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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Fonoaudiologia e Envelhecimento: considerações iniciais sobre a linguagem no cuidado do idoso portador de demência. Teandra Cardeal Favaretto São Paulo 2007

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Page 1: Fonoaudiologia e Envelhecimento: considerações iniciais ... Cardeal... · Teandra Cardeal Favaretto Fonoaudiologia e Envelhecimento: considerações iniciais sobre a linguagem no

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Fonoaudiologia e Envelhecimento: considerações iniciais sobre a

linguagem no cuidado do idoso portador de demência.

Teandra Cardeal Favaretto

São Paulo 2007

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Teandra Cardeal Favaretto

Fonoaudiologia e Envelhecimento: considerações iniciais sobre a

linguagem no cuidado do idoso portador de demência.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

à Banca Examinadora, como exigência parcial

para obtenção do título de Bacharel em

Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, sob orientação da

Prof ª Denise de Oliveira Teixeira.

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

São Paulo 2007

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Dedico este trabalho

a Olga e o Mario (in memória), a minha mãe,

ao meu padrasto, a minha família, meus

amigos, por toda confiança e apoio que

depositaram em mim durante a minha vida

acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

A Deus minha fortaleza e refúgio.

A minha orientadora, Profª Denise de Oliveira Teixeira, que soube apreciar todo

meu esforço durante o Trabalho de Conclusão de Curso, tomando também para si a

responsabilidade pela realização de um bom trabalho.

A Mirella Guilhen por aceitar ser minha parecerista, pela atenção

dispensada em ler meu trabalho, fazendo questionamento e sugestões valiosas,

contribuindo com seu amplo conhecimento sobre o tema.

A minha mãe, meu padrasto, aos meus avós maternos e meus tios Ada e Jota

por estarem sempre presentes na minha vida, auxiliando e me dando bons

conselhos para vencer por cada luta encontrada na vida.

A minha amiga e irmã Melissa Borges por sempre estar do meu lado dando luz

e esperança para nunca desistir dos meus sonhos, me alegrando quando estava

cansada de lutar, dando conselhos de vida que me fez superar todos os obstáculos

que a vida me colocava.

A minha família pela compreensão e entendimento por minha escolha quando

entrei na faculdade, me apoiando e dando força para continuar este sonho durante o

tempo da faculdade.

.As Turmas 45 e 46 do Curso de Fonoaudiologia da PUC-SP, por me

apoiarem, darem coragem e força para vencer todos os obstáculos que surgiram

durante a vida acadêmica, me levantando sempre, fazendo olhar para frente e não

desistir nunca do meu grande sonho de me formar.

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A Equipe do Programa Escola da Família por me darem a oportunidade de

crescer e ser mais humana tanto na vida profissional quanto na vida pessoal,

levando todos os finais de semanas para a escola não só o meu conhecimento

acadêmico, mas também meu conhecimento de vida para as diversas

comunidades que fiz parte nestes quatros e meio de Projeto.

Agradeço, principalmente, os Gestores das escolas, ATPs, Supervisores de

Ensino, Educadores Profissionais e os Educadores Universitários da Diretoria de

Ensino Centro, por todo amor e carinho que tiveram durante a minha passagem

nas três escolas que participei como Educadora Universitária.

A Associação dos Familiares e Amigos do Idoso, AFAI, por toda confiança,

carinho e respeito pela minha pesquisa, liberando seus funcionários e seus

familiares para participarem deste estudo .

A Paula Torres, Ex- Aluna do Curso de Fonoaudiologia da PUC/ SP, por me

ajudar a ler, a escrever e reescrever meu trabalho muitas vezes, tendo paciência,

carinho e compreensão durante este processo acadêmico.

As professoras Cristiane Mori-de Angelis, Clara Hori, Regina Freire, Lúcia

Arantes, Lílian Ancona, Teresa Bilton, Laura Martz e Denise Teixeira, que foram

meus anjos da guarda, que me ajudaram na formação acadêmica de uma forma

incondicional, me dando apoio, força e coragem para enfrentar todos os

obstáculos que aparecerem durante a minha vida acadêmica, não me fazendo

desistir deste sonho.

Ao Governo do Estado de São Paulo pela bolsa concedida, por criar o

Programa Escola da Família e proporcionar aos alunos que estudaram em escolas

públicas a oportunidade de ingressar na faculdade

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SUMÁRIO

Introdução............................................................................................................1

Capítulo 1 – Envelhecimento e Demência ........................................................ 6

Capítulo 2 –Fonoaudiologia, Demência e Linguagem........................................16

Capítulo 3 – O Cuidado e o cuidador............................................................... .21

Capítulo 4 – Material e método .........................................................................27

Capítulo 5 – Análise dos depoimentos ........................................................... ..29

Considerações finais .........................................................................................35

Referências bibliográficas .................................................................................37

Anexo 1 – Registro das entrevistas ..................................................................40

Anexo 2 – Termo de consentimento livre e esclarecido....................................67

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RESUMO

INTRODUÇÃO: O envelhecimento populacional tem mobilizado estudos em

resposta às complexas demandas sociais e econômicas que dele decorrem.

Projeções estatísticas apontam que, em 2015, um bilhão de pessoas no mundo

terá mais de 60 anos, representando mais de 15% da população mundial, e que

mais de 50% das pessoas com mais de 90 anos sofrerão algum tipo de doença

demencial com diferentes graus de dependência. Publicações no campo da

Gerontologia têm apontado a necessidade de estudos específicos sobre a

dinâmica concreta do cuidar do idoso demenciado, apontando como fundamental

o suporte e acompanhamento profissional do cuidador. No campo fonoaudiológico

a publicação de estudos sobre o atendimento clínico de idosos portadores de

quadros demenciais tem início na atual década. Recentes publicações indicam a

importância do atendimento fonoaudiológico do idoso portador de demência,

destacando o trabalho com a linguagem como forma de fomentar a manutenção

da independência e da interação social do idoso demenciado. OBJETIVO:

Investigar as representações e demandas do cuidador de idoso demenciado,

especialmente em relação à linguagem no ato de cuidar. MÉTODO: Entrevistas

semidirigidas com quatro cuidadores de idosos demenciados, dois familiares e

dois profissionais, no intuito que o cotejamento entre o relato do cuidador e a

literatura estudada pudesse indicar as necessidades deles, no que se refere ao

conhecimento acerca da demência, especificamente em relação à linguagem.

CONCLUSÃO: Identificamos a necessidade de ações de formação do cuidador

formal e de apoio ao cuidador informal, da formação de redes de cuidadores nas

comunidades e de estudos e ações voltadas à formação e ao apoio de cuidadores

de idosos demenciados.Estudos e ações fonoaudilógicas voltadas à formação e

ao apoio de cuidadores de idosos demenciados devem ser desenvolvidos no

intuito de contribuir para uma maior possibilidade de compreender a linguagem,

especialmente, a manutenção da atividade dialógica, como parte integrante do

cuidado do sujeito em processo demencial.

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INTRODUÇÃO

Segundo o Censo 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE,

o envelhecimento populacional é um fenômeno que tem caracterizado de forma

marcante mudanças do perfil demográfico nacional, decorrente, sobretudo, da

queda das taxas de fecundidade e de mortalidade no país. O número de

indivíduos acima dos 60 anos, que era de 2 milhões em 1950, saltou para 6

milhões em 1975 e para 14,5 milhões, em 2000. A cada ano, 650 mil pessoas são

incorporadas à população, com mais de 60 anos no país. Projeções estatísticas

do IBGE apontam que, em 2020, haverá mais de 30 milhões de idoso no país; o

que representará 13 % da população total.

O envelhecimento populacional tem mobilizado estudos em resposta às

complexas demandas sociais e econômicas que dele decorrem. Projeções

estatísticas apontam que, em 2015, um bilhão de pessoas no mundo terá mais de

60 anos, representando mais de 15% da população mundial, e que mais de 50%

das pessoas com mais de 90 anos sofrerão algum tipo de doença demencial com

diferentes graus de dependência. (GOLDFARB, 2001, p.12)

Associado ao envelhecimento populacional, o aumento no incremento dos

anos de vida do brasileiro também pode ser observado. Segundo técnicos do

IBGE, o significativo aumento da expectativa de vida no país -em 1950, a

expectativa de vida dos brasileiros ao nascer era de 43,33 anos, saltando para

68,55 anos em 2000 1- resulta das melhorias de condições de saúde e da rede de

saneamento básico, além do surgimento de novos medicamentos e da difusão dos

programas de vacinação. Estima-se que, em 2050, a expectativa de vida do

brasileiro, ao nascer, será de 81,3 anos.

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O incremento nos anos de vida da população tende a ampliar as

possibilidades do envelhecimento acompanhado de doenças incapacitantes e da

dependência como no caso das doenças demenciais.

No âmbito da Neurociência, definida por Ivan Izquierdo (2002) como o

ramo da Biologia e da Medicina que abrange o estudo do sistema nervoso em

todos os seus aspectos, desde a anatomia aos processos psicológicos, a

demência tem sido objeto de intensa investigação. Segundo Izquierdo, “um

quadro de amnésia profunda e déficit cognitivo geral” resultante de diferentes

doenças cerebrais, intoxicações ou lesões de áreas cerebrais que evocam

memórias, caracteriza a demência. (2002,p.35)

Cataldo, Sabbi e Coutinho (2003) afirmam que elevada incidência de

estados demenciais no Brasil ocorre a partir dos sessenta e cinco anos. A causa

mais comum de demência é a Doença de Alzheimer(D.A.), correspondendo entre

50 à 60% dos casos na população brasileira .(2003,p.23)

Segundo a Associação Brasileira de Alzheimer,ABRAZ, atualmente, existe

no mundo, 18 milhões de idosos com demência, sendo 61% deles em países do

terceiro mundo. Daqui a 25 anos haverá 34 milhões de idosos nesta situação e a

grande maioria (71%), nos países pobres. No Brasil, estimativas indicam que

atualmente são 1,2 milhões de idosos com algum grau de

demência.(www.alzheimer.med.br).

A psicanalista Delia Goldfarb (2004), em publicação sobre as demências,

alerta que o trabalho com os pacientes que apresentam um quadro demencial

requer uma equipe interdisciplinar. Goldfarb afirma que a família ”não terá mais

condições de abrigar e cuidar de seus idosos dependentes, constituindo este fato

um problema de difícil solução para a Saúde Pública e a Previdência Social uma

vez que as doenças demenciais são as mais difíceis de lidar de que se tem

conhecimento, exigindo freqüentemente, longos anos de institucionalização”.

Dessa forma, afirma ser necessário “articular pesquisas e ações que visem a

uma compreensão teórica e técnica de suas vicissitudes, com o objetivo de

divulgação, prevenção, cura e assistência.”.( idem, pgs.18-19).

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Publicações no campo da Gerontologia têm apontado a necessidade de

estudos específicos sobre a dinâmica concreta do cuidar do idoso demenciado,

apontando como fundamental o suporte e acompanhamento profissional do

cuidador.

Karsch (2004) em publicação organizada sobre o envelhecimento

acompanhado de dependência refere à escassez de estudos e publicações no

Brasil sobre o cuidado de idosos dependentes.A autora afirma que “as recentes

tentativas brasileiras, oriundas de autoridades de saúde ou de organizações não

governamentais, em implantar programas de assistência domiciliar, mostram que

os estudos sobre cuidados e sobre cuidadores tornam-se cada vez mais

importantes e absolutamente necessários para subsidiar essas iniciativas”. (2004,

p.13).

A autora aponta para a necessidade de estudos que permitam “conhecer o

mais importante parceiro dessas iniciativas: o cuidador que, em casa, sem quase

nenhuma orientação, vem prestando os cuidados que a situação de dependência

exige”. Afirma que “conhecer essa figura oculta aos olhos da sociedade e com ela

estabelecer uma parceria deveria ser o passo mais seguro para prestar

assistência à saúde nos domicílios”. (Idem, p.14).

No campo fonoaudiológico a publicação de estudos sobre o atendimento

clínico de idosos portadores de quadros demenciais tem início na atual década.

Recentes publicações indicam a importância do atendimento fonoaudiológico do

idoso portador de demência, destacando o trabalho com a linguagem como forma

de fomentar a manutenção da independência e da interação social do idoso

demenciado.

Segundo a fonoaudióloga Karin Ortiz (2005), a demência pode ser definida

como uma progressiva alteração de pelo menos duas áreas da cognição, sendo

uma delas a memória, fazendo com que interfira no funcionamento pessoal, social

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e profissional. (2005,p.301) A autora refere que dentre as doenças crônicas e

degenerativas a demência “é a principal causa de morte na população idosa”, e

defende a importância do trabalho fonoaudiológico, especificamente com a

linguagem, nos estágios iniciais desta doença. Afirma que “a linguagem não é

apenas um instrumento de comunicação, mas uma forma de interação social e

que uma comunicação efetiva é importante para manter a independência e evitar o

isolamento, já que, muitas vezes, a perda ou a interrupção das habilidades de

comunicação leva freqüentemente à institucionalização”( idem, p. 308).

Consoantes com a posição de Ortiz, as fonoaudiólogas Bilton, Sanches e

Viúde (2001) afirmam que o trabalho com a linguagem “auxilia na adaptação

gradativa ao processo de interação, que se vai modificando e reorganizando,

adequando-se à progressão da doença, trabalhando isso com o próprio idoso e

seus familiares ” ( 2001,p. 821).

O objetivo deste trabalho de conclusão de curso tem origem no interesse de

investigar as representações e demandas do cuidador de idoso demenciado,

especialmente em relação à linguagem no ato de cuidar. Para tal, foram

entrevistados quatro cuidadores de idosos demenciados, dois familiares e dois

profissionais, no intuito que o cotejamento entre o relato do cuidador e a literatura

estudada pudesse indicar as necessidades deles, no que se refere ao

conhecimento acerca da demência, especificamente em relação à linguagem, bem

como a necessidade de participação do fonoaudiólogo em equipes e serviços de

formação e apoio ao cuidador do idoso demenciado.

Este trabalho está dividido em cinco capítulos, sendo que no primeiro

apresentamos trabalhos que tratam do envelhecimento e da demência, no âmbito

da antropologia, da psicanálise e das neurociências.

No segundo, apresentamos trabalhos fonoaudiológicos sobre a atuação

com idosos demenciados, destacando as intervenções dirigidas aos problemas de

linguagem.

No terceiro capítulo, apresentamos trabalhos sobre o cuidado e o cuidador

de idosos dependentes, especialmente os relativos ao idoso demenciado. A

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seguir, no quarto capítulo, apresentamos o material e o método utilizados para a

realização deste trabalho. E por último, no quinto capítulo, apresentamos a análise

dos depoimentos colhidos, finalizando com as considerações finais.

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CAPÍTULO 1: Envelhecimento e Demência

Diferentes campos do conhecimento concordam que o processo de

envelhecimento não se restringe às transformações biológicas inerentes ao

envelhecer, apontando que as representações sociais presentes nas diferentes

culturas são determinantes nas distintas maneiras de conceber e viver a velhice.

Neste sentido, a antropóloga Guita Debert (2005) afirma que a velhice “é

um fato universal e natural – o ciclo biológico do ser humano e de boa parte das

espécies naturais, que envolve o nascimento, o crescimento e a morte – e um fato

social e histórico – a variabilidade das formas de conceber e viver

envelhecimento.’’ ( 2005,p.50)

Consoante com a posição de Debert, Pacheco(2002) afirma que ‘’a velhice

não é um estado biológico: é uma palavra ou significante e,como tal, não constitui

uma condição de gêneros. Ela define o lugar do sujeito na cultura e sua posição

nas relações de dominação. E também nas demais relações sociais.’’ ( 2002,p. 18)

Segundo Mascaro (1997) ‘’ a sociedade vai determinar o lugar e o papel

que os idosos vão representar (viver) na própria sociedade, e por outro lado, os

idosos irão absorver (ou rejeitar), elaborar e recriar os traços culturais e

ideológicos do espaço social em que vivem.’’ (1997, p.18)

Renato Veras (2000) aponta que a diminuição do status social do velho

também está relacionada ao rápido desenvolvimento tecnológico dos anos

recentes. Afirma que uma das conseqüências dos avanços tecnológicos é a

desvalorização das habilidades dos mais idosos, tornando suas contribuições

imediatas para a sociedade menos relevantes.

Afirma que “o que antigamente era tido como sua maior riqueza, conferindo-

lhe uma posição de destaque na sociedade – seu saber e conhecimento

acumulado, frutos da longa experiência de vida – não é mais valorizado nos dias

de hoje. A ideologia do saber atual é gerada pelo conhecimento técnico –

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científico, dominado pelos jovens e exclui, quase que por completo, o idoso.’’

(2000,p. 20)

Em publicação sobre as demências Delia Goldfarb (2004) afirma que a

condição do idoso na contemporaneidade é marcada pela falta de estímulo no

presente, o encurtamento do horizonte da vida e o aumento das dificuldades do

cotidiano, especialmente quando existem problemas de saúde e/ou financeiros,

“são um sofrimento excessivo que produz um aumento da necessidade de bem –

estar. Quando esse bem – estar não pode ser construído, quando as

identificações caem, a reminiscência segura a identidade. No momento da vida em

que se está passando ao ‘não mais ser’, as recordações do ‘já fui’ garantem a

preservação da memória”. ( 2004, p. 234).

Goldfarb discute as conseqüências de visões estigmatizadas sobre a

velhice e alerta que ”a falência do reconhecimento social, a automização da

família provocam um sofrimento excessivo(...) o velho se sente desamparado,

vivenciando situações infantis e ficando preso numa situação que, para ele não

tem saída, situação essa de abandono e dependência.” (idem, pgs. 21-22 ).

A autora afirma que a subjetividade “não é da ordem do originário -

biológico, psíquico ou social - e sim da ordem da produção, sendo que cada

cultura e cada época histórica oferece diferentes condições e padrões de

produtividade subjetiva. E para que exista produtividade, investimentos são

fundamentais” ( Idem,ibidem).

A autora formula uma hipótese psicogênica para a demência, a partir de um

minucioso percurso pela obra freudiana por meio da articulação dos conceitos de

tempo, temporalidade, finitude e memória para, posteriormente, analisar o

conceito de sujeito e subjetivação. Segundo a psicanalista, a demência pode ser

entendida como uma espécie de defesa contra os estados depressivos que muitas

vezes acompanham o processo de envelhecimento. Refere que a psicanálise

pode contribui para uma “compreensão mais ampla do processo demencial,

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baseada na possibilidade de se pensar as demências como fenômenos causados

por múltiplos fatores”( idem: 35).

Refere que em pesquisa realizada em seu doutorado verificou “que em

cerca de 50% dos casos o processo demencial se inicia após um fato

extremamente doloroso, como mortes ou perdas financeiras”.(Idem: 21)

No que diz respeito ao sujeito em processo demencial, Goldfarb afirma

que:

O demenciado volta ao padrão simbólico da infância e

continua regredindo até não ser mais, até o real se

desamarrar do tecido simbólico, até perder tudo aquilo

que a intervenção do simbólico fez construir. O

demenciado esquece a realidade, os vínculos, a

historia, a lei. É em gestos mínimos e repetidos até o

cansaço (dos cuidadores) que percebemos um fio de

união com a história do sujeito: a costureira que agora

se dedica a descosturar tudo o que encontra em sua

frente ou o pintor que descasca incansavelmente a

tinta de portas e paredes. E mais: estudando os temas

predominantes nos estados confusionais e o conteúdo

delirante, podemos observar que dependem de uma

ordem simbólica, de uma experiência, de uma história

do sujeito. Uma história que parece se repetir em

gestos dos quais os sujeitos que alguma vez os

protagonizou agora está ausente(Idem: 221).

Em relação ao diagnóstico das demências a autora tece considerações

fundamentais para a reflexão sobre a complexidade de questões implicadas.

Alerta que apesar das inúmeras pesquisas realizadas nessa área, ainda

existem muitas controvérsias sobre a relação de causalidade alteração da

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memória e demência, já que “nem sempre um cérebro lesionado significa uma

memória deficitária, assim como há casos em que o cérebro não se encontra

debilitado a tal ponto de ser diagnosticada uma demência, não sendo

considerados outros aspectos além do neurológico. (Idem: 60)”.

Afirma que quando familiares recebem a notícia de que seu parente

apresenta um quadro demencial :

se sentem enganados devido ao médico lhes responder

que este parente ‘não tem nada’, o que se refere à não

ter nada no âmbito orgânico, nada que pode ser

mostrado através de exames físicos. O que quer dizer é

que os diagnósticos que são feitos focam-se apenas em

perturbações morfológicas e funcionais, não levando em

conta outros aspectos como os pensamentos, os afetos,

as emoções os conteúdos das lembranças e o luto

(Idem:59).

Goldfarb alerta que o desconhecimento sobre as demências :

colabora para a construção dos mais terríveis

preconceitos, e a demência, como as doenças mentais,

carrega o mesmo destino de doença marginalizada,

vergonhosa, destinada a ser ocultada como verdadeiro

estigma familiar, quando não, tratada com a indiferença

ou resignação com que se trata o inevitável. Pior ainda

quando se atribui ao doente a designação de ‘velho

esclerosado’, como se a perda de memória fosse uma

questão inerente à idade avançada. Esta atitude provoca

uma paralisia perigosa tanto nos meio científicos mal

informados, quanto nas famílias e nos próprios pacientes

que acham uma certa ‘normalidade’ nas primeiras

perdas das funções cognitiva(Idem.p.630).

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Com relação à família e os cuidadores de idosos em processo demencial

Goldfarb aponta que:

a família e os cuidadores mostram-se interessados e

ávidos de conhecimentos e informação, não querem

ter dúvidas, o diagnóstico, embora trágico, acalma”,

mas alerta que o diagnóstico “não deve ser dirigido ao

convencimento em relação ao prognóstico

condenatório, e sim ao entendimento da

individualidade do paciente que permita tirá-lo de uma

categoria excludente; à salvaguarda das capacidades

que ainda restam intactas à restauração das perdidas”

(Idem,p. 239).

Com relação à linguagem, a autora refere que a característica mais

evidente nos quadros demenciais “é a pobreza do discurso, seguido da

incoerência dos enunciados e do estereótipo do discurso falado e escrito”.

(Idem,p.65).

No âmbito da Neurociência, definida por Ivan Izquierdo (2002) como o ramo

da Biologia e da Medicina que abrange o estudo do sistema nervoso em todos

os seus aspectos, desde a anatomia aos processos psicológicos, a demência

tem sido objeto de intensa investigação. Segundo Izquierdo, “um quadro de

amnésia profunda e déficit cognitivo geral” resultante de diferentes doenças

cerebrais, intoxicações ou lesões de áreas cerebrais que evocam memórias,

caracteriza a demência. Alerta que “a palavra demência não é sinônimo de

loucura, como antigamente se pensava. Demência é uma palavra de origem

grega composta da partícula privativa ‘de’(falta de, ausência, perda) e ‘mencia’,

que deriva de mens (mente). Nas demências perde-se basicamente a função

cognitiva das pessoas, a essência de sua mente, fundamentada na capacidade

de formar e evocar memórias” (Idem, p.71). Afirma que atualmente se sabe

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que a maioria das demências é devida às doenças degenerativas,

primordialmente a de Alzheimer.

O autor afirma que há muitos tipos de demências, sendo a mais importante

a que acompanha a doença de Alzheimer, um quadro de origem metabólica,

cuja prevalência aumenta com a idade. Afirma que “há, na verdade, dois tipos

de doença de Alzheimer: uma que se inicia entre os 45 e os 55 anos, que é

mais rápida, mais grave, e que tem um forte componente hereditário. O outro

tipo, o mais freqüente e mais insidioso, incide a partir dos 60 anos e atinge dois

ou três por cento da população de 70 e 25-50% da população acima dos 85

anos de idade”. ( Idem,p.81)

Izquierdo refere que na doença de Alzheimer ocorre primeiramente

degeneração e morte celular no hipocampo e regiões vizinhas do córtex, como

conseqüências de processos metabólicos perturbados nos neurônios dessa

região, que levam à formação de emaranhados de fibras nervosas e placas

formadas pelas células nervosas. Os primeiros sintomas consistem num

esquecimento maior do que o habitual e que costuma passar desapercebido.

Destaca que no estágio inicial da Demência de Alzheimer, a maioria dos pacientes

apresenta além da perda de memória um quadro depressivo forte que merece

tratamento medicamentoso e psicoterapia.

Outro sintoma comum no inicio da doença é uma irritabilidade excessiva, talvez

resultante em parte da percepção pelo paciente de que sua cabeça já não é a

mesma e de que nada pode fazer para impedi-lo. Izquierdo afirma que com o

tempo, “a perda da memória lhe impede de uma vida normal, não consegue

mais lembrar das coisas mais triviais, não consegue trabalhar ou desempenhar

funções por conta própria, precisa ser auxiliado em todas suas atividades, e

acaba por não reconhecer seus familiares e amigos mais próximos. As lesões se

propagam pelo resto do córtex, abrangendo até as regiões da linguagem. No

final, já nem consegue falar direito sua própria língua”. (p. 73). Aponta que

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“sempre, ou quase sempre, o portador da doença de Alzheimer conserva, até

num estágio avançado da doença ‘ilhas’ intactas de boa memória” (Idem,p.35)

Izquierdo refere que atualmente há um número significativo de estudos

“demonstrando claramente uma menor incidência e menor gravidade da doença

de Alzheimer entre pessoas com nível universitário ou superior do que entre

pessoas com pouca ou nenhuma escolaridade, havendo pouca ou nenhuma

influência do estresse, da qualidade ou da quantidade da alimentação”(Idem,

p.73) Afirma que “a explicação disso é muito simples. A doença de Alzheimer é

causada por lesões cerebrais especificas que vão matando um certo número de

neurônios e sinapses por dia. Quem mais estudou, quem mais memórias

complexas formou, menos sofre com essa doença que ataca a partir dos 50

anos de idade uma porcentagem elevada da população. ( Idem,p. 55).

O neurologista Paulo Bertolucci (2005), em artigo sobre a definição e

etiologia das demências refere que a palavra demência é de origem latina que

deriva da palavra dementia, perda da mente ou estar sem mente. Afirma que

atualmente a demência é definida como uma síndrome, um conjunto de sinais e

sintomas de diferentes etiologias.

O autor refere que as causas mais freqüentes da demência são: a Doença

e Alzheimer (D.A), a Demência Vascular (D.V), a Demência com Corpo de Lewy

(DCL) e a Demência Frontotemporal (DFT).

Segundo Bertolucci, a demência pode ser definida como ‘’uma progressiva

alteração de pelo menos duas áreas da cognição (uma delas sendo, tipicamente a

memória) e do comportamento, com intensidade suficiente para interferir no

funcionamento pessoal, social e profissional’’ ( Idem,p. 301).

O autor refere que a queixa mais comum dos idosos é a dificuldade de

memória. Alerta que na fase inicial da demência, o sujeito pode apresentar uma

dificuldade de memória, mas o médico não pode levar só em conta este sintoma.

Afirma que alguns fatores etiológicos podem fazer o idoso apresentar um declínio

cognitivo da memória: depressão, efeito colateral de medicação e alcoolismo.

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O autor chama atenção para a necessidade de estabelecer um diagnóstico

preciso quanto aos fatores etiológicos da alteração de memória que permitam

diferenciar um comprometimento cognitivo leve de uma síndrome demencial.

Alerta que o Comprometimento Cognitivo Leve (CCL) é um estágio intermediário

entre o envelhecimento normal e a demência. A CCL “pode estar definida como

uma queixa de memória pelo sujeito, mas estão preservados os aspectos gerais

da cognição afastando a possibilidade de um diagnóstico demencial. ( Idem,

pg.305)

O neurologista Ricardo Nitrini (2000), aponta para a importância de estudos

epidemiológicos sobre doenças que exercem uma grande influência na Política de

Saúde Pública, defendendo a necessidade de estudos epidemiológicos sobre a

demência em nosso país. Refere dois tipos de estudos que podem balizar as

ações de saúde pública: os estudos de prevalência e os estudos de incidência.

Com relação aos estudos de prevalência de demência, cita estudo de Jorn

e Col (1997) que identifica uma prevalência de quadros demenciais a partir dos 65

anos de idade, constatando que a prevalência passa de 0,7% no grupo de 60 a 64

anos para 38,6% , no de 90 a 95 anos.

Segundo o autor, os estudos de incidência de demência fornecem

informações precisas, mas são de difícil realização em função da necessidade de

uma avaliação na fase inicial da doença e de pelo menos uma reavaliação.

Defende que estudos neste sentido sejam realizados, sobretudo em relação à

doença de Alzheimer, considerando não só a idade como o maior fator de risco

para a demência, como também a história familiar.

O autor refere alguns fatores de risco para o desenvolvimento de síndromes

demenciais, bem como alguns fatores protetores da memória. Com relação aos

fatores de risco, Nitrini refere os fatores bem definidos (idade, história familiar e

síndrome de Down) e os fatores de risco possíveis (trauma craniano, grupo étnico,

sexo feminino e a intoxicação por alumínio). Os fatores protetores citados pelo

autor são: a escolaridade alta, o consumo de antiinflamatórios e a reposição de

estrógenos.

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Afirma que alguns estudos têm mostrado que a escolaridade alta provoca

um efeito protetor para a memória na medida em que a aprendizagem está

associada ao aumento da densidade sináptica no neocórtex de associação,

conferindo maior reserva cognitiva e retardando o aparecimento da evolução

clínica da D.A ( apud Katzmam, 1993; Stern e Col.; Cumming e Col., 1998). Refere

que estudos demonstram que alta escolaridade nos sujeitos acarreta em

diferenças no padrão neuropsicológico de comportamento cognitivo, mantendo

algumas áreas cognitivas mais preservadas do que outras. Isto pode refletir numa

maior capacidade de compreensão ( apud Caramelli e Col, 1997). Afirma que

estudos indicam que a baixa escolaridade, principalmente, o analfabetismo é

característica de grupos onde há uma maior prevalência de demência (De Ronchie

e Col., 1998; Herrera e Col.,1998).

Segundo o autor alguns estudos epidemiológicos observaram que o sujeito

que faz uso crônico de antiinflamatório, como o portadores de reumatismo, tem

menor chance de desenvolver a doença de Alzheimer e que as mulheres que

fazem a reposição hormonal com estrógenos têm apresentado um efeito protetor

quanto ao desenvolver a doença de Alzheimer (Herderson e Col, 1984., Tang e

Col, 1996; Paganini- Hill, 1996).

Paulo Canineu (2002), médico geriatra e gerontólogo, refere que a doença

de Alzheimer (D.A) é considera uma doença do envelhecimento na medida em

que ela atinge indivíduos com idade igual ou a superior a 60 anos, uma doença

crônica, progressiva e de evolução lenta podendo durar até 15 anos ou mais após

o seu diagnóstico inicial culminando na morte do sujeito.

Segundo o autor, esta doença pode provocar alterações progressiva de

memória, julgamento e do raciocínio intelectual, levando o sujeito à dependência

do cuidado e da ajuda do outro para a sobrevivência.

Refere que os sintomas e sinais que caracterizam a D.A. são variáveis nos

diferentes estágios de progressão da demência.

Afirma que no grau leve, o sujeito apresenta perda de memória, confusões,

desorientação espacial, mudança de personalidade e capacidade de julgamento.

No moderado, o sujeito apresenta ansiedade, delírios, alucinações, agitação

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noturna, alterações de sono, dificuldade de reconhecer amigos e parentes e

dificuldade de realizar atividades de vida diária. No estágio grave o sujeito

apresenta diminuição do apetite e do peso, descontrole urinário e fecal, diminuição

acentuada do vocabulário e dependência constante do cuidador.

Os autores e trabalhos revisados neste capítulo oferecem a possibilidade de

compreender que a Demência é um problema de saúde pública de grandes

proporções frente o envelhecimento populacional, sobretudo, em países de

terceiro mundo. Os autores apresentados destacam a importância do diagnóstico

precoce, salientando a importância do diagnóstico diferencial na mediada em que

existem diferentes etiologias e quadros demenciais de evolução e prognósticos

distintos. Da mesma forma, indicam a necessidade de estudos que busquem

atender a complexidade de demandas que decorrentes da demência.

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CAPÍTULO 2 – Fonoaudiologia, Demência e Linguagem

Em trabalho de conclusão de curso sobre a atuação de fonoaudiólogos com

a linguagem no envelhecimento, MARTINS (2003) indica a existência da

prevalência de estudos e ações fonoaudiológicas voltadas à audição e à voz do

idoso, focalizando, fundamentalmente, a presbiacusia e a presbifonia –

respectivamente perda da audição e transformação da qualidade vocal

decorrentes do processo biológico de envelhecimento. As ações mais citadas nas

publicações fonoaudiológicas estudadas pela autora são: a chamada prevenção,

detecção, minimização e reabilitação das perdas auditivas e das transformações

vocais inerentes ao processo de envelhecimento biológico, ocorrendo por meio de

triagens e avaliações realizadas em diferentes instituições que congregam idosos,

particularmente asilos. A escassez de trabalhos sobre a linguagem no

envelhecimento na bibliografia fonoaudiológica revisada pela autora, é apontada

como motivação para a realização de seu trabalho.

Conforme já dito na introdução deste trabalho, publicações

fonoaudiológicas sobre o idoso demenciado são recentes, tendo início na atual

década.Neste capítulo apresentamos publicações de fonoaudiólogos voltadas aos

problemas de linguagem presentes nos quadros demenciais.

Segundo a fonoaudióloga Ortiz (2005) a demência pode ser definida como

uma progressiva alteração de pelo menos duas áreas da cognição, sendo uma

delas a memória, fazendo com que interfira no funcionamento pessoal, social e

profissional. (ORTIZ, 2005, p. 301)

A autora alerta que os fonoaudiólogos devem considerar no trabalho com a

linguagem de pacientes demenciados que “ o comprometimento da memória á a

alteração cognitiva mais evidente, porém, na maioria das vezes, os distúrbios de

linguagem podem aparecer precocemente, tornando-se mais comuns a medida

que a doença evolui” . (2005, p. 313).

Ortiz discute e apresenta as alterações de linguagem características de cada

uma das fase de evolução da D.A:

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Fase Inicial

- A produção de linguagem oral se encontra relativamente preservada;

- Consegue ter uma comunicação efetiva;

- A leitura está preservada;

- A compreensão escrita está mais comprometida que a compreensão oral;

- Presença de anomia (através de comportamentos compensatórios, como o

uso de circunlocuções e de termos vagos).

Fase Intermediária:

- Freqüentes anomias;

- Termos vagos;

- Parafrasias verbais;

- Neologismos;

- Dificuldade de acompanhar discursos;

- Diminuição do interesse pela leitura;

- Ruptura do discurso;

- A compreensão está comprometida.

Fase Final:

- Comprometimento de todas as funções cognitivas;

- Intensa redução de produção oral;

- Dificuldade de compreensão;

- Ecolalias;

- Mutismo.

Afirma que as alterações de linguagem podem ocorrer em qualquer um dos

níveis descritos, e podem comprometer tanto a comunicação oral quanto a

comunicação gráfica.

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Bilton, Viúde e Sanches(2001) referem que o trabalho com a linguagem

“auxilia na adaptação gradativa ao processo de interação, que se vai modificando

e reorganizando, adequando-se à progressão da doença, trabalhando isso com o

próprio idoso e seus familiares ”. Referem ainda que “os pacientes com doença de

Alzheimer demonstram um declínio progressivo na comunicação em diferentes

habilidades da área da linguagem, nos estágios leve, moderado e severo da

doença”.(2001, p.821).

As autoras referem que “os pacientes com Alzheimer são capazes de

identificar a classe semântica a que o discurso pertence, mas não conseguem

selecionar o lexema adequado para compor aquele discurso.”(p.821) Afirmam

ainda que “a mudança que ocorre na organização semântica pode afetar a

compreensão de uma nova informação e, sendo assim, é possível que a

dificuldade de nomeação apresentada nesses pacientes, possa representar

déficits semânticos que pioram as alterações na memória.” (Idem, ibidem).

Com relação à atividade discursiva as fonoaudiólogas afirmam que “em

muitos momentos a sintaxe se apresenta desorganizada, o que pode ocorrer na

construção de frases, na concordância gramatical e na presença de sentenças e

frases incompletas”.(op.cit. 821).

As autoras afirmam que a função pragmática é a área do conhecimento

lingüístico mais dependente da cognição e requerem que a “deficiência dessa

habilidade é mais aparente nos pacientes com a demência de Alzheimer, já que a

habilidade pragmática da linguagem refere-se à habilidade individual para o uso

efetivo da mesma e representa a habilidade do emissor em expressar emoções e

usar convenções de conversação”( op. cit.821).

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Para Bertolucci & Ortiz (2005) apesar de a D.A. ser uma demência

irreversível, seus sintomas podem ser trabalhados a fim de promover uma

melhor qualidade de vida para o indivíduo, familiares e cuidadores. A esse

respeito os autores afirmam que:

É possível, através da intervenção fonoaudiológica,

empregada juntamente a uma equipe multidisciplinar

capacitada, reverter os quadros demenciais que se

acreditava serem irreversíveis e auxiliar um melhor

desempenho lingüístico e fonoaudiológico para os

quadros que realmente são irreversíveis (p. 312).

Russo (1999), defende a participação do fonoaudiólogo em equipe

multiprofissionais afirmando que:

Uma vez que as desordens de linguagem e comunicação são importantes dentro das análises para o diagnóstico diferencia. A experiência fonoaudiológica em equipe multidisciplinar, no que concerne ao tratamento dos quadros demenciais, mostra que é possível obter resultados positivos quando a ação terapêutica é bem elaborada e adaptada à fase de evolução clínica do paciente (...) Para um melhor resultado na tentativa de se conseguir manutenção e/ou reabilitação adequadas nos quadros de demências, tanto as reversíveis quanto as irreversíveis, deve existir a participação diagnóstica conjunta entre profissionais das áreas de Medicina (médico clínico e/ou geriatra), Enfermagem, Nutrição, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Psicologia, bem como contar com a colaboração e os interesses da própria família do paciente a fim de garantir a manutenção da qualidade de vida e um melhor relacionamento social e familiar. (p.26)

De acordo com os trabalhos revisados neste capítulo, é possível observar

que os autores convergem que no trabalho fonoaudiológico com o idoso

demenciado o foco deve estar voltado tanto para o paciente como também para

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seus familiares. Referem que o objetivo é a melhoria da qualidade de vida desses

pacientes uma vez que o curso da demência requer que orientações sejam dadas

à família de acordo com o estágio em que o paciente se encontra uma vez que os

declínios existentes nos quadros demenciais evoluem gradativamente a partir do

estágio de progressão da demência.

Com relação à linguagem os fonoaudiólogos apontam a importância da

avaliação de linguagem precoce que visa identificar a diminuição da qualidade e

da quantidade discursiva que acompanha o curso da demência. Destacam

alterações discursivas de natureza sintática e/ou semântica e descrevem as

manifestações lingüísticas em cada estágio de progressão da doença de

Alzheimer, tanto em relação à linguagem oral, como em relação à linguagem

escrita, focando o acesso lexical e a organização dos tipos de discurso, além de

habilidades pragmáticas.

Com relação à disfagia, os estudos apontam alta prevalência das alterações

da deglutição nos pacientes demenciados, cuja progressão segue o curso da

demência, e alertam que a auto-alimentação encontra-se alterada desde o início

da doença. Neste sentido, os autores revisados indicam que é fundamental que

haja uma avaliação funcional da alimentação, observando os aspectos

preservados e os aspectos comprometidos.

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CAPÍTULO 3 – O cuidado e o cuidador

____________________________________________________________

Rifiotis & Santos( 2003 ) referem que o crescimento da população idosa é

um acontecimento marcante no século XX, acarretando diversas e complexas

implicações sociais que já se fazem presentes no âmbito cotidiano, tais como:

questões econômicas, dificuldades do Estado em prover cuidados em saúde para

população idosa e o aumento da taxas de maus tratos e abusos contra os idosos.

Afirmam que na esfera cotidiana ainda existe uma questão pouco

conhecida que merece uma atenção especial: o aumento do grau de dependência

da população idosa gerado pelas doenças crônicas degenerativas, sobretudo,

pelas demências. Referem que estimativas estatísticas indicam que 40% da

população com idade igual ou superior a 65 anos de idade irá requerer auxílio

para atividades como cuidar das finanças, fazer compras, cuidar da casa, preparar

refeições e limpar casa etc.

Os estudos epidemiológicos demonstram uma prevalência de demência

que varia de 1 a 2% entre sujeitos na faixa etária dos 60 a 65 anos, e cerca de

20% na faixa etária dos 80 aos 90 anos e 40% aos 91 anos ou mais ( apud Lurdes

e Storani, 1996; Briggs, 1996; Almeida, 2000, Savonitti, 2000 e Bolla et al., 2000).

Os autores alertam que a repercussão da demência na família é

significativa,tendo importância os cuidados instrumentais, materiais, cognitivos e

afetivos aos idosos portadores de demências. O idoso demenciado necessita de

cuidados integrais cotidianos, diferente de outros casos de dependência na

velhice. Neste sentido, a função do cuidador do idoso portador de demência não é

uma função fácil porque este cuidado não é por um curto período de tempo e na

maioria dos casos o portador irá poderá viver muitos anos em que será crescente

a dependência e a necessidade de atenção constante .

No Brasil as famílias do idoso demenciado não contam com nenhum tipo de

rede ou suporte de saúde ou social como em outros países como a Europa e

América do Norte. No ano de 1999 no Brasil foi criada a Política Nacional de

Saúde do Idoso, regulamentada pela portaria n° 1.395 que trata da importância de

estabelecer uma parceria que envolva “cuidadores profissionais” ou ‘’cuidadores

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leigos’’. A lei ressalta que a assistência domiciliar ao idoso fragilizado será

oferecida por profissionais que realizam esclarecimentos e orientações aos

cuidadores a respeito dos cuidados que devem ser prestados aos idosos de modo

a garantir a manutenção de sua própria saúde. No caso da doença de Alzheimer,

foi criada uma portaria (n° 703/Gm/2002) que tem como proposta um Programa de

assistência aos portadores de Alzheimer e um suporte a seus familiares dentro do

Sistema Único de Saúde(SUS).

No âmbito econômico esta doença gera gastos elevados para a família e

para o Estado. No Brasil ainda não existem estudos estatísticos que calculem

estes gastos como nos Estados Unidos, onde a doença de Alzheimer é

considerada um importante problema de saúde pública. Atualmente, a doença de

Alzheimer custa a cada ano à sociedade norte americana cerca de 100 bilhões de

dólares, sendo que o governo arca com pouco mais de 10 bilhões. Isto quer dizer

que mais de 90 bilhões de dólares são gastos pelos pacientes e suas famílias em

exames complementares prestados diretamente ao paciente. Outras estimativas

prevêem cifras de 720 bilhões de dólares em 2030, baseando-se em 7% de

inflação anual, com crescimento de 22% da população com mais de 60 anos

(www.alzheimer.med.br)

Já no Brasil a D.A ainda é considerada uma doença recente e nova no

campo da saúde, devido ao aumento da população idosa em nosso país. Em 1996

foram registradas no SUS somente 197 hospitalizações por Doença de Alzheimer

em todo país. O custo financeiro gerado por estas internações foi de 90.982,28

por tempo médio de Permanência de 19,4 dias. Neste mesmo ano os números de

óbitos foi de 13 pessoas (www.saúdemovimento.br). Segundo o Sistema de

Informações Hospitalares (SIH) do ministério da saúde, de janeiro a setembro de

2004, 797 pessoas foram internadas em unidades hospitalares do SUS em

decorrência da D.A ( www.portaldasaúde.gov.br).

Karsch (2004), em publicação já referida, sobre o envelhecimento com

dependência, afirma que pretende apresentar às autoridades governamentais, aos

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profissionais de saúde e de serviços sociais, informações e análises importantes

que possam oferecer apoio aos cuidadores e aos seus dependentes.

Em introdução da publicação, Karsch refere que um número significativo de

idosos está sendo cuidado por um familiar que, no cotidiano, dedica o seu tempo à

tarefa de suprir a dependência instalada após uma doença ou outra forma de

agressão à saúde. Afirma que “essa constatação tem, ultimamente, provocado

vários tipos de intervenções, profissionais e voluntárias, ainda não fundamentadas

em dados empíricos, e que não são frutos de investigações sistematizadas,

organizadas e metodologicamente apropriadas”.

Destaca a necessidade que tais intervenções considerem a importância de

“conhecer o mais importante parceiro dessas iniciativas: o cuidador que, em casa,

sem quase nenhuma orientação, vem prestando os cuidados que a situação de

dependência exige”. Diz ainda que “conhecer essa figura oculta aos olhos da

sociedade e com ela estabelecer uma parceria deveria ser o passo mais seguro

para prestar assistência à saúde nos domicílios”. (p.14).

Velasquez et al (2004) afirmam, baseadas na investigação de seis histórias

de vida de cuidadores, que o cuidar provoca reorganização na vida familiar e

adaptações de ordem físico-ambientais, financeira e comportamental. As

mudanças são “principalmente de acomodação das atividades, com reformulação

de horários, para assumir a sobrecarga do preparo de uma alimentação

diferenciada, com dietas e horários rígidos, da administração de medicamentos e

da rotina de exercícios”. (p.111). “

Apontam que o fato do paciente ser transferido para a casa do cuidador

interfere nas práticas individuais e coletivas do cotidiano familiar na medida em

que” tratando-se de um novo elemento no sistema familiar, o paciente afeta o

relacionamento interpessoal dos seus membros, alterando ou questionando seus

hábitos”. (p.112).

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Além disso, as autoras relatam que os cuidadores encontram grandes

dificuldades na experiência de cuidar, no que diz respeito aos recursos da saúde

pública, como, por exemplo, a dificuldade em se obter recursos médicos

necessários e adequados para o tratamento do paciente. Alertam que os sujeitos

de sua pesquisa relataram que raramente receberam informações claras a

respeito da doença, orientação ou apoio para os cuidados e indicação de entidade

para dar continuidade para o tratamento. Afirmam que “a maioria desses

cuidadores foi orientada, superficialmente, sobre medicação, alimentação e

retornos, por médicos e assistentes sociais. (...). O abandono, a falta de

orientação e a falta de recursos estão presentes, não só no momento da alta

hospitalar, mas também no tratamento ambulatorial”. (p.117).

Velasquez et al referem que “cuidadores potenciais são, em geral, os

parentes. Entre estes, em primeiro lugar a mulher, a quem está associada,

historicamente, a responsabilidade pelos cuidados na família. Paralelamente, o

que se pode depreender da fala dos cuidadores é que, no momento de definir

quem assumirá os cuidados, ocorrem dois movimentos concomitantes, um de

envolvimento e outro de não envolvimento com o cuidado. O engajamento de um

ou de outro lado dessa corrente vai depender da prevalência dos outros dois

fatores, proximidade física e proximidade afetiva”. (p.129).

Mendes (2004) afirma que no Brasil ainda é escassa a publicação de

estudos sobre cuidadores domiciliares, apontando que no cenário público este

personagem é um ator desconhecido. Afirma que os estudiosos brasileiros

recorrerem à literatura internacional, alertando para as diferenças cuturais e

socais que devem ser consideradas.

A autora refere que nos países desenvolvidos os cuidados domiciliares são

considerado uma necessidade social, estando inseridos na esfera pública,

contando com uma rede de serviços públicos voltados para o ‘apoio ou suporte

domiciliares, geralmente, geralmente exercido por voluntários da comunidade que

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são capacitados por instituições oficiais, normalizadas e regularizadas por políticas

públicas.

Afirma que no Brasil os cuidados domiciliares são, geralmente, prestados

por voluntários da comunidade de uma maneira espontânea, amigos, vizinhos,

familiares e empregadas vinculados à esfera privada sem nenhum treinamento por

instituições oficiais, normalizado e regularizado por políticas públicas do país.

Afirma , também, serem escassos serviços públicos voltados para o suporte ou

apoio familiar, não permitindo a criação de redes de cuidadores nas comunidades.

Refere que a família é a fonte mais comum de cuidados bem como de suporte

emocional para o idoso dependente.

Segundo Stone et al (1997) é possível distinguir dois tipos de cuidadores: o

cuidador principal, aquele que tem total ou maior responsabilidade pelos cuidados

prestados ao idoso dependente e o cuidador secundário que seriam os familiares,

voluntários e profissionais que prestam atividades complementares. Referem a

adoção dos termos cuidador formal (principal ou secundário) para o profissional

contratado como atende de enfermagem, acompanhante, empregada doméstica e

etc. O cuidador informal são os familiares, amigos e voluntários da comunidade.

Airgon e Trentini ( 2006) referem que geralmente os responsáveis pelo

idoso demenciado não compreendem as características da doença ou o princípio

para o manejo adequado do doente, limitando-se a prover cuidados básicos como:

alimentação, higiene e medicação. As autores relatam trabalho que realizam com

familiares com o intuito de informar sobre a D.A, de trocar experiências, diminuir

ansiedade e criar estratégicas de proteção frente exaustão da família. Afirmam

que o terapeuta do grupo é de uma extrema importância para família, na medida

em que discute os déficits franca e empaticamente; observa, levanta dificuldades,

compartilha com a família a experiência do fracasso de contenção dos déficits do

paciente, incluindo empatia com os sentimentos de raiva, impaciência e medo dos

membros da família e suas disputas com outros familiares.

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Teixeira (1998) defende a necessidade de diferenciação entre o cuidador

profissional do cuidador familiar. Segundo a autora o cuidador profissional é

aquele que é contratado para cuidar do idoso por um determinado período de

tempo. Ele tem que saber lidar com o quadro de adoecimento, com a dependência

gradativa do idoso, ter conhecimento de como lidar com perdas físicas, psíquicas

e sociais deste sujeito e também saber lidar com o sofrimento da família e do

doente em relação a sua doença. Já o cuidador familiar é aquela pessoa que tem

laços emocionais com o idoso, compartilhando com ele uma história de vida em

comum.

A autora efere que alguns cuidadores familiares podem apresentar uma

sobrecarga do trabalho diário, cansaço físico, incertezas, carga financeira,

responsabilidades e também podem aparecer sentimentos de angústias,

inseguranças, culpas e desânimo. Afirma ser comum o cuidador familiar relatar

que começa bem o seu dia, mas no decorrer dele apresenta cansaço, ansiedade e

desânimo. Segundo a autora, estas situações físicas e emocionais podem

interferir no cuidado do idoso e alerta que ‘’quando se sentir sobrecarregado física

e emocionalmente, deve procurar ajuda profissional ou, por exemplo, participar de

grupos de apoio para cuidadores de idosos dependentes que são oferecidos em

algumas instituições públicas (pág. 196).’’

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Material e Método

A realização deste trabalho ocorreu por meio de entrevistas semidirigidas

com 4 cuidadores de idoso demenciado, 2 formais e 2 informais, em um Centro-

Dia do Idoso localizado no município de São Paulo. As entrevistas foram gravadas

em fitas de áudio e transcritas ortograficamente para análise posterior. Os dados

colhidos nestas entrevistas foram analisados à luz da literatura sobre a demência,

o idoso demenciado e sobre o cuidador de idoso.

O critério para realização das entrevistas foi a livre adesão dos cuidadores,

para cujo esclarecimento elaborou-se termo de consentimento integrante do

projeto. Desta forma, foram assinadas e datadas duas cópias do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido para cada entrevistado; ficando uma das vias

com o depoente e a outra com a pesquisadora. (em anexo 1).

Segue abaixo roteiro das questões que serviram de base para as

entrevistas realizadas :

Nome:

Idade:

Sexo:

1) O que significa para você o ato de cuidar?

2) Como se tornou cuidador de idoso? Há quanto tempo exerce a função? Descreva sua rotina como cuidador.

3) Você conversa com o idoso? Se sim, em que situação(ões) e sobre qual(is) assunto(s) ? Se não, por quê? 4) Em sua opinião existe dificuldade em se comunicar com o idoso sob seu cuidado? Se sim, qual é a dificuldade ? Dê exemplos.Se não, por quê?

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5) Na sua opinião, seria importante receber esclarecimentos de um fonoaudiólogo

sobre a linguagem do idoso demenciado? Se sim, sobre que aspecto(s)?Se não,

por quê?

6) Você teria algo a sugerir com relação à formação do cuidador de idoso

demenciado? Se sim, o que ? Se não, por quê?

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi devidamente analisado e

aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo sob o parecer nº 238/07.

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CAPÍTULO 5 - Análise dos depoimentos

Neste capítulo apresentaremos possíveis leituras dos depoimentos colhidos. As

questões foram divididas, segundo seus conteúdos, em 3 categorias: A) O

Cuidado B) Dialogia e cuidado e C) Formação de cuidadores e Demanda por

esclarecimentos e/ou orientações fonoaudiológicas.

Conforme já dito anteriormente, foram entrevistados 4 cuidadores, 2

profissionais ou formais e 2 familiares ou informais, em um Centro-Dia do Idoso

localizado no município de São Paulo, que atende idosos semi dependentes,

dentre eles idosos com quadros demenciais.

A) O Cuidado Com relação ao ato de cuidar ,o primeiro entrevistado, um cuidador formal,

relatou que o ato de cuidar significa “Zelar pela pessoa. Manter ele sempre

satisfeito, mantendo todas as questões dele atendida: um copo de água, levar ao

banheiro, se precisar trocar uma roupa... Então, estar sempre atento à

necessidade da pessoa .”

O segundo entrevistado, também cuidador formal, disse que “o ato de

cuidar significa se doar, eu amo demais fazer isto, eu gosto de doar. Eu gosto de

cuidar deles, porque cuidando deles estou me doando e fazendo alguma coisa

para aqueles que precisam”.

O terceiro entrevistado, um cuidador informal, referiu que “é um dever

cuidar, porque estas pessoas fragilizadas, estão carentes e sofrem descuido

generalizado. Eu acho que é um dever de cada um cuidar do seu idoso ou do seu

idoso próximo, que está muito descuidado desde a própria família - que não tem

condições - assim como o poder público que não oferece condições para cuidar e

este idoso sozinho se torna uma pessoa largada, uma pessoa abandonada(...) o

mínimo que você pode ter é essa obrigação de sentir isso como um dever,

respeitar este idoso, tentar implantar isto, divulgar para que você, no futuro, tenha

uma rede de cuidados e que as pessoas entendam o que é cuidar de um idoso. É

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difícil mesmo você dizendo, falando em dever, respeito e tudo mais... é um

assunto muito novo ”.

O quarto entrevistado, também cuidador informal, refere que “cuidar vai desde

cuidados com a saúde física da pessoa, até a parte mental, isto é muito

importante”.

Com relação ao modo como se tornou cuidador, o primeiro entrevistado,

cuidador formal, refere que “por gosto, porque sempre gostei de cuidar de pessoas

de idade. Alguns anos atrás fiz um curso de técnica de enfermagem, mas depois,

por motivo de nascer filhos e estas coisas, eu não trabalhei mais nisso. Depois

cuidei da minha avó, que ficou morando comigo quando não podia mais ficar

sozinha e isto acendeu a vontade. Depois, eu parti para cuidar de pessoas em

casa, trabalhei como cuidadora domiciliar e ficava com uma pessoa. Depois,

trabalhei duas vezes como acompanhante. É uma coisa assim que acho que já

nasceu comigo, eu sempre gostei de cuidar de pessoas de idade”.

O segundo entrevistado, também cuidador formal, refere que “fazia serviços

de auxiliar e a tarde, como eles treinavam muito a gente lá, eles queriam que a

gente fizesse de tudo, então fiz um treinamento que eles davam pela U. Depois

das dez eu ia para sala para ficar com os idosos. Ali fui me identificando com os

idosos, fui pegando aquele amor, aquele carinho e trabalhando junto com a

equipe toda que tinha lá. Eu amei fazer isto e fui me identificando cada vez mais.

Eu realmente me encontrei ali e até perguntei para a gerente como que deveria

proceder para fazer o curso de cuidadora, porque eu queria ter o curso no papel.

Passaram dois anos e a casa fechou. No papel eu não estava como cuidadora,

mas eu cuidava deles também diretamente, aprendi com as outras cuidadoras e

com a equipe. Identifiquei-me muito. Com eles, eu fiquei dois anos e três meses e

aqui, já estou há mais de dois anos”

O terceiro entrevistado, cuidador informal, refere que “com o surgimento de

um Alzheimer na família, há cinco anos. A rotina mudou ano a ano. Nos primeiros

anos, a gente sabia menos e se estressava mais, então a gente passou a

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estressar menos quando procurou apoio, ajuda e procurou entender. Então este

processo de ter pessoas que ajudam você a entender o que apareceu, não só

para você como para família, é muito importante. O cuidado do idoso muda a sua

vida na verdade, porque aquela rotina que você tinha normalmente - desde o

acordar até o dormir - você passa viver, mais ou menos, em função deste idoso

com Alzheimer. Não só com Alzheimer, mas qualquer idoso com dependência,

porque você passa a perceber que eles, a todo momento, interferem na sua vida,

também porque eles estão ali do seu lado. Então, ou você cuida dele ou procura o

asilamento, mas a minha esposa e eu assumimos o papel de que existe uma

convivência com ela e uma vida pela frente”

O quarto entrevistado, cuidador informal, disse que o ato de cuidar ” vai desde

cuidados com a saúde física da pessoa, até a parte mental, isto é muito

importante(...)é uma coisa muito ampla, não só aspecto físicos, higiene e

alimentação, mas é muito mais esta parte social, também pensar neste

isolamento, tomar cuidado porque as pessoas vão ficando idosas elas vão sendo

privadas de várias coisas, os amigos vão sumindo, vão falecendo, vão morrendo”.

Com relação ao modo como se tornou cuidador referiu “porque fui o caçula da

família, eu sou temporão, tenho uma diferença razoável de idade com meus dois

irmãos mais velhos. Os dois irmãos mais velhos se formaram, casaram,

constituíram família e foram saindo e eu fiquei, eu fiquei com a mãe da minha

mãe, com minha mãe e o meu pai e na verdade, acabei cuidando no finalzinho da

mãe da minha mãe. Depois foi meu pai e agora minha mãe”.

Entre os quatro entrevistados é possível identificar que o ato de cuidar

assume diferentes dimensões que podem estar relacionadas à natureza do

cuidado, ou seja, ser cuidador profissional e ser cuidador familiar. O primeiro

entrevistado, cuidador formal, refere que cuidar é zelar e atender ás necessidades

do idoso.Já o segundo, refere que cuidar é doar, afirmando que gosta de ser

cuidador.

Os depoimentos dos cuidadores informais, familiares, apontam para entendimento

do cuidado como um dever para com seus familiares e para a falta de apoio do

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poder público às famílias de idosos dependentes, indicando a necessidade de

criação de redes de cuidadores.

Com relação ao modo como se tornaram cuidador é possível identificar que tanto

os cuidadores formais quanto os informais se tornaram cuidadores por

contingências profissionais e pessoais .

B) Dialogia e cuidado

Indagado se conversa com o idoso sob seu cuidado, o primeiro

entrevistado, cuidador formal, referiu : “Converso . Em várias situações procuro

fazer com que eles falem sobre a família, relembrem um pouquinho da vida

passada, falem dos netos, da profissão deles, onde eles moraram...”

O segundo entrevistado referiu “ eu converso muito. Escuto muito eles e é

isto que eles gostam mais. Sempre na parte da manhã, até antes do lanche, a

gente conversa sobre todos os assuntos. Às vezes, eles estão tristes, então a

gente conversa, vem aqui para um cantinho mais reservado que dá para falar e a

gente os escuta. Jamais a gente pode aconselhar, mas a gente aprende mais com

eles. A gente deixa desabafar, soltar, conversar e a gente brinca muito neste

intervalo que eles estão tristes”.

O terceiro entrevistado,cuidador informal, disse ”eu tento estabelecer

algumas relações com ela perguntando e às vezes, eu me pego deprimido porque

você quer conversar, quer acreditar que ela ainda tenha alguma lembrança

recente, estabeleça algumas atitudes: ‘’Vou fazer isto?’’; ‘’Vou fazer aquilo?’’, e o

retrato é sempre o mesmo. Uma festa de aniversário, um velório ou um passeio, a

relação entre essas é a mesma. Meia hora depois, ela chega em casa e

perguntamos a ela: ‘ E aí, gostou disso?’ ‘Como foi?’ e ela responde: ‘Como?

Não fui a lugar nenhum.’ Então esta fase da conversação é muito difícil, ruim

porque eu já cheguei em uma fase de fazer estas indagações com ela, tentar

conversar, mas eu falo para mim mesmo: “não vou me estressar” e normalmente

o que vem é a negação daquele recente, mas estou sempre tentando estabelecer

uma conversa”.

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O quarto entrevistado disse “a minha mãe repete muita coisa. Já faz quatro

anos que ela está tomando medicamento e eu tenho sentido que desde que ela

começou a tomar o remédio, estabilizou um pouco o progresso do Alzheimer, mas

pouco a pouco ela está sendo mais repetitiva. Isto se torna cansativo para quem

convive com ela diariamente”

Todos os entrevistados referiram conversar com o idoso.Os cuidadores informais,

familiares, referiram dificuldades em conversar com o idoso em função da perda

da memória que acarreta na impossibilidade de narrar fatos recentemente

vividos.Destacamos que os entrevistados parecem conceber a conversa como

acolhimento ao sofrimento do idoso.

C) Demanda por esclarecimentos e/ou orientações fonoaudiológicas.

Com relação à demanda por esclarecimentos e/ou orientações

fonoaudiológicas, o primeiro entrevistado referiu acreditar que seria importante

receber esclarecimentos para “entender o que passa na mente da pessoa. Não sei

se o Alzheimer chega a ser uma demência, até hoje não consegui entender muito

bem(... )gostaria de entender melhor se pode fazer alguma coisa, dar uma ajuda

mesmo no dia a dia, porque somos nós que ficamos a maior parte do tempo com

eles, então você poderia preencher um pouco melhor a vida deles e entender um

pouco melhor esta situação”

O segundo entrevistado, também cuidador formal, disse “sim, seria bom.

Iria ajudar na pronúncia das palavras, porque nós fazemos, mas o técnico, a

pessoa especializada para isto, é diferente de nós, então seria bom. Quando a

gente trabalha com a D., conversando na frente dela, falando... ela vai pegando.

Então seria importante um técnico especializado nisso”.

O terceiro entrevistado disse ser “primordial. As prioridades são destes

técnicos, pessoas que vem com uma carga acadêmica, que vão nos ensinar

coisas que nós não sabemos, vão esclarecer a população em geral dessas coisas

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novas, porque existe o desconhecimento destes tratamentos e se existe uma

técnica é porque eles já ouviram ou estudaram”.

O quarto entrevistado não respondeu diretamente a questão, mas disse: “a

minha mãe se comunica bem, mas, por exemplo, uma vez fizeram uma atividade e

pediram que ela escrevesse. Eu fiquei assustado quando ela me disse ‘nossa

ainda sei escrever.

Três dos entrevistados referiram considerar importante receber

esclarecimentos e orientações de um fonoaudiólogo.Citaram como demanda

esclarecimentos que permitam entender a demência, melhorar a articulação de

fala e obter conhecimento de tratamentos e técnicas específicas para o cuidado do

idoso.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS ________________________________________________________

Neste trabalho, buscamos investigar as representações e demandas do

cuidador de idoso demenciados, especialmente em relação à linguagem no ato de

cuidar.

A partir deste propósito, no primeiro capítulo deste trabalho, procuramos

abordar a condição de vida do velho na sociedade contemporânea. Para isso,

primeiramente, buscamos em alguns autores definições acerca desta categoria

social. Os autores referidos ao longo deste trabalho destacam que não devemos

restringir o processo de envelhecimento à impotência, às doenças e às limitações.

No segundo capítulo, apresentamos uma revisão da bibliografia sobre a

demência. Os trabalhos revisados indicaram que a Demência é um problema de

saúde pública de grandes proporções frente o envelhecimento populacional,

sobretudo, em países de terceiro mundo. Os autores apresentados destacam a

importância do diagnóstico precoce, salientando a importância do diagnóstico

diferencial na medida em que existem diferentes etiologias e quadros demenciais

de evolução e prognósticos distintos. Da mesma forma, indicam a necessidade de

estudos que busquem atender a complexidade de demandas decorrentes da

demência.

No terceiro capítulo, apresentamos uma revisão da literatura sobre o cuidado

e o cuidador de idoso dependente. Os trabalhos revisados apontam para a

necessidade de pesquisas e iniciativas para a formação e apoio de cuidadores.

No quarto capítulo, apresentamos o material e o método utilizados neste

estudo. Realizamos entrevistas semidirigidas com cuidadores de idosos

demenciados, buscando, como já dito anteriormente, as representações deste

grupo sobre a linguagem no cuidado.

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No quinto capítulo apresentamos a análise dos depoimentos colhidos, a partir

de três categorias: o cuidado, a dialogia e o cuidado e as demandas de

esclarecimentos e/ou orientações fonoaudiológica.

Identificamos a necessidade de ações de formação do cuidador formal e de

apoio ao cuidador informal, da formação de redes de cuidadores nas comunidades

e de estudos e ações voltadas à formação e ao apoio de cuidadores de idosos

demenciados.

Esperamos que este trabalho possa fomentar estudos e ações

fonoaudiológicas voltadas à formação e ao apoio de cuidadores de idosos

demenciados, no intuito de contribuir para uma maior possibilidade de

compreender a linguagem, especialmente, a manutenção da atividade dialógica,

como parte integrante do cuidado do sujeito em processo demencial.

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ANEXO 1-Entrevistas

Entrevistado 1

Idade: 54 anos

Sexo: Feminino

Tipo de Cuidador: Formal

1) O que significa para você o ato de cuidar?

R: Zelar pela pessoa. Manter eles sempre satisfeitos, mantendo todas as

questões deles atendidas: um copo de água, levar ao banheiro, se precisar

trocar uma roupa... Então, estar sempre atento à necessidade que a pessoa

necessita.

2) Como se tornou cuidador de idoso? Há quanto tempo exerce a

função? Descreva sua rotina como cuidador.

R: Por gosto, porque sempre gostei de cuidar de pessoas de idade. Alguns

anos atrás fiz um curso de técnica de enfermagem, mas depois, por motivo

de nascer filhos e estas coisas, eu não trabalhei mais nisso. Depois cuidei

da minha avó, que ficou morando comigo quando não podia mais ficar

sozinha e isto acendeu a vontade. Depois, eu parti para cuidar de pessoas

em casa, trabalhei como cuidadora domiciliar e ficava com uma pessoa.

Depois, trabalhei duas vezes como acompanhante. É uma coisa assim que

acho que já nasceu comigo, eu sempre gostei de cuidar de pessoas de

idade. Eu gosto muito, os idosos são assim: todos eles são respeitadores,

são muito alegres, nenhum deles é agressivo, são muito bons. Eu gosto

muito. Eu tenho quase dez anos, mais ou menos, de cuidadora. Aqui na

casa, estou há três meses: eu comecei em agosto. Setembro, outubro... vão

fazer quatro meses agora no dia oito. Assim, eu chego às nove. A gente fica

ali na sala para ver a atividade que vai ter. Atendendo, assim, porque é o

horário que eles estão chegando, então você recebe o idoso, faz com que

ele se sinta bem, põe ele sentado e confortável, têm uns que precisam

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colocar o pé para cima... Aí depois vem a fruta, que é servida às nove e

meia. Depois, novamente, têm outras atividades que a gente acompanha.

Têm uns que necessitam de ajuda, dependendo da atividade que vai ter. O

almoço a gente acompanha e serve almoço para eles. O seu U. tem

problema de visão, além de pôr a comida, a gente fala para ele o que ele

está comendo, porque a pessoa que não está enxergando não pode só

colocar a comida e comer, então você explica para pessoa o que ela está

comendo, se ele quer que corte... Tem a D. que tem dificuldade de

entender, então você também põe primeiro a colher na boca dela para ela

sentir o que ela está comendo, ela come sozinha com uma pessoa

vigiando. A M. O. não tem a necessidade de estar junto com ela. O que

precisa estar atenta nela é o momento que ela levanta, porque ela levanta

muito rapidamente, então você precisa estar atenta a isso e fazer com que

ela pegue a bengala para ir e sempre dar um tempo na hora que ela

levanta, porque pode dar tontura, pois ela tem labirintite. Então, a gente a

faz ficar um pouquinho ali, parada, para depois começar a andar, porque

senão dá tontura. Agora a M. H. sempre tem que levar o andador para ela,

porque não fica junto com ela, porque se ficar junto, ela levanta a qualquer

hora. Então pedindo o andador para você, então você já está preparada

para saber que ela vai levantar e você acompanha aonde quer ir: ao

banheiro, estas coisas assim. Mas ela também é uma pessoa

compreensiva, também ela não tem muita coisa assim, é mais acompanhar,

dar o andador e tirar o andador depois que ela sentar.

3) Você conversa com o idoso? Se sim, em que situação (ões) e sobre

qual (is) assunto (s)?

R: Converso. Em várias situações procuro fazer com que eles falem sobre a

família, relembrem um pouquinho da vida passada, falem dos netos, da

profissão deles, onde eles moraram... Eles também gostam que a gente

conte da família, eles gostam de saber. E de assuntos gerais: de futebol, de

algum assunto que surgiu, eles gostam de comentar a novela. A dona H. e

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a Z. gostam de ler jornal e depois a gente fica comentando alguma coisa

que elas leram no jornal. De manhã, antes de vir para cá eu leio o jornal,

então se elas comentam alguma coisa, eu já estou sabendo da notícia e a

gente comenta. A D., você conversa com ela assim, ela sempre vai te

responder uma coisa, ela começa uma frase e esta frase nunca termina,

então você procura ver se falando alguma coisa ela continua o mesmo

raciocínio e na maioria das vezes ela não continua. Mas ela mudou

bastante, ela teve uma evolução boa. Com a D. é complicado, não tem um

assunto certo, às vezes ela conta de uma pessoa: ‘’olha o que ela está

fazendo?’’ e às vezes a pessoa não está fazendo nada, mas ela acha que a

pessoa está fazendo alguma coisa: ‘’Olha só o que está fazendo aquela

menina?’’, então você fala assim: “Está vendo que tristeza”. Precisa

conversar com ela, porque ela quer levantar e quer agradar a pessoa com

um beijo e um abraço. Não tem um assunto específico, porque se você

começa a conversar um assunto com ela, ela não vai entender, não vai te

acompanhar e se ela se aborrece, ela já quer levantar e sair andando.

Então ela não é de ter um assunto específico, só quando ela comenta uma

coisa e você responde para ver se ela dá alguma continuidade na frase. Às

vezes você comenta uma coisa assim... vamos supor: “O dia está bonito

hoje, né?’’ e têm vezes que ela fala: ‘’É mesmo, ta saindo sol”, mas não é

sempre, às vezes a gente consegue e às vezes ela fala coisas que não tem

nada a ver com o que você falou. Uma coisa que ela fala muito: ‘’Olha,

aquele moço falou tal coisa’’ ou ‘’Você precisava ter feito isto’’. Já a peguei

em frente ao espelho conversando e ela fala assim: “Mas você está vendo

aquela menina lá?”. Ela se refere a ela como uma outra pessoa e às vezes,

você a leva ao banheiro e ela fala não faz isto com ela, você vê que ela está

se referindo a ela mesma. Mas assim, coisa bem aleatória. Não tem um

caminho para conversar com ela, mas ela está sempre falando uma coisa

ou se você comenta alguma coisa, mesmo que ela não fale nada com nada,

sempre procuro estar conversando com ela para ela não ficar muito

quietinha, muito fora da conversa. Incluir ela na conversa como agora: eu

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estava na sala e eles estavam jogando, a Z. estava dormindo e ela estava

sentadinha lá, então estava conversando com ela, falando da flor lá fora e

ela falava assim: ‘’Que bonita, né?”, depois ela já muda e fala assim: ‘’Mas

eu falei para você que não era para guardar isto ai’’ e eu falei: ‘’Onde eu iria

guardar se só poderia guardar aí?”, ela já muda de assunto para outra

coisa bem fora de um contexto.

4) Em sua opinião existe dificuldade em se comunicar com o idoso sob

seu cuidado? Se sim, qual é a dificuldade? Dê exemplos. Se não, por

quê?

R: Não. O idoso gosta de comentar da família. Se você mostra interesse pra

ele do assunto que ele quer conversar, ele conversa bem. Agora se você

vai conversar com ele sobre um assunto que ele não se interessa, ele já

mostra cansaço. Então acho assim, a primeira coisa que você tem que

fazer para cuidar de idoso é: conhecer o idoso, o que ele gosta e o que ele

não gosta. Eu acho que a partir do momento que você conhece todas as

vontades e os gostos do idoso, você consegue cuidar bem dele. Às vezes,

têm coisas que ele não gosta de fazer, mas você, com jeitinho, acaba

fazendo com que ele faça. Exemplo: você propõe uma brincadeira e pede

com jeitinho, às vezes ele fala que não gosta de fazer aquilo e só faz

porque você pediu. Eles têm muito disso dependendo de como você pede

para fazer as coisas.

5) Na sua opinião, seria importante receber esclarecimentos de um

fonoaudiólogo sobre a linguagem do idoso demenciado? Se sim,

sobre que aspecto(s)?Se não, por quê?

R: Eu acho que sim. Você entender o que passa na mente da pessoa. Não

sei se o Alzheimer chega a ser uma demência, até hoje não consegui

entender muito bem. Mas assim, no caso da D., às vezes você tem vontade

de saber o que se está passando na cabeça dela, saber como você

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consegue fazer com que ela converse sobre algum assunto. Tem época

que ela tem uma lucidez, aí você chega e fala para ela: “Qual é o teu

nome?” e ela responde. Uma vez nós perguntamos o sobrenome dela e ela

falou: “Oliveira”. Coisa que é muito difícil de você conseguir fazer com que

ela fale. Assim também, uma época nós pedimos umas fotos e ela trouxe

estas fotos e ao vê-las, ela chorou. Então você vê que ela tem uma

lembrança ali no fundo da mente. Deve ser assim mesmo com a gente que

tem uma lembrança guardada e quando você vê uma foto, aquelas

lembranças afloram mais. Ela deve ter estas noções assim, então gostaria

de entender melhor se pode fazer alguma coisa, dar uma ajuda mesmo no

dia a dia, porque somos nós que ficamos a maior parte do tempo com eles,

então você poderia preencher um pouco melhor a vida deles e entender um

pouco melhor esta situação.

6) Você teria algo a sugerir com relação à formação do cuidador de idoso

demenciado? Se sim, o que? Se não, por quê?

R: Eu acho que não. Porque eu acho que o que eu aprendi até hoje e pelos

cursos que eu fiz, sempre abrangeram bem o cuidar do idoso. A única coisa

seria aprender coisas que você aprende na prática do dia a dia, vamos

supor: levantar um idoso e entender o que está se passando com ele. A

gente aqui, as vezes repara eles quietos, tristes, as vezes estão com algum

problema de saúde, algum problema emocional e eu, pelo menos, me sinto

deficiente nesta parte de ainda perceber o que está se passando. Às vezes,

você não percebe, você não consegue ajudar naquela hora. Então assim: é

mais entender certas ocorrências do corpo do idoso. A pressão que cai de

repente, às vezes o idoso não tem nada, é só excesso de calor. É preciso

um cuidado especifico do idoso. Até hoje foi falado do Alzheimer, da

Diabetes e da Hipertensão. Existe muita coisa no idoso que a gente não

consegue lembrar.

Entrevistado 2

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Idade: 52 anos

Sexo: Feminino

Tipo de Cuidador: Formal

1) O que significa para você o ato de cuidar?

R: O ato de cuidar significa se doar, eu amo demais fazer isto, eu gosto

de doar. Eu gosto de cuidar deles, porque cuidando deles estou me

doando e fazendo alguma coisa para aqueles que precisam.

2) Como se tornou cuidador de idoso? Há quanto tempo exerce a

função? Descreva sua rotina como cuidador.

R: Foi assim: eu trabalhava no hotel como auxiliar de governanta, daí como

não estava agüentando mais o trabalho que era de domingo a domingo,

mandei um currículo para o Hospital São Paulo. Este currículo ficou no

Hospital São Paulo e até pensei que não ia sair mais. Demorou quase dois

anos para sair. Daí me chamaram, só que quando me chamaram, eles

estavam precisando, de imediato, de uma pessoa para ajudar como auxiliar

de serviços gerais na casa, porque a moça que trabalhava lá estava

ganhando bebê no dia, daí eu aceitei e fiquei ali. Fazia serviços de auxiliar

e a tarde, como eles treinavam muito a gente lá, eles queriam que a gente

fizesse de tudo, então fiz um treinamento que eles davam pela Unifesp.

Depois das dez eu ia para sala para ficar com os idosos. Ali fui me

identificando com os idosos, fui pegando aquele amor, aquele carinho e

trabalhando junto com a equipe toda que tinha lá. Eu amei fazer isto e fui

me identificando cada vez mais. Eu realmente me encontrei ali e até

perguntei para a gerente como que deveria proceder para fazer o curso de

cuidadora, porque eu queria ter o curso no papel. Passaram dois anos e a

casa fechou. No papel eu não estava como cuidadora, mas eu cuidava

deles também diretamente, aprendi com as outras cuidadoras e com a

equipe. Identifiquei-me muito. Com eles, eu fiquei dois anos e três meses e

aqui, já estou há mais de dois anos.

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A rotina é assim: de manhã eles chegam, eu os recebo com abraço, beijo

e alegria, daí sento com eles e a gente vai conversando, escutando uma

musiquinha... até que os outros vão chegando também. Depois das nove

horas, já estão todos os presentes e contamos uma história, uma piada e

às nove e meia eles têm o lanche. Depois do lanche, a gente faz uma

atividade com eles, principalmente alongamento. Eles precisam,

necessitam e gostam. Quando não faz, eles já perguntam: “Como não vai

fazer? A gente faz o alongamento e depois a gente vai acompanhando

outros trabalhos das pessoas que aqui vem, que se doam um pouco

também como vocês: que são maravilhosas!”.

Então a semana inteira é esta rotina. E depois que as voluntárias vão

embora, aí continuamos com a rotina de levar para passear, jogar,

desenhar, fazer artesanato, pintar ...

Pela tarde, eles tomam o lanche e os filhos e o Atende, começam a

buscar.

3) Você conversa com o idoso? Se sim, em que situação(ões) e sobre

qual(is) assunto(s) ? Se não, por quê?

R: Sim, eu converso muito. Escuto muito eles e é isto que eles gostam

mais. Sempre na parte da manhã, até antes do lanche, a gente conversa

sobre todos os assuntos. Às vezes, eles estão tristes, então a gente

conversa, trás aqui para um cantinho mais reservado que dá para falar e

a gente os escuta. Jamais a gente pode aconselhar, mas a gente aprende

mais com eles. A gente deixa desabafar, soltar, conversar e a gente

brinca muito neste intervalo que eles estão tristes.Toda atividade entra

como uma brincadeira para eles se alegrarem. Então a gente conversa

muito e os escuta muito. Conversamos muito sobre o passado deles.

Todos os dias a gente conversa com eles na sala, todos ficam

sentadinhos no sofá e eles falam a respeito do trabalho, de quando

trabalhava, o que fazia, a saudade que eles têm, sobre as músicas... Nós

conversamos sobre todos os assuntos, principalmente do passado: o seu

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U. é viúvo e elas são viúvas, então eles contam da saudade, contam dos

bailes, do que eles aprontavam quando eram jovens também e de todas

as coisas... A M. conversa muito do passado dela, das viagens que teve

com o marido, de quando tinha as crianças pequenas, conversa sobre o

que ocorre no mundo, porque ela lê o jornal todos os dias. Se ela está

interada do assunto, ela conversa, discute na sala... Ela mesma lê o jornal

alto e depois eles mesmos começam a dialogar.

A D. tem problema de Alzheimer, ela tem conversado de uns tempos pra

cá, tem falado frases, mas assunto inteiro ela não consegue por causa do

Alzheimer. Mas ela fala frases: “mamãe, papai, bonito”. De uns dois

meses pra cá, ela está reagindo desse jeito, depois que tiraram o

medicamento dela. Então agora ela está reagindo, tem falado frases, mas

um assunto inteiro ela não consegue falar e discutir não. A M. conversa

bastante também sobre o passado, sobre o Japão, sobre os filhos

conversa também. O que eu acho muito bonito na casa dela, é a união

que eles têm. Conversa também sobre quando ela era era jovem, quando

cantava, de quando brincava, de quando casou... É muito bom esse

convívio que a gente tem.

4) Em sua opinião existe dificuldade em se comunicar com o idoso sob

seu cuidado? Se sim, qual é a dificuldade ? Dê exemplos.Se não, por

quê?

R: De jeito nenhum. Cada um tem um jeito especial e eu já consegui

pegar este jeito. Então não tenho dificuldades. Cada um deles tem um

jeito de ser, então como estamos todos os dias com eles, a gente começa

perceber quem é, o que gosta, como quer e do jeito que quer. Então

primeiramente temos que respeitar o idoso, isto é muito importante: o que

ele quer e como ele quer. Então eles falam: ‘’Ah! Você que manda?’’, E eu

respondo: “Eu não, eu não mando em vocês, eu compartilho com vocês,

eu ajudo vocês. Então o que vocês preferem fazer, o que vamos fazer?’’.É

assim. Por isto que não tenho dificuldade nenhuma com eles.

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5) Na sua opinião, seria importante receber esclarecimentos de um

fonoaudiólogo sobre a linguagem do idoso demenciado? Se sim,

sobre que aspecto(s)?Se não, por quê?

R: Sim, seria bom. Iria ajudar nas pronúncias das palavras, porque nós

fazemos, mas o técnico, a pessoa especializada para isto, é diferente de

nós, então seria bom. Quando a gente trabalha com a D., conversando

na frente dela, falando... ela vai pegando. Então seria importante um

técnico especializado nisso.

Entrevistado 3

Idade:55

Sexo: Masculino

Tipo de Cuidador: informal

1) O que significa para você o ato de cuidar?

R: É um dever cuidar, porque estas pessoas fragilizadas estão carentes e

sofrem descuido generalizado. Eu acho que é um dever de cada um

cuidar do seu idoso ou do seu idoso próximo, que está muito descuidado

desde a própria família - que não tem condições - assim como o poder

público que não oferece condições para cuidar e este idoso sozinho se

torna uma pessoa largada, uma pessoa abandonada. Então, o mínimo

que você pode ter é essa obrigação de sentir isso como um dever,

respeitar este idoso, tentar implantar isto, divulgar para que você, no

futuro, tenha uma rede de cuidados e que as pessoas entendam o que é

cuidar de um idoso. É difícil mesmo você dizendo, falando em dever,

respeito e tudo mais... é um assunto muito novo. Eu cuido da minha sogra

com Alzheimer e isto foi um processo de aprendizado, porque eu mesmo

não conhecia, não sabia o que era Alzheimer. Fui aprender com a

convivência com ela e na procura. Eu, na verdade, poderia ter deixado de

lado e pensado: “Ah, não é meu familiar direto, que minha esposa se

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vire”, mas você acaba descobrindo mesmo que os familiares - não estou

falando da minha esposa diretamente - mas a família em si e envolvida,

também não está preparada: tem despreparo, tem abandonos, tem

comodismo e eu, daí, tomei isso como um dever. Eu tenho mãe viva

ainda, mas conheci também vários outros idosos fragilizados e eu entendi

um pouco mais como é que é esse negócio de estar fragilizado para mim.

Eu coloquei, acima de tudo, como um dever. Se os outros não fazem é

problemas deles, então eu vou fazer e eu vou ajudar cuidar. A partir daí,

teve a oportunidade de pertencer a esta casa, ajudar um pouquinho mais

e assim a gente vai levando.

2) Como se tornou cuidador de idoso? Há quanto tempo exerce a

função? Descreva sua rotina como cuidador.

R: Com o surgimento de um Alzheimer na família, há cinco anos. A rotina

mudou ano a ano. Nos primeiros anos, a gente sabia menos e se

estressava mais, então a gente passou a estressar menos quando

procurou apoio, ajuda e procurou entender. Então este processo de ter

pessoas que ajudam você a entender o que apareceu, não só para você

como para família, é muito importante. O cuidado do idoso muda a sua

vida na verdade, porque aquela rotina que você tinha normalmente -

desde o acordar até o dormir - você passa viver, mais ou menos, em

função deste idoso com Alzheimer. Não só com Alzheimer, mas qualquer

idoso com dependência, porque você passa a perceber que eles, a todo

momento, interferem na sua vida, também porque eles estão ali do seu

lado. Então, ou você cuida dele ou procura o asilamento, mas a minha

esposa e eu assumimos o papel de que existe uma convivência com ela e

uma vida pela frente. Então, nós nos adaptamos aos problemas dela e

mudamos as nossas rotinas. Se antes a gente era livre para passear

todos os finais de semana, atualmente a gente não é. Temos que escolher

os lugares que nós vamos de manhã e a noite, que são os horários de

jantar, de comer. A gente passa a ter uma rotina diferenciada: você tem

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que ensinar novamente a comer, como se portar à mesa ou mesmo dizer

a ela: “Coma que é a hora de comer, olha a colher, olha o prato...”. Você

passa a exercer uma série de coisas e exercer uma coisa que é a

paciência, tolerância, porque a todo momento vem uma novidade:

esconder comida, de repente começa aparecer banana no roupeiro,

bolacha no colchão, as perguntas repetitivas que no inicio você pensa que

a pessoa está te gozando, está tirando onda da sua cara. Então você vai

aprendendo, tem que aprender a tolerar estas coisas e ouvir. Não ouvir,

porque vai falar de novo as mesmas histórias, só piora. A mesma história,

apesar de ser repetida, diminui de intensidade, aí você já fica mais alerta

para a mudança de comportamento. Só que isto interfere na tua relação

em nível de família: a família briga entre si, se destempera, uns aceitam,

outros não aceitam e quem é de fora acha engraçado - eu estou usando o

termo engraçado para não usar termos mais fortes, como tem pessoas

que usam: “Ei! Esta velha tá caduca!’’. Então não existe um

entendimento, a sociedade desconhece. Não é justo o que está

acontecendo a nível social. Não é só ela que está tendo este problema, os

deficientes, ou dementes... estão muito mal amparados no geral. O poder

público fecha os olhos e é a partir desse momento que você descobre a

dificuldade do cuidar. Você quer cobrar do Estatuto do idoso, você quer

enxergar melhorias, a gente se agarra no que tiver pra falar, para dizer: “Ó

gente, não é fácil cuidar de um idoso com demência, há um despreparo

individual, há um despreparo familiar”. Aí você descobre que há um certo

despreparo ou um inicio da própria gerontologia, do pessoal da área

médica que vem nesta coisa com Alzheimer. Tudo é muito recente

também e muitas vezes, você descobre que tem pessoas e pessoas

diagnosticando Alzheimer sem critérios e você vai descobrir que não é

Alzheimer, então você diz: “ Puxa vida, tá uma confusão!”. Conviver com

idoso com demência não é fácil. O ponto mais forte é a família que acaba

se destemperando, irmão com irmão, um não quer ficar, o outro diz que

não sabe cuidar, o outro acha que não é nada disso e que estão

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inventando. Então a família, realmente, tem que ser assistida neste ponto.

Eu acho que tem que ter um cuidador eleito na família: que vai cuidar e

vai receber este bombardeio generalizado em volta.

3) Você conversa com o idoso? Se sim, em que situação (ões) e sobre

qual (is) assunto(s)? Se não, por quê?

R: Olha tem duas etapas: uma é a com minha sogra. Eu tento estabelecer

algumas relações com ela perguntando e às vezes, eu me pego

deprimido porque você quer conversar, quer acreditar que ela ainda tenha

alguma lembrança recente, estabeleça algumas atitudes: ‘’Vou fazer

isto?’’; ‘’Vou fazer aquilo?’’, e o retrato é sempre o mesmo. Uma festa de

aniversário, um velório ou um passeio, a relação entre essas é a mesma.

Meia hora depois, ela chega em casa casa e perguntamos a ela: “ E aí,

gostou disso?”; “Como foi?’’ e ela responde: ‘’Como? Não fui a lugar

nenhum.’’ Então esta fase da conversação é muito difícil, ruim porque eu

já cheguei em uma fase de fazer estas indagações com ela, tentar

conversar, mas eu falo para mim mesmo: “não vou me estressar” e

normalmente o que vem é a negação daquele recente, mas estou

sempre tentando estabelecer uma conversa. Eu percebo a importância do

Centro Dia quando ela está em grupo e em atividade: você lê, você canta,

estabelece conversações generalizadas e ela faz um esforço para

participar. Com a família, diretamente na casa, ela não gosta muito de ser

questionada. A conversação com ela é muito difícil, porque você está

sempre cobrando, está sempre dizendo: come, bebe água, levanta um

pouco, caminha, então você está direcionando a vida desta pessoa o dia

inteiro e as conversas também, mesmo quando chega visita. A minha mãe

vai à minha casa, vem de Porto Alegre cheia de assunto, ela não tem

demência e até três anos atrás, a dona M. estabelecia uma conversa.

Atualmente não há uma conversa, não tem mais este interesse de quando

veio, para onde vai, ou quantos filhos têm, mas de vez em quando esta

coisa vem a tona, em termos de perguntar ou de dizer quantos filhos tem

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e ai você fica se perguntando como ela se lembrou e ainda diz os nomes

de todos, fala dos netos... Neste momento se cria uma falsa esperança,

mas a gente aprende a conviver com isto. Eu achava que estava tendo

melhora e na verdade, no outro dia, continuava a mesma coisa. Você tem

que aprender todos os dias, ler bastante sobre o assunto e consultar

outras pessoas, mas a coisa que mais ensinou na verdade, foi a

convivência. Esta convivência com outros idosos, com dependência,

mostrou que eles têm uma linha em comum: eles querem muita

afetividade, muito toque, acima até da conversa, ou seja, estando junto

com alguém da família ou não, eles estabelecem esta relação. Dona M.

O. pede para vir às cinco horas da manhã, ela já está vestida na cama, se

veste do jeito dela, aí a gente tem que dizer para ela: “Olha você pegou a

roupa suja, não era isso, você tem que pegar outra coisa” e essa

convivência, eu sinto que está ficando em cima de outros valores de

coisas que a gente faz mesmo: quando o pessoal da Puc vem, os

cabeleireiros... eles primeiro estabelecem uma coisa de relação pessoal .

Então, em primeiro lugar é o atendimento afetivo, é uma participação

familiar e realmente a gente tem uma folga desse idoso durante o dia,

principalmente porque não é fácil você aprender a ter esta paciência e a

tolerar.

Atualmente, os assuntos mais falados são os mais próximos dela:

perguntando sobre Japão, a origem, ela em São Paulo, como era... e com

esses assuntos há lembrança. Música é fundamental, pode ser a música

que for, pode ser axé, sertanejo... Na música estabelece uma conversa,

porque se eu colocar uma música no fundo do quintal e ela está sentada,

ela até dança acompanhando, fica uma hora com as lembranças das

músicas folclóricas do Japão. Outras músicas ela ouve, mas não tem essa

relação tão forte que é da própria raça japonesa e raça amarela. A

conversação se torna difícil porque as coisas recentes não demonstram

interesse hoje. Agora se você conversar sugerindo, ela vai comprando a

sua idéia. E se você chega e diz: ‘’Olha, hoje é o dia da arvore?’’; ‘’A

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senhora viu que árvores maravilhosas!’’ e ela responde: ‘’Ah sim, elas são

maravilhosas, que bonitas’’. Mas se você falar: ‘’A senhora viu uma árvore

hoje que bonita?’’, aí o assunto não vigora, não sei, mas tudo que você

sugerir, elas têm uma tendência de ir atrás. Então eu procuro ir para um

lado sempre da família para ver se ela lembra e mesmo para estabelecer

um grau de melhorou ou piorou, eu não escrevo isso, mas eu tenho mais

ou menos uma linha, eu lembro que ela falava há um ano atrás em termos

de família, hoje ela não fala mais algumas coisas. Você pode falar o que

quiser e ela não estabelece uma conversa, então se o cara falar um

monte de bobagem para ela, ela vai dizer “sim, não ou ok” e vai esquecer.

Aí que pessoas, muitas vezes, podem se aproveitar desses idosos. Mas

cada Alzheimer é de um jeito, mesmo com as outras demências você

consegue estabelecer algumas conversas. Cada idoso é diferente do

outro, então as individualidades devem ser respeitadas, as

particularidades, não interessa ‘’se ela está esquecendo ou não está’’,

naquele momento ela está querendo daquele jeito e daquele jeito que

você tem que fazer, é enxergá –los na sua totalidade, como frágeis, mas

eles não são diferentes dos outros, eles estão mais fragilizados, mas

idosos e devem ser entendidos como tais. Meu filho chegou a fazer um

comentário para mim: ‘’Eu não gosto de enxergar, de ver’’, ele falou:

‘’Não é preconceito’’; ‘’ É o meu convívio’’; ‘’Só ando com gente pulando,

dançando, cantando, aí de repente, estou no meio com quinze ou vinte

pessoas que mal se mexem e isto me incomoda”. Aí me peguei

pensando: “ Puxa vida, se ele tivesse que ficar um dia lá, ainda tentando

se entender, ser tolerante, ele não vai conseguir”. Então esse pessoal

mais novo tem este problema da relação novo e idoso. Eles não tem uma

formação, então deixam de lado, isto é coisa dos outros: pai, mãe, tia... A

conversa entre os novos e idosos, muitas vezes, não existe na verdade.

Isso deprime, porque você gostaria de estabelecer uma relação, mas

esta relação não existe. Você, então, tem a impressão que você só

manda, você é um sargento, você diz: faz isto, faz aquilo, e ai o idoso vai

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fazendo e muitas vezes, vai resmungando e quando você tem que ser

mais rígido, por exemplo: “pega a bengala” e o idoso diz: “que bengala?

Eu não uso bengala.”. Aí começam os palavrões, xingamentos e ai você

se sente pego de surpresa com esse poder de mandar. Minha esposa diz:

‘’nossa minha mãe nunca tinha falado um palavrão para mim’’ e de vez

em quando ela manda ver, mas é naqueles momentos que você está

praticamente obrigando.

A convivência em grupo é maravilhosa, mas a conversação é um negócio

complicado. O pessoal da fonoaudiologia que vem aqui é de uma

importância tão grande, porque os idosos valorizam pelo contato com as

pessoas mais novas e bonitas - para eles todos os jovens são lindos -,

segundo lugar, porque os idosos encaram assim: estão conversando

comigo, estão falando comigo, me tratando como gente, terceiro: quando

há explicação de que este pessoal está fazendo um trabalho para

universidade, eles se sentem úteis, se sentem mais dignos, se sentem

ajudando também, não estão sendo usados. E o pessoal de Alzheimer é

forte, muitas vezes, elas não participam, mas você se surpreende no outro

dia com a preocupação: “ontem aquela menina falou isto para mim, eu

tenho que fazer”. Isto é, se estabeleceu uma relação e vale a pena pelo

simples fato de você estar tentando conversar e elas ouvem. Para mim já

é o principio de estarmos tentando fazer uma coisa boa e elas estão

tentando entender o que você está falando, então isso eu acho digno, não

só da nossa parte com elas e elas também, respeitosamente, estão ali

ouvindo, se estão entendendo ou não, eu não sei quando a gente vai

saber.

Esse idoso de demência é o pessoal das dores: das atrites, artroses, das

solidões... eles querem suas participações, se sentem muito fragilizados

nestas dores, mas as vezes, você tem os depoimentos: “ai como é bom

lembrar isto! Ai eu queria falar aquilo! as meninas são tão atenciosas”.

Daí a importância quando marcamos: agora vem as meninas tal hora e tal

dia e eles ficam aguardando. Eu também acho muito bom por parte deles,

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eles sabem observar: “olha não veio a tal fono”. Não só as meninas, mas

outros voluntários também. Nestas relações, todos eles se julgam

gratificados por estas pessoas que ajudaram e eles gostariam de fazer

mais.

4) Em sua opinião existe dificuldade em se comunicar com o idoso sob

seu cuidado? Se sim, qual é a dificuldade? Dê exemplos. Se não, por

quê?

R: Você tem que aprender a conviver com ele um bom tempo para se

comunicar. Com alguns a comunicação se torna uma coisa repetitiva,

porque eles sempre fazem a mesma pergunta e respondem da mesma

maneira, então às vezes pode parecer que você está até brincando com

eles, não está levando a sério, mas a única relação que estabelece com

você, na verdade, é a do “bom dia” , este “bom dia” sempre vem com o

abraço, o carinho, o beijo... Estas relações são bem estabelecidas, agora

volto a dizer, respondi uma coisa sobre isto na pergunta anterior, a

relação de saber se eles estão entendendo ou não, ainda é uma

dificuldade. O pessoal das dores ou das solidões precisa de confiança.

Hoje mesmo vieram voluntários para fazer embelezamento, só que é

assim, antes de fazer o embelezamento, algumas já estão se recusando a

fazer, porque primeiro elas querem confiar nesta pessoa. Então eu

acredito que elas vêm com uma carga de desrespeitos a elas, a famílias,

da sociedade, então porque eu vou conversar com alguém que vai tirar

uma com a minha cara. Elas estabelecem uma certa relação com você,

primeiro você tem que mostrar quem é você, estabelecer uma confiança

com elas, e ai gradativamente você pode conversar com elas desde o

time de futebol. Elas tem muito esta coisa de quem é essa pessoa que

vem falar comigo. Se for a psicóloga, esta sim, é uma doutora, é formada.

Têm familiares que também faz esta cobrança: “quem é que esta aqui

querendo falar com minha mãe”. Se forem as fonos, fisioterapeutas tudo

bem. Agora se for a enfermeira que está dizendo que a idosa tem isto ou

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tem aquilo, a enfermeira é só para cuidar. Então a conversação

estabelece um peso de quem está falando o que é e como é. Elas vão se

abrindo aos poucos, a confiança que eu começo a ter naquela pessoa que

está conversando comigo. O familiar cobra: “mãe fala alguma coisa” e ai

não tem a conversação, é um negócio muito ruim. Agora se você der a

revista, ela folheia a revista uma hora ou o mesmo livro todo dia, ela

chega em casa e quer ler o mesmo livro em Japonês. Então será que ela

esqueceu de ontem ou é o fato de estar escrito em Japonês? Então é isto

que leva a gente pensar que ela está tentando não esquecer. Mas ela

esquece e a gente, como família, também não entende desta coisa. A

gente vai tentando do nosso jeito, outras pessoas vão tentando pela gente

também,então é assim.

5) Na sua opinião, seria importante receber esclarecimentos de um

fonoaudiólogo sobre a linguagem do idoso demenciado? Se sim,

sobre que aspecto(s)?Se não, por quê?

R: Primordial. As prioridades são destes técnicos, pessoas que vem com

uma carga acadêmica, que vão nos ensinar coisas que nós não sabemos,

vão esclarecer a população em geral dessas coisas novas, porque existe

o desconhecimento destes tratamentos e se existe uma técnica é porque

eles já ouviram ou estudaram. Às vezes, você poderia ter uma resposta

simples a nível de um entendimento melhor, como tirar deles algumas

coisas, ou então, só ficar com a oportunidade que temos do pessoal da

fono, fazendo um papel maravilhoso de ouvir, de conhecer, de contar e

esse contato que se torna até informal em alguns momentos, porque o

pessoal começa a tratar o pessoal da fono como amigo. É um alívio saber

que têm pessoas assim nos ajudando e nos passando informações. Eu

acredito que somente estas pessoas vão enxergar coisas que nós não

estamos enxergando.

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6) Você teria algo a sugerir com relação à formação do cuidador de

idoso demenciado? Se sim, o que? Se não, por quê?

R: Olha é uma coisa complicada este negócio do cuidador de idoso

demenciado, porque não é só o lado acadêmico. O lado acadêmico seria

primordial, mas se este lado só for acadêmico, esse cuidador formal não

vai conseguir uma empatia com o idoso e se você não tiver esta empatia,

este toque, esse lado acadêmico só vai servir para você estudar na cama,

porque se o idoso demenciado não estabelece uma relação com você,

não adianta, ele vai te empurrar, ele fala ‘’eu não quero ver sua cara!’’, ‘’o

que esta pessoa está fazendo aqui!’’. Já aconteceu de um acadêmico

não conseguir estabelecer uma empatia com o idoso. Geralmente é uma

pessoa jovem que estudou, mas no momento que tocou no idoso

babando fala ‘’nossa, este idoso não está conseguindo conversar

comigo’’; ‘’sei lá tem uma afasia’’. Ele deveria entender melhor do que

ninguém que estas coisas acontecem. Então, quer dizer, se tornou um

técnico de fato, mas o cuidado com o demenciado é uma coisa de

doação, a pessoa tem que ter uma coisa bem maior do que simplesmente

o lado acadêmico, ele vai ter que gostar daquilo ali, vai ter que se doar

uma parte que eu sei que vem de longe. Vejo pessoas que não tem toda

esta coisa do lado acadêmico e eu acho que tem que haver esta

interação. Este que não tem o lado acadêmico, interagir com o acadêmico

para os dois somarem. Mas como é que ela vai numa boa com aquele

cuidador que simplesmente, um dia, bateu aqui na porta, se apresentou

na frente dos idosos e disse: “oi pessoal como é que vocês estão?” e

eles já respondem numa boa como estão. Você olha e diz: “Nossa, aqui

vai!” e assim que você, muitas vezes, estabelece, entra e nesta

apresentação a linha de corte já existe. Eu acho que surge uma névoa

que separa este idoso desta pessoa e além disso, às vezes, vem o idoso

demenciado e, as vezes, vem deste profissional que não consegue uma

empatia. Se acontecer de forçar a barra, se for um projeto meio longo, isto

transparece no acadêmico. A pessoa está tentando fazer o projeto, ela vai

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se enrolar, não vai gostar do que está fazendo, assim como para os

idosos, vai ser uma coisa forçada para eles. Então esta coisa do cuidador,

esses problemas que a gente vê da informalidade dos cuidadores que

judiam deste idoso, é complicada. Eu vou até o meu limite, eu falo aqui

na casa qual é o perfil de tirar alguém da casa, vamos até onde nós

conseguimos cuidar. Vamos até enquanto houver relação, enquanto ouvir

ouvidos, enquanto der para falar alguma coisa, enquanto comer, vamos

cuidar, vamos estabelecer esta linha de conduta, esta relação e vigiando

os cuidadores, falando para eles e preparando, principalmente, que é a

tônica atual que nós temos que prepara-los melhor. É aí que este lado

acadêmico tem que vir para estas cuidadoras que em um determinado

momento, vão ter que deixar de ser informais a nível acadêmico. Até

mesmo este pessoal vem com defeitos de fábrica, porque cada um tem

um remédio caseiro e uma situação de família. Então eles estão em um

lugar que tem regras, tem normas. Então cumprir uma disciplina de

normas de condutas é uma dificuldade. Agora a aceitação por parte dos

idosos a estes cuidadores é natural, a coisa acontece num piscar de olhos

assim como o que não serve acontece no piscar de olhos, mas esta

fragilidade toda do demenciado ou não demenciado, acaba tendo o

mesmo peso na minha opinião em termos de cuidados, porque o cuidado,

atualmente, é muito difícil. Você estabelece quem que vai por um lado,

quem vai por outro, porque tem gente que está confundindo, está dando

cursos de primeiros socorros ou o cuidador está se confundido com os

auxiliares de enfermagem, com enfermeira. Então é isto, são normas que

com o tempo vão ser estudadas, legalizadas e no fim, estas pesquisas

vem para isto.

Entrevistado 4

Idade: 47 anos

Sexo Masculino

Tipo de Cuidador: Informal

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1. O que significa para você o ato de cuidar ?

R: Cuidar vai desde cuidados com a saúde física da pessoa, até a parte

mental, isto é muito importante. Eu tive o quadro da minha mãe. Na

verdade, ela não tem problema físico, praticamente nenhum, só um

pouquinho de dificuldade para andar, dores no joelho, ela tem pressão boa,

não tem diabetes e ela tem uma saúde perfeita, mas só que eu vim a

conhecer o que é uma pessoa com depressão. Então, desde o começo,

cinco a seis anos atrás, antes de conhecer o Centro, eu vi que minha mãe

precisava participar de alguma coisa fora de casa. Então, levei-a em uma

universidade da terceira idade, mas só que lá minha mãe não se adaptou

porque tinha idosos com idade pra ser filho da minha mãe. Lá tinha muitas

danças, muitos passeios, mas não era ainda o lugar ideal para ela, daí que

eu vim a conhecer o Centro Dia do Idoso da Unifesp. Minha mãe ingressou

lá e se deu muito bem. Foi lá que foi diagnosticado mesmo, bem no

começo, quando ela acabou de entrar, que era uma depressão profunda.

Ela só ficava dormindo, falava que não queria mais viver, queria morrer,

enfim, chorava muito. Depois, com a medicação, ela começou a tomar anti -

depressivo e de lá pra cá melhorou cem por cento. O convívio com a

família é bem melhor. Então, o quadro de depressão foi diagnosticado e

também o quadro de demência. A perda da cognição é uma coisa que vai

se infiltrando devagar, as pessoas mais próximas não percebem e só

depois que a gente vê, olhando, vendo e diagnosticado o quadro, a gente

começa perceber mesmo que a vida já tinha sido mudada um pouco.O

afastamento de algumas pessoas, eu percebi. Então, são coisas que

outras pessoas devem ter ouvido da minha mãe que nunca vou ficar

sabendo o que foi, mas que provocaram o afastamento. Eu acho que cuidar

é isto, sabe, eu acho que o convívio do idoso na família as vezes não quer

dizer que é o melhor lugar, o lugar ideal. Porque no dia a dia, por vezes

entrava e saia e nem falava com minha mãe. Eu cuidava dela assim

fisicamente, a alimentação, mas tem este outro lado do convívio social. Eu

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percebi que isso é muito importante. A minha mãe veio de uma família de

onze irmãos, hoje em dia só ficaram quatro, destes quatro, só três têm o

quadro de Alzheimer. Eu percebo que os outros dois irmãos da minha mãe,

que não freqüentam centro-dia e ficam em casa, têm quadro depressivo e

então acho que a vida social é importante. A minha mãe tem Alzheimer ela

não lembra de muitos nomes de várias pessoas, mas os nomes das

primeiras amigas do Centro ela não esquece mais. São pessoas que já

fazem parte da memória dela, que fixou. Isto é muito bom, ela sente falta

desse convívio. Então, acho que cuidado é tudo isto, é uma coisa muito

ampla, não só aspecto físicos, higiene e alimentação, mas é muito mais

esta parte social, também pensar neste isolamento, tomar cuidado porque

as pessoas vão ficando idosas elas vão sendo privadas de várias coisas, os

amigos vão sumindo, vão falecendo, vão morrendo. Os próprios familiares,

cada um vai para sua família, começa ter maior dificuldade da audição, a

visão, o andar, então eu acho que o mundo deles vai ficando muito

pequeno, então acho que o cuidador tem esta função. A gente tem que pelo

menos compensar esta perda que eles têm. Fazendo estas coisas que vão

para lugares diferentes, conhecendo pessoas novas. É isso. Eu acho que

eu já passei por dificuldades, mas eu acho que uma coisa é certa: a minha

mãe não pode deixar de vir aqui. Sábado e domingo ela fica meio tristonha

porque o Centro não funciona. Por mim, acho que tinha que funcionar todos

os dias porque ela não sabe o dia da semana, então pergunta: “Hoje não

vou?” e eu falo: “Não hoje é sábado, hoje é domingo”. Eu aprendi também

uma coisa muito importante que é o toque.A pessoa pegar na mão,eu vejo

aqui no Centro o cuidado que as cuidadoras têm, que é o abraço, pegar na

mão, ela se sente amparada. É lógico que em relação a queda, eu tenho

muito preocupação. Mesmo que eu esteja em casa. Eu já vi ela cair na

minha frente. Ela se apoiou no colchão da cama, o colchão é mole, ela

deslizou e foi com a testa na beira da cama. Eu vi isto, são coisas tão

rápidas que são inevitáveis e são perigosas, na verdade. Então, quanto

mais tiver perto de uma pessoa, melhor. Eu acho que tem outro aspecto,

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se ela ficar sozinha com uma cuidadora, como eu tenho feito, agora ela tem

uma cuidadora que dorme com ela, mas o convívio dela com a cuidadora,

só ambas, acho que é pouco. Eu acho que ela tem que conversar com

outras pessoas. O idoso fica com o cuidador em casa, eu acho que não é

um ambiente muito bom porque fica uma coisa assim muito fria.Só o

cuidado físico, dar de comer... Também acho que o cuidador tem que estar

preparado para conversar, porque não é fácil. Eles têm muitas queixas. As

vezes o idoso aqui no Centro é uma coisa e em casa é outra, ele tem outro

comportamento. Então, eu acho que é uma coisa assim bem...a formação

do cuidador eu acho que ela tem que cobrir todas estas áreas porque medir

pressão, medir a glicemia isto daí é só um aparelhinho que a gente faz ou

qualquer um faz, mas este outro lado humano eu acho muito difícil. É muito

difícil. Não é qualquer um não na correria de hoje em dia. Atualmente, no

dia a dia isto vai se tornado cada vez mais difícil. É isso.

2. Como se tornou cuidador de idoso? Há quanto tempo exerce a

função? Descreva sua rotina como cuidador.

R: Porque fui o caçula da família, eu sou temporão, tenho uma diferença

razoável de idade com meus dois irmãos mais velhos. Os dois irmãos mais

velhos se formaram, casaram, constituíram família e foram saindo e eu

fiquei, eu fiquei com a mãe da minha mãe, com minha mãe e o meu pai e

na verdade, acabei cuidando no finalzinho da mãe da minha mãe. Depois

foi meu pai e agora minha mãe. A minha mãe foi cuidadora. Ela cuidou da

mãe dela, do pai que eu ajudava, mas agora ela está passando do papel de

cuidadora a cuidada. E isso para ela é difícil aceitar. É que ela sempre diz

para todo mundo que cuidou do marido e da mãe, mas eu falo para ela que

agora chegou a vez da senhora, mas ela é duro de aceitar. Então, quando

coloquei esta cuidadora para ficar com ela, ela não aceita. Às vezes é até

grosseira, então eu falo até para cuidadora, que tem dormido com minha

mãe, eu digo para ela: “olha se ela for grossa com você fala para mim”.

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Esta posição eu acho que pra ela, que sempre fez as coisas, de repente ela

passar a ser cuidada é difícil. Eu acho que ela tem até vergonha, porque às

vezes, quando ela usa fralda agora, ela tem vergonha. Então, às vezes ela

percebia que aquilo que ela não segurava, urinava na calça e antes ela

subia no carro, ela pegava o jornal e colocava no banco e sentava ai eu

comecei a perceber que ela disfarçava as coisas. Então tem este outro

lado da gente entender o lado do cuidado, o cuidador tem que entender

esse lado que a pessoa que é cuidada tem vergonha, ela tem orgulho e são

coisas humanas, eu acho que são aspectos que ninguém pode desprezar.

É isso. Cuidar mesmo não foi de um dia para outro, foi ao longo do tempo e

na hora que comecei a perceber que ela tinha dificuldade para andar e

quando ela caia, às vezes, ficava preto e tinha alguns hematomas e eu

reparei que ela escondia, ela usava uma blusa de manga comprida.

Comecei a perceber que minha mãe esquecia torneira aberta e o mais

preocupante: deixou o gás aberto. O cuidador não é só de idoso, porque

tenho cuidado da minha mãe nos últimos cinco anos, há dois anos atrás, o

meu irmão mais velho - ele esta com 54 anos agora - quando ele tinha 52

anos, ele deve dois AVC seguidos em um prazo de trinta dias e quatro

meses atrás, a mulher dele largou e agora ele teve outras complicações e

também não anda, mas agora estou cuidando de duas pessoas: a minha

mãe que tem Alzheimer e o meu irmão que está praticamente acamado.

Então nos últimos quatro meses agora, no dia quinze do mês passado eu e

meu outro irmão contratamos uma enfermeira, porque este meu irmão do

meio, na verdade, desde que comecei a cuidar da minha mãe, ele se

afastou. Então eu tive uma certa briga com ele, estas coisas de família, eu

vejo que não é só comigo, eu comecei a perceber que acontece com muitas

outras famílias e acaba tendo estes atritos familiares para ver quem que

cuida ou não. Meu irmão chegou a passar uma vez no ano para ver minha

mãe. No dia do aniversário ele deu um par de chinelos para minha mãe, foi

embora e eu nem encontrei com ele e ele passou durante o dia e quando

cheguei em casa, a minha mãe tinha jogado o chinelo no chão, no lixo e

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tava chorando, eu percebi que não é o presente que faz a diferença, é a

pessoa. Então tem pessoa que não enxerga isto. Então isto está sendo o

mais duro, mas agora que a situação piorou de vez com meu irmão, ele se

reaproximou, então ele está me ajudando e financeiramente também

porque nós temos despesas. Ele faz hemodiálise três vezes por semana, eu

tenho que levar para o hospital. Então o papel de cuidador não é fácil.

Passei a freqüentar um psiquiatra, estou tomando um anti-depressivo para

poder agüentar um pouquinho e agora eu acho que, no último mês, estou

mais aliviado por causa desta cuidadora que nós estamos pagando para

que ela fica com eles. Ela fica durante o dia e durante a noite, dorme na

casa da mamãe. Então é isto. Tem vários lados, uma coisa muito complexa.

Você cuidar de uma pessoa, manter ela viva é uma coisa, ali cuidando da

saúde física, mas o convívio com a pessoa depressiva é terrível, então acho

que tem este lado social e mental para ser cuidado também. Eu acho que

este é o papel do cuidador. Agora como já disse, no último mês mudou um

pouquinho por causa da cuidadora, mas antes eu já tinha que: de manhã

acordava cedo, trazia para o Centro, durante o dia ficava mais

despreocupado, daí só a noite eu tinha que sempre fazer uma comida a

mais acabei até aprendendo a cozinhar, deixo a janta dela pronta e dava os

remédios para ela. Quando chegava em casa no final da tarde, dava a janta

e ai ela já dormia parece que quando ela vai pro centro, ela fica mais

cansada e ela tem um sono que vai até o dia seguinte. Com a vinda do meu

irmão ficou mais difícil então eu tinha que fazer compras, tinha que fazer

almoço, então tive que pegar esta cuidadora, agora esta cuidadora cozinha.

Então, no último mês, eu passo de manhã, levo minha mãe pro Centro, a

cuidadora fica cuidando do meu irmão e no final da tarde, eu pego e levo

para casa e a cuidadora continua com ela então acho que é isto. No mínimo

vejo duas vezes por dia, mas ela gosta mais do convívio com outras

pessoas, com outros idosos porque vejo que no final de semana desde a

nossa alimentação já é completamente diferente, eu como comida que não

é adequada a ela e ai meus programas também não são os prediletos dela.

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Então tem estas coisas, eu acho que ela tem o mundo dela e ela está

cercada pelos amigos que gostam das mesmas coisas, conversam sobre as

mesmas coisas e isto que eu acho.

3. Você conversa com o idoso? Se sim, em que situação(ões) e sobre

qual(is) assunto(s) ? Se não, por quê?

R: A minha mãe repete muita coisa, então isto vem aumentando, ela está

tomando medicamento para Alzheimer há quatro anos e eu tenho sentido

que estabilizou um pouco o progresso do Alzheimer, mas pouco a pouco

ela está sendo mais repetitiva, então isso se torna cansativo para quem

convive com ela diariamente. Isto é bom porque sempre tem novidades. À

noite, quando ela está na cama, eu dou uma passada lá, eu sento na cama

para conversar com ela e então ela fala muito dos irmãos. Inclusive, no

domingo que vem o irmão mais velho dela faz aniversário e ela já sabe.

Engraçado que tem coisas que ela esquece muito mais facilmente, mas tem

coisa que quando você diz, ela não esquece, por exemplo, no dia que eu

falei que domingo que vem é o aniversário do irmão dela e ela fica ansiosa,

então ela fica repetindo o dia todo. Eu estou montando um álbum de família

com ela - em casa eu tenho três caixas de fotos, com muitas fotos - então

estou organizando com ela e ela gosta de ficar olhando estas fotos, levo

bastante ela na casa da irmã dela, mas as duas gostam de se ver por

pouco tempo.

Falo do meu irmão, porque ela ainda tem mágoas e na verdade, quando

meu irmão voltou para casa, com todas estas dificuldades dela, ela é a

cuidada mas, as vezes, ela também quer fazer o papel da cuidadora. Ela

ainda se acha mãe. Ela acha que tem que cuidar do filho dela. Então isto eu

acho bom, mas ao mesmo tempo eu sei que ela não tem condições e ela

briga comigo, ela fala que não tem que cuidar, que ela não quer mais a

cuidadora em casa, que ela vai cuidar e ela não tem condições. Então esta

passagem de cuidador para o cuidado, para a pessoa que está sendo

cuidada, é muito difícil.

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4. Em sua opinião existe dificuldade em se comunicar com o idoso sob

seu cuidado? Se sim, qual é a dificuldade ? Dê exemplos.Se não, por

quê?

R: Não. A minha mãe até brinca, porque ela toma vários medicamentos e

na hora que vai à mesa, ela fala que aquilo é a refeição dela de tantos

comprimidos que ela toma, mas eu falo este é para pressão, este daqui é

para a senhora não ficar caduca e eu brinco com ela. E ela toma, então não

tem grandes dificuldades. Eu vou notando, ao longo do tempo, que as

dificuldades vão se instalando. Ela tem incontinência urinária e ultimamente

eu vi que ela não segura e faz com facilidade. Então, na última vez, ela

arrancou todas as roupas de cama, jogou no canto do banheiro, ela quis

esconder de mim, eu digo para ela: “Mãe não precisa ter vergonha”, por

mais que eu diga, até eu teria vergonha, qualquer um teria vergonha. Então,

é isto que acho muito duro para ela, a gente fazer entender a real situação

que ele se encontra. Então eu acho que é isso, são estas coisas. Quer dizer

eu falo, mas do falar até que ela entenda, é outra coisa. Então isto, com o

tempo, ela vai aceitando.

5. Na sua opinião, seria importante receber esclarecimentos de um

fonoaudiólogo sobre a linguagem do idoso demenciado? Se sim,

sobre que aspecto(s)?Se não, por quê?

R: A minha mãe se comunica bem, mas, por exemplo, uma vez fizeram

uma atividade e pediram para que ela escrevesse e eu fiquei assustado

quando ela me disse: “Nossa ainda eu sei escrever?”. Ai eu coloquei um

papel na mão dela - foi no ano passado que eu percebi isto, no dia que

seria a entrega da tarde de autógrafos do folhetim e o lançamento do

folhetim - e uma caneta e ela escreveu. Então é outra coisa que eu não

tinha me tocado, as vezes, eles deixam de fazer coisas que a gente não

percebe que eles deixaram há muito tempo. Não sei se isto está ligado, eu

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percebi depois que ela gostava de assistir filmes, mas com o tempo,

comecei a perceber que eu trazia alguns filmes pra ela assistir e ela não

queria, depois comecei a perceber que com quadro de Alzheimer, comecei

a perceber que ela não consegue acompanhar mais um filme, porque no

começo do filme é onde surgem os personagens e no meio do filme, ela

não lembra os nomes dos personagens, então o filme de longa metragem

ela não tem capacidade de entender. Então, por exemplo, uma coisa que

ela adora é aquelas “vídeo cassetadas” que são cenas rápidas e ela ri.

Então este tipo de coisa ela ainda acompanha. Então eu acho que a gente

tem que perceber estas coisas, nem sempre é fácil de perceber estas

dificuldades que eles vão tendo. Agora quanto a comunicação, não sei e

isto que vejo nela, ela vai tendo esta dificuldade de acumular, ela não

guarda muita a memória recente, então ela não consegue lembrar de

alguma atividade com uma certa duração.

6. Você teria algo a sugerir com relação à formação do cuidador de idoso

demenciado? Se sim, o que? Se não, por quê?

R: Tenho sim. Eu acho que cuidador, as pessoas fazem idéia de quem

cuida da saúde física e eu acho que é isto que as pessoas pensam, mas eu

acho que o cuidador é muito mais do que isto, é uma pessoa que preenche

o tempo da pessoa, que é mais do que um companheiro, existe o toque. É

um companheiro mais do que propriamente um cuidador. Eu acho que isto

faz a diferença, porque se não a pessoa fica como se fosse em um hospital.

Não é bem isto que eu vejo, porque no hospital eles cuidam da pessoa e de

todos os cuidados da saúde física, mas o idoso não, o idoso já está com a

vida com tantas limitações que a gente precisa preencher com alguma

coisa, para que ele continue bem e com aquela vontade de fazer as coisas.

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ANEXO 2- Termo de Consentimento

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Acredito ter sido suficiente informado a respeito das informações que li ou que foram lidas para mim, descrevendo o estudo Fonoaudiologia e Envelhecimento :considerações iniciais sobre a linguagem no cuidado do idoso portador de demência.

Eu discuti com a pesquisadora sobre a minha decisão em participar nesse estudo. Ficaram claros para mim quais são os propósitos do estudo, os procedimentos a serem realizados,as garantias de confidencialidade e de esclarecimentos permanentes.

Ficou claro também que minha participação é isenta de despesas e que tenho garantia do acesso aos resultados e de esclarecer minhas dúvidas a qualquer tempo. Concordo voluntariamente em participar deste estudo e poderei retirar o meu consentimento a qualquer momento, antes ou durante o mesmo, sem penalidade ou prejuízo ou perda de qualquer benefício que eu possa ter adquirido. _________________________________ Data:_______/______/______ Assinatura do entrevistado Nome: Endereço: RG. Fone: ( ) __________________________________ Data:_______/______/______ Assinatura do(a) pesquisador(a)

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