frigotto, gaudencio. educação e a crise do capitalismo real

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Frigotto, Gaudencio Ttulo: Educacao e a crise do capitalismoEste livro, de alguma forma, a continuao mais eloqente de A produtividade da escola improdutiva, texto que ainda hoje consulta obrigatria para aqueles que desenvolvem pesquisas na rea de Educao e Trabalho. Essa linha de continuidade entre duas obras separadas por uma dcada constitui um dado alentador e trgico ao mesmo tempo. Alentador, porque Frigotto continua discutindo de forma clara e decidida os enfoques Economicistas que reduzem a educao a um mero falor de produo, a "capital humano". r II" Trgico, porque esta ltima perspectiva continua expandindo-se com novas roupagens, com inditas e sedutoras mscaras, que convencem, inclusive, muitos intelectuais que a combatiam no passado. Tal continuidade entre ambos os trabalhos no deve nos fazer pensar que, em seu novo livro, Frigotto limita-se a denunciar que "o velho" ainda no morreu e que "0 navoU apenas uma armadilha que encobre um status quo imune ao passar do tempo. Justamente um dos valores mais destacados deste trabalho reside em que o autor pretende discutir a racionalidade (ou irracionalidade) que encerram os enfoques do neo-capital humano no atual contexto de profundas mudanas vividas pelas sociedades de classe neste fim de sculo.' A especificidade da crise estrutural que atravessa hoje o capitalismo real o marco no qual cobram materialidade as perspectivas discutidas pelo autor. a novo livro de Gaudncio Frigotto ajuda-nos a pensar que possvel renascer das cinzas, que possvel e necessrio lutar por um mundo mais justo e igualitrio. Simplesmente, porque a histria ainda no terminou. EDUCAO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL ~ PREFCIO Os socialistas esto aqui para lembrar ao mundo que em primeiro lugar devem vir as pessoas e no a produo. As pessoas no podem ser sacrificadas. Nem tipos especiais de pessoas os espertos, os fortes, os ambiciosos, os belos, aquelas que podem um dia vir a fazer grandes coisas nem qualquer outra. Especialmente aquelas que so apenas pessoas comuns ( ... ). delas que trata o socialismo; so elas que o socialismo defende. O futuro do socialismo assenta-se no fato de que continua to necessrio quanto antes, embora os argumentos a seu favor no sejam os mesmos em muitos aspectos. A sua defesa assenta-se no fato de que o"'-capitalismo ainda cria contradies e problemas que no consegue resolver.Enc Hobsbawm (I992b) A epgrafe de Hobsbawm apropriada para comear estas breves palavras sobre o novo livro de Gaudncio Frigotto. No apenas porque o historiador ingls constitui uma das referncias permanentes (tcitas ou explcitas) desta obra, mas tambm porque o seu contedo resume trs das principais razes que orientam a estimulante reflexo terica aqui proposta pelo autor do presente volume. Primeiramente, a necessidade de pensar as condies histricas que do origem profunda crise que atravessa hoje o capitalismo real, ultrapassando as VIses apologticas e apocalpticas. Em segundo lugar, a opo por realizar essa tarefa partindo de uma reflexo rigorosamente crtica desde a perspectiva do materialismo histrico; um materialismo histrico renovado e capaz de reformular-se ele prprio luz do colapso do socialismo sovitico e da queda dos regimes comunistas da Europa Oriental. Por ltimo, embora certamente n menos imptrtante, o livro de Frigotto prope um enorme desafio tico: pensar e compreender a crise do capitalismo desde um renovado enfoque socialista como forma de contribuir para a construo de uma sociedade democrtica e radicalmente igualitria, fundamentada nos direitos e que respeite as diferenas, a diversidade, uma sociedade -segundo Hobsbawm -de pessoas comuns, das maiorias, justamente aquelas condenadas pelo mercado mais absoluta misria. Este livro, de alguma forma, a continuao mais eloqente de A produtividade da escola improdutiva, texto que ainda hoje continua sendo de consulta obrigatria para aqueles que desenvolvem pesquisas na rea de Educao e Trabalho. Essa linha de continuidade entre duas ,obras separadas por uma dcada constitui, ao mesmo tempo, um dado alentador e trgico. Alentador, porque Frigotto continua discutindo de forma clara e decidida os enfoques economicistas que reduzem a educao a um mero fator de produo, a "capital humano". Trgico, porque ainda hoje esta ltima perspectiva continua expandindo-se com novas roupagens, com inditas e sedutoras mscaras que convencem, inclusive, muitos intelectuais que as combatiam no passado. Tal continuidade entre ambos os trabalhos no deve nos fazer pensar que, em seu novo livro, Frigotto limita-se a denunciar que "o velho" ainda no morreu e que "o novo" apenas uma armadilha que encobre um status quo imune ao passar do tempo. Justamente um dos valores mais destacados deste trabalho reside em que o autor pretende' discutir a racionalidade (ou irracionalidade) que encerram os enfoques do neocapital humano no atual contexto de profundas mudanas vividas pelas sociedades de classe neste fim de sculo. A especificidade da crise estrutural que atravessa hoje o capitalismo real o marco no qual cobram materialidade as perspectivas discutidas por Gaudncio neste novo livro. De fato, o contexto mais amplo da reestruturao capitalista contempornea no plano poltico, econmico, jurdico e educacional funciona como um enquadramento iniludvel para 'avanar tanto na crtica terica aos enfoques apologticos da sociedade ps-industrial, quanto para recusar as sadas individualistas e mstic'"" que acabam defendendo os intelectuais apocalpticos. Educao e a crise do capitalismo real um livro para ser lido luz da atual hegemonia dos regimes neoliberais e neoconservadores (tanto na Amrica Latina quanto num nmero nada desprezvel dos pases do Primeiro Mundo), e reconhecendo as novas condies materiais e culturais criadas a partir da crise do regime de ,acumulao fordista, de seus Estados de Bem-Estar e da prpria reorganizao (ou desorganizao) da classe operria que derivada de tal processo. E aqui cobra sentido a dupla tarefa crtica qual se prope Frigotto. pm primeiro lugar, discutir as novas concepes do "capital humano" que se respaldam na suposta legitimidade das teses do fim da histria e das ideologias, segundo as quais (e afortunadamente) o mundo e ser para sempre capitalista. A recusa de tais perspectiVas conduz o autor a discutir a validade das posies que as caracterizam no plano educacional. Frigotto analisa assim trs categorias bsicas no discurso neoliberal dos homens de negcio, dos organismos internacionais, das burocracias governamentais conservadoras e dos intelectuais reconvertidos: "sociedade do conhecimento", "educao para a competitividade" e "formao abstrata e polivalente". Em segundo lugar, realiza uma crtica no menos radical aos enfoques defendidos por trs autores que, desde ticas no convergentes e diferenciados aInda da trivialidade que caracteriza os admiradores do capitalismo ps-industrial, "acabam silenciando ou eliminando os grupos ou classes sociais fundamentais e os movimentos com eles articulados como sujeitos da histria, (o qual os conduz), ironicamente, a reforar a tese do fim da histria": Adam Schaff, Claus affe e Robert Kurz. No contexto de um capitalismo transformado, e no por isso mesmo excludente e discriminador, Frigotto desenvolve uma minuciosa anlise marxista da educao. Enfoque marxista que, na medida em que aplicado a ele prprio, reformula-se e enriquece-se. Logo, de certa forma, este livro difere da citada obra A produtividade da escota improdutiva. a leitor encontrar aqui novos conceitos, novos percursos tericos, novas perguntas e tambm, certamente, novas respostas a velhas perguntas. Por ltimo, este livro possui um inestimvel valor poltico. Ele contribui com um conjunto de idias relevantes no campo da ao poltica e, ao mesmo tempo, est inspirado na necessidade de profundar, defender e ampliar as experincias democrticas de resistncia e oposio ao programa de ajuste neoliberal existentes em nossos pases. No plano educacional, as reflexes de Frigotto inserem-se e inspiram-se numa multiplicidade de experincias alternativas de gesto que foram (e esto sendo) desenvolvidas no Brasil por administraes populares: Porto Alegre, Belo Horizonte, Angra dos Reis e muitas outras que constituem hoje um modelo de gesto eficiente e democrtica de uma poltica educacional pblica e de qualidade. Tais experincias inspiram o autor deste livro e so uma referncia tcita ao longo de todos os captulos que compem o presente volume. a novo livro de Gaudncio ajuda-nos a pensar que possvel "renascer das cinzas", que possvel e necessrio lutar por um mundo mais justo e igualitrio. Simplesmente, porque a histria ainda no terminou. Pablo Gentili Rio de Janeiro, maio de 1995INTRODUO difcil, mesmo para aqueles que transformaram o marxismo (de Marx) de teoria da histria e profunda ontologia em doutrina ou crena, no reconhecer o colapso do socialismo realmente existente e a necessidade de questionar pressupostos tericos e estratgias polticas que tomaram como referncia o pensamento e a obra de Marx e Engels. Isto, todavia, no significa, como veicula a ideologia hoje hegemnica, que o projeto socialistil uma quimera do passado, a teoria histrica de Marx e Engels est morta e, finalmente, a humanidade aprendeu a respeitar as leis da liberdade natural do mercado, da livre concorrncia e que, portanto, o capitalismo a forma de organizao social definitiva e desejvel da humanidade. Este livro; que trata das relaes trabalho-educao dentro das profundas transformaes deste final de sculo, por razes ticas, tericas e polticas, um esforo de remar contra a corrente. Primeiramente, sustentamos que o capitalismo deste final de sculo enfrenta sua crise estrutural mais profunda e sua perversa recomposio vem se materializando nas inmeras formas de violncia, excluso e barbrie. preciso, pois, mostrar, sem concesses, a crise e O colapso do capitalismo -Em segundo lugar, entendemos que as concepes ontolgicas e tericas do processo histrico elaboradas por Marx e Engels e desenvolvidas por outros marxistas como Gramsci, continuam sendo a base que nos permite uma anlise radical para desvendar a natureza e especificidade das relaes capitalistas hoje e, especificamente, da problemtica do trabalho e da educao. Base, tambm, para, na expresso de Eric Hobsbawm, renascer das cinzas e construir uma alternativa socialista efetivamente democrtica de relaes sociais. Temos clareza de qu'll no plano 'terico este trabalho enfrenta a tenso mais crucial. No presente, este embate d-se tanto com a avassaladora ideologia neoliberal ou neoconservadora, que tem no mercado o deus regulador do conjunto das relaes sociais, quanto com determinadas posturas ps-modernistas que, ao negrem a razo histrico-dialtica, o devenir histrico e de elos de universalidade humana, acabam reificando o momentneo, o transitrio, o efmero e a capilaridade do micro, do local e do circunstancial. A utopia, por este caminho, fica esmaecida e com ela, a ao poltica. D-se, tambm, de forma mais complexa, como veremos ao longo do texto, com posturas de pensadores de tradio marxista, mas cujas anlises acabam trabalhando mais o plano lgico e racionalista que efetivamente o plano histrico da realidade. Trs razes de ordem terica e 'tico-poltica nos animam a prosseguir a anlise da educao esuas relaes com a produo material (economia) e, mais amplamente, com a produo ideolgice simblica (idias, valores, concepes, conhecimentos etc.) no terreno do marxismo. Isto no nos exime da necessidade de dialogar e debater com contribuies que, no pertencendo a esta tradio terica ou at combatendo-a, so valiosas e indispensveis para a compreenso da problemtica aqui analisada. A primeira, nos sintetizada por Jame.son (1994) quando nos lembra que "o marxismo a cincia do capitalismo" e, portanto, no podemos postular sua morte se o seu objeto no despareceu. Ao contrrio, diz o autor, o marxismo a nica teoria capaz de pensar o capitalismo dentro de uma perspectiva histrica e dialtica evitando reducionismos, no sendo, todavia, imune a estes reducionismos e reificao conceituaI. A segunda razo explicitada por Paola Manacorda (1984), ao afirmar que uma teoria no deve ser abandonada porque enfrenta problemas novos. Uma teoria superada quando no tem capacidade de nos ajudar a analisar estes problemas. Neste particular, uma vez mais, Jameson qualifica a natureza -da,crise do marxismo. As crises do paradigma marxista sempre ocorreram exatamente nos momentos em que seu objeto de estudo fundamental-.-o capitalismo -parecia estar mudando de aparncia, ou passando por mutaes imprevistas e imprevisveis. Por fim, cabe insistir na tarefa da esquerda, particularmente dos socialistas, de no aderir ao pragmatismo do capitalismo que globaliza sua forma de extrao de mais-valia e redefine suas formas de excluso. Pelo contrrio, como assinala Anderson (1995), os que lutam para superar as relaes capitalistas de produo da existncia, por serem essencialmente excludentes, devem aprender da direita a no transgredir princpios ideolgicos e tericos. O autor adverte-nos de que, na dcada de 40, Hayek era uma voz isolada quando postulava a restrio liberdade e democracia como fundamentais para o sucesso capitalista. Trinta anos depois suas teses so a base da onda neoliberal que avassala o mundo. Neste sentido, ao mesmo tempo que devemos c..socjAl_IlO-.dJ-lho -proprietrws pnvaoos dos l!l.eioL e instrument~_sl".Esta' tarefa; marcada pela utopia, cui, s poder resultar do homem enquanto ser social, isto , como resultado do conjunto de relaes sociais. 1.3. Robert Kurz e o colapso da modernizao: a crise do trabalho abstrato A anlise de Kurz, "que arrisca uma leitura inesperada dos fatos", marcadamente irracionalista, pela amplitude e di versidade dos problemas que aborda, transcende o escopo deste trabalho. Buscamos, tanto neste item como no debate a seguir, apreender a tese central de seu trabalho relacionada com a Grise da sociedade do trabalh_'Lf-.do trabalho abstrato, a questo dasda..ei-s~c.~is~~;;;;erspeiiYa~_:gu:e-.apr'seiltaj)ar-a superao da sociedade regida pela forma mercadrIi"(fe rela;"es a SCiis:--.-------"'------.------. ~---------_. A tese bsica do autor a de queam()demiZcao constituda pela forma mercadoria de relaes, .sociais entra numa crise qualitativamente diferente das crises cclicas e est no horizonte do colapso. A peculiaridade ela tesed6-Kurz que fi forma mercadoria de produo e de relao socialjllC:jgi. a sociectadecapiliillst regida (mais ou menos) pela liberdade das 'regrasde mercio o socialismo real -s.ocialismo de Gaserna, como o denomi~a ::"'::,'qileTCincapaz de ro~per'com o trabalho abstrato, mas apenas o regulou pelo estatismo. Esta tese, por si e pelos argumentos que utiliza, traz tona um longo debate que, como apontamos no Captulo II, longe de ser novo, tem a idade do prprio capitalismo e das propostas socialistas. No tocante questo do trabalho, das classes sociais e \ da perspectiva da ruptura do capitalismo, a anlise de Kurz Iaposta deterministicamente na agonia e no fim do trabalhoI abstrato: da mercadoria fora de tra15alh,cmcnseqncia I lgica, i1role-ae-qualidade __ que tendem a se tomar senso comumentre ~s homens de neg6ClO, e seus aSSeSS()reS, que ocupam-lrigos debates em seminrios, simpsios, nos mais diversos mbitos, inclusive e, de modo crescente, nas Universidades. 12 A traduo destes conceitos em termos concretos d-se mediante mtodosque~~~buscam_~otiJ:l1Lz~t~111r.~,~_e~llil~-,_el1~rgia,matrias,~ trabalho vivo, aumentar a produtividade, a qualidade dos produtos e, conseqentemente, o hveldecompetifiVidade 11. "A mutao qualitativa consiste no seguinte: todo o progresso produtivo realizado at o presente assentava-se na transformao da matria mediante emprego de fontes de energia mais e mais potentes, agora a transformao da matria pode ser feita de fonna mais rpida, barata e perfeita, graas utilizao de informao codificada, memorizada, atravs de linguagens e sinais que automatizam saber e saber~fazer humano, com baixos custos de energia e de trabalho vivo". (Castro, 1994: 40-1) 12. importante enfatizar que, muitas vezes, estes conceitos, em realidades culturais. econmicas e educacionais to dspares como no caso brasileiro, quer pela existncia de um empresariado que teima em no abrir mo de suas origens e mtodos oligrquicos, quer por razes de natureza das prprias relaes intercapitalistas. no refletem, de fato, uma realidade concreta. Neste tipo de realidade o risco das vises apologticas se amplia enormemente. e de taxa de lucro. Dentre estes mtodos, a literatura destaca:' just in time e Kan Ban, que objetivam, mediante a integrao e flexibilizao, a reduo do tempo e dos custos de produo e circulao, programando a produo de acordo com a demanda; mtodos ou sistemas vinculados ao processo de produo como CAD e CAN e a vinculao de amhos ensejando a integrao do projeto com a manufatura; ou, como mostra Salerno (1994), outras estratgias m"lnos enfatizadas mas importantes de estruturao e organizah das empresas ou entre empresas que concorrem para os objetivos acima. Salerno destaca a focalizao, que "consiste em concentrar esforos naquilo que a vantagem competitiva da empresa"; a descentralizao produtiva, que consiste em deixar de produzir certos componentes e compr-los de terceiros; definio de projetos especficos, reduo dos nveis hierrquicos e. Na medida em que, como vimos nos Captulos II e III, o fantstico progresso tcnico vem demarcado pela lgica privada da excluso, este conjunto de mtodos e tcnicas de organizao e gesto do processo produtivo no s se inscreve nesta lgica como um mecanismo de ampliao da mesma. Os custos humanos so cada vez mais amplos, evidenciados ) pelo desemprego estrutural que aumenta, atingindo sobretudo os jovens e os velhos, o emprego precrio e a produo, mesmo no Primeiro Mundo, de cidados de segunda classe. Os sinais do carte?-de excluso da reestruturao capitalista so to fortes que nos induzem a procurar, para alm da nfase apologtica da valorizao do trabalhador e da sua formao geral e polivalente, qual seu efetivo sentido poltico-prtico. Tomados os termos em que a questo posta pelos organismos internacionais e pelos organismos de classe ou instituies que representam os homens de negcio lembram-nos da imagem formulada por Brecht ao dizer que, olhada de longe, a sociedade capitalista parece uma tbua horizontal onde todos so situados em condies de igualdade, mas que, olhada de perto, manifesta ser uma gangorra. O apelo valorizao, face reestruturao econmica, do "fator trabalho", da educao geralormao polivalente foi enfatizado por organismos como OIT, j em meados da dcada de 70. Ana Maria Rezende Pinto (1992), num trabalho com ttulo sugestivo, Pessoas inteligentes trabalhando com mquinas ou mquinas inteligentes substituindo o trabalho humano, examina como vrios pases desenvolvidos buscaram ajustar os sistemas educativos e a utilizao de outras estratgias empresariais, para fazer face s necessidades de um sistema produtivo que incorpora crescentemente anova base tecnolgica. Deste exame amplo, incluiodo indicaes do caso brasileiro, no qual constata uma nfase na demanda de educao geral, conclui: "~s mudanas em curso nos sistemas de_ensino examinados parecem sugerir que a produtividade da ~SQJa improdutiva ia no de todo funcional ordem capitalista". . (Rezende Pinto, 1992: 21) Na mesma direo, referindo-se s propostas dos empresrios, L. W. Neves destaca: O empresariado parece estar se dando conta de que o baixo nvel de escolaridade de amplas camadas da populao comea a se constituir em obstculo efetivo reproduo ampliada do capital. em um horizonte que sinaliza para o emprego, em ritmo cada vez mais acelerado, no Brasil, de novas tecnologias de base microeletrnica e da infonntica assim como de mtodos mais racionalizadores de organizao da produo e do trabalho, na atual dcada. (Neves, 1994: 10) tf.;) a investida dos homens de negcio, em defesa da escola '-bsica, d-se Sobretudo a partir do final dos anos 80, preciso ter presente, todavia, que isto nQ_significa que antes _disto os mesmos no estivessem atentos em relao educao que lhes convm. 13 A "novidade" reside exatamente no fato Ie a crtica incidir no puro e simples adestramento e na proposta da educao bsica geral. 13. Especialmente a partir dos anos 30, podemos perceber que a questo da educao e, sobretudo. do treinamento e qualificao para moldar e "fabricar" os trabalhadores algo que preocupa as lideranas polticas e empresariais. Em relao s dmarches para a criado Servio Nacional de Aprendizagem Industrial, ver Frigotto (1977). Se nos anos 30, os empresrios tiveram que ser induzidos por Getlio Vargas para cuidarem da formao profissional, hoje vemos que seus organismos de classe tomam a iniciativa para fazer valer seus interesses de classe face ao Estado. 150 A identificao dos atores organlcos desta investida em defesa da escola bsica e de suas propostas nos permite perceber que a mesma se mo.ve dentro de inmeras contradies e marcada pela histrica dificuldade e dilemas da burguesia face educao dos trabalhadores. O moviment()_~,a().ll1e.~mo tempo de crtica ao Estado, 11 ineficincia. da es,co.Ia pblica; de cohrand6Estaooll manuteno. daescola',defesa-daprivatii6 ou demecliismos zants.com algllmas pequenas variantes, aspreo.cllpes-. bsicas relativas ao ajustamento da educao aos interesses empresariais so expostas em do.cumentos ..daJ'lESP,.CNt_IEL, ~ENALln~til!!J..Herbert Levy da Gazeta Mercantil, Instituto Libe.ral,JEDl (Instituto de Estudos para Desenvolvimento Industrial) ou em documentos de rgos do governo ou vinculado.s a alguma Universidade. A FIESP, organismo que expressa as idias mais conservadoras do empresariado, lamenta-se sobre os riscos de investir na no.va base tecnolgica face ao fato da falta de mo-de-obra especializada e retoma a tese do capital humano: A carncia de pesquisa bsica e aplicad.a, a escassez de mode-obra especializada e a rpida obsolescncia das inovaes tornam os investimentos em setores de alta tecnologia os mais arriscados em um p~s de industrializao recente como o Brasil. Uma nfase maior em tecnologia de ponta dever ocorrer quando o pas estiver apto a investir maior parcela de recursos na formao de capital humano e P & D. (FIESP, 1990) A CNI dispe de um Instituto -IEL -especificamente encarregado. de analisar as tendncias e as necessidades do setor industrial no plano da educao e formao tcnico-profissional. Trata-se de um instituto criado. em 1969 com o objetivo. precpuo de funcionar como uma espcie de embaixador para sensiblzar e envolver as Universidades pblicas e privadas na defesa das necessidades da indstria nacional. S no ano de 1992, o IEL elabo.rou o projeto Pedagogia da Qualidade, com o apoio do CNI, SENAI e SESI, coordeno.u o. Encontro Nacional Indstria-Universidade sobre a Pedagogia da Qualidade A investida para se implantarem os critrios empresariais (23 e 24 de maro de 1992), realizou mais 16 encontros de eficincia, de "qualidade total", de competitividade em reas estaduais sobre educao para a qualidade e 15 cursos sobre incompatveis com os mesmos, como educao e sade, dequalidade (otal (relatrio do IEL de 1992). O IEDI, que reflete mais claramente o iderio dos empresi1sde mentalidade mais aberta e . que se articulam com pesquisadores ligados a ins'itutos de pesquisa ou a Universidades, tambm em 1992, produziu o documento Mudar para cOmpetir -a nova' ridadceJdu;Q}lp, estratgias empresariais. Neste documento, aps uma anlise AO esgotamento do mOOero fordista de organizao da produo e do trabalho e de caracterizar a especificidade da nova base tcnica vinculada, sobretudo, microeletrnica e informtica, apontam a questo educacional, particularmente uma slida educao bsica geral, como um elemento crucial nova estratgia industrial. (lEDI, 1992) Com uma mesma perspectiva, mas buscando influenciar diretamente as polticas educacionais do governo, o Instituto Herbert Levy da Gazeta Mercantil e a Fundao Bradesco encomendaram a Joo Batista Araujo de Oliveira e Cludio de Moura Castro a coordenao de um documento sobre Educao fundamental e competitividade empresarial _ uma proposta para o Governo.'4 Nesta proposta situam a escola bsica como um dever fundamental do Estado e apresentam diferentes formas mediante as quais as empresas podem colaborar com o poder pblico na educao bsica e no tipo de educao demandada para as empresas. 14. Joo Batista Araujo de Oliveira esteve vinculado durante muitos anos FINEP e, poca da realizao do documento, servia a OIT em Genebra. Cludio de Moura Castro, foi pesquisador do IPEA, coordenador do Programa ECIEL (Programa de Estudos Conjuntos de Integrao para a Amrica Latina) nos anos 70 e, poca da elaborao do documento, era difetor dos Programas de Fonnao Tcnica da OIT. Os colaboradores, todos eles ou esto ou tiveram passagem em rgos governamentais -Antnio C. R. Xavier, Cludio Gomes Colin A. Macedo, Emlio Marques, Guiomar Namo de MeIJo, Maria Tereza Infante e Srgio Costa Ribeiro. senvolve-se hoje dentro do setor "pblico". O que , sem 1 dvida, profundamente problemtico a presso da perspectiva ~ . neoonservadora para que a escola pblica e a Universidade em particular e a rea da sade se estruturem e sejam avaliadas dentro dos parmetros da "produtividade e eficincia empresarial". Mais preocup~~e ainda, quando os prprios dirigentes das Universidades pblicas aderem s idias da "qualidade total", sem qualificar esta qualidade.'5 Ao depurarmos o discurso ideolgico que envolve as teses ') da "valorizao humana do trabalhador", a defesa ardorosa da i educao bsica que possibilita a formao do cidado e de! , um trabalhador polivalente, participativo, flexvel, e, portanto, Ij com elevada capacidade de abstrao e deciso, percebemos \ . que isto decorre mais da prpria vulnerabilidade 'Iue do nov ! padro produtivo, altamente.,jutegrado. Ao contrrio do que, \; certas perspectivas apresentavam na dcada de 70, que prog-l \ nosticavam a "fbrica automtica", auto-suficiente, as novas tecnologias, ao mesmo tempo que diminuem a necessidade \ quantitativa do trabalho vivo, aumentam a necessidade qualitativa \do mesmo. , Dois aspectos nos ajudam a entender por que o capital depende de trabalhadores com capacidade de abstrao e de trabalho em equipe. Como nos mostra Salerno, o novo padro tecnolgico calcado em sistemas informticos projeta o processo 15. No plano mais geral so exemplos indicativos desta estratgia os debates recentemente promovidos pelo CODEPLAN-DF, sobre "Gesto da qualidade: tecnologia e participao" (CODEPLAN, 1992) e pelo Instituto Nacional de Altos Estudos (lNAE) e FINEP (1993). No plano mais especfico da educao, evidencia esta tendncia a relao cada vez mais estreita entre o IEL (Instituto Euvaldo Lodi) da CNI e o CRUB (Conselh9 de Reitores das Universidades Brasileiras). S em 1992, o IEL promoveu mais de uma dezena de seminrios com diversas Universidades. H Universidades que j tem seu "Programa de qualidade total e competitividade". Para uma -crtica a este tipo de adeso acrtica ver Chaui (1993), Cano (1992) e Anderson (1995). de produo com modelos de representao do real e no com o real. Estes modelos, quando operam, entre outros intervenientes, em face de uma matria-prima que no homognea, podem apresentar problemas que comprometem todo o processo. A interveno direta de um trabalhador com capacidade de anlise torna-se crucial para a gesto da variabilidade e dos imprevistos produtivos. (Salemo, 1992: 7) Por serem sistemas alt~mente integrados, os imprevistos, os problemas, no atingem apenas um setor do processo produtivo, mas o conjunto, e o trabalhador parcelar do taylorismo constitui-se em entrave. No basta, pois, queo trabalhador do "novo tipo" seja cagaz de identificar-e de-resolver os problemas e os imprevistos, Il)as de resolv-los emeqllipe: Para enfrentar a "vulnerabilidade" tecnolgica, o capital redescobriu a humanidade do trabalhador assalariado que foi ignorada pelo taylorismo. Forado pela vulnerabilidade e complexidade de sua base tecno-organzacionaI o capital passou a se interessar pela apropriao de qualidades scio-psicolgicas do trabalhador coletivo atravs dos chamados sistemas scio-tcnicos de trabalho em equipes, dos crculos de qualidade etc. Trata-se de novas formas de gesto da fora de trabalho que visam a garantir a integrao do trabalhador aos objetivos da empresa. (R. P. Castro, 1994: 43) Os aspectos aqui assinalados revelam que estamos diante de um processo em que o capital no prescinde do saber do trabalhador e do saber em trabalho'6 e forado a demandar trabalhadores com um nvel de capacitao terica mais elevado, o que implica mais tempo de escolaridade e de melhor qualidade. Revelam, de outra parte, que o capital, mediante diferentes mecanismos, busca manter tanto a subordinao do trabalhador quanto a "qualidade" de sua formao. Mas tamb.1llJleste processo que se evidenciam os prprios limiteu0unbigilidades 16. Para uma anlise da natureza das questes que uma srie de pesquisas buscam evidenciar ao examinar como se explicitam contradies, porosidades e lacunas no processo produtivo que depende de um saber que se elabora no espao do trabalho, ver Heloisa H. Santos (1992) e N. L. Franzoi (1991). ,lt livro foi Impresso na US GRFICA E EDITORA lTOA[ Atualmente, Vice-Presidente daAssociao Rua Visconde de Pamalba. 2.7S3 _ 8aIB~I CEP 03045-002 -SO) Paul... -Sf> _ FO)ne -292-5666 Nacional de Pesquisas e Ps-Graduao em com filmes fomecldo$ pelo edaor ! Educao (ANPEd) e membro do Conselho Editorial de cinco revistas. k \ ,