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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Glícia Ribeiro de Oliveira A interação fonoaudiólogo-paciente-cão: efeitos na comunicação de pacientes idosos MESTRADO EM FONOAUDIOLOGIA SÃO PAULO 2010

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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    PUC-SP

    Glcia Ribeiro de Oliveira

    A interao fonoaudilogo-paciente-co:

    efeitos na comunicao de pacientes idosos

    MESTRADO EM FONOAUDIOLOGIA

    SO PAULO

    2010

  • Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    PUC-SP

    Glcia Ribeiro de Oliveira

    A interao fonoaudilogo-paciente-co:

    efeitos na comunicao de pacientes idosos

    Dissertao de Mestrado apresentada a Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para obteno do ttulo de MESTRE em Fonoaudiologia sob a orientao da Prof. Dr. Maria Claudia Cunha

    So Paulo

    2010

  • Oliveira, Glcia Ribeiro de

    A interao fonoaudilogo-paciente-co: efeitos na comunicao de pacientes

    idosos / Glcia Ribeiro de Oliveira So Paulo, 2010. 159fs.

    Dissertao (Mestrado) Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo.

    Programa de Estudos Ps-Graduados em Fonoaudiologia. rea de Concentrao:

    Clnica Fonoaudiolgica. Linha de Pesquisa: Linguagem, Corpo e Psiquismo.

    Orientadora: Profa. Dra. Maria Claudia Cunha.

    The interaction speech therapist-patient-dog: effects on communication of

    elderly patients

    1. Terapia Assistida por Animais 2. Comunicao 3. Envelhecimento

    4. Fonoaudiologia

  • Autorizo, exclusivamente para fins acadmicos e cientficos, a reproduo

    parcial ou total desta dissertao atravs de fotocpias ou meios eletrnicos

    _______________________________________

    Glcia Ribeiro de Oliveira So Paulo, dezembro de 2010

  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    Programa de Estudos Ps-Graduados em Fonoaudiologia

    Coordenadora do Curso de Ps-Graduao Profa. Dra. Lslie Piccolotto Ferreira

    Vice-coordenadora do Curso de Ps-Graduao Profa. Dra. Dris Ruth Lewis

  • Glcia Ribeiro de Oliveira

    A interao fonoaudilogo-paciente-co:

    efeitos na comunicao de pacientes idosos

    Banca examinadora:

    _______________________________________ Profa. Dra. Maria Claudia Cunha

    _______________________________________ Profa. Dra. Irene Queiroz Marchesan

    _______________________________________ Profa. Dra. Beatriz C. A. C. Novaes

    _______________________________________ Profa. Dra. Dbora Maria Befi-Lopes

    _______________________________________ Prof. Dr. Luiz Augusto de Paula Souza

    Aprovada em: ___/___/___

  • Aos idosos, com quem pude compartilhar

    de momentos enriquecedores para minha vida profissional e pessoal.

    A Nara, que com sua presena transforma em alegria cada canto da clnica

    e da minha vida.

  • Aos meus pais, referncia eterna de amor, educao e respeito,

    A Luiz Felipe, smbolo de companheirismo e cuidado,

    Aos animais de estimao, que ao longo de minha vida ensinaram-me o

    incrvel poder do vnculo humano-animal, em especial Nara, Nina, Rana e

    Cac,

    A Gabriele, meu maior incentivo e sentido de vida.

  • AGRADECIMENTOS Obrigada!

    Deus agradeo e celebro o momento, e a todo instante.

    CAPES, pela bolsa de estudos concedida, oportunidade de

    crescimento e conhecimento.

    Profa. Dra. Maria Claudia Cunha, minha orientadora, por firmar seu

    apoio ao tema, me incentivar e conduzir minha maneira de expressar o

    vivido no percurso desse estudo.

    Profa. Dra. Beatriz C.A.C. Novaes, a cada aula sua, uma

    descoberta. Convid-la para a banca veio confirmar minha admirao por

    sua dedicao.

    Profa. Dra. Irene Queiroz Marchesan, para muitos, referncia na

    Fonoaudiologia e para mim, vai alm. O incentivo e apoio ao Fonoco

    mostram o que vi no seu olhar: humildade e amor aos seus animais. So

    estrelas!

    minha amiga Mabile, a cincia e a Fonoaudiologia ganham uma

    excelente pesquisadora e eu ganhei e quero pra sempre sua cumplicidade e

    amizade.

    Aos parceiros do Mestrado, seja nas aulas, nos corredores da PUC,

    nos congressos. Em especial, Tati, Naty, Tiago, Cris, Nadja, vocs esto no

    meu corao.

    Aos professores do PEPG em Fonoaudiologia pelo acolhimento,

    interesse pelo tema e apoio. Estendo aos professores e alunos dos PEPGs

    em Gerontologia e Psicologia Clnica, onde cursei disciplinas e compartilhei

    de muitos conhecimentos.

    s amigas eclticas e a Babi, que a cada encontro aumenta minha

    admirao e certeza de que fui presenteada com a amizade de vocs.

    Virgnia, pelo apoio, pelos textos, reportagens, mensagens enviadas

    por e-mail e pelo olhar de quem entendia do que eu estava falando!

    Camila pelo apoio e carinho desde o projeto experimental na Derdic.

    Temos muito que percorrer com e pelos nossos amigos de quatro patas.

  • Luciana, por ser a veterinria que cuida dos animais e dos donos dos

    animais!

    Nadir e Verinha me incentivando na organizao de colquios em

    prol de compartilhamento de conhecimentos. A mesa de TAA e AAA esteve

    l!

    Cleo Toniolo, em nome da Clnica Toniolo de Geriatria, pelo apoio e

    acolhida. Da apresentao do estudo efetivao e continuidade das visitas,

    vocs demonstraram ser exemplo de cuidado e ateno aos seus

    residentes.

    Aos funcionrios, profissionais, cuidadores e todos aqueles que eu e

    Nara encontramos no caminho da e na Clnica, pelo interesse e apoio.

    Aos familiares dos idosos por consentirem a participao.

    Ao grupo de idosos da AAA, alguns deles no mais residentes da

    Clnica, outros no mais presentes nesse plano, meu respeito e admirao

    pela histria de vida comigo compartilhada. Ru, paciente da TAA, que

    em cada gesto, cada palavra era anunciada nossa parceria e com Nara. Do

    bem que a senhora nos fez e faz (falo por Nara), obrigada!

    Dida, para concluir esse estudo, voc tinha que estar por perto. Da

    Bahia para o corao da minha famlia.

    Ao Sr Gabriel e Dona Luiza e toda famlia vinda por parte de meu

    marido, Andra, Ana (mami), Lu, Pepe, Lourdes, Elvis, Ludy, Harry e muitos

    outros que fui abenoada em encontrar no meu caminhar.

    Ao meu pai, prova dos benefcios da relao homem-animal e da

    possibilidade de ser geneticamente transmissvel (ele nem vai saber o que

    isso!). minha me, que como a bravura de uma leoa sempre cuidou de

    seus filhotes.

    Aos meus irmos Gustavo, Hlvio, Francisco e as minhas irms

    Glucia e Glcia por sermos uma ninhada de amor, amizade e lealdade. Aos

    meus sobrinhos por aceitarem a tia do tipo Animal.

    Rana e Cac, a ausncia de suas presenas faz me tentar ser

    melhor a cada dia, ao passo que semeio o que em mim foi plantado por

    vocs.

  • Nina, a mais nova experincia do amor incondicional na famlia. Sua

    presena faz diferena em nossas vidas e na de Nara.

    Nara, minha parceira e a quem compartilho cada letra digitada

    desse estudo. Vivo com voc tudo o que aqui foi apresentado!

    Luiz Felipe, com quem aprendo desde o dia em que o conheci.

    Obrigada por abrir seu corao e viver a vida com mais amor e menos

    razo.

    Gabriele, pelo amor que me faz querer viver, por compreender,

    respeitar e ser comigo cmplice do amor para com nossos e demais

    animais.

    Au au auu... Eu te amo...

  • RESUMO______________________________________________ A interao fonoaudilogo-paciente-co: efeitos na comunicao de pacientes idosos INTRODUO: Percebe-se um crescente interesse cientfico pelo estudo da relao homem-animal tendo em vista o seu potencial teraputico. Entre as pesquisas realizadas (nacional e internacionalmente) destacada a efetividade da presena dos ces no tratamento de pacientes depressivos, Alzheimer, autismo, etc. A organizao Delta Society The Humam-Animal Health Connection define a Atividade Assistida por Animais (AAA) envolve visitao, recreao por meio do contato direto dos animais com as pessoas, propem oportunidade de motivao a fim de melhorar a qualidade de vida e Terapia Assistida por Animais (TAA) envolve servios profissionais da rea mdica e outras que utilizam o animal como parte do trabalho e do tratamento. Contudo, quanto s especificidades da AAA/TAA no campo fonoaudiolgico, os estudos ainda so escassos. OBJETIVO: Investigar os efeitos da presena de um co na interao fonoaudilogo-paciente idoso. MTODO: Pesquisa de natureza clnico-qualitativa, desenvolvida na modalidade de estudo de caso (AAA) e estudo de caso clnico (TAA). Casustica: Sujeitos idosos residentes em uma Clnica Geritrica da cidade de So Paulo, divididos em dois grupos: (G1): 09 participantes na modalidade AAA; (G2): 01 paciente na modalidade TAA. Seleo dos sujeitos: idosos que demonstraram disposio/motivao mediante presena e contato com o co participante do estudo. A escolha da cadela Nara, da raa poodle, cor branca, com 3,0 anos de idade seguiu os critrios propostos por DOTTI (avaliao da sade, temperamento e socializao). PROCEDIMENTO: 1)Apresentao da pesquisa Clnica e familiares dos idosos. 2)Atendimento em grupo/mensal (AAA), com durao de 45 minutos. 3)Avaliao fonoaudiolgica da paciente TAA por meio do Protocolo de Avaliao de Linguagem (Hage, 2004).4) Questionrio (baseado no Demographic

    and Pet History Questionnaire DHPQ) para coleta de dados sobre histrico da relao da paciente com animais. 5)Atendimento fonoaudiolgico individual/semanal, com durao de 45 minutos. As atividades e as sesses foram gravadas em cmera digital e/ou em udio. 6) Aplicao do Protocolo de Avaliao de Linguagem (Hage, 2004) no incio e aps 06 meses (paciente da TAA). O material foi transcrito quanto aos elementos verbais e no-verbais mais significativos presentes na interao fonoaudilogo-paciente-co. Simultaneamente, foram realizados alguns atendimentos sem a presena do co (AAA e TAA). O estudo observou as normas ticas estabelecidas para a realizao de pesquisas com seres humanos. RESULTADOS: AAA: No grupo de idosos estudados, possvel afirmar que a presena do co foi um facilitador/catalisador das interaes e promoveu o estabelecimento/fortalecimento dos vnculos interpessoais, permeados pela dialogia. TAA: No Protocolo de Avaliao de Linguagem, a paciente apresentou evoluo: melhora na expanso de turnos de conversao, embora precisasse de ajuda da terapeuta para narrar e na coeso e coerncia de seus enunciados, passou a nomear, principalmente, objetos que estabeleciam significados relacionados Nara (guia, roupas, brinquedos). Os resultados quanto s condutas comunicativas da paciente apontam para a efetividade da presena do co, potencializando o processo teraputico fonoaudiolgico e oferecendo contribuies transformadoras ao enquadre. CONCLUSO: A presena do co configurou-se como recurso potente para a criao de um enquadre fonoaudiolgico inovador, cuja efetividade foi revelada pela maior adeso s intervenes e pela evoluo significativa do desempenho comunicativo dos sujeitos estudados. Descritores: Atividade Assistida por Animais, Terapia Assistida por Animais, Idoso, Linguagem, Comunicao

  • ABSTRACT

    The speech therapist-pacient-dog interaction: effects on communication of elderly pacients. INTRODUCTION: A growing scientific interest by the study of human-animal relationship it's noticeable in view of its therapeutic potential. Among the surveys (nationally and internationally) is highlighted the effectiveness of the presence of dogs in the treatment of depressive patients, Alzheimer's, autism, etc. The organization Delta Society - The Humam-Animal Health Connection- defines the Animal Assisted Activity (AAA) "involves visitation, recreation through direct contact of animals with people, proposing opportunities of motivation, with the aim of improve the quality of life" and Animal Assisted Therapy (AAT) "involves professional medical services and others that use the animal as part of work and treatment." However, for the specifics of AAA / AAT in the field of speech therapy, studies are still scarce. OBJECTIVE: Investigate the effects of the presence of a dog in the interaction speech therapist-elderly patient. METHOD: Survey of clinical and qualitative nature, developed in the form of case study (AAA) and clinical case study (AAT). Subjects:Subjects elderly residents in a Geriatric Clinic in So Paulo, divided into two groups: (G1): 09 participants in the AAA mode (G2): 01 patients in the AAT mode. Selection of subjects: elderly people who showed willingness / motivation through the presence and contact with the dog study participant. The choice of the dog Nara, from the breed poodle, white, with 3.0 years old followed the criteria proposed by DOTTI (rated health, temperament and socialization).PROCEDURE: 1) Research Introduction of the Research to the Clinic and the relatives of elderly. 2) Attendance in group / monthly (AAA), lasting 45 minutes. 3) Speech-language evaluation of the patient through the Protocol Assessment Language (Hage, 2004) .4) Questionnaire (based on the Demographic and Pet History Questionnaire - DHPQ) to collect data about the patient's relationship history with animals. 5) Individual speech therapy / weekly, lasting 45 minutes. Activities and sessions were recorded on digital camera and / or audio. 6) Application of the Language Assessment Protocol (Hage, 2004) at baseline and after 06 months (AAT patient). The material was transcribed according to the verbal and nonverbal elements most significant present in the speech therapist-patient-dog interaction. Simultaneously, some visits were conducted without the presence of dog (AAA and AAT). The study looked at the ethical standards established for conducting research with human beings. RESULTS: AAA: In the elderly group studied, it is clear that the presence of the dog was a facilitator / catalyst of the interactions and promoted the establishment / strengthening of interpersonal bonds, permeated through dialogism. AAT: In the Language Assessment Protocol, the patient presented evolution: an improvement in the expansion of conversation shifts though needed help from therapist to narrate and on the cohesion and coherence of his utterances, appointed mainly objects that established meanings related to Nara (guides, clothing, toys). The results regarding the patient's communicative behaviors showed the efficacy of the dog's presence, enhancing the speech therapeutic process and offering an amount of contributions to the context frame. CONCLUSION: The presence of the dog was configured as a powerful resource for creating an innovative speech frame, whose effectiveness was revealed by greater adherence to the interventions and the significant evolution of communicative performance of the subjects studied. Keywords: Animal Assisted Activity, Animal Assisted Therapy, Elderly, Language, Communication _____________________________________________________________

  • SUMRIO

    Interao fonoaudilogo-paciente-co:

    efeitos na comunicao de pacientes idosos

  • INTRODUO 22

    CAPTULO I Velhice - Envelhecer: faces de um desafio mundial

    1.1 A populao idosa no Brasil e no mundo

    1.2 Fonoaudiologia e envelhecimento

    1.3 Estudos fonoaudiolgicos sobre a linguagem do idoso

    1.4 Pesquisas com idosos institucionalizados em reas diversas

    1.1

    28

    29

    32

    34

    39

    CAPTULO II Humanos e Animais

    2.1 Relao homem-animal na mdia

    2.1.1 - Relao homem-co na mdia

    2.2 Relao homem-animal no campo da sade

    41

    42

    45

    49

    CAPTULO III Terapia Assistida por Animais (TAA) e Atividade Assistida por

    Animais (AAA)

    3.1 TAA e AAA: definies e caracterizao

    3.2 AAA e TAA em reas diversas

    3.2.1 TAA e AAA com pacientes idosos em reas diversas

    3.2.2 Terapia Fonoaudiolgica Assistida por Ces

    MTODO

    4.1 Casustica

    4.2 Procedimento

    4.3 Material

    55

    56

    63

    70

    73

    77

    78

    80

    83

  • 4.4 Anlise dos resultados

    4.5 tica

    CAPTULO V Resultados e Discusso AAA

    5.1 Pequena Nara: grande presena

    5.2 Efeitos das AAAs na comunicao dos idosos

    5.2.1 Disponibilidade dos sujeitos

    5.2.2 Momentos COM a Presena do Co

    5.2.3 Momentos SEM a Presena do Co

    CAPTULO VI Resultados e Discusso TAA

    6.1 Efeitos da TAA na comunicao de paciente idosa:

    estudo de caso clnico

    6.1.1 Histrico

    6.1.2 - Avaliao Fonoaudiolgica

    6.2 - Processo teraputico: Vinhetas Relevantes

    6.2.1 Momentos COM a Presena do Co

    6.2.2 Momentos SEM a Presena do Co

    CONCLUSO

    DESDOBRAMENTOS DA PROPOSTA

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    83

    84

    85

    86

    88

    89

    89

    1101

    108

    109

    109

    110

    111

    112

    120

    129

    131

    137

  • ANEXOS

    Carta de Autorizao do Estudo na Clnica

    Parecer Comit de tica

    Carta de Apresentao do Projeto aos Familiares dos Pacientes

    Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

    Questionrio (1) Histrico Pets (Famlia e /ou Responsvel)

    Protocolo de Avaliao de Linguagem

    Questionrio Histrico Pets (Paciente)

    Foto Co-Terapeuta Nara

    Documentao: Atestado de Sade / Carteira de Vacinao

    Lista de Siglas

    Lista de Tabelas

    146

    01

    02

    03

    04

    05

    06

    07

    08

    09

  • Lista de Siglas

    PUC-SP Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    TAA

    AAA

    TCC

    SRD

    DERDIC

    ONU

    Terapia Assistida por Animais

    Atividade Assistida por Animais

    Trabalho de Concluso de Curso

    Sem Raa Definida

    Diviso de Educao e Reabilitao dos Distrbios da

    Comunicao

    Organizao das Naes Unidas

    PIAE Plano Internacional de Ao sobre o Envelhecimento

    CRFa Conselho Regional de Fonoaudiologia

    CFFa Conselho Federal de Fonoaudiologia

    G1 Grupo Participantes AAA

    G2 Paciente TAA

    AASI Aparelho de Amplificao Sonora Individual

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    OMS Organizao Mundial da Sade

    OBIHACC

    INATAA

    ILP

    OSCIP

    Organizao Brasileira de Interao Homem-Animal

    Corao

    Instituto Nacional de Aes e Terapias Assistidas por

    Animais

    Instituio de Longa Permanncia

    Organizao de Sociedade Civil de Interesse Pblico

  • Lista de Tabelas

    Tabela 1- Efeitos das AAAs na comunicao dos idosos

    COM e SEM a Presena do Co 104

    Tabela 2- Histrico da relao da paciente com animais 122

    Tabela 3- Resultados comparativos obtidos no Protocolo de

    Avaliao de Linguagem (Hage, 2004) 123

    Tabela 4- Resultados comparativos

    COM e SEM a Presena do Co 124

  • 22

    INTRODUO

    _____________________________________________________________

    Para ser um bom observador

    preciso ser um bom terico.

    CHARLES DARWIN

  • 23

    Em 2008, cursando o ltimo ano de graduao em Fonoaudiologia na

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo desenvolvi, em parceria com

    uma colega, o trabalho de concluso de curso (TCC), intitulado

    Fonoaudiologia, linguagem e envelhecimento: poesia aproximando

    geraes, partindo de uma perspectiva antropolgica do envelhecimento.

    Por acreditarmos que as rodas de conversa e poesia pudessem

    constituir-se em um locus privilegiado para a desejvel aproximao entre as

    geraes, nosso objetivo foi investigar a opinio de idosos sobre possveis

    benefcios identificados nessas atividades, visando tal interlocuo. Assim,

    em torno de prticas discursivas, fomentou-se a insero do fonoaudilogo

    em projetos de integrao entre idosos e jovens. Por meio do estudo

    revelaram-se diferentes concepes de envelhecimento e de linguagem no

    envelhecimento, presentes nas pesquisas revisadas e nas aes

    fonoaudiolgicas encontradas na literatura.

    Assim como no TCC, essa dissertao de Mestrado volta-se para as

    questes relacionadas velhice e linguagem no envelhecimento.

    Em estudos sobre a linguagem do idoso em reas diversas, constata-

    se que o foco tende a ser o de identificar as causas das transformaes

    biolgicas que ocorrem no processo de envelhecimento. Nessa perspectiva,

    se observa que a concepo de envelhecimento adotada a produzida pela

    sociedade moderna, a saber: um processo contnuo de perdas fsicas,

    psquicas e sociais, o que delimita essa vertente de estudos, voltada para os

    desvios patolgicos e decrepitudes inerentes velhice.

    Porm, h tambm outra vertente que vem demonstrando que,

    independentemente dos resultados indicarem declnios, h a necessidade de

    investigao do processo de envelhecimento para alm das transformaes

    biolgicas (GIARLETTI, B. C. A., OLIVEIRA, G. R., 2008, p. 100), sendo

    essa a concepo que norteia essa dissertao.

    Por sua vez, a opo por desenvolver essa pesquisa acerca da

    linguagem no envelhecimento de maneira articulada Terapia Assistida por

    Animais (TAA) e Atividade Assistida por Animais (AAA) vinculou-se

    minha trajetria acadmica e pessoal.

  • 24

    Desde a infncia convivo com animais, principalmente com ces.

    Morei at os 22 anos no interior de Minas Gerais, em uma casa onde at

    hoje meus pais tem os seus. Com Rana, uma cadela sem raa definida

    (SRD), compartilhei momentos de muito amor e cumplicidade por 15 anos.

    Atualmente Nara e Nina, ambas da raa poodle, presentes de meu pai,

    alegram o meu cotidiano.

    Por outro lado, estudos cientficos contemporneos enfatizam o papel

    que os animais vem desempenhando na promoo da sade humana, para

    alm da companhia. Habitam consultrios, hospitais, escolas e instituies

    diversas, devido aos benefcios atribudos no somente pelo senso comum,

    mas tambm destacados por pesquisas que apontam para a relevncia da

    discusso e produo de conhecimento cientfico sobre o tema.

    Nessa direo, destaco no Brasil, o trabalho pioneiro da mdica

    psiquiatra, psicanalista e terapeuta ocupacional Nise da Silveira, que na

    dcada de 50 j utilizava animais no atendimento de pacientes

    esquizofrnicos no Centro Psiquitrico D. Pedro II, sediado no Rio de

    Janeiro, onde obteve significativos resultados sem, contudo, public-los por

    meios cientficos. Observa-se tambm que o tema vem ganhando

    progressivo destaque na mdia nos ltimos anos.

    A organizao Delta Society The Humam-Animal Health

    Connection, que busca promover a interao animais e humanos a fim de

    obter benefcios para a sade e qualidade de vida de ambos, define:

    1. Atividade Assistida por Animais (AAA)

    Conceito que envolve visitao, recreao, e distrao por meio do

    contato direto dos animais com as pessoas. (...) So atividades que

    desenvolvem o incio de um relacionamento, propem entretenimento,

    oportunidade de motivao e informao, a fim de melhorar a qualidade de

    vida. (DOTTI, 2005, p.30)

    2. Terapia Assistida por Animais (TAA)

    Conceito que envolve servios profissionais da rea mdica e outras,

    que utilizam o animal como parte do trabalho e do tratamento. (...) A TAA

    dirigida e desenhada para promover a sade fsica, social, emocional e/ou

  • 25

    funes cognitivas. um processo teraputico formal com procedimentos e

    metodologia amplamente documentados, planejados, tabulados, medidos e

    seus resultados avaliados. Pode ser desenvolvida em grupo ou de forma

    individual. (DOTTI, 2005, p.30)

    Pessoalmente, desconhecia a importncia e a efetividade dos

    possveis benefcios da TAA em ambiente teraputico at entrar em contato,

    em 2007, quando cursava o 3 ano de graduao em Fonoaudiologia. Nessa

    poca realizei atendimento fonoaudiolgico na Diviso de Educao e

    Reabilitao dos Distrbios da Comunicao (DERDIC) da Pontifcia

    Universidade Catlica de So Paulo, na disciplina Avaliao de Linguagem.

    Contvamos com a presena e orientao da fonoaudiloga Camila

    Mantovani Domingues, pesquisadora na rea, que nesse perodo

    desenvolvia projeto de dissertao sobre o tema.

    Naquele momento, tive a oportunidade de vivenciar e conhecer um

    pouco mais sobre o tema, alm de reconhec-lo como potencializador do

    processo de avaliao de linguagem realizado, promovendo a motivao do

    paciente para a interao tridica entre terapeuta-paciente-co. Foi quando

    disponibilizei minha cadela Nara (na poca com 9 meses de idade) para

    participar desse projeto experimental. Obtivemos resultados significativos

    nos atendimentos, nos quais a TAA configurou-se como efetivo na promoo

    de contextos dialgicos.

    Nessa direo, a literatura aponta que a TAA, especialmente a

    realizada com ces, um trabalho que chama a ateno quanto aos seus

    resultados positivos em ambientes teraputicos diversos. Relatos de

    experincias e dados de pesquisas em reas como Medicina, Enfermagem,

    Fisioterapia e Psicologia referem, confirmam e ampliam os benefcios fsicos,

    psquicos e sociais obtidos pelos pacientes nessa modalidade de

    interveno (DOMINGUES, 2007).

    As pesquisas realizadas (nacional e internacionalmente) sugerem que

    os animais so importantes para solucionar problemas de sade humana,

    tanto na preveno quanto na reabilitao. Em tais estudos, so destacados

    os benefcios da presena dos ces no tratamento de pacientes com

  • 26

    problemas cardacos, artrites e osteoporoses, depresso, cncer, doena de

    Alzheimer, autismo e danos causados por violncia domstica (DOTTI,

    2005).

    No Brasil, a Organizao Brasileira de Interao Homem-Animal Co

    Corao (OBIHACC) foi uma das instituies que mais contribuiu na

    divulgao e utilizao da TAA, recebendo o titulo e a qualificao de

    Organizao de Sociedade Civil de Interesse Pblico (OSCIP) em 2003.

    Embora a OBIHACC tenha encerrado suas atividades, profissionais

    remanescentes dessa extinta ONG, que atuou de 2000 a 2008, fundaram a

    Instituio Nacional de Aes e Terapias Assistidas por Animais (INATAA),

    que comunga com os mesmos propsitos da OBIHACC, a saber: realizar

    visitas com ces a asilos para a realizao de Atividade Assistida por

    Animais (AAA).

    Contudo, quanto s especificidades da TAA e AAA no campo

    fonoaudiolgico, os estudos ainda so escassos. Sendo assim, tomei como

    base terico-metodolgica para essa pesquisa a dissertao de Domingues

    (2007) intitulada Terapia Fonoaudiolgica com ces: estudo de casos

    clnicos, trabalho de referncia no somente pelo contedo apresentado,

    como pelo carter reconhecidamente pioneiro no campo fonoaudiolgico.

    Essa pesquisa foca o funcionamento da linguagem (e seus distrbios)

    em contexto dialgico, e considerando a indissolvel unidade corpo/mente

    (CUNHA, 1997, p.118-119). Tanto no estudo citado, quanto no que aqui

    apresentado, sero consideradas as relaes entre natureza, cultura, corpo

    e linguagem. Nesse cenrio, a relao homem-animal ser abordada para

    auxiliar na compreenso dos possveis benefcios que a presena do co

    pode trazer ao ambiente teraputico.

    No percurso que culminou com a delimitao do tema dessa

    dissertao busquei a ampliao de conhecimentos sobre a TAA, e em 2008

    participei do curso O co como dispositivo teraputico na clnica

    fonoaudiolgica e do workshop Terapia Assistida por Animais, ambos

    ministrados pela fonoaudiloga Camila Mantovani Domingues. Nosso

    contato se tornou cada vez mais freqente e, na sequncia, organizamos um

  • 27

    grupo de estudos (Fonoco) com a participao de uma mdica veterinria e

    uma psicloga e adestradora de ces, com o objetivo de ampliar

    conhecimentos, organizar cursos e palestras sobre o tema e

    sistematizar/implementar atendimentos em clnicas particulares e outras

    instituies de sade.

    Saliento que Domingues (2007) aponta que o tema ainda tratado de

    forma cientificamente tmida, geralmente restrito atividade denominada

    equoterapia, definida como um mtodo teraputico e educacional que utiliza

    o cavalo dentro de uma abordagem interdisciplinar nas reas de sade,

    educao e equitao, que tem sido utilizado com eficincia para o

    desenvolvimento biopsicossocial de pessoas portadoras de deficincia fsica

    ou de necessidades especiais (PICCARONE, 2005, p.14).

    Assim, essa dissertao pauta-se na relevncia da participao mais

    ativa da Fonoaudiologia na produo de conhecimento cientfico quanto

    TAA e a AAA, principalmente no sentido de caracterizar e analisar o

    potencial de transformao do ambiente teraputico nessa modalidade de

    atendimento, alm de contribuir para o aprimoramento de mtodo clnico-

    teraputico fonoaudiolgico.

    Esse ponto de vista delineia o objetivo, a saber: investigar os efeitos

    da presena de um co na interao fonoaudilogo-paciente idoso.

  • 28

    CAPTULO I

    _____________________________________________________________

    A vida tem duas faces:

    Positiva e negativa

    O passado foi duro

    mas deixou o seu legado

    Saber viver a grande sabedoria (...)

    CORA CORALINA

  • 29

    1.1 A populao idosa no Brasil e no mundo

    O envelhecimento populacional caracterizado pela reduo da

    populao jovem e aumento da populao idosa, e consiste num fenmeno

    mundial que vem se manifestando de forma acelerada e com peculiaridades

    relativas a diferentes pases. Esse fenmeno gera desafios principalmente

    para as polticas pblicas com vista a garantir a continuidade do processo de

    desenvolvimento econmico e social mundial, de maneira a favorecer a

    igualdade entre os grupos etrios para compartilhar recursos, direitos e

    responsabilidades sociais.

    As projees indicam que em 2050 a populao idosa brasileira ser

    equivalente populao infantil (0 a 14 anos de idade), pois segundo os

    dados relativos ao perfil dos idosos descritos pelo Instituto Brasileiro de

    Geografia e Estatstica (IBGE) em 2000, houve um crescimento de quase 8

    milhes de pessoas idosas anualmente. Explicitando: em 1950 havia cerca

    de 204 milhes de idosos no mundo, e em 1998 j somavam 579 milhes. O

    aumento significativo dessa populao pode ser explicado pelas condies

    gradativamente mais favorveis de sobrevivncia. (IBGE, 2000)

    Frente problemtica do envelhecimento populacional mundial,

    principalmente nos pases em desenvolvimento, a Organizao das Naes

    Unidas (ONU) pronunciou-se sobre o tema. Fundada em 24 de outubro de

    1945, na cidade de So Francisco (Califrnia/Estados Unidos), composta

    pela maioria dos pases do mundo e com objetivo principal de criar e colocar

    em prtica mecanismos que possibilitem a segurana internacional,

    definio de leis internacionais, respeito aos direitos humanos e o progresso

    social; criou as Assemblias Mundiais sobre o Envelhecimento com o intuito

    de comprometer os governos em relao aos aspectos sociais envolvidos

    nessa questo.

    Foi a partir da Primeira Assemblia Mundial sobre o Envelhecimento,

    que ocorreu em 1982, em Viena/ustria, considerada o marco inicial para o

    estabelecimento de uma agenda internacional de polticas pblicas

    favorveis populao idosa, que o tema passou a ser foco de significativa

  • 30

    ateno. Foram propostas recomendaes para melhorar as condies de

    vida dos idosos, e estabelecida a definio da populao idosa como aquela

    com idade superior a 60 anos para os pases em desenvolvimento, e

    superior a 65 anos de idade para os pases desenvolvidos.

    Em 2002, na cidade de Madri/Espanha, foi organizada a Segunda

    Assemblia Mundial sobre Envelhecimento visando debater sobre os

    impactos e as conseqncias do processo de envelhecimento da populao

    mundial. O Plano Internacional de Ao sobre o Envelhecimento (PIAE),

    proposto nessa ocasio, prioriza a integrao social dos idosos por meio de

    ambientes propcios convivncia intergeracional, alm de polticas para

    melhoria da qualidade de vida dessa populao. Frente realidade

    demogrfica mundial do sculo XXI, este documento passou a ser um guia

    de orientaes para adoo de medidas normativas sobre o envelhecimento.

    Esse documento prope que, considerando-se que existem variaes

    significativas quanto ao estado de sade, participao e nveis de

    independncia no envelhecimento, fundamental que os formuladores de

    polticas pblicas levem em conta os seguintes aspectos: independncia e

    atividade, qualidade de vida e medidas de assistncia e cuidado ao idoso.

    As questes e preocupaes relacionadas ao envelhecimento da populao

    que ali aparecem configuram-se um avano na reflexo, porm trazem

    consigo um grande desafio, pois o envelhecimento global causa um aumento

    das demandas sociais e econmicas em todo o mundo. Mas, ao mesmo

    tempo, as pessoas idosas embora constituam recurso importante para a

    estruturao da sociedade, tendem a ser ignoradas.

    Nessa perspectiva, o PIAE ressalta o rpido crescimento mundial da

    populao acima de 60 anos nos pases em desenvolvimento, uma vez que

    em 2002, quase 400 milhes de pessoas nessa faixa etria viviam nesses

    pases e, entre 1970 e 2025, estimava-se um crescimento de 223 % dessa

    populao.

    Sobre esse processo na populao brasileira, segundo o Instituto

    Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), o Brasil apresentou altas taxas

    de natalidade desde o sculo XIX at meados da dcada de 1940,

  • 31

    principalmente devido incorporao dos avanos da medicina s polticas

    de sade pblica. Em relao ao tempo mdio de vida do brasileiro, em

    1940 era de 45,5 anos de idade, e com os avanos da medicina e as

    melhorias nas condies gerais de vida da populao, este indicador,

    segundo dados da OMS divulgados em 2009, elevou-se para a mdia de 73

    anos, configurando que a expectativa de vida dos brasileiros est entre as

    mais altas do mundo, sendo estimada para 81,29 anos em 2050.

    Desde 1999, o IBGE divulga, anualmente, a Tbua Completa de

    Mortalidade em que apresenta a expectativa de vida at os 80 anos na

    populao brasileira, utilizando como principais indicadores a taxa de

    mortalidade infantil e as expectativas de vida para diferentes faixas etrias,

    em especial, no nascimento. Os dados longitudinais indicam aumento da

    longevidade da populao brasileira.

    Como em todo mundo, as cidades esto crescendo e envelhecendo.

    Especificamente na cidade de So Paulo, segundo matria do Caderno

    Metrpole do Jornal O Estado de So Paulo (04/04/2010), nos ltimos dez

    anos, o nmero de paulistanos com 60 anos aumentou em 35% e chegou a

    1,3 milho de indivduos. Em 2024, a populao idosa paulista vai superar a

    de crianas e jovens at 14 anos.

    Segundo Veras (2007), o Brasil hoje um jovem pas de cabelos

    brancos. Todo ano, 650 mil novos idosos so incorporados populao

    brasileira, a maior parte com doenas crnicas e com limitaes funcionais.

    Em menos de 40 anos, passamos de um cenrio de mortalidade prprio de

    uma populao jovem para um quadro de enfermidades complexas e

    onerosas, tpicas da terceira idade, caracterizado por doenas crnicas e

    mltiplas com exigncia de cuidados constantes, medicao contnua e

    exames peridicos.

  • 32

    1.2 Fonoaudiologia e envelhecimento

    Face reflexo sobre o envelhecimento populacional e as polticas

    sociais de ateno a esse segmento, observa-se o aumento do nmero de

    profissionais de sade especializados nos cuidados com os idosos.

    Nessa perspectiva, os fonoaudilogos tem avanado em sua

    insero nesse contexto, sendo que um dos grandes passos para tal foi o

    parecer do Conselho Federal de Fonoaudiologia (CFFa) n 28, de 02 de

    Setembro de 2006, que possibilitou compor o Caderno de Ateno Bsica do

    Idoso.

    Observa-se que renomados profissionais da rea tm oferecido suas

    contribuies para o atendimento de idosos, como mostram os depoimentos

    a seguir, colhidos para a Revista da Fonoaudiologia - 2009 do Conselho

    Regional de Fonoaudiologia (CRFa 2 regio So Paulo).

    Ida Chaves Pacheco Russo destaca que a perda auditiva

    decorrente do processo de envelhecimento, denominada como presbiacusia,

    se agrava quando associada a exposio do ouvido a rudos intensos, uso

    indiscriminado de medicamentos, tenso diria e doenas que afetam a

    sensibilidade auditiva, reduzindo a capacidade de audio. Afirma que uma

    forma de minimizar os efeitos dessa deficincia a utilizao dos Aparelhos

    de Amplificao Sonora Individual (AASI). E acrescenta que os programas

    de reabilitao auditiva, nesses casos, tm como principais objetivos:

    maximizar a entrada sensorial, o processamento cognitivo, a comunicao

    familiar e interativa em geral; contribuindo para evitar o isolamento do idoso

    e auxili-lo na comunicao verbal.

    Segundo Letcia Lessa Mansur, a linguagem uma das funes

    cognitivas mais resistentes ao envelhecimento, o que a torna importante pilar

    para a manuteno da sade e bem estar dessa populao. Destaca

    tambm que entre os idosos encontram-se subgrupos com queixas no

    lingsticas (antecedendo as de linguagem) como as relativas s memrias

    de curta e longa durao, ateno e habilidades viso- espaciais. Por sua

    vez, o resgate de nomes prprios e outros substantivos, compreenso de

  • 33

    frases e textos complexos e mudanas no padro discursivo so queixas

    recorrentes. Portanto, sugere a pesquisa e sistematizao de propostas

    fonoaudiolgicas de interveno quanto a esses aspectos.

    Tereza Bilton afirma que o envelhecimento pode alterar as fases oral,

    farngea e esofgica da deglutio, j que implica em mudanas na dinmica

    da deglutio quanto fora de propulso da lngua, da contrao farngea,

    da elevao do osso hiide e da laringe em direo ponta fixa da epiglote;

    as quais podem causar penetrao de partculas de saliva na laringe e o

    trnsito de alimentos para traquia e brnquios que, para serem retirados da

    via area, provocam a tosse. Esses episdios podem evoluir para infeces

    pulmonares quando se tornam freqentes.

    Mara Behlau aponta que a voz acompanha o ser humano do

    nascimento ao ltimo suspiro, modifica-se ao longo da vida e apresenta

    caractersticas peculiares nas diferentes faixas etrias. Destaca que na

    populao idosa estima-se que de 8 a 12% dos indivduos refere mudanas

    importantes na voz, as quais podem interferir na qualidade de vida e

    dificultar as relaes familiares, sociais e de trabalho. O envelhecimento

    vocal chamado presbifonia e pode revelar perda de qualidade (leve

    instabilidade, tremulaes) e/ou reduo da potncia vocal. Aponta ainda

    que a musculatura do idoso apresenta sinais de atrofia e reduo das fibras

    musculares, gerando esses efeitos vocais indesejados.

    Vera Mendes ressalta que medidas e aes como a Poltica Nacional

    da Pessoa Idosa (MS 1.395/1999, revisada pela portaria MS 2.528/2006), o

    estabelecimento das Redes Estaduais de Assistncia Sade do Idoso

    (SAS/MS 702/2002) e a priorizao da Sade do Idoso no Pacto da Sade

    (2006) reafirmam a necessidade de reflexo sobre o envelhecimento

    populacional. Entre outras problemticas, trata-se de equacionar o aumento

    de doenas crnicas, causadoras de limitaes funcionais e de

    incapacidades, bem como seu impacto no volume e na aplicao de

    recursos. Esse grande desafio para as polticas pblicas decorre

    principalmente na construo de redes de cuidado e prticas intersetoriais

    especficas, como os Centros de Referncia do Idoso, onde os programas

  • 34

    de atividades fsicas e de acompanhantes de idosos tm estabelecido redes

    sociais de apoio na fronteira do campo clnico e do campo social, cumprindo

    importante papel em termos de cuidados sade. Prossegue afirmando que

    estas e outras prticas articulam atividades individuais (clnico-ambulatoriais)

    e coletivas (programas e grupos) de maneira a tratar e monitorar processos

    de adoecimento, ampliando as possibilidades de circulao e de participao

    social na velhice, e sugere a necessidade de insero do fonoaudilogo

    nesse cenrio.

    Considerando que esse estudo tem a comunicao como foco de

    estudo, a seguir sero destacados estudos fonoaudiolgicos acerca da

    linguagem no envelhecimento.

    1.3 Estudos fonoaudiolgicos sobre a linguagem do idoso

    Ao nascer, j somos mergulhados num mundo social, numa

    linguagem. (...) com a linguagem que construmos a nossa identidade, o

    conhecimento a cerca de si mesmo e dos outros, (...). (S, 2005)

    Essas palavras foram retiradas do estudo A importncia da boa

    comunicao para o relacionamento com o idoso, no qual a autora

    argumenta que as competncias individuais e sociais esto intimamente

    relacionadas s competncias cognitivas e comunicativas. Afirma que, por

    exemplo, quando duas pessoas estabelecem um dilogo, alm do

    conhecimento da lngua, entra em jogo uma srie de informaes sobre o

    interlocutor, a percepo a respeito da situao, e as regras culturais que

    regem essa interao (o contedo e a forma conveniente de transmiti-lo).

    Alguns aspectos podem influenciar a maneira como a interao se d,

    tais como caractersticas de personalidade, classe social e valores. E a

    idade considerada como uma das caractersticas que mais interferem no

    comportamento social, uma vez que este regulado por normas, que so

    atreladas aos diversos papis sociais desempenhados pelo sujeito ao longo

    da vida. (S, 2005)

  • 35

    A autora considera que com o processo de envelhecimento ocorrem

    mudanas significativas que implicam em vantagens e/ou desvantagens

    para o indivduo idoso em relao s solicitaes a que est exposto,

    incluindo as comunicativas. A propsito, refere que fonoaudilogos,

    socilogos, psiclogos, antroplogos e estudiosos da etnografia da

    comunicao reconhecem mudanas decorrentes do processo de

    envelhecimento nos diversos nveis de organizao do ato comunicativo,

    como: na estruturao conceitual do ato de fala, na produo e

    compreenso da linguagem, nas intenes comunicativas, no contedo

    semntico e nas narrativas pessoais. Essas mudanas podem manifestar-se

    de forma heterognea, na medida em que alguns idosos apresentam

    alteraes na fonao, outros na audio, outros evidenciam dificuldades no

    uso social da linguagem, na fluncia, no vocabulrio e/ou na prosdia.

    Segundo a mesma autora, comum ouvirmos que a conversa de

    velhos, uma conversa comprida, confusa, cheia de lembranas do

    passado. E que o idoso esquecido, surdo, repete inmeras vezes o mesmo

    assunto. Por um lado, em seu ver, isto pode representar algumas

    evidncias, mas, por outro, revela que a linguagem mais do que

    instrumento de comunicao, tambm um componente decisivo na

    formao de preconceitos sociais.

    Nessa perspectiva, existem diferentes formas de interpretar a

    comunicao na velhice, pois comunicar-se uma aventura existencial,

    porm importante considerar que no existe o falante ideal e que a

    comunicao humana repleta de percalos e surpresas. Comunicamo-nos

    por meio de gestos, olhares, atitudes, expresses faciais que representam

    os mais variados sentimentos. No caso da pessoa idosa, observa-se que

    quanto maior o nvel de dependncia, menor a sua capacidade de

    expressar necessidades e desejos. Alm disso, os idosos podem ter dficits

    auditivos e prteses dentrias mal ajustadas, fatores que tambm

    prejudicam a comunicao verbal (S, 2005).

  • 36

    Para finalizar, a autora pondera que, muitas vezes, a comunicao

    no verbal (o olhar, o contato fsico) pode ser mais eficiente e confivel que

    a verbal para conhecermos os desejos dos idosos.

    As fonoaudilogas Gomes e Garcia (2006) destacam pontos

    essenciais para a avaliao de linguagem do idoso, considerando a

    comunicao como um fator determinante para sua integrao social. O

    objetivo do estudo foi descrever os aspectos relacionados estruturao

    lingstica oral dos indivduos idosos. Foram selecionados 10 idosos, cinco

    do sexo masculino e cinco do sexo feminino, com idades entre 65 e 80 anos,

    no doentes, hospitalizados ou asilados, residentes em Bauru (SP) e

    pertencentes classe mdia. A avaliao consistiu em entrevistas

    individuais realizadas por meio de conversas espontneas, semi dirigidas e

    gravadas, iniciadas com a pergunta: Como o seu dia-a-dia?. A anlise

    dos enunciados foi realizada a partir da proposta descrita por Chiari e

    Perissinoto (1982) e Chiari (1983), quanto capacidade do falante ater-se

    ao tema proposto, manter a seqncia e continuidade dos fatos no tempo e

    no espao, nmero de oraes contidas (extenso mdia) e estrutura

    lingstica dos enunciados. As autoras concluram que todos os indivduos

    foram capazes de contextualizar seus enunciados, ater-se ao tema e

    seqencializar fatos no tempo e no espao, com adequada estruturao

    lingstica.

    Gamburgo (2002), fonoaudiloga, considera que o envelhecimento

    provoca uma deteriorao da capacidade comunicativa, que demanda

    intervenes particularmente nos quadros de afasias, demncias senis,

    presbiacusia e da presbifonia. Para a autora, de maneira geral, cabe aos

    profissionais que lidam com o envelhecimento orientar os idosos quanto aos

    aspectos relativos qualidade de vida, combatendo o sedentarismo,

    praticando atividades voltadas preveno de doenas e mantendo

    relaes afetivas e sociais que favoream as interaes e o uso da

    comunicao.

    Em outro estudo, com o objetivo de conhecer a linguagem de sujeitos

    em processo de envelhecimento e com as capacidades comunicativas

  • 37

    preservadas, Gamburgo (2006) partiu do pressuposto de que cada sujeito

    um ser da linguagem. Para apreender como cada sujeito significava sua

    vida, si mesmo e suas oportunidades (ou falta) de dilogo, utilizou narrativas

    de histria de vida, obtidas por meio de entrevistas individuais com seis

    idosos, entre 61 e 81 anos. Quatro dos sujeitos (trs mulheres e um homem,

    solteiros) residiam em uma Instituio de Longa Permanncia para Idosos

    (ILPI), e dois (mulheres, vivas) residiam em seus domiclios.

    A entrevista foi elaborada com perguntas que permitiram traar o perfil

    social e educacional dos idosos e obter informaes a respeito das

    habilidades lingsticas. Na etapa seguinte, os idosos falaram sobre sua

    infncia, famlia, rotina, interaes sociais, expectativas, opinies e

    linguagem. Por meio das narrativas individuais foi possvel conhecer os

    contextos de vida na esfera social, assim como os sentimentos, crenas,

    gostos e valores dos sujeitos estudados, e a memria permitiu trazer tona

    a significao emocional e aspectos relevantes da dinmica histrica e social

    de cada um. Os discursos, de maneira geral, revelaram que a despeito da

    posio social e das condies de vida do idoso, cada um deles permanecia

    sendo um ser da linguagem.

    Brando e Parente (2001) em reviso sobre os estudos da linguagem

    do idoso identificaram progressivo crescimento da produo cientfica,

    contudo ainda incipiente naquele momento. Referindo que a linguagem

    afetada pelo declnio das habilidades cognitivas na velhice, destacam que

    esse aspecto que no deve ser negligenciado nas intervenes dirigidas a

    essa populao. E para tal, sugerem a utilizao de estratgias que

    favoream a memria de trabalho, a ateno e a velocidade de

    processamento das informaes por meio de recursos que promovam a

    valorizao do self e aproveitem os aspectos cognitivos do idoso

    (preservao da memria episdica, uso de estratgias de compreenso

    que valorizam o contexto e os aspectos globais do discurso do interlocutor e

    habilidade de produzir narrativas marcadas pela riqueza na expresso das

    emoes).

  • 38

    Para concluir essa seo, recorro s consideraes de Tbero (1999),

    bastante alinhadas com a proposta dessa dissertao. A autora afirma que

    as transformaes e diferenas no processo de aquisio de linguagem da

    criana significam desenvolvimento, enquanto na linguagem do idoso se

    traduzem em declnio ou patologia. Tendo como objetivo discutir

    repercusses do envelhecimento na linguagem do idoso, ressalta a

    importncia de se compreender essas transformaes e mudanas no

    chamado envelhecimento normal, o que nos ajuda a detectar o momento de

    ruptura entre o normal e o patolgico, separando os efeitos de doenas

    daqueles decorrentes naturalmente do envelhecimento. Para tal, utiliza as

    consideraes de Ryan, E.B. in Lubinsky (LUBISNKY, 1995, p.84). Destaco,

    a seguir, as mais relevantes, em meu ver:

    1. A competncia lingstica do idoso consiste no conhecimento da

    linguagem adquirido durante a vida, e as mudanas advindas da

    idade podem levar a diferentes resultados, como tornar-se at

    mais competente, a partir das experincias e desafios da

    comunicao vivenciados.

    2. Entretanto, o desempenho lingstico dos idosos pode ser

    prejudicado por dificuldades de audio e reduo da velocidade

    de processamento e memria, as quais interferem na qualidade

    das respostas em testes de avaliao de linguagem.

    3. Alm da habilidade individual, o funcionamento da linguagem

    depende do contexto interpessoal e ambiental no qual a

    comunicao ocorre. Nessa perspectiva, a desvalorizao e a

    caracterizao estereotipada da velhice, muitas vezes levam o

    idoso a se condenar ao silncio e ao auto-isolamento.

    Sendo assim, Tbero (1999) adverte: resultados insatisfatrios em

    testes que avaliam a linguagem, no configuram necessariamente uma

    condio patolgica, se os aspectos citados forem devidamente

    considerados. E ressalta que, de maneira geral, a performance comunicativa

    do idoso tende a receber menos crdito que a apresentada pelo no idoso.

  • 39

    1.4 - Pesquisas com idosos institucionalizados em reas diversas

    O presente estudo volta-se, especificamente, para idosos

    institucionalizados. Sendo assim, a seguir sero apresentados dados

    bibliogrficos sobre essa condio particular.

    Jnior e Tavares (2006) argumentam sobre a importncia de aes de

    promoo da sade voltadas para idosos institucionalizados, mas,

    reconhecem que a aplicabilidade do conceito de promoo da sade no

    campo das Instituies de Longa Permanncia (ILPs) complexa.

    Ressaltam a necessidade dessas aes reconhecerem o idoso como sujeito

    histrico e assim, levar em considerao sua cultura, sonhos, sentimentos e

    questionamentos na busca de estratgias eficazes.

    Em outro estudo, os mesmos autores, consideram o ponto de vista

    dos idosos sobre o cotidiano nas ILPs, referindo que os mesmo indicaram a

    ausncia dos amigos e dos familiares como as maiores perdas. Diante

    desse dado, sublinham que o papel fundamental dessas instituies o de

    atuarem como mediadoras e promotoras de uma nova rede social para

    esses indivduos. (Jnior e Tavares, 2004/2005).

    Tavares; Takase; Chaves; Schmidt; Guidoni (2009) estudaram os

    efeitos de dois programas - prtica de atividades cognitivas e de atividades

    fsicas - em idosos institucionalizados. A pesquisa, realizada em duas ILPs,

    apontou que, de maneira geral, aps as intervenes houve tendncia

    melhora da capacidade cognitiva e diminuio de sintomas depressivos nos

    participantes.

    Moura, Passos e Camargos (2005) destacam a comunicao como

    estratgia para o estabelecimento das relaes interpessoais nas ILPs. As

    autoras observaram que muitas vezes, os idosos permaneciam sentados

    uns ao lado dos outros, por longo tempo sem conversarem. Isto , apesar de

    viverem no mesmo espao fsico e participarem de rotinas comuns (por

    exemplo, alimentares) muitos idosos no interagem entre si. Ento,

    implantaram uma interveno com os seguintes objetivos: - sensibilizar o

    idoso sobre a importncia da comunicao no fortalecimento do convvio

  • 40

    social, estimular a sua participao em aes educativas de preveno de

    doenas e a promoo sade e criar estratgias para mobilizar a

    criatividade, o convvio social e o trabalho coletivo.

    O estudo foi desenvolvido com a participao espontnea de 96

    idosos, com idade entre 60 a 85 anos por meio de oficinas. Os depoimentos

    dos idosos, colhidos pelas autoras, exemplificam os resultados positivos da

    interveno:

    - aprendi a dar valor a minha sade, e me cuidar".

    - os momentos que passamos aqui me fazem muito bem, passo

    horas feliz, entretido, me esqueo dos problemas".

    - Passei a me aceitar mais e aceitar melhor os outros".

    - "Passei a me sentir bem com todas minhas companheiras e todas se

    tornaram minhas amigas....

    - Ajudou-me a viver com mais coleguismo".

    As autoras concluram que o trabalho promoveu transformaes que

    reafirmam a necessidade de mudana de paradigma: os idosos devem ser

    sujeitos e no receptores passivos das aes de sade.

    Nota-se a necessidade de ampliar os procedimentos de interveno

    voltados aos idosos, contudo na rea da Fonoaudiologia. Assim, a seguir

    ser apresentada uma possibilidade em que se percebe um crescente

    interesse cientfico tendo em vista o seu potencial teraputico principalmente

    com pacientes idosos: a relao homem-animal.

  • 41

    CAPTULO II

    Oh, Senhor de amor e bondade,

    que criaste a bonita Terra

    e todas as criaturas que caminham e voam nela

    para que possam proclamar a tua Glria,

    eu te agradecerei, enquanto viver,

    que Tu me tenhas colocado entre elas

    SO FRANCISCO DE ASSIS

  • 42

    Humanos e Animais

    A domesticao de algumas espcies de animais, alm de

    transform-los, tambm afetou hbitos e

    estilo de vida das pessoas ao longo da

    histria da humanidade. Por sua vez, a

    relao homem-animal vem sendo, cada

    vez mais, objeto de estudos cientficos e

    de interesse da mdia.

    Conviver com um animal de estimao desfrutar de uma fonte

    inesgotvel de alegrias, garantem os sujeitos que vivem essa experincia. E

    a cincia comprova: eles trazem sade e longevidade, alm de melhorar a

    auto-estima e espantar a solido (AVANZI; DINIZ; RAO, 2009)

    Nessa perspectiva, esse captulo aborda a relao homem-animal na

    mdia e, a partir de resultados obtidos em pesquisas, no campo da sade.

    2.1 Relao homem-animal na mdia

    Mitos e fatos verdicos ilustram as peculiaridades da relao homem-

    animal, como veremos a seguir.

    Segundo a mitologia romana, Rmulo e

    Remo - bebs gmeos - foram abandonados em

    uma cesta nas guas do rio Tibre. Atrada pelo

    choro deles, uma loba saiu do bosque e os

    encontrou. Havia acabado de perder seus filhotes,

    lhes ofereceu suas tetas e os lambeu. Algum tempo

    depois, os meninos sobreviventes foram

    encontrados por um pastor de ovelhas que os criou.

    Em 2009, na Sibria Oriental, uma menina (Natasha) de cinco anos

    foi notcia em jornais, revistas, internet e TV, aps ser encontrada em um

    apartamento em Tchita onde vivia com seu pai e avs, que no lhe

  • 43

    dispensavam cuidados adequados. Cresceu interagindo basicamente com

    os ces e gatos da famlia, passando a reproduzir o comportamento desses

    animais. Segundo a polcia local, ao ser encontrada "pulou em cima dos

    policiais como um cachorrinho, tentando se comunicar com "a linguagem

    dos animais". A criana foi levada para uma instituio, onde vem recebendo

    ajuda mdica e psicolgica, e est descobrindo (aos poucos) possibilidades

    de interao com os humanos.

    Algumas histrias surpreendentes so relatadas por Dias (2009),

    como se segue.

    Na dcada de 80, em Arkansas/ EUA, um recm-nascido foi

    abandonado em um bosque dentro de um saco plstico, sendo salvo pelo

    gato Slowly. Para proteger o beb do frio durante a madrugada, o gato

    aqueceu-o com o seu prprio corpo at conseguir socorro. Como o animal

    tinha o hbito de voltar para casa antes do anoitecer, e nessa noite no

    voltara, os donos foram procur-lo. Ao v-los, Slowly miou estranhamente, e

    ao se aproximarem, o encontraram lambendo o beb.

    Mais um caso que comoveu o mundo, ocorreu no zoolgico de

    Brookfield, Illinois/EUA. A gorila Binti Ju resgatou um menino de trs anos

    que havia cado no recinto dos animais: pegou-o no colo e o entregou aos

    guardas, que tentavam evitar o ataque de outros primatas criana. O fato

    fez com que diversos especialistas comentassem sobre o ocorrido.

    J os golfinhos alm de tentarem

    salvar companheiros capturados, so

    capazes de faz-lo tambm com os

    humanos, como foi o caso do banhista

    Martin Richardson, que quase morreu

    atacado por tubares no Mar Morto,

    Egito e foi por eles resgatado.

    Algumas histrias sobre os

    relacionamentos entre pessoas e animais tornaram-se famosos, e nessa

    direo, a autora destaca o caso do leo Christian que protagonizou um

    reencontro emocionante com seus criadores, dois australianos, que viviam

  • 44

    na Inglaterra e o adotaram quando filhote. Depois de viverem dois anos

    distantes, o leo os reconheceu e os abraou quando foram visit-lo na

    frica. Essa histria se transformou no documentrio Christian, the Lion at

    Worlds End, disponvel na internet.

    Emocionante tambm a histria de Fido, um cachorro da raa

    belga, que em 1991, andou por 1500 km para reencontrar seus donos.

    Demorou dois anos para sair da Blgica e chegar at a Espanha, e sua dona

    o parado na porta de sua casa, chorando como uma criana. (DIAS, 2009)

    Em novembro de 2008, a cadela Sophie Tucker caiu do iate de seus

    donos quando navegavam no mar agitado na Austrlia, mas foi encontrada

    em maro de 2009 em uma ilha deserta. Seus donos acharam que ela havia

    se afogado, porm Sophie conseguiu nadar cerca de 10 quilmetros

    atravessando uma rea infestada de tubares at chegar ilha. Tempos

    depois, ouviram rumores de que um co havia sido encontrado nas

    proximidades do acidente e decidiram contatar a guarda costeira e a

    encontraram. Sophie sobrevivera alimentando-se de caranguejos, at

    aprender a caar filhotes de cabras selvagens, tornou-se feroz e no deixava

    ningum aproximar-se ou toc-la. Contudo, trazida de volta ao convvio

    domstico, est evoluindo no processo de readaptao. (BBC Brasil, 2009)

    Esses relatos de reencontro evidenciam a relao de fidelidade entre

    animais e humanos, com destaque para os casos que envolvem os ces.

    A especialista em comportamento canino, Patrcia McConnell (2006),

    autora de Ces So de Marte Donos So de Vnus, atesta essa

    impresso: "A chave da amizade entre homens e ces que se trata de uma

    ligao puramente emocional". E prossegue afirmando que o co tem uma

    competncia mpar para comunicar seus desejos comida, gua, carinho -

    sendo at capaz de ler as emoes de seus donos e responder

    apropriadamente a elas, num fenmeno que os especialistas chamam de

    ressonncia afetiva.

    A propsito, segundo Teixeira (2007), a humanidade mantem laos

    afetivos mais fortes com os ces do que com qualquer outro animal, e a

  • 45

    evidncia arqueolgica mais antiga dessa amizade a de uma mulher

    enterrada junto a seu co, encontrada em Israel h 12 000 anos atrs.

    Sendo esse, especificamente, o foco dessa dissertao, o prximo

    tpico vai explorar a relao homem-co.

    2.1.1 Relao homem-co na mdia

    Os maiores provedores da internet destinam espao significativo ao

    tema animais.

    Navegando em um site de

    busca, foram detectados

    aproximadamente 92.000.000

    resultados para a palavra co e

    encontradas diversas comunidades

    em sites de relacionamento: Eu amo

    meu cachorro, Converso com o

    meu cachorro, Meu cachorro me

    faz mais feliz, Todos os ces

    merecem o cu, entre outras.

    No cinema, a relao homem-

    co intensamente abordada.

    Masini (2009) destaca um dos

    maiores astros da Warner Bros, o co Rin Tin Tin, clebre cachorro francs

    que fez parte do elenco de quase 30 filmes, conquistou o pblico, livrou o

    estdio da falncia e abriu as portas para uma leva de estrelas animais.

    Tambm destaque a cadela vira-lata Laika, que ganhou fama ao ser

    lanada ao espao pelo governo russo em 1957, mas no resistiu ao frio e

    morreu, e foi homenageada internacionalmente.

    Na ltima dcada, o mercado cinematogrfico tem revelado que

    alguns dos filmes com maior nmero de espectadores e faturamentos nada

    modestos, tem animais (frequentemente, os ces) como protagonistas.

  • 46

    Alguns exemplos de filmes produzidos nas ltimas dcadas sero

    destacados a seguir, acompanhados de breves sinopses. Em comum, pode-

    se observar a partilha de sentimentos de amor e lealdade entre ces e

    humanos.

    - Beethoven: encontramos seis seqncias do filme (1992, 1993,

    2000, 2001, 2003, 2008) que conta as aventuras de um co da raa So

    Bernardo junto a uma famlia, desde filhote. O dono vive conflitos com suas

    travessuras, porm inevitavelmente se rende ao amor pelo animal.

    - Resgate Abaixo de Zero (2006) - O filme se passa na Antrtida e

    traz uma equipe de exploradores e cientistas em uma misso de pesquisa

    que escapam de um acidente fatal por conta da ajuda de oito ces de tren.

    Quando so forados a deixar o local, eles tm de abandonar os ces na

    regio congelada, mas prometem voltar. Quando uma tempestade

    extremamente forte se aproxima, os ces ficam presos e tm de lutar para

    passar pelo inverno mais rigoroso do planeta.

    Inconformados, os cientistas tentam organizar uma

    misso de resgate para tentar salvar os companheiros

    ces.

    - Marley & Eu (2008) - O filme conta a histria

    verdica de um casal que adquire um co para se

    preparar para exercer a futura maternidade/paternidade.

    Marley, o co, acompanha o crescimento da famlia com a qual estabelece

    um (recproco) amor incondicional. O filme foi baseado no livro homnimo do

    jornalista americano John Grogan.

    - Sempre ao Seu Lado (2009) Trata-se da adaptao americana de

    uma histria japonesa real. Um professor

    universitrio leva um cachorro abandonado

    para sua casa e eles estabelecem um forte

    vnculo. Hachi, o co, diariamente

    acompanhava o dono at a estao de

    trem que o levava at a universidade e

    voltava ao local para receb-lo ao final do dia de trabalho. Repentinamente,

  • 47

    o professor morre durante a aula. Mas, Hachi continuou indo estao de

    trem todos os dias procura de seu dono por quase uma dcada. Durante a

    sua espera pelo dono, que nunca voltar.

    Para Teixeira (2007), esses filmes geram forte empatia nos

    expectadores, na medida em que os mesmos identificam-se com as virtudes

    e os defeitos humanos representados pelos ces.

    Tambm no noticirio veiculado na televiso, rdio, jornais, revistas e

    internet, so freqentes as referncias a fatos que envolvem a relao entre

    homens e ces, como em 11 de Setembro de 2001, no terrvel ataque

    terrorista que atingiu as duas torres do maior conjunto comercial do mundo -

    o World Trade Center em Nova Iorque/EUA - com duas aeronaves

    comerciais, as autoridades registraram o desaparecimento de 300 pessoas.

    Para a busca e resgate das mesmas,

    usaram cerca de 300 ces que percorriam

    o terreno para farejar vtimas soterradas.

    Voluntrios organizaram, na rua, um

    hospital veterinrio para atend-los, e a

    cada duas horas, os animais interrompiam

    as buscas para serem cuidados (lavar os

    olhos, tomar antibiticos, receberem curativos em ferimentos e queimaduras

    e recuperar o faro). (PORTAL BRASIL, 2001).

    Em outras calamidades como o soterramento de pessoas durante

    obras do metr da cidade de So Paulo (janeiro de 2007) e aps as

    enchentes em Santa Catarina (novembro de 2008), os ces foram

    considerados verdadeiros heris no resgate e salvamento das vtimas.

    Segundo Teixeira (2007), ao longo dos tempos, as virtudes e os

    defeitos caninos ganharam inmeras representaes culturais e alm da

    fidelidade, passaram a ser smbolo de herosmo e afetividade. O autor

    considera que talvez os polticos sejam os que mais tiram proveito da

    imagem simptica dos ces, recorrendo a eles para inflar a popularidade e

    humanizar a prpria imagem na mdia.

  • 48

    Um exemplo disso, em 2009, deu-

    se aps a eleio do primeiro presidente

    negro dos Estados Unidos, Barack

    Obama. Poucos meses aps tomar posse,

    a mdia internacional deu grande destaque

    para a manchete: Bo o nome do novo

    cachorro da famlia Obama. Isso porque,

    j no seu discurso de vitria, o presidente havia prometido s suas filhas,

    publicamente, que teriam um cachorro na Casa Branca. O filhote, da raa

    D'gua Portugus, foi um presente do senador democrata Edward Kennedy.

    Apresentado imprensa, Bo ganhou ainda mais notoriedade,

    aparecendo em cenas cotidianas com a famlia Obama: brincando,

    ajudando a plantar vegetais orgnicos e jogando basquete com o

    presidente nos jardins da Casa Branca, alm de virar personagem de uma

    revista em quadrinhos.

    Os livros de fico sobre o tema igualmente proliferam. Dentre os

    brasileiros, destaco a obra do o escritor e roteirista de novelas Walcyr

    Carrasco, que narra a sua convivncia com o husky siberiano Uno.

    Carrasco (2008) relata a presena de Uno em vrias fases de sua

    vida, nas felizes e nas sofridas. E revela um fato curioso: desempregado,

    recorreu alternativa de escrever crnicas para

    uma revista canina baseadas em suas

    experincias com o companheiro.

    Aos 14 anos, Uno comeou a adoecer,

    em decorrncia do envelhecimento, e apesar

    dos tratamentos, o co no apresentava

    melhoras. Assim se expressou Carrasco, numa

    crnica da poca, da qual recebeu milhares de

    cartas de leitores que se identificaram com sua

    histria: Ou ele no conseguir resistir ou chegar a um ponto em que terei

    de dar um n no corao e abreviar seu sofrimento. Eu tenho de resistir e

  • 49

    fazer o melhor. Coar sua barriga e falar palavras docemente. E, se puder,

    quando chegar a hora, coloc-lo em meu colo e dizer quanto o amo.

    Feitas essas consideraes, possvel observar que na mdia, de

    forma geral, os ces aparecem como promotores/facilitadores da qualidade

    de vida e expresso de sentimentos dos humanos.

    2.2 Relao homem-animal no campo da sade

    crescente o interesse cientfico pelo estudo da relao homem-

    animal que tem sido constatado nas ltimas dcadas, com nfase no

    potencial teraputico dessa relao, evidenciado pelos resultados de

    pesquisas. Estudos na rea da sade (e da educao) apontam que a

    presena de animais um dispositivo de interveno potente quando

    integrado aos recursos teraputicos (e pedaggicos) necessrios.

    Althausen (2007) destaca que o primeiro relato da participao de

    animais em tratamentos de sade na sociedade ocidental deu-se no final do

    sculo XVIII, na Inglaterra, em uma instituio psiquitrica que mantinha

    coelhos, gaivotas, falces e aves domsticas nos ptios e jardins

    freqentados pelos pacientes. Pois, observava-se que esses animais

    despertavam sentimentos de sociabilidade e benevolncia nos internos.

    Porm, complementa o autor, foi a partir da dcada de 60 que o

    psiclogo americano Boris M. Levinson iniciou uma srie de estudos de

    situaes clnicas nas quais constatou que a presena do animal era

    fundamental para a efetividade dos processos teraputicos.

    Os psiquiatras Samuel e Elizabeth Corson tambm so citados por

    Althausen (2007), pela importante contribuio oferecida aos estudos

    cientficos sobre o tema na dcada de 80, quando usaram ces em

    instituies psiquitricas. Tal procedimento foi pesquisado com 50 pacientes

    com alto grau de introverso e que no respondiam ao tratamento

    convencional. Os resultados mostraram que apenas 03 (trs) deles no

    apresentaram melhoras no estado clnico; e os demais, gradativamente,

  • 50

    desenvolveram desejo de independncia, aumento da auto-estima e do

    senso de responsabilidade medida que assumiam os cuidados com os

    ces. Segundo os pesquisadores, os ces renem caractersticas que

    facilitam a interao com esses pacientes pela prontido em oferecer afeto e

    contato ttil, aliados confiana que despertam. Destacaram ainda a

    importncia da comunicao no-verbal que se estabelece entre humanos e

    animais, como ferramenta teraputica preciosa, pois observaram que as

    palavras ditas pelos pacientes, muitas vezes, no condiziam com o que a

    expresso corporal revelava. Assim, o procedimento associava a presena

    do co com experincias prazerosas, favorecendo a expresso de

    sentimentos e fantasias pela reduo das interferncias de processos de

    racionalizao e resistncia.

    Althausen (2007) tambm pondera que atividades como segurar um

    cachorro pela coleira, referir as partes de seu corpo, escov-lo e acarinh-lo

    abrem as possibilidades para que o animal seja um recurso teraputico em

    diferentes reas de atuao: fisioterapia, terapia ocupacional,

    fonoaudiologia, psicopedagogia e psicologia. A seu ver, esse pode se

    constituir no ponto de partida para o desenvolvimento de diferentes

    habilidades, tais como: aprendizagem de conceitos, desenvolvimento da

    linguagem, da motricidade e expresso de emoes.

    A propsito do aspecto psquico, vale referir que Jo-Fi, um co da

    raa chow chow que pertencia a Sigmund Freud, permanecia por vezes em

    seu consultrio durante as sesses. Freud, inclusive, tinha um acordo com

    Jo-Fi: no trmino da consulta, ele deveria se dirigir porta, sinalizando o fato

    para os pacientes. (MASINI, 2009).

    A abordagem cientfica da relao homem-animal tambm alvo da

    Pawsitive Interaction, organizao americana sem fins lucrativos,

    localizada em Atlanta, no Estado da Gergia (EUA), que tem como

    compromisso potencializar os benefcios dessa relao quanto sade e

    bem estar das pessoas. E, segundo os princpios da organizao, tais

    intervenes junto comunidade devem ser subsidiadas pelo conhecimento

  • 51

    cientfico advindo de pesquisas que investiguem seus efeitos teraputicos;

    de maneira a valid-los.

    Uma das principais atividades da Pawsitive Interaction a de reunir

    mdicos especialistas em oncologia e psiquiatria, veterinrios e

    epidemiologistas, entre outros, para pesquisar e debater sobre o tema.

    Em 2002, em evento intitulado Um olhar cientfico sobre a ligao

    homem-animal, a Pawsitive Interaction apresentou um conjunto crescente

    de provas cientficas confirmando os benefcios dessa interao. No site da

    organizao encontra-se resumo das concluses e trabalhos dos

    pesquisadores de maior destaque:

    - Edward Creagan, professor da Faculdade de Medicina da Clnica

    Mayo e da Sociedade Americana de Oncologia Clnica, prescreve o convvio

    com animais de estimao para seus pacientes com cncer.

    - Alan Beck, diretor do Center for Human-Animal Bond, da

    Faculdade de Medicina Veterinria da Universidade de Purdue, associa o

    ganho de peso em pacientes de Alzheimer observao de peixes em

    aqurios durante as refeies, afirmando que alm do estmulo de funes

    fisiolgicas, a interao com os animais contribui para a reduo do estresse

    e da ansiedade.

    - Marty Becker, veterinrio, correspondente da ABC-TV (EUA) e autor

    do livro O Poder de Cura dos Animais, tambm esteve no evento e afirmou

    que o convvio com os animais podem auxiliar na reduo da presso

    arterial e de triglicerdeos no sangue.

    Em 2003, a Pawsitive Interaction promoveu novo evento cientfico

    intitulado Os animais e o envelhecimento: a cincia apia o vnculo

    humano-animal, no qual destacaram-se alguns estudos disponveis em seu

    site:

    - Edward Creagan reafirmou os resultados obtidos em pesquisas

    anteriores sobre os efeitos da relao homem-animal na reduo da presso

    sangunea, acrescentando que essa interao favorece a sobrevivncia dos

    indivduos aps sofrerem ataques cardacos.

  • 52

    - Rebecca Johnson, diretora associada do Centro de pesquisas em

    excelncia sobre envelhecimento, da Universidade de Missouri-Columbia,

    mostrou que h um aumento do nvel de serotonina (o chamado hormnio

    da felicidade) aps a interao de idosos com ces

    - A propsito, Sandra Barker, outro estudo em destaque no site da

    Pawsitive Interaction assinalou que as descobertas cientficas sobre o tema

    so especialmente relevantes para o tratamento de idosos, considerando-se

    a alta probabilidade de ocorrncia de sentimentos de solido e da depresso

    nessa faixa etria.

    Carvalho (2009) aponta a existncia de vrios registros cientficos

    sobre pessoas que superaram a depresso auxiliadas pelo convvio com

    animais, alm de estudos que comprovam que

    a chance de sobrevivncia a um enfarto

    cardaco quatro vezes maior para quem tem

    um animal em casa, comparado a quem vive

    s. O cavalo, segundo a autora, favorece a

    obteno de resultados favorveis no

    tratamento de problemas relacionados ao

    sistema nervoso central, como: paralisia cerebral, acidente vascular cerebral,

    sndrome de Down, entre outras patologias; pois alm dos benefcios fsicos,

    a equoterapia estimula a orientao espacial, a auto-estima e o poder de

    concentrao.

    Andrade (2010) investigou os efeitos da equoterapia, alm das

    tcnicas convencionais, no tratamento fonoaudiolgico de duas crianas

    com distrbios de linguagem oral. Os resultados apontaram que a presena

    do cavalo favoreceu a atividade dialgica, gestualidade, expresso de

    sentimentos e afetividade nos casos clnicos estudados.

    Carvalho (2009) assinala que, em relao aos idosos, pesquisas tem

    demonstrado a importncia da presena do animal no tratamento,

    especialmente para a reduo da presso sangnea e aumento da

    mobilidade. E que benefcios estendem-se a pacientes portadores de AIDS

    em estado terminal, estudados em um programa desenvolvido em ambiente

  • 53

    hospitalar (So Francisco/Califrnia), aos quais foi oferecida a possibilidade

    da companhia de gatos e cachorros.

    Berzins (2000) estudando as relaes entre os idosos e os animais

    domsticos, constatou que elas so singulares e permeadas de profundo

    significado, podendo ser uma compensao para o chamado ninho vazio: a

    vida sem sentido pela falta de convvio com os familiares. Observou tambm

    que a presena do animal resultou na reduo da ansiedade e da

    depresso, uma vez que os animais incentivam a atividade fsica, tanto para

    lev-los aos passeios como para a realizao dos cuidados dirios. Durante

    a internao, os pacientes demonstraram desejo de recuperarem-se para

    voltarem a cuidar de seus animais.

    Nessa direo, destaca-se no Brasil, o trabalho pioneiro da mdica

    psiquiatra, psicanalista e terapeuta ocupacional

    Nise da Silveira, que na dcada de 50 j utilizava

    animais em terapias de pacientes esquizofrnicos

    no Centro Psiquitrico D. Pedro II, sediado no Rio

    de Janeiro, onde obteve significativos resultados

    sem, contudo, public-los por meios cientficos. O

    caso de um de seus pacientes (Carlos) contm

    elementos significativos para o entendimento

    desse tipo de interveno.

    Explicitando: sua expresso verbal era

    praticamente ininteligvel e o caminho para que as pessoas o

    compreendessem deu-se por intermdio do animal. O paciente, que durante

    anos estava recolhido ao seu mundo interno, passou a interessar-se pelos

    cuidados com o co Sulto, evoluindo significativamente quanto ao seu

    quadro clnico. Porm, Sulto foi morto por envenenamento e com a perda

    daquele ponto de referncia externo e investido de muito afeto, Carlos

    regrediu tornando-se ainda mais inacessvel que antes. Somente dois anos

    depois, ele vinculou-se a outro co, o Sertanejo, ao qual se referia como seu

    confidente, e passou a colaborar espontaneamente na limpeza do local onde

    dormiam os animais e dando-lhes banhos semanais. O mais surpreendente

  • 54

    do caso, segundo Silveira (1981), foi quando Carlos lhe pediu dinheiro para

    comprar gua oxigenada, mercrio cromo e gaze, pois Sertanejo havia

    ferido uma das patas. Fez as compras na farmcia prxima, trouxe o troco

    correto do dinheiro e, com extremo cuidado, fez o curativo na pata de

    Sertanejo.

    Como aponta Mantovani (2007, pg.35): fazendo parte de nossa

    cultura e de nossas rotinas, os animais passaram a desempenhar outros

    papis para alm da companhia que nos fazem, pois atualmente habitam

    consultrios, hospitais, escolas e instituies diversas, devido aos benefcios

    atribudos tanto pelo senso comum, quando destacados por pesquisas que

    apontam para a relevncia da discusso e produo de conhecimento

    cientfico sobre o tema.

    Feitas essas consideraes, no prximo captulo sero apresentadas

    as modalidades de interveno com animais, atualmente nomeadas como

    Atividade Assistida por Animais (AAA) e Terapia Assistida por Animais

    (TAA).

  • 55

    CAPTULO III

    _____________________________________________________________

    Em uma poca da investigao,

    quando existe a tentao de reduzir as emoes humanas

    a reaes bioqumicas (...),

    fascinante descobrir que a sade de uma pessoa

    pode ser melhorada ao se prescrever

    o contato com outros seres vivos.

    MC CULLOCH

  • 56

    3.1 TAA e AAA: definies e caracterizao

    Quando em todo o mundo, os animais de estimao eram

    considerados como objetos de luxo ou itens descartveis, alguns

    profissionais como veterinrios, psiquiatras e mdicos compartilhavam

    observaes a partir de suas prticas e experincias pessoais em que a

    interao com os animais apresentavam impacto positivo sobre a sade

    fsica e psquica dos humanos.

    Considerando a relevncia daquilo que testemunhavam, um grupo

    desses profissionais concluiu que apenas seus relatos no eram suficientes

    para captar a ateno da comunidade mdica, e decidiram desenvolver

    pesquisas cientficas visando ampliao/divulgao dos conhecimentos

    sobre o tema.

    Assim, fundaram a organizao Delta em 1977, na cidade de

    Portland/EUA, que em 1981 passou a ser denominada Delta Society The

    Humam-Animal Health Connection. Essa entidade sem fins lucrativos tem

    como o objetivo promover a interao entre animais e humanos, a fim de

    avaliar e potencializar os benefcios para a sade e qualidade de vida de

    ambos. Devido necessidade do estabelecimento de padronizao

    terminolgica e conceitual, definiu:

    1. Atividade Assistida por Animais (AAA)

    Conceito que envolve visitao, recreao, e distrao por meio do

    contato direto dos animais com as pessoas. (...) So atividades que

    desenvolvem o incio de um relacionamento, propem entretenimento,

    oportunidade de motivao e informao, a fim de melhorar a qualidade de

    vida. (DELTA SOCIETY apud DOTTI, 2005, p.30)

    2. Terapia Assistida por Animais (TAA)

    Envolve servios profissionais da rea mdica e outras, que utilizam

    o animal como parte do trabalho e do tratamento. (...) A TAA dirigida e

    desenhada para promover a sade fsica, social, emocional e/ou funes

    cognitivas. um processo teraputico formal com procedimentos e

    metodologia, amplamente documentado, planejado, tabulado, medido e seus

  • 57

    resultados avaliados. Pode ser desenvolvida em grupo ou de forma

    individual. (DELTA SOCIETY apud DOTTI, 2005, p.30)

    A atuao profissional nessa rea, aos poucos foi se tornando

    internacionalmente conhecida. No Brasil, no livro de referncia Terapia &

    Animais, Dotti (2005) mostra como os animais podem melhorar a qualidade

    de vida e influenciar positivamente a sade fsica e psquica dos seres

    humanos, alm de apresentar um guia prtico para organizaes,

    profissionais, estudantes, voluntrios e interessados em ingressar nessa

    rea.

    Dotti (2005) apresenta registros sobre a utilizao de animais no

    tratamento de diversos pacientes (com artrose, Alzheimer e depresso),

    relatos de experincias vividas no Brasil e no

    exterior e destaca os trabalhos da Dra. Nise da

    Silveira no Hospital Psiquitrico Dom Pedro II,

    onde foram realizadas as primeiras experincias

    brasileiras de utilizar animais com fins

    teraputicos.

    O autor tambm aborda temas importantes

    como a natureza e caractersticas dessas

    intervenes, critrios de avaliao e seleo dos

    animais, adestramento, e doenas que podem ser particularmente

    beneficiadas com a TAA.

    Destaca-se que Jrson Dotti fundou, em 2000, a Organizao

    Brasileira de Interao Homem-Animal Co Corao (OBIHACC) e o Projeto

    Co do Idoso, ambos com o objetivo de desenvolver a AAA e a TAA em So

    Paulo. E, embora a OBIHACC tenha encerrado suas atividades, profissionais

    remanescentes dessa extinta ONG (2000 2008) fundaram a Instituio

    Nacional de Aes e Terapias Assistidas por Animais (INATAA) 1.

    1 Instituio Nacional de Aes e Terapias Assistidas por Animais (INATAA) tem os

    mesmos propsitos da OBIHACC, a saber: realizar visitas com ces a asilos para a realizao de Atividade Assistida por Animais (AAA). Atende cerca de 400 pessoas por ms, entre crianas, adolescentes, adultos e idosos, em 4 instituies asilares, no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, no Hospital das Clnicas IPQ (Instituto de Psiquiatria) e no Hospital Santa Marcelina - Ncleo Integrado de Reabilitao (NIR) Jardim Soares, em So

  • 58

    vlido ressaltar o esforo do autor em organizar essa publicao

    sobre um campo de atuao pouco conhecido/desenvolvido no Brasil, sendo

    que essa iniciativa incentivou a produo nacional de investigaes

    relevantes sobre AAA e TAA.

    Chandler (2005), doutora em Educao pela Universidade Tech, no

    Texas, onde criou e ainda dirige o Centro de

    Terapia Assistida por Animais, foi pioneira ao

    desenvolver um curso sobre o tema. Alm de

    manter parceria com a Delta Society, onde

    certificou seu co Rusty e seu gato Snowflake,

    publicou entre estudos e artigos, o livro Animal

    Assisted Therapy in Counseling (2005) em que

    delineia as tcnicas da TAA e, apoiada em

    exemplos de casos, explica como selecionar,

    treinar e avaliar o animal para o trabalho

    teraputico. A autora examina as consideraes ticas e de gesto de risco,

    fornece um histrico de TAA incluindo orientaes para o estabelecimento

    de um programa de base universitria para a formao de TAA, alm de

    elaborar formulrio para ser usado na triagem dos clientes.

    Em suas consideraes, Chandler (2005) define a TAA como a

    incluso de animais como agentes

    teraputicos, valendo-se da relao

    entre estes e seus donos para prestar

    servios aos sujeitos, favorecendo a

    promoo da sade. De acordo com a

    autora, os efeitos da TAA so

    demonstrados pelos impactos positivos

    na dinmica teraputica, aumentando a

    motivao do paciente em participar das atividades. Por sua vez, o contato

    fsico com o animal, que ela denomina como co-terapeuta, faz com que o

    Paulo. O Instituto conta com o trabalho de 65 Voluntrios com co ou sem co, e 61 ces terapeutas.

  • 59

    paciente fique mais calmo, experimentando momentos de incondicional

    aceitao e de diverso.

    Chandler (2005) considera que os animais tornam-se poderosos

    objetos transicionais por serem carinhosos e receptivos, alm de ajudar os

    pacientes a interagirem com as pessoas, principalmente com aquelas que

    compartilham com eles o carinho pelos animais.

    Ainda de acordo com a autora, existem muitos animais que so

    adequados para a TAA, embora os ces predominem seguido pelos cavalos.

    E ressalta as caractersticas do terapeuta: ter uma relao positiva com o

    animal participante da terapia, articulando situaes de interao entre o

    paciente e o animal e entre o paciente e o terapeuta.

    Entretanto, Chandler (2005) acredita que a proposta de trabalho

    mais efetiva quando o profissional utiliza o seu prprio animal, por considerar

    que o vnculo entre eles um forte catalisador dos ganhos teraputicos, em

    funo da tpica relao de mtua confiana estabelecida. Por sua vez, a

    seu ver, o animal deve ser saudvel, bem comportado, socivel e ter alta

    tolerncia a estresse. Especificamente quanto aos ces, interessante que

    ele tenha algumas habilidades especiais como atender a comandos bsicos

    (deita, senta, fica e no), embora a autora considere que todos j tenham

    alguns dons naturais por serem comunicadores expressivos e no

    esconderem seus sentimentos.

    Nessa direo, a autora aponta a TAA como benfica para o bem-

    estar psicossocial e cita estudos que

    evidenciam: reduo de estados

    depressivos em adultos (McVARISH,

    1995), aumento da auto-estima em

    adultos (WALSH & MERTIN, 1994),

    reduo nos nveis de presso

    sangnea, estresse e ansiedade em

    crianas (FRIEDMAN e outros 1