

Algumas das instituições apoiadas no âmbito do PDI se destacavam por seu

desempenho exemplar, e por isso criavam um efeito-demonstração que se espalhava por toda

a indústria. O BNDES considerava estratégico o apoio à estas IMFs, já que elas inspiravam a

criação de novas instituições e o aprimoramento de todo o mercado de microfinanças.

Uma destas instituições é a Portosol que, como já foi mencionado, é uma pioneira na

indústria de microfinanças, especialmente devido so seu formato institucional. O seu modelo de

organização mista inspirou a criação de diversas IMFs por governos estaduais e municipais.

Nesse sentido, o apoio à Portosol era considerado estratégico para o BNDES, por isso foi

aprovado, no âmbito do PDI, um projeto de fortalecimento institucional no valor de R$ 1.171

mil.

Os resultados alcançados pelo PDI na indústria de microfinanças como um todo são

difíceis de serem mensurados. No entanto, a sofisticação das técnicas de gestão e a expansão

do mercado brasileiro de microfinanças têm sido verificadas de forma sistemática. Segundo o

IBAM (2003, p.43),

se por um lado existe uma aparente desilusão quantitativa sobre a ‘revolução do microcrédito’, por outro, o aprimoramento dos instrumentos de gestão vem permitindo um gradual crescimento do setor, ainda que de forma reduzida se comparado com a demanda existente.

3.3.2 Programa de Crédito Produtivo Popular (PCPP)

Em seu segundo eixo de atuação, o BNDES tinha como objetivo a concessão de

financiamentos para a formação do fundo de crédito das IMFs. Para complementar os recursos

ordinários do Banco, o FAT destinou, ainda em 1996, a aplicação de R$ 150 milhões em

depósitos especiais remunerados no BNDES para serem utilizados no programa.

123

Os clientes do PCPP eram as ONGs, OSCIPs e SCMs, das quais se cobrava a mesma

taxa de juros pela qual os recursos do FAT eram remunerados, a Taxa de Juros de Longo

Prazo (TJLP). O aporte de recursos do BNDES era limitado a R$ 3 milhões por IMF, e o prazo

de amortização era de oito anos.

As instituições apoiadas pelo BNDES, no âmbito do PCPP, deviam buscar a viabilidade

econômica. Para isso, além da utlização de instrumentos gerenciais adequados, incentivava-se

a cobrança de taxas de juros sustentáveis, de forma a cobrir os seus custos operacionais e

financeiros.

O custo financeiro das IMFs apoiadas pelo BNDES é dado pela TJLP, que é mais baixa

do que as taxas cobradas pelas instituições financeiras privadas. Dessa forma, o financiamento

concedido no âmbito do PCPP poderia contribuir para a redução dos custos das IMFs

Segundo o IBAM (2003, p.28),

(...) a disponibilidade de recursos é fator determinante para o fortalecimento do setor, bem como para sua configuração. Por fim, o custo pelo qual as instituições obtêm recursos, por ser a base para a definição da taxa de juros a ser cobrada na ponta, é um dado importante (mas não determinante) para a definição do público-alvo da instituição.

Ao fim de 2002, o BNDES anunciou os principais resultados obtidos com o PCPP. A

carteira era composta por 32 instituições, sendo 28 ONGs e OSCIPs, três SCMs e uma

cooperativa de crédito rural. A tabela 3.4 mostra os dados relativos às cinco maiores

instituições da carteira.

124

Tabela 3.4 – Número e valor dos créditos concedidos às cinco maiores instituições em carteira

% Carteira Total Instituição

Créditos Concedidos (Nov/2002)

Valor (R$ Milhões)

No Valor CEAPE/RN 14,167 12,4 15,4 11,2 PORTOSOL 13,192 12,9 14,3 11,8 CEAPE/PE 8,247 10,3 8,9 9,4 CEAPE/SE 6,771 6,7 7,4 6,2 CEAPE/GO 5,551 4,9 6,0 4,4

Fonte: Informativo BNDES Microfinanças Dez/2002.

No que se refere à distribuição regional dos financiamentos, destaca-se a grande

participação da região Sul (51%) em comparação com as outras regiões brasileiras.

Gráfico 3.6

PCPP - Distribuição Regional dos créditos concedidos

Sudeste 18%

Sul 51%

Norte e Nordeste

28.4%

Centro-Oeste2.6%

Isso pode ser explicado, em parte, pela presença, nesta região, de algumas das

maiores IMFs presentes na carteira do BNDES, dentre as quais estão o CEAPE/RS, a Portosol

e a Blusol.

Estas três instituições fazem parte de um grupo de IMFs com as quais o BNDES

aprovou a realização de outras operações, em função do bom desempenho e da perspectiva

de crescimento. Neste grupo estão presentes, além das três instituições citadas acima, a

Fonte: BNDES Informativo Social Microfinanças - DEZ/2002

125

Vivacred, o CEAPE/RN, o CEAPE/SE, o Banco da Mulher do Paraná e o Fundo de Apoio ao

Empreendedor Popular de Juiz de Fora (BARRETTO, GOMES E DZARS, 2002).

Entre 1998 e 2002, foram relaizadas, no ambito do PCPP, mais de 350 mil operações

de crédito, totalizando R$ 407 milhões de reais. O gráfico abaixo mostra a evolução da carteira

neste período.

Gráfico 3.7

PCPP - Evolução da carteira

42.6

66.174.2

88.582

46.5

74.184.5

10498.2

0

20

40

60

80

100

120

1998 1999 2000 2001 2002 (Out.)

No de créditos (mil) Valor (R$ Milhões)

O gráfico indica o crescimento sistemático da carteira do PCPP até 2002,

acompanhando o crescimento do próprio setor de microfinanças verificado neste período. A

partir de 1996, a taxa de crescimento deste setor, em termos do número de instituições,

aumentou significativamente em relação à década anterior. Acredita-se que este crescimento

pode ter sido impulsionado pelo apoio do BNDES (IBAM, 2003, p.64). O gráfico abaixo mostra

a evolução do número total de IMFs no Brasil desde 1984.

Fonte: BARRETTO, GOMES e DZARS, 2002.

126

Gráfico 3.8

Evolução do número total de instituições

0

10

20

30

40

50

60

Ano 1984 1986 1987 1989 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

Apesar disso, o número total de IMFs no Brasil ainda é muito pequeno, se comparado

com outros países da América Latina.

No que se refere aos créditos concedidos aos microempreendedores, com os recursos

provenientes do PCPP, verifica-se um elevado percentual de créditos direcionados ao setor

informal (75%), assim como uma altíssima proporção dos empréstimos sendo utilizados para

capital de giro (91%). A tabela abaixo mostra as características dos créditos concedidos aos

microempreendedores.

Fonte: Banco de dados IBAM (www.IBAM.org.br)

127

Tabela 3.5 – Perfil dos créditos concedidos aos microempreendedores

Constituição Formal 25% Informal 75% Finalidade Capital de giro 91% Capital fixo 7% Misto 2% Atividades Comércio 66% Serviços 18% Produção 16% Gênero Masculino 47% Feminino 53% Taxa de Juros Média 4,6% a.m. Taxa de Inadimplência 4,3%

Valor Médio do Crédito R$ 1.188 Fonte: Informativo Social Microfinanças BNDES Dez/2002 e BARRETTO, GOMES e DARZ, 2002

3.3.3 Marco Regulatório

Na terceira frente de atuação, o BNDES – junto a outros atores da sociedade39 – se

articulou com as autoridades regulatórias para a promoção de um marco legal propício ao

desenvolvimento das microfinanças no Brasil. Dentre as mudanças na regulação, conquistadas

nos anos 90, estão a criação das OSCIPs e sua isenção da Lei da Usura, e a criação das

SCMs.

A atuação do BNDES nas articulações referentes ao marco regulatório, foi formalizada

por meio de sua participação ativa no Grupo de Trabalho do Marco Legal para o Segmento

Microfinanceiro – do qual participavam também representantes do Banco Central e do

Ministério da Fazenda – e no Comitê do Marco Legal e Divulgação do Microcrédito, criado no

39 Dentre os atores envolvidos, é importante destacar a atuação do Conselho do Comunidade Solidária, o qual trabalhava em sintonia com o BNDES nas articulações referentes ao marco regulatório para o segmento microfinanceiro brasileiro.

128

âmbito do Comunidade Solidária com o intuito de rever as leis que afetavam as IMFs

brasileiras.

A partir de 1999, começaram a ser realizadas as modificações na legislação. A Lei No

9790 de março de 1999 criou as OSCIPs, organizações de direito privado sem fins lucrativos.

Tais instituições poderiam mobilizar recursos públicos e privados para a execução de suas

atividades.

Em Julho de 1999, uma medida provisória foi responsável pela reformulação da Lei da

Usura, que proíbe a cobrança de taxas de juros superiores a 12% ao ano. Esta lei, vigente

desde 1933, se aplica apenas às insituições não regulamentadas junto ao SFN, portanto

deveria ser obedecida pelas ONGs de crédito. A Medida Provisória No 1914 tornou isentas da

Lei da Usura as ONGs que obtivessem o título de OSCIP. Este foi considerado um avanço

significativo para indústria de microfinanças brasileira, já que muitas ONGs passaram a obter

permissão para operar com taxas de juros sustentáveis. Segundo Goldmark, Pockros e

Vechina (2000, p.21), no Brasil, as IMFs sustentáveis costumam cobrar 4 a 7% ao mês em

juros nominais. Além disso, a transformação de ONGs em OSCIPs permite uma maior

formalização e legalização dos serviços prestados.

Um dos mais importantes marcos na regulação das microfinanças no Brasil se deu, em

agosto de 1999, com a criação das SCMs, instituições com fins lucrativos especializadas em

crédito aos microempreendedores. Estas organizações, por fazerem parte do SFN, devem ser

reguladas pelo Banco Central. A criação das SCMs veio ao encontro dos objetivos do BNDES

de promover a expansão das microfinanças por meio da inserção de suas instituições no SFN.

É importante salientar que essas SCMs poderiam ser controladas por ONGs, tornando possível

manter a missão social destas instituições e, ao mesmo tempo, atrair novos investidores.

As SCMs, em tese, teriam maiores chances de se expandir, pois o fato de serem

reguladas e terem fins lucrativos, as tornaria mais atraentes para os investidores privados.

129

Além disso, o grau de dependência das IMFs em relação aos governos e às entidades de

doadores seria significativamente reduzido. Por estes motivos, a estratégia do BNDES envolvia

o forte apoio à constituição e consolidação de SCMs. A partir de 2001, foram incorporadas à

carteira do programa as primeiras operações com SCMs. Em 2002, havia três SCMs em sua

carteira, conforme indicado na subseção anterior.

Uma das SCMs presentes na carteira do PCPP, a Rótula foi a primeira a obter

autorização do Banco Central para operar no mercado. Ela surgiu, em 1999, com um capital

inicial de R$ 100 mil – o mínimo exigido para se constituir uma SCM. Mas, até o final de 2001,

a Rótula havia recebido mais de R$ 1 milhão do BNDES para a constituição de seu fundo de

crédito. No âmbito do PDI, foi aprovado, ainda, um projeto de fortalecimento institucional com o

valor de R$ 405 mil, como foi apontado na tabela 3.3.

Apesar do apoio do BNDES, na prática, as SCMs ainda se encontram em posição de

desvantagem em relação às ONGs e OSCIPs. Enquanto as últimas recebem recursos não-

reembolsáveis e financiamentos a baixos custos do poder público e das organizações de

doadores, as SCMs são tratadas como empresas, por isso não possuem as mesmas condições

de financiamento. Por enquanto, o BNDES é a única instituição a oferecer financiamento de

funding para as SCMs (IBAM, 2003).

As SCMs, além de serem bastante recentes, atuam em uma indústra onde os custos

operacionais são altos. Muitas vezes, as dificuldades de financiamento e a necessidade de

reduzir os custos as impedem de utlizar metodologias próprias das IMFs, como os agentes de

crédito. Por isso, estas instituições ainda dependem de políticas públicas de apoio ao seu

desenvolvimento para que possam se consolidar no mercado. Segundo o IBAM (2003, p.62),

(...) o microcrédito como negócio ainda se encontra longe da maturidade. Distorções como a preferência pelos formais e a ausência de agentes de crédito em algumas SCMs mostraram que as microfinanças com perspectivas lucrativas ainda precisarão de um apoio governamental mais sólido para criar estratégias que atendam a sua

130

dupla função: rentabilidade para os sócios e atendimento ao microempreendedor.

As políticas públicas de apoio às IMFs são importantes não só para as SCMs, mas para

todas as IMFs brasileiras, para que se possa reverter o atraso do país na constituição de sua

indústria microfinanceira. O BNDES Microfinanças contribuía fortemente para a redução dos

custos de transação das IMFs, tornando-as mais eficientes e atualizadas quanto às

metodologias e instrumentos gerenciais próprios das microfinanças. O programa permitia,

ainda, a redução dos custos financeiros, ao cobrar taxas de juros mais baixas que as de

mercado para o financiamento do fundo de crédito das IMFs. Por fim, as mudanças realizadas

no marco legal, ainda que não tenham sido suficientes, derrubaram importantes barreiras

impostas à atividade das IMFs.

A redução de custos é de fundamental importância por ser o caminho para a

sustentabilidade e permanência das instituições já existentes. Além disso, os custos mais

baixos incentivam a entrada de novos atores neste mercado – inclusive os bancos comerciais –

impulsionando sua expansão.

No entanto, a partir de 2003, com as mudanças na diretoria do BNDES, as ações do

PCPP e do PDI foram abandonadas. Em seu lugar, o BNDES criou um novo Programa de

Microcrédito, o qual passou a trabalhar com uma abordagem diferente da anterior. O novo

programa buscou reduzir as taxas de juros cobradas dos tomadores finais, fator que demonstra

o abandono da abordagem dos sistemas financeiros.

Além disso, o Programa de Microcrédito ampliou o leque de agentes repassadoras de

recursos às IMFs, passando a incluir agências de fomento, governos municipais e estaduais,

bancos públicos e privados e cooperativas de crédito. Esta estratégia, no entanto, não rendeu

os frutos esperados. “As garantias reais exigidas pelos agentes repassadores dificultavam o

acesso dos recusos para as OSCIPs e SCMs” (SEBRAE, 2005, p.28).

131

Ao fim de 2004, o programa foi novamente reformulado, buscando seguir as diretrizes

do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), criado pelo Governo

Federal, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego. O novo Programa de Microcrédito

(PMC) do BNDES passou a ser vigente a partir de 2005. A tabela a seguir mostra os

desembolsos realizados nos novos programas.

Tabela 3.6 – Desembolsos dos programas do BNDES

Programa vigente Ano Desembolsos (R$)

2003 0 Programa de Microcrédito 2004 800.000

2005 2.304.000 Novo Programa de Microcrédito (PMC) 2006 1.049.800

Fonte: IBASE – Boletim de acompanhamento social do BNDES (http://www.ibase.br/dvdn/conteudos/tabela_microcredito.htm)

Como mostra a tabela, os desembolsos dos programas criados após a extinção do

BNDES Microfinanças permaneceram em menor escala. Os dados referentes a 2003 e 2004

mostram que o valor dos desembolsos no primeiro Programa de Microcrédito não foi

significativo. O novo programa (PMC) criado ao fim de 2004 demonstrou melhores resultados.

Ainda assim, as aplicações de recursos destes programas ficaram muito aquém daquelas

realizadas no âmbito do PCPP e do PDI.

3.4 PROGER e BNDES Microfinanças: uma análise comparada

O PROGER e o BNDES Microfinanças representaram um grande avanço no que se

refere às políticas públicas voltadas para o crédito aos micro e pequenos empreendedores,

sendo que ambos contribuíram fortemente para a ampliação do acesso ao crédito no Brasil.

Entretanto, as diferentes abordagens adotadas por estes dois programas levaram a resultados

também bastante distintos.

132

De um lado, o PROGER se caracterizava pela concessão direta de crédito aos micro e

pequenos empreendedores, visando a criação de empregos. Buscava, dessa forma,

complementar a atuação do setor privado, no intuito de atender àquele público pelo qual este

setor não se interessava. Além disso, estavam previstas, como forma de aumentar o impacto

social, ações de capacitação dos empreendedores e a descentralização da execução do

programa, para incentivar um acentuado grau de participação social. Nesse sentido, pode-se

afirmar que o PROGER, em sua concepção, apresentava pontos em comum com a abordagem

do empowerment, exposta no capítulo anterior. Apesar disso, os resultados em termos de

público alcançado, empréstimo médio, capacitação, etc. nem sempre foram coerentes com esta

abordagem.

De outro lado, o programa do BNDES se alinhava com a abordagem ligada aos

sistemas financeiros, apresentada no capítulo anterior. O PCPP e o PDI foram criados com

intuito de fomentar as instituições não governamentais que concediam crédito aos

microempreededores. Na visão do BNDES, a dificuldade de acesso ao crédito é um obstáculo

maior para os empreendedores do que o custo do empréstimo. Nesse sentido, o programa foi

desenhado com o objetivo de criar um mercado de IMFs auto-sustentáveis, capazes de atuar

de forma permanente no segmento das microfinanças, garantindo o acesso ao crédito pelos

microempreendedores no longo prazo. Dessa forma, as frentes de atuação do PCPP foram

concebidas de forma a sanar as maiores dificuldades encontradas pelas IMFs e, assim, reduzir

seus custos e facilitar a sua permanência no mercado.

Como já foi mencionado anteriormente, em prol da sustentabilidade das IMFs, o BNDES

incentivava a cobrança de taxas de juros mais altas, o suficiente para cobrir os custos

financeiros e operacionais. Nesse sentido, a taxa média cobrada por estas instituições (4,6%

ao mês) se localizava em patamares significativamente mais altos do que aquelas praticadas

no âmbito do PROGER. Os bancos conveniados ao PROGER cobram dos micro e pequenos

empreendedores a TJLP mais uma taxa de administração. No BB, por exemplo, a taxa de

133

administração é de 5,33% ao ano. Considerando a TJLP atual, as taxas de juros mensais no

BB se aproximam a 1% ao mês40.

Apesar da diferença encontrada nas taxas de juros, o público atendido pelo BNDES

parece pertencer a faixas de renda mais baixas do que aquele atendido pelo PROGER. Alguns

indicadores, como o empréstimo médio, o percentual de empreendedores do setor informal e o

percentual de empréstimos utilizados para capital de giro, sugerem este fato.

No PROGER, o empréstimo médio, de 1995 a 200641 foi de R$ 4.174, sendo que

chegou a atingir R$7.700, entre 1995 e 1998. Enquanto isso, nas IMFs apoiadas pelo BNDES o

valor médio dos empréstimo era de R$1.188. Quando se trata do percentual de

empreendedores no setor informal, o PROGER registrou um percentual de 43,6% até 199842, e

o BNDES de 75%. Além disso, o percentual de empréstimos utilizados para capital de giro era

bastante elevado (91%) nas instituições apoiadas pelo BNDES, enquanto o PROGER só

começou a realizar empréstimos voltados para este fim a partir de 200243. Estes dados

sugerem que, ao menos quando se trata dos dois programas analisados aqui, não se verifica o

trade-off entre a cobrança de taxas de juros sustentáveis e o acesso à clientela de baixa renda.

No que se refere às taxas de inadimplência, o BNDES, mesmo atendendo a clientelas

de mais baixa renda e cobrando taxas de juros maiores, registrava índices de inadimplência

mais baixos. Enquanto a taxa média de inadimplência nas IMFs apoiadas pelo BNDES era de

4,3%, o PROGER registrava uma média nacional de 8,65%, até 1998. 40 É importante mencionar que a TJLP atual está no nível mais baixo de toda a sua série histórica, 7,5%. No entanto, se considerarmos o nível mais elevado alcançado pela TJLP, que ocorreu em 1995 quando alcançou os 26%, as taxas cobradas no âmbito do PROGER ainda são sigificativamente mais baixas. Utilizado cmo referência a regra atual do BB para o PROGER (TJLP + 5,33%a.a.), as taxas de juros mensais cobradas em 1995 ficariam em torno de 2,3%. 41 Os dados do PROGER para 2006 se referem aos meses de Janeiro a Maio. 42 Os dados disponíveis quanto ao público atendido no PROGER se limitam a esta data. Com a criação do FAT-Empreendedor, em 2002, poderia ser esperado um aumento no percentual do público pertencente ao setor informal. No entanto, os dados relativos ao novo programa (tabela 1) não demonstram este fato, o percentual de operações realizadas no âmbito do FAT-Empreendededor Popular ficou bastante reduzido, se comparado com o PROGER, em 2003 este percentual ficou em 19%, caindo para 6,5%, em 2004, e menos de 1% em 2005 e 2006. 43 A tabela 2.1, no capítulo 2, elaborada a partir do estudo realizado por Hulme e Mosley (1996), mostra como os recursos emprestados pelas IMFs são utlizados nos diferentes grupos de clientes. Por meio desta tabela, é possível perceber que os microempreendedores mais pobres gastam maior parcela dos recursos com capital de giro do que os empreendedores menos pobres.

134

Isso pode ser explicado, em parte, porque as IMFs apoiadas pelo BNDES se utilizam

das tecnologias financeiras do microcrédito, as quais envolvem o trabalho do agente de crédito,

a utilização de colaterais sociais – como o aval solidário – e esquemas de pagamento dos

empréstimos mais adequados à realidade dos microempreendedores. Como foi mencionado no

capítulo anterior, estas tecnologias financeiras contribuem fortemente para a redução das taxas

de inadimplência nas IMFs.

Os agentes financeiros do PROGER, ao contrário, não modificaram a sua rotina

operacional para adaptar-se às necessidades dos microempreendedores. Permaneceram as

mesmas práticas que envolviam a exigência de garantias reais e as formas de pagamento e

atendimento dos bancos tradicionais. Estas práticas, ao mesmo tempo em que excluem os

microempreendedores de baixa renda, que não têm garantias reais a oferecer, favorecem o

aumento da inadimplência, já que não foram desenvolvidos mecanismos eficientes de

recuperação de empréstimos.

O controle das taxas de inadimplência depende, ainda, da sustentabilidade e viabilidade

dos empreendimentos apoiados. Nesse sentido, a capacitação dos microempreendedores é

importante, pois lhes fornece conceitos relativos à gestão e viabilidade econômica dos

negócios, favorecendo, assim, a existência de empreendimentos mais sustentáveis.

O PROGER previa a capacitação e o apoio aos empreendedores, de forma a aumentar

as chances de sucesso dos empreendimentos e, conseqüentemente, a criação de empregos.

Entretanto, os resultados nesse sentido não foram os esperados. Até 1999, apenas 23% dos

empreendedores realizaram algum curso de capacitação, sendo que mais de 90% destes o

consideraram importante (IBASE, 1999b).

No caso do PCPP e do PDI não havia previsão alguma de se capacitar

empreendedores. Isso aconteceu, em primeiro lugar, porque estes programas eram

direcionados às IMFs e não diretamente aos microempreendedores e, em segundo lugar,

135

porque o BNDES se mostrava mais adepto da visão minimalista de IMF, na qual estas

instituições se limitam a oferecer serviços financeiros.

Entretanto, o trabalho do agente de crédito serve como uma espécie de capacitação,

podendo aumentar as chances de sucesso dos empreendimentos atendidos. Este profissional,

em geral, orienta os empreendedores quanto à gestão dos negócios, especialmente a gestão

financeira. O trabalho de orientação do agente de crédito beneficia não só o

microempreendedor, como também a IMF, já que os empreendimentos mais saudáveis tendem

a ser adimplentes. Nesse sentido, é importante destacar a contribuição do BNDES, ao criar a

metodolgia de formação dos agentes de crédito.

Como política pública, o programa do BNDES tinha concepção e objetivos bem

definidos. O alvo de suas ações eram as IMFs, visando aprimorar sua capacidade de conceder

crédito, e outros serviços financeiros, aos empreendedores. Nesse sentido, o PCPP e o PDI

foram pensados de acordo com as necesidades de seu alvo, atuando em diversas frentes de

forma a buscar soluções para os problemas mais recorrentes nas IMFs.

Já o PROGER teve a sua atuação limitada, basicamente, à disponibilização de recursos

para a concessão de crédito direcionado aos pequenos empreendedores. Aspectos como

capacitação e assistência técnica, ainda que previstos em sua concepção, foram bastante

restritos. Além disso, a participação social na execução do programa também se mostrou

limitada, as Comissões de Emprego (CEs) foram pouco atuantes na maior parte das

localidades onde o programa foi implementado.

A falta de articulação do PROGER com os atores locais, que deveria se dar por meio

das CEs, é apontada como uma das razões do seu fraco desempenho em termos de

capacitação. Os atores locais – ONGs ou governos municipais e estaduais –, em tese,

poderiam identificar melhor as necessidades dos empreendedores, assim como promover

cursos de treinamento mais adequados aos públicos de suas localidades.

136

Não houve, tampouco, articulação com as demais políticas de emprego. Ações nesse

sentido poderiam potencializar os resultados do PROGER, especialmente em termos de

capacitação. A articulação com as políticas de formação profissional – PLANFOR ou, mais

recentemente, o Plano Nacional de Qualificação (PNQ) – poderia ter viabilizado ações mais

efetivas de formação dos empreendedores.

As críticas recebidas por programas governamentais como o PROGER na literatura

internacional estão mais relacionadas ao crédito subsidiado do que à falta de capacitação.

Chama-se a atenção, muitas vezes, para o fato de que o crédito de baixo custo oferecido por

estes programas limita o desenvolvimento de uma indústria de microfinanças e,

conseqüentemente, torna os programas de microcrédito continuamente dependentes de

instâncias governamentais ou organizações de doadores.

O PROGER pode ter prejudicado a criação de uma cultura de crédito entre os

microempreendedores ao permitir, em muitas localidades, altas taxas de inadimplência. Além

disso, a cobrança de taxas de juros muito baixas por parte dos programas governamentais

pode comprometer a demanda pelos empréstimos das IMFs que operam com taxas de juros

sustentáveis.

No entanto, acredita-se que o PROGER não chegou a prejudicar o desenvolvimento

das IMFs brasileiras, já que o público atendido pelo programa pertence a uma faixa de renda

mais elevada do que os clientes das IMFs. Em geral, as práticas operacionais utilizadas pelos

agentes financeiros do PROGER dificultam o acesso do público de baixa renda. Dessa forma,

as IMFs continuam sendo uma boa alternativa para este público.

A enorme demanda potencial que se encontra no Brasil para as microfinanças e o

microcrédito44 ainda permitem a convivência pacífica entre os programas de natureza e

44 Segundo estimativas realizadas, em 2000 e 2001, por Guimaraes e Mezzera (2003, p.16), os clientes potenciais das IMFs somam 5,8 milhões, os quais exerceriam demanda efetiva por 11 bilhões de reais. Enquanto isso, as estimativas de oferta, em Outubro de 2000, mostravam que as IMFs brasileiras atendiam 115 mil clientes e possuíam uma carteira ativa de cerca de 85 milhões de reais (ANDRAUS e GARCIA,

137

concepções distintas. É importante, no entanto, que as políticas púbicas se coordenem em

torno de uma mesma visão das microfinanças, para que os seus resultados possam ser

potencializados.

Em uma avaliação geral, o BNDES Microfinanças e o PROGER não foram capazes de

reverter a situação de atraso no desenvolvimento da indústria brasileira de microfinanças, no

entanto, foram responsáveis por importantes avanços no que se refere à expansão da oferta de

crédito aos micro e pequenos empreendedores brasileiros.

O PROGER, pela sua grande escala, vem permitindo o acesso ao crédito de baixo

custo à milhares de empreendedores, impulsionando a geração de empregos em seus

empreendimentos. Segundo a avaliação do IBASE (1999b), em média, cada operação

realizada no âmbito do PROGER era responsável pela criação de cerca de duas novas

ocupações e pela manutenção de cerca de cinco ocupações45. O programa foi, portanto,

responsável pela criação e manutenção de um número significativo de postos de trabalho, a

despeito da necessidade de um elevado financiamento por ocupação (R$7 mil reais por nova

ocupação e R$2,5 mil por ocupação mantida).

Já o BNDES apresentou uma maior preocupação com o desenvolvimento do segmento

das microfinanças, buscando o aprimoramento dos métodos operacionais e gerenciais

utilizados pelas IMFs brasileiras, e, conseqüentemente, a redução dos custos de transação

destas instituições. Dessa forma, o BNDES, por meio do PCPP e do PDI, contribuiu para a

gradual expansão do setor, com instituições mais fortalecidas e com maior potencial de

alcançar a auto-sustentabilidade.

A falta de continuidade do BNDES Microfinanças, no entanto, prejudicou a sua

efetividade, considerando a visão de longo prazo do programa. Os objetivos de longo prazo

dependiam de ações mais contínuas para que pudessem ser alcançados. Apesar da 2001 apud GUIMARÃES E MEZZERA, 2003). Isso significa que apenas 2% dos clientes potenciais eram atendidos pelas IMFs existentes. 45 Este dado se refere às operações realizadas entre 1995 a 1998.

138

importância dos avanços obtidos, a interrupção do programa reduz a segurança das IMFs e

dificulta o seu fortalecimento.

3.5 Balanço das medidas recentes

Com a mudança de Governo em 2003, as políticas públicas voltadas para o

microcrédito ganharam uma nova concepção. Ao lado do conceito de crédito produtivo, comum

entre as IMFs, introduziu-se o conceito de “bancarização” da população de baixa renda.

Segundo Barone e Zouain (2004, p.10), “Não há estatísticas precisas sobre o número de

brasileiros economicamente ativos sem acesso a serviços bancários, mas se calcula que seja

algo na faixa entre 25 milhões e 45 milhões de pessoas.”

Foram criadas, então, políticas de inclusão bancária, com o intuito de permitir a

ampliação dos serviços financeiros para a população antes excluída do acesso a tais serviços.

Para alcançar este objetivo, foi lançado, ainda em 2003, o “pacote de microcrédito”, o qual era

formado por três pontos principais: a criação de contas simplificadas; a formação de

cooperativas de crédito e; a aprovação da resolução que obriga os bancos comerciais a

destinarem 2% dos depósitos à vista para operações de crédito voltadas para o público de

baixa renda.

O primeiro ponto do pacote consistia na criação de contas correntes simplificadas, as

quais deveriam ser de fácil acesso e operação para a população que não estava habituada às

rotinas dos bancos tradicionais. Por isso, tais contas deveriam ser movimentadas com cartão

magnético, sem cobrança de tarifa (quando não for excedido o número de 12 transações por

mês), com saldo de até R$1.000, excluindo o valor do microcrédito concedido.

Esta medida foi operacionalizada por meio dos bancos públicos. A CEF criou uma conta

simplificada denominada “Caixa Aqui”, e o Banco do Brasil criou uma subsidiária para atender

139

exclusivamente a este segmento, o Banco Popular do Brasil (BPB). Além de oferecer contas

simplificadas, estes bancos facilitavam a obtenção de crédito para os clientes deste segmento.

Nesse sentido, adotou-se a idéia de que é muito difícil diferenciar crédito produtivo de

crédito para consumo, já que este último pode ser utilizado para fins que contribuam com a

geração de renda. Portanto, o crédito ofertado por estes bancos pode ser utlizado tanto para

fins pessoais – consumo – quanto para investir em pequenos negócios. No BPB, os créditos

variam entre R$200 e R$600 reais e os juros são muito baixos, 2% ao mês. Já a CEF

implantou um sistema de crédito rotativo, no qual destina a cada correntista um crédito pré-

aprovado.

Até o fim de 2004, foram abertas cerca de 3,4 milhões de contas simplificadas, sendo

2,2 milhões na CEF e 871 mil do BPB (FAZENDA, 2004). Neste mesmo período, o BPB

movimentava R$ 57,5 milhões e possuía cerca de 700 mil operações em carteira (SEBRAE,

2005, p.50).

O segundo ponto do pacote de microcrédito previa o incentivo à organização e

associação das comunidades que não têm acesso a serviços financeiros, com o intuito de

formar cooperativas de crédito de livre associação. Nesse sentido, em Novembro de 2003, a

Resolução no 3.140 do Conselho Monetário Nacional (CMN) facultou a criação de cooperativas

de crédito de empresários vinculados a entidades de classe.

O terceiro ponto do pacote foi instituído pela Lei no 10.735/03, que estabeleceu a

destinação de 2% dos depósitos a vista, captados pelos bancos comerciais, para operações de

crédito voltadas para a população de baixa renda e microempreendedores. Os juros cobrados

sobre estas concessões de crédito não poderiam ultrapassar os 2% ao mês, e os valores das

operações estavam limitados a R$1.000 para microempreendedores – crédito produtivo – e R$

600 para pessoas físicas – crédito para consumo.

140

A intenção com isso era utlizar os canais já existentes, como os grandes bancos de

varejo, para ofertar créditos de pequeno valor. Em setembro de 2004, a carteira ativa destas

operações, em cinco grandes instituições financeiras, situava-se em R$339 milhões e 691.536

operaões (FAZENDA, 2004).

Esta medida, no entanto, foi bastante polêmica, tornando-se impopular entre divresos

atores envolvidos com microcrédito no Brasil. A limitação imposta às taxas de juros mina as

chances de se ter uma indústria de microfinanças sustentável no país. Além disso, a maior

parte dos bancos de varejo não está familiarizada com as tecnologias operacionais utlizadas no

microcrédito, por isso em grande parte das operações de crédito realizadas por estes bancos,

são adotadas as metodologias tradicionais.

Os três pontos do pacote de microcrédito, relacionados acima, estão voltados para a

“bancarização” da população de baixa renda, incluindo medidas para fomentar o crédito

produtivo e de consumo. Entretanto, estas medidas não foram capazes de impulsionar o crédito

produtivo. Para viabilizar tal tarefa, foi criado, em 2005, o Programa Nacional de Microcrédito

Produtivo Orientado (PNMPO).

Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego46, órgão responsável pela implantação do

PNMPO, os objetivos do programa são: incentivar a geração de trabalho e renda entre os

microempreededores populares, disponibilizar recursos para o microcrédito produtivo orientado,

e oferecer apoio técnico às instituições de microcrédito produtivo orientado, visando seu

fortalecimento institucional.

Por meio deste programa pretende-se disponibilizar recursos para o funding das IMFs.

Tais recursos seriam provenientes do FAT e de parcela dos depósitos à vista dos bancos

comerciais destinados ao microcrédito47, e seriam repassados às IMFs por meio dos banco

públicos e privados. As operações entre as IMFs e os bancos podem ser avalizadas pelo

46 Informações do site: www.mte.gov.br 47 Instituído na Lei no 10.735/03.

141

FUNPROGER ou pelo SEBRAE, por meio do seu Fundo de Aval às Micro e Pequenas

Empresas (FAMPE).

O programa impõe condições para a participação das IMFs. Os créditos concedidos por

estas instituições não poderão ultrapassar o R$ 5mil e os juros cobrados estão limitados a 4%

ao mês. Além disso, os empreededores deverão ter faturamento anual bruto de até R$ 60 mil.

Está prevista, ainda, a implantação de um Plano de Desenvolvimento Institucional, o

qual deve fornecer apoio técnico às instituições. Não estão definidas, no entanto, as ações a

serem implementadas nesse sentido.

De um lado, a criação um Plano de Desenvolvimento Institucional mostra preocupação

com o fortalecimento das IMFs. De outro lado, a imposição de restrições aos juros cobrados e

ao valor dos empréstimos concedidos pelas IMFs pode comprometer a sustentabilidade destas

instituições.

A imposição de tais restrições denota uma preocupação em alcançar a população de

menor renda e em ofertar crédito a baixo custo. O programa foi concebido, portanto, com a

premissa de que esta população não é capaz de pagar os juros mais altos, necessários para

cobrir os altos custos das IMFs.

O PNMPO está em fase de implantação, por isso não há, ainda, resultados a serem

avaliados. Não se sabe tampouco qual será o seu impacto sobre as IMFs e o mercado de

microfinanças como um todo.

142

Considerações Finais

As políticas públicas de geração de emprego e renda, assim como aquelas voltadas

para estimular o segmento do microcrédito no Brasil, foram responsáveis por importantes

avanços no desenvolvimento das Políticas Públicas de Emprego (PPEs) brasileiras e no

cenário das microfinanças no país.

Até meados dos anos 90, não havia no Brasil PPEs voltadas para incrementar a

demanda por mão-de-obra. Os três instrumentos clássicos de políticas de emprego – seguro-

desemprego, qualificação profissional e intermediação de mão-de-obra – são apenas

compensatórios ou atuam sobre a oferta de mão-de-obra. Não são, portanto, capazes de

impulsionar a criação de novos postos de trabalho.

Sem desconsiderar a importância do crescimento econômico para uma elevação mais

significativa da oferta de empregos no país, as PPEs podem melhorar a distribuição de

ocupações e rendimentos no mercado de trabalho, assim como incrementar a criação de

empregos. Esta última tarefa é realizada por meio das políticas que atuam sobre a demanda

por mão-de-obra, em que se destacam aquelas voltadas para o apoio aos micro e pequenos

empreendimentos.

O apoio a estes negócios depende, entre outros fatores, das políticas que visam a

ampliação do acesso ao crédito para os micro e pequenos empreendedores. Em decorrência

da metodologia de atendimento das instituições financeiras tradicionais, e da impossibilidade

dos microempreendedores de oferecer garantias reais, esses podem acabar sendo privados do

acesso a uma série de serviços financeiros, especialmente o crédito.

Nesse sentido, o microcrédito vem sendo, nas últimas décadas, um importante

instrumento para viabilizar a constituição e manutenção de micro e pequenos negócios

economicamente sustentáveis. As inovações desenvolvidas no âmbito das Instituições

143

Microfinanceiras (IMFs), ao criarem substitutos para os colaterais financeiros, permitem o

acesso ao crédito por parte daqueles que não possuem garantias reais a oferecer.

O microcrédito permite estimular a autonomia e a capacidade empreendedora do

beneficiário. Sua metodologia própria, baseada, entre outros, na atuação do agente de crédito,

permite a criação de uma relação de responsabilidade e confiança entre o tomador do

empréstimo e a instituição que concede o crédito.

Não existe, entretanto, um consenso na literatura a respeito dos objetivos a serem

alcançados com as políticas de incentivo ao microcrédito. De um lado, alguns autores

acreditam que o microcrédito é uma ferramenta de combate à pobreza, por isso deve ser

focalizado na população de baixa ou baixíssima renda. De outro lado, atribui-se a este

instrumento a função de fomentar a geração de empregos nos micro e pequenos

empreendimentos. Sob esse ponto de vista, o público-alvo dos programas deve ser os micro e

pequenos empreendedores, não necessariamente aqueles de mais baixa renda. Estes dois

objetivos podem exigir a utilização de estratégias distintas, para as políticas públicas e para as

IMFs, por isso são, muitas vezes, conflitantes.

Os autores que atribuem ao microcrédito as funções de combate à pobreza e

empowerment da população de baixa renda defendem que a concessão de crédito deve estar a

cargo de ONGs ou do governo, para garantir o cumprimento de sua missão social. Os adeptos

desta abordagem costumam privilegiar o crédito de baixo custo, mesmo que para isso seja

necessário utilizar subsídios governamentais ou doações. Além disso, são, em geral, favoráveis

a uma visão desenvolvimentista de IMF, segundo a qual estas instituições oferecem serviços

(não financeiros) complementares ao crédito, como assessoria na gestão dos

empreendimentos e cursos de capacitação.

Já aqueles autores que enxergam o microcrédito como instrumento para as políticas de

emprego costumam se opor à visão descrita acima. Para estes, tais políticas devem estar mais

144

voltadas para garantir uma oferta permanente de crédito para os micro e pequenos

empreendedores, fomentando, assim, a criação e expansão dos microempreendimentos e a

geração de empregos. Logo, a redução da pobreza poderia ser uma conseqüência indireta das

políticas de microcrédito, mas não o seu objetivo principal.

Assim, os adeptos dessa visão defendem a auto-sustentabilidade das IMFs e sua

independência de subsídios e doações, de forma a não comprometer a sua capacidade de

permanecer no mercado. Para preservar a auto-sustentabilidade, adotam a concepção

minimalista de IMF, na qual estas instituições se limitam a oferecer os serviços financeiros. Os

defensores dessa concepção, denominada abordagem dos sistemas financeiros, costumam

acreditar que a expansão mais significativa do microcrédito só pode ser alcançada por meio de

IMFs reguladas pelas autoridades monetárias, ou seja, inseridas nos sistemas financeiros dos

países onde atuam.

As descrições das duas visões distintas, feitas nos parágrafos anteriores, procuram

contrapor idéias opostas. Na prática, a maior parte das IMFs não adota integralmente uma ou

outra abordagem, mas buscam, muitas vezes, dar maior ênfase às características de uma

determinada visão.

Quando se trata das polítcas públicas de incentivo ao microcrédito, a concepção

adotada deve estar mais definida, deixando claro o foco da política e os objetivos a serem

alcançados.

Os programas governamentais de concessão direta de crédito subsidiado, bastante

comuns em diversos países na década de 80, costumavam priorizar o baixo custo dos

empréstimos, se mantendo constantemente dependentes dos aportes de recursos públicos.

Tais programas são alvo de contundentes críticas por parte de muitos autores que trabalham

com microcrédito. Isso acontece principalmente porque o crédito subsidiado pode prejudicar o

145

desenvolvimento de uma indústria de IMFs sustentáveis. Além disso, estes programas

costumam ser insustentáveis no longo prazo, devido ao seu alto custo para os governos.

Muitos autores (HARRY, HOLDEN e PROKOPENKO, 2003), entretanto, defendem a

existência de programas estatais de concessão direta de crédito, desde que não se faça uso de

subsídios. Outros defendem o uso do crédito subsidiado apenas nas situações em que o

governo complementa a oferta de crédito já existente, ao invés de substituí-la (HULME e

MOSLEY, 1996), ou, ainda, quando se tratar de uma política eficiente de combate à pobreza

(KHANDKER, 1998).

Ainda que os programas públicos de concessão direta de crédito sejam tratados com

restrições por diversos autores, a atuação estatal sobre o segmento microfinanceiro possui

reconhecida relevância. Nesse sentido, as políticas que visam a criação de um cenário

institucional adequado para o microcrédito e as microfinanças, assim como aquelas que

apóiam e financiam as IMFs, não costumam ser alvo de críticas para a maior parte dos autores.

No caso brasileiro, a história recente inclui iniciativas governamentais de diversas

formas, dentre as quais estão os programas de concessão direta de crédito, assim como

aqueles voltados para fomentar o mercado privado das IMFs. O desenvolvimento do

microcrédito e os avanços conquistados no país, especialmente na década de 90, se devem,

em grande medida, às estas políticas públicas.

O microcrédito vem sendo implementado no Brasil desde a década de 70, por meio do

surgimento das ONGs privadas, as quais atuavam, em geral, com o apoio de orgãos técnicos e

financiadores internacionais. A partir de meados da década de 90, começaram a surgir as

iniciativas estatais voltadas para fomentar a oferta de crédito aos micro e pequenos

empreendedores brasileiros. Como consequência disso, os anos 90 representaram a fase de

maior expansão do microcrédito no Brasil.

146

As iniciativas provenientes dos governos estaduais e municipais assumiram

basicamente duas formas. A primeira era representada pelas parcerias entre os poderes

públicos destas esferas de governo e as organizações da sociedade civil para a constituição de

instituições de microcrédito. A pioneira nesse sentido foi a Instituição Comunitária de Crédito

Portosol, cujo bem sucedido modelo de organização mista inspirou a criação de diversas outras

instuições nos mesmos moldes.

A segunda forma de atuação dos poderes públicos municipais e estaduais foi a criação

de programas de concessão direta de crédito subsidiado à população de baixa renda. Tais

programas foram, em muitos casos, chamados de Banco do Povo e eram, em geral, formados

exclusivamente por recursos púbicos.

Em meados dos anos 90 surgiram as duas iniciativas de abrangência nacional,

PROGER e o BNDES Microfinanças. A primeira merece destaque por ter sido criada pelo

Codefat no âmbito das PPEs constituídas a partir do surgimento do FAT, em 1990. A segunda,

por sua vez, se destaca por sua forma de atuação abrangente, a qual buscava o

desenvolvimento institucional das microfinanças.

O surgimento dos dois programas mencionados acima deixa evidente a opção do

Governo Federal de fomentar os micro e pequenos empreendimentos, por meio da expansão

do acesso ao crédito. Tais políticas contribuíram para a democratização do crédito no país,

assim como para a expansão e sofisticação das técnicas de gestão das Instituições

Microfinanceiras.

De um lado, o PROGER apresenta as características típicas das iniciativas

governamentais de concessão direta de crédito, ou seja, atua em grande escala, fornecendo

empréstimos a um baixo custo. Este programa, apesar de alcançar um elevado número de

benficiários, apresenta algumas distorções, tais como a manutenção das metodologias

tradicionais nas operações de crédito e a exigência de garantias reais. Como resultado disso,

147

as taxas de inadimplência são relativamente altas, e os grupos de menor renda são

freqüentemente excluídos do programa.

De outro lado, o BNDES, por meio do PCPP e do PDI, visava fomentar as IMFs e

estimular a sua permanência no mercado no longo prazo. Como estratégia para isso, o

programa buscava a inserção dessas instituições no Sistema Financeiro Nacional, deixando

claro a opção do Banco pela abordagem dos sistemas financeiros. O PCPP permitia o

financiamento do fundo de crédito das IMFs, e o PDI estava voltado para a realização de ações

para seu desenvolvimento institucional, além da articulação com outros atores para promover

mudanças no marco regulatório. O intuito do programa era estimular não só a auto-

sustentabilidade das IMFs, mas também, no longo prazo, a sua inserção no Sistema Financeiro

Nacional, de forma que elas pudessem ser reguladas pelo Banco Central e atrair investidores

privados. Entretanto, a descontinuidade do programa – devido à sua extinção em 2003 –

impediu o alcance de muitos dos seus objetivos de longo prazo.

Quando se compara os resultados obtidos com os dois programas mencionados acima,

verifica-se uma diferença relevante, especialmente em termos de público-alvo. Indicadores,

como o empréstimo médio e as caracerísticas demográficas do público atendido nos dois

programas, sugerem que a clientela das IMFs apoiadas pelo PCPP e pelo PDI pertencia a

camadas de renda mais baixas do que os empreendedores atendidos pelo PROGER, a

despeito da abordagem adotada pelo BNDES. Todavia, o perfil das ocupações criadas nos

empreendimentos apoiados pelo PROGER parece coincidir com as camadas mais vulneráveis

da PEA.

Ao fim da década de 90, o microcrédito havia ganhado um espaço considerável no

âmbito das políticas públicas no país, tendo se consolidado como um instrumento efetivo para

as políticas de emprego. Os anos 90 foram marcados por importantes avanços nas questões

referentes à democratização do crédito, os quais se devem, essencialmente, às medidas

governamentais voltadas para este fim.

148

Esta década foi caracterizada por uma aceleração do ritmo de crescimento da indústria

microfinanceira, evidenciada pela multiplicação do número de IMFs no país. Apesar disso, em

termos quantitativos, o microcrédito ainda é pouco desenvolvido no Brasil, especialmente

quando comparado a outros países em desenvolvimento, inclusive na América Latina. O

volume de crédito ofertado por meio das IMFs brasileiras, apesar de ter crescido de forma mais

acelerada a partir da década de 90, ainda é muito pequeno, e a demanda potencial está muito

longe de ser atendida. Segundo alguns estudos (GUIMARÃES e MEZZERA, 2003), até 2001,

apenas cerca de 2% dos clientes potenciais eram atendidos pelas IMFs existentes.

Não se pode deixar de registrar, entretanto, os avanços do cenário brasileiro em termos

qualitativos, proporcionados, em grande medida, pelas políticas públicas. Nesse sentido,

destaca-se o desenvolvimento de metodologias e ferramentas específicas para o microcrédito,

até então inexistentes no Brasil, assim como a disseminação de estudos e publicações

relacionados às microfinanças, trazendo para o país as discussões já iniciadas no cenário

internacional. Merecem destaque os investimentos em infra-estrutura realizados pelo BNDES,

no âmbito do PDI, como o desenvolvimento de metodologias de formação de agentes de

crédito, auditoria, classificação de risco, sistemas de informação para IMFs, entre outros. Com

a disponibilização destas ferramentas, o BNDES buscava criar melhores condições para a

expansão do segmento microfinanceiro no Brasil.

Outro avanço qualitativo de extrema importância no cenário brasileiro foram as

mudanças realizadas no marco regulatório, como resultado do esforço do Governo Federal,

envolvendo a Comunidade Solidária, o Ministério da Fazenda, o Banco Central e o próprio

BNDES. A isenção das OSCIPs em relação à Lei da Usura facultou a estas instituições a

cobrança de taxas de juros superiores a 12% ao ano, fator fundamental para a sua

sustentabilidade. Além disso, com a criação das SCMs passou a ser estimulada a entrada das

instituições com fins lucrativos neste segmento de mercado.

149

A percepção das microfinanças como um negócio auto-sustentável incentivou não

apenas a criação de SCMs, mas também a entrada de alguns bancos comerciais neste

segmento. A expectativa de se obter lucros com as IMFs pode atrair um número maior de

investidores privados para este setor, impulsionando desta forma o seu crescimento, assim

como a expansão da oferta de serviços microfinanceiros no Brasil, em termos de volume e de

diversidade dos serviços oferecidos. Entretanto, é importante que os bancos comerciais

recebam treinamento quanto às metodologias e tecnologias microfinanceiras, para que os

microempreendedores de menor renda não sejam excluídos do acesso a estes serviços.

A experiência brasileira no que diz respeito à atuação das instituições com fins

lucrativos no segmento das microfinanças é bastante recente. As SCMs foram criadas apenas

em 1999 e os bancos comerciais ainda apresentam resistência em atuar neste segmento. A

conquista de lucratividade pelas IMFs ainda não é uma realidade no país, sendo que a grande

maioria das instituições brasileiras ainda depende do apoio de programas públicos e de

organizações de doadores. Um fato que demonstra isso são as dificuldades de financiamento

encontradas pelas SCMs. Estas instituições, por terem fins lucrativos, não recebem apoio do

poder público ou das organizações de doadores, e acabam tendo que financiar quase a

totalidade de suas atividades com capital próprio. Durante a vigência do PCPP e do PDI, o

BNDES buscava preencher esta lacuna no financiamento das SCMs.

Neste aspecto, novamente, outros países da América Latina se encontram a frente do

Brasil. Em muitos países, a tendência de comercialização das microfinanças vem ocorrendo de

forma mais acentuada desde o início da década de 90. No Chile, por exemplo, como resultado

de uma política pública deliberada de incentivo à entrada dos bancos comerciais neste

segmento, alguns dos maiores bancos do país passaram a ofertar microcréditos. A mesma

tendência se verifica no Equador, no Peru e na Bolívia, onde antigas ONGs de microcrédito se

transformaram em instituições reguladas e passaram a auferir lucros.

150

No Brasil, as ONGs e OSCIPs ainda são predominantes, representando quase 80% do

total das instituições. Apesar disso, verifica-se aqui uma mistura de diferentes formatos

institucionais. Em geral, os tipos de IMFs diferem uns dos outros pelas abordagens adotadas

em relação às microfinanças. Cada um dos formatos institucionais – ONGs, OSCIPs, SCMs,

experiências governamentias, etc. – enfrenta um marco regulatório diferente e apresenta

distintas características quanto ao público-alvo, forma de atuação, missão e concepção a

respeito do microcrédito.

As distintas abordagens com relação às microfinanças coexistem no Brasil de forma

relativamente pacífica. “A existência de uma expressiva demanda ainda não atendida e a

concorrência relativamente reduzida, fazem com que os choques entre concepções diferentes

ainda não seja tão expressivo, o que possivelmente deverá mudar a médio prazo” (IBAM, 2003,

p.44). Com o crescimento do setor de microfinanças no Brasil, estas concepções podem vir a

se confrontar de forma mais acentuada.

Desta forma, no longo prazo a coexistência de políticas públicas com características tão

distintas – como é o caso do PROGER e do BNDES Microfinanças – talvez não seja mais

possível. Os resultados obtidos com estes programas poderiam ser potencializados se

houvesse uma coordenação entre eles, em torno de uma mesma abordagem. Nesse sentido, a

definição de modelo para o setor de microfinanças brasileiro, sem desrespeitar as

peculiaridades regionais, seria importante para guiar as políticas públicas e o marco regulatório

para o setor.

Não houve, tampouco, a articulação de tais programas com as demais PPEs,

constituídas nos anos 90 a partir da criação do FAT. As políticas públicas voltadas para a

expansão da oferta de crédito aos micro e pequenos empreendedores surgiram no mesmo

momento em que as PPEs brasileiras estavam se constituindo. Esse processo, entretanto, não

se deu de forma integrada, ou seja, não houve intenção explícita por parte do poder público de

151

estimular a articulação dos diversos intrumentos das PPEs, em especial o microcrédito, para

potencializar os resultados obtidos com as políticas.

Mesmo as medidas mais recentes de incentivo ao microcrédito, adotadas a partir de

2003, não mostraram uma escolha definida por uma ou outra abordagem, dentre as descritas

anteriormente. Tais medidas, por um lado, buscaram estimular a entrada dos bancos

comerciais no setor e, por outro lado, limitaram as taxas de juros a serem cobradas dos

tomadores finais, deixando a questão da auto-sustentabilidade das IMFs em segundo plano.

Não fica claro, portanto, qual a opção estratégica escolhida pelo poder público. Ou seja,

permanece em aberto se a opção é adotar o microcrédito como instrumento para a geração de

empregos ou para o combate à pobreza.

152

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