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Flo Menezes: Mapeamento do texto »Wandlungen der musikalischen Form » (1958-59) de György LIGETI [in : Ligeti, Gesammelte Schriften, Band 1, Schott / Paul Sacher Stiftung, Mainz, 2007, pp. 85-104 ; publicado originalmentein: Die Reihe, 7, Universal Edition, Wien, 1960, pp. 5-17] Apontamentos do primeiro semestre de 2008 p. 85: técnica e fantasia se transformam em troca constante e recíproca instauração da “república cromática” [„chromatische Republik“]: expansão progressiva da parametrização das alturas à totalidade da forma → quantificação (quantização) de todos os parâmetros [possíveis]: “E desta forma a estrutura musical assumiu o caráter do ‘pontual’” [„So nahm die musikalische Struktur den Charakter des ‚Punktuellen‘ an“] entretanto mal foram serializadas durações, graus de intensidade e timbres, a expansão deste método procurou abarcar categorias mais globais, tais como registro, relações de densidade, distribuição de tipos de movimento e de estrutura, proporção da forma total

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Page 1: Flo Menezes: Mapeamento do texto »Wandlungen der musikalischen Form » (1958-59) de György LIGETI [in : Ligeti, Gesammelte Schriften, Band 1, Schott / Paul

Flo Menezes:Mapeamento do texto »Wandlungen der musikalischen Form » (1958-59) de György LIGETI

[in : Ligeti, Gesammelte Schriften, Band 1, Schott / Paul Sacher Stiftung, Mainz, 2007, pp. 85-104 ;publicado originalmentein: Die Reihe, 7, Universal Edition, Wien, 1960, pp. 5-17]

Apontamentos do primeiro semestre de 2008

p. 85: ♩  técnica e fantasia se transformam em troca constante e recíproca

♩  instauração da “república cromática” [„chromatische Republik“]: expansão progressiva da parametrização das alturas à totalidade da forma → quantificação (quantização) de todos os parâmetros [possíveis]: “E desta forma a estrutura musical assumiu o caráter do ‘pontual’” [„So nahm die musikalische Struktur den Charakter des ‚Punktuellen‘ an“]

♫entretanto mal foram serializadas durações, graus de intensidade e timbres, a expansão deste método procurou abarcar categorias mais globais, tais como 

registro, relações de densidade, distribuição de tipos de movimento e de estrutura, proporção da forma total

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♫com o controle de categorias mais abrangentes a ordenação dos parâmetros elementares torna-se cada vez mais frouxa

[„Mit serieller Steuerung umfassender Formkategorien lockerte sich Schritt für Schritt die Einordnung der elementaren Parameter“]

♫o “pontual” (ou o “pontilhista”) expandiu-se para o que diz respeito aos “campos estatísticos”

[„Das ‚Punktuelle‘ erweiterte sich zum ‚Statistisch-Feldmäßigen‘“]

♫[tem-se a transformação do serialismo pontilhista à técnica de grupos]

p. 86: 

♫tal transformação ocasionou o sacrifício do que havia se iniciado:a ordenação serial das alturas

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♩ em tal processo, distinguem-se cinco “tipos de destruição” [„Destruktionstypen“]:

1.

a individualidade das ordenações seriais individuais enfraqueceu-se em conseqüência da disposição simultânea de diversos desenvolvimentos seriais horizontais [linhas], nos quais as notas comuns a tais ordenações eram dispostas no mesmo registro

[isto se dá particularmente a partir do que Boulez chamou,em “Le Système et l’Idée”, de “controle relativo da dimensão vertical” em 

Webern, com o congelamento do registro, a que dei o nome deperiodicidade de freqüência]

♫no caso de um acoplamento de tal procedimento com séries de durações, os intervalos podem fugir ao controle do compositor, resultando de uma espécie de 

“automatismo”[„[Die Intervalle] folgen einem aus der Art der Prozedur hervorgehenden Automatismus“]

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♫quanto mais impõem-se tais diretivas, tanto menos determinada resulta a estrutura, e vice-versa: quanto mais se procura determinar o resultado, tanto 

menos deixam-se determinar as relações e ordenações mais elementares

♫resulta daí uma contradição radical [„wurzelnde Kontradiktion“] entredetalhe e forma

♫Ligeti cita Berio em “Aspetti di artigianato formale” (1956), quando fala de um“superamento della sensazione di serie di altezze focali e di intervallo a favore di 

una sensazione di qualità sonore e di registro, considerando questi ultimi gli elementi attivi e determinanti della struttura formale”

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p. 87: 

2.

o caráter formal [Gestaltcharakter] das séries de alturas enfraquece-se através da preferência por seqüências mais homogêneas de intervalos, como no caso do puro cromatismo

♬ Stockhausen no Klavierstück II:permutações distintas de escalas cromáticas

♬ Nono em Coro di Didone:eleição pura e simples da escala cromática

♬ série de Nono em Il Canto Sospeso (e também em Varianti):

Lá – Sib – Láb – Si – Sol – Dó – Fá# –Dó# – Fá – Ré – Mi – Mib

♫empobrecimento da série [„Verarmung der ‚traditionellen Zwölftonkomposition‘“]

constitui em princípio uma“rica” série simétrica de todosos intervalos,                          mas na verdade é umasimples intercalação de duas séries simétricasem sentido contrário [série elementar citada por Eimert em

Lehrbuch der Zwölftontechnik (Ex. 29)]

2m 7m 3m 6m 4 4< 5 3M 6M 2M 7M

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♫na verticalização de tais relações cromáticas, os intervalos abrem mão de suas funções em prol de uma homogeneização da textura harmônica

[„Strukturbildend sind nicht mehr Intervalle, da diese ihre Funktion aufgegeben haben“]

3.

adaptação/alteração da ordem serial original a partir de sua submissão a regras de ordem superior

[„Der Tonhöhenablauf wird einem Reglement höherer Ordnung unterstellt, welches die ursprüngliche Tonhöhenreihe mehr oder weniger alteriert“]

♫exemplificação disso em Gruppen de Stockhausen: os grupos são determinados por âmbitos de alturas (registros) e a seqüência das alturas 

subordina-se a esta determinação estrutural de ordem superior

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pp. 86/87: 

♩ no caso de um âmbito menor que a oitava, os intervalos da série sofremuma espécie de compressão [„...erleidet die Reihe eine Kompression“]

♫dissociação da figuração distorcida com a série de origem,em face do temperamento

♫[Ligeti pondera que a única forma de se preservar a identidade entre a estrutura original e a distorção de âmbito dos intervalos seria a manutenção da proporção dos intervalos, o que não 

ocorre em Gruppen, e prenuncia teoricamente assim minhas projeções proporcionais:“Através de geração eletrônica dos sons ou – no caso de instrumentos de cordas – do uso de 

intervalos menores que o meio-tom as proporções originais podem ser preservadas mesmo em um âmbito menor, porém com o temperamento fixo (divisão da oitava em 12 partes iguais) a 

série original é dissociada”

[„Mittels  elektronischer Tonerzeugung oder – auf Streichinstrumente – der Benutzung von Intervallen, die kleiner als ein Halbton sind, können zwar die ursprünglichen Tonhöhenproportionen auch in einem schmaleren Ambitus bewahrt werden, 

in gefestigter Temperatur (Zwölfteilung der Oktave) jedoch bleibt die ursprüngliche Reihe dissoziiert“] ]

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p. 88: 

4.

a função da série se deixa interpenetrar por outros parâmetros

[„Die Funktion von Tonhöhenreihen wird in andere Parameter verpflanzt“]

♫exemplificação disso no Quintette à la Mémoire de Webern de Pousseur, no qual os intervalos da série são constantemente “preenchidos” por relações 

cromáticas e transformam-se em série de densidades

5.

por fim, abre-se mão da elaboração prévia da ordenação serial em prol de disposições seriais de ordem superior

[„Auf Vorformung von Tonhöhenanordnungen wird, übergeordneten seriellen Anlagen zuliebe, völlig verzichtet“]

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♫tem-se como tendência geral, portanto, um enfraquecimento das fisionomias do intervalo

[„Die Gesamttendenz führt also zur Abstumpfung der Intervallphysiognomien“]

♫tensões e destensões (relaxamentos) encontram respaldo não mais nos próprios intervalos, mas antes em propriedades estatísticas da forma, tais como 

na relações de registro, densidade e constituição textural das estruturas[„Verwebungsart der Strukturen“]

♫tal tendência encontrava-se já presente no âmago da composição dodecafônica “tradicional”, tal como elucidado por Adorno

[„Die Neigung zur melodischen und harmonischen Indifferenz wurzelt bereits tief in der ‚traditionellen‘ Zwölftonkomposition“]

♩ em conseqüência disso, tem-se um “congelamento” das funções intervalares [„Lähmung 

der Intervallfunktion“] e intervalos “tensos” como o de sétima maior e o de nona menor passam a ser vistos antes como “oitavas impuras”, tal como descrito por Pousseur

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p. 89: 

♫problematização da oitava

♬ discrepância entre a tensão do salto expansivo melódico da oitava com seu alto grau de fusão harmônica deste intervalo, em que inexiste qualquer tensão

[„Diskrepanz zwischen der melodischen Spannweite der Oktave und dem hohen harmonischen Verschmelzungsgrad – also harmonischer Spannungslosigkeit“]

♬ oitava como corpo estranho em meio a um contexto não-hierarquizante do tipo não-tonal, em face de sua clara relação hierarquizante da nota superior como fazendo parte do espectro 

harmônico da nota inferior

♬ obras nas quais a oitava é utilizada conscientemente como meio principal – tal como em Nones de Berio – não contradizem tais constatações

♫em outro contexto, Ligeti falará que “a estrutura serial é hipersensível  contra a oitava. ... A oitava é vaga enquanto intervalo: ela não consiste em nenhuma repetição 

verdadeira da nota, mas funde-se por demais com a nota de partida para que seja percebida suficientemente como algo diverso”

[„Die serielle Struktur ist überempfindlich gegen Oktave. ... Die Oktave als Intervall hat etwas Vages: Sie ist keine echte Tonwiederholung, doch verschmilzt sie zu sehr mit der Ausgangsfrequenz, um als genügend Verschiedenes 

wahrgenommen zu werden – „Entscheidung und Automatik in der Structures 1a von Pierre Boulez“, idem, p. 437“]

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♫tal sensibilização levou à fixação de notas recorrentes em um mesmo registro, dando preferência ao uníssono em detrimento da oitava, pois o uníssono se vê 

livre de tais contradições

[„Solche Empfindlichkeit führt dazu, die Lage einzelner wiederkehrender Töne möglichst zu fixieren, also Einklänge den Oktaven vorzuziehen“;

„[Die Prim] ist frei von jenem Widerspruch zwischen harmonischer und melodischer Dimension, ist also nach beiden Richtungen hin spannungslos“]

♫[tal fato implica dois aspectos do uso do uníssono em contextos seriais:

♫a periodicidade de freqüência em Webern pode ser vista como um decorrência dessa necessidade

♬ além da ausência de contradição entre tensão e harmonicidade, típica do salto de oitava, o uníssono evoca a capacidade de 

transformação colorística através da variação dos componentes espectrais de uma mesma 

nota, em eco à experiência eletrônica]

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♩ em contextos complexos a alergia contra oitavas [„Allergie Oktaven gegenüber“] é dessensibilizada, pois em contextos de sobreposições especialmente complexas praticamente não se podem mais diferenciar os intervalos

[„... In einer besonders komplexen Überschichtung sind die einzelnen Intervalle kaum mehr zu unterscheiden“] 

♫PERMEABILIDADE do tecido musical:“A diminuição da sensibilidade intervalar ocasiona um estado que pode ser chamada de 

permeabilidade”

[„Die Abnahme der Intervall-Empfindlichkeit verursacht einen Zustand, den man Permeabilität (Durchlässigkeit) nennen kann“]

♫[será a partir da consciência de tal indiferenciação dos intervalos em complexos relativamente complexos que Ligeti poderá edificar sua micropolifonia

♫permeabilidade significará então que “estruturas de distintas constituições se desenvolvam simultaneamente, se condicionem mutuamente e se fundam totalmente” 

(“Kompositorische Tendenzen heute”, idem, p. 114)

♫resulta daí um “afrouxamento da discurso temporal”

[„Die so ermöglichte Verschiebbarkeit einzelner musikalischer Gestalten bewirkt aber eine weitgehende Auflockerung des zeitlichen Ablaufs“ (idem, ibidem)] ]

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♩ aversão de Ligeti a Palestrina: “O menor grau de permeabilidade até hoje talvez tenha sido a da música de Palestrina”

[„Den niedrigsten Grad von Permeabilität hatte bisher vielleicht die Musik Palestrinas“] 

p. 90: ♩ a música tonal subseqüente também revela-se como bem impermeável, mas menos do que supõem certos tratados de harmonia...

♫especialmente em contextos mais densos, em que vozes se desenvolvem simultaneamente, e em especial quando há distinções notáveis de cores 

instrumentais, determinadas impurezas harmônicas e pequenos deslocamentos temporais foram historicamente admitidos

♫permeabilidade presente em especial na música da Idade Média (motetos), na heterofonia de algumas músicas folclóricas e da música erudita não-européia, 

e também em Debussy

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♩ o alto grau de permeabilidade de muitas estruturas seriais ocasionou duas drásticas conseqüências formais:

1.

a capacidade de deslocamento de constituições individuais que se revelara como possível e diretamente proporcional à dimensão do campo no qual estas se inseriam acarreta um afrouxamento/flexibilização do discurso temporal [„Auflockerung des zeitlichen Ablaufs“]

♫acarretando simultâneos movimentos de velocidades distintas

♫Zeitmaße de Stockhausen2.

da ocorrência simultânea de estruturas distintas resulta a concepção de determinadas formas, nas quais se tem a sobreposição de diversas camadas com qualidades sônicas distintas

♫processo típico das realizações eletrônicas, inspirado nas técnicas de sincronização de eventos produzidos necessariamente em etapas distintas

p. 91:     ♬ composição por camadas [Schichtenkomposition] na música de 

quase todos os compositores seriais

♫Pousseur fala de “densidade polifônica” como um dos parâmetros compositivos

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♩ consideração sobre a obra de John Cage: insensibilização do intervalo e permeabilidade associada à coexistência caótica de acontecimentos e por vezes até mesmo de obras díspares tocadas simultaneamente

♫a equivalência de estruturas, resultados de operações do acaso, é estreitamente relacionada à equivalência de procedimentos automáticos do 

primeiro serialismo

♫[uma das primeiras manifestações a respeito das correlações entre prédeterminação serial e indeterminação pelo acaso, resumida ao final da vida de 

Berio como sendo a famosa coincidentia oppositorum:“It is true that a systematic and fanatically numerical procedure may turn out to be analogous, in its perceptible results, to a random procedure. It is equally undeniable 

that the awareness of this relative similarity of results is at the root of many significant musical achievements of the last decades”

(Berio, Remembering the Future, Harvard University Press, Cambridge, 2006, p. 84)] 

♫processo de nivelamento das estruturas, resultando numa dificuldade em se estabelecerem contrastes: “Quanto mais integrais forem as pré-formações das 

relações seriais, tanto maior será a entropia da estrutura resultante”

[„Je integraler die Vorformung serieller Beziehungen, um so größer die Entropie der resultierenden Struktur“]

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p. 92: ♩ o processo de nivelamento serial mostrou-se irreversível: “Quanto mais densa for a rede das operações a serem feitas com material pré-determinado, tanto maior o grau de nivelamento do resultado”[„Je dichter das Netz der mit vorgeordnetem Material ausgeführten Operationen, um so höher der Nivellierungsgrad des Ergebnisses“]

♫ ”A realização total do princípio serial acaba por abolir a própria série”[„Die totale Durchführung des seriellen Prinzips hebt das Serielle schließlich auf“]

♫“Fundamentalmente não há qualquer diferença entre resultados automatizados e produtos do acaso: o determinismo total acaba sendo igual à total indeterminação”[„Grundsätzlich gibt es keinen Unterschied zwischen automatischen Ergebnissen und Zufallsprodukten: Das 

total Determinierte wirt dem total Indeterminierten gleich“]

♫[a confrontação dos parâmetros serializados em um dado contexto tende a suprimir sua diferenciação: “Quanto mais os parâmetros composicionais forem pré-determinados, tanto 

mais indeterminado será o resultado, pois as ordenações que foram estabelecidas de antemão para cada parâmetro isoladamente se suprimem reciprocamente, tão logo encontram-se 

confrontados umas com as outras no processo compositivo”[„Je mehr nämlich die kompositorischen Parameter vorherbestimmt werden, desto unbestimmter ist das Resultat, denn 

die Ordnungen, die für jeden Parameter gesondert im vorhinein aufgestellt werden, heben sich gegenseitig auf, sobald sie im Kompositionsprozeß miteinander konfrontiert werden“ (Ligeti, „Kompositorische Tendenzen heute“, idem, p. 113)]]

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♫ o nivelamento acaba por se dar igualmente no decurso formal; o “hábito” formal tanto de obras seriais integrais quanto das de Cage segue o fluxo: pausa – acontecimento – pausa – acontecimento – pausa – etc., pois a diferenciação formal só poderia se dar a partir de uma diferenciação do todo, o que é interditado pela “igualação” de princípio

[„[Die] gesteigerte Unterschiedlichkeitsgrade von Einzelmomenten nur auf Kosten der Differenzierung des Ganzen möglich sind“]

♫Ligeti observa, entretanto, que as pausas em Cage tendem a ser maiores que as presentes na música serial

pp. 92/93: ♩ combater tal nivelamento só se faz possível se uma ordenação de tipo superior se der pelas vias de decisões em meio ao processo composicional [→ o que motivou a análise de Ligeti da Structure Ia de Boulez: “Entscheidung und Automatik in der Structure Ia von Pierre Boulez”][„... wenn also eine höchstmögliche Ordnung durch Entscheidung während des Komponierens erstrebt wird “]

p. 93: ♩ possibilidades de se organizar uma tal ordenação e de se “perfilar” caracteres musicais existirão quando o acento das obras seriais centrarem-se em categoriais globais [„... wo das Schwergewicht serieller Komposition auf jene erwähnten globalen Kategorien verschoben wird“]

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♩ o trabalho composicional com tal procedimento divide-se em duas fases sucessivas:

1.

pré-formação serial dos fatores determinantes globais [„Serielle Vorformung der globalen Bestimmungsfaktoren“]

2.

preenchimento da rede de possibilidades advinda de tal pré-formação por meio de decisões de detalhe, sendo que pela instalação ou evasão de determinadas constelações os caracteres almejados podem ser elaborados

[„Ausfüllung des sich so ergebenden Netzes von Möglichkeiten durch Entscheidungen im Detail; durch Aufstellung beziehungsweise Vermeidung gewisser Konstellationen können erstrebte Charaktere ausgearbeitet werden“]

♫[a) o conceito de constelações aproxima-se sobremaneira do mesmo conceitoem Boulez;

b) as “restrições” apontadas como operações eventualmente necessárias correspondem às restrições (constraints) enquanto conceito pertinente nas poéticas atuais, tais como as de 

Ferneyhough e outros]

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p. 94: ♩ Ligeti cita então como exemplo Gruppen de Stockhausen e implicitamente a técnica de grupos da última fase do serialismo integral, apontando para uma flexibilização do discurso e a possível constituição de transições de caráter

[„... wodurch dann das Auskomponieren von Übergängen ermöglicht wird“]

♩ fazendo menção agora explícita a Boulez em nota de rodapé (até p. 94), Ligeti aparta-se, contudo, da noção de “acaso dirigido” [„gelenkter Zufall“] [ou mesmo de “improvisação dirigida”]: “Constituir a forma resultante transferindo-a aos executantes como ‘liberdade’ – tal como ocorre por exemplo no Klavierstück XI de Stockhausen ou na Terceira Sonata de Boulez – é ilusório. ... Não se trata aí de forma alguma de uma autêntica liberdade interpretativa, mas antes de uma ‘ossia’ multiplicada”

[„Die Gestaltung der resultierenden Form als ‚Freiheit‘ den Ausführenden zu übertragen – wie das zum Beispiel in Stockhausens Klavierstück XI und in der Dritten Klaviersonate von Boulez geschieht – ist trügerisch. ... Eine echte Interpretationsfreiheit ist das keineswegs, nur eine vervielfachte ‚ossia‘“]

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♩ em seguida, evocando obras tais como o segundo ciclo dos Klavierstücke (V a X) de Stockhausen, as peças para piano de Pousseur e o quinteto de sopros de Koenig, aponta para a possibilidade de uma pregnância estatística de determinados intervalos, sem que os mesmos impliquem uma escrita regressiva: “Os intervalos não são [por isso] hierarquizados, distanciam-se de toda função tonalizante e são antes tratados como características grupais, assim como densidades e tipos de movimentos”

[„Die Intervalle werden nicht hierarchisiert, bleiben bar jeder tonalen Funktionalität und werden als Gruppenmerkmale behandelt, ähnlich den Dichten und Bewegungstypen“]

pp. 94/95: ♩ mas então se pergunta: “Se as determinações seriais se deslocaram para o nível das categorias globais da forma e os momentos particulares se deixam conceber apenas de modo vago, para quê então ainda lançar mão de manipulações seriais? Não se poderia entregar a forma à mais perfeita e livre fantasia, tanto no que diz respeito ao discurso como um todo quanto também em todos os seus detalhes?”

[„Wenn sich die Reihenbestimmungen ohnehin auf globalere Kategorien der Form verschoben haben und Einzelmomente nur mehr vage umfassen, warum dann überhaupt noch serielle Manipulationen? Könnte man nicht die Form, sowohl in ihrem Gesamtablauf wie auch in allen ihren Details, der vollkommen ungebundenen Phantasie überlassen?“]

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p. 95: ♩ ponderação acerca da falsidade da pretensa “liberdade”, apontando para o caráter regressivo de obras do gênero, e evocando a necessidade em se proteger uma tal rede constitutiva da forma diante de questionáveis [e banais] repetições e periodicidades

♩ dificuldade em se predizer o que aconteceria, pois “muita coisa aparece sob uma luz totalmente diversa aos compositores individualmente”[„... vieles erscheint den einzelnen Komponisten in ganz verschiedenem Licht“]

♫[haja vista o que ocorrerá, nesse contexto, com Pousseur, que verá no resgate radical justamente da periodicidade o elemento poético de maior força para a “liberação” das 

amarras seriais, sem que se abrisse mão das aquisições do serialismo integral→ noção de periodicidade generalizada em Pousseur

♫o próprio Ligeti refletirá um pouco depois (p. 103) sobre as condições históricas que conduziram a linguagem de tipo serial a uma aversão com relação aos fenômenos periódicos: “A crescente alergia com relação a todas as constelações já pertencentes ao passado exclui por princípio a possibilidade de ostinati e torna a emergência de toda constituição ou procedimento formal claramente periódico insuportável”  

[„Die zunehmende Allergisierung gegenüber allen schon gewesenen Konstellationen schaltet die Möglichkeit von Ostinati grundsätzlich aus und macht das Auftauchen aller offenkundig periodisierenden Gestalten oder Formverläufe unerträglich“] ]

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♩ três tendências que se delineiam a partir de tais contingências:

1.

a entrançadura das predeterminações seriais parece tender a um outro afrouxamento ou flexibilização, a partir da qual a relação entre o plano pré-estabelecido e a forma daí resultante não se dá mais de maneira unilateral ou fixa, mas, ao contrário, a realização do fato musical atua de modo retroativo no próprio plano pré-concebido

♫com isso o esboço perde a qualidade de uma pré-formação inexorável, ainda que permaneça válido em seus contornos elásticos

[„Damit verliert der Entwurf die Qualität einer verbindlichen Vor-Formung, bleibt jedoch gültig in seinen elastischen Konturen“]

♫[Ligeti antecipa, assim, a noção de envelope, tal como esta emergirá bem mais tarde em Boulez]

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♩ a integridade da forma somente poderá permanecer intacta se tais acontecimentos “inesperados” não aparecerem de maneira inorgânica, como meros efeitos perturbativos

♫daí resultam acontecimentos emergentes anteriormente imprevistos, como surpresas [„Überraschungen“] 

♩ tais acontecimentos heterogêneos devem atuar reciprocamente em relação ao contexto, fazendo com que tenham lugar tanto transformações graduais quanto mutações repentinas

[„Vielmehr sollten sich solche heterogenen Geschehnisse in gegenseitiger Einwirkung verändern, wobei graduelle Transformationen wie auch plötzliche Mutationen möglich wären“]

♫ Ligeti pontua que procurou realizar tal idéia formal na primeira parte de Apparitions

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pp. 95/96: 

2.

o manejo serial, em especial dos valores de duração, conduz a contradições internas que levam à necessidade de se desviar de modo considerável da ordenação serial

♫ quanto maior um intervalo de duração, tanto mais dominante ele se faz diante dos valores de menor duração

[„Je länger nämlich ein Dauerintervall ist, um so dominierender wird es“]

♫ resulta daí uma polarização dos maiores valores de duração

[„Dominieren der längeren Werte“]

♫ e resulta daí uma contradição desta polarização com o princípio serial de não-hierarquia

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♩ métodos desenvolvidos para se combater tal contradição entre a polarização dos maiores valores de duração e o princípio de base do serialismo de não-hierarquia:

a.

cisão dos intervalos de duração predeterminados serialmente

[„Aufspaltung der seriell vorbestimmten Dauernintervalle“]

♫ Ligeti cita a Structure Ia de Boulez, na qual Boulez adapta a rigidez da predeterminação serial com as “células rítmicas” de Messiaen,

e a divisão em Stockhausen dos valores de duração a partir de distintas combinações derivadas da série harmônica

[numa clara alusão às ponderações efetuadas por Stockhausen em“... wie die Zeit vergeht...”]

b.

destruição das relações seriais originais entre durações por meio da inserção simultânea de mais camadas com distintas disposições das durações, tal como 

ocorre na composição por camadas já citada

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c.

alteração das proporções de duração através de um sistema “governativo” de relações de tempo superiores [„Lenksystem übergeordneter Zeitverhältnisse“], ou seja, de 

“tempi”, método geral que se faz notar em quase todas as obras seriais

d.

substituição de alguns ou de todos os valores de duração por transformações de velocidade reguladas serialmente

♫ tal procedimento, associado diretamente a Zeitmaße de Stockhausen, constitui um dos principais fermentos para se evitar a 

rigidez do sistema e para uma aplicação serial mais funcional e condizente com as capacidades interpretativas

♫ dele resulta uma afluência de calor e subjetividade [„Wärme und 

Subjektivität“] para o interior do serialismo

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p. 97: ♩ uma vez que todos esses procedimentos irrevogavelmente destroem a predeterminação serial fixa dos valores de duração, mais precisamente por meio do desvio que se faz por medidas de controle de ordem superior, faz-se pertinente a pergunta sobre se não se deveria encarar diretamente as relações elementares de duração e, ao invés de optar por terapias corretivas, apropriar-se diretamente da constituição mesma do decurso temporal da forma

[„Da alle diese Verfahren die ursprüngliche fixe Prädeterminierung der Dauernwerte ohnedies zerstören, und zwar über den Umweg übergeordneter Steuerungsmaßnahmen, ist es sinnvoll, die Frage zu stellen, ob man nicht in die elementaren Dauernverhältnisse selbst eingreifen und anstelle korrektiver Therapie die Gestaltung des zeitlichen Ablaufs der Form unmittelbar in die Hand nehmen sollte“]

♫ Ligeti evoca então a distribuição estatística das durações na primeira parte de Apparitions: “Quanto menor um intervalo de duração, tanto mais ele aparece nesse contexto: às durações mais longas correspondem várias menores, de tal 

forma que a soma das menores se equivale à das maiores”

♫ algo semelhante ocorre na peça eletrônica Artikulation: o mesmo tipo de distribuição acontece aqui associada ao engendramento dos distintos tipos de 

textura, resultando daí uma transformação da média das densidades específicas de textura em textura

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♫ como quer que seja o princípio de ordenação serial se vê questionado: “A ‘música serial’ compartilha o mesmo destino de toda e qualquer música de até então: em sua 

emergência já se encontram os germens de sua posterior dissolução”

[„Die ‚serielle Musik‘ wird von demselben Schicksal ereilt wie alle bisherige: Ihrem Entstehen wohnen die Keime der späteren Auflösung bereits inne“]

pp. 97/98: 

3.

diferenciam-se distintos estados de agregação do material musical: “Uma vez que a função constituinte da forma, que outrora residia na constituição de linhas melódicas, de motivos e de formações acórdicas individuais, responde na música serial por categorias mais complexas, tais como grupos, estruturas ou texturas, a forma de seus agenciamentos assume um papel proeminente na constituição da composição. Podem-se diferenciar distintos ‘estados de agregações’ do material”

[„Da die formbildende Funktion, die einst einzelnen melodischen Linien, Motiven oder akkordischen Bildungen vorbehalten war, in der seriellen Musik komplexeren Kategorien wie Gruppen, Strukturen oder Texturen überantwortet wurde, übernimmt die Art ihrer Verwebung eine eminente Rolle in der kompositorischen Gestaltung. Man könnte verschiedene ‚Aggregatzustände‘ des Materials unterscheiden“]

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p. 98 (em nota de rodapé): ♩ distingue-se aí estrutura de textura

♫estrutura: constituição claramente diferenciável, cujos componentes são diferenciáveis entre si e podem ser considerados enquanto o produto das relações recíprocas de todos os seus detalhes

♫textura: complexo homogêneo e menos articulado, no qual os 

elementos constituintes quase que se desfazem por completo

♫ uma estrutura pode ser analisada de acordo com seus 

componentes

♫ uma textura pode ser mais bem descrita, ao contrário, por 

suas características globais, estatísticas

♫ [Ligeti mescla em sua definição de estrutura um 

pouco de estrutura com um pouco das noções de

figura/gesto]

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♩ a partir da terceira e última tendência apontada, e evocando Gruppen de Stockhausen e Artikulation, na qual “a ordenação serial... serviu como base para a construção da forma”, almejando em sua totalidade uma “progressão [direcionalidade] gradual e irreversível [„ein graduelles, irreversibles Fortschreiten“] (pp. 98/99), vê-se que “em tal procedimento composicional a consideração acerca do grau de permeabilidade é de suma importância”[„In diesem kompositorischen Verfahren ist die Berücksichtigung der Permeabilitätsgrade von vordergründiger Wichtigkeit“]

p. 99: ♩ obrigatoriamente associa-se nesse procedimento calcado sobretudo nos estados do material aspectos visuais e táteis, numa “pseudomorfose com a pintura” [„Pseudomorphose an Malerei“] anteriormente já descrita por Adorno com relação a Debussy e a Stravinsky, mas aqui de modo ainda mais evidente

♩ observa-se isso sobretudo a partir da experiência eletrônica, na qual o compositor atua diretamente sobre o que soa, citando Adorno: “O músico torna-se, em certo sentido, pintor: ele influencia diretamente a qualidade da realização”

[„Der Musiker wird gewissermaßen zum Maler: er beeinflußt unmittelbar die Qualität der Realisation“ – Philosophie der neuen Musik]

♫em mais uma evidente confluência com o pensamento de Boulez, Ligeti cita Klee

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p. 100: ♩ evoca a qualidade da música de Webern, na qual se tem uma “projeção do transcurso temporal em um espaço imaginário” [„Projektion des Zeitverlaufs in jenen imaginären Raum“], “provocada pela constante reciprocidade das constituições motívicas e sua retrogradação” [„provoziert von der ständig präsenten Reziprozität der Motivgestalten und ihres Rücklaufs“]

♫explica, através da “tendência a uma espacialização do tempo” [„Tendenz zur 

Verräumlichung der Zeit“], o porquê de Boulez achar Debussy mais atual que Schönberg

p. 101: ♩ outras tendências de constituição do fator tempo, como as que não o paralisam, mas “dissociam seu fluxo” [„die den Zeitverlauf selbst nicht lahmlegen, jedoch seine Fluß dissoziieren“] 

♫raízes históricas já na música em Beethoven[= dissociação cubista do fluxo temporal]

♫temporalização do espaço em situações pictóricas simultâneas em 

Picasso

♫pensamento por camadas e interpolação de acontecimentos (e de pensamentos) em Ulysses de Joyce

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p. 102: ♩ nota de rodapé: a progressiva espacialização do tempo pode constituir um dos aspectos do anseio em se projetar o espaço imaginário em um espaço real, como ocorre com Cage e Stockhausen [e Berio!] ao espacializar grupos instrumentais ou alto-falantes, conferindo uma nova função a esse procedimento de origem barroca e veneziana

♩ através da dessensibilização dos intervalos, o efeito de cruzamento harmônico, que antes constituía o dado essencial do procedimento [composicional], torna-se quase uma perda; sobra ao ouvido, entretanto, o seguimento simultâneo dos movimentos divergentes

♫em conseqüência do alto grau de permeabilidade, os distintos decursos tendem a uma fusão entre si, o qual suprime sua variabilidade original em uma espécie nova de 

entidade de ordem superior

♫[pelo viés de um problema, Ligeti chega à elaboração de um novo tipo morfológico de comportamento estrutural, que ele chamará posteriormente de micropolifonia]

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♫“O que se revela propenso às formigas nos detalhes parece silenciar na totalidade”

[„Was sich in den Details ameisenhaft regt, scheint in der Totalität stillzustehen“]

p. 104: ♫“O que se demonstra como muito mais compensador de se ansear é a constituição 

composicional do próprio processo de transformação”

[Was zu streben sich indessen weitaus mehr lohnen würde, wäre die kompositorische Gestaltung des Wandlungsprozesses selber.“]

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Flo Menezes:Algumas idéias (mapeando a micropolifonia) do texto » Musik und Technik » (1980) de György LIGETI

[in : Ligeti, Gesammelte Schriften, Band 1, Schott / Paul Sacher Stiftung, Mainz, 2007, pp. 237-261

Apontamentos do primeiro semestre de 2008

p. 237, nota de rodapé: ♩  primeira Realisationspartitur [ao contrário do que afirma Stockhausen, como sendo a de Kontakte]: a da obra eletrônica Essay (1957-58) de Gottfried Michael Koenig

p. 240: ♩  « O que pretendeu Koenig não foi mais obter misturas (Tongemische) a partir de um grande número de sons senoidais, mas antes processos formais que situavam-se no limite da sucessibilidade dos sons, processos no interior dos sons. Koenig ateve-se aos sons senoidais como material acústico de base a fim de manter sob controle as transformações de timbre: toda forma de vibração mais complexa comportaria já em si um timbre pregnante e não permitiria assim o controle do desenvolvimento tímbrico. A relativa neutralidade de timbre do som senoidal permitiria, ainda que apenas de forma limitada, tal controle”

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pp. 240-241: ♩  Ligeti explica como Koenig realizou Essay: gravou em pedaços de fita magnética sons senoidais de freqüências distintas e durações (tamanhos de fita) distintas, colando-os um após o outro sem pausas (linhas verticais no exemplo abaixo), resultando numa seqüência de sons (podemos dizer: num dado “perfil” de sons senoidais) que nomeou de J a W:

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♩  uma vez que a percepção distinta de freqüências sucessivas situa-se no limiar temporal de cerca de 1/20 de segundo (como Ligeti bem pontua na pág. 237), ou seja, na medida em que apenas percebemos sons individualmente na sucessão se eles durarem no mínimo 50 ms, quando o menor som da seqüência – o som P – durar no mínimo 50 ms, teremos a percepção de todas as notas individualmente

♩  Ligeti observa então que, se o som P durar menos que 50 ms, mas ao mesmo tempo o som W (duração mais longa um pouco que P) durar ainda no limiar de 50 ms, ainda assim continuaremos a ouvir a seqüência quase toda como sucessão de notas individuais, porém com uma pequena “zona de perturbação”, de “fusão”, que situa em torno do som P: quando ocorre o som P, ouve-se já de imediato o som Q, mas percebe-se o som P sem que seja claramente localizado; ao início de Q, ouvimos uma fração de P, que logo desaparece, restando apenas Q

♩  Ligeti observa que enquanto na música instrumental tal tipo de acontecimento não poderia ser realizado, tal processo fazia-se presente de modo cômodo na realização em estúdio, uma vez que, na velocidade de transcorrimento da fita magnética naquela época – qual seja: de 76,2 cm/s – quatro sons de 50 ms cada significariam colar em seguida quatro sons de 1 cm, um após o outro

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p. 242: ♩  retomando o exemplo, Ligeti pergunta o que se passa quando os sons J, L, N, P, S, T, V, W soam todos menos que 50 ms. Como melodia, ouve-se então os sons:K–M–O–Q–R–?–U–??

os sons J, L, N, P, S, T, V, W são ouvidos como alturas, entretanto cada qual soará simultaneamente com os sons mais respectivamente longos seguintes, como uma espécie de “desdobramento melódico” (“Melodiefaltung”);

Os sons O e R encontram-se também na zona limítrofe da fusão (Verwischungsgrenze);

nos locais com “?” ouvimos R simultaneamente com S e T, e logo também com U, e U parece simultâneo com S e T, porém claramente após R

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♩  resulta daí um paradoxo auditivo: os três primeiros sons soam simultaneamente, os sons 2 a 4 também, mas o quarto som não soa simultâneo ao primeiro

Algo semelhante ocorre no lugar “??”: ouvimos simultaneamente V e W, e a linha melódica, no entanto, conclui-se rápida e abruptamente.

♩  na verdade a seqüência total dos sons não pode mais ser qualificada de “melodia”: constitui uma coisa intermediária entre melodia e mistura

♩  o exemplo é simplificado: em Essay as seqüências são mais complexas e as diferenças de durações maiores; de toda forma, Ligeti observa que quando ouvimos sons que se situam aquém do limiar temporal de discernimento das alturas na sucessão, tem-se não somente uma ilusão de simultaneidade, mas também uma nova qualidade tímbrica, que Koenig chamou se “timbre móvel” (“Bewegungsfarbe”)

♫resulta daí que o ritmo dá vazão ao um estado estacionário

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p. 243: ♩  a partir da experiência de Koenig, Ligeti começa a especular, alternando na seqüência de alturas sons senoidais com sons tônicos, dotados de um espectro;

se, nessas condições de igualdade de amplitude, os sons J, Q e T forem sons compostos (e não mais senoidais), tem-se ainda assim como resultante um realce desses sons na seqüência, resultando em uma melodia ascendente;

mesmo quando as intensidades desses dois tipos de sons se equivalem, o som composto (com espectro) passa a impressão de ser mais forte que o som senoidal;

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O que mais interessou Ligeti em sua experiência em estúdio (em Köln) foi o controle sobre texturas nítidas e menos nítidas (Steuerbarkeit von deutlichen und undeutlichen Texturen)

♫disso resulta, após a realização de Glissandi (1957), a obra inacabadaPièce électronique Nr. 3 (1957), que originalmente deveria se chamar Atmosphères, 

nome que Ligeti acabou dando à sua peça de orquestra de 1961, rebatizando o estudo eletrônico de “Número 3”

♫através de graus distintos de intensidade percebida dos sons senoidais e dos sons compostos ou mesmo inarmônicos que compõem uma dada seqüência, constitui-se 

em meio a uma estrutura monofônica uma polifonia latente ou aparente (Scheinpolyphonie); uma espécie de “polifonia complexa e ilusória” (komplexe

illusionäre Mehrstimmigkeit)

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A direção horizontal representa a duração: 1 mm da partitura corresponde a 2 cm de fita a uma velocidade de 76,2 cm/s; a página toda tem 760 cm, ou seja, 10”; verticalmente têm-se as quatro pistas da fita (aqui: pista 3 tacet)

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p. 247: ♩  Ligeti observa que usou os sons senoidais, aqui, de modo um pouco distinto do usado por Koenig: os sons senoidais individuais – e em outros momentos da peça também os ruídos de bandas bem estreitas de freqüências – são sempre componentes de espectros harmônicos e, em raros locais, também de espectros sub-harmônicos;

no mais, os sons harmônicos encontram-se em permanente estado de flutuação (in ständiger Fluktuation)

o essencial, observa Ligeti, é que esses sons harmônicos ou sub-harmônicos nunca soam estaticamente, mas encontram-se antes em permanente construção ou desconstrução; apenas em caráter de exceção os sons soam de modo estático, tal como ocorre na pista 1 do exemplo anterior com o espectro que se inicia no cm 140 e que soa até cerca do cm 200, mas que dura menos que um segundo

♫além disso resultam, sem que sejam anotados na partitura de realização nem gravados na fita magnética, sons diferenciais graves

♫p. 248: “[Os sons diferenciais] acompanham os acontecimentos em flutuação como permanentes sombras”

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p. 249: ♩  dificuldade encontrada no trabalho em estúdio nos anos 1950: a constituição de ataques e extinções diferenciadas, em face da qualidade estéril e inflexível da maioria dos sons eletrônicos;

por outro lado, o universo eletrônico permitia a transição mais contínua entre espectros distintos, impingindo uma flexibilidade ausente no meio instrumental e erigindo até mesmo um continuum de timbres (Klangfarbenkontinuum)

Ligeti observa que os sons instrumentais revelavam-se, sob este aspecto, muito mais ricos e sutis, com mais nuances;

♫contradição do som eletrônico: rico e variável ao extremo em sua constituição harmônica, porém (na década de 1950) pouco variável no seu desenvolvimento temporal

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pp. 252-253: ♩  Ligeti procurou então levar ao universo instrumental as aquisições da experiência eletrônica, em especial com relação aos “timbres móveis” (Bewegungsfarben)

♫disso resulta em essência sua micropolifonia; a partir da fusão de sons sucessivos (Sukzessionsverwischung) e da sobreposição de sons por camadas 

(Übereinanderschichten einer großen Anzahl einzelner Ton- und Klangfolgen)

♫o tecido resultante é tão denso que as vozes individuais não podem mais ser ouvidas como tais e o tecido total (das ganze Gewebe) revela-se como constituição de ordem 

superior (als übergeordnete Gestalt)

♫tal mobilidade tímbrica é correlata, paradoxalmente, a uma música estática: a imobilidade das configurações tenderia a focar a percepção na mobilidade dos timbres; Ligeti preconizou isso no primeiro movimento de Apparitions (1956), ainda antes de sua 

experiência eletrônica em Colônia

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pp. 253-256: ♩  Ligeti observa que essa nova visão de timbre já acontecera, de modo inconsciente, no final de Die Walküre de Wagner: as figuras individuais dos violinos são tão difíceis de serem executadas que cada violinista realiza inevitavelmente pequenos desvios/erros rítmicos

♫Ligeti observa que entendeu tal fato apenas após a experiência de Koenig em Essay

♫o erro interpretativo resultando numa nova textura “fundida”, num embaralhamento das figuras e na emergência de uma percepção de tipo textural e menos figural

♫em seguida, exemplifica a micropolifonia a partir dos compassos 48-51 de Atmosphères (1961): polifonia densa de 48 “vozes”; a notação em compassos serve exclusivamente à sincronização das vozes, à regência; a metade dos compassos é 

pontuada com linhas verticais; o fluxo da música é contínuo e os compassos não servem mais à noção métrica

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pp. 257-258: ♩  Ligeti salienta que a estratégia composicional para garantir a textura micropolifônica nesta passagem calca-se no cânone, o qual entretanto centra-se exclusivamente na sucessão das alturas: o acontecimento rítmico baseia-se em outra construção, tal como ocorria nas taleas ou nas construções a colores dos motetos isorrítmicos, nos quais articulação rítmica e estrutura de alturas eram constituídas de modo independente

♫resulta daí uma textura caleidoscópica: “Por meio do movimento das vozes individuais e de seu entrelaçamento (Verwebung) resulta a ilusão de um estado estático (Stillstand), 

que no interior do tecido ocasiona uma permanente transformação de textura”

♫“Em vez de movimento como processo rítmico vivenciamos transformações de modelos no interior do tecido enquanto processos tímbricos”

♫no nível do artesanato: tais constituições são favorecidas por ligeiras alterações de timbre dos modos de ataque (nas cordas: mudanças de tipos de arco) ou por sutis 

ondulações dinâmicas (crescendi) diferenciadas nas vozes individuais

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p. 260: ♩  procedimentos semelhantes podem ser observados no Kyrie do Requiem (1963-65): o coro a 20 vozes é apoiado e “timbrado” por uníssonos que ocorrem na orquestra, em que as alturas dão lugar a estruturas canônicas, enquanto que, mais uma vez, a estruturação rítmica é divergente

♫Ligeti conta aqui com o erro interpretativo (como em Ferneyhough), porém ancorado pela resultante essencialmente fenomenológica: ritmos e alturas são notados 

meticulosamente, mas a prática interpretativa ocasiona inevitavelmente pequenos desvios de entonação e de precisão rítmica, essenciais para o resultado perceptivo

♫no exemplo seguinte, as linhas grossas horizontais delimitam zonas mais ou menos livres, onde não se requerem entonações precisas em alturas e em subdivisões rítmicas; a 

fim de ancorar tais precisões reivindicadas em tais strattas, as vozes individuais são apoiadas pela escritura orquestral:

“As linhas horizontais mostram que aqui pequenas flutuações de alturas e de desvios rítmicos não são apenas permitidas, como também desejadas”

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