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FREI LUIZ TURRA no coração da vida Paz • Páscoa • Festa • Crescimento interior Programas radiofônicos vol. 2

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Page 1: FREI LUIZ TURRA no coração da vida - paulinas.org.br RADIOFONICOS-PDF/No... · tempo para se preparar, para que, ... Cristianismo 4. Vida cristã - Mensagens bíblicas (Programa

FREI LUIZ TURRA

no coraçãoda vida

Paz • Páscoa • Festa • Crescimento interior

Programas radiofônicos

vol. 2

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Frei Luiz Turra, autor de várias obras publicadas por Paulinas, encami-nhou para Paulinas Rádio diversas mensagens, textos simples, mas escritos com o coração, com a finalidade de auxiliar muitos sacerdotes, religiosos/as, leigos/as, apresentadores de programas de rádio, que dispõem de pouco tempo para se preparar, para que, dependendo do assunto, possam escolher um texto, um exemplo ou uma mensagem especial em um dos livretos para ilustrar melhor sua fala. Cada tema tem cerca de dois minutos de duração.

Com o título “No coração da vida”, vols. 1-2-3, o autor repassa os vá-rios momentos da vida de cada um: Fé – Festa – Paz – Páscoa – Morte – Vida e Crescimento interior são alguns dos temas tratados.

O melhor da criatividade não é fazer tudo novo. A boa criatividade é aquela que consegue atualizar, qualificar e aprimorar, a partir do chão de suas conquistas já obtidas.

Que estas mensagens possam ajudar a todos nos momentos de incerteza e sejam amplamente divulgadas entre aqueles que estiverem necessitando de uma palavra de conforto e alento.

Noemi Dariva fsp

5300

0-0

ISBN: 978-85-356-4203-2

9 788535 642032

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Turra, LuizNo coração da vida : paz : Páscoa : festa : crescimento interior : (programas

radiofônicos vol. 2) / Frei Luiz Turra. -- São Paulo : Paulinas, 2016.

ISBN 978-85-356-4203-2

1. Comunicação - Aspectos religiosos - Igreja Católica 2. Páscoa 3. Paz - Aspectos religiosos - Cristianismo 4. Vida cristã - Mensagens bíblicas (Programa de rádio) I. Título.

16-05882 CDD-248.4

Índice para catálogo sistemático:

1. Vida cristã : Mensagens bíblicas : Programa de rádio 248.4

1a edição

Ficha técnica – Livro

Direção-geral: Eliane De Prá Editora responsável: Noemi Dariva Organização dos textos: Noemi Dariva, fsp Revisão: Noemi Dariva, fsp Gerente de produção: Felício Calegaro Neto Capa e editoração: Manuel Rebelato Miramontes

Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Direitos reservados.

Paulinas Rádio

Instituto Alberione Rua Dona Inácia Uchoa, 62, 5º andar, sl. 507

04110-020 – SÃO PAULO – SPFone: (11) 2125-3595; [email protected];

[email protected]

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SumárioApresentação ................................................................................................... 6

PAZ

Gandhi e a possibilidade da paz ...................................................................... 9

Valorizando a paz artesanal ............................................................................11

Para uma civilização da paz........................................................................... 13

Ações de paz mais do que palavras .................................................................15

Fé e cordialidade de um morador de rua ........................................................17

PÁSCOA

É possível viver a alegria pascal? .................................................................... 20

Uma Páscoa necessária .................................................................................. 22

A leitura pascal da vida ................................................................................. 24

Ressuscitados e ressuscitadores ...................................................................... 26

Vivendo em ritmo de Páscoa! ........................................................................ 28

O que mudou com a ressurreição de Cristo ................................................... 30

A Páscoa e o novo da comunicação ............................................................... 32

FESTA

Não há povo sem festa .................................................................................. 35

Lugares de perdão e de festa .......................................................................... 37

Em Cristo a festa mudou .............................................................................. 39

Como vão as festas tradicionais? ................................................................... 41

... E a festa continua ...................................................................................... 43

CRESCIMENTO INTERIOR

Deixar-se provocar é crescer .......................................................................... 46

Surpresas de todos os tipos ............................................................................ 48

Em fraternidade com a juventude ................................................................. 50

Deste jeito, temos futuro? ............................................................................. 52

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A querida e procurada verdade ...................................................................... 54

Querendo aprisionar a verdade ...................................................................... 56

A verdade nos libertará .................................................................................. 58

Boatos com jeito de verdades ......................................................................... 60

Dirijo, não bebo! ........................................................................................... 62

Tesouros entre escombros .............................................................................. 64

A hora certa de parar ..................................................................................... 66

Parábola da árvore vaidosa ............................................................................ 68

Parábola da árvore sábia ................................................................................ 70

Que vida agitada é essa? ................................................................................ 72

Nem melhor, nem pior, mas diferente ............................................................74

A canção de um mendigo de rodoviária ........................................................ 76

Cuidado com os sentimentos ........................................................................ 78

Superando a rotina da vida............................................................................ 80

Superando o cansaço ..................................................................................... 82

Notícias positivas animam a esperança ......................................................... 84

Ajudar e ser ajudado ...................................................................................... 86

Voluntariado e qualidade de vida .................................................................. 88

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ApresentaçãoComo falamos na apresentação do 1° volume, faríamos

outros, com as mensagens enviadas pelo Frei Luiz Turra,

para auxiliar as pessoas que se dedicam à missão de divulgar

os valores do Evangelho, mediante programas radiofônicos.

“No coração da vida” vol. 2 contém mensagens com as-

suntos sobre Paz, Páscoa, Festas e Crescimento interior.

Portanto, a pessoa que for fazer um programa na rádio,

dependendo do assunto, escolherá um exemplo, um fato

ou uma mensagem especial deste livreto, podendo assim

ilustrar bem melhor sua fala. Cada tema tem cerca de dois

minutos de duração.

O melhor da criatividade não é fazer tudo novo. A boa

criatividade é aquela que consegue atualizar, qualificar e

aprimorar, a partir do chão de suas conquistas já obtidas.

Às vezes nos sentimos sem ânimo e cansados!... Escreve o

autor a um certo ponto: “Quem na vida não passa por horas

de duras provações, onde nos vemos carentes e necessitados

de algo? Como é importante quando alguém chega e nos

pergunta: Em que eu posso lhe ajudar?”.

É bem dentro desta caminhada humana, sempre exposta ao

cansaço de viver, que Jesus Cristo chega e proclama: “Vinde

a mim, todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso

de vossos fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós

o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde

de coração, e vós encontrareis descanso. Pois o meu jugo é

suave e o meu peso é leve” (Mt 11,28-30).

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Votos para que estas mensagens possam ajudá-lo nos momentos de incerteza, e sejam amplamente divulgadas e conhecidas por todas aquelas pessoas que estão necessitando de uma palavra de conforto e alento.

Noemi Dariva, fsp

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PAZ

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Gandhi e a possibilidade da paz

São inquestionáveis as muitas luzes que vão despontando no horizonte de nossa atualidade. Porém, é também notória a nebulosidade que nos envolve. Somos surpreendidos, com frequência, por cenas e cenários que nos deixam estarrecidos. Parece que o impossível a todo o instante se torna possível. Porém, confiamos que a arte sábia da não violência, ainda possa nos oferecer cenários espetaculares de convivência digna e feliz. As ideias de Gandhi, que se tornaram realidade há algumas décadas, são ainda possíveis e importantes em nossos dias. Cito algumas:

A honestidade: “Ser honesto é ainda mais importante do que ser pacífico”. O Mestre da não violência, prova que a mentira é a mãe da violência. Mesmo que alguém seja um tanto violento, se for sincero, passará a ser da paz, porque logo vai notar que não há necessidade de recorrer à violência para viver e conviver. Não existe alternativa entre a não violência e a verdade, e a falsidade e a violência. Ou, ou... Mesmo ferida, a verdade sempre triunfará.

A interdependência: Certa dose de autossuficiência faz parte natural do ser humano. Porém, esta necessita imperio-samente da interdependência para garantir a integração com a sociedade e o universo. Sem esta integração a pessoa sufoca-se no seu egoísmo que a escraviza.

Cordialidade e verdade: Dificilmente convencemos al-guém somente pela verdade. Não podemos apelar apenas para a cabeça. Precisamos conquistar o seu coração. A cordialidade é sempre uma porta que se abre para a verdade ser aceita.

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Depor a arma da ganância: O ímpeto de exploração exis-tente nas pessoas leva a negociar armas, como se fosse um mecanismo normal de lucro. O princípio da não violência exige uma completa abstenção da exploração por qualquer motivo.

Liberdade num caminho original: A verdadeira liber-dade se conquista num caminho original e não na cultura da maioria massificada. Não se pode ter compromisso com a covardia. A não violência exige bravura, sabendo que esta triunfa sobre a violência.

Investir na força moral: “É a força moral que governará o universo... Se quisermos ser salvos e efetuar uma contribuição substancial ao progresso do mundo, nosso caminho deve ser enfático e predominantemente o da paz”.

Fé intensa em Deus: Não há como investir na não violên-cia sem uma fé intensa em Deus. O poder da graça de Deus dá sustentação à pessoa para a não violência. Deus habita no coração de todos. Não deve haver medo na presença de Deus. O conhecimento da onipotência de Deus implica no respeito pelas vidas de todos.

Ser mensageiro da paz: Gandhi diz que um mensageiro da paz precisa ter um caráter irrepreensível e ser justo. A sinceridade e a bondade são virtudes indispensáveis para um membro da brigada da paz. “A não violência... é a única coisa que a bomba atômica não pode destruir” (Gandhi).

Dentre os tantos e verdadeiros ensinamentos deste “pro-feta da paz”, apenas acenamos alguns. Certamente poderão nos sugerir atitudes humanas e, por que não dizer, cristãs, para sermos também agentes ativos da paz em nossos dias?

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Valorizando a paz artesanalNesta palavra há alguns elementos significativos que ilu-

minam o compromisso concreto na edificação da paz. Em primeiro lugar, confirmamos que a palavra artesanal está na relação com o artesão. O artesão não fica esperando milagres fáceis, nem se joga na carona dos outros para progredir.

É próprio do artesão acreditar em seu potencial, tomar a iniciativa e pôr-se em ação criativa, mesmo não tendo toda a clareza dos resultados finais. O artesão sabe que é um artífice e não pode se acomodar na espera de todo o mundo.

Em segundo lugar, o que é feito de modo artesanal é feito com arte e não de qualquer jeito. O artesão procura imprimir o melhor de sua imaginação naquilo que faz, porque sabe que sua obra também o constrói, como pessoa, e é benéfica para os outros. Nenhum artesão, que se presa, inventa com suas mãos algo prejudicial para sua história. Ser artesão verdadeiro é sempre uma honra. Em terceiro lugar, acenamos o elemento transformação, em toda a obra artesanal. O artesanato, geral-mente, parte da mente para o coração e do coração para as mãos. Costuma-se dizer que toda a obra artesanal é imagem e semelhança do artesão.

O que é mesmo a paz artesanal que o Papa Francisco nos sugere? Além de gritar ao mundo para globalizar a fraterni-dade e a solidariedade, não a escravidão, nem a indiferença, e combater as redes transnacionais do crime organizado, o Papa nos pede para: “... praticar, no dia a dia, pequenos gestos, como: dirigir uma palavra, trocar um cumprimento, dizer ‘bom dia’, ou oferecer um sorriso etc. Estes gestos têm imenso valor e não nos custam nada, podem dar esperança, abrir caminhos, mudar a vida de uma pessoa que tateia na invisibilidade e

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mudar também a nossa vida” (Francisco: Mensagem do 48º Dia mundial da paz, 2015).

Há um pensamento oriental que diz: “Em geral é nas pequenas pedras do caminho que nós tropeçamos e não nas grandes, porque estas as vemos de longe”. Se muitas guerras diárias começam nas pequenas coisas do cotidiano, também a paz pode ser cultivada e promovida, de maneira artesanal, no cuidado e no cultivo das pequenas pazes de cada dia e a partir de cada pessoa que toma consciência de poder ser um artífice da paz.

A paz artesanal pode ser edificada por um gesto de humil-dade de quem não vê no outro um rival, nem um competidor, mas um irmão; pode ser edificada por uma palavra de estímulo a quem, normalmente se vê agredido pela indiferença, pela exclusão ou pelo desprezo. Há tanta gente agressiva, quantos são os mal amados. Podemos tecer a paz artesanal pelo silêncio oportuno, especialmente pelas obras de caridade pelas quais seremos julgados.

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Para uma civilização da pazQuem acompanha as idas e vindas do Papa Francisco; quem

lê seus escritos; e quem ouve seus pronunciamentos e procura entender seus gestos proféticos, logo vai concluindo que sua mensagem quer comunicar o dom da paz que o Ressuscitado nos deixa e que São Francisco dela se fazia instrumento.

Uma civilização de paz parece um sonho, pois a onda de terrorismo exacerba o instinto de vingança e faz desencadear a violência. A violência tende a ser combatida com a violência e assim a paz está sempre manchada de sangue por toda a parte. Uma civilização de paz poderá despontar no horizonte da história na medida em que houver paz entre as religiões. Aqui também, as barreiras se tornam fortes na medida dos fanatismos.

O desarmamento das mãos começa com o desarmamento dos espíritos. Para este desarmamento necessitamos um inves-timento muito elevado, e este, só poderá compensar quando pudermos experimentar a revolução do amor. Aqui vale lembrar que para Francisco de Assis, inspirador do Papa Francisco, a paz não é um imperativo categórico da razão e nem um im-pulso generoso do espírito romântico. É um imperativo que brota da fé vivida e do desejo deste dom messiânico.

A paz para uma civilização, não é um valor a ser negocia-do. Geralmente, as negociações de paz têm pouca força para torná-la duradoura. A paz, compreendida e vivida por Fran-cisco é um valor absoluto que reclama os melhores esforços e reservas espirituais e humanas de todos e cada ser humano. Tantas vezes nos sentimos impotentes diante da fragilidade da paz no mundo, mas podemos nos sentir fortes naquela paz que podemos gerar em nós e ao nosso redor.

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O cristão de Assis, chamado Francisco, não foi alguém que ficou esperando dos outros a promoção da paz. Ele soube oferecer sincera paz, profunda alegria, fraternidade convicta, doação gratuita de si mesmo e a capacidade de poder celebrar o grande sacramento da vida. Soube mostrar existencialmente a face oculta do ser humano: a inocência recuperada e o en-canto de uma vida reconciliada.

Francisco de Assis, em seu tempo, traduz como possível a utopia do evangelho. O Papa Francisco, para o nosso tempo, nos propõe a “Alegria do Evangelho”, como possível para a humanidade. Desta semente, seguramente brota a paz para uma civilização: paz como experiência, paz como missão, paz como estilo, paz como destino.

Em todas as pregações que Francisco de Assis realizava, antes de anunciar a Palavra de Deus aos presentes, lhes dese-java a paz, dizendo: “O Senhor vos dê a paz!”, a quem encon-trasse no caminho desejava esta paz. Com isso, tinha clareza de que a paz, antes de ser uma tarefa humana, precisava ser acolhida como dom de Deus. Quando temos consciência de que a paz é sagrada e reflete a presença viva do Senhor, então faz calar nossa humana rebeldia e nos chama a reverenciá-la e comunicá-la aos outros.

São muitos os fatos reais, em situações de conflito, onde Francisco se fez mediador de paz, dando amostras claras de que a paz é possível também para uma civilização.

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Ações de paz mais do que palavras

Sabemos que na história, não faltaram e não faltam tratados de paz, nem discursos de paz. Isto é tão verdade, que muitas vezes imaginamos a paz como responsabilidade só dos go-vernantes e líderes. A paz, indiscutivelmente, é um dom de Deus. É o mais precioso dom! Porém, a paz é para nós, uma permanente tarefa a ser efetivada.

Entrando nos contrastes da vida do dia a dia, o mundo das comunicações vai confirmando ações de violência que nos colocam diante dos mais trágicos cenários. As grandes violências, em geral, não chegam de improviso, mas vão se avolumando a partir das pequenas violências, de palavras agressivas, de atitudes de desrespeito, de traições que ferem promessas de amor, do ingresso no mundo das drogas etc.

As pequenas guerras e violências das casas, das ruas, dos estádios e da sociedade, são acesas por pequenas chamas que vão se alastrando e se avolumando. Acreditamos piamente, que a grande paz, começa também pelas pequenas pazes de cada dia. É a paz que vem de um sorriso amigo, a paz de uma palavra de apoio, a paz de um gesto de acolhida, a paz de um silêncio paciente que não revida tudo, a paz que não admite fofocas, a paz da tolerância. Enfim, a paz é possível como fruto da justiça.

Mais do que palavras, necessitamos ações de paz, pois esta não é ausência de guerra, mas presença de amor, em atos e verdade. Benditas as pessoas que acreditam no valor da so-lidariedade e por esta, criam laços de amizade; promovem diálogos de entendimento e reconciliação; dedicam-se em

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serviços voluntários que cuidam e promovem a vida. Ben-ditas as famílias que conseguem sentar à mesa do diálogo e não permitem o monólogo da televisão ou outros meios de comunicação. “Quão belos são os pés dos que trazem a notícia da paz” (Is 52,7).

As pequenas pazes de cada dia que acontecem por nossas ações reais, poderão garantir que a paz é possível. O mundo, hoje, tem um mestre acreditável da paz, na pessoa do Papa Francisco. Quem de nós não lembra, com encanto, o gesto de ter desviado o caminho oficial até Belém, para ir rezar pela paz diante do muro que divide Israel e Palestina? Quem de nós não fica impressionado por seus diálogos com os gover-nantes em conflito e com os líderes religiosos mais radicais? E em suas viagens, por onde faz questão de passar e a quem deseja encontrar? A paz é possível desde que assumamos a nossa responsabilidade.

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Fé e cordialidade de um morador de rua

Há lições de vida que nos chegam de onde menos es-peramos. Há riquezas envoltas em aparentes misérias. Há bondades onde os medos criam distâncias. Há belezas em humanos maltrapilhos e em semblantes desfigurados. Existe também satisfação de viver onde há cenários aparentemente desconfortáveis e desprotegidos. Existem mistérios, também onde a maioria desvia o olhar e rejeita dar atenção.

Num local próximo a uma igreja de Porto Alegre, há mui-tos anos, mora um senhor à beira de uma rua movimentada, embaixo da marquise de uma farmácia. Com chuva ou sol, noite e dia, lá está o nosso irmão, sempre contente e de bem com a vida. Assistentes sociais tentaram oferecer-lhe um local mais confortável, mas nunca aceitou.

Conversando com moradores vizinhos, todos são unâni-mes em dizer que este morador de rua é diferente. É de paz e sempre amigo de todos. Uma pessoa lhe garante alimento, outros, proteção em tempo de chuva, enfim é alguém que está bem, mesmo em situação que nós achamos ser das piores.

Num destes dias, passei pelo morador e o vi sentado numa caixa e em sua frente estavam duas cadeiras. Chamou-me atenção este cenário diferente do comum. Ao retornar, como sempre, o vi alegre e tranquilo. Então encorajei-me a pergun-tar qual era o motivo dele estar sentado na caixa e ter em sua frente duas cadeiras vazias.

No momento imaginei que ele nada me responderia, mas, de imediato disse-me que as cadeiras não estavam vazias. Eu as vi assim, mas ele não. Afirmou que numa cadeira

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estava sentado o santo dele e na outra, a cada momento, ele imaginava estar sentado um amigo seu. E concluía: “Eu nunca estou só! O meu santo é Santo Antônio, porque meu nome é Antônio. Ele nunca me deixa só. Está sempre ao meu lado e eu não deixo ninguém sentar na cadeira dele. Por aqui todos são meus amigos. Então eu imagino que a cada hora venha um amigo me visitar e falar comigo!”

Imaginei que seria ridículo questionar suas convicções ou, pior ainda, manifestar qualquer desprezo. Conversamos mais um pouco e logo saí para meus outros compromissos. A resposta explicativa deste morador de rua, deixou-me inquieto e fez-me pensar. Em poucos minutos conseguiu testemunhar uma significativa lição de fé e humanidade.

Do que vi e ouvi, tiro algumas lições que me ajudam. O imprevisível pode nos oferecer boas surpresas que o previsto não oferece. “Deus não está longe de cada um de nós, nele vivemos, nos movemos e existimos” (At 17,27b-28). Cristo louva e bendiz ao Pai que revela seus segredos aos simples e pequeninos e não aos que se dizem sábios e entendidos. A linguagem simbólica, no caso das duas cadeiras, é apelo de humanização e um recurso de fé para a fé e a cordialidade.

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PÁSCOA

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É possível viver a alegria pascal?

Há uma pergunta inquietante que percorre os cantos da terra, onde os humanos se deparam com realidades tão obs-curas e agressivas: Como se pode falar de alegria pascal, quando sabemos que há tantos impedimentos que a roubam da humanidade: as guerras, os sofrimentos, as injustiças e agressões de tantas formas?

Na verdade, a alegria pascal não é uma sensação alienada ou alienante, mas um direito sagrado de todos os humanos. Em todo o ser humano existe um pedaço de solidão que nenhuma intimidade humana consegue preencher. É ali que Deus nos encontra. É ali, nessa intimidade, que se encontra o segredo da alegria do Cristo Ressuscitado. A alegria é como um pedaço de chão que cultivamos em nós; é como uma pequena quadra de esporte onde exercitamos a liberdade e a espontaneidade.

Como cristãos, discípulos do Crucificado-Ressuscitado, não podemos cruzar os braços diante do ser humano, vítima do ser humano. Reduzir à miséria o que há de mais precioso e sagrado que é a pessoa, imagem e semelhança de Deus, é inadmissível. A justa indignação faz parte da fé cristã. Porém, na ânsia de maior justiça não podemos renunciar o cultivo da alegria interior oferecida e garantida a todo o cristão pela Páscoa do Senhor. Caso renunciemos nosso direito à alegria cristã, estaríamos nos vergando sob o fardo de nosso desespero e oferecendo à humanidade a nossa tristeza. Diante de tantos problemas seríamos mais um problema.

Por acaso, para viver na alegria estaríamos impedidos de combater e lutar pela justiça? Ao contrário! Sabemos que a

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alegria não é apenas uma euforia passageira. É animada por Cristo em homens e mulheres plenamente lúcidos quanto à situação do mundo, capazes de assumir grandes desafios e empreender a via-sacra da vida, na certeza de um final feliz.

A estas alturas da reflexão, também é importante lembrar que a alegria pascal não é uma diversão passageira ligada a uma festa, ou um momento festivo. A verdadeira alegria pascal inaugura-se na certeza de que o “último inimigo foi vencido, isto é, a morte” (1Cor 15,26).

São Paulo insiste: “Alegrai-vos sempre no Senhor!” (Fl 4,4). Diante desta insistência de Paulo para viver a alegria, o que nos deixa inquietos é a palavra “sempre”. Na verdade, nem sempre estamos alegres pelas muitas interferências que despontam no caminho, como: doenças, intrigas, angústias e situações de pobreza etc. Porém, mesmo assim podemos “ser alegres”, embora nosso rosto não consiga manifestá-lo.

A Páscoa de Cristo resgata, ao ser humano, o argumento imbatível da possível alegria permanente, mesmo que esta precise conviver com o cotidiano da cruz. “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e siga-me” (Lc 9,23). Em Cristo não há qualquer sintoma de masoquismo, mas um amor sem limites, capaz de abraçar a cruz e nela morrer para ressuscitar e garantir a todos a pos-sibilidade da ressurreição.

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Uma Páscoa necessáriaSempre foi difícil tentar interpretar a vida e a história. O

difícil desta arte não significa complicação. Ao contrário: é por ser tão simples, que nos damos ao luxo de complicar de mil maneiras com nossas pretensões, apenas humanas. Isto nos faz ver a vida com olhar reduzido e imediatista, a ponto de vivermos em ritmo de bipolaridade existencial, oscilando entre o otimismo eufórico e o pessimismo depressivo.

A superficialidade e o imediatismo criam em nós uma sensação de vazio que termina questionando até mesmo o sentido da vida. Os recursos às ciências humanas têm seu valor, mas não garantem tudo. Necessitamos viver a dimensão Pascal da vida, antes e depois de celebrarmos o cerimonial da Semana Santa.

E se a Páscoa desaparecesse? Imaginemos que num belo dia acordássemos numa sociedade bem organizada, funcional, farta e monumental, mas vazia de espontaneidade e alegria de viver... Imaginemos que as pessoas virassem apenas cérebro sem coração, sem afetividade, sem poesia, sem intuição a ponto de esvaziar o mistério...

Ao colocarmos essas hipóteses contrastantes com os sonhos do coração humano, o fazemos para dar-nos conta de que, o sentido verdadeiro da Páscoa é a sua força revolucionária sempre ativa, atual e profunda. A globalização da esperança começa com a Páscoa de Cristo e, a partir dele, difunde-se com nossas pequenas páscoas de cada dia. Esse princípio im-batível da esperança cristã não vem de uma ideia vaga, mas daquele que desceu ao coração da terra, onde está a raiz da solidariedade, de onde jorra o poder criador de Deus.

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Sabemos e sentimos que a humanidade precisa voltar a sorrir. Não só a dar gargalhadas em momentos de euforia, mas permitir que o sorriso do rosto parta da alegria do co-ração, onde se experimenta a singeleza da ternura de Deus e a beleza de sermos irmãos. A Páscoa nos ensina que a alegria não é apenas uma euforia passageira, mas é movida por Cristo em homens e mulheres plenamente lúcidos quan-to à situação do mundo, capazes de assumir os mais graves acontecimentos, interpretá-los e administrá-los com o vigor do Crucificado-Ressuscitado.

A Páscoa não é apenas necessária anualmente em seu es-paço do Ano Litúrgico. Páscoa precisa se tornar um ritmo da vida cotidiana, como chave de compreensão das alternâncias de nossas pequenas mortes e pequenas ressurreições de cada dia. “A cada dia morremos um pouco, mas também ressusci-tamos um pouco”.

Não estamos mais habitando um mundo arruinado, a ca-minho trágico de um desfecho de morte. O coração do mundo já está redimido e mudado. Em Cristo, tudo está recriado. O que nos espera é a plenitude e não o vazio. A elegância de viver e conviver, de agir e festejar, de amar e de sonhar pode contagiar e qualificar tudo o que somos e fazemos, a partir da presença e da ação todo-poderosa do Filho de Deus.

Se a cada ano a Páscoa é necessária. Neste ano parece ser ainda mais, como argumento e força de resgate da esperança, ferida e atingida por tantos tipos de atentados. Que a nossa Páscoa permaneça.

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A leitura pascal da vidaNo percurso de nossa vida aqui na terra, não nos custa cercar

de encantamento os fatos extraordinários e positivos que nos atingem. Também é fácil nos sensibilizar por acontecimentos tristes e dolorosos que podem nos surpreender. Diante de uns e outros, nem sempre sabemos o que dizer e o que pensar, mas temos consciência do que sentimos.

Os dias vão se sucedendo, as semanas, meses e anos tam-bém. Num piscar de olhos o tempo se vai. Nosso viver aqui na terra tem os dias contados e os cemitérios registram as datas de nascimento e de morte de todos os que passam por aqui. O que aconteceu neste espaço de tempo aqui vivido? Como foi a intensidade desta existência única, intransferível e insubstituível? Eis a questão!

Aqui aprendemos a lidar com coisas e máquinas; vamos treinando habilidades que dominam a natureza e transformam cenários; acompanhamos fatos de uma extremidade a outra da terra em poucos segundos; aprimora-se o domínio da ciência e da técnica e novas invenções facilitam os meios ao nosso alcance. Porém, como é difícil aprender a ler o simples mistério de nossa vida cotidiana, desde o amanhecer ao pôr do sol!

Geralmente, quando se pergunta a alguém: “Como vai? Ou como está?” ouve-se a resposta: “Vamos indo!...” E assim a vida vai! Com razão alguém escreveu num para-choque de caminhão: “O importante não é somar anos à vida, mas vida aos anos!” Ter consciência e dar relevância aos momentos de nosso viver, ao que somos e fazemos, é um grande atestado de sabedoria. A vida não é um suceder-se de improvisos e empurrões.

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Nós cristãos temos uma chave de leitura para a vida e os fatos. Temos uma luz que incide no cotidiano sem oscilar. À luz do Mistério Pascal de Cristo, podemos aprender a fazer a leitura pascal da vida, sem nada perder, mas tudo a ganhar. Paulo apóstolo confirma esta dinâmica pascal da vida quando diz: “Mesmo que o nosso físico vai se desgastando, o nosso interior, pelo contrário, vai se renovando cada dia... O que é visível é passageiro, mas o que é invisível é eterno” (2Cor 4,16-18).

É natural chegarmos à noite, após um dia de trabalho, preocupações e ocupações de todo o tipo, colocarmos a cabeça no travesseiro para o justo descanso. Nesta hora, não basta dizer a si mesmo: “O que passou, passou!”

Também não é bom encerrar o dia levando para o sono o gosto amargo de nossos problemas enfrentados. Se treinar-mos a leitura Pascal da vida, vamos percebendo que a alter-nância vida e morte não é uma fatalidade, mas um processo de gestação que pode se eternizar no amor nos passos do Crucificado-Ressuscitado.

Mesmo experimentando nossas humanas contradições, onde se alternam erros e acertos, êxitos e fracassos, saúde e doença, vitórias e derrotas, amores e desamores, sabemos que a última palavra é sempre da vida e não da morte. Com os olhos fixos em Jesus, nos entenderemos mais e melhor e aprenderemos a conviver com este mistério de vida que habita em nossos corações.

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Ressuscitados e ressuscitadores

Sabendo ou não sabendo somos ressuscitados com Cristo e em Cristo. É tão fácil andar pela vida de cabeça baixa vendo--nos sentindo-nos com uma vida sem sentido e vazia. Por vezes temos a impressão de que ainda não chegou o terceiro dia da ressurreição e ficamos rodeando o túmulo de nossos desen-cantos, chorando o desânimo dos tempos difíceis. Como os discípulos de Emaús, vamos andando pelo caminho de volta, mais mortos do que o crucificado.

O Apóstolo Paulo, sabendo que a comunidade cristã de Co-lossas, na Ásia Menor estava desprotegida e exposta à pessoas que desprezavam a nova proposta de vida do Evangelho e complicavam com especulações infundadas, escreve uma carta de exortação e ânimo. Cito uma das frases fundamentais: “Se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alto, onde Cristo está à direita de Deus; cuidai das coisas do alto e não do que é da terra... Vossa vida está escondida com Cristo, em Deus. Quando Cristo, vossa vida, se manifestar, então vós também sereis manifestados com ele, cheios de glória” (Cl 3,1-4).

Em Cristo somos ressuscitados. “Deus nos deu a vida com ele” (Cl 2, 13). “É por graça que fomos salvos mediante a fé!” (Ef 2,8). A Páscoa situa-nos diante da mais alegre exigência de algo novo: novo no mundo, novo na história, novo em nós mesmos, nova na Igreja. A presença de Cristo Ressuscitado, o verdadeiro “Homem Novo” (Ef 2,15) é o apelo permanente à nossa renovação profunda nele, por meio do Espírito.

A Ressurreição de Cristo nos pede e nos ensina a ler a história por dentro e avaliar as coisas e a vida humana de

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acordo com a sua dimensão definitiva. A vida é sagrada e seus direitos são invioláveis. Como ressuscitados em Cristo somos chamados a superar a superficialidade e perceber o imenso potencial de vida, esperança e amor que habita em nós e que não pode ficar sepultado no túmulo da indiferença e do vazio.

“Fomos gerados de novo pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma esperança viva” (1Pd 1,3). Se assim aconteceu e nós reconhecemos e acolhemos esta ressurreição que nos vem de Cristo, como ressuscitados, somos chamados também a sermos ressuscitadores. Assim nos tornamos:

• Quando alimentamos em nossa mente uma certeza de que “sabemos em Quem acreditamos” (2Tm 1,12) e em Jesus experimentamos o júbilo de um encontro mais profundo e definitivo.

• Quando nossa adesão ao Ressuscitado nos leva a sermos discípulos missionários no meio em que vivemos.

• Quando aprendemos a nos alegrar com os que se alegram e chorar com os que choram.

• Quando, apesar dos sinais de morte, acreditamos e inves-timos para o triunfo da vida.

• Neste caminho de ressuscitadores estão as obras de mise-ricórdia nos chamando a dar água a quem tem sede, pão a quem tem fome, visita aos doentes e presos, veste aos nus etc... pois seremos julgados pelo amor e só o amor nos faz ressuscitados e ressuscitadores.

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Vivendo em ritmo de Páscoa!

Se, por acaso, num dia acordássemos numa sociedade bem organizada e harmônica, numa terra sem males, farta, mas vazia de espontaneidade, como nos sentiríamos? Se andás-semos pelas estradas, no meio dos humanos, desprovidos do mistério, da poesia, da alegria espontânea, sem intuição e sem afetividade, como conseguiríamos viver? Se não tivéssemos mais lutas para cantar vitórias, nem barreiras para conquistar liberdades, o que faríamos de nossa existência?

É o ritmo que dá beleza a toda a música. E este, necessi-ta de tempos fortes e tempos fracos, nem só fortes, nem só fracos. O ritmo da vida normal também experimenta tempos alternados, relevantes e irrelevantes, fracos por nossos limi-tes e fortes por nossas possibilidade e, acima de tudo, pelas possibilidades que Deus potencializou em nós.

O ritmo pascal de nossa vida experimenta cruzes e mortes, esperanças e ressurreições. Em nosso viver diário, sempre se faz importante a expressão: “Apesar de...” Como é bonita a fé cristã no Crucificado-Ressuscitado que consegue administrar o dia a dia da vida, formulando expressões como estas: “Apesar dos pecados, existe a misericórdia”. “Apesar dos sofrimentos, existe a força da fé e a solidariedade humana”. “Apesar de nossas perdas, temos possibilidades de novas conquistas”. Apesar de necessárias renúncias, temos uma reserva de graças por onde transitar com novas escolhas.

Quando nos falta sentir e acolher o ritmo Pascal da vida, vamos tecendo as alternâncias da vida como se tudo fosse uma fatalidade. “Tinha que acontecer...!” “É assim mesmo...!” E a

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vida passa, sem relevância, quando não, sem sentido. Inter-pretando e experimentando a vida em ritmo pascal, tudo vai se iluminando, até mesmo as trevas. Quando o sol se põe, já garante um novo amanhecer!

Já sabemos demais que nossa vida não transcorre sempre “num mar de rosas”, até porque não há rosas sem espinhos, como não há ressurreições sem cruzes. Difícil é admitir que a dor faz parte do amor, que a morte faz parte da vida, como o grão de trigo que necessita sujeitar-se a morrer para produzir frutos.

Como seríamos diferentes se conseguíssemos ensaiar, cada dia, a vida em ritmo de Páscoa. Certamente iríamos descobrir muitos tesouros no solo e no subsolo de nossa existência, tantas vezes malvista por nós mesmos e exposta à rotina e à monotonia. Deus nos criou para sermos mais do que somos, para sermos melhores do que aparecemos e maiores do que nossa estatura física.

Deus, encantado com o ser humano, criado à sua imagem e semelhança, é também o Deus apaixonado que nos enviou seu Filho; assumiu nossa condição humana em tudo, menos no pecado; sujeitou-se a se tornar pecado por nós, a fim de nos redimir; sendo crucificado, ressuscitou para levar consigo cada pessoa e toda a humanidade à possibilidade de vida em plenitude. Valemos tanto, quanto o amor de um Deus que deu a vida por nós.

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O que mudou com a ressurreição de Cristo

Afirmamos e confirmamos que a Páscoa mudou o coração do mundo. No Senhor Ressuscitado, o princípio da existên-cia de todos os seres já está recriado. A maior revolução da história humana aconteceu quando Maria Madalena e a outra Maria foram cedo para ver o sepulcro e, de repente, houve um grande tremor de terra: o anjo do Senhor desceu do céu, aproximando-se, retirou a pedra e sentou-se nela... Os guardas tremeram e caíram. “Ele não está aqui! Ressuscitou como havia dito” (cf. Mt 28,6).

O universo inteiro foi levado à sua glorificação. “Quando eu for levantado da terra atrairei todos a mim” (Jo 12,32). Deus já interveio, antecipou-se, como sempre, no amor, fazendo com que a vida fosse a primeira e a última palavra. Solidário com toda a humanidade e todo o universo, Cristo tornou-se a nova fonte a brotar no rio da história. Como um vulcão em erupção, a aparição de Cristo ressuscitado em nosso mundo, manifestou brilhantemente uma mudança essencial. Para o futuro, no coração de todas as realidades humanas e terrestres, está Jesus ressuscitado, novo começo, novo nascimento, nova criação para a eternidade.

É bom e necessário lembrarmos, a cada instante, esta notícia que tanto alegrou os discípulos e discípulas de Cristo que o tinham acompanhado no caminho da cruz. Com o Ressusci-tado estamos todos envolvidos num projeto de esperança. O universo inteiro está tomado pela presença criadora de Deus, em Cristo, o “primogênito de toda a criação. Nele foram cria-das todas as coisas”.

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Jesus Ressuscitado é o coração do mundo. Nele toda a hu-manidade caminha em direção à redenção do nosso corpo e à libertação gloriosa dos Filhos de Deus, da qual participará, a seu modo, todo o universo, arrebatado por sua voz na res-surreição do Senhor (cf. Rm 8,18-23).

Na verdade, se olharmos ao nosso redor, para este mundo de nossa experiência humana, ainda não vemos esta mudança essencial. As pessoas não deixaram de sofrer e morrer, os pecados e as misérias continuam se multiplicando, a astúcia da maldade parece se tornar cada vez mais eficiente, os filhos das trevas são criativos em suas artimanhas... Tudo parece continuar como antes da Páscoa, porque vivemos e paramos na superfície. Às vezes nos espantamos com os fracassos e esquecemos de lançar as redes em águas mais profundas. Lembramos que a fé consiste, precisamente em “afirmar a realidade que não se vê” (Hb 11,1).

A partir disto concluímos que evangelizar as pessoas não é ensinar-lhes uma doutrina, impor-lhes uma moral ou conduzi--las à uma prática religiosa. Evangelizar é antes de tudo, ajudar a reconhecer este Cristo Senhor que já as envolve em seu amor que nos antecipou como Salvador e Senhor. No encontro com o Ressuscitado nos colocamos no caminho da esperança, na certeza do novo, como possibilidade de cada dia.

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A Páscoa e o novo da comunicação

Geralmente dá-se à comunicação uma definição empírica: Comunicar é “dizer alguma coisa a alguém”. Esta “alguma coisa” pode se ampliar a nível planetário, por meio do gran-de mundo das redes sociais, que vieram se unir aos meios de comunicação clássicos e tradicionais. Também este “a alguém”, num plano global, nem se pode imaginar e nem se pode calcular quem seja.

Esta consciência empírica, à luz da amplidão das prospecti-vas da atualidade, onde sempre mais nos comunicamos sem ver o rosto do outro, fez surgir o problema maior da comunicação. Aqui alimenta-se a informação, sem que aquele que comunica sinta-se comprometido com o outro que recebe.

Um olhar cristão ao mundo da comunicação pode nos sugerir algo novo e grandioso, mais do que a sofisticação dos meios. Partimos da comunicação de Deus para nós, humanos. A teologia pode nos ajudar a uma nova experiência. Este novo da comunicação não vem de uma teoria, nem de uma invenção histórica e humana.

Por incrível que pareça, no sepulcro de Jesus, na noite da Páscoa, realiza-se o gesto da comunicação mais radical de toda a história da humanidade. O Espírito Santo, vivificando Jesus Ressuscitado, comunica ao seu corpo a força incontida de Deus. Comunicando-se a Jesus, o Espírito se comunica à humanidade inteira e abre o caminho a toda a comunicação autêntica que supõe o dom de si, superando a ambiguidade da comunicação humana, na qual não se confirma nenhum compromisso mútuo.

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Neste horizonte da Páscoa a comunicação passa a ser aquela que o Pai faz de si a seu Filho amado, Jesus. Esta comunicação fundamental de Deus passa a cada homem e a cada mulher e, dali, àquela que nós cultivamos reciprocamente no modelo desta comunicação divina. Esta é a espinha dorsal de uma comunicação comprometida e comprometedora de vida e dignidade. A dimensão pascal da comunicação não nos permite manipulações, mas respeito; não tolera o jogo de conveniência, mas a sinceridade do amor que liberta e promove.

O Espírito Santo que recebemos, graças à morte e ressur-reição de Jesus e que nos faz viver no próprio Jesus, preside em nós a comunicação, imprimindo as marcas de dedicação e amor pelos outros. Desta realidade fundamental da fé cristã ti-ramos algumas conclusões para nossas relações comunicativas:

Na raiz de cada comunicação está a grande comunicação de Deus que se dá ao ser humano por meio de seu Filho Jesus e do Espírito Santo.

Cada comunicação, para ser verdadeira, necessita ter presente a grande comunicação de Deus, para não se tornar vazia. Só nesta raiz, a comunicação pode garantir o ritmo e a medida justa a cada gesto comunicativo.

Toda a confusão que atualiza o clima da “Torre de Babel”, é resultado da rejeição desta comunicação de Deus.

O novo da comunicação que nos vem da Páscoa, necessa-riamente precisa efetivar a comunicação “Coração a Coração”.

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FESTA

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Não há povo sem festaDiante de tantos problemas e angústias do nosso tempo,

tive a tentação de deixar de escrever sobre o fenômeno da festa. Porém, pensando mais, dei-me conta de que a festa é uma necessidade incontida para a pessoa, para os grupos e para um povo. Não existe povo que não tenha festas. Estas retratam uma cultura e também os ideais de um povo.

Há algum tempo, ouvi o comentário de um palestrante dizendo que a festa seria um fenômeno em extinção, assim como a religião. A evolução científica e técnica, o espírito de produção e o desenvolvimento haveriam de ocupar e encantar tanto que não se teria mais tempo nem desejo de fazer festa. Como a festa faz parte da dimensão gratuita da vida, seria tempo perdido investir numa atividade não lucrativa.

Esta previsão do palestrante não parece ser verdadeira. Ao contrário, a dimensão festiva da vida e da convivência volta, com toda a força, a ganhar atualidade como reação à frieza das relações humanas e o descaso das relações primárias, como meio de libertação da escravidão do trabalho e como busca de caminhos de liberdade. Tem-se necessidade de oxigenar o cotidiano com momentos especiais, com possibilidades de rir e falar de coração a coração e brindar a vida com sua beleza.

Uma das realidades que vai tirando o brilho da vida é a rotina, e a rotina vai matando as melhores aspirações de uma pessoa. A monotonia do trabalho também oprime quando não permeada pela experiência da festa. Uma das justas e principais motivações da festa vem da possibilidade do descanso entre as tarefas cotidianas. A festa traz consigo uma mudança de atividade e de horizonte.

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A Bíblia salienta a necessidade da festa para humanizar a vida das pessoas. O descanso serve de alívio e estímulo para retomar o trabalho com novo entusiasmo e eficácia (cf. Ex 23,12; Dt 5,13ss). No pensamento bíblico, a festa não é só uma parada no trabalho e uma ocasião de descanso. A festa é tam-bém exultação e alegria por ser uma experiência de amplidão da vida, de um novo sabor, causando ânimo e entusiasmo.

Assim eram as festas primitivas das colheitas e das primícias dos rebanhos. É claro que a Bíblia não deixa de acenar para os perigos que surgiam dos cultos dos pagãos, onde os exageros da bebida e outros abusos danificavam a vida. O pecado de Israel se relaciona com as celebrações destas bacanais (cf. Ex 32,6; Nm 25,1ss).

O povo de Deus viveu num tempo marcado pelo caráter agrícola e cultivou festas próprias desta cultura. No entanto, o verdadeiro culto ao Deus Javé deu um sentido novo e pro-fundo ligado à história da salvação. Assim, a vivência das festas religiosas representa para o povo de Israel a memória dos prodígios de Deus que continuam se fazendo presente. Aqui a festa resume toda a história da salvação. Não há povo sem festa! A vida merece respirar a experiência da gratuidade e da beleza.

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Lugares de perdão e de festa

Quando se reduz o conceito de festa a comes e bebes; quando se acha que festa é barulho, fogos e balões; quando se imagina a festa com altos gastos, a serem consumidos num momento tão fugaz; quando se atribui à festa um espaço de direitos e nenhum dever; quando entende a festa como fuga do real etc. denota-se que não se está entendendo a dimensão festiva como ampla possibilidade de vida.

Há tempo foi escrito um livro que despertou interesse e continua fazendo sucesso: “Comunidade, lugar do perdão e da festa”, cujo autor é um oficial da Marinha, chamado Jean Vanier. Movido pela ação do Espírito e auxiliado por um frade dominicano, passa a morar com deficientes mentais. Ali foi provando a alegria de ver como a vida comunitária con-tribuía para o crescimento humano e cristão de todos os que se encontravam unidos no amor de Cristo, fonte de aceitação mútua, de perdão e de festa.

No livro “Comunidade, lugar do perdão e da festa”, o autor vai mostrando que a fé não tira e nem esconde as dificuldades e problemas das pessoas e da comunidade. Esta experiência da chamada “Arca” está se expandindo por todo o mundo. Amplia-se a verdade libertadora da experiência comunitária, animada pelo perdão e pela festa.

Perdão não é um ato momentâneo de quem ofende e é ofendido, mas é uma atitude de vida. Desde o amanhecer nos deparamos com limites pessoais e pessoas limitadas. O exercício do perdão revela, em primeiro lugar, aceitação de si mesmo e dos outros. Aceitar não significa “deixar como está

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para ver como fica”, mas admitir um ponto de partida possível para acreditar, caminhar e crescer. A capacidade do perdão é um requisito básico para se conviver em paz e exercitar o amor.

Perdão e festa andam juntos. A melhor festa é a permanente alegria e satisfação que brota do coração de quem vive por amor e para o amor. Quando a vida vira festa a convivência se torna o grande remédio para nossas curas e quando nos vemos melhores a festa da convivência aumenta sempre mais.

O Sétimo Encontro Mundial das Famílias, acontecido em Milão em 2012, celebrou o tema “A família: o trabalho e a festa”. Trabalho e festa são componentes decisivos na vida fa-miliar. Confirma-se que, se a comunidade é o lugar do perdão e da festa, a família também é o lugar do trabalho e da festa.

No encontro mundial, num diálogo do Papa Bento XVI com uma menina do Vietname, de sete anos, ele contava sua experiência familiar e dizia: “O ponto essencial para nossa família era o Domingo, mas o Domingo começava já no sába-do...Toda a família cantava... O pai tocava cítara e meu irmão é um grande músico. Formávamos um só coração e uma só alma, mesmo em tempos difíceis de guerra e de pobreza... As coisas pequenas nos faziam felizes, porque eram expressão do coração do outro... Quando procuro pensar como vai ser no Paraíso, sempre me parece que será como no tempo da minha infância e juventude”.

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Em Cristo a festa mudouNão faltam cargas de preconceitos quando nos referimos a

Cristo, à fé e à religião. Por falta de formação, é possível que um bom número de pessoas, logo pensem que, em Cristo, a festa mudou para pior. Tantos imaginam que Jesus veio morar conosco para desmanchar prazeres e jogar um balde de água fria no entusiasmo da vida. Enquanto persistir esta visão pre-conceituosa por uma visão moralista ou permissiva, sempre haverá uma barreira para unir o que há de mais precioso que é a fé com a vida e a vida com a fé.

Realmente, em Cristo, a festa mudou! Por ser filho de uma cultura e de um povo, ele participou ativamente das festas religiosas de Israel. Mas, foi entrando no coração das festas do tempo, que Jesus conferiu um novo significado. A partir de Cristo, a razão da festa centra-se na salvação realizada por ele. João menciona a ida de Jesus a Jerusalém para a festa das Tendas (cf. Jo 7,2ss). É ali, dentro da festa que ele manifesta qual é o novo centro e a nova razão da alegria (Jo 7,37-39).

Na festa da dedicação do Templo, ocorre a mesma mudança quando ele mostra ser o novo Templo, identificado com o Pai (cf. Jo 10,22ss). É evidente que a maior revolução da festa acon-tece em torno da festa da Páscoa. Da antiga libertação passa a realizar a nova e definitiva libertação. Ele se faz o Cordeiro Pascal, imolado por nós. Além do mais, a Páscoa, a partir de Cristo, passa ser a festa da humanidade, de todos os povos.

O livro do Apocalipse amplia ainda mais a alegria da festa quando apresenta a multidão dos eleitos, com ramos nas mãos, cantando novos cânticos festivos ao Cordeiro Pascal, que os libertou com o seu sangue (cf. Ap 5,7-12; 7,10ss; 14,3).

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A Igreja, comunidade dos discípulos de Cristo, prosseguin-do nos caminhos da história, assumiu a missão de mudar o rosto da festa, imprimindo-lhe o modo novo de vivê-la, na dinâmica da mudança que Cristo inaugurou. A antiga festa do descanso ligada ao sábado, por imitação do descanso divino na Criação, passa ao Domingo. O Cristianismo vê o Domingo, dia da Ressurreição (cf. Mt 28,1ss).

A fé cristã não opõe a festa como inimiga do Cristão. Qualquer pessoa de bom senso reconhece que existem modos e modos para festejar. Por ter razões de partilhar a alegria da vida, o Cristão é chamado a saber os limites e modos de uma festividade. Conheço uma admirável cristã de mais de cem anos. Sua filha que a acompanha contou-me que ela gosta muito de festa. Geralmente é uma das primeiras que chega e uma das últimas a sair. Um dia perguntei à vovó se ela gosta-va de festa. Respondeu-me que, assim como se sente feliz na Missa da comunidade, também se sente feliz com a alegria dos outros numa comemoração festiva.

Como em Cristo a festa mudou, creio que nós cristãos podemos contribuir para que a festa se encaixe também num caminho harmonioso de salvação e não de perdição. A fé, cuja luz parte de Jesus Cristo também pode brilhar com sentido novo em nossas pequenas ou grandes festas do cotidiano.

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Como vão as festas tradicionais?

No coração das pessoas e de um povo há sempre lugar para surpresas. De um lado, afirma-se que o secularismo está avançando e demolindo os símbolos da tradição religiosa. De outro lado, ano a ano, aumentam as multidões nas romarias tradicionais e a participação nas festas populares. Divulgam-se pesquisas comprovando a diminuição numérica de membros das religiões históricas e o aumento das seitas. Em contra-partida, no andar da carroça e, tantas vezes, por decepção de promessas e milagres fáceis, muitos voltam ao ninho original, atraídos pela saudade das festas tradicionais.

Lembro-me que nos anos setenta do século passado, proclamava-se, em alto e bom tom, o tempo da “morte de Deus”. O progresso científico estaria substituindo o Deus da tradição religiosa. Não haveria mais necessidade de recorrer a ele, nem aos santos para garantir o sucesso das colheitas, nem a cura de nossas doenças. A capacidade humana haveria de substituir a necessária ajuda de Deus. Por surpresa, a chegada do novo milênio veio confirmar o contrário. Mesmo de forma confusa, a humanidade se depara com as grandes questões relacionadas à vida e à necessidade de Deus. “A humanidade está com saudades de Deus!”

Não podemos ignorar a força de contágio suscitada pelos meios de comunicação social. Estes não só reforçam as festas tradicionais, mas despertam multidões em torno de novas devoções que mobilizam a festa das permanentes romarias. Não podemos prender sonhos e nem fechar caminhos para

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quem deseja andar em busca de algo melhor e de horizontes mais vastos.

Falo por experiência própria, por coordenar a Paróquia Santo Antônio em Porto Alegre e viver anualmente a romaria do dia 13 de junho. Nas quatorze missas celebradas no interior do santuário, nas três Missas campais e nas três procissões do dia, é incalculável a multidão que chega para viver a festa. Muitos passam o ano um tanto distantes, mas não deixam de participar da procissão luminosa na noite do dia 13. O fenômeno em torno de Santo Antônio e sua festa, cada ano é maior, melhor e mais concorrido.

Narro isto para dizer que as festas tradicionais fazem parte de uma herança, religiosa e cultural que não podemos ignorar. Felizmente, na medida em que aumentam os participantes, também aumenta a justa preocupação da Igreja em organizar e proporcionar oportunidades qualificadas de evangelização e celebração. É certo que uma festa popular bem preparada, sempre será bem celebrada.

A questão das festas está unida essencialmente à vivência e conservação do nosso cristianismo. Tradicionalmente, as festas sempre foram e continuam sendo veículos de catequese, centros de culto, focos de exercício da vivência comunitária e oportunidades favoráveis ao sentido da vida e da convivência. Embora, aparentemente se trate de aspetos secundários da vida religiosa, neles pode estar sendo decidida a sobrevivência de uma religiosidade sincera e animadora de toda a vida cultural de nossos povos.

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... E a festa continuaNão tenho nenhuma intenção de estragar a festa. Porém,

creio que vale a pena pensá-la mais e melhor, pois a festa continua! Perguntamos: o que mesmo faz com que a festa continue e deixe marcas de saudade e vínculos de amizade? Já participei em muitos tipos de festa e em muitos grupos diferentes. Olhando e observando com atenção, percebem-se as maiores contradições no modo de ver, fazer e viver a festa.

Já participei e presenciei festas, onde a preocupação pelo cenário externo, pelos pratos requintados e rituais complicados era tão grande que os donos da festa não conseguiam nem sorrir, nem dar atenção, nem expressar qualquer sentimento acolhedor. Todas as energias eram sugadas pela exterioridade da festa e não pelo seu sentido humano e, menos ainda cristão.

Um dia, após ter participado de uma festa jubilar de ca-samento, perguntei ao casal homenageado como se sentiam depois da festa. Por surpresa, ouvi deles lamentos por terem gasto tanto e estarem tristes pelos exageros acontecidos. Disse o marido: “Não era isso que nós esperávamos!” Até mesmo um grave acidente havia acontecido com um convidado al-coolizado, após a festa.

Já participei de festas em comunidades simples, onde as lideranças preparavam um chá de ervas e uns biscoitos para unir o povo e aproximar as pessoas. Incrível era a alegria da festa dos pobres em poder sentar-se juntos, conversar, ouvir música, dançar com respeito e voltar para casa sem riscos de velocidade, pois a maioria estava a pé.

Numa paróquia, onde tive a graça de servir como Pároco, fizemos um mutirão de bênçãos de casas nas capelas. Cada família visitada era convidada para a Missa no fim do dia e

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também motivada a levar um prato de salgados ou doces para partilhar após a Missa. O convite já ressoava como festa. Im-pressionava a alegria de poder estar juntos na celebração e pôr em comum alguma coisa a partilhar! A festa dos simples está mais dentro da pessoa do que no aparato, mais no coração do que na comida, mais no ser do que no aparecer.

O que faz a diferença e garante os bons resultados de uma festa? Quais seriam os bons resultados? Bastam os elogios e lisonjas? Bastam o luxo e cardápios exóticos? Para que a festa continue, deverá saciar, um pouco, o coração; criar relações de empatia; garantir leveza e manter a alegria para o dia seguinte também. Quando se quer esgotar toda a alegria da festa num só momento, facilmente se termina no vazio do desencanto.

Tantas vezes na vida, há alegrias que terminam em tragédias e há dores que terminam em festa. Só uma vida despojada de egoísmos e vaidades pode se tornar canção, dança e jogo autêntico. Quando se acolhe a vida como dom, a existência humana pode cantar uma canção diversa daquela que conhece-mos. A verdadeira festa vai acontecendo a partir do momento em que a pessoa leva a sério a educação à vida real.

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CRESCIMENTO INTERIOR

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Deixar-se provocar é crescerSe a vida é vocação, com certeza, é também provocação.

Nossos mecanismos naturais tendem, espontaneamente, a nos acomodar. Desde o ventre da mãe, se a criança gerada pudesse optar, preferiria permanecer na dependência do cordão um-bilical e na proteção segura daquele espaço que a concebeu e no qual foi sendo gestada.

A primeira grande provocação da vida é a passagem do primeiro parto. Ali se rompem as seguranças imediatas e passa-se para o desconhecido, a um outro ventre, sem limi-tes, e surpreendente. Na aventura do novo mundo a pessoa começa o grande caminho no cenário das mais diversas e surpreendentes provocações.

É normal na primeira etapa da vida a dependência do per-manente receber. Faz parte do direito da criança ser egocên-trica. Porém, à medida que se cresce também são necessárias doses de provocação, para que as etapas evolutivas da vida não fiquem estagnadas na infância. Não há situação mais desconfortável do que imaginar-se uma criança grande, ou conviver com adultos infantis.

A medida diária das provocações precisa ser bem dosada para não comprometer ou queimar etapas. Na realidade, se há adultos crianças, há crianças adultas, antes do tempo, que passam o resto da vida insatisfeitas por não terem vivido sua infância. Creio que o amor verdadeiro sempre encontra a justa medida das provocações na hora certa. Ouso afirmar que são preferíveis mais e maiores provocações de acomodações no meio de panos quentes da superproteção.

Se analisarmos as grandes vocações bíblicas, como a de Abraão, pai da fé, a de Moisés, dos Profetas, e de Maria,

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perceberemos nitidamente que na vocação que Deus confiava, estava uma grande provocação: “Sai da tua terra e vai...” (Gn 12,1). “Eu vi a opressão do meu povo no Egito, ouvi o seu grito de aflição... E agora, vai!” A estas provocações de Deus, brotam as reações e resistências dos chamados. Um se diz gago, outro criança, Maria não entende e questiona... Enfim não parece ser próprio do “gostar” o sentir-se provocado.

Deixar-se provocar é crescer! Evidentemente este tipo de provocação, não pode ser confundido com a provocação que brota da sedução mórbida, de quem busca explorar a outra pessoa, menos ainda, a provocação de quem incita uma briga para manifestar valentia. A provocação aqui mencionada é aquela que nos desafia à superação, à missão e ao despertar de dons adormecidos que habitam em nós.

Como faz bem para a pessoa ouvir expressões como estas: “Você pode! Você tem capacidades! Não desista de perseguir seus objetivos e sonhos! Coragem! Além de uma palavra, é importante um gesto de apoio, um colocar-se ao lado para oferecer o ombro amigo e favorecer oportunidades de pro-moção e crescimento.

Evidentemente, além da provocação que as pessoas e situações podem nos fazer, também é importante deixar-se provocar por Deus que nos confia seus dons e pelo dinamismo de nossa liberdade responsável. Por fim, teremos a grande provocação do segundo parto para a eternidade, diante da qual não há como desculpar-se e nem fugir.

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Surpresas de todos os tiposNós não temos como saber do minuto seguinte. Podemos e

devemos preparar ou prevenir o que virá, mas não somos donos do futuro. Podemos planejar e projetar obras a curto, médio e longo prazo, mas não temos toda a certeza de podermos chegar à sua conclusão. Estamos sempre expostos às mais diferentes surpresas: alegres ou tristes, trágicas ou gloriosas, animado-ras ou desalentadoras, vitoriosas ou frustrantes, gigantescas ou pequenas. Enfim, a surpresa faz parte de um mundo em mudança. É a dinâmica natural da vida e da história onde a liberdade humana se movimenta.

Evoco algumas surpresas que deixaram marcas indeléveis na história. Quem não lembra o Titanic, orgulho da engenha-ria náutica, colosso de 269 metros de comprimento e 46 mil toneladas, obra prima de 7,5 milhões de dólares? Considerado como inexpugnável e invencível pelos maiores especialistas, um desafio até ao próprio Deus, em sua viagem inaugural colide com um iceberg, levando consigo mais de 1.500 vidas humanas. É a tragédia titânica, surpresa inexplicável que jamais será esquecida.

Por traz de algumas dramáticas surpresas que abalam a humanidade pode haver quem as prepara muito ardilosamente. É o caso das Torres gêmeas, uma das mais ousadas e cruéis surpresas de toda a história ocorrida no dia 11 de setembro de 2011. Nesse dia, o mundo parou perplexo para acompanhar o ataque que pôs abaixo um dos símbolos do poderio econô-mico norte-americano. Pelo local costumavam transitar 200 mil pessoas.

Mas, assim como há dramáticas surpresas que abalam o mundo, há também surpresas de paz e solidariedade; há

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derrubada de muros da vergonha e gestos heroicos em defesa da vida. O mundo é também um cenário de surpresas que a natureza desencadeia. Há cidades seguras ou desprevenidas que se veem diante de um terremoto, um furacão, um vendaval que tudo devasta.

Costuma-se dizer que a vida é uma caixa de surpresas. Se há doenças que nos atingem sem avisar, também há curas que nos são garantidas sem esperar. Se há perdas que nos empobrecem, podemos ser surpreendidos por ganhos que nos enriquecem. Se uma seca nos surpreende no tempo do plantio, em outro ano podemos ter a alegre surpresa de uma abundante colheita. Se às vezes podemos ser agredidos por incompreensões e esquecimentos, também podemos ser sur-preendidos por apoios de quem não imaginamos, e receber homenagens de reconhecimento, onde não esperamos.

Diante de todos os tipos de surpresas somos chamados a trabalhar a maturidade e acreditar que temos recursos de superação e equilíbrio. O exercício da justa medida de nossas reações e emoções é uma tarefa permanente. Como podemos estar preparados e equilibrados para receber uma grande surpresa positiva? Não são estranhas as desgraças de gente ganhadora de loterias que complicou o resto da vida. Assim como não são estranhos os desesperos de quem foi surpreendido por dramas e tragédias. Somos seres sujeitos a surpresas. As ciências podem nos ajudar, mas não podemos dispensar o recurso da fé.

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Em fraternidade com a juventude

Como adultos ou na terceira idade, enfrentamos a real dificuldade de lembrar o que se passou em nossa juventude. Vivemos em outros tempos. Lançamos raízes em outro terre-no. Como tudo muda rápida e profundamente, não é estranho confirmar que passamos nossa juventude condicionados a dispor de poucos meios; a ouvir poucas vozes de opinião e a usufruir o pouco para sobreviver. Nossas lembranças também são relativas à simplicidade do tempo vivido.

Como adultos ou na terceira idade convivemos hoje num cenário turbulento e, até certo modo, o administramos. Porém, nossa juventude entra em cheio neste jogo complexo dos meios sofisticados, tantas vezes com seus fins equivocados; ouve as mais diversas e contraditórias informações e não deixa de se envolver na apresentação consumista. Era mais fácil ser jovem no passado? É mais fácil ser jovem, hoje? A estas perguntas sobra dizer que ontem e hoje são tempos diferentes.

Dentro de nosso tempo, rico em novas conquistas, mas eti-camente maltratado, onde a vida e a convivência são marcadas por crises sem precedentes, estamos nós e nossa juventude. Se hoje estamos assim, amanhã o que será? Como será o futuro de nossas crianças que amanhã serão jovens e, de nossos jovens que amanhã serão adultos? E o mundo dos idosos, mesmo que se cante a vitória da longevidade, como será? Haverá asilos suficientes, ou geriatrias para todos?

Tantas perguntas com incertas respostas, não deverão ser feitas para nos deprimir, mas para nos ajudar a pensar. Em fraternidade com a juventude não é somente um tema

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de Campanha da fraternidade, nem apenas uma explosão da jornada mundial da juventude. Creio que é uma oportunida-de para sentarmos frente a frente para tentar nos entender, nos aproximar e desenhar juntos um futuro mais humano e solidário.

Este cultivo de fraternidade com a juventude, conta com o lado simples e humano, do saber brincar de roda, deixar os computadores desligados e os televisores sem imagens, para olhar-nos “de coração a coração”. Há uma imensa carência silenciosa de compreensão, de ternura e vigor, de credibilidade e mística em nossa juventude. Tantos sinais avessos gritam: “Olhem para mim! Estou vivo! Sou alguém! Preciso dos adul-tos e conto com a vossa atenção, compreensão e sabedoria!”.

Em fraternidade com a juventude passa pelas escolas e pelas Igrejas, pela política e pela economia, desafiando a todas as instituições. Somos interpelados a uma global reflexão e avaliação. Será que nós, mais velhos, somos para os jovens um estímulo de vida e de esperança?

Os pais são para os filhos uma escola de amor que confir-mam o valor da família? Nós, religiosos e religiosas, padres ou bispos, somos para os jovens uma presença animadora a entregar tudo pela causa do Reino?

Enfim, creio que a fase romântica da euforia momentânea está passando. Hoje, uma corajosa virada mística nos provoca a crer diferente, a não perder de vista o que há de mais pri-mário no viver humano e, quem sabe, investir numa mudança de época que tenha rosto de alegre esperança.

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Deste jeito, temos futuro?Há no imaginário das pessoas uma pergunta muito sábia

em relação a tudo. Será que assim como sou, vou ter futuro? Será que meu filho tem futuro? E esta empresa, tem futuro? O clamor pelo futuro não é apenas uma fórmula produzida pela vaidade humana, mas é um grito da existência misteriosa de todos os humanos, criados à imagem e semelhança de Deus. Não ter futuro é a marca da falência e a falência não está no dicionário de Deus Criador.

Nossa cultura atual acentua muito o caráter histórico do mundo e das pessoas. O aqui e o agora seduzem as pessoas a esconderem a dimensão essencial da vida, isto é, a sua di-mensão de futuro. Um dia, visitei uma família da paróquia. Acompanhamos o Jornal Nacional e, depois de vermos e ouvirmos tanta notícia de violência, roubos e desmandos, o pai de família perguntou: “Deste jeito, temos futuro?” Creio que a questão merece nossa atenção.

Os fatos que vemos e acompanhamos fazem parte do fenô-meno de sempre, apresentados hoje, com uma nudez maior. Desde que os humanos cedem a tendência de se fechar aos projetos de Deus, sempre existiram cenários trágicos e causas de vergonha à nossa condição humana. Porém os sonhos de Deus de futuro feliz para seus filhos não se anulam, nem com bombas, nem com os milhões desviados pela corrupção.

De certo jeito não temos futuro! Porém, do jeito de Deus, todos os caminhos se abrem, possibilitando futuro para a humanidade e o mundo. Deus nos projetou para o futuro. O Apóstolo Paulo, bem entendeu este dinamismo de amor quando diz: “Toda a criação está gemendo como que em dores de parto, e não somente ela, mas também nós, que temos as

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primícias do Espírito, gememos em nosso íntimo, esperando a condição filial, a redenção de nosso corpo. Pois é na esperança que somos salvos” (Rm 8,22-24).

Estamos invadidos pela certeza de que, apesar de tudo, temos futuro! Em parte alguma do mundo é suficiente o “já” conquistado. O “ainda não” sempre está impelindo para frente os sonhos da humanidade, porque o sonho de Deus garante sua realização. A fé em Jesus Cristo crucificado-ressuscitado é o atestado de garantia de nossas esperanças.

Mesmo em cenários mais contraditórios do nosso tempo, não podemos viver de saudades, mas sempre de esperanças. Não basta o que somos, somos chamados a dar atenção ao que seremos. Faz parte de nossa condição humana olhar além, mais longe do que o chão onde estão os nossos pés. A nossa propensão mais radical dirige-se para o futuro.

No coração humano sempre há indícios de tensão para o futuro. Um indício são as insatisfações de situações passadas. Com frequência negamos o nosso passado: “Não quereria mais voltar para o passado!” Mesmo que tenha havido algum momento especial no passado, prefere-se aventurar o desco-nhecido do futuro.

Outro indício de tensão para o futuro é a acentuada insatis-fação do momento presente. Nada pode preencher totalmente o coração humano. Só encontramos o sentido do presente esperando no futuro. Na verdade “somos finitos, carregados de desejos infinitos”.

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A querida e procurada verdade

Falamos, sonhamos e queremos a verdade. Porém, é fácil desejá-la ao tamanho de si mesmo. Seu significado e seu conteúdo são muito difíceis de precisar. Talvez seja por este motivo, que o campo da verdade seja visto, pelos humanos, com tanta confusão e tantos enganos. No entanto, ela constitui uma das aspirações mais universais do coração humano e mais necessárias para o ajuste da convivência social.

Todos aspiramos a verdade, embora por caminhos diferentes e sem ter clareza de onde ela se encontra e como a provamos. Conta-se que um dia encontraram-se dois alpinistas curiosos para conhecer o topo de uma altíssima montanha. Dizia-se que nela havia um misterioso monumento a um deus que poderia revelar grandes segredos de prosperidade a quem o visitasse.

Os dois alpinistas tinham informações diferentes sobre o possível caminho de acesso. Cada um defendia a sua rota como única possível. Depois de longa discussão, cada um por si resolveu começar a subida. Passados dois dias, ambos se encontraram no topo da montanha misteriosa. O monumento não existia. Era apenas uma lenda. Não havia verdade alguma sobre este ídolo inventado. Sentaram-se no chão e começa-ram a dialogar. No diálogo chegaram à conclusão que toda a montanha era um monumento à beleza. Encantados por terem chegado ao mesmo lugar por caminhos diferentes, viram-se animados por outra verdade encontrada e encantadora.

Na vida cotidiana, tantas vezes, lutamos por uma mesma verdade a partir dos mais diferentes e contraditórios caminhos. A verdade mais incomoda do que acomoda. Nossa tendência

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natural é ignorá-la ou desprezá-la, considerando-a muito di-fícil e exigente. Achamos que os atalhos e meios mais fáceis e curtos nos levam antes à felicidade.

Porém, até mesmo as pessoas que escolhem o mais cômodo e conveniente vão se dando conta de que a verdade está além e acima dos imediatismos. Existe um temor de que toda a felicidade que não se baseia na verdade acabará preparando falências. O bom da vida é que sempre nos é possível reco-meçar para nos aproximar da verdade. Para as pessoas sábias, algumas falências podem ser base para grandes sucessos, desde que se abram à verdade.

Num debate de sala de aula sobre a verdade, no meio de tantas opiniões cruzadas, um aluno afirmou qual era seu conceito sobre verdade. Assim dizia: “Para mim, verdade é a realidade autêntica de um ser e de um fato”. Esta definição pode parecer um tanto pobre e incompleta, mas não deixa de ser sincera.

A justiça é verdadeira quando não é falsificada e nem deformada. A verdade da justiça encontra seu símbolo na balança equilibrada. O amor é verdadeiro quando for oblativo, sincero, gratuito etc... Creio que neste campo da verdade sobre o amor, encontramos uma página de máxima sabedoria na carta de Paulo aos Coríntios (1Cor 12,31-13,13). Até mesmo um remédio é considerado verdadeiro quando não for falsi-ficado nem adulterado. A verdade é o próprio ser das coisas, em sua originalidade.

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Querendo aprisionar a verdade

Diz uma lenda que numa noite de céu estrelado, uma atre-vida estrela foi perguntar ao sol se ele não estava se vendo ameaçado pela noite, enquanto ela exibia todo o seu encanto. Na manhã seguinte, grandes nuvens deixaram o dia cinzento. O sol não conseguiu aparecer às multidões que o esperavam. À noite, a mesma estrela, sabendo das nuvens foi novamente ridicularizar o sol. O sol não se importou. Simplesmente continuou tranquilo sem perder o brilho e confirmar a sua verdade de sempre.

Não há noite que elimine o sol, nem nuvem que possa aprisioná-lo. A verdade é assim! Mesmo ridicularizada, con-tinua corajosa e sem perder sua força transformadora. Quem perde não é o sol, mas é a atrevida estrela que se expõe ao ridículo. O desejo de aprisionar a verdade não traz prejuízos à verdade, mas a quem se engana a si mesmo. Mesmo negada, ou traída, pisoteada ou ferida, a verdade continua sendo o que é e continua se oferecendo como possibilidade de vida e justiça para todos.

Em nossos dias exagera-se em relação aos meios conquis-tados e às facilidades oferecidas. Porém, parece aumentar sempre mais o número dos insatisfeitos por se equivocarem nos seus fins: meios sofisticados e fins equivocados. O certo é que a verdade não fica rindo de quem a nega depois chora por seus enganos. A verdade não menospreza os meios e as conquistas humanas, mas lhes oferece clareza de fins para que se tornem favoráveis à vida e à história.

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Um dos atentados à verdade mais comuns na atualidade é o chamado “consumismo”. Este se serve de todos os meios para promover a venda a qualquer preço e de qualquer jei-to. Aqui, negociam-se artimanhas em favor da mentira, até mesmo com o auxílio da psicologia e da beleza. Não faltam embrulhos de mentiras em nome da verdade e de verdades como se fossem mentira.

Nesta artimanha de uma sociedade de consumo oferecem-se satisfações ilusórias e imediatas, como se fossem o segredo de uma vida realizada e feliz. O pior disso acontece, quando se entra neste tipo de sonho e se perde a capacidade de admi-nistrar a vida no seu realismo cotidiano com seus desafios e empenhos. O que não é verdadeiro passa a se conflituar com a verdade inscrita no próprio ser provocando frustrações diante do falso engano dos desejos insaciáveis.

O que é dito em relação ao consumismo, também vale para o mercado das ideologias, onde mentiras vulgares, como o ocultismo ou a magia, se apresentam com a roupagem de mo-dernidade e de ciência. Assim também se apresentam certas doutrinas políticas que prometem fáceis paraísos a serem conquistados sem esforço.

Não sei se é justo ou não, mas desde tempos antigos, dizia-se que o povo gosta de ser enganado com mentiras agradáveis, ou com alienações que despertam e causam prazer. Dentro de um cenário assim, a verdade não parece bem-vinda. No entanto, mesmo exigente, é a única fonte de felicidade, pois uma construção autêntica só pode basear-se na realidade. Tudo o mais não passa de aparência, imediatismo e “presentismo” perigoso.

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A verdade nos libertaráDizem que ninguém é dono da verdade. Aliás, seria um

desastre se algum humano o fosse, pois estaria se atribuindo a igualdade com Deus e a falsa supremacia sobre os humanos. A história sabe do preço que sempre se pagou pelas ditaduras e totalitarismos. Toda a forma de opressão, seja política, social, econômica ou religiosa é uma negação frontal à verdade.

Não somos donos da verdade, porém, necessitamos es-tar sempre atentos e abertos à verdade. Esta carrega em si um mistério que supera todos os esforços de formulação e utilização. Para a verdade não ser mutilada, necessitamos o suporte religioso, pois a religião é inseparável da realidade e, por consequência também da verdade.

Pela fé nos relacionamos com a verdade que liberta. Esta sempre nos coloca numa tensão entre o “já” do que sintoniza-mos e o “ainda não” que procuramos. Somos peregrinos em busca da verdade maior. Essa verdade não se constitui num mundo à parte. Sabemos que existem os defensores de duas verdades, uma para o campo científico e outra para o campo religioso-moral. A verdade, no entanto, é uma só, embora se manifeste de muitos modos.

Quando criamos o jogo das oposições no campo da mesma vida, todos perdemos. A vivência religiosa necessita se colo-car em harmonia com a vivência científica e com as práticas do dia a dia. A verdade que liberta é sempre dialogal. Cada vez que procuramos aproximar as diferenças e iluminar os divergentes caminhos com a luz da fé e a prática do diálogo, mais próximos nos encontraremos da verdade.

Santa Tereza de Jesus nos deixa um testemunho precioso sobre a verdade libertadora que ela acolheu na infância. Ela

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mesma se admira que em sua vida “tenha ficado impresso o caminho da verdade”. Após a tempestade da adolescência, na companhia de uma monja, ressuscitou aquela verdade que jazia no fundo do seu ser. Dizia: “Comecei a entender a verdade de quando eu era criança”. Tereza sentia a verdade que sobrevivia como brasa sob a cinza de seu ser. Deus se tornou a única verdade a lhe interessar. As outras verdades são mediações como partículas de luz no universo de trevas.

É significativa a declaração de Jesus aos judeus: “Se per-manecerdes em minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos e conhecereis a verdade, e a verdade vos tornará livres” (Jo 8,32-32). Em seguida, Jesus confirma ser ele a verdade que liberta: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6). Jesus revela a verdade de Deus e também a verdade dos humanos.

Em tudo Jesus revela a verdade, seja no seu agir, por seu ser e em suas palavras: “Nós vimos a sua glória, glória que recebeu do seu Pai como filho único, cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14). No momento mais ameaçador da vida de Jesus, quando preso, disse a Pilatos: “Eu nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz”. Pilatos lhe disse: “Que é a verdade?” (Jo 18,37-38). Nenhuma resposta lhe é dada, já que o condenaria por mesquinha e mentirosa conveniência.

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Boatos com jeito de verdades

Nas relações sociais e no mundo da comunicação, há uma realidade sempre intrigante que são os boatos. Sobre o senti-do da palavra, há consenso em dizer que boato é notícia que corre publicamente de boca em boca, sem procedência, nem veracidade comprovada. Pior de tudo, sem ter a medida das consequências. É próprio deste fenômeno de comunicação espalhar-se rapidamente e, geralmente, causando confusões, sobressaltos e prejuízos. Por ser novidade, todo o boato des-perta curiosidade.

Há boatos de todos os tipos e tamanhos. Publicam-se boatos que atingem a intimidade de pessoas, seja do seu mundo profis-sional, de seus costumes, de seu passado e do seu presente. Há boatos referentes a famílias, grupos e até mesmo que atingem o mundo todo. Um dos boatos mais explorados é a previsão do “fim do mundo”. No final do ano 2012, a polícia da China prendeu membros de um culto apocalíptico que espalhava o boato do fim do mundo, previsto para o dia 21 de dezembro. Nesta época internautas do mundo todo, se organizaram e divulgaram também, em rede, o mesmo boato.

Diante de certos boatos levantam-se processos, promovem--se ameaças, desencadeiam-se brigas e alimentam-se também grandes ilusões. Faz parte do boato, criar medos, curiosidade e expectativas que pouco ajudam na maturidade das pessoas e da sociedade. É lastimável que, em geral, os agentes de boa-tos sejam os desocupados que perambulam falando do que não sabem e emitindo juízos que não provam. A tendência

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natural dos fabricantes de boatos é propagar o sensacionalismo desenhado no negativo e até mesmo no trágico.

Jesus Cristo também se preocupou com o mundo dos boatos. Reunido com os apóstolos sondou o que o povo andava falando dele pelas ruas. De imediato disseram que havia boatos de que ele seria João Batista, Elias, ou até mesmo algum outro profeta. Foi então que Jesus sondou o grupo que o acompa-nhava, via suas ações, ouvia a sua palavra e o conhecia de perto. Pedro proclamou a verdade dizendo: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo” (Mt 16,16). Nesta hora Jesus ajustou os boatos e confirmou a verdade.

Possivelmente alguém se pergunte: “Qual é a verdadeira posição e qual a melhor atitude diante dos possíveis e sur-preendentes boatos?” Creio que o melhor comportamento diante dos boatos que vão surgindo é cultivar um senso crítico preferindo a segurança da verdade. Na hora em que entramos na corrente dos boateiros já nos colocamos em risco e nos nivelamos por baixo.

Assim como a mentira pode vir embrulhada com a marca da verdade, também os boatos podem se apresentar assim. Coincidentemente, enquanto escrevia este artigo chegou um telefonema de uma rádio da capital pedindo-me informações sobre a renúncia do Papa Bento XVI. De imediato achei que fosse um boato, confirmando o que um porta-voz do Vaticano teria dito na semana anterior à renúncia, como se fosse: “cria-ção infundada de algum jornalista”. Só confirmei a verdade depois de ter ouvido e lido o comunicado do próprio Papa. Cuidado com os boatos!

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Dirijo, não bebo!Despertou-me a atenção uma cena do cotidiano numa rua

do Bairro da Paróquia onde exerço o meu ministério. Era cedo, de manhã. Dois amigos caminhavam com uma garrafa, cada um em sua mão. Cheguei perto e percebi que um tinha a garrafa vazia e o outro cheia. Não imaginava qual seria o seu conteúdo. Ouvindo a conversa fiquei curioso e me apro-ximei ainda mais. Um lamentava que não tinha mais cachaça para passar o dia. O outro, manifestando-se solidário, logo se prontificou em partilhar a metade da que tinha em sua garrafa.

Na medida em que andavam, iam tomando seus goles que os alegrava. Por coincidir o caminho deles com o meu, ouvi que um comentava com o outro: “Eu preciso tomar! Já estou acostumado! Afinal, é minha única diversão. E ainda mais, eu não tenho carro, não dirijo e o bafômetro não me atinge, posso beber”. O amigo e companheiro também confirmou a mesma sorte.

“Não dirijo! Posso beber!” Seguindo o caminho ia pensando na cena, nas palavras e nas duas criaturas que andavam sem rumo. Não dirigir carro não é problema algum. Tanta gente bem-sucedida na vida não dirige. Tantas pessoas responsáveis e realizadas não têm carro e não dirigem. Até há gente que tem carros de última geração e não dirige.

O pior que possa acontecer para uma pessoa é deixar o volante da vida nas mãos de qualquer um, ou da cachaça, da droga ou da alienação. Deus nos concedeu o dom da liberdade para que aprendamos a dirigir a vida com sujeitos responsáveis e não como objetos à deriva, desprovidos de rumos e ideais.

Ao pensar nos dois amigos que encontrei no caminho, um deles de uns trinta anos e outro de uns quarenta, imaginei o

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potencial de dons que estaria dentro deles. O que estavam fazendo de suas vidas e o que poderiam fazer. É verdadeira aquela história dos jovens que foram consultar um sábio para apanhá-lo em contradição. Cada um levava um pássaro na mão. Combinaram em perguntar ao sábio como estaria o pássaro. Caso dissesse que estaria vivo, apertariam as mãos e o matariam. Caso dissesse que estaria morto, abririam a mão e o soltariam com vida.

Com a armadilha pronta, chegaram ao velho sábio e o encontraram sorridente e aberto para o diálogo. Logo pergun-taram: “Como está o pássaro em nossa mão?” O velho olhou com carinho para os jovens e logo lhes disse: “O pássaro está como vós quereis que esteja!”

Encantados com a sabedoria o abraçaram, mas o sábio logo fez a aplicação da cena simbólica dizendo: “Meus jovens, a nossa vida está em nossas mãos. Deus no-la deu e dela nos fez responsáveis. A cada dia a vida está como nós queremos”.

É claro que tantas vezes somos atingidos por situações e condicionamentos que nos prejudicam e até nos imobilizam por um tempo. Porém é sempre necessário resgatar a capacidade de dirigir a vida, assumindo o volante, sem nos deixar levar de carona, ou então movidos a álcool sem futuro, atrofiando um potencial de vida que Deus colocou em nós para sermos construtores de um mundo melhor.

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Tesouros entre escombrosEste título me faz lembrar uma história muito singular

acontecida num pequeno vilarejo onde os moradores, além de pobres e abandonados, viviam em permanentes conflitos entre vizinhos. As lideranças, inclusive o Padre, tentavam aproximar as pessoas para a reconciliação e o diálogo, mas não conseguiam obter qualquer resultado. O empobrecimento ia deixando a localidade num abandono total.

Num determinado dia, a pequena população foi surpreen-dida por uma notícia mirabolante. Chegou à praça um ancião desconhecido e se pôs a falar de um determinado poço pro-fundo, situado num canto da vila, onde estaria um tesouro de inestimável valor. Como o assunto despertasse atenção e interesse da população, logo começaram as especulações para conhecer o local e encontrar um jeito para se apropriar do tesouro.

Como tudo era cercado de mistério, começaram as tratati-vas da comunidade para retirar o tesouro do fundo do poço. Enquanto iam combinando a aventura, iam parando de brigar. O único assunto da vila era o tesouro do poço. Enfim, surgiu uma liderança que definiu a modalidade da pesca. Com uma grande corda e ganchos fortes numa extremidade começaram a operação. Depois de muitas tentativas, um grande grupo na outra extremidade ia se empenhando para alcançar o tesouro.

No primeiro dia nenhuma novidade, no segundo dia, a vila toda estava reunida. Uns trabalhando na ponta da corda e outros torcendo para que tudo desse certo. Finalmente os ganchos prenderam um objeto pesado e estranho. Mais gente ia se unindo na ponta da corda, a ansiedade aumentava e a captura do tesouro estava garantida. Porém, quando chegou

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ao alcance das mãos, conferiram que se tratava da carcaça esmagada de um carro antigo.

Diante do evidente fracasso, todos sentaram desiludidos. Foi então que o líder da operação gritou: “Gente, o tesouro está no outro lado da corda!” Qual seria? Certamente, a união da comunidade que, em seguida tomou outro rumo em todos os sentidos, reabilitando a paz e o verdadeiro progresso.

A madrugada do dia 27 de janeiro de 2013 registrou a co-nhecida tragédia no coração do Rio Grande. O mundo todo sentiu-se atingido pela dor dos duzentos e trinta e nove jovens vitimados pelo incidente da boate Kiss. À medida em que o tempo passava, iam aparecendo os tesouros situados no meio dos escombros. Com evidência podemos nomear alguns te-souros, como: o enfrentamento heroico de alguns até morrer para salvar outras vidas; os gestos concretos de solidariedade expressos na acolhida, no socorro, na doação de sangue, na garantia de remédios necessários, na prontidão de profissionais da saúde, nas orações e concentrações ecumênicas, no gesto materno da Presidente da República etc.

Foram tantos os tesouros que surgiram no meio dos escom-bros que só o tempo poderá valorizar com justeza. Depois de alguns dias do trágico acontecimento, familiares e parentes das vítimas reuniram-se para discutir a criação de uma associação que representasse seus interesses humanitários. O objetivo do grupo, apoiado pela defensoria pública do Rio Grande do Sul, é garantir apoio psicológico e jurídico às famílias. No outro lado da corda está o tesouro!

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A hora certa de pararFaz algum tempo que um jornalista famoso de um diário

da capital gaúcha escreveu um artigo de repercussão: “Saber parar na hora certa”. Referindo-se a todo o tipo de pessoa com responsabilidades na linha de frente, o escritor falava, que o saber parar é um atestado de sabedoria e grandeza. O problema é saber qual é a hora certa. Onde estariam os critérios para a justa hora de saber parar?

Na realidade dos humanos há quem para cedo demais e há quem teima em não parar nunca e atrapalha os que poderiam garantir um futuro dinâmico e transformador. Existem os que, mal começam exercer uma missão, e dizem: “terminei o gás!”. Encerrar uma tarefa e começar outra, tentando acertar melhor, faz parte da normalidade da vida. Parar por entreguismo e acomodação, antes da hora, sem lançar-se para uma nova tentativa, é uma decisão prejudicial para a pessoa e para quem necessita de sua contribuição. Qual é a justa hora de parar? E quem para, quando e em que deve parar?

Nem antes, nem depois, parece ser um critério óbvio. Porém, quando se trata de realização humana e liberdade de consciência do bem comum e de responsabilidade, não parece ser assim tão fácil decidir-se. Para quem se sente envolvido como sujeito de uma história e investiu a vida em determinada causa, a hora de saber parar não é uma brincadeira.

Nessa questão, também há um problema muito comum que acontece com pessoas que são forçadas a parar. Às vezes é por causa da idade, outras vezes é por doença, ou até mesmo por incompetência no exercício de uma importante tarefa. Geralmente, não deixa de ser traumático o convite para que

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alguém pare uma atividade, ou o exercício de uma função, ou passe a outro o seu cargo que lhe merece um título de destaque.

Fico impressionado quando pais de família, que são tam-bém micro ou macro empresários, vão preparando os filhos para assumirem o que eles começaram e levaram adiante com garra, dedicação e competência. De outra parte é muito desa-gradável, quando há proprietários ou líderes de instituições que passam adiante seu empreendimento quando este está falido. Em lugar de ser a hora certa de parar, vira o momento da fuga e irresponsabilidade.

Creio que ainda esteja bem gravado na mente de todos o dia onze de fevereiro de 2013, quando o Papa Bento XVI de-clarou a sua renúncia. O fato surpreendeu o mundo! Porém, o pontífice foi coerente com o que havia afirmado no livro--entrevista “Luz do mundo”, sobre a hipótese de renunciar. Num primeiro momento disse ao jornalista: “Este não é o momento de renunciar, mas de enfrentar”. Mas na segunda pergunta do mesmo livro o Papa respondeu que é possível renunciar quando não é mais possível continuar.

A declaração de Bento XVI, do dia 11, publicada em Latim, por ser um pronunciamento oficial, expressa com sabedoria, clareza e humildade, os motivos de sua hora de parar com plena liberdade. Por saber a hora de parar e tomar esta corajosa decisão, este Papa sela com a máxima dignidade a herança que deixa para a Igreja de todos os tempos.

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Parábola da árvore vaidosaNa praça de uma grande cidade, uma frondosa e elegante

árvore chamava a atenção de todos. A praça era um tapete colorido de flores. Fontes borbulhavam dos monumentos artísticos e luzes salientavam a beleza do conjunto deste ponto turístico da cidade. Os turistas andavam, olhavam e se encantavam com tudo, mas o ponto de convergência era sempre a inédita árvore.

A árvore, admirada por todos começou ficar vaidosa e julgar--se a única beleza da praça. Na medida em que era contemplada e elogiada pelas multidões, ia se envaidecendo sempre mais. Num dia de festa, um grupo musical resolveu hospedar-se em sua sombra para fazer um espetáculo. O encantamento de todos foi transferido para os artistas. Vendo-se ameaçada em seu protagonismo ficou indignada e resolveu expulsá-los. Despertou enxames de abelhas que estavam em seus troncos. Estas foram atacando um a um e puseram a correr os músicos e seus admiradores.

A vaidade ameaçada conseguiu uma vitória, apelando para o poder e a agressão. A fama da árvore, porém, ficou ilesa, porque a culpa parou nas abelhas. Nada e ninguém poderia roubar-lhe o direito adquirido de ser a mais elogiada figura da praça.

Numa tarde de domingo, um grupo de crianças foi brincar de roda embaixo da árvore vaidosa. Os pais alegravam-se ao ver seus filhos brincando, e o clima de festa familiar foi contagiando os transeuntes. Naquela tarde a árvore não ga-nhou nenhum elogio e novamente indignou-se. Soltou um de seus galhos ferindo gravemente uma criança. A tentativa de vingança, porém, começou provocar antipatia de muita gente.

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Na medida em que a vaidade progredia, aumentava também a insensibilidade. O que lhe interessava era a estética de sua apresentação pública e os decorrentes elogios. Dificilmente alguém que passasse pela praça deixava de garantir uma foto junto à árvore vaidosa.

Num belo dia, um místico parou diante da árvore e começou a dialogar com ela. No diálogo, o monge bendizia ao Criador por tanta beleza. Num momento rezou em voz alta: “Senhor, agradeço-te pela harmonia desta árvore, pela vitalidade e beleza que ela comunica, mas agradeço, sobretudo, pela seiva escondida que lhe garante a vida”.

Quando a árvore poderosa e vaidosa ouviu isso ficou in-dignada e gritou: “A seiva escondida não me interessa! O que me importa é a minha beleza! Se há seiva em mim, que saia quanto antes, porque dela eu não dependo. Sou suficiente por minha beleza e minha fama”. Tendo expulsado a seiva, a árvore começou a murchar e secar. Os jardineiros da praça tentaram salvá-la, mas não chegaram a tempo. O que é pior: O tipo de madeira era tão desqualificado que, aos pedaços, foi jogada no lixão da cidade.

Cada humano carrega consigo a tendência natural da autos-suficiência e uma dose de vaidade. A disputa pela excelência personalista, o jogo de poder excludente e a tentação de não admitir e excluir a seiva oculta do amor de Deus e sua graça, podem ir tecendo em nós a dramática experiência da árvore vaidosa. Valorize a seiva!

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Parábola da árvore sábiaNuma densa floresta da região Amazônica, as árvores vi-

viam seguras e amparadas umas nas outras. Formavam um conjunto nativo de rara beleza. Um verdadeiro hino à criação era entoado quando chegava o vento forte na floresta. Mesmo que se abatessem tormentas e vendavais, a floresta garantia a segurança de cada árvore. É o fenômeno da natureza com suas leis. É a admirável sabedoria do Criador inscrita em suas obras.

Mas como há cabeças de humanos que imaginam pensar melhor que o Criador e como há corações humanos que pul-sam ao ritmo da ganância, também há mãos que respondem com ações demolidoras. Assim, a floresta foi sendo invadida por grandes tratores que andavam paralelos e unidos por uma grande corrente, derrubando, sem piedade as centenárias árvores daquele santuário.

No desolado cenário de destruição, uma grande castanhei-ra escapou intacta, ficando sozinha e desamparada. Antes, sentia-se segura e tranquila, amparada pelas demais árvores da floresta e sendo amparo para as que estavam ao seu lado. Agora, a solidão a deixou totalmente insegura, frágil e exposta aos perigos dos ventos e das chuvas. O desespero tomou conta da castanheira, a ponto de desejar a morte.

Os longos anos de vida, passados lado a lado, na imensa floresta, haviam acomodado a castanheira na dependência das outras árvores. Quando viesse o vento forte, uma escorava a outra e nenhuma caía. Este modo de viver e conviver nunca a levou a se preocupar com as raízes, pois não era tanto delas que dependia a segurança.

A situação desconfortável e crítica que agora a envolvia, levou-a, forçosamente a tomar uma decisão: investir no

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aprofundamento e fortalecimento das raízes. Assim sendo, deixou de lamentar-se e foi superando o desespero pela corajosa decisão de firmar suas raízes, sem perder tempo e energia. A cada dia sentia-se mais segura, mais autêntica e feliz. Na medida em que os ventos chegavam, sentia-se mais provocada e mais investia em suas raízes. Esta castanheira continua viva e fecunda, porque investiu nas raízes.

Esta parábola da árvore sábia, pode sugerir uma revisão de nosso projeto de vida. Uma gradativa prova de sabedoria, confirma-se na capacitação de ser o que se é, como indivíduo, e ser com os outros como parte de uma sociedade. A popular expressão: “Maria vai com as outras”, não é apenas acusação simplista, mas uma tentação forte de quem vai sendo levado pela onda do inconsciente coletivo.

É bom sermos floresta, mas muito mais importante é ser árvore na floresta, capaz de firmar raízes e enfrentar os ventos contrários, as chuvas e os temporais, mesmo quando a floresta não nos dá segurança. A fé cristã, conectada com a busca da vontade do Pai, a escuta e a prática da Palavra de Deus, vai firmando nossas raízes e edificando a nossa casa sobre a rocha. Hoje, decididamente, estamos num tempo que clama por sermos místicos, porque passou o tempo da unanimidade e da cristandade. O Creio cristão não começa pela maioria, mas pela adesão pessoal ao Cristo, fundamento de nossa fé.

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Que vida agitada é essa?Uma das mais repetidas queixas da humanidade atual gira

em torno da real agitação da vida. Estamos na era da pressa e da velocidade acelerada. A demanda da vida, em nossos dias, é tão exigente, que temos dificuldade de dar conta de nossa programação cotidiana. Com a agitação debate-se o rico e o pobre, o letrado e o iletrado, o homem e a mulher, a criança, o jovem e o adulto.

Há quem se sente escravo da agitação, quase sem tempo para o justo descanso, para a gratuidade da convivência e menos ainda para o lazer. Há quem prefere a agitação para não silenciar, nem pensar nos problemas que pesam em seus ombros. Há quem opta pela agitação para não se acomodar e garantir um justo progresso pessoal e social. Há quem se vê provocado pela agitação dos cargos e sobrecargas que lhe são confiados por sua comprovada capacidade e responsabi-lidade. Há quem se agita por ser de temperamento primário e extrovertido. Existem agitados e agitadores em todos os cantos do planeta.

Vida agitada pode ser benéfica quando dinamiza a vida e não permite que a rotina tome conta. Vida agitada é positiva quando nos sentimos como os atletas em campo, reunindo energias e capacidades para justas vitórias. Dizia um antigo provérbio que: “águas paradas não movem moinho”. Em contra-partida, “águas em avalanche podem fazer os piores estragos”. A natureza pode nos ensinar a ir encontrando a justa medida. Esta não vem por receita, nem por cronometragem do dia a dia, como se estivéssemos em partida de futebol. Entre vida agitada e vida estagnada, creio que todos preferimos exagerar um pouco o nosso ritmo, pela agitação da vida.

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No Evangelho de Lucas 10,38-42 encontramos um episódio singular, onde Jesus se hospeda na casa das irmãs de Lázaro. Maria, muito tranquila, senta-se aos pés do Mestre para ouvi--lo. Marta se agita, preocupada em preparar-lhe boa refeição. Reclama por achar que Maria estava perdendo tempo e não colaborava com ela. Jesus repreende Marta e lhe diz: “Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada com muitas coisas. No entanto, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte que não lhe será tirada”.

Quando Jesus fala que Maria escolheu a melhor parte, não diz que Marta escolheu a pior. Creio que nesta história está um pouco de nós. Na agitação da vida há sempre o perigo natural de ignorar o que é fundamental e o mais importante. Indiscutivelmente, hoje, vivemos uma enorme crise de profun-didade. Este atropelo que não permite sintonizar e responder às nossas profundas aspirações, afeta a totalidade de nossa existência humana, não só a dimensão religiosa.

Nesta vida agitada, que é resultado de muitos e diferentes fatores, se faz sentir sempre mais a necessidade de nos reedu-car, tanto na vivência pessoal, como na convivência familiar e social. Isto vai nos exigir uma organização no uso do tem-po e, acima de tudo a capacidade de medir nossas humanas possibilidades.

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Nem melhor, nem pior, mas diferente

Alguns acusam como imprudentes as pessoas que têm a mania de fazer comparações, outros dizem que comparar é um resultado do senso crítico. Na verdade, o fato de fazer com-parações de pessoas, de lugares e mesmo de fatos, é sempre um perigo de fazer juízos errados e até de provocar intrigas e favorecer fanatismos.

Quando usamos o critério do “melhor”, ou “pior”, move-se com um juízo de valores que não é conveniente nem a quem julga e nem a quem é julgado. Muitas vezes eu já fui inter-rogado por pessoas de bem, com estes critérios, para avaliar pessoas, lugares e comunidades por onde passei no exercício do ministério sacerdotal. Tal lugar, onde está agora, é melhor do que o outro, onde viveu e trabalhou antes? O povo de lá é melhor do que o de cá? O clima de lá era mais saudável do que o de cá? Tal pessoa é melhor do que esta? Etc.

Afirmar que é “melhor”, ou “pior” exige uma análise que justifique e clareie os motivos de tal avaliação. Esta conduta poderá ser provocada por um jogo de conveniência, simples-mente para agradar o interlocutor. Nada tem a acrescentar, nem mesmo a ajudar em alguma coisa. Viver fazendo comparações nos coloca em um terreno perigoso e suspeito.

Diante destas possíveis perguntas, aprendi que a melhor resposta que se possa dar é esta: “Nem melhor, nem pior, mas diferente!” Ocorre que o diferente pode me deixar na inse-gurança, mas será sempre uma oportunidade de crescimento e aprendizado. Tudo o que é diferente, novo e desconhecido necessita ser domesticado para ir fazendo parte da paisagem

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de minha vida. Será sempre benéfico permitir que o diferente me provoque a sair da acomodação e da rotina.

Na verdade, o melhor lugar do mundo é aquele onde se está! O melhor momento da vida é aquele que se chama “presente”. As melhores pessoas de nossa convivência são aquelas com quem convivemos agora. O melhor jeito de viver é dinamizar a vida com novas provocações e novas energias adormecidas que foram se acomodando no tempo e no lugar.

Todo o tipo de mudança, seja de lugares, de comunidades, de atividades e situações, carrega consigo a lógica do novo. Instintivamente, diante do novo, chega a tendência natural de julgar, como um mecanismo de justificação de nosso estado de espírito. Quando nos defrontamos com o novo, rotulando com o título de “pior”, ou “melhor”, poderemos ser surpreendidos pelo imprevisível. Menos mal quando desponta o melhor, mas, se for o pior, quando esperamos o melhor, o desânimo poderá nos frustrar.

A lógica da vida e da convivência, o imprevisível a que todos estamos sujeitos, deverá nos ensinar a abraçar o di-ferente como uma graça que nos é colocada no caminho da vida. Quando se crê de verdade, tudo é graça e, até mesmo, a desgraça poderá ser agraciada.

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A canção de um mendigo de rodoviária

Há fatos que deixam marcas na vida da gente, mesmo que não pareçam tão relevantes. Passam os anos e vão se tornando parte de nossos arquivos mentais e cordiais, a tal ponto de serem lembrados com carinho e positividade. Vou situar um deles para entender melhor o que afirmei.

Quando adolescente, nos três primeiros anos da década de 1960, estudava no seminário Nossa Senhora de Fátima em Ipê. Sendo natural do município de Passo Fundo, a cada ano passava por Lagoa Vermelha e precisava aguardar um pouco na rodoviária para fazer baldeação, tanto na vinda, quanto na ida. Nesta rodoviária, chamava-me atenção um mendigo, tocador de gaita, que lá vivia e alegrava os passageiros, mas também contava com a esmola para sobreviver.

Nos três anos que por lá passei, via o mesmo mendigo, com a mesma gaita e o mesmo chapéu tocando e cantando a mesma canção, com o refrão: “De hoje em diante vou modificar o meu modo de vida!” No primeiro ano que ouvi, achei novidade, no segundo ano, ao ouvir a mesma canção, julguei que ele não tinha outro repertório. No terceiro ano, novamente repetia o que há três anos ouvia.

Como curioso adolescente, fui levar uma moeda, com a intenção de falar com o dito mendigo e perguntar por que ele não mudava o repertório. Minha curiosidade não era apenas saber sobre o repertório. O que desejava mesmo era saber por que ele não mudava de vida, já que estava sempre repetindo: “De hoje em diante vou modificar o meu modo de vida...”

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Por surpresa, à minha curiosa pergunta, o mendigo respon-deu que nunca perdera a esperança. “Não sei quando, mas sei que o meu modo de vida vai mudar e vai mudar prá melhor”.

Há muitos anos não passo por aquela rodoviária. Nunca mais vi o gaiteiro mendigo. Não sei se conseguiu modificar o seu modo de vida; se conseguiu estudar, ou ser promovido para algum cargo público; se teve a sorte de um bom emprego, ou se ganhou a loteria. Nunca mais ouvi o mendigo cantar, nem o vi pedir esmolas com seu velho chapéu. Onde está e como está? Não sei! Possivelmente já tenha morrido. Então mudou para melhor?

Cada vida humana é um mistério envolvido no amor de Deus. Deus não quer mendigos, mas ama os mendigos que assim se tornam, de tantos modos e por tantas causas. Jesus Cristo, viu e ouviu um cego mendigo que o reconheceu por ouvir os outros dizerem que estava passando. Gritou para re-cuperar a visão e jogou fora seu manto, sua única segurança, para seguir Jesus. Deste dia em diante modificou totalmente o seu modo de vida.

A esperança do mendigo gaiteiro, que não sabia quando iria mudar, concretizou-se? Imagino que sim. Mas se a Irmã morte o acolheu, certamente mudou para melhor, pois então viverá onde não há mais dor, nem lágrimas, nem gemidos, mas somente vida e amor. Que ninguém roube a nossa esperança e nem roubemos as esperanças de ninguém. Bom seria que pudéssemos repetir sempre: “De hoje em diante vou modificar o meu modo de vida!” Porém, para melhor.

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Cuidado com os sentimentosSentimento é um componente da vida e da história diária

de todo o ser humano normal; é a aptidão para sentir. Esta aptidão sugere vida, normalidade e sensibilidade. A insensi-bilidade tende a registrar morte, apatia e indiferença. Porém, não precisamos fazer muito esforço para nos dar conta de que há sentimentos bons e ruins. Podemos despertar sentimentos de amor, afeição, compaixão e ternura, como sentimentos de ódio, rejeição, indiferença e agressividade.

Os sentimentos acompanham nossas ações e decisões, podendo permear e definir a qualidade de nossas opções fun-damentais da vida. Em qualquer estado de vida que estejamos, podemos acordar com sentimentos positivos ou negativos, com argumentos que nos entusiasmam para a missão do dia, ou nos deixam desanimados. Há sentimentos que nos fecham e nos tentam a fugir dos compromissos e há outros que nos animam a prosseguir, custe o que custar, na luta do dia a dia.

Os sentimentos são um campo imenso onde nos movimen-tamos com as mais diferentes reações. É por isso que, às vezes nos surpreendemos conosco mesmo, sem ter clareza de nossas escolhas. Do mesmo modo, os que convivem conosco, podem se surpreender com nossas reações, palavras e atitudes. O que se passa em nosso íntimo? Na verdade somos um mistério para nós mesmos e os sentimentos afloram de modo diverso, mesmo sem saber de sua intensidade e as razões como nos atingem.

Ter sentimentos diversos é normal de todo o ser humano. Porém temos que nos policiar constantemente para que nossas reações, o mais possível, sejam equilibradas. O que mais nos ajuda a ajustar nossos sentimentos, na administração da vida

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e de nossa missão são as motivações que nos garantem ânimo e coragem de continuar.

Às vezes carregamos conosco motivações simplesmente humanas e passageiras. Estas podem alimentar bons sentimen-tos e determinação por alguns momentos e, depois facilmente perdemos o ânimo e voltamos à rotina que é sempre o terreno fértil da monotonia da vida e dos sentimentos pessimistas. O cuidado com os sentimentos depende muito do cuidado com a qualidade de nossas motivações de viver e agir.

Em tempos de instabilidade, como os nossos, necessitamos superar as motivações pequenas e passageiras e nos agarrar em motivações grandes, fortes e duradouras. Em nosso chão, as motivações, simplesmente humanas, parecem ter sempre menos durabilidade. Para que consigamos usufruir sentimentos arejados, necessitamos de motivações que nos são liberadas a partir do amor misericordioso de Deus, sempre fiel.

Paulo exorta a Timóteo para que “instrua os ricos deste mundo, para que não sejam orgulhosos, nem coloquem a esperança na incerteza da riqueza, mas em Deus, que nos dá tudo com abundância, para que nos alegremos. Que os ricos pratiquem o bem, se enriqueçam com belas obras, sejam ge-nerosos, capazes de partilhar” (1Tm 6,17-18).

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Superando a rotina da vidaEm geral, quando é pronunciada, a palavra “rotina”, logo

começa ressoar com carga negativa, como sendo causadora da mesmice, ladra da criatividade, desfavorável à liberdade, cansativa, causa de monotonia do viver e de certa escravidão. Evidentemente, esta rotina precisa ser evitada e superada, por ser prejudicial à pessoa em seu dinamismo de qualificação e em seu projeto de vida.

Este lado maléfico da rotina, geralmente não vem da repetição dos mesmos atos, da observância dos mesmos ho-rários e das mesmas leis, de uma vida exigente, ou de uma especialização específica que nos enquadra numa repetida atividade. O malefício da rotina entra pela porta interior da pessoa, por sua mentalidade, sua afeição, suas motivações e sua intencionalidade.

A ginástica interior é auxiliada por uma mente aberta, que busca se atualizar, seja pela leitura, pela convivência ampliada, pelo bom uso dos meios de comunicação e pelo persistente trabalho de formação permanente. Para quem tem mente aber-ta, a rotina pode se transformar em caminho de afirmação e alavanca para saltos de autêntica e segura qualidade de vida.

Mas não basta a mente aberta para transformar a rotina. Precisamos também educar o coração, pois a cordialidade não pode ser aprisionada na rotina de uma tarefa. Quem encara a rotina como uma prisão, só pode ser amargurado com a vida. Os afetos do coração podem sanar a repetição em permanente novidade. Os antigos diziam: “Onde se ama, não se trabalha”, pois o trabalho, mesmo envolvido na rotina, pode ser fecundado por um grande amor e ser gerador de vida nova.

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Todos podemos superar a rotina da vida, aprendendo a encará-la pelo seu contributo positivo. Há muito tempo ouvi uma palestra, onde o conferencista dizia: “O segredo de seu futuro está escondido na sua rotina diária”. No momento em que escutei esta frase, sinceramente não entendi. Porém, refletindo-a melhor encontrei o seu significado.

Na verdade, somos seres de exercício. A vida não é uma colcha de retalhos e de improvisos constantes. Como seres de exercício, precisamos criar hábitos e trabalhar repetições para que o aprendizado seja eficiente e duradouro. Daí vem a pergunta: Acaso um atleta poderá qualificar-se sem uma rotina de exercícios? Poderemos ser bons profissionais sem exercitar repetidas ações? Poderemos ter segurança nos caminhos, sem passar por eles repetidas vezes?

Diante da rotina da vida, vamos chegando à conclusão que, tanto podemos torná-la uma ajuda benéfica para consolidar estabilidade no edifício de nosso viver, quanto a podemos tornar um processo de adestramento mecânico e sem alma. Sendo assim, a rotina nos aprisiona e vai nos tornando eternos insatisfeitos. O jeito mesmo é dar à rotina a justa finalidade e aguçar a nossa consciência do que somos e poderemos ser, do que fazemos e poderemos fazer.

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Superando o cansaçoNuma séria estatística que comprova as causas desenca-

deadoras de doenças crônicas, afirma-se que “o cansaço é uma das cinco queixas mais frequentes dos que procuram os clínicos gerais” (Dráuzio Varella). Muitos destes pacientes demonstram que o cansaço é gerador de um círculo vicioso de alto risco. O excesso de cansaço prejudica a concentração no trabalho e interfere na execução das tarefas diárias. Sen-tindo este mal-estar na relação com o trabalho e com os que confiam em sua capacidade, o cansaço da pessoa aumenta e pode se tornar crônico.

Não podemos ignorar a luta heroica de muitos homens e mulheres, agricultores, operários e mesmo profissionais liberais, preocupados em tornar rentável e qualificada sua ocupação, tendo em vista o sustento e o futuro de sua família. Apesar de tudo, é grande o número dos que se empenham diuturnamente, para honrar sua competência, que vivem um cansaço permanente. Tantos e tantas são movidos à coragem e ao brio de não passarem pelo mundo inutilmente.

Mas assim como há heróis cansados, há muitos descansa-dos que vivem se queixando de cansaço para chamar atenção. Talvez sejam os que se cansam por nada fazer e terminam cansando quem faz muito, por suas queixas ridículas. Creio que por ali é verdadeira a afirmação: “Quando precisares de alguém para confiar-lhe uma tarefa importante, procure os mais ocupados”.

Se existem tantos que merecem cuidado para não transfor-mar seu real cansaço num mal crônico, há outros que justificam suas manias de acomodação, enterram seus dons para não se comprometerem com a vida e com ninguém. Na segunda carta

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aos Tessalonicenses, Paulo admoesta a comunidade a não se deixar levar pela loucura do entreguismo, em nome da falsa ideia da imediata volta de Cristo. “Quem não quer trabalhar, também não coma. Essa gente se intromete em tudo e vive sem fazer nada... Não vos canseis de fazer o bem!” (2Ts 3,10-13).

O mais eloquente exemplo de quem não cansava de fazer o bem nos é dado por Jesus Cristo. “Ao sair do barco, Jesus viu uma grande multidão e encheu-se de compaixão, porque eram como ovelhas que não têm Pastor” (Mc 6,34). “Havia, de fato, tanta gente chegando e saindo, que não tinham nem tempo para comer” (Mc 6,31).

A urgência do Reino não permitia a Jesus parar, a não ser para rezar e renovar sua sintonia com a vontade do Pai. Essa mesma urgência ele a registrou no discurso da missão dos discípulos. Não há como perder tempo no caminho, nem como se amarrar a preocupações mesquinhas. A causa do Reino é o maior investimento de uma vida.

Aquele que não tinha onde repousar a cabeça, deixou-nos este convite: “Vinde a mim, todos vós que estais cansados e carregados de fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e sede discípulos meus, porque sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para vós. Pois o meu jugo é suave e o meu peso é leve” (Mt 11,28-30).

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Notícias positivas animam a esperança

Nós não somos afeitos a desgraças. Mas por incrível que pareça, geralmente são estas que viram notícia e contagiam a humanidade. Evidentemente, não podemos tapar o sol com a peneira, nem mesmo negar as sombras, fugindo delas. A dor sempre nos incomoda com mais rapidez, do que os efeitos lentos e silenciosos do amor e da graça. O mal desta realidade está em dançar sobre as desgraças, como se fossem os únicos acontecimentos e notícias do mundo. É desalentador acompa-nhar noticiosos, quando mais da metade do tempo é ocupado em tragédias.

Há dias recebi uma correspondência do Haiti, de um Con-frade, a quem estimo muito. Como responsável pela Missão Capuchinha naquela realidade sofrida, o Frei ia noticiando fatos, realizações e perspectivas positivas. Falava de obras comunitárias que são construídas em mutirão, de encontros vocacionais com número expressivo de jovens, de bons co-meços na formação dos novos frades etc. Nas entrelinhas das notícias positivas, evidentemente não podemos ignorar o cenário de uma Nação provada, sofrida e atingida por um terremoto. Porém, o positivo dos pequenos fatos vai fecun-dando a esperança de um futuro melhor.

Antes de uma celebração, estava recebendo as pessoas na porta da Igreja. Chegou um cidadão, sócio de uma microem-presa. Em conversa informal, contou-me que ao começar o ano de 2015, com os demais sócios e funcionários, viram-se contagiados pelo desânimo devido à crise que atingiu o País. Tudo começou a piorar, até que um dia reuniram-se para rever

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a situação. Unanimemente decidiram deixar de assistir o Jornal Nacional e adotaram o lema: “Crise não existe!”. Cada sócio e os funcionários decidiram começar sempre o dia falando de algo positivo e encorajando um ao outro. Não demorou um mês que a microempresa estava transformada e em acentuado ritmo de crescimento.

Cenas e notícias de encantamento, quando divulgadas, partilhadas e postas na linha de frente, vão mudando também o cenário. Quem não lembra a complexa situação da Igreja no final do pontificado de Bento XVI e as respectivas notícias desfavoráveis? Em pouco tempo o Papa Francisco, com seus gestos simples e proféticos, com suas mensagens de pastor e sua proximidade com todos, especialmente os mais pobres, tornou-se a liderança mais influente da humanidade. As im-piedosas acusações à Igreja foram revertidas pela “Alegria do Evangelho”.

Na realidade, todos somos seres de contágio. Podemos ser contagiantes e contagiados. Há doenças contagiosas e doentes contagiados e contagiantes. Há esperanças conta-giantes e pessoas esperançosas que contagiam. Há ideias contagiantes e pessoas que contagiam com ideias corajosas ou desanimadoras. Essa inegável força de contágio pode ser um assunto diário de nossa revisão de vida, porque ninguém de nós é neutro. Ou somos presença positiva e construtiva, ou veiculamos, por palavras, pelo modo de ser e por atitudes, o vazio e a frustração.

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Ajudar e ser ajudadoSomos seres em permanente necessidade de ajuda. Em

momento algum de nossa vida podemos dizer: “Eu não pre-ciso da ajuda de ninguém!”. Desde a nossa concepção e até a nossa partida deste mundo, necessitamos ser ajudados a todo o instante. Mas na mesma proporção podemos e devemos ajudar, pois “quem guarda a vida para si, perde-a!”

Por incrível que pareça, é comprovado que, entre os huma-nos, é mais fácil ajudar do que reconhecer a necessidade de ajuda. A autossuficiência é uma tentação que ronda em todas as idades. Reconhecer-nos necessitados, parece uma certa afronta à nossa auto afirmação. A rebeldia de apropriar-se de todas as possibilidades por conta própria é um impulso natu-ral. Porém, a lógica da vida não concorda com esta tendência.

Num ímpeto de vaidade, dizem que um famoso artista de sucesso internacional, ao chegar numa localidade onde iria apresentar-se, foi abordado por um humilde cidadão. Este lhe disse: “Bem-vindo em nossa cidade! Em que eu posso lhe ajudar?” O artista cheio de sucesso e orgulho lhe disse: “Eu não preciso de ninguém! Todo o sucesso do mundo é meu, e pronto!”

O humilde cidadão era um homem sábio e logo lhe disse: “Que ridícula sua afirmação: ‘Eu não preciso de ninguém!’ Quem lhe deu a vida? Quem lhe garante o ar para sua respira-ção, a luz do sol de cada dia e a água benfazeja? Quem lhe faz as brilhantes roupas e sapatos para se apresentar às multidões e lhe dá os aplausos para o sucesso? E o alimento para seus banquetes? Quem cultiva os campos e semeia o trigo para o pão de cada dia?”

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Se existe algo ridículo para os humanos é autossuficiência. A inter dependência é um constitutivo normal e lógico da vida e, principalmente da convivência. Toda a natureza é um hino à vida em comunhão. Como poderia germinar a semente sem água, e para que serviria a água se nada germinasse?

Quando nos reconhecemos como necessitados de muitas e permanentes ajudas, teremos mais facilidade de entender as pessoas que também experimentam a mesma lógica para viver. Se nos sentimos agraciados pelas muitas ajudas de cada dia que nos vem dos outros, certamente nos abriremos para ajudar a quem necessita de nós. E quem não necessita?

A fé cristã é o melhor argumento para a gratidão em relação a toda a forma de ajuda. O que temos nós que não recebemos de Deus? E o que devemos fazer com tudo o que dele recebemos? Nosso reconhecimento só será justo se toda a ajuda recebida vai se transformando em ajuda para os outros. O dom recebido se multiplica quando se fizer doação e ajuda para os outros.

Ajudar e ser ajudado é uma via de duas mãos que possibi-lita o trânsito livre para a promoção da vida e a harmonia de uma convivência solidária. Superando a autossuficiência e o egoísmo, podemos ir construindo a civilização do amor com a mente, o coração e as mãos.

Quem na vida não passa por horas de duras provações, onde nos vemos carentes e necessitados de algo? Como é importante quando alguém chega e nos pergunta: “Em que eu posso lhe ajudar?”.

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Voluntariado e qualidade de vida

Felizmente não só cresce a convicção, mas vai se tornando realidade o aumento do voluntariado em nossas comunidades. Começamos considerando que para ser voluntário é funda-mental a decisão consciente e livre da pessoa. Uma decisão que não passa pelo coração, dificilmente perdura. A vontade da pessoa não pode ser amarrada nem forçada, menos ainda condicionada a ameaças e punições.

Um movimento de voluntariado também não pode ser encarado como uma moda do tempo, uma vaga ocupação de quem nada tem a fazer, ou um palco para ganhar aplausos e títulos de honra. A qualidade das motivações para dedicar-se ao voluntariado é que vai contar na perseverança e na quali-dade da ação voluntária assumida.

Uma correta decisão da vontade precisa passar da mente para o coração e do coração para as mãos. Se tivermos clareza do significado benéfico do serviço voluntário, nos afeiçoaremos a ele e o traduziremos em ação concreta. Em consequência, a própria atividade irá dando retorno ao coração para se afeiçoar ainda mais e ampliar a convicção desta decisão. Geralmente um bom voluntário, quanto mais se envolve, mais se sente animado a continuar.

Existem muitas razões para o envolvimento voluntário. Destaco algumas: As ciências humanas, principalmente a psicologia, a psiquiatria, a pedagogia e a medicina comprovam que o grande remédio contra a depressão é a ocupação em algo relevante para a vida. Se a terapia ocupacional é assim tão benéfica, mais ainda se torna quando a ocupação acontece

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em benefício da vida de quem mais necessita. O voluntariado, portanto é um caminho de qualificação da vida do próprio voluntário.

Outra razão a vemos estampada em múltiplos espaços dedi-cados ao cuidado, à promoção e inclusão dos excluídos, sofre-dores, doentes e menos favorecidos. O senso de humanidade move o voluntariado a humanizar. O retorno de vida, alegria e gestos de amor dos destinatários dos trabalhos voluntários se torna o mais precioso salário de quem atua na gratuidade. Aqui vale lembrar a oração de São Francisco quando diz: “É dando que se recebe!”

Se o voluntariado, assumido por razões humanas, é tão benéfico para quem o exerce e para os destinatários, ainda maior é a grandeza quando assumido por razões de fé. A fé ajuda a dar consistência ao que se faz; amplia o sentido e ajusta as nossas decisões; não permite decepção quando se cultiva a esperança de vida melhor e transforma o serviço voluntário em investimento de amor que se eterniza.

Alguém que passa pela história fazendo o bem jamais será esquecido. As obras podem passar, mas o amor com que as fizermos jamais passará. Motivar e cultivar o voluntariado, é garantir qualidade de vida e esperança de uma sociedade mais humana e solidária.

Jesus Cristo é o perfeito modelo de voluntário. Faz da vontade do Pai a sua vontade e, por ela, investe tudo em nosso favor: “Ninguém tira a minha vida; eu a dou livre-mente” (Jo 10,18).