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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 602 FORMAÇÃO HISTÓRICA E GOVERNANÇA TERRITORIAL DA AGLOMERAÇÃO PRODUTIVA GEOGRÁFICA DE TABATINGA - SP LIVIA MARTINEZ BRUMATTI 1 ANA CLAUDIA GIANNINI BORGES 2 Resumo: O artigo objetiva identificar o processo histórico de formação da aglomeração produtiva geográfica de Tabatinga-SP, especializada na fabricação de bichos de pelúcia e enxoval de bebê, bem como a formação da governança territorial e a atuação do Poder Público local, nesse processo. Para tal, fez-se coleta de dados primários (entrevistas) e secundários (IBGE, SEBRAE, Mistério do Trabalho e Emprego e de órgãos e associações locais). Identificou-se: a importância desta indústria no município; e a existência de cooperação e de governança territorial, num primeiro momento, o que beneficiou as empresas e o município. No entanto, em período posterior, observou-se a inexistência dessa governança, o que tem ampliado as dificuldades das empresas e do município quanto à estruturação e organização de uma indústria competitiva e promotora de trabalho e renda a nível local. Palavras-chave: Aglomeração Produtiva Geográfica; Governança Territorial; Poder Público. Abstract: The article aims to identify the historical process of formation of the geographical productive agglomeration of Tabatinga-SP, specialized in the manufacture of stuffed toys and baby outfits, as well as the formation of territorial governance and the performance of local Government in this process. To this end, it has been done a collection of primary data (interviews) and secondary data (IBGE, SEBRAE, Ministry of Labor and Employment and others organs and local associations). It has been identified: the importance of this industry in the municipality; and the existence of cooperation and territorial governance, in a first moment, which benefited companies and the municipality. However, in subsequent period, it has been observed the absence of this governance, which increased the difficulties of the companies and the municipality regarding the structuring and organization of a competitive industry, promoter of employment and income at local level. Key-words: Geographical Productive Agglomeration; Territorial Governance; Local Government 1 Introdução O aumento da competitividade no Brasil, na década de 1990, decorrente do processo de abertura comercial (GENNARI, 2011), está inserido em um contexto mais amplo de busca crescente de anulação das barreiras à circulação de mercadorias (HARVEY, 2005). Há, como consequência desse processo, impactos significativos nos setores econômicos, com destaque para a indústria, a qual tem passado por um processo de reestruturação (SELINGARDI-SAMPAIO, 2009). Deste processo, ressaltam-se a flexibilização da produção, dos contratos de trabalho e das relações interempresariais entre empresas de diferentes portes. Estas passam a concentrar 1 Acadêmica do programa de pós-graduação em Geografia da Univ. Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Campus de Rio Claro. E-mail: [email protected]. 2 Docente do programa de pós-graduação da Univ. Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus de Rio Claro. E-mail: [email protected].

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

602

FORMAÇÃO HISTÓRICA E GOVERNANÇA TERRITORIAL DA AGLOMERAÇÃO PRODUTIVA GEOGRÁFICA DE TABATINGA - SP

LIVIA MARTINEZ BRUMATTI1 ANA CLAUDIA GIANNINI BORGES2

Resumo: O artigo objetiva identificar o processo histórico de formação da aglomeração produtiva

geográfica de Tabatinga-SP, especializada na fabricação de bichos de pelúcia e enxoval de bebê, bem como a formação da governança territorial e a atuação do Poder Público local, nesse processo. Para tal, fez-se coleta de dados primários (entrevistas) e secundários (IBGE, SEBRAE, Mistério do Trabalho e Emprego e de órgãos e associações locais). Identificou-se: a importância desta indústria no município; e a existência de cooperação e de governança territorial, num primeiro momento, o que beneficiou as empresas e o município. No entanto, em período posterior, observou-se a inexistência dessa governança, o que tem ampliado as dificuldades das empresas e do município quanto à estruturação e organização de uma indústria competitiva e promotora de trabalho e renda a nível local.

Palavras-chave: Aglomeração Produtiva Geográfica; Governança Territorial; Poder Público.

Abstract: The article aims to identify the historical process of formation of the geographical

productive agglomeration of Tabatinga-SP, specialized in the manufacture of stuffed toys and baby outfits, as well as the formation of territorial governance and the performance of local Government in this process. To this end, it has been done a collection of primary data (interviews) and secondary data (IBGE, SEBRAE, Ministry of Labor and Employment and others organs and local associations). It has been identified: the importance of this industry in the municipality; and the existence of cooperation and territorial governance, in a first moment, which benefited companies and the municipality. However, in subsequent period, it has been observed the absence of this governance, which increased the difficulties of the companies and the municipality regarding the structuring and organization of a competitive industry, promoter of employment and income at local level.

Key-words: Geographical Productive Agglomeration; Territorial Governance; Local Government

1 – Introdução

O aumento da competitividade no Brasil, na década de 1990, decorrente do

processo de abertura comercial (GENNARI, 2011), está inserido em um contexto

mais amplo de busca crescente de anulação das barreiras à circulação de

mercadorias (HARVEY, 2005).

Há, como consequência desse processo, impactos significativos nos setores

econômicos, com destaque para a indústria, a qual tem passado por um processo de

reestruturação (SELINGARDI-SAMPAIO, 2009). Deste processo, ressaltam-se a

flexibilização da produção, dos contratos de trabalho e das relações

interempresariais entre empresas de diferentes portes. Estas passam a concentrar

1 Acadêmica do programa de pós-graduação em Geografia da Univ. Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

– Campus de Rio Claro. E-mail: [email protected]. 2 Docente do programa de pós-graduação da Univ. Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus de

Rio Claro. E-mail: [email protected].

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geograficamente seus esforços, através de distritos industriais, clusters ou demais

formas de aglomerações, com o intuito de ampliar a sua competitividade no mercado

(BENKO, 1996).

Deve-se ressaltar, no entanto, que o processo de aglomeração das

pequenas empresas pode estar vinculado não apenas a busca de maior

competitividade, mas também como decorrência: “[…] da ação de grupos sociais

emergentes que dispõem de um potencial de habilidades técnicas apreendidas a

partir de práticas em outras atividades” (CORREA, 2006, p. 267-268); da busca de

alternativas para a minimização da ociosidade de mão de obra em determinado local

(MATUSHIMA, 2005); ou da facilidade para obtenção e processamento de recursos

naturais nas mais diversas localidades (NEAPL/AM, 2009).

Nesse contexto, tem-se também o debate acerca da necessidade do poder

público estimular a concentração da força produtiva, como forma de proteção à

intensa competitividade internacional (COCCO et al., 1999).

Em meio a este contexto, tem-se o debate sobre a descentralização político-

administrativa do Estado, com a redistribuição de poderes governamentais, com o

aumento da responsabilidade dos municípios e regiões (PIRES et al., 2011). Neste

sentido, Martins e Luque (1999, p. 81) afirmam que:

O papel dos municípios para a superação dos problemas econômicos e sociais é fundamental. As informações que os municípios possuem sobre as diversas características da população e sobre a natureza dos problemas específicos de cada localidade permitem que se tenham vantagens comparativas consideráveis sobre outras instituições públicas.

Assim, em 2004, no Brasil, observa-se a oficialização de uma política pública

federal de estímulo à construção de modalidades territoriais de governança, tais

como: Arranjos Produtivos Locais (APLs), Câmaras Setoriais, Comitês de Bacias

Hidrográficas, Circuitos Turísticos e Conselhos Regionais de Desenvolvimento

(COREDEs) (PIRES et al., 2011).

Dentre essas modalidades, podem-se destacar duas para a indústria. Uma

delas é a APL, que tem como diretrizes de atuação: protagonismo local; promoção

de ambiente de inclusão; elevação do capital social; preservação do meio-ambiente;

integração com outros atores; colaboração entre entes federados; orientação para o

mercado; promoção de sustentabilidade nas organizações; estímulo à inovação;

melhoria nas condições de trabalho e redução das desigualdades regionais (GTP

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APL, 2004). E a outra é a Câmara Setorial, que é um dispositivo institucional, com a

participação de representantes do governo, dos empresários e dos trabalhadores

(PIRES et at., 2011). Estas duas modalidades incentivam o desenvolvimento

endógeno, com a participação da população local.

Por outro lado, na esfera municipal, têm-se políticas que buscam o

desenvolvimento através da promoção de incentivos fiscais ou infraestruturais,

objetivando atrair empresas externas (RICCI, 2007), o que contradiz a política

federal de privilegiar o protagonismo local.

Esta contradição é um indicativo da necessidade de uma atuação conjunta

das esferas públicas para a consolidação de um processo de governança territorial3,

sem políticas conflitantes (FIESP/MDIC, 2007, p. 23). Além disso, é importante

considerar que a consolidação de políticas públicas de governança territorial pode

ser lenta e difícil, em razão da singularidade de cada território (FIESP/MDIC, 2007).

Frente ao exposto, este trabalho tem como objetivo identificar e analisar o

processo de formação da aglomeração produtiva geográfica do município de

Tabatinga – SP, especializada na produção de bichos de pelúcia e enxoval de bebê,

bem como a participação do Poder Público local nesse processo. Para tal, tem-se

como objetivos específicos: 1) Realizar um resgate histórico da formação do

município, destacando as principais atividades econômicas; 2) Identificar o processo

histórico de governança territorial da aglomeração produtiva geográfica do

município; 3) Apontar as principais características da aglomeração produtiva

geográfica de Tabatinga; e 4) Identificar a importância do poder público para

governança territorial da aglomeração produtiva.

3 O termo Governança territorial emerge, de acordo com Pires et al. (2011), como forma de

compartilhamento de poderes entre prefeituras, associações comerciais, sindicatos e outras entidades civis, na execução de uma gestão pública regional eficiente e transparente. Esta gestão deve estar focada, principalmente, nos setores econômicos, os quais envolvem as cadeias produtivas diversas, produtos industriais e agroindustriais. Pires et al. (2011, p. 26) destacam, ainda, que a governança passa a ser territorial “quando se reconhece que o território é o recorte espacial de poder que permite que empresas, Estados e sociedade civil entrem em contato, manifestando diferentes formas de conflito e de cooperação”.

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2 - MÉTODOS DE ANÁLISE

Para a realização do resgate histórico de formação do município, fez-se,

primeiramente, revisão bibliográfica em estudos realizados no município, tais como:

Braz (2005) e Paula (2005). Além disso, foram utilizados dados secundários do sítio

eletrônico do Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal (CEPAM).

Esta contextualização se fez importante para identificar os fatores geradores da

aglomeração produtiva geográfica, principalmente, a partir dos anos 1990.

Os dados para a caracterização da aglomeração produtiva geográfica de

Tabatinga, a partir da década de 1990, puderam ser coletados em sites de institutos

de pesquisa e órgãos do governo e do município, como: Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE) – Banco de Dados SIDRA; Ministério do Trabalho e

Emprego (MTE) - RAIS/CAGED; e Associação Comercial, Industrial e Agropecuária

de Tabatinga (ACIAT).

Para a complementação dessas informações, foram realizadas entrevistas

com empresários do município (6) e com a ACIAT. Nas entrevistas objetivou-se obter

o relato sobre: a) o surgimento de cada empresa; b) a participação de cada membro

na governança territorial, com as respectivas ações e resultados mais relevantes; e

c) a situação da governança territorial no município. Além disso, foi possível

participar de algumas reuniões realizadas na ACIAT.

Foram utilizadas, ainda, informações de documentos e reportagens

disponibilizadas pelo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

(SEBRAE).

3 - RESULTADOS

3.1 - O processo histórico de formação da aglomeração produtiva geográfica

de Tabatinga - SP

O município de Tabatinga apresentou, desde a sua emancipação político-

administrativa (em 1925) até os dias atuais, considerável dependência do setor

agrícola (CEPAM, 2015). Porém, a partir da década de 1990, observa-se a

crescente relevância da indústria de confecções de bicho de pelúcia e enxoval de

bebê, principalmente como alternativa de emprego e renda, no período da

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entressafra agrícola e da crise citrícola (CEPAM, 2015), cultura relevante para o

município no período.

No Gráfico 1 é possível observar que, apesar da tendência de crescimento

no número de vínculos ativos em todos os setores econômicos, a partir de 2001, a

indústria se destaca pelo crescimento expressivo e contínuo de absorção de mão de

obra, no município.

Gráfico 01 - Evolução da quantidade de vínculos ativos por setor no município de Tabatinga.

Fonte: RAIS/CAGED (2015).

O surgimento da indústria de confecções de bicho de pelúcia e enxoval de

bebê, no município, está atrelado à proximidade geográfica ao município de Ibitinga

(PESQUISA DE CAMPO, 2014), o qual apresenta produção especializada na

confecção de artigos de cama, mesa e banho (MATUSHIMA, 2005). É importante

destacar, que em Ibitinga tem-se como prática a subcontratação de serviços

terceirizados, para reduzir os custos e aumentar a produtividade da indústria, desde

a década de 1990. Neste período, Ibitinga passa a ser reconhecida, em âmbito

nacional, como Capital do Bordado (MATUSHIMA, 2005).

Assim, essa proximidade contribuiu para a formação da indústria em

Tabatinga, pois: a primeira empresa a atuar na confecção de bicho de pelúcia, nesse

município, surge direcionando suas vendas exclusivamente para Ibitinga; e o

subsetor de enxoval de bebê surge atrelado, principalmente, às relações de

terceirização e subcontratação exercidas pelo município vizinho (PAULA, 2005).

Essas relações propiciaram maior conhecimento, para as empresas de Tabatinga,

quanto ao processo produtivo e aos diferentes tipos de matéria-prima, além de

possibilitar contatos com os fornecedores (BRAZ, 2005).

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É importante destacar que os produtos, da empresa pioneira na produção de

bicho de pelúcia de Tabatinga, passaram a ser reconhecidos em mercados mais

amplos, o que despertou o interesse de outros empreendedores do município

(PESQUISA DE CAMPO, 2014).

Apesar da existência de bordados de enxovais de bebê, desde um período

anterior à produção de bicho de pelúcia, a expressividade deste último fez com que

a maioria dos empresários do município destinasse seus esforços e recursos à

produção do mesmo (PESQUISA DE CAMPO, 2014). Além disso, pôde-se perceber

que o aglomerado produtivo vem abrangendo a produção de mais tipos de produtos

ligados ao público infantil, não se restringindo ao bicho de pelúcia e enxovais de

bebês (PESQUISA DE CAMPO, 2015).

O aumento do número de empresas, formais e informais, na indústria de

confecção de bicho de pelúcia e enxoval de bebê foi muito expressivo,

principalmente, em fins da década de 1990 e início dos anos 2000 (BRAZ, 2005). Na

Tabela 1 é possível observar que, apesar de surgirem algumas empresas de

transformação na década de 1980 e início de 1990, foi no período de 1996 a 2000

que elas apresentaram o maior número de abertura no município.

Ano de Fundação

Abertura de novas unidades

Ano de Fundação

Abertura de novas unidades

Até 1966 0 2005 4

1967 a 1970 0 2006 5

1971 a 1980 1 2007 7

1981 a 1990 9 2008 9

1991 a 1995 6 2009 5

1996 a 2000 17 2010 3

2001 a 2003 8 2011 7

2004 2 2012 2

Tabela 1 - Número de abertura de empresas de transformação

Fonte: IBGE (2015).

De um total de 85 empresas fundadas até o ano de 2012, 20% (17) surgiram

no período de 1996 a 2000. Outro dado importante é que, destas 85 empresas,

64,7% (55) são de empresas de fabricação de produtos têxteis (IBGE, 2015). Fato

que demonstra a existência de uma aglomeração geográfica produtiva nas indústrias

destacadas.

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Braz (2005) destaca que, no início, as empresas apresentavam pouca

preocupação com a qualidade do produto fabricado, produzindo também em

condições informais. Em pesquisa de campo (2015), também, foi possível observar

esta característica de informalidade da indústria em Tabatinga, visto que a produção,

em muitos empreendimentos, era de “fundo do quintal” e para complementar a renda

familiar. Além disso, identificou-se que muitos dos empreendimentos que surgiram

no município eram de trabalhadores da indústria de confecções de bicho de pelúcia

e enxoval de bebê. Isto era possível, pois esses trabalhadores detinham o

conhecimento do processo produtivo e o investimento inicial era reduzido (aquisição

de uma máquina de costura).

O crescimento dessa indústria foi tão significativo que o município ficou

conhecido como a Capital do Bicho de Pelúcia (PESQUISA DE CAMPO, 2014).

É importante destacar que a produção de bicho de pelúcia sofreu forte

impacto com o fim do Acordo de Têxteis e Vestuários4 (ATV), a partir do ano de

2005, quando há a entrada maciça de produtos chineses. Em razão do aumento

desta concorrência, muitas das empresas, que atuavam produzindo bichos de

pelúcia e enxovais de bebês, passam a focar a produção deste último (PESQUISA

DE CAMPO, 2014).

Apesar dessas mudanças, alguns empresários produtores de bicho de

pelúcia afirmam que essa produção ainda é vantajosa, desde que haja investimento

em inovação (PESQUISA DE CAMPO, 2014).

3.2 - Governança territorial e relações com o poder público

Em fins da década de 1990 e início do século XXI, empresários de Tabatinga

identificam a necessidade de aprimorar a sua gestão, bem como de capacitar e

treinar seus empregados (BRAZ, 2005), tendo em vista que o crescimento

desordenado poderia causar maiores riscos às suas empresas. Além disso, também,

havia o interesse da sociedade local em consolidar uma atividade que fosse capaz

4 Acordo de Têxteis e Vestuários (derivado do Acordo Multifibras) tratava de um acordo bilateral entre

importadores e exportadores de produtos têxteis e de confecções, estabelecendo quotas de importação, cláusulas de flexibilidade e taxas de crescimento preestabelecidas (ABRAFAS, 2015).

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de gerar emprego e renda à população que se deslocava da zona rural, em razão da

crise do setor citrícola (BRAZ, 2005).

Nesse período, em 1999, o SEBRAE fez um diagnóstico do município, o qual

identificou que a indústria de confecções era a base de emprego no município,

gerando mais de 2.000 empregos diretos, em um município com população de

13.000 habitantes, na época. Fato este que despertou o interesse do Poder Público

municipal (BRAZ, 2005).

Neste sentido, no ano de 2001, o SEBRAE, em parceria com a Prefeitura

Municipal de Tabatinga e a ACIAT, elaborou um projeto que previa: a) capacitação

empresarial; b) adequação de processos produtivos; c) requalificação de mão de

obra desempregada; d) capacitação de mão de obra empregada nas empresas de

confecção; e e) apoio nas ações de marketing institucional para consolidar a cidade

de Tabatinga, como referência da produção de bichos de pelúcia e enxovais de bebê

(SEBRAE, 2001). Os resultados desse projeto foram: a criação da Câmara Setorial

de Produtos Infantis (CASEPI) (PESQUISA DE CAMPO, 2015); o aumento do valor

adicionado do município; o aumento do nível de formação dos profissionais do

município; e o crescimento do número de pessoas ingressando no mercado de

trabalho através dessa indústria (BRAZ, 2005). Além disso, o Poder Público

municipal viabilizou uma oficina permanente de formação de mão de obra, com

máquinas e galpão fornecidos por ele (BRAZ, 2005).

A CASEPI envolvia a participação não apenas de fabricantes de bicho de

pelúcia ou enxoval para bebê, mas também as indústrias de roupas infantis, móveis

planejados, acessórios, entre outros ramos, os quais viam a governança como uma

alternativa de acesso a novos clientes.

O principal resultado dessa governança foi o estabelecimento e oficialização

da Tabatinga Baby Show – Feira de bichos de plush, pelúcia, acessórios infantis e

enxovais para bebês. Ela foi estimulada pelo Poder Público local, que disponibilizou

recursos financeiros e criou o Conselho Municipal de Turismo (CONTUR), para

coordenar e organizar a Feira (CAMARA MUNICIPAL DE TABATINGA, 2015).

Uma ação projetada pelo CONTUR, na época, foi a reelaboração dos

telefones públicos em formato de bicho de pelúcia, bem como o desenho de patas

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de urso nas entradas da cidade, como forma de desenvolver um clima atrativo ao

turismo no município (PESQUISA DE CAMPO, 2015).

Braz (2015) destaca que o aumento da força desse coletivo de empresas

pôde ser observado: com a aprovação de um repasse de R$ 5 mil da Câmara

Municipal à CASEPI; e com a viabilização do certificado da INMETRO, a todas as

empresas da indústria voltadas à produção de produtos infantis, no município.

Os presidentes da ACIAT e da CASEPI, do período, afirmam que a mudança

na governança territorial do município apresentou impactos positivos, a partir do

momento em que os empresários passaram a atuar com cooperação (BRAZ, 2005).

Neste sentido, o autor destaca que a construção da cooperação dependia,

principalmente, do empenho dos empresários.

Havia, portanto, uma ideia aparente de que o município construiria um

modelo bem sucedido de governança territorial. No entanto, em pesquisa de campo

(2014), pôde-se observar a inexistência deste ambiente de cooperação apresentado

por Braz (2005). Isto se evidencia quando há o rompimento na relação das

empresas entre si e com o SEBRAE e o Poder Público Municipal, o que as

distanciam das condições iniciais de formação da governança territorial.

Este distanciamento deve-se, segundo alguns empresários, aos maiores

benefícios concedidos às grandes empresas consolidadas no município,

principalmente no período da Feira. Além disso, destacam que muitas das ideias

elaboradas pela CONTUR não foram desenvolvidas e aquelas que foram

implementadas (como o desenho de patas de urso nas entradas da cidade, por

exemplo), não tiveram muito efeito por serem, por si só, insuficientes na criação de

um clima atrativo ao turista (PESQUISA DE CAMPO, 2015).

Frente a este contexto, verificou-se um processo de retração na postura dos

empresários locais, que passaram a atuar de maneira individual no mercado

(PESQUISA DE CAMPO, 2014). E, com isso, a maioria dos benefícios conquistados,

em época anterior (quando havia cooperação), foi perdida ou se tornou uma

dificuldade para os empresários locais mantê-las.

Essa dificuldade pôde ser constatada no relato de um dos empresários

(PESQUISA DE CAMPO, 2014), quando afirma que, em 2014, houve a necessidade

de revalidação da certificação do INMETRO no setor e muitos empresários não

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sabiam como proceder. Nesse sentido, alguns propuseram a contratação de uma

pessoa para revalidar a certificação de todos, mas apenas duas empresas

apareceram na reunião que iria definir a contratação desta pessoa, o que inviabilizou

esta tentativa.

Deve-se destacar também que já não existe a oficina permanente de

formação de mão de obra, que era de responsabilidade do Poder Público local.

Além disso, em 2014 não foi realizada a Feira de Exposição, e não há

expectativas para elaboração da mesma para o ano de 2015, o que foi apontado

como negativo por algumas empresas. Vale considerar, ainda, que as ações

individualistas se intensificaram, tendo em vista a existência de uma espécie de

“leilão” de empregados com “alta qualificação”.

Deve-se destacar, ainda, que daquelas 55 empresas destinadas à

fabricação de produtos têxteis, surgidas até 2012, muitas fecharam ou passaram a

atuar por encomenda dentro da própria residência. O quadro atual das fábricas de

confecções é de 27 empresas atuantes na indústria de confecção de bichos de

pelúcia e enxovais de bebê e 3 na confecção de roupas infantis, o que denota o

encerramento de 25 empresas, desde 2012.

Apesar disto, em 2014, reiniciaram as reuniões entre os empresários e o

Poder Público local, com o objetivo de reativação da CASEPI e de promoção do

setor industrial no município, porém não houve sucesso nessas tentativas,

principalmente, em razão da pouca confiança existente, entre os empresários,

quanto ao Poder Público e SEBRAE (PESQUISA DE CAMPO, 2014).

Por fim, vale mencionar que nas entrevistas realizadas com os seis

empresários, observou-se discurso comum quanto à importância de cooperação

entre os mesmos, para geração de benefícios, como com a compra coletiva. E que,

apesar da pouca confiança em relação ao Poder Público, eles identificam a

importância da atuação deste para estimular a indústria, visto que é um agente

externo e, portanto, desprovido de interesses individuais.

4 – CONCLUSÃO

O processo de aglomeração de pequenas empresas do setor de confecções

no município de Tabatinga teve um surgimento endógeno, promovido,

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principalmente, por pessoas do município, que já atuavam no setor, como

trabalhadores, para empresas que prestavam serviço para a indústria de confecção

de artigos de cama, mesa e banho de Ibitinga. Assim, ressalta-se a importância da

proximidade desta indústria com as empresas de Tabatinga, tanto em termos de

demanda de prestadores de serviço como pela distância geográfica.

A governança territorial, estabelecida em formato de Câmara Setorial, foi

possível em razão da existência de cooperação entre as empresas, mas também

com participação do Poder Público local, da Associação Comercial do município e

do SEBRAE.

Com a instituição da governança territorial foi possível alcançar resultados

positivos, dentre os quais se ressalta a feira de eventos Tabatinga Baby Show. No

entanto, a partir do rompimento das relações de confiança e cooperação, tanto entre

empresários quanto entre estes e o Poder Público municipal, a atuação dos

primeiros passa a ser mais individualista.

Atualmente, a aglomeração produtiva geográfica não apresenta uma

governança territorial consolidada, fato que gerou consequências negativas,

principalmente, às empresas, tais como: a desconstituição da CASEPI e da feira de

eventos; a ação individualista frente a regulamentações governamentais e em

relação à contratação de empregados.

Pode-se perceber, por fim, que a participação do Poder Público na

governança territorial foi importante, pois facilitava as ações conjuntas. Além disso,

tem-se, a partir de uma perspectiva do empresariado local, o argumento da

necessidade de investimento do Poder Público no setor, para estimular a geração de

empregos, além de ampliar as vantagens competitivas do município.

5 - REFERÊNCIAS ABRAFAS. Associação Brasileira de Produtores de Fibras Artificiais e Sintéticas. Atuação. Disponível em: http://www.abrafas.org.br/abrafas/atuacao/atv/historico.html. Acesso em: 2015. BENKO, Georges. Economia, espaço e globalização na aurora do século XXI. São Paulo: Hucitec, 1996. 266 p. BRAZ, Gerson. Políticas públicas e cooperação em Arranjos Produtivos Locais: o caso da indústria de bichos de pelúcia do município de Tabatinga – SP. Araraquara: Dissertação de Mestrado. Centro Universitário de Araraquara/UNIARA, 2005. CAMARA MUNICIPAL DE TABATINGA. Legislação. Disponível em: http://camaratabatinga.sp.gov.br/index2.php?pag=T0dRPU9EZz1PR009T1RnPQ==&idtipolei=1. Acesso em: maio, 2015.

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