formaçãp-social-da-mente-introduçao

Download formaçãp-social-da-mente-introduçao

If you can't read please download the document

Upload: iuri-aleksander-dias

Post on 06-Dec-2015

217 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

formaçãp-social-da-mente-introduçao

TRANSCRIPT

INTRODUOMichael Cole e Sylvia ScribnerQuando Lev S. Vygotsky, advogado e fillogo, iniciou sua carreira como psiclogo aps a RevoluoRussa de 1917, j havia contribudo com vrios ensaios para a crtica literria. Na poca em quepredominavam Wilheim Wundt, o fundador da psicologia ex-perimental, e William James,representante do pragmatismo americano, ele era estudante. Na cincia, foram seus contemporneos,entre outros, Ivan Pavlov, Wladimir Bekhterev e John B.Watson, todos adeptos das teorias comportamentais privilegiadoras da associao estmuloresposta,alm de Wertheimer, Kohler, Koffka e Lewin, fundadores do movimento da Gestalt na psicologia. Oleitor poderia esperar, ento, que o trabalho de Vygotsky tivesse principalmente interesse histrico -talvez enquanto uma breve viso de como os fundadores da psicologia moderna influenciaram apsicologia sovitica na Rssia ps-revolucionria. Certamente esses ensaios tm interesse naperspectiva da histria intelectual, mas, de forma alguma, constituem relquias histricas. Pelocontrrio, ns os oferecemos como uma contribuio s controvrsias e discusses da psicologiacontempornea.Com o objetivo de entender como as idias deste livro puderam manter sua relevncia atravs dasdistncias de tempo e de cultura que nos separam de Vygotsky, tivemos que, repetidamente, refletirsobre as condies da psicologia europia que forneceram o cenrio inicial para as teorias deVygotsky. Foi-nos de grande valia examinar as condies da sociedade e da psicologia na Rssia psrevolucionria, uma vez que eram fonte dos problemas imediatos com os quais Vygotsky sedefrontava, bem como fonte de inspirao, na medida em que ele e seus colegas procuravamdesenvolver uma teoria marxista do funcionamento intelectual humano.No incio do sculo XIXAt a segunda metade do sculo XIX, o estudo da natureza humana era um atributo da filosofia. Osseguidores de John Locke, na Inglaterra, desenvolveram sua concepo empiricista da mente, queenfatizava a origem das idias a partir de sensaes produzidas por estimulao ambiental. O maiorproblema da anlise psicolgica, para esses empiricistas ingleses, era descrever as leis de associaopelas quais sensaes simples combinam-se para produzir idias complexas. No continente europeu,os seguidore de Immanuel Kant afirmavam que idias de espao e tempo e conceitos de quantidade,qualidade e relao originavam-se na mente humana e no poderiam ser decompostas em elementosmais simples. Ambos os grupos mantinham-se irredutveis em suas posies. Ambas as tradiesfilosficas desenvolviam-se tendo como pressuposto, originado a partir dos trabalhos de RenDescartes, que o estudo cientfico do homem deveria restringir-se ao seu corpo fsico. filosofiaestava designado o estudo de sua alma.Apesar de o conflito entre essas duas abordagens se estender at os dias de hoje, os termos dessadiscusso, por volta de 1860, foram mudados irrevogavelmente, pela publicao quase quesimultnea de trs livros.Deles, o mais famoso foi A Origem das Espcies de Darwin, que argumentava a favor dacontinuidade essencial entre o homem e outros animais. Uma conseqncia imediata dessa afirmaofoi o esforo de muitos intelectuais para estabelecer descontinuidades que separassem seres humanosadultos de seus parentes inferiores (tanto ontogentica quanto filogeneticamente). O segundo livroDie Psychophysik, de Gustav Fechner, que apresentava uma descrio detalhada e matematicamenteelaborada da relao entre as variaes de eventos fsicos determinveis e as respostas "psquicas"expressas verbalmente. O que Fechner propunha era, nem mais nem menos, a descrio quantitativado contedo da mente humana. O terceiro livro, um volume peqeno, intitulado Reflexos do Crebro,foi escrito por um mdico de Moscou chamado I. M. Sechenov. Sechenov, que havia estudado comalguns dos mais eminentes fisiologistas europeus, contribuiu para a compreenso dos reflexossensorimotores simples usando a tcnica da preparao neuromuscular isolada.8Sechenov estava convencido de que os processos por ele observados em tecidos isolados de r eram,em princpio, os mesmos que ocorrem no sistema nervoso central dos organismos intactos, inclusivenos seres humanos. Se as respostas musculares, em sua preparao, podiam ser explicadas porprocessos de inibio e excitao, porque as mesmas leis no poderiam ser aplicadas s opera docrtex cerebral humano? Mesmo na ausncia de evidncias diretas para essas especulaes, as idiasde Sechenov sugeriram as bases fisiolgicas para a ligao entre o estudo cientfico natural de animaise os estudos filosficos humanos anteriores. O censor do Czar parece ter compreendido asimplicaes materialistas e revolucionrias das teses de Sechenov, proibindo a sua publicao pelotempo que pde. Quando finalmente o livro foi publicado, continha uma dedicatria a CharlesDarwin.Esses trs livros, de Darwin, Fechner e Sechenov, podem ser vistos como constituintes essenciais dopensamento psicolgico do final do sculo XIX. Darwin uniu animais e seres humanos num sistemaconceitual nico regulado por leis naturais; Fechner forneceu um exemplo do que seria uma leinatural que descrevesse as relaes entre eventos fsicos e o funcionamento da mente humana;Sechenov, extrapolando observaes feitas em preparaes neuromusculares isoladas de rs, propsuma teoria fisiolgica do funcionamento de tais processos mentais em seres humanos normais.Nenhum desses autores se considerava (e tampouco era considerado pelos seus contemporneos)psiclogo. No entanto, eles forneceram as questes centrais que preocupariam a psicologia, umacincia jovem, na segunda metade do sculo: quais so as relaes entre o comportamento humano eo animal? Entre eventos ambientais e eventos mentais? Entre processos fisiolgicos e psicolgicos?Vrias escolas de psicologia atacaram uma ou outra dessas questes, contribuindo com respostasparciais dentro de perspectivas tericas limitadas.De tais escolas, a primeira foi fundada por Wilhem Wundt, em 1980. Wundt assumiu comp tarefa adescrio do contedo da conscincia humana e sua relao com a estimulao externa. Seu mtodconsistia em analisar os vrios estados de conscincia em seus elementos constituintes, definidos porele mesmo como sensaes simples. A priori, ele excluiu, como elementos de conscincia, sensaestais como "sentimento de estar ciente" ou "percepo de relaes", considerando esses fenmenoscomo "nada mais do que" subprodutos de mtodos falhos de observao (introspeco). De fato,Wundt props, explicitamente, que as funes mentais complexas, ou, como eram ento conhecidas,os "processos psicolgicos superiores" (a lembrana voluntria e o raciocnio dedutivo, por exemplo)no poderiam, em princpio, ser estudadas pelos psiclogos experimentais.Na sua opinio, s poderiam ser pesquisadas atravs de estudos histricos dos produtos culturais,tais como as lendas, costumes e linguagem.Por volta do comeo da Primeira Guerra Mundial os estudos introspeetivos dos processos conscienteshumanos sofreram ataques vindos de duas direes. Tanto nos Estados Unidos quanto na Rssia,psiclogos descontentes com as controvrsias em torno das descries introspectivas corretas dassensaes, e com a conseqente esterilidade da pesquisa resultante, renunciaram ao estudo daconscincia em prol do estudo do comportamento. Explorando o potencial sugerido pelo estudo dePavlov dos reflexos condicionados (desenvolvido a partir de Sechenov) e pelas teorias de Darwinsobre a continuidade evolutiva entre os animais e o homem, essas correntes psicolgicas abrirammuitas reas para o estudo cientfico do comportamento animal e humano. Com relao a um aspectoimportante, entretanto, concordavam com os seus antagonistas introspectivos: sua estratgia bsicaconsistia em identificar as unidades da atividade humana (substituindo as sensaes pela unidadeestmulo-resposta) e ento especificar as regras pelas quais esses elementos se combinam paraproduzir fenmenos mais complexos. Essa estratgia concentrou-se, conseqentemente, naquelesprocessos psicolgicos compartilhados tanto por animais quanto por seres humanos, relegando osprocessos psicolgicos superiores - pensamento, linguagem e comportamento volitivo. A segundalinha de ataque sobre a descrio do contedo da conscincia veio de um grupo de psiclogos que secontrapunham a um ponto, em relao ao qual tanto Wundt quanto os behavioristas concordavam: avalidade de se analisar os processos psicolgicos em seus constituintes bsicos. Esse movimento, queveio a ser conhecido como a psicologia da Gestalt, demonstrou que muitos fenmenos intelectuais (osestudos de Kohler com macacos antropides constituem um exemplo) e fenmenos perceptuais (por9exemplo, os estudos de Wertheimer sobre o movimento aparente de luzes intermitentes ) nopoderiam ser explicados pela postulao de elementos bsicos da conscincia nem pelas teoriascomportamentais baseadas na unidade estmulo-resposta. Os gestaltistas rejeitavam, em princpio, apossibilidade de, atravs de processos psicolgicos simples, explicar os processos mais complexos.Resumidamente, era essa a situao da psicologia europia quando Vygotsky apareceu em cena. NaRssia, a situao no era muito diferente.