sobre lux aeterna de g ligeti

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7/26/2019 Sobre Lux Aeterna de G Ligeti http://slidepdf.com/reader/full/sobre-lux-aeterna-de-g-ligeti 1/12 sobre Lux Aeterna de György Ligeti Carlos Marecos ! sobre Lux Aeterna (1966) de György Ligeti  A escrita textural desenvolvida por Ligeti, sobretudo desde  Apparitions  (1958-59), proporciona que os seus elementos sejam ouvidos como um todo, em detrimento do individual, permitindo, assim, uma escuta atenta às lentas transformações tímbricas, desde os uníssonos até às grandes massas orquestrais. “[…] esta imaginária e abstracta rede é construída a partir de uma teia de verdadeiros sons instrumentais, e por isso foi necessário dividir a partitura num grande número de partes individuais, embora estivesse em causa a sua percepção; estas partes individuais estavam completamente submersas na textura global.” 1  Palavras de Ligeti sobre a sua música dos anos 60, quando fala sobre Atmosphères (1961) ou Volumina (1962): “Afastei-me da preocupação com a harmonia, ou do trabalho com intervalos em geral. Eu destruí os intervalos: isto é, inseri tantas segundas menores que até as próprias segundas menores ou outros cromatismos desaparecem, no sentido harmónico.” 2  Se Ligeti se afastou da composição baseada preferencialmente na especulação com as alturas, também desde cedo recuperou uma preocupação intervalar. Ao pensar em simples sinais intervalares 3 , para dar uma maior transparência e clareza a zonas de repouso na textura, importantes relações intervalares podem ser escutadas.  Alguns acordes, caracterizados intervalarmente, são mesmo recorrentes, aparecendo frequentemente como importantes pontos de articulação formal, na fonte de um determinado percurso musical ou no ‘desaguar’ do mesmo. Se, por um lado, as estruturas ligadas às alturas têm, à primeira vista, um papel secundário na estruturação da sua música do início do anos 60, como em Atmosphères (1961) ou em Volumina (1962), por outro lado, 1  LIGETI, György, VÁRNAI, Peter, HAÜSLER, Josef, SAMUEL, Claude, Ligeti in conversation, Eulenburg Books, London, 1983, p. 136.  2  LIGETI, György, VÁRNAI, Peter, HAÜSLER, Josef, SAMUEL, Claude,  Ligeti in conversation, Eulenburg Books, London, 1983, p. 94. 3  Termo usado pelo próprio Ligeti em inúmeras entrevistas, como em Ligeti in conversation, Eulenburg Books, London, 1983, p. 31.  

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7/26/2019 Sobre Lux Aeterna de G Ligeti

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sobre Lux Aeterna de György Ligeti Carlos Marecos

sobre Lux Aeterna (1966) de György Ligeti

 A escrita textural desenvolvida por Ligeti, sobretudo desde  Apparitions  (1958-59),proporciona que os seus elementos sejam ouvidos como um todo, em detrimento do

individual, permitindo, assim, uma escuta atenta às lentas transformações tímbricas, desde

os uníssonos até às grandes massas orquestrais.

“[…] esta imaginária e abstracta rede é construída a partir de uma teia de

verdadeiros sons instrumentais, e por isso foi necessário dividir a partitura num grande

número de partes individuais, embora estivesse em causa a sua percepção; estas

partes individuais estavam completamente submersas na textura global.”1 

Palavras de Ligeti sobre a sua música dos anos 60, quando fala sobre Atmosphères

(1961) ou Volumina (1962):

“Afastei-me da preocupação com a harmonia, ou do trabalho com intervalos em

geral. Eu destruí os intervalos: isto é, inseri tantas segundas menores que até as

próprias segundas menores ou outros cromatismos desaparecem, no sentidoharmónico.”2 

Se Ligeti se afastou da composição baseada preferencialmente na especulação com

as alturas, também desde cedo recuperou uma preocupação intervalar. Ao pensar em

simples sinais intervalares3, para dar uma maior transparência e clareza a zonas de

repouso na textura, importantes relações intervalares podem ser escutadas.

 Alguns acordes, caracterizados intervalarmente, são mesmo recorrentes,

aparecendo frequentemente como importantes pontos de articulação formal, na fonte de um

determinado percurso musical ou no ‘desaguar’ do mesmo. Se, por um lado, as estruturas

ligadas às alturas têm, à primeira vista, um papel secundário na estruturação da sua música

do início do anos 60, como em Atmosphères (1961) ou em Volumina (1962), por outro lado,

1 LIGETI, György, VÁRNAI, Peter, HAÜSLER, Josef, SAMUEL, Claude, Ligeti in conversation, Eulenburg Books,

London, 1983, p. 136. 2 LIGETI, György, VÁRNAI, Peter, HAÜSLER, Josef, SAMUEL, Claude, Ligeti in conversation, Eulenburg Books,London, 1983, p. 94.3 Termo usado pelo próprio Ligeti em inúmeras entrevistas, como em Ligeti in conversation, Eulenburg Books,London, 1983, p. 31. 

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os sinais intervalares estão presentes, sobretudo a partir dos finais dos anos 60, em obras

como Cello Concerto (1966), Lontano (1967), ou Lux Aeterna (1966).

Esses sinais são, dum modo geral, constituídos por intervalos não orientados, os

quais, por vezes, são construídos a partir de princípios espectrais4, como em Lux Aeterna.

Esses espaços intervalares, que se podem encontrar em importantes momentos formais no

início, final de secções e transições, contrastam com o desenvolvimento das texturas mais

densas e desfocadas, possibilitando, assim, a oposição entre a tensão e o repouso.

 A influência da sua passagem pelos estúdios de Colónia, onde pôde trabalhar com

ruído branco e com diversas técnicas de filtragem, influenciou Ligeti tanto na sua fase dosanos 60, em que desenfatiza a sua música da relação com as alturas, como na segunda

metade da mesma década, quando faz ressurgir, na sua música, relações intervalares a

partir das massas cromáticas, como que por filtragem ou por síntese subtractiva5,

procurando a clareza e o desfrutar de objectos sonoros com qualidades harmónicas em

importantes pontos de articulação formal.

“Eu senti que o cromatismo total, um mundo preenchido com clusters tinha

deixado de ter interesse para mim. […] Gradualmente emergiram os ‘sinais

intervalares’; a oitava, de uma forma tão gritante, teria sido impossível em

 Atmosphères. Esses sinais intervalares, de algum modo, não são tonais nem atonais,

com a sua pureza e clareza eles constituem pontos de repouso, dão-nos a

possibilidade de operar a alternância entre tensão e resolução.”6 

“A maneira como uso os intervalos em Lux Aeterna  e Lontano  reflecte asminhas experiências na construção tímbrica com uma harmonia num contexto neutro.

Eu trato os intervalos do mesmo modo como atrás tratei os complexos tímbricos.”7 

4 Prost defende que, para evocar a ideia de luz, Ligeti aplica às alturas material de essência diatónica, não dagama diatónica usual, mas material baseado na série harmónica natural (Christine Prost, “György Ligeti – Lux Aeterna”, Dossier Pedagogique d’Analyse Musicale nº 12 , 1991, pp. 42-43). 5  Síntese subtractiva é um processo a partir do qual se obtém um determinado espectro, pela filtragem decomponentes indesejadas de um determinado sinal complexo ou de um ruído.6 Op. cit., p.31.7 Op. cit., p. 126. 

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Texto:

Lux aeterna luceat eis

Domine

Cum sanctis tuis in aeternum

quia pius es

Requiem aeternam dona eis

Domine

Et lux perpetua

luceat eis.

Timbre através das vogais:

Lux aeterna luceat eis

u e e a u e a e i

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Forma:

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Canon

Canon rigoroso sem imitação rigorosa do ponto de vista das durações; técnica heterofónica. As diferenças de subdivisão criam uma proliferação de ataques que geram o contínuo.

16 vozes distribuídas da seguinte forma: 4 S, 4 A, 4 T, 4B.

S1 - divisão por 6S2 - divisão por 5S3 - divisão por 4S4 - divisão por 6

 A1 - divisão por 5 A2 - divisão por 4 A3 - divisão por 6 A4 - divisão por 5

T1 - divisão por 4T2 - divisão por 6T3 - divisão por 5T4 - divisão por 4

B1 - divisão por 6B2 - divisão por 5B3 - divisão por 4B4 - divisão por 6

Táleas elásticos: as durações podem dilatar ou comprimir as suas figuras de acordo comas necessidades verticais.

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Células melódicas (1ª fase):

Evolução da harmonia (1ª fase): Associar a: C D E F# G A Bb C

Muitos cromatismos.

Zona com mais sons

diferentes

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Transição [entre a 1ª fase e a 2ª fase]:

Sinal Intervalar  como acorde gerador (parciais 6º, 7º, 8º), também como momentode repouso, de focagem, uma resolução, após momentos de tensão.

Células melódicas (2ª fase):

Evolução da harmonia (2ª fase, parte 1):

Parciais de Si.Intervalos de 3m e 2M

Pentatónica de Láb

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Harmonia (2ª fase, parte central):

Harmónicos de Dó e sub-harmónicos de Sol:

Harmónicos de

Subharmónicos

de Sol

Pensar em espelho

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Harmónicos de Dó e sub-harmónicos de Dó:

Intervalo de 2M no

final da obra.

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!* 

Série Harmónica Natural:

5ªs sucessivas:

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!! 

Sub-harmónicos de Dó:

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!" 

Forma e Alturas:

Fim da 1ª fase/ 

Início da 2ª fase

Parte central da 2ª fase

Início da 3ª fase

Início da 1ª fase