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883 Educ. Soc., Campinas, v. 35, nº. 128, p. 629-996, jul.-set., 2014 FORMAÇÃO DO DOCENTE DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA NO BRASIL: UM DIÁLOGO COM AS FACULDADES DE EDUCAÇÃO E O CURSO DE PEDAGOGIA Olgamir Francisco de Carvalho * Francisco Heitor de Magalhães Souza ** RESUMO: Com a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF), uma nova institucionalidade para a educação profissional e tecnológica (EPT) está sendo construída. Torna-se imprescindível trazer para o centro do debate a necessidade de novas políticas públicas de formação para o docente de EPT. As faculdades de educação e o curso de Pedagogia não podem ficar ausentes desse processo. Iniciando o diálogo que propomos, discutimos o tema em questão e analisamos dados de levantamento realizado em conjunto com os alunos do Mestrado em Educação, da Universidade de Brasília, sobre o perfil de formação dos professores da rede federal de EPT. Palavras-chave: Educação profissional e tecnológica. Institutos Federais de Educação. Ciência e Tecnologia. Política de formação docente em EPT. Faculdades de educação. Curso de Pedagogia. Teacher training for professional and technological education in Brazil: a dialogue with the Faculties of Education and Pedagogy courses ABSTRACT: With the creation of the Federal Institutes of Education, Science and Technology, a new institutional framework for professional and technological education (PTE) is being built. It is essential to bring to the heart of the debate, the importance of creating new public policies for teacher training courses aimed at professionals working in these institutes. In addition, Faculties of Education and Pedagogy courses must take part in the process. Starting the dialogue that we propose herein, we discuss these questions and analyze the data collected by means of a survey which focused on the teacher training structure or profile for teaching professionals working in federal professional * Universidade de Brasília, Faculdade de Educação, Departamento de Teoria e Fundamentos. E-mail de contato: [email protected]. ** Universidade Estadual de Goiás, Coordenação de Avaliação Institucional.

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  • 883Educ. Soc., Campinas, v. 35, n. 128, p. 629-996, jul.-set., 2014

    FORMAO DO DOCENTE DA EDUCAO PROFISSIONAL E TECNOLGICA NO BRASIL: UM DILOGO COM AS FACULDADES DE EDUCAO E O CURSO DE PEDAGOGIAOlgamir Francisco de Carvalho *

    Francisco Heitor de Magalhes Souza **

    RESUMO: Com a criao dos Institutos Federais de Educao, Cincia e Tecnologia (IF), uma nova institucionalidade para a educao profissional e tecnolgica (EPT) est sendo construda. Torna-se imprescindvel trazer para o centro do debate a necessidade de novas polticas pblicas de formao para o docente de EPT. As faculdades de educao e o curso de Pedagogia no podem ficar ausentes desse processo. Iniciando o dilogo que propomos, discutimos o tema em questo e analisamos dados de levantamento realizado em conjunto com os alunos do Mestrado em Educao, da Universidade de Braslia, sobre o perfil de formao dos professores da rede federal de EPT.

    Palavras-chave: Educao profissional e tecnolgica. Institutos Federais de Educao. Cincia e Tecnologia. Poltica de formao docente em EPT. Faculdades de educao. Curso de Pedagogia.

    Teacher training for professional and technological education in Brazil: a dialogue with the Faculties

    of Education and Pedagogy courses

    ABSTRACT: With the creation of the Federal Institutes of Education, Science and Technology, a new institutional framework for professional and technological education (PTE) is being built. It is essential to bring to the heart of the debate, the importance of creating new public policies for teacher training courses aimed at professionals working in these institutes. In addition, Faculties of Education and Pedagogy courses must take part in the process. Starting the dialogue that we propose herein, we discuss these questions and analyze the data collected by means of a survey which focused on the teacher training structure or profile for teaching professionals working in federal professional

    * Universidade de Braslia, Faculdade de Educao, Departamento de Teoria e Fundamentos. E-mail de contato: [email protected].** Universidade Estadual de Gois, Coordenao de Avaliao Institucional.

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    Formao do docente da educao profissional e tecnolgica no Brasil

    and technological education institutes. The participants of the survey were attending the Master in Education program from the University of Brasilia.

    Keywords: Professional and technological education. Federal Institutes of Education, Science and Technology. Teacher training policies in PTEs. Faculty of Education. Pedagogy course.

    Formation des enseignants de lenseignement professionnel et technologique au Brsil: un dialogue avec les Facults

    dducation et le cursus de Pdagogie

    RSUM: Avec la cration des Instituts Fdraux dEducation, Science et Technologie (IF), un nouveau cadre institutionnel pour lducation professionnelle et technologique (EPT) est en construction. Il est essentiel dapporter au centre des dbats le besoin de nouvelles politiques publiques de formation denseignants en EPT. Les facults dducation et le cursus de Pdagogie ne peuvent pas tre absents de ce processus. Pour dmarrer le dialogue, nous avons discut le sujet en question et nous avons analys les donnes de lenqute mene en collaboration avec les tudiants du master en ducation de lUniversit de Braslia, sur le profil de formation des enseignants du rseau fdral dEPT.

    Mots-cls: ducation professionnelle et technologique. Institut Fdral dducation, Science et Technologie. Politique de formation denseignants en EPT. Facults dducation. Cursus de Pdagogie.

    IntroduoO problema da formao do docente para a educao profissional e tecnolgica tem suscitado, nos ltimos tempos, debates acadmicos e polticos na rea educacional, no entanto ainda no resultaram em posies conclusivas no que se refere ao processo de formao desse professor. Algumas questes tm mobilizado o debate: h especificidades na formao do docente da EPT? Como e onde os professores da EPT adquirem os saberes da docncia? Quais so os saberes mobilizados pelos docentes em sua prtica profissional? Que modelo(s) de formao responderia(m) adequadamente a essas questes?

    Estas e outras perguntas fazem parte de estudos que vimos desenvol-vendo no mbito da linha de pesquisa Polticas Pblicas e Gesto da Educao, no Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade de Braslia. Tambm fazem parte da experincia de formao que vem sendo acumulada desde 2006 com o incio da oferta de formao, em nvel de mestrado, para gestores e para professores da Rede Federal de Educao Profissional e Tecnolgica, por interm-dio de parceria entre o PPGE/FE/UnB e a Setec/MEC.

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    Olgamir Francisco de Carvalho e Francisco Heitor de Magalhes SouzaA implementao dessa formao deu-se pela operacionalizao do

    Projeto Gestor 1, cujos resultados sinalizaram, concretamente, para o modelo de formao ora adotado, um mestrado profissional em polticas pblicas e gesto da educao profissional e tecnolgica. Das prticas de formao decorrentes tem-se evidenciado um rico laboratrio de trocas de saberes e experincias sobre a EPT, entre a UnB e as instituies participantes e destas entre si, revelando ao mesmo tempo, um elenco de problemas a serem investigados. Um deles, ao qual nos dedicamos nesse artigo, refere-se ao perfil de formao dos docentes da educao profissional e tecnolgica. Nossa anlise pretende exercitar o dilogo entre as insti-tuies envolvidas no processo de formao do profissional da EPT.

    No Brasil, conforme determina a Lei n 9.394/96, de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, a formao do docente do ensino propedutico cujo fundamento generalista, compreensivo das bases do conhecimento humano realizada por meio de cursos de licenciatura nas instituies de educao superior (IES), universidades, centros universitrios e faculdades isoladas. Os docentes da educao infantil e das sries iniciais do ensino fundamental so formados no curso de Pedagogia, pilar das faculdades de educao. Os futuros docentes das sries finais do ensino fundamental e do ensino mdio, aps realizarem os estudos especficos do seu campo disciplinar, por exigncia curricular, buscam os saberes da docncia ou formao tcnico-pedaggica no curso de Pedagogia, ou mais exa-tamente, em seu currculo, em disciplinas-chave deste curso. Duas contradies emergem dessa prtica acadmico-poltica e precisam ser explicitadas.

    A primeira est relacionada ao fato da formao tcnico-pedaggica nos cursos de licenciatura ser obrigatria na modalidade propedutica e de ser apenas recomendada na educao profissional e tecnolgica, ou seja, os estudos prope-duticos requerem professores com formao terica e metodolgica consistente, fundada em conhecimentos gerais e compreensivos, crticos da realidade, portanto pedagogicamente preparados para a sua conduo; enquanto que os estudos pro-fissionais e tecnolgicos dispensam os saberes da docncia.

    Constituir-se-iam essas especificidades acima em mais uma forma de reforar o dualismo educacional que caracterizou as polticas pblicas do setor educao no Brasil e que separava de um lado, a formao daqueles que deveriam prosseguir os estudos em nvel superior, as elites condutoras e de outro, aqueles que deveriam se inserir rapidamente no mercado de trabalho, os desvalidos da sorte, atribuindo a estes uma condio de inferioridade em relao queles, de-vido sua condio de classe? Ou seria um modo especfico de separao entre a educao e o trabalho, atribuindo s universidades ou ao ensino propedutico a supremacia do desenvolvimento terico-compreensivo, a crtica das realidades e s escolas profissionais, o legado da prtica, o pragmatismo, convertendo a formao para o trabalho em uma profissionalizao estreita? Em pleno sculo XXI estaria o Brasil reeditando ou reinventando polticas educacionais dualistas?

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    Formao do docente da educao profissional e tecnolgica no Brasil

    A segunda contradio aponta para o fato de que, embora no curr-culo da licenciatura em Pedagogia, nas faculdades de educao localizem-se as disciplinas cientficas responsveis pelos conhecimentos pedaggicos da formao docente o que equivale dizer, ser a faculdade de educao locus complementar da formao docente em diversos campos cientficos , conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduao em Pedagogia, est ausente de sua concepo e base curricular a educao profissional e tecnolgica.

    O foco de atuao do curso de Pedagogia na educao infantil e sries iniciais do ensino fundamental parece explicar, de algum modo, as impresses que os professores de EPT tm quando procuram espontaneamente esse curso, para complementarem sua formao pedaggica.

    Em seu artigo sobre A formao do professor para a educao profissional de nvel mdio: tenses e (in)tenes, Oliveira Jr. (2008), discute as implicaes da formao pedaggica (ou da ausncia dela) no trabalho do professor de educao profissional de nvel mdio.

    Dialogando com Schn (2000) e outros pesquisadores que defendem que a formao do professor se d pela vivncia no trabalho docente cotidiano e pela reflexo do prprio docente sobre essa prtica, Oliveira Jr. (2008) enfatiza a necessidade da formao pedaggica, na formao inicial, argumentando que sem a realizao de estudos pedaggicos na graduao, a capacidade de refletir sobre a prpria prtica fica prejudicada no docente do ensino tcnico.

    Oliveira Jr. (2008, p. 8) constata que alguns professores de disciplinas tcnicas buscam espontaneamente os cursos de licenciatura em Pedagogia,

    [...] mas acabam se frustrando, pois, nesses cursos, via de regra, os contedos esto restritos ao domnio da formao de professores para o ensino fundamental. Em geral, nem uma linha escrita, nenhum exemplo dado, no campo da educao profissional.

    Corroboramos a constatao de Oliveira Jr. (2008) quanto ausncia de disciplinas ou componentes curriculares do campo da educao profissional no currculo dos cursos de Pedagogia e, especificamente, no Projeto Acadmico do Curso de Pedagogia FE/UnB. Constatamos, tambm, a carncia de estudos e pesquisas sobre a epistemologia da EPT e, por consequncia, sobre uma pedagogia das disciplinas tcnicas.

    Esse modelo de formao pedaggica que ignora a especificidade dos campos da docncia pode responder adequadamente s demandas de formao do professor da EPT?

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    Olgamir Francisco de Carvalho e Francisco Heitor de Magalhes SouzaTardif (2002, p. 115) afirma que [...] noes to vastas como pedago-

    gia, didtica, aprendizagem, etc., no tm nenhuma utilidade se no fizermos o esforo de situ-las, isto , de relacion-las com as situaes concretas do trabalho docente.

    Desse modo, alerta que a valorizao da abstrao por parte da academia contribui para o distanciamento dos docentes de cursos tcnico-pedaggicos, dos livros e dos eventos da rea da educao. Este um dos perigos efetivos que amea-am a pesquisa na rea de educao.

    Como os docentes-pesquisadores que atuam nos cursos de Pedagogia vem desenvolvendo estudos e prticas sobre a formao de professores para a edu-cao profissional e tecnolgica professores estes que atuaro no ensino mdio tcnico-profissional e na educao tecnolgica superior , quando seu campo de atuao est focado na educao infantil e nas sries iniciais do ensino fundamen-tal?

    2. Bases para uma discusso da formao do docente de EPTTendo em vista o objetivo de contribuir para o debate sobre a forma-

    o de professores de EPT, este artigo dialoga com distintos autores brasileiros e estrangeiros a exemplo de Machado, Moura, Tardif e Schn, entre outros que fazem parte do debate cientfico e poltico sobre o tema na atualidade. Mesmo sem nos aprofundarmos a respeito de suas perspectivas especficas, cabe mencion-las, posto que reconhecemos suas diferenas.

    Ainda que a epistemologia da prtica seja objeto das anlises desses au-tores, consideramos importante observar que Tardif e Schn a reconhecem como elemento fundamental na formao do professor, mas segundo concebemos, esta perspectiva da prtica se revela insuficiente, por ser dissociada dos fundamentos tericos, histricos, econmicos etc. que a condicionam.

    Defendemos a necessidade de se avanar para uma epistemologia da formao com bases na concepo de prxis, que propicia a articulao dialtica entre a prtica social e seus fundamentos tericos, histricos, econmicos etc., capazes no apenas de compreend-la, mas tambm de transform-la. Essa , alis, a orientao das propostas que discutimos a seguir.

    A Lei n 11.892, 29/12/2008, que institui a Rede Federal de Educa-o Profissional, Cientfica e Tecnolgica, e cria os Institutos Federais, os define como instituies de educao superior, bsica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educao profissional e tecnolgica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugao de conhecimentos tcnicos e tecnolgicos, com suas prticas pedaggicas.

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    Formao do docente da educao profissional e tecnolgica no Brasil

    Esta complexidade na oferta de educao profissional e tecnolgica, abrangendo nveis e modalidades distintos, no veio acompanhada de polticas de formao docente. Ao contrrio, as discusses atuais acerca da docncia para a EPT identificam um histrico de fragmentao, improviso e insuficincia de formao pedaggica na prtica de muitos desses professores. Segundo Machado (2008), isso implica desenvolver um outro perfil de docente, capaz de pr em prtica as pedagogias do trabalho independente e criativo, bem como de construir a autonomia progressiva dos alunos, tornando-se partcipe de projetos interdisci-plinares.

    Zamborlini (2007) afirma que um dos maiores problemas na formao de docentes no Brasil a orientao descontextualizada da realidade contempo-rnea com que essa formao se desenvolve. Muitas vezes descontextualizada da prpria instituio a que diz respeito, o que acarreta diversos problemas, a exem-plo da no integrao curricular, do no envolvimento do aluno como sujeito de sua aprendizagem, bem como da ausncia de fruns de discusso e reflexo permanentes, institucionalizados.

    Nessa direo explicita Machado (2010) que o ponto de partida para o desenvolvimento da capacidade de contextualizar saberes e tcnicas o prprio sujeito situado na realidade em que vive, pois contextualizar, significa vincular processos educativos a processos sociais, escola e vida, currculo escolar e realidade local, teoria e prtica, educao e trabalho.

    Na busca da contextualizao da formao docente, Carvalho e Lacerda (2010) acrescentam que os recursos tecnolgicos podem instrumentalizar os indi-vduos, potencializando sua capacidade de transformao do meio em que vivem e no apenas para contribuir com sua colocao no mercado de trabalho ou, ainda, para sua mera preparao e adaptao s mudanas provenientes dos deslocamen-tos do mercado. Para estes autores desejvel uma maior proximidade do processo de ensino-aprendizagem com o contexto social, bem como com as relaes do trabalho, para garantir ampla base cientfico-tecnolgica e maior articulao entre teoria e prtica. Explicitam que, a teoria tem a ver com o que os objetos so e a prtica com o como os objetos funcionam. Dessa forma, no caso do ensino profissional, a prtica que articula esses elementos, buscando o conhecimento prtico por meio do conhecimento terico e vice-versa.

    Sem dvida, os avanos culturais, tcnicos, tecnolgicos e cientficos tm introduzido novos requerimentos para a educao profissional e tem provoca-do maior aproximao e unidade entre a educao bsica e a tecnolgica. Segundo Machado (2008), em funo disso:

    [...] se prev proporcionar a maior proximidade possvel do processo de ensino-aprendizagem com o contexto social e das relaes do trabalho, garantindo uma ampla base cientfi-

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    Olgamir Francisco de Carvalho e Francisco Heitor de Magalhes Souzaco-tecnolgica e a articulao entre teoria e atividades prticas mediante a oferta de dois tempos de estgio, um na perspectiva do saber docente e outro na perspectiva do aprimoramento do saber tcnico/tecnolgico. (MACHADO, 2008, p. 91)

    Para Moura (2008) uma formao docente especfica deve estabelecer as conexes entre as disciplinas da formao geral e as da formao profissional, no formar exclusivamente para atender ao mercado de trabalho. Deve contribuir para a diminuio da fragmentao do currculo, bem como para uma maior aproximao da problemtica das relaes entre educao e trabalho. Alm do mais, conforme afirma Moura (2008), a formao do professor precisa se dar na perspectiva de que a pesquisa e o desenvolvimento tecnolgico devem estar voltados para a produo de bens e servios que proporcionem a melhoria das condies de vida dos coletivos sociais.

    Ainda segundo Moura (2008), a unidade ensino-pesquisa colabora para edificar a autonomia dos indivduos, porque atravs do desenvolvimento da capacidade de aprender a aprender, proporcionado pela investigao, pela inquie-tude e pela responsabilidade social, que o estudante passa a construir, desconstruir e reconstruir suas prprias convices a respeito da cincia, da tecnologia, do mundo e da prpria vida.

    Por outro lado, Quartiero et al. (2010) nos alertam sobre a orientao dos debates e sobre os riscos da nfase dada a presente era tecnolgica na institui-o escolar, pois quando no mbito da educao, em especial da EPT, preservam-se aes que valorizam a contnua mudana tecnolgica, so reiterados os discursos que supervalorizam essa era, Desse modo reitera-se, tambm, a lgica pragmtica e utilitarista, bem como fortalecida a suposta neutralidade da tecnologia.

    Mas, esclarece Machado (2010), que so os projetos, conflitos e inter-pretaes convergentes ou divergentes dos sujeitos sociais, dos seres humanos em relaes sociais nem sempre harmoniosas, que desempenham um papel decisivo na definio e escolhas das tcnicas e do desenvolvimento da tecnologia.

    Outro problema, ressaltado por Conciani e Figueiredo (2009), que ocor-re j na contratao de novos docentes que h uma tenso entre a administrao das escolas e seu corpo docente, h uma falha de viso processual, isto , ao mesmo tempo em que se pretende formar tcnicos e cidados, contrata-se professores (mestres e doutores) para desenvolver pesquisa. Observam que os novos docentes trazem uma viso da pesquisa pela cincia e no de soluo tecnolgica. Parte dessa dicotomia de responsabilidade das polticas de pessoal que no permitem pontuar adequadamente a experincia profissional requerida dos candidatos nos concursos pblicos.

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    Formao do docente da educao profissional e tecnolgica no Brasil

    Em suma, as bases tecnolgicas, suas dimenses e significados devem, segundo esses autores retro mencionados, nortear os princpios da formao do-cente em EPT. Alguns levantaram propostas ou identificaram tenses a serem solucionadas.

    Machado (2008) aponta para uma tipologia de cursos de licenciatura para a EPT de quatro formatos, com sua respectiva carga horria: (1) curso de licenciatura para graduados (1.200 horas); (2) curso de licenciatura integrado com o curso de graduao em tecnologia (at 4.000 horas); (3) licenciatura para tcnicos de nvel mdio ou equivalente (2.400 horas); e (4) licenciatura para con-cluintes do ensino mdio (3.200 horas).

    Apresentando uma formatao diferenciada, em suas anlises Moura (2008) enxerga a possibilidade de se promover a formao docente em EPT tanto por meio de licenciatura, de especializao, como de curso complementar. Isso, visando a atender necessidades de formao dos profissionais no graduados que j atuam na EPT; dos graduados que j atuam como docentes da EPT, mas no tm formao especfica; dos futuros profissionais que j esto em formao superior inicial de graduao; e dos futuros profissionais que ainda comearo a formao superior inicial.

    3. Faculdades de educao, curso de Pedagogia e formao do professor em EPTNo debate sobre a formao do docente de EPT, que resgatamos breve-

    mente no item anterior, duas questes emergem inicialmente, quais sejam, que tipo de formao deve ser efetivada e onde deve ser realizada. As propostas mencionadas evidenciam a complexidade e a especificidade da formao em EPT, sinalizando diferentes possibilidades que incluem tanto a formao inicial (graduao) quanto a continuada (ps-graduao). Para acionarmos o dilogo que pretendemos com o curso de Pedagogia e as faculdades de educao importante compreender como se d a formao do licenciado, a partir do documento Diretrizes Curriculares para os cursos de Licenciatura da UnB, de maio de 2003, tendo em vista a Resoluo CNE/CP n 1, de 18/02/2002 e CNE/CP n 2, de 19/02/2002, que instituram as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formao de Professores da Educao Bsica, em nvel superior, curso de licenciatura e de graduao plena.

    Segundo as Diretrizes Curriculares para os cursos de Licenciatura da UnB, o fluxo curricular constitudo por um ncleo bsico comum a todas as licencia-turas da universidade, composto por trs eixos de formao: prtica de ensino, formao geral do educador e formao tcnico-pedaggica. Alm da formao disciplinar especfica da licenciatura, elementos de formao geral do educador e

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    Olgamir Francisco de Carvalho e Francisco Heitor de Magalhes Souzade formao didtico-pedaggica compreendendo conhecimentos e prticas nas reas de cincias da educao, poltica e legislao, pesquisa em educao, uso de tecnologias na aprendizagem, atendimento ao portador de necessidades educa-cionais especiais, metodologia e prtica em docncia, avaliao da aprendizagem, projeto poltico-pedaggico, comunicao educativa, tica, desenvolvimento hu-mano e construo do conhecimento, viso do mundo de trabalho na perspectiva humanista etc. compem as diretrizes da formao docente.

    Cada um dos eixos, articulados com essas diretrizes, ser composto por espaos curriculares de formatos diversos, de modo que, no cmputo dos crditos necessrios em cada eixo, a proposta curricular componha um conjunto diversifi-cado de atividades de formao.

    Os eixos sero assim constitudos:

    Eixo 1 - Prtica de ensino: objetiva propiciar a atuao do licencian-do em espaos de efetivo exerccio profissional e corresponde ao que tradicionalmente tem sido chamado de estgio supervisionado.

    Eixo 2 - Formao geral do educador: objetiva propiciar o conheci-mento e prticas de formao geral, em vrias reas do conhecimento, voltadas para a compreenso do fenmeno educativo e da interven-o no campo profissional. Inclui atividades como disciplinas, seminrios, projetos etc. ligadas s reas de sociologia, psicologia, antropologia, pedagogia, psicologia, poltica, administrao, hist-ria, legislao etc.

    Eixo 3 - Formao tcnico-pedaggica: objetiva propiciar o conheci-mento e prticas de mtodos e tcnicas de ensino da rea disciplinar, bem como atividades voltadas para a pesquisa sobre as mesmas.

    Com efeito, alm dos conhecimentos especficos de seu campo cientfico de atuao; de conhecimentos tcnico-metodolgicos, dos estudos pedaggicos; o professor deve possuir, tambm, conhecimentos sobre gesto educativa para poder elaborar, construir prticas e polticas educacionais, juntamente com toda a equipe da instituio em que atua, com o objetivo de aprimorar e melhorar os processos de ensino e de aprendizagem.

    A formao de graduados, com habilitao em licenciatura2, permite ao profissional do ensino, tomar conhecimento dos assuntos relativos ao exerccio docente em sala de aula, bem como articular esses conhecimentos ao conjunto de conceitos relacionados prtica educativa mais geral, que corresponde ao plane-jamento organizacional e a identificao de necessidades dos sujeitos individuais (alunos) e coletivos (instituies).

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    Formao do docente da educao profissional e tecnolgica no Brasil

    Ao analisarmos, nas Diretrizes Curriculares para os cursos de Licenciatura da UnB e no Projeto Acadmico do Curso de Pedagogia, como seu currculo compreende a formao do professor de EPT, constatamos nesses documentos, que no h meno alguma sobre esta modalidade de ensino. A preocupao com a EPT est, portanto, ausente da formao do pedagogo propriamente dita, visto que tem seu foco no magistrio da educao infantil e das sries iniciais do ensino fundamental. Esta ausncia de preocupao com a EPT tambm est presente no mbito das licenciaturas nos diversos campos do conhecimento cientfico e, segu-ramente, no faz parte do repertrio epistemolgico das faculdades de educao brasileiras.

    Todavia, a formao de professores para o exerccio docente, em qual-quer modalidade, mas especialmente na EPT, com a contribuio das faculdades de educao, poderia fazer-lhes compreender o processo educativo de maneira ampla, por meio de estudos propostos no currculo de seus cursos. Esses estudos seriam realizados nos ncleos especializados que abrangem vrios domnios episte-molgicos, relacionados atividade educativa. A oferta de trs disciplinas, como feito atualmente na licenciatura uma de fundamentos da psicologia da educao, outra de didtica e a terceira de organizao da educao brasileira, para todo e qualquer curso podem ser suficientes para esse desafio?

    Oliveira Jr. (2008) ajuda-nos a entender as caractersticas do desenvolvi-mento docente, explicitando que este exerccio deve orientar-se por trs dimenses:

    Identifico-me com os que pensam que o professor, em sua trajetria profissional, se desenvolve em trs dimenses: a sua formao scio-poltica, ou seja, autoconstruo de um perfil pessoal adequado profisso docente; a formao tcnica bem fundamentada na cincia, a arte da docncia propriamente dita. A terceira dimenso corresponde ao domnio das especificidades da profisso docente e dos fundamentos dos processos de apren-dizagem. (OLIVEIRA JR., 2008, p. 8)

    O docente que possui formao tcnico-pedaggica inicial, adquirida na graduao, pode compreender o processo de ensino e de aprendizagem de maneira complexa e abrangente, visualizando este processo por meio de conhecimentos tcnico-pedaggicos e metodologias prprias que o auxiliam na construo e no planejamento das atividades prticas a serem desenvolvidas diariamente na sala de aula.

    Para Delors (1998) a melhoria da qualidade da educao est relacio-nada motivao dos professores. A formao adequada um dos elementos que contribuem para esta motivao.

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    Olgamir Francisco de Carvalho e Francisco Heitor de Magalhes SouzaA formao de professores deve inculcar-lhes uma concepo de pedagogia que transcende o utilitrio e estimule a capacidade de questionar, a interao e a anlise de diferentes hipteses. Uma das finalidades essenciais da formao de professores, quer ini-cial quer contnua, desenvolver neles as qualidades de ordem tica, intelectual e afetiva que a sociedade espera deles de modo a poderem em seguida cultivar nos seus alunos o mesmo leque de qualidades. (DELORS, 1998, p. 162)

    Em suma, tendo em vista a importncia da formao pedaggica para os professores da EPT, dos mais diversos campos do conhecimento cientfico, e a formao de pedagogos para atuarem com a EPT e, tomando-se como referncia o currculo dos cursos de Pedagogia, novo questionamento emerge dessa relao: o atual formato curricular da licenciatura em Pedagogia seria capaz de preparar o docente da EPT, contemplando as especificidades do exerccio docente desta modalidade de educao?

    Para encaminhar resposta a essa questo preciso que as faculdades de educao, alm dos cursos de Pedagogia repensem sua relao com esta modalida-de de ensino. Oliveira Jr. (2008) aponta um caminho que consideramos um bom ponto de partida, isto , a necessidade de aproximao entre as universidades e as escolas tcnicas:

    A aproximao da universidade com a escola tcnica, buscando compreender sua funo, entender sua dinmica e, a partir deste conhecimento, ajudar a melhorar seu desempenho, a comear pela formao de seus professores, ensejar aos acadmicos olhar para a complexidade e para a riqueza dos processos pedaggicos desenvolvidos nas escolas profissionais. Cada pesquisador da academia ter a oportunidade de ver o brilho nos olhos do jovem que, ao aprender uma profisso, conscientiza-se de que est ganhando a sua liberdade, percebe que no ficar merc de polticas assistencialistas ou compensatrias. (OLIVEIRA JR., 2008, p.11)

    Com efeito, por meio dessa aproximao o currculo desenvolvido nas faculdades de educao e o curso de Pedagogia seriam alados a incorporar com-preensivamente as funes, as estruturas, os conhecimentos e as especificidades da modalidade de formao para a EPT. A partir de uma nova orientao episte-molgica seriam organizados e realizados estudos para a compreenso crtica da histria e da sociologia; da antropologia e da psicologia; da gesto e das polticas; da didtica e das metodologias de ensino, no contexto de EPT.

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    Formao do docente da educao profissional e tecnolgica no Brasil4. Delineamentos da pesquisaConforme mencionado anteriormente, esse artigo pretende contribuir

    com a discusso sobre a formao do docente da EPT. Para tanto, apresenta e discute os dados de levantamento realizado em conjunto com os alunos, no m-bito da disciplina Tpicos de Formao dos Professores de EPT, do Programa de Ps-Graduao em Educao da FE/UnB, no segundo semestre de 2010, buscan-do conhecer o perfil desses docentes. A investigao realizada apresenta carter descritivo e exploratrio, objetivando maior conhecimento sobre o tema, bem como contribuir para pesquisas futuras.

    Para realizar esse levantamento utilizamos o questionrio, como tcnica para a coleta dos dados. Os resultados alcanados revelaram a pertinncia do seu uso, em face da variedade de informaes coletadas relativos ao perfil de formao do docente de EPT.

    Para viabilizar o levantamento, optamos pelo questionrio on-line, o que nos permitiu atingir um pblico maior, em diferentes lugares e em menor tempo. O aplicativo de informtica utilizado foi o Limesurvey, um software livre para questionrios on-line, feito em PHP. O sistema operacional no qual o programa foi instalado o Linux (Debian 5). O servidor web, por meio do qual os sujeitos inqueridos puderam acessar via internet o questionrio, o Apache 2. O banco de dados no qual ficaram armazenados os resultados (dados e informaes) o Mysql.

    Tabela 1Nmero de Institutos Federais no Brasil

    por regio, em 2013

    Fonte: Site SETEC/MEC.

    O universo da pesquisa foi a rede federal de educao profissional e tec-nolgica, atualmente composta por 38 Institutos Federais de Educao, Cincia e Tecnologia, distribudos nas cinco regies do pas, conforme mostra a Tabela 1.

  • 895Educ. Soc., Campinas, v. 35, n. 128, p. 629-982, jul.-set., 2014

    Olgamir Francisco de Carvalho e Francisco Heitor de Magalhes SouzaTabela 2

    Nmero de professores respondentes por regio e por instituio de ensino

    Fonte: Levantamento Perfil do Professor de EPT, PPGE.FE/UnB.

    Para construo da amostra da pesquisa, o critrio utilizado foi o de que tivssemos, pelo menos, um Instituto Federal por regio. Participaram da investigao, 15 IFs, 1 CEFET e 2 Escolas Tcnicas, vinculadas a universidades federais. O somatrio de respondentes foi de 525 professores, conforme mostra o quadro 2.

    Nas Tabelas 1 e 2 constatamos que a regio Nordeste e a regio Sudeste concentram o maior nmero de IFs, 11 e 9, respectivamente. A regio Centro--Oeste a que apresenta o menor nmero, 5 IFs. No que concerne participao, no total de respondentes por IFs, foi a regio Nordeste que obteve o maior nmero

  • 896 Educ. Soc., Campinas, v. 35, n. 128, p. 629-982, jul.-set., 2014

    Formao do docente da educao profissional e tecnolgica no Brasil

    (42%), seguida pela regio Sudeste com 22% de respondentes. A regio com a me-nor participao foi a Norte, com apenas 2% do total geral de 525 respondentes.

    5. O perfil de formao do docente de EPT

    Neste item, apresentamos os resultados do levantamento realizado na rede federal de educao profissional e tecnolgica, explicitando o perfil de for-mao dos professores participantes da pesquisa e discutindo-o luz do debate sobre o tema. Foram definidas algumas categorias para sistematizao e anlise dos dados, a saber: (1) caractersticas pessoais dos docentes; (2) vnculos funcionais dos docentes; (3) tempo de atuao e experincia como docente; (4) rea de for-mao inicial e instituio de graduao dos docentes; (5) exerccio profissional e formao inicial e continuada dos docentes.

    5.1 Caracterizao individual dos docentes

    Na Tabela 3 so apresentadas as caractersticas relativas ao gnero e faixa etria dos docentes. Observa-se pelos dados que a maioria dos professores do sexo masculino, 66% do total. No que tange idade, boa parte dos docentes jovem, 19% tem at 29 anos, seguida da faixa entre 30 e 39 anos, com 39%, o que caracteriza 58%de uma populao docente com menos de 40 anos em atividade. Apenas 13% dos docentes da rede federal de educao profissional e tecnolgica possuem mais de 50 anos de idade.

    Tabela 3Gnero e faixa etria dos docentes

    Fonte: Levantamento Perfil do Professor de EPT, PPGE.FE/UnB.

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    Olgamir Francisco de Carvalho e Francisco Heitor de Magalhes Souza5.2 Vnculos funcionais dos docentes

    A Tabela 4 evidencia que o vnculo funcional dos docentes que, atual-mente trabalham na rede federal de educao profissional e tecnolgica, em sua grande maioria (91%) de professores efetivos, condio importante para asse-gurar a qualidade da educao. Chama a ateno o dado de que apenas 9% so docentes substitutos, considerando que vivenciamos um contexto de expanso sem precedentes da rede. Entretanto, esse dado precisa ser analisado em conjunto com outros, como o regime de trabalho docente. Com relao a esse aspecto os dados tambm so reveladores de uma boa condio, evidenciando que a grande maioria (82%) possui dedicao exclusiva, condio para que se possa cumprir adequadamente as funes de ensino, pesquisa e extenso, cujo trip quando integrados, de fato, possibilita a concretizao das funes docentes.

    Tabela 4Vnculos funcionais dos docentes

    Fonte: Levantamento Perfil do Professor de EPT, PPGE.FE/UnB.

    Do total de 525, 464 professores (88%) trabalham apenas na instituio pesquisada; 8% acumulam outro cargo de professor e apenas 4% acumulam outro cargo fora do exerccio docente.

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    Formao do docente da educao profissional e tecnolgica no Brasil

    Por fim, esses dados sobre docentes que trabalham em mais de uma instituio, ao todo 12%, nos permitem consolidar as informaes sobre o signifi-cado positivo do atual regime de contratao do docente de educao profissional no que concerne atuao e fixao dos docentes em uma instituio da rede federal de educao profissional e tecnolgica, seguramente com implicaes na qualidade de seu desempenho.

    5.3 Tempo de atuao como docente e experincia profissional

    Em relao ao tempo de atuao e experincia, conforme a Tabela 5 demonstra, a maioria dos docentes possui menos de 10 anos, atingindo um so-matrio de 48% dos respondentes concentrados na faixa at 8 anos de atuao. O menor percentual (8%) corresponde aos professores que atuam h mais de 25 anos. Sobre a experincia profissional anterior docncia, 371 professores afirmaram ter experincia no mercado de trabalho, na rea de sua formao inicial de graduao, antes da docncia, correspondendo a 71% do total, o que fator essencial para a formao tcnica/EPT.

    Tabela 5Tempo de atuao como docente e

    experincia profissional anterior

    Fonte: Levantamento Perfil do Professor de EPT, PPGE.FE/UnB.

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    Olgamir Francisco de Carvalho e Francisco Heitor de Magalhes Souza5.4 rea de formao inicial e instituio de graduao do docente

    Tabela 6rea de formao inicial/graduao dos docentes e tipo de instituio do curso

    Fonte: Levantamento Perfil do Professor de EPT, PPGE.FE/UnB.

    Na Tabela 6 temos a distribuio por rea da formao inicial. Pode-se observar que a rea com maior nmero de professores a de Cincias Exatas e da Terra (27%), seguida das Engenharias (18%) e Cincias Agrrias (15%). As reas de formao com menor percentual so Outras (3%), Cincias Sociais Aplicadas (4%) e Cincias Biolgicas (4%). A anlise aponta ainda que 82% do total cursa-ram a graduao em instituies pblicas de ensino, e apenas 28% dos professores realizaram seus cursos em instituies privadas.

    5.5 Exerccio profissional e formao inicial e continuada dos docentes

    Em relao formao acadmica inicial/graduao, de acordo com os resultados apresentados na Tabela 7, a maioria (49%) dos respondentes possuem formao em cursos de bacharelado, correspondendo a 279 professores, enquanto que 249 docentes (43%) possuem licenciatura e outros 46 que possuem graduao em cursos tecnolgicos. A respeito dos professores que no cursaram a licenciatura

  • 900 Educ. Soc., Campinas, v. 35, n. 128, p. 629-982, jul.-set., 2014

    Formao do docente da educao profissional e tecnolgica no Brasil

    na graduao, identificamos que 190 afirmaram no ter tido nenhuma formao pedaggica para iniciar a docncia e 82 declararam possu-la.

    Tabela 7rea de formao inicial/graduao dos

    docentes e formao pedaggica

    Fonte: Levantamento Perfil do Professor de EPT, PPGE.FE/UnB.

    A Tabela 8 apresenta os resultados obtidos a respeito da formao con-tinuada/ps-graduao. A maioria dos professores possui ps-graduao em nvel de mestrado (52%), que foi realizado na mesma rea da graduao (68%). Apenas 17% dos professores cursaram ps-graduao na rea pedaggica.

    Ao analisarmos os dados da Tabela 9 constatamos que dos 82 professo-res que afirmaram ter realizado algum tipo de formao pedaggica para iniciar a docncia, 40 consideraram que esta formao foi fundamental para o incio da atividade docente. Somadas as trs outras modalidades de professores respon-dentes temos um total de 42% questionando a formao recebida. Deste total, somente 19 consideraram que a formao no acrescentou muito ou que esta no foi adequada ao exerccio em EPT.

    Do total de 190 professores que afirmaram no ter recebido nenhum tipo de formao pedaggica antes do incio da docncia, a maioria (134) consi-derou fazer falta ter mais conhecimentos a respeito da docncia. Observemos que 22% avalia a formao pedaggica como dispensvel.

    Na Tabela 10 sobre a formao continuada, do total dos 525 professo-res, 68% afirmaram no ter participado de nenhum tipo de formao continuada voltada para a EPT. Somente 32% responderam afirmativamente.

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    Olgamir Francisco de Carvalho e Francisco Heitor de Magalhes SouzaTabela 8

    Formao continuada/ps-graduao dos docentes e sua especificidade

    Fonte: Levantamento Perfil do Professor de EPT, PPGE.FE/UnB.

    Tabela 9Significado da formao pedaggica para a docncia e

    avaliao de sua falta

    Fonte: Levantamento Perfil do Professor de EPT, PPGE.FE/UnB.

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    Formao do docente da educao profissional e tecnolgica no Brasil

    Questionados sobre a exigncia de algum tipo de formao pedaggica especfica, no caso de bacharis e tecnlogos, para o ingresso na carreira docente em EPT, 309 professores afirmaram que deve ser exigida e 216 no concordam com esta exigncia. Observamos uma significativa resistncia dos docentes da EPT quanto formao pedaggica. Talvez aqui encontremos uma boa chave para exercitar o dilogo entre as faculdades de educao, o curso de Pedagogia e as polticas de formao docente em EPT.

    Tabela 10Formao continuada no exerccio docente

    e exigncia de formao pedaggica

    Fonte: Levantamento Perfil do Professor de EPT, PPGE.FE/UnB.

    Concluses exploratriasNossos esforos em buscar exercitar dilogo entre as faculdades de edu-

    cao e o curso de Pedagogia com as polticas de formao do professor de EPT no Brasil, por meio de anlises documentais e empricas, apresentam resultados que nos remetem e incentivam continuidade de nossas pesquisas, embora a discusso efetivada neste artigo j traga contribuies de ordem terica e prtica, para incio de debate sobre o problema.

    A constatao de que alguns professores de EPT buscam, espontanea-mente, suprir suas lacunas de formao e de conhecimento no campo dos estudos pedaggicos nas faculdades de educao, nos cursos de licenciatura em Pedagogia, mas acabam frustrados em suas expectativas rotina no Brasil. Em geral, os cur-rculos desenvolvidos nesses ambientes so restritos ao domnio da formao de professores para a educao infantil e para os anos iniciais do ensino fundamental. Tambm fato que essa busca dos professores de EPT se dirige, tambm, aos Programas de Ps-Graduao em Educao que, em alguns casos, como o da

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    Olgamir Francisco de Carvalho e Francisco Heitor de Magalhes SouzaFaculdade de Educao da UnB, oferta curso de mestrado profissional em Poltica Pblica e Gesto da Educao Profissional e Tecnolgica, sem, entretanto, ter como finalidade a formao do professor, embora, os anseios e expectativas desse segmento educacional por tais conhecimentos sejam evidentes e reiterados. O problema concreto que nas faculdades de educao, tanto a formao inicial, nos cursos de Pedagogia quanto a formao continuada, no mbito da ps-graduao, no tm respondido adequadamente aos desafios postos formao docente em EPT.

    Ao que parece as respostas que buscam esses docentes, para resolver suas expectativas de complementao de sua formao docente, no est nem nas faculdades de educao nem no curso de Pedagogia conforme os formatos hoje adotados. Pelos relatos da pesquisa realizada, os professores de EPT buscam mais bases tericas e prticas nas disciplinas cientficas que discutem metodologias de atuao docente, relacionadas aos procedimentos didticos e pedaggicos, contudo necessitam tambm de fundamentos para a reflexo sobre problemas educacionais, polticos e outros, parte do cotidiano das instituies educativas.

    A ausncia de componentes curriculares ou disciplinas do campo da educao profissional e tecnolgica no curso de Pedagogia no o nico problema. Constatamos, tambm, a carncia de estudos e pesquisas sobre a epistemologia da EPT e por consequncia, sobre uma pedagogia das disciplinas tcnico-cientficas. O modelo de formao pedaggica que ignora as especificidades dos campos da docncia no pode responder adequadamente s demandas de formao do pro-fessor em geral, nem do professor da EPT.

    Entendemos, contudo, que as faculdades de educao, como espao de formao de docentes, devem abranger tambm a formao de professores para a EPT, assim como contempla a rea propedutica e mais, que o currculo do curso de formao de pedagogos incorpore componentes da EPT que propiciem a estes profissionais atuar nos IFs, com conhecimentos especficos do campo de insero tcnico-cientfica dessas instituies.

    Com efeito, como modalidade de educao, a EPT deve integrar os conhecimentos da formao docente na necessria complementao pedaggica, por meio de propostas de formao de seus professores tanto no mbito dos cursos de licenciatura, ofertados nas universidades ou nos prprios Institutos Federais, quanto no mbito de formao do prprio pedagogo, para que todos estejam ap-tos a desenvolverem suas funes, atribuies e competncias nessas instituies.

    Reiteramos, diante do perfil profissional do docente da EPT, construdo a partir dos resultados da pesquisa realizada, a necessidade de formao pedag-gica destes professores nas universidades, que se constituem por excelncia no locus privilegiado da produo social do conhecimento, nas quais a circulao

  • 904 Educ. Soc., Campinas, v. 35, n. 128, p. 629-982, jul.-set., 2014

    Formao do docente da educao profissional e tecnolgica no Brasil

    da produo cultural em diferentes reas do saber constante, bem como o o exerccio da crtica-social.

    O perfil do professor de EPT, conforme evidenciado nos resultados da pesquisa, abrange experincia profissional articulada rea de formao especfica, mas segundo Machado (2008) preciso tambm que o docente saiba trabalhar com as diversidades regionais, polticas e culturais existentes; que saiba educar de forma inclusiva, contextualizando o conhecimento tecnolgico; que saiba explorar situaes-problema, dialogando com diferentes campos de conhecimento; e que saiba inserir sua prtica educativa no contexto social em todos os seus nveis de abrangncia.

    Desse modo, temos a composio de um novo perfil docente de EPT, em conformidade com a formao profissional de um trabalhador que incorpora capacidades que lhe assegure flexibilidade para enfrentar, de modo competente, o mundo de trabalho complexo que vivenciamos hoje, bem como que lhe possibilite promover, junto aos estudantes que orienta e forma, as aprendizagens necessrias para enfrentar com efetividade e competncia seus desafios profissionais.

    Evidencia-se desse debate, que para que a formao dos trabalhadores seja adequada ao novo perfil profissional contemporneo, dadas s caractersticas j apontadas, a formao do professor essencial, mas no se trata de qualquer formao. As faculdades de educao e o curso de Pedagogia tm o desafio de tambm se reinventarem, promovendo mudanas estruturais de ordem prtica e terico-epistemolgica para responder aos novos desafios que a contemporanei-dade requer.

    Assumir esses desafios supe considerar o atual contorno da sociedade tecnolgica e o surgimento de um novo modo de produo de conhecimentos, o que impacta fortemente os sistemas de ensino e, por conseguinte, a formao docente. Todavia, importante considerar tambm a cultura gerada ao longo da existncia da rede federal de EPT e os impactos trazidos para a nova cultura a ser construda. Nesse processo de mudana, sem dvida, a formao docente cumpre um papel central.

    Em suma, este artigo evidencia que no contexto de mudanas, onde o professor vive as contradies de ter herdado um certo legado terico-epistemol-gico e de prticas pedaggicas, mas a sociedade concreta exige dele cada vez mais outro desempenho, compatvel com o mundo real, preciso conhec-lo, ouvi-lo e gerar um novo protagonismo docente, migrando do protagonismo isolado, res-trito autonomia em sala de aula, para um novo protagonismo que signifique um trabalho ao mesmo tempo autnomo e compartilhado.

    Esta redefinio do papel do professor supe recuperar sua centralidade, seu compromisso no processo educativo e o reconhecimento de que h um con-junto de fatores que influenciam uns aos outros, tais como, a formao inicial, o

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    Olgamir Francisco de Carvalho e Francisco Heitor de Magalhes Souzadesenvolvimento profissional em servio, as condies de trabalho, o engajamento profissional, a carreira profissional etc. O que supe, que indaguemos continua-mente, quem educa o educador?

    Enquanto espao de formao docente as faculdades de educao e o curso de Pedagogia necessitam se indagar permanentemente como responder a essa questo, por meio da construo, reconstruo e socializao permanente das bases terico-epistemolgicas e das prticas com as quais atua, sempre em articulao orgnica com os conhecimentos cientficos, tecnolgicos, culturais, produzidos pelos seres humanos em suas relaes sociais.Notas1. O Projeto Gestor foi desenvolvido entre 2006 e 2011, tendo ofertado formao, em nvel de mes-trado, para gestores e para professores da Rede Federal de Educao Profissional e Tecnolgica, por intermdio de parceria entre o PPGE/FE/UnB e a Setec/MEC.

    2. Diferentemente de outros pases, nos meios educacionais e profissionais brasileiros ainda cor-rente a compreenso de que o grau de licenciado inferior ao de bacharel. Esta expresso de cultura vem do nosso Perodo Colonial quando os filhos dos grandes latifundirios tornavam-se bacharis na Europa e, ao voltar para o Brasil, eram uma das expresses maiores do poder e do prestgio social. Hoje, mesmo sendo graus obtidos com durao cronolgica semelhante, com progresso curricular no muito diferenciada, a tradio colonial, preconceituosa e retrgrada, de algum modo preserva-da nos meios acadmicos e profissionais brasileiros. Contudo, na prtica, legalmente, um licenciado faz tudo que um bacharel faz e faz mais, d aulas, pois a licenciatura forma docentes para a Educao Bsica, em todas as suas etapas e modalidades.

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    _____________Recebido em 30 de junho de 2014.Aprovado em 24 de outubro de 2014.