food branding - a experiência de ponta a ponta

28
KENZO HORIKAWA SAKAKI FOOD BRANDING IDENTIDADE CORPORATIVA EM GASTRONOMIA Gestão estratégica de marca em gastronomia A experiência de ponta a ponta

Upload: braindin

Post on 02-Aug-2015

270 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Food branding - Identidade corporativa em gastronomiaGestão estratégica de marca em gastronomia - A experiência de ponta a pontaPublicação baseada em monografia defendida para conclusão do curso de Gastronomia nas Faculdades Metropolitanas Unidas (São Paulo, julho de 2012). Pedimos que não se reproduza o conteúdo sem a devida referência.

TRANSCRIPT

Page 1: Food branding - A experiência de ponta a ponta

K E N Z O H O R I K A W A S A K A K I

F O O D B R A N D I N G I D E N T I D A D E C O R P O R A T I V A

E M G A S T R O N O M I A

Gestão estratégica de marca em gastronomia A experiência de ponta a ponta

Page 2: Food branding - A experiência de ponta a ponta

Publicação baseada em monografia defendida

para conclusão do curso de Gastronomia nas

Faculdades Metropolitanas Unidas (São Paulo,

julho de 2012).

Pedimos que não se reproduza o conteúdo

sem a devida referência.

Page 3: Food branding - A experiência de ponta a ponta

3

A escolha do tema para desenvolvi-mento deste Trabalho de Conclusão de Curso se dá tendo em vista que a abran-gência do campo de atuação de um chef de cozinha supera, em muito, os limi-tes da arte de cozinhar. A Gastronomia vem se desenvolvendo a passos largos, não apenas tecnicamente, mas também conceitualmente, de modo que diver-sas outras áreas do conhecimento são necessárias a fim de que possa, cada vez mais, firmar-se como uma atividade profissional de alto nível.

Dessa maneira, a análise adotada toma como princípio fundamental a gastro-nomia como atividade profissional co-mercial, em lugar da noção de atividade artística. Assim, o objetivo do trabalho é demonstrar como um planejamento

estratégico integrado pode contribuir a uma experiência gastronômica de maior qualidade.

O tema abordado, food branding (gestão estratégica de marca em gastronomia/alimentação), ainda é embrionário no Brasil, assim como é recente o próprio desenvolvimento da gastronomia no país. O fundamento é apresentar como uma visão projetual holística, que inte-gre um conjunto de saberes formando um todo coeso, contribui a uma experi-ência gastronômica unificada de ponta a ponta e, assim, poderosa.

1 Apresentação

Page 4: Food branding - A experiência de ponta a ponta

4

O branding é uma atividade que se

desenvolve como um dos principais

pilares nos atuais modelos de gestão

das empresas, buscando unificar cor-

porativamente diversas áreas e setores

que, geralmente, falham em seguir um

mesmo direcionamento. As estraté-

gias de branding carregam o objetivo

de fazer com que a empresa “fale uma

única língua”, ou seja, buscam imple-

mentar em todos os campos possíveis

um projeto de identidade corporativa.

Diversas áreas de conhecimento se en-

volvem em um projeto de branding,

como design, marketing, jornalismo,

administração etc., sendo tantas ou

tão específicas quanto maior a com-

plexidade do negócio envolvido e/ou

abrangência do projeto proposto. Por

envolver inúmeras áreas, conceituar

rigorosamente o branding é tarefa ár-

dua, pois cada uma delas apresentará

uma conceituação diferente. Todas,

porém, concordarão que, em último

nível, o branding procura desenvolver

uma cultura corporativa integrada.

Neste trabalho, o branding será dividi-

do em três grandes frentes de desen-

volvimento, Design, Gestão Estratégica

e Gastronomia, sendo o núcleo projeti-

vo o Design, atividade que, por exce-

lência, constrói linguagens e interfa-

ces, sob um ponto de vista amplo para

integrar todas as áreas envolvidas no

projeto. Há, inclusive, uma área espe-

cífica conhecida como design corpora-

tivo, que se responsabiliza por proje-

tos de identidade corporativa.

Desse modo, faz-se, inicialmente, uma

discussão sobre Design para que se fun-

damente, com maior propriedade, um

conhecimento preliminar a fim de que

a abordagem ao tema food branding se

faça mais completa e coerente aos pro-

pósitos do trabalho desenvolvido.

Em seguida, aborda-se sucintamente

a Gestão Estratégica como ferramenta

essencial em um modelo sustentado de

negócio e projeto. A Gastronomia será

o núcleo que estruturará toda a discus-

são colocada.

2 Branding Gestão estratégica de marca

Page 5: Food branding - A experiência de ponta a ponta

5

Design – Construir linguagens e inter-faces, não expressão estética a priori.

“We are definitively against any fashion of

design and any design fashion. We des-

pise the culture of obsolescence, the cul-

ture of waste, the cult of the ephemeral ” (Massimo Vignelli, VIGNELLI, 2008)

“A maioria das definições concorda que o design opera (...) atribuindo for-ma material a conceitos intelectuais. Trata-se, portanto, de uma atividade que gera projetos, no sentido objeti-vo de planos, esboços ou modelos”. (CARDOSO, 2004). Tomando esse con-ceito como ponto de partida, de que o Design é uma atividade projetiva, ope-rando linguagens com o propósito de desenvolver um artefato material (fí-sico ou virtual, gráfico ou sólido) que objetiva finalidades que não somente a estética, a partir de conceitos e planos intelectuais, faz-se necessário discu-tir, em algum nível, o que distingue o Design de outras atividades criativas, artísticas e projetivas.

“A criatividade necessita do suporte do conhecimento para que possa ter sua melhor performance.” (tradução do autor) (VIGNELLI, 2008). No Design, a criatividade não se limita à criação de algo belo ou que tão somente re-presente a visão particular do desig-ner sobre determinado tema. O desig-ner projeta frente a responsabilidades

em relação ao cliente, desenvolvendo um trabalho que procure solucionar o(s) problema(s) diagnosticado(s) dentro de determinados parâmetros e requisitos (técnicos, econômicos, estratégicos etc.). Há responsabilida-des perante o público, o consumidor, o usuário do projeto final, que serão aqueles que efetivamente se utiliza-rão do trabalho, interagindo e sendo afetados por ele.

Apesar de se ligar à produção artísti-ca, o design não é Arte propriamente dita, uma vez que se constitui como disciplina autônoma que abrange co-nhecimentos multidisciplinares como Economia, Administração, Matemática, Direito etc., que quase nunca transpa-recem sob o manto da expressão esté-tica final que sempre se sobressai em um trabalho de design.

A noção de que os engenheiros desen-volvem um aparelho e depois os desig-neres procuram um visual mais agradá-vel é tão errada e simplista quanto a de que um chef de cozinha não é nada além de um cozinheiro que faz pratos caros e enfeitados.

Design e Gastronomia se aproximam de maneira bastante interessante, sendo ambas atividades em que o profissio-nal produz para o outro, nunca para si mesmo. É sempre no outro em que o foco, a dedicação e a responsabilidade

2 .1

Page 6: Food branding - A experiência de ponta a ponta

6

se concentram. São assim, atividades que requerem muita humildade, porém nunca passividade.

O design, como já dito, opera lingua-gens e, assim, busca dar sentido às in-formações através da correlação entre diferentes componentes conceituais e construtivos. O processo de design se inicia com componentes semânticos, cruciais no caminho linguístico de-senvolvido, que vão se originar com o aprofundamento dos estudos sobre a cultura, origem, história, utilização etc., da problemática a ser respondida. A partir dos componentes semânticos, desenvolvem-se os parâmetros sintá-ticos, que darão suporte à construção e à articulação da linguagem. O que diferencia o trabalho de design das demais atividades criativas reside em sua estrutura e qualidade construtiva, que não pode ser efêmera e vazia.

Pode-se descrever o Design em função da seguinte equação:

DESIGN = ESTRATÉGIA + PROJETO + LINGUAGEM

Analisemos brevemente cada um des-ses componentes com maior cuidado para que se possa apontar como o de-sign se constitui como atividade su-porte às demais dentro de um proje-to holístico e, mais especificamente,

como se aproxima e se liga à gastro-nomia para fundamentar uma experi-ência integrada ao cliente/comensal.

2.1.1 Estratégia – A diferença entre o achar e o saber.

“(...) porque não adianta só saber fazer

sushi. Ele tem que chegar na mesa de

maneira correta, o prato sempre virado

do lado certo, para que o cliente tenha

a visão mais bonita. O prato é o altar da

comida.” (Jun Sakamoto, CORRÊA 2008)

Estratégia é pensar no projeto antes de começar a executá-lo, planejar para além do imediato, procurando se ante-cipar a problemas e adotar múltiplos pontos de vista. Desenvolver um pla-nejamento estratégico é um dos pon-tos cruciais nos modelos de negócios, principalmente no mercado atual, cada vez mais concorrido, arriscado e com empreendedores de boa formação, vi-são e preparo.

Embora mesmo sendo nítida a premên-cia da necessidade de uma estratégia bem estruturada, nem sempre os pro-fissionais respeitam a importância de planejar suas ações, levando a decisões que não se sustentam a médio/longo prazo, contribuindo negativamente ao desenvolvimento do negócio praticado.

Projetar com estratégia significa justi-ficar cada escolha e decisão importan-

Page 7: Food branding - A experiência de ponta a ponta

7

tes com base em referenciais concretos em lugar de intuição, experimentação e achismos. A diferença entre o achar e o saber é o conhecimento fundamenta-do e acarreta uma diferença consisten-te na performance do resultado final obtido. Desenvolver um trabalho em que ao longo do processo acha-se que tal decisão é correta, tal elemento é adequado, tal aplicação pode funcionar etc. não cria nenhum fundamento ba-sal sobre o qual possa se edificar e se sedimentar um projeto com conteúdo.

Se uma empresa, por exemplo, sofrer com o atraso na entrega de seus produ-tos, o imediatismo intuitivo poderá le-var à compra de mais caminhões e con-tratação de mais funcionários sem que isso resolva o problema. Para resolver a questão, o empresário poderia testar soluções aleatórias até que alguma re-sultasse em melhoria da performance. Porém, em uma análise mais consisten-te e, sobretudo, consciente, poder-se-ia levantar que o núcleo do problema fos-se um procedimento de processamento e expedição dos pedidos ineficiente.

A diferença entre um profissional e um leigo é o conhecimento que dá suporte às decisões e às ações tomadas, uma vez que o primeiro sabe e o segundo acha. Infelizmente, há muitos profis-sionais que por comodidade, despre-paro, falta de comprometimento, tra-

balham com os achismos e a intuição pragmática, porém são profissionais apenas pelo título, já que o trabalho que oferecem é amador, tanto em seus métodos quanto em seus resultados.

Todos podem achar o que quiser sobre algum tema, mas poucos efetivamen-te sabem sobre ele. Nesse sentido, o designer toma decisões de acordo com requisitos de projeto e, mais além, cer-tifica-se de que o trabalho se mostre em consonância ao planejamento es-tratégico do cliente.

Um projeto de identidade corporativa permeia as estratégias de negócio da empresa, requerendo do designer co-nhecimento empresarial e administrati-vo (empreendedor, em última análise).

2.1.2 Projeto – Nem tudo o que é gos-toso, fica gostoso em conjunto.

“Design without discipline is anarchy, an

exercise of irresponsibility.” (Massimo Vignelli, VIGNELLI, 2008)

O projeto visa unir os diferentes com-ponentes envolvidos na execução do trabalho proposto levando em consi-deração custos, prazos, cronogramas, disponibilidades, necessidades, es-tratégias etc., de modo lógico e coe-so, concatenando todos os elementos eficientemente para se atingir o(s) objetivo(s) estabelecido(s).

Page 8: Food branding - A experiência de ponta a ponta

8

O estabelecimento de um projeto pode ser comparado ao planejamento e exe-cução de uma receita de um prato, uma vez que por mais que existam abundan-tes ingredientes que possam ser com-binados de infinitos modos, apenas al-guns deles, utilizados adequadamente e com a técnica correta, resultarão em uma preparação harmoniosa.

Projetar significa escolher, planejar e executar ações que se diferenciam da simples ação do fazer. A capacidade de planejar e antever, traçar rotas e con-trolar o processo sobrepuja ações pu-ramente mecânicas, factuais e empí-ricas. O projeto vai definir como cada parte contribuirá ao todo, que será sempre muito mais do que o simples somatório das partes.

Da mesma maneira que uma recei-ta não se constitui da simples soma de ingredientes aleatórios, um proje-to não se faz escolhendo randomica-mente seus componentes. Ainda mais, não basta somente escolher diversos ingredientes de que se goste, pois há a possibilidade de que todos eles, em conjunto não se harmonizem e não fa-çam sentido.

O projeto vai estabelecer os parâme-tros conceituais e construtivos que nortearão e unificarão todo o desen-volvimento e desdobramentos do tra-

balho, dando solidez sustentada ao conjunto, ou seja, o trabalho se es-truturará por si, não dependendo de intervenções recorrentes e periódicas para sustentá-lo ou renová-lo.

Os projetos de identidade corporativa são grandes exemplos de solidez sustentada, uma vez que grandes identidades proje-tadas para empresas como IBM (EUA, Paul Rand, 1956), AmericanAirlines (EUA, Massimo Vignelli, 1967), Companhia do Metropolitano de São Paulo/Metrô (Brasil, Cauduro&Martino, 1967), Eucatex (Brasil, Alexandre Wollner, 1967), entre outros, permane-cem inalteradas por décadas devido à sua qualidade.

É importante ressaltar, no entanto, que um projeto desse tipo, por si só, não garante o sucesso ou o fracasso de uma marca ou uma empresa, representando somente uma peça importante de uma estratégia maior.

Imagem 1: IBM (EUA, Paul Rand)

Page 9: Food branding - A experiência de ponta a ponta

9

Imagem 2: American Airlines (EUA, Massimo Vignelli)

Imagem 3: Companhia do Metropolitano de São

Paulo/Metrô (Brasil, Cauduro&Martino)

Imagem 4: Eucatex (Brasil, Alexandre Wollner)

2.1.3 Linguagem –“Não se vai de terno à praia, nem de sunga ao tribunal”.

“O D.O.M. assume sua primeira vocação:

ser brasileiro! Por este motivo, renun-

cio ao uso de foie gras e trufas” (Alex Atala, 2009)

Alex Atala, chef de maior destaque da gastronomia brasileira, ao renunciar ao uso de iguarias clássicas da gastrono-mia mundial, deu um passo firme e co-rajoso em direção à busca de uma lin-guagem gastronômica que se pretende brasileira em seu íntimo, procurando, dessa forma, construir conteúdo de-senvolvido no Brasil que goze de igual reputação ao foie gras (França) e às trufas (Itália) no cenário internacional.

Esse fenômeno de ajustamento/dire-cionamento de linguagem é bastante recorrente na gastronomia, sendo um dos elementos fundamentais na com-posição de um conceito, seja para res-taurante, evento, cardápio etc., de ma-neira que o ponto central do trabalho a ser desenvolvido pelo chef de cozinha responsável seja certificar que todos os elementos componentes estejam adequados à proposta desenvolvida. O estabelecimento da nouvelle cuisine, por exemplo, representou uma nova linguagem da gastronomia francesa e mundial, aproximando-se do minima-lismo japonês e se distanciando do art

Page 10: Food branding - A experiência de ponta a ponta

10

nouveau para desenvolver novas pers-pectivas à gastronomia.

Fazer um todo coerente e coeso e, por-tanto, utilizar-se da linguagem correta é a preocupação máxima e constante do design, que vai construir e operar todas as linguagens necessárias para cada interface envolvida.

Uma interface, para o propósito aqui de-senvolvido, pode ser definida fundamen-talmente como todo e qualquer meio, material ou não, que conecte o usuário ao produto, o cliente à empresa. Nesse sentido, operar linguagens significa construir um conjunto sígnico inteligível pelo usuário que comunique com eficá-cia uma ou mais mensagens. Assim, toda interface requer uma linguagem própria.

Uma interface pode se apresentar como, por exemplo, um manual de instruções, um pictograma, um cartão de visitas, um fluxograma, uma sinalização am-biental, uma página de Internet, um cardápio, uma fachada, um repertório musical, uma lâmina de bandeja, uma montagem de um prato etc., ou seja, tudo que constitua um meio de cone-xão e interação usuário/produto.

Desse modo, o designer vai operar to-das as linguagens envolvidas para que sigam um mesmo sentido, comunicando uma mesma mensagem central através das interfaces necessárias e disponíveis.

Imagem 5: Exemplo de vários tipos de interfaces

integradas, desde uma fachada até uma etiqueta

de preço.

Page 11: Food branding - A experiência de ponta a ponta

11

Dentro de um planejamento de bran-ding, o design procura desenvolver todas as interfaces existentes em um sentido expansivo, ou seja, de dentro para fora da empresa, implementando primeiramente a identidade corporativa dentro da empresa para que ela efeti-vamente se unifique e “fale uma única língua” para, posteriormente, imple-mentar os aspectos da identidade re-ferentes às interfaces externas, usuário final/empresa.

Uma linguagem gastronômica pode, assim, ser utilizada como ponto de partida e traduzida para todos os as-pectos referentes ao desenvolvimen-to de um restaurante, sendo o chef

de cozinha figura fundamental nesse processo, fornecendo toda a base re-ferencial de conhecimento necessário para que se construa corretamente um projeto de expressão. Dessa maneira, o chef e o restaurante podem expres-sar com mais força e relevância a vi-são da cozinha que praticam.

Page 12: Food branding - A experiência de ponta a ponta

12

A gastronomia não é, há muito, uma atividade que se preocupa única e ex-clusivamente em preparar e vender uma refeição. Desenvolve-se integran-do outros elementos complementares para oferecer uma experiência ao co-mensal, ao mesmo tempo em que se constitui cada vez mais como empresa profissional de alto nível.

Conhecer e dominar as técnicas de co-zinha e as escolas tradicionais é ape-nas parte da formação de um chef de cozinha. Administrar custos, estoques, equipes, fornecedores etc., coordenando todos esses componentes para que o re-sultado final seja adequado ao propósi-to objetivado é a parte do conhecimen-to que não se vê por trás de uma bela apresentação de um prato delicioso.

O desafio de oferecer qualidade, al-gum grau de diferenciação e ainda ser rentável economicamente é encarado com desdém por muitos empresários ou chefs de cozinha que se propõem a abrir um restaurante gastronômico.

Com a noção de que somente um menu que ofereça pratos atraentes somado a um ambiente bem decorado tragam na-turalmente clientes, esses profissionais não estão em sintonia com o perfil do mercado atual.

Para que a gastronomia continue se de-senvolvendo e de modo cada vez mais profissional, é imperativo que uma cul-tura empresarial e corporativa seja cul-tivada com mais vigor, aproveitando os cursos de formação superior existentes para incutir um pensamento sistêmico na mão de obra cada vez mais qualifi-cada tecnicamente, porém não simetri-camente qualificada do ponto de vista empreendedor. Ainda mais, é necessá-rio haver uma conscientização do dire-cionamento que a gastronomia toma no sentido do entretenimento, oferecendo uma experiência, não apenas uma re-feição, sendo sua função social não mais exclusivamente a alimentação.

Dessa forma, a atividade pode se be-neficiar com a utilização de diversas

3 Gestão estratégica O restaurante como experiência, não apenas loja de comida.

Page 13: Food branding - A experiência de ponta a ponta

13

áreas para incrementar sua relevância e seu reconhecimento, sendo o branding uma das principais. O objetivo da for-mação superior em gastronomia não é oferecer somente cozinheiros especia-lizados ao mercado, mas também, ou principalmente, formar profissionais capazes de entender a complexidade e gerenciar, em todos os níveis, a ativi-dade desenvolvida.

O modelo integrado – Qualidade + Conteúdo + Inovação

“Uma boa empresa precisa imputar,

ou seja, comunicar seus valores e sua

importância por intermédio de tudo o

que faz, da embalagem ao marketing” (Steve Jobs, ISAACSON, 2011)

Ao invés de vender a empresa e os pro-dutos de todas as maneiras possíveis realizando inúmeras (e, muitas vezes, caóticas e desesperadas) ações, focar verdadeiramente sobre a qualidade do projeto e do produto traz um modo mais sustentado de se desenvolver um negócio. Contudo, a cultura imediatista somada à falta de visão de negócios e planejamento estratégico perpetua um modelo que prega a busca pela maior lu-cratividade com o menor investimento pelo maior período de tempo possível.

Quando essa tática não traz mais os frutos desejados (o que não demora a ocorrer), emendam-se continuamente

as falhas estruturais do negócio e, cada vez mais, a empresa depende de mule-tas para permanecer em pé.

O lucro representa, em seu fundamen-to, unicamente um resultado contábil e, administrativamente, desenvolver um modelo de negócio cujo objetivo seja prestar um serviço de qualidade se sobrepõe à busca pelo lucro em si, sen-do ele consequência de uma estratégia empresarial bem sucedida. Em outro sentido, dar preferência à sobrevivência da empresa ao lucro imediato. Todavia, esse caminho de negócios depende também do grau de desenvolvimen-to do próprio mercado e da formação cultural do consumidor, de modo que o timing para implantação da empresa é elemento crítico no planejamento.

Durante o pós-II Guerra, os consumido-res aceitavam qualquer modelo e qua-lidade de produto por falta de concor-rência, opção e mesmo pelo incipiente desenvolvimento tecnológico, uma vez que qualquer geladeira, por pior qua-lidade apresentada, ainda era melhor à geladeira nenhuma. Nesse sentido, essa primeira fase de desenvolvimento de uma cultura de consumo ainda pre-valece em alguns setores de mercados recentemente desenvolvidos (emergen-tes), como o brasileiro.

Há muitos restaurantes oferecendo bai-xa qualidade e pouco conteúdo a pre-

3.1

Page 14: Food branding - A experiência de ponta a ponta

14

ços incompativelmente altos e que só se mantêm ativos devido à imaturidade de parte do público consumidor e da falta de concorrência melhor preparada. O consumidor, em um futuro imediato, não aceitará que um restaurante intitu-lado gastronômico sirva pratos de qua-lidade apenas razoável com um atendi-mento desatencioso. Exigirão cada vez mais que, ao menos, refeição e serviço ofereçam algo além do mínimo que jus-tifiquem os altos preços geralmente co-brados nesse tipo de estabelecimento.

Oferecer uma experiência integrada de ponta a ponta em lugar de apenas uma refeição é um caminho que se desen-volve como proeminente na constitui-ção de um negócio preparado para um mercado mais maduro.

Para isso, um modelo de branding que se construa apoiado no tripé [qualida-de + con teúdo + inovação] pode ser

decisivo a fim de imputar seus valo-res através de todas suas interfaces integradas criando uma experiência de consumo poderosa.

Faz-se, assim, uma discussão de que modo o tripé [qualidade + conteúdo + inovação] se desenvolve em uma ges-tão estratégica.

3.1.1 Qualidade - Em todos os níveis

O modelo japonês de gestão de qua-lidade conhecido como Controle de Qualidade Total (TQC ) se tornou famoso e referência mundial pelos resultados que trazia às empresas que o emprega-vam em seu país de origem. Tendo seu desenvolvimento se originado na dé-cada de 1980 e adotado por empresas multinacionais ocidentais na década se-guinte, levou-se algum tempo para que, efetivamente, os resultados esperados fossem realizados, não pela deficiência

Page 15: Food branding - A experiência de ponta a ponta

15

do método, mas pela incompreensão da totalidade do processo envolvido.

A Qualidade Total não se restringe tão somente à qualidade do produto final oferecido ao consumidor ou aos ele-mentos imediatamente ligados a ele. Entregar um produto de qualidade para o TQC representa entregá-lo nas especi-ficações corretas, no prazo correto, da maneira correta, na quantidade correta, no custo correto, para a pessoa (ou de-partamento) correta, de modo seguro e sem defeitos. Isso, por si, já representa um grande desafio.

Quanto à qualidade da gestão do pro-cesso, o TQC busca objetivamente pela qualidade em todos os níveis de todas as etapas envolvidas no projeto. Diz-se, por exemplo, que os sanitários dos funcionários devem estar em constan-tes condições para que até mesmo o presidente da empresa possa utilizá--los a qualquer instante, no sentido de que nenhum aspecto do trabalho deve ser negligenciado, pois o que se desenvolve é a consciência de que a qualidade, a produtividade e, assim, a posição competitiva da empresa de-pendem diretamente do resultado de cada pequeno procedimento, como um elo de uma corrente.

De maneira ampla, a almejada Qualidade Total só pode ser atingida quando uma cultura de qualidade es-

tiver vigente na empresa e, para isso,

a atitude e a busca por esse resultado

devem partir do empresário, do chef

de cozinha e de todos os envolvi-

dos na alta gerência do negócio, não

apenas delegando responsabilidades

aos funcionários. É preciso liderar,

sendo que liderança não é separar

planejamento e execução, de modo

que os líderes elaborem os planos e

depois obriguem seus funcionários a

executá-los.

Liderar significa fazer com que, em

primeiro lugar, os funcionários assimi-

lem os objetivos comuns de seu gru-

po e, então, motivá-los e seguir com

eles na busca desses objetivos. Além

disso, pressupõe orientar, desenvolver

e incentivar os funcionários. Grande

parte das empresas brasileiras trata

seus clientes como se estivessem lhe

fazendo um favor e, seus funcionários,

como inimigos.

A qualidade buscada em seu conjunto

começa pela qualidade de liderança,

que trará qualidade de projeto e pro-

cessos, culminando em qualidade de

produto final. Para um prato ser ser-

vido ao cliente seguindo uma deter-

minada orientação, é fundamental que

haja um planejamento desde a compra

dos ingredientes, com suas especifici-

dades respeitadas, passando por toda

a cadeia de produção de pré-preparo,

Page 16: Food branding - A experiência de ponta a ponta

16

preparo, finalização e, finalmente, montagem para que o cliente receba o que pediu e, para isso, todas as etapas requerem um grau de comprometimen-to e envolvimento com o TQC para que o resultado final, satisfação do cliente, seja alcançado plenamente.

O TQC é um modelo de qualidade sus-tentada e necessário ao branding a fim de desenvolver um projeto integrado e uma experiência de ponta a ponta.

O fluxograma abaixo, conhecido como Conceito de Sobrevivência, foi desen-volvido por Ichiro Miyauchi na década de 1980 dentro do modelo japonês de gestão de qualidade e procura demons-trar os principais caminhos a se desen-volver a fim de garantir a sobrevivência da empresa.

Note-se que o foco é, claramente, no conjunto da estrutura e de sua manu-tenção sustentada.

Imagem 6: Conceito de sobrevivência

(CAMPOS, 1996)

Page 17: Food branding - A experiência de ponta a ponta

17

3.1.2 Conteúdo – Construir com base sólida

Desenvolver conteúdo implica no ativo de conhecimento envolvido no proje-to em lugar de soluções superficiais, imediatistas e vazias em seu sentido e significado.

Fugir de soluções óbvias em um pro-jeto só é possível com uma base de referências conceituais fortes e bem estruturadas, formando um partido projetivo consistente, que não se limi-ta a soluções estereotipadas ou gené-ricas que não adicionam qualidade ao trabalho proposto.

Soluções estereotipadas são recor-rentes pela facilidade e obviedade de desenvolvimento, como, por exemplo, ao decorar um restaurante de cozinha japonesa com bambus, luminárias tra-dicionais, ideogramas (que, em ge-ral, não significam nada) e pintar a construção de vermelho e branco. No entanto, a obviedade em estabeleci-mentos desse tipo aparece já na cons-tituição do cardápio, que não oferece nada além dos sushis mais comuns e pratos quentes mais conhecidos, de maneira que o restaurante não desen-volve um conceito próprio e tampouco personalidade.

Para construir conteúdo é fundamen-tal conhecer a fundo e com uma visão

interna da proposta concebida, ou em outros termos, caso se queira, como no exemplo acima, abrir um restauran-te de cozinha japonesa, o empresário ou chef de cozinha deve conhecer a fundo a cultura japonesa e, de prefe-rência, estar ele próprio imerso nessa cultura, para que o conceito emprega-do no restaurante se utilize de um dis-curso mais consistente e verdadeiro, em lugar de se apresentar como um apanhado superficial e aleatório de referências que em seu conjunto não carregam nenhum significado.

Além disso, há uma delicada questão referente à quão verdadeira é a nomen-clatura do produto em relação ao seu conceito. Ao se oferecer um molho ve-louté, um molho holandês ou um mo-lho tarator, por exemplo, cada um deles implica em uma série de característi-cas (sabor, textura, técnica de preparo, ingredientes, entre outros) que deter-minam um conceito em seu conjunto, de maneira que a linguagem de cada molho precisa ser respeitada. Assim, quando uma casa oferece um molho be-chamel sem noz moscada, por exemplo, essa preparação deveria receber outra nomenclatura, não somente por respei-to ao conceito original, mas principal-mente, respeito ao consumidor.

Nesse sentido, não respeitar a lingua-gem e o conceito da gastronomia e

Page 18: Food branding - A experiência de ponta a ponta

18

do tema que se propõe fazer é uma das formas mais patentes de falta de conteúdo, denotando ignorância, des-leixo e até mesmo oportunismo.

Conteúdo significa, em termos sim-ples, ter o que dizer. Quando o indi-víduo não domina um tema e é con-frontado a debater sobre ele, procura contornar a discussão com rodeios, floreios ou opiniões generalistas. Da mesma maneira se comporta um ne-gócio com conceito e projeto vazios.Poder contar uma história, uma estória, abordar algum tema ou expor determi-nada discussão só é possível quando há conteúdo que sustente a narrativa.

3.1.3 Inovação – Evolução, não revolução.

Um produto inovador, um conceito ino-vador ou um método de gestão inova-dor são igualmente importantes na es-tratégia de mercado de uma empresa, porém inovação não significa, necessa-riamente, a criação algo completamen-te novo. A inovação deve representar uma evolução, um avanço em direção ao futuro, à redefinição de paradigmas e, nesse sentido, compreender a fundo o produto que se desenvolve, o concei-to da empresa ou a dinâmica do merca-do é fundamental ao estabelecimento de diretrizes inovadoras.

Inovar é, em seu fundamento, possuir essa compreensão de modo abrangen-te e criar uma relação entre as partes componentes dessa estrutura que seja uma resposta mais efetiva e adequada à problemática enfrentada. Além disso, é necessário que a inovação faça sentido ao consumidor, à experiência dele com a empresa.

O toyotismo, por exemplo, desenvol-veu-se como principal doutrina indus-trial contemporânea baseada no fordis-mo precedente e foi inovadora não por estabelecer métodos e procedimentos totalmente novos, mas por entender os pontos críticos do processo dominan-te e dar respostas a eles que, em seu conjunto, formaram um todo inovador.

Figura 7: Exemplo de restaurante inspirado em

Alice in Wonderland

Page 19: Food branding - A experiência de ponta a ponta

19

Redefiniu o paradigma de produção por trazer soluções inovadoras aos dois la-dos da cadeia, indústria e consumidor. O primeiro se beneficiando da produ-ção enxuta e o segundo do aumento da qualidade geral dos produtos.

Assim, os pilares anteriores, qualida-de e conteúdo, são fundamentais para que se possa inovar não apenas dese-jando aumentar as vendas imediatas, mas buscando uma inovação no senti-do de aperfeiçoamento do conjunto. Novamente, a força está na coesão de um projeto que, em sua natureza, tra-rá resultados inovadores, ao contrário de inovações epidérmicas para resul-tado imediato.

A inovação, porém, não é um jogo de futurologia. As grandes inovações provêm de evoluções, não revoluções. Trazer novas áreas à gastronomia, como o branding, representa uma gran-de evolução da atividade.

Um restaurante, assim, ao desen-volver um projeto de food branding, inova por oferecer uma experiência inesperadamente poderosa ao cliente,

que fica imerso em um conceito inte-grado de ponta a ponta e consegue captar a consistência do momento, porém não é capaz de, racionalmente, entender e desconstruir o processo que o afeta. O cliente reconhece uma qualidade, infere uma inovação, mas não consegue pontuar exatamente os elementos que levam a isso.

Essa experiência pode fazê-lo retornar por iniciativa própria ao estabeleci-mento, pois apenas lá ele recebe algo a mais, algo que não sabe exatamente o que é, mas que sabe ser bom e ter qualidade. Desse modo, há um fluxo de fidelização sustentado, não dependen-te unicamente de ações de marketing que promovam, continuamente, a pri-meira venda.

Page 20: Food branding - A experiência de ponta a ponta

20

“Não rimarei a palavra sono

com a incorrespondente palavra outono.

Rimarei com a palavra carne

ou qualquer outra, que todas me convêm”(Consideração do poema, Carlos Drummond de Andrade)

O referencial desenvolvido até o mo-mento estabeleceu que estratégia, conteúdo e inovação constituem a base para desenvolvimento de um mo-delo de gestão estratégica que pode utilizar o design, do ponto de vista do branding, como ferramenta para criar uma experiência sensorial integrada em gastronomia.

Mantendo a coerência que buscou de-monstrar quais os tripés que susten-tam cada uma das atividades envol-vidas, Design e Gestão estratégica, faz-se necessário, portanto, esta-belecer quais as diretrizes que sedi-mentam a Gastronomia, de forma a unificar as três áreas e, finalmente, indicar a abrangência e os benefícios do food branding.

Desse modo, pode-se equacionar a Gastronomia através da seguinte relação:

GASTRONOMIA = TÉCNICA + GERENCIAMENTO +

ATENÇÃO AOS DETALHES

A técnica representa o conhecimento fundamentado da atividade frente ao ato de cozinhar, diferenciando-a da culinária ou da cozinha como hobby. O gerenciamento é, como já dito anterior-mente, o conhecimento pouco aparente no trabalho de um chef de cozinha, mas fundamental ao sucesso da atividade.

Finalmente, a atenção aos detalhes é o ponto de maior interesse à presente discussão, uma vez que os aspectos li-gados aos pequenos cuidados e atitudes podem construir um resultado grandioso ou desastroso, dilacerado ou integrado, relevante ou vazio em seu sentido.

Para que haja a integração, todos os ele-mentos precisam ser desenvolvidos em seus detalhes, sem espaço para desleixo

4 Discussão Food Branding – Ferramenta de incremento à gastronomia

Page 21: Food branding - A experiência de ponta a ponta

21

e amadorismo. Para tanto, ao desenvol-ver o projeto de um restaurante, o chef de cozinha deve buscar profissionais que compreendam o cerne do conceito gastronômico desenvolvido e possam verdadeiramente contribuir à constru-ção de uma experiência significativa.

O desenvolvimento econômico decom-pôs cada vez mais o trabalho, com isso os processos globais de produção ou prestação de serviço se tornam cada vez mais complexos e de difícil gestão. Por isso, é comum a busca pelas soluções mais imediatas e óbvias, mesmo que não exista efetivamente relação entre as partes que compõem a estrutura.

A gastronomia é uma forma de esti-mulação e expressão sensorial sinér-gica, em que cada um dos sentidos afetados contribuirá ao resultado fi-nal. Todos os componentes do empre-endimento (seja um restaurante, um serviço de buffet ou mesmo um ser-viço à domicílio) precisam contribuir sinergicamente para que a experiência gastronômica não se perca em meio a incoerências, desajustes ou descon-tinuidades conceituais, linguísticas e projetuais. Em outras palavras, não basta a refeição ser boa se o atendi-mento for ruim, ou vice versa; contu-do, o atendimento é apenas um dos inúmeros componentes que afetam a qualidade da experiência.

Pode-se construir um cenário para exemplificar uma inconsistência de conceito e projeto: um restaurante que se propõe de cozinha japonesa tradicio-nal, onde o atendente recebe o cliente com a saudação “oxente! bom dia, meu rei”, o cardápio ofereça preparações como “yakisoba com ragu de pancetta” e a montagem do prato se constitua de uma grande travessa de onde o comen-sal se serve do alimento com as mãos utilizando pão como talher.

Temos, assim, um conceito que se pro-põe japonês, em que a linguagem ver-bal do atendente é típica do Nordeste brasileiro, a linguagem gastronômica é ítalo-sino-japonesa e a linguagem an-tropológica do ato de comer é indiana. Obviamente há uma exacerbação na in-coerência das linguagens, cujo propó-sito é apontar que uma situação apa-rentemente absurda como a que se cria dificilmente seria colocada em prática. Todavia, esse mesmo tipo de descon-tinuidade e incoerência de linguagens e conceitos é encontrado comumente nos mais diversos tipos de restauran-tes existentes, seja na forma de uma arquitetura incoerente, mobiliário des-propositado, projeto gráfico amador, pratos deslocados, linguagem verbal e corporal inconcebível, entre outros.

Ir a um restaurante que propõe um conceito brasileiro e encontrar uma

Page 22: Food branding - A experiência de ponta a ponta

22

arquitetura neoclássica já não é um

exemplo tão radical, não requerendo

tanto trabalho de campo para identifi-

car estabelecimentos que se encaixem

no perfil. Dessa mesma maneira, outras

incoerências que enfraquecem o proje-

to podem ser identificadas.

O próximo capítulo exemplificará al-

guns pontos que o food branding de-

senvolve a fim de que o projeto como

um todo caminhe em uma única dire-

ção gastronômica.

A experiência de ponta a ponta

“Não tentamos fazer um monte de coi-

sas, porque não é o que fazemos. Não

achamos que uma companhia pode fa-

zer tudo, então você precisa se afiliar a

pessoas que são boas nas coisas. (...)

O que queremos, é ser aquele aparelho

do consumidor, aquela experiência do

consumidor envolvendo toda a informa-

ção e elementos que podemos oferecer

a eles em uma incrível interface de uso,

em um produto coerente. (...) É muito

difícil para uma companhia fazer tudo” (Steve Jobs, JOBS 2007)

A experiência de ponta a ponta só pode

ser alcançada quando a excelência em

tudo o que se faz no negócio é atingi-

da. Assim como há o entendimento de

que para se servir um prato de quali-

dade o trabalho começa bem antes da

cozinha, fora do restaurante, já na eta-

pa de escolha dos ingredientes, ana-logamente, o processo tem de ocorrer com a experiência do cliente, em que mesmo antes que ele entre no estabe-lecimento, tudo tem de estar correto e fazer sentido.

Hoje ainda se negligenciam muitas eta-pas desse processo, de maneira tal que os empresários e os chefs de cozinhas obtêm uma performance bem abaixo do que se poderia realizar, despropor-cional ao esforço e capital investido.

Não é o montante de capital ou so-mente a dedicação pessoal do chef que pode determinar a qualidade do restau-rante. Cercar-se das pessoas certas é o primeiro passo, dado que não há qua-lidade e resultado em o chef trabalhar com quem não possui ao menos um conhecimento basal em gastronomia, pois eles não conseguirão caminhar na mesma direção por não haver um elo que os conecte e o resultado será um compromisso entre as duas visões. O food branding, tem o objetivo de ofe-recer um salto de qualidade na direção em que o chef, o conceito e o restau-rante vão se desenvolver em conjunto.

Em um novo negócio, normalmente o aporte de capital é o elemento central, sobrepujando a importância do aporte de conhecimento. Todavia, a diferen-ça entre um projeto que seja somente adequado e um de excelência depende

4.1

Page 23: Food branding - A experiência de ponta a ponta

23

menos dos ativos financeiros e mais do ativo de conhecimento e do compro-metimento dos envolvidos. Em geral, tudo é desenvolvido por agregados, no sentido de que, na melhor das hipó-teses, contratam-se arquitetos, en-genheiros, consultores em gestão em gastronomia, entre outros e, então, vão-se agregando diferentes visões do mesmo projeto e, ao final, o resultado é uma colcha de retalhos.

Além disso, a falta de comprometimen-to é o maior enfraquecedor de grandes projetos em potencial, tanto por parte dos prestadores de serviço (consulto-res, arquitetos, engenheiros e demais ‘agregados’) quanto pelos próprios em-preendedores ou envolvidos na alta gerência do negócio. A falta de com-prometimento e a falta de responsa-bilidade sobre o trabalho que prati-cam certamente cobrarão seu preço a médio-longo prazo, mesmo que esse preço não seja em resultados visíveis ou mensuráveis, ele corroerá o negócio como uma colônia de cupins, ou seja, quando for possível enxergar a presen-ça do problema, será tarde demais.

Um exemplo que se pode citar, é o caso do 210 Dinner, restaurante de São Paulo de conceito americano, que encomen-dou um projeto de branding a um dos mais renomados escritórios de design gráfico do país. Apesar de possuir uma

identidade corporativa poderosa, fal-tou ao chef de cozinha do restaurante um comprometimento maior para apli-car corretamente o projeto desenvolvi-do, não obtendo, assim os resultados (melhores) possíveis da implantação. Essa atitude se assemelha à de adquirir trufas brancas e deixá-las apodrecer na geladeira por sua não utilização, im-pensável aos olhos do chef.

A cozinha sempre busca os melhores profissionais de cozinha, obviamente. Não se levanta a hipótese de se con-tratar alguém para trabalhar em uma cozinha de um restaurante que não do-mine a gastronomia em algum nível. Entretanto, isso acontece nos projetos de um restaurante, em que profissio-nais que não dominam sequer um co-nhecimento geral da gastronomia de-senvolvem projetos e trabalhos dentro da área, não respeitando e não com-preendendo, portanto, particularida-des envolvidas no trabalho.

A cozinha em si atingiu um grau de desenvolvimento, sofisticação e lin-guagem bem estabelecidos. As oportu-nidades de inovação e diferenciação e também da busca por uma expressão gastronômica mais forte e mais rele-vante se dá nas atividades suportes à gastronomia. O desenvolvimento da gastronomia molecular deveu seu su-cesso por transformar não apenas a

Page 24: Food branding - A experiência de ponta a ponta

24

linguagem da comida, mas, mais sig-nificativamente, como transformou a maneira de interagir com ela.

A linguagem gastronômica é um fio que tece uma trama unindo diversas áreas. Para se tecer um tapete, os fios devem se relacionar de modo lógico e coeso, havendo uma ação muito mais complexa do que o simples tear me-cânico sugere. Mais do que tecer fios contínuos, o tapete só se concretizará adequadamente quando cada elemento estiver contribuindo corretamente ao propósito maior.

Alguns elementos de um projeto de food branding serão abordados a se-guir, de modo bem geral e simplifi-cado, com o intuito de permitir uma exemplificação mais prática de tão intrincado tema. Não havendo espaço neste trabalho para desenvolver cada um dos aspectos citados pela comple-xidade que cada um apresenta, faz-se apenas uma discussão geral do ponto mais relevante ao desenvolvimento de uma experiência de ponta a ponta.

Os exemplos procuram ser exacerbados para demonstrar uma inconstância de projeto que quebre a integração, porém esse descontínuo projetual se encontra de modo menos óbvio na maioria dos casos, mas se constituem de efetivo ruído à experiência unificada, contri-buindo negativamente ao conjunto.

5 .1.1 Naming

O nome de um restaurante não pode se

restringir a ser de fácil memorização, ca-

tivante ou que seja um estereótipo óbvio

do conceito desenvolvido. Um processo

de naming contribui sobremaneira à in-

tegração da linguagem da nomenclatura

desenvolvida no estabelecimento.

O naming desenvolve mais do que o

nome do restaurante. Muito além do

nome, o naming se encarregará de in-

tegrar toda a nomenclatura em uma lin-

guagem única. Nomes dos pratos, no-

mes das seções do cardápio, nomes dos

ambientes, nomes dos departamentos

ou cargos de funcionários, entre ou-

tros. Todos os nomes existentes devem

seguir um mesmo direcionamento.

Um restaurante que, por exemplo, ofe-

reça cozinha clássica francesa e tenha

o nome de “Petit Jacques Gastronomie”

não poderia oferecer um cassoulet no-

meado como “Cozidão especial da casa”.

Há ainda outro ponto crítico abordado

pelo naming que se refere à nomencla-

tura geral dada às preparações, como

o caso de nomear um molho velouté

sem que seja efetivamente um velouté.

Beira a má-fé oferecer um molho tara-

tor que não leve tahine em sua com-

posição. Assim, um chef de cozinha

que integre uma equipe food branding

se certificará de que as nomenclatu-

Page 25: Food branding - A experiência de ponta a ponta

25

ras das preparações estejam de acordo

com seus conceitos.

5.1.2 Serviço de salão

Há fundamentalmente dois elementos

críticos envolvidos no serviço de salão:

atendimento e equipamentos.

Quanto ao atendimento, não é somente

cortesia, respeito e atenção que o food

branding procura. O projeto integrado vai

desenvolver tanto uma linguagem corpo-

ral quanto uma linguagem falada corre-

tas, adequadas ao conceito proposto.

A linguagem corporal da cultura japo-

nesa é diferente da brasileira e esse

tipo de pormenor deve ser considerado

para a coesão do restaurante.

Os equipamentos e o mobiliário devem

não somente favorecer o próprio serviço

do salão, tanto em agilidade quanto em

praticidade, mas precisam se fundamentar

baseados na tradição da cultura material

que se propõe a praticar. Aqui, novamen-

te, a discussão é longa e complexa uma

vez que entra no campo da arquitetura, do

desenho industrial e do design de produ-

tos, sendo suficiente apenas apontar que,

por exemplo, um mesmo prato (o objeto

físico) ou uma mesma cadeira aplicados

em restaurantes de conceitos distintos (cozinha francesa e cozinha mexicana, p.

ex.) podem não fazer sentido em um dos

casos, ou em ambos.

5.1.3 Arquitetura

A Arquitetura se refere aqui obviamen-te à construção do prédio em si, mas também deve incluir mobiliário, am-bientação, fluxo de pessoas, conforto ambiental, entre outros.

Essa visão da arquitetura se desen-volveu muito fortemente durante o Modernismo, segundo o qual uma cons-trução é um organismo vivo e projeta-do para que os usuários interajam com ela de determinado modo. Para isso, o projeto arquitetônico é desenvolvido de modo universal, abarcando todos os elementos existentes.

Segundo essa visão, o food branding desenvolve um projeto integrado par-tindo de uma linguagem e conceitua-ção gastronômicas que darão diretrizes específicas ao partido arquitetônico.

Um restaurante que se propõe essen-cialmente brasileiro não poderia, ou não seria adequado, estabelecer-se em uma construção neoclássica ou mini-malista, uma vez que esses dois movi-mentos artístico-culturais não se ligam à cultura brasileira.

5.1.4 Projeto visual

Um dos pontos mais críticos, o projeto visual /gráfico necessita de um cuidado muito grande, diametralmente oposto ao que se tem usualmente.

Page 26: Food branding - A experiência de ponta a ponta

26

A interface gráfica é uma das mais im-portantes, na forma do desenvolvimento de uma identidade visual de qualidade. O cardápio é o objeto, provavelmente, mais importante do restaurante, mais do que uma panela ou uma faca, pois ele carrega o que de mais precioso o estabelecimento oferece, seus pratos.

O cardápio não carrega a função de re-alizar uma venda, mas antes e princi-palmente, transmitir toda uma série de mensagens visuais sobre a cozinha que é servida e o conceito que é desenvol-vido. Se o projeto gráfico do cardápio for desleixado, o restaurante como um todo e, portanto, a comida servida, será visto como desleixado.

5.1.5 Marketing

A discussão maior nesse aspecto é a respeito da chamada primeira ven-da, ou seja, a primeira experiência de compra que o consumidor tem com a empresa ou a ação desenvolvida para atrair clientes, novos ou não.

Em um modelo de marketing sustenta-do, utilizado no food branding, não se depende somente de contínuas estra-tégias de primeira venda como festi-vais (festival do camarão, festival da alcachofra, festival das sopas etc.), datas comemorativas (dia das mães, dos namorados, dos pais etc.), entre outros. O esforço da primeira venda se

concentra na primeira venda literal, ou seja, na primeira experiência do consu-midor no restaurante.

Essa primeira venda deve ser poderosa o suficiente para que o cliente tenha a sensação de que aquela experiência ele não encontrará em nenhum outro es-tabelecimento. O que se busca é criar um sentimento de que ele não sabe o motivo, mas entende que aquele lugar é diferente e oferece algo a mais. Essa é a melhor estratégia de fidelização, pois imputa os valores diretamente na experiência, não procurando apenas vender o restaurante e seus produtos imediatamente. As estratégias con-tínuas de primeira venda como Peixe Urbano e Restaurante Week podem até mesmo ser negativas ao restaurante por suas performances questionáveis.

O cliente procurará aquele restaurante específico pela experiência, não por-que o estabelecimento está oferecen-do um festival ou algo nesse sentido. Sendo o marketing outra atividade de complexa discussão, só se aponta aqui o cerne de sua estratégia.

Page 27: Food branding - A experiência de ponta a ponta

27

Assim, encerra-se a discussão recupe-rando dois tripés de desenvolvimento de um modelo de gestão estratégica de marca em gastronomia.

GASTRONOMIA = TÉCNICA + GERENCIAMENTO +

ATENÇÃO AOS DETALHES

DESIGN = ESTRATÉGIA + PROJETO + LINGUAGEM

Quando a Gastronomia se une ao Design por intermédio de um modelo suste-tado de Gestão Estratégica, ela atinge um poder de expressão muito maior do que se desenvolvendo sozinha.

O food branding não precisa, neces-sariamente, desenvolver todos os ele-mentos que compõem um projeto de um restaurante gastronômico. Deve co-nhecer e dominar todos eles e, acima de tudo, ser capaz de construir relações entre todas as áreas para que, partindo do conceito gastronômico, uma expe-riência sensorial integrada de ponta a ponta seja alcançada.

Só é possível alcançar esse objetivo com a figura de um profissional que domine os conhecimentos das três áreas, Gastronomia, Design e Gestão Estratégica, possuindo, dessa maneira, a visão de um insider dessas áreas para integrá-las adequadamente.

5 Conclusão

Page 28: Food branding - A experiência de ponta a ponta

BIBLIOGRAFIA

ANDRADE, Carlos Drummond de, A Rosa do Povo, Record, 2001;

CARDOSO, Rafael, Design para um mundo complexo, Cosac Naify, 2012;

, Uma introdução à história do design, Editora Edgard Blücher, 2ª ed., 2004;

CAMPOS, Vicente Falconi, TQC Controle da Qualidade Total, EDG Editora de Desenvolvimento Gerencial Ltda, 1996;

CONSOLO, Cecília, Anatomia do Design, catálogo da 9ª Bienal de Design Gráfico, Editora Edgard Blücher, 2009;

CORRÊA, Thomaz Souto, Jun Sakamoto: o virtuose do sushi, BEI Comunicação, 2008;

FLANDRIN, J.-L., MONTANARI, M., História da alimentação, Estação Liberdade, 1996;

HERRIOTT, Luke, 1000 Restaurant, Bar, And Cafe Graphics: From Signage to Logos and Everything in Between (1000 Series), Quayside Publishing, 2007;

ISAACSON, Walter, Steve Jobs: A biografia, Companhia das Letras, 2011;

JOBS, Steve, Conferência D5, Estados Unidos, 2007, disponível em http://www.youtube.com/watch?v=NfAfZbTq8ow, acessado em 10 de junho de 2012;

LUXURY PRINTING, nº 1, Gráfica Editora Aquarela, 2007;

MAXIMIANO, Antonio Cesar Amaru, Introdução à administração, Atlas, 2009;

MEGGS, P. B., PURVIS, A. W., História do Design Gráfico, Cosac Naify, 2009;

MORIMOTO, Claudia M., Food Branding: Projeto de Identidade Visual para alta gas-tronomia, Trabalho de Conclusão de Curso, Curso de Design, Graduação, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012;

SENAC, Chef Profissional, Instituto Americano de Culinária, Senac Editoras, 2009;

VIGNELLI, Massimo, The Vignelli Canon, 2008, disponível em http://www.vignelli.com/news.html, acessado em 15 de junho de 2011;

WALKER, J. R., LUNDBERG, D. E., O Restaurante: conceito e operação, Bookman Editora,2003;

WHEELER, Alina, Design de Identidade da Marca: Guia essencial para toda a equipe de gestão de marcas, Editora Bookman, 3ª ed., 2012;