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Firmino Wagner Gomes da Silva A Imago Dei na Antropologia Teológica de Wolfhart Pannenberg Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Teologia da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Teologia. Orientador: Dr. Mario França Miranda Rio de Janeiro Janeiro de 2009

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Firmino Wagner Gomes da Silva

A Imago Dei na Antropologia Teológica de Wolfhart Pannenberg

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Teologia da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Teologia.

Orientador: Dr. Mario França Miranda

Rio de Janeiro Janeiro de 2009

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Firmino Wagner Gomes da Silva

A Imago Dei na Antropologia Teológica de Wolfhart Pannenberg

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Teologia do Departamento de Teologia do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Prof. Mario França Miranda Orientador

Departamento de Teologia – Puc - Rio

Prof. Paulo Cezar Costa Departamento de Teologia – Puc - Rio

Prof. Antônio José Afonso da Costa ISTARJ

Prof. Paulo Fernando Carneiro Andrade Coordenador Setorial de Pós-Graduação e Pesquisa do Centro

de Teologia e Ciências Humanas – PUC-Rio

Rio de Janeiro,

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a autorização do autor, do orientador e da universidade.

Firmino Wagner Gomes da Silva Graduou-se em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil em 2002. Em 4 de outubro de 2005 foi ordenado ao Ministério Pastoral pela Convenção Batista Brasileira e atualmente é pastor da Igreja Batista na Campanha, na região sul do estado de Minas Gerais.

Ficha Catalográfica

CDD: 200

Silva, Firmino Wagner Gomes da A Imago Dei na antropologia teológica de Wolfhart Pannenberg / Firmino Wagner Gomes da Silva ; orientador: Mario França Miranda. – 2009. 120 f. ; 30 cm Dissertação (Mestrado em Teologia)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. Inclui bibliografia 1. Teologia – Teses. 2. Imago Dei. 3. Antropologia teológica. 4. Criação. 5. Cristologia. 6. Pannenberg, Wolfhart. I. Miranda, Mario França. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Teologia. III. Título.

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Para minha amada e linda esposa Elaine e meu lindo filho Arthur pela alegria que eles dão a minha vida.

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Agradecimentos

À Trindade Santa pelo seu infinito amor que me gerou, sustenta e governa minha vida, dando-me a honra de desfrutar de comunhão amorosa com Ela e com a realidade que me cerca. Ao meu orientador Professor Mario França de Miranda pelo estímulo e parceria para a realização deste trabalho. Ao CNPq e à PUC-Rio, pelos auxílios concedidos, sem os quais este trabalho não poderia ter sido realizado. Ao meu avô Antonio Malheiros e minha avó Helle-Nice pela grande fonte de bênçãos que eles são em minha vida, sendo referencial de vida cristã, pais e amigos. A todos os meus familiares, tios e primos que sempre me tratam com amor e confiança. Aos meus pais Eraldo e Dulcinéa que em toda a minha vida me dispensaram muito amor e atenção, dedicando as suas vida para me ensinar a Palavra de Deus e me proporcionar uma vida honrada. Aos meus irmãos Clayton, Simone, Jacqueline e Carlinhos, que foram grandes incentivadores nesta empreitada, como também são em todos os momentos de minha vida. Aos meus sobrinhos Stephanie, Jonathan e Raphael que sempre são fonte de alegria, esperança e paz. A toda a comunidade da Igreja Batista na Campanha, especialmente aquele que nestes poucos tempos de convivência se tornaram amigos verdadeiros, dispensando a mim, a minha Elaine e ao meu Arthur um imensurável carinho. A minha sogra Edna que tem me acolhido como filho.

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Aos meus amigos Victor e Raphael que independente do tempo e da distancia sempre são amigos, ou melhor, irmãos. Ao Edson e a Elionai que são pessoas importantes para mim e minha esposa. A professora Marília que com tanta dedicação revisou todo o trabalho, dando uma rica contribuição. Também ao seu esposo Roberto Silva que é para mim um grande amigo. Aos meus primos emprestados Guilherme e Victor por sua tão sincera amizade. Aos professores que participaram da comissão examinadora. A todos os professores e funcionários do Departamento pelos ensinamentos e pela ajuda. Aos colegas da PUC-Rio. Finalmente as duas pessoas mais importantes de minha vida, minha esposa Elaine pelo seu amor, sua dedicação e o apoio constante, sobretudo nos momentos mais difíceis da minha vida, de meu ministério e de minha vida. e nosso bebê que mesmo sendo ainda tão pequenino já ocupa um grande espaço em nosso coração. Termino ciente de que não agradeci à todos nominalmente, mas convicto da gratidão que tenho no meu coração por cada pessoa que me ajudou a chegar até aqui.

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Resumo

Silva, Firmino Wagner Gomes; Miranda, Mario de França. A Imago Dei na Antropologia Teológica de Wolfhart Pannenberg. Rio de Janeiro, 2009. 110p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Teologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

O presente estudo busca, através da antropologia teológica de Wolfhart

Pannenberg, aprofundar o conteúdo da doutrina da imago Dei e sistematizá-la.

Para alcançar tal objetivo este trabalho, logo em sua introdução, elencará algumas

informações a respeito da pessoa, da vida e da teologia de Wolfhart Pannenberg.

Numa segunda etapa nos aproximaremos de nosso tema, fazendo um percurso

histórico que visará apresentar um pouco como se deu a tematização da doutrina

da imago Dei em alguns momentos da história do pensamento cristão. Em

seguida, iniciaremos outra etapa e aprofundaremos o pensamento antropológico

de nosso autor, observando as linhas gerais de sua antropologia. Mais

precisamente os seus pressupostos antropológicos que exprimem a sua visão da

realidade humana e os seus pressupostos teológicos que consistem na sua

interpretação teológica das características ontológicas do ser humano.

Interpretação que se dá a partir de uma leitura bíblica panorâmica e da reflexão

teológica na história. Essas informações nos fornecerão os subsídios necessários

para compreendermos a doutrina da imago Dei em sua teologia e assim nos

permitirão chegar na quarta etapa de nosso trabalho, quando veremos os seus

posicionamentos. Inicialmente explicitaremos porque a seu ver o homem está

numa posição de destaque em relação às demais criaturas, em seguida veremos

porque Pannenberg entende Adão como a imago Dei cópia e qual é na sua visão a

implicação da imago Dei na existência de Adão. Na segunda parte do quarto

capítulo, veremos os motivos que levam Pannenberg a afirmar que Jesus Cristo é

a verdadeira imagem de Deus, ou seja, a imagem-modelo. Raciocínio que faz com

que na sua antropologia teológica Jesus Cristo seja compreendido como o

autêntico homem. Outra questão que levantaremos nesta segunda parte da quarta

etapa é a importância que nosso autor dá à condição filial de Jesus, fato que está

profundamente ligado na sua compreensão da eficácia salvífica da sua missão

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ordenada pelo Pai, de reconciliar o mundo. Fazendo com que todo homem através

da ação do Espírito seja capaz de desfrutar de uma comunhão amorosa com Deus,

e desta forma alcançar o destino que foi determinado em sua criação segundo a

imagem divina.

Palavras-chave

Imago Dei; antropologia teológica, criação; cristologia; Wolfhart

Pannenberg

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Abstract

Silva, Firmino Wagner Gomes; Miranda, Mario de França (Advisor). The Imago Dei in Theological Antropology of Wolfhart Pannenberg. Rio de Janeiro, 2009. 110p. MSc. Dissertation – Departamento de Teologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

This study seeks through the theological anthropology of Wolfhart

Pannenberg, Deepens the content os the doctrine of Imago Dei and systematize it.

To achieve such a goal, this work in his introduction will present some

informations about the person, the life and the theology of Wolfhart Pannenberg.

In the second stage we will get closer our goal doing a historical journey that will

aim to present a little like happened the development of the doctrine of the Imago

Dei at some moments from the history of the Christian thought. We will begin

another stage ,the anthropological thought of our author observing the general

lines of his anthropology. More precisely his anthropological presuppositions that

express his vision of the human reality and his theological presuppositions that

consist of his theological interpretation of the ontological characteristics of the

human being. Interpretation that happens from a panoramic reading of the Bible

and of the theological reflection in the history. These informations will supply us

with the necessary subsidies in order that we understand the doctrine of the Imago

Dei in his theology that will enable us to reach the fourth stage of our work when

we will see their placements. Initially we will explain the motives in his opinion

man is in a position of prominence in relation to other creatures, then we will

understand the reason Pannenberg affirm to be Adam Imago Dei copy, and wich

is in his point of view the implication of the Imago Dei in Adam’s existence. In

the second part of the fourth chapter we will study the motives that take

Pannenberg affirm that Jesus Christ is the God’s true image, in other words the

image-model. Through this reasoning in his theological anthropology Jesus

Christ is understood like the authentic man. Another question that we will raise in

this second part of the fourth stage is the importance that our author gives to the

condition of Jesus as son of God, Fact that is deeply connected in his

understanding of the salvivic efficiency of his mission ordered by the Father, to

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reconcile the world. Doing that so every men through the action of the Spirit is

able to enjoy a loving communion with God, and in this way reach the destiny that

was determined in his creation according to the divine image.

Keywords Imago Dei, theological antropology, creation, cristology and Wolfhart

Pannenberg

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Sumário 1 Introdução 13

1.1. Vida 18

1.2. Trajetória Acadêmica 19

1.3. Obras 21

1.4. Círculo de Heidelberg 21

1.5. Linhas Gerais da Teologia de Pannenberg 22

2 A Imago Dei na História da Teologia 26

2.1. Na Patristica 27

2.1.1. Escola Alexandrina 28

2.1.2. Escola Antioquena 31

2.1.3. Escola Ocidental 34

2.2. Na Idade Média 36

2.2.1. Boaventura 37

2.2.2. Tomás de Aquino 39

2.3. Na Reforma 41

2.3.1. Em Lutero 42

2.3.2. Em Calvino 44

2.4. Na Teologia Contemporânea 47

2.4.1. Tendência Minimalista 48

2.4.2. A Tendência Moderada 49

2.4.3. A Tendência Maximalista 50

3 Linhas Gerais da Antropologia Teológica de Pannenberg 54

3.1. Pressupostos Antropológicos 56

3.1.1. A Dignidade do Homem 56

3.1.2. Homem, Unidade Corpo e Alma 63

3.1.3. Abertura ao Mundo 66

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3.2. Pressupostos Teológicos 71

3.2.1. Releitura do Gênesis, Revendo a Concepção do

Estado Original 72

3.2.2. O Ser Imagem de Deus Como Destino do Homem 76

3.2.3. A Miséria Decorrente do Pecado 79

3.2.4. O Homem Como História 83

3.2.5. Cristo, a Realização Proléptica do Futuro do Homem 85

4 A Imago Dei na Antropologia de Pannenberg 88

4.1. A Imago Dei em Adão 90

4.1.1. Homem, Uma Criatura Diferente 90

4.1.2. Adão, a Imago Dei Cópia 93

4.1.3. Imago, o Substrato da Abertura ao Mundo 95

4.2. Cristo, a Imago Dei Modelo 98

4.2.1. Jesus o Autêntico Homem 98

4.2.2. Jesus o Filho Preexistente do Pai 102

4.2.3. O Sentido Salvífico da Encarnação 105

5 Conclusão 111

6 Referências Bibliográficas 113

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Abreviações

APT Antropologia en Perspectiva Teologica

EhcP El Hombre como Problema

TS1 Teologia sistemática I

TS2 Teologia sistemática II

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Introdução

Cada vez mais a reflexão sobre o homem tem ocupado a atenção dos mais

variados ramos da ciência e da sociedade. Então podemos dizer que trata-se de um

assunto de interesse comum entre a sabedoria secular e a sabedoria cristã. Isto se

dá porque aparentemente pode-se até tentar ignorar Deus ou mesmo ignorar outras

questões acerca do mundo, o que não é possível fazer sobre a realidade humana

que está sempre despertando a atenção do homem para sua complexidade. Desta

forma percebemos com relativa facilidade que também na abordagem teológica

moderna a realidade humana tem recebido grande atenção, fazendo com que sua

fundamentação consista cada vez mais numa visão sobre o homem.

O presente estudo está dentro desse campo de interesse, pois se configura

numa tentativa de compreender um pouco mais a realidade humana ao refletir

sobre uma doutrina fundamental da fé cristã que é a imago Dei, que trata do status

da criação do homem e da sua posição na natureza. Faremos nossa reflexão sobre

esse tema capital da fé a partir da antropologia teológica do renomado pensador

alemão Wolfhart Pannenberg. Vale ressaltar ainda que a imago Dei é um dos

temas mais ambíguos da reflexão teológica cristã e na história vemo-la utilizada

com sentidos diferentes. De modo que alguns chegaram ao ponto de sugerir a sua

retirada do vocabulário teológico, por conta de sua tão diversificada interpretação.

Sendo assim, diante de um tema tão complexo, antes de iniciarmos nossa

pesquisa sobre a imago Dei a partir da antropologia pannenberguiana, faremos um

percurso histórico, visando compreender um pouco como foi o desenvolvimento

desse tema na história do pensamento cristão, o que nos dará os subsídios

necessários para entender com mais clareza a sua abordagem na antropologia de

Pannenberg e aprofundar o seu conteúdo.

Este trabalho foi elaborado em quatro capítulos que procuram sistematizar o

tema da imago Dei na visão antropológica de Wolfhart Pannenberg. Para isso no

seu primeiro momento exporemos informações sobre sua vida, alguns fatos que

tiveram tremenda importância na sua reflexão teológica, como foi a sua

participação no círculo de Heidelberg. Veremos também um pouco de sua

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trajetória acadêmica e sua vasta produção literária. Também neste momento que

traz informações introdutórias sobre Pannenberg, elencaremos

algumas linhas características de sua teologia. Falaremos sobre qual é na

sua visão a tarefa da reflexão teológica, seus pontos focais, sua concepção de

Deus, o postulado da revelação como história e outras características que nos

ajudam a ter uma visão panorâmica do seu pensamento e nos familiarizar com sua

teologia.

No segundo capítulo faremos um percurso histórico, iniciando pelo período

da Patrística, que consiste nas primeiras gerações de homens comprometidos com

o Evangelho que se lançaram no desafio de responder às questões de sua época

baseando-se na fé cristã. Assim trouxeram uma reflexão relevante sobre o tema da

imago Dei, que influenciou todo o pensamento posterior. Nesse período surgiram

os três centros de reflexão teológica da Igreja Cristã primitiva, escolas que tiveram

pensadores de grande quilate como Irineu e Agostinho.

Seguindo nosso percurso pela história do pensamento cristão, examinaremos

um pouco a abordagem feita pela Escolástica Latina, que teve como seus

representantes em nossa pesquisa dois pensadores, Boaventura e Tomás de

Aquino, que seguiram em parte a linha agostiniana, e que devido à influência da

filosofia aristotélica trouxeram algumas novidades para o tema da imago Dei.

Depois veremos como ele foi abordado pelos reformadores protestantes,

como Lutero e Calvino, que se diferenciaram da compreensão católico-romana

corrente em sua época. Porque eles rejeitaram a concepção escolástica de uma

graça suplementária, o que resultou na compreensão dos termos imagem e

semelhança como sinônimos, além de conduzi-los à uma postura muito negativa a

respeito da condição do homem depois da queda devido à perda da imagem

divina.

Vencendo a etapa da reforma, chegaremos ao período contemporâneo em

que os teólogos se aglutinaram mais por suas posturas do que pela pertença a uma

tradição religiosa. Nessa etapa de nossa pesquisa seguiremos a classificação feita

por Battista Mondin que, inspirado no Concílio de Calcedônia, dividiu a

abordagem moderna em três ramos antropológicos: minimalista, moderado e

maximalista. Esta última é assumida pela maioria dos teólogos atuais dos quais

faz parte também nosso autor.

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No terceiro capítulo abordaremos os pressupostos antropológicos e

teológicos da antropologia de Pannenberg. Veremos como ele compreende a

criação humana expressa pelo relato sacerdotal como uma criação segundo

a imagem divina, que determina tanto a posição de destaque do homem em

relação ao restante da criação e também suas características ontológicas. Tais

características concebidas por ele na união do corpo e da alma como duas

dimensões do ser humano que não podem ser desprezadas e nem desvinculadas e

também na sua abertura ao mundo que é a base da sua interação com a realidade

que o cerca. Então aprofundaremos a relação dessas características ontológicas

com os seus pressupostos teológicos, que são os princípios teológicos que guiam

sua visão do homem.

Então em primeiro lugar veremos claramente a diferença do pensamento de

nosso autor em relação à dogmática clássica protestante, que concebe o estado

inicial do homem como um estado de perfeição. Nessa questão também ficarão

explícitos dois desdobramentos importantes na releitura que ele faz do relato de

Gênesis. Primeiro é a sua ênfase cristológica, pois Pannenberg, ao seguir os

passos de Irineu, não compreende o homem e sim Jesus Cristo como a verdadeira

imagem de Deus. Em segundo lugar porque essa ênfase cristológica também o faz

compreender que o homem será transformado pelo Espírito na imagem de Cristo

que é a imagem-modelo.

Outro pressuposto de nosso autor é a miséria decorrente do pecado que

aliena o homem de seu destino. Tal realidade que é fruto do fechamento do

homem em relação a Deus faz com que ele viva numa condição aquém da

finalidade divina para sua vida. Porque a idéia do destino do homem à comunhão

com Deus desenvolvida pela teologia cristã está em conexão com a afirmação

bíblica de sua criação segundo a imagem divina.

Veremos ainda no terceiro capítulo que o movimento retilíneo do homem

até Deus se dá dentro de sua história pessoal. O que faz com que o entendamos

como um ser inacabado, um ser em devir que a partir das coisas finitas chega ao

infinito. Desta forma nosso autor compreende que o homem tem sua humanização

plasmada a partir de sua história pessoal que se dá com o auxílio da providência

divina.

Em seguida veremos que Jesus Cristo realiza prolepticamente no mundo o

futuro do homem. Pois mesmo ao viver a auto-distinção em relação ao Pai não se

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fechou no egocentrismo, mas viveu concretamente a abertura a Deus e ao mundo.

Ao abordarmos os pressupostos antropológicos e teológicos mencionaremos

brevemente algumas questões que serão aprofundadas no último capítulo

de nosso trabalho.

Assim, no quarto capítulo trataremos propriamente a doutrina da imago Dei

no pensamento de nosso autor. Veremos que para ele a abordagem da criação, não

pode ser desconectada da existência de Jesus, devendo a reflexão cristã levar

sempre em consideração as afirmações veterotestamentárias à luz das

neotestamentárias. Seguindo essa compreensão de nosso autor, na primeira parte

do quarto capítulo aprofundaremos os significados teológicos das características

ontológicas do homem, ou seja, qual a relação de tais características com a sua

imagem divina. Veremos que ele é realmente uma criatura ímpar, realidade

perceptível nas suas peculiaridades que são: sua estrutura biológica, sua

complexidade, suas capacidades diversas e sua liberdade em interagir com o

mundo que o cerca.

O fato de ser imagem de Deus dá ao homem a condição de conhecer a si

mesmo e conhecer o mundo que o cerca, ou seja, de ser transcendental.

Observaremos que a imago Dei é compreendida por nosso autor em parte dom

natural e em parte possibilidade existencial. Isto porque é a partir de suas

características ontológicas que a providência divina faz com que ele, através do

finito que o cerca, se ponha em comunhão com seu Criador. Assim, na leitura que

Pannenberg faz dos testemunhos vétero e neotestamentários entendendo o homem

como a imagem-cópia, as suas características ontológicas lhe dão condição de

seguir o exemplo de Jesus Cristo sendo capaz de alcançar a comunhão com Deus.

Ainda neste capítulo examinaremos a ênfase cristológica que Pannenberg dá

ao tema da imago Dei, sempre vinculada a vida de Jesus. Nesta questão veremos

que além de ser a verdadeira imagem de Deus, Jesus viveu neste mundo a partir

de sua condição filial. Assim, quando o Filho preexistente assumiu a natureza

humana e abriu-se para Deus, exerceu correta e plenamente a capacidade do

homem de auto-distinguir-se d’Ele e também a importância do Logos, como o

capacitador do homem para que ponha em andamento sua abertura.

E por fim veremos que Pannenberg aprofunda a dimensão do amor no plano

salvífico de Deus que se concretiza na encarnação de Jesus, pois nela Jesus vence

o poder do pecado e da morte, vitória que se comprova na ressurreição. Através

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dela Jesus dá ao homem condição de participar da própria realidade de Deus e do

seu amor para com o mundo, pois para a compreensão paulina é na

ressurreição que se manifesta a vida imperecível de Jesus. Pelo fato de estar

presente na criação e na salvação há uma ação ininterrupta do Espírito, pois para

Paulo o Espírito de Deus é o Espírito do amor de Deus, manifestado na missão de

Jesus, especialmente na morte de Jesus Cristo pelos pecadores. Podemos concluir

a relevância salvífica da encarnação de Jesus com as palavras do Evangelista

João: Deu-lhes o poder de serem chamados filhos de Deus (Jo 1,12). Veremos

agora alguns dados biográficos da vida de Pannenberg.

1.1.

Vida

Estamos diante de um pensador que teve um contato próximo com

renomados pensadores do século vinte, um bom exemplo disso é o fato que

Pannenberg se hospedou por um período na Basiléia somente para estudar com

Karl Barth e com K. Jaspers1. Além disso, não poderíamos esquecer os renomados

professores de Heidelberg, dentre os quais figuram o grande exegeta Gerhard von

Rad na área do Antigo Testamento e o historiador Hans Von Campenhausen que

lecionava história da Igreja; podemos dizer que esses pensadores o influenciaram

decisivamente.

Wolfhart Ulrich Pannenberg nasceu em 1928 numa cidade chamada Stettin,

que ficava no nordeste da Alemanha e atualmente faz parte da Polônia, recebeu

uma boa educação típica de uma família de classe média. Viveu durante a

Segunda Guerra Mundial, o que fez que lhe fosse exigido pelo III Reich o dever

pegar em armas para defender a pátria alemã; sua vida só não foi ceifada por

causa de uma enfermidade que fez com que ele fosse dispensado2.

Sua aproximação à fé cristã se deu por intermédio de um professor do

Gimnasium, que devido a sua postura lhe causou grande impressão, pois nessa

época Pannenberg não via o cristianismo com bons olhos, mas aquele professor

1 ACORDINI, Giuseppe. Wolfhart Pannenberg. São Paulo: Loyola, 2006, p. 17. 2 Ibidem, p. 16.

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mudou a sua visão da fé cristã. Por conta disso, pouco tempo depois ele começou

a estudar teologia e filosofia, dando início a sua caminhada cristã e

teológica3. Ainda na sua juventude teve uma forte experiência com

Jesus, uma experiência que o marcaria para toda a vida, visto que ela imprimiu em

Pannenberg a convicção de que naquele momento Jesus se apropriara de sua

vida4.

Esse fato aconteceu num fim de tarde enquanto voltava para casa, ao passar

pela floresta, viu uma luz distante que o atraiu. Seguindo-a, chegou a um

determinado ponto em que foi inundado por ela. Esse episódio foi tão relevante

que Pannenberg baseia a sua chamada vocacional nele, constituindo no

fundamento da grande importância que o ministério pastoral tem na sua vida. Essa

experiência que lhe deu um profundo senso de chamada ministerial fez com que,

no ano de 1955, Pannenberg entrasse para a vida sacerdotal. Devido a sua

marcante experiência na floresta e seu forte amor pelo ministério pastoral ao

olharmos para Pannenberg e sua reflexão, devemos enxergar mais que alguém

simplesmente preocupado com a academia. Mas, alguém profundamente

apaixonado pelo trabalho pastoral a ponto de orientar e incentivar seus colegas

pastores a uma exposição respeitosa do texto sagrado.

Também não podemos deixar de elencar aqui duas observações sobre nosso

teólogo, a primeira é que é injusto falar do teólogo Wolfhart Ulrich Pannenberg

sem fazer menção a sua esposa Hilke Schûtte, visto que ela compartilhou de

praticamente toda a sua caminhada teológica. A segunda é sua grande fé no

ecumenismo, que fez dele um incansável soldado na luta em prol da unidade da

Igreja. De acordo com a sua convicção a unidade é a única maneira que a Igreja

pode se dirigir com credibilidade à sociedade secular mostrando a temporalidade

das instituições humanas, antes da vinda do Reino de Deus5.

1.2.

Trajetória Acadêmica

3 GRENZ, S. J. & OLSON, R., A Teologia do Século XX, Ed. Mundo Cristão, Cambuci, 2003, p. 223. 4 Ibidem, Loc. Cit. 5 Ibidem, Loc. Cit.

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Vejamos agora a trajetória acadêmica Pannenberg (1928 -) que é

amplamente aceito como um dos maiores teólogos vivos da atualidade, um

erudito que há décadas tem uma vida acadêmica fecunda6. Vale ressaltar

que Pannenberg realizou seus estudos teológicos em importantes centros

teológicos da Europa como Berlim, Gottingen, Basilea e Heidelberg, onde em

1953 conseguiu sua láurea em teologia e pouco tempo depois em 1955 a livre

docência na área de teologia sistemática. Já no ano de 1956 ele começou a

lecionar na Universidade de Heidelberg como professor de teologia sistemática,

período em que também escreveu alguns artigos.

Em 1958 tornou-se professor na Escola Superior Eclesiástica de Wuppertal,

trabalhando por um tempo razoavelmente curto ao lado do renomado teólogo

Jürgen Moltmann. Saindo de Wuppertal foi lecionar em 1961 na Universidade de

Mogúncia, ano que foi decisivo para o reconhecimento de sua carreira teológica,

porque foi nele que Pannenberg publicou o artigo: Offenbarung als Geschichte

“Revelação como História”, escrito que trouxe uma novidade na interpretação da

revelação divina e fomentou um amplo debate no ambiente acadêmico. Tão

grande foi a magnitude desse debate que rompeu os limites territoriais da

Alemanha e do continente europeu, chegando algum tempo depois aos Estados

Unidos da América.

Mogúncia não seria ainda a sua parada, pois iria lecionar por um período em

universidades norte-americanas. No ano de 1963 lecionou na Universidade de

Chicago, em 1966 na de Universidade de Havard e por fim e pouco antes de

retornar para Alemanha no ano de 1967 lecionou na Claremont School of

Theology. Ainda no ano de 1967 tornou-se professor de teologia sistemática na

Universidade de Munique da Baviera na recém-criada Faculdade de Teologia

Evangélica. Nessa época Pannenber assumiu, concomitantemente com a função de

professor na Universidade de Monique, o cargo de diretor do Instituto Ecumênico

de Pesquisa da mesma cidade.

Seu brilhantismo intelectual e seu empenho ecumênico fizeram com que

fosse escolhido para ocupar uma função de grande envergadura, sendo o

responsável da parte luterana pela coordenação de uma equipe de teólogos que em

1985 apresentou o estudo de revisão dos anátemas do século XVI. Este breve

6 ACORDINI, G. Op. Cit., p. 11.

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relato da trajetória acadêmica de Pannenberg nos dá condição de compreender que

desde o início de sua carreira ocupou posições relevantes no âmbito

acadêmico, sendo muito requisitado e também desempenhou

funções importantes no contexto inter-eclesiástico mundial.

1.3.

Obras

De acordo com Giuseppe Accordini a bibliografia primária de Pannenberg já

no ano de 1996, contabilizava mais de 550 títulos7. Vale ressaltar que em sua

vasta produção acadêmica ele aborda vários temas da teologia tais como:

cristologia, teologia fundamental, teologia moral, teologia prática, teologia

espiritual e ecumenismo. Recentemente foi publicada a síntese de seu pensamento

num compêndio de três volumes de Teologia Sistemática.

1.4.

Círculo de Heidelberg

Antes de falarmos sobre o círculo de Heidelberg, mencionaremos uma

relevante observação que Giuseppe Accordini faz no seu livro sobre Pannenberg,

pois ela, ao situá-lo no contexto teológico do século vinte, ajuda-nos a

compreender melhor a sua postura teológica. Accordini frisa sobre a importância

de atentarmos para três gerações de teólogos que se sucederam no século XX, a

partir da forma como elas desenvolveram teologicamente o tema da história.

A primeira geração teológica foi a da Teologia Dialética8, que numa atitude

à reacionária à teologia liberal ficou marcada pela postura da defesa da super-

7 Ibidem, Loc. Cit. 8 A principal característica do pensamento de Karl Barth em relação à Revelação, esta contido na máxima: “O Deus totalmente outro”. Com isso ele rompeu com a Teologia Liberal. Seu

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historicidade da Revelação e da fé, ou seja, uma visão altamente negativa da

história como meio de revelação divina. A segunda é a Teologia

Existencialista, que assumiu uma postura mais equilibrada, sendo aberta para

as perspectivas da historicidade subjetiva (filosofia existencial) e objetiva (nova

hermenêutica). A terceira geração é a da Teologia da História, que tem como

pressuposto a Revelação como História9.

Essa terceira geração está diretamente ligada ao famoso círculo de

Heidelberg (Heidelberger Kreis), movimento que teve uma decisiva participação

de Pannenberg, tão forte foi sua participação que esse círculo de estudiosos entrou

para história também como círculo de Pannenberg. A postura dessa geração é

mais audaciosa que a de sua geração anterior e diametralmente oposta à primeira

geração, postulando a historicidade do real e da Revelação e assim afirmando que

Deus se revela indiretamente nos fatos históricos.

Os trabalhos do círculo de Heildelberg começaram a partir da década de

1950 através das freqüentes reuniões de um grupo de estudantes de várias

disciplinas teológicas, formado por mestrandos e doutorandos a que logo se juntou

Pannenberg10. Foi a partir do trabalho conjunto desse grupo de teólogos, que se

realizou um congresso no ano de 1960 que publicou um manifesto programático

intitulado: Revelação como História. Na área de ciências bíblicas desse manifesto

colaboravam Rolf Rendtorff e Ulrich Wilckens e na área de ciências históricas

Trutz Rendtorff e Wolfhart Pannenberg11.

As linhas fundamentais do pensamento do círculo eram: entender a

revelação como auto-revelação, revelação histórica e revelação no contexto da

história universal buscando dar uma resposta aos problemas levantados pelo

iluminismo, conforme o próprio Pannenberg diz na conclusão da discussão

americana. O círculo de Heidelberg submeteu a instância da autoridade da

aparecimento no cenário teológico se inicia com a publicação de: Der RömerBrief, obra que caiu como uma bomba no mundo de sua época, em que ele mostra seus posicionamentos acerca da revelação divina, referindo-se a Deus como: “o totalmente outro”, reagindo assim a teologia natural, que tinha a ambição, de através da razão subir até Deus. 9 ACORDINI, G. Op. Cit., p. 13. 10 GRENZ, S. J. & OLSON, R., Op. Cit., Loc. Cit. 11 GIBELLINI, R., A Teologia do Século XX. São Paulo: Loyola, 1998, p. 271.

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revelação à crítica, produzindo um deslocamento no foco da teologia da palavra

para a história.

1.5.

Linhas Gerais da Teologia de Pannenberg

Antes de vermos algumas características do pensamento teológico de

Pannenberg relembramos que não é nosso intuito aqui aprofundarmos no

conteúdo deles, pois nosso intuito é somente ter uma visão panorâmica da teologia

de nosso autor e por conta disso não nos preocuparemos em tratar de todos os

traços de seu pensamento:

• Revelação como História, para Pannenberg uma conclusão só pode se

sustentar se ela passar pelo crivo da razão, sendo então necessária a

articulação de uma sólida fundamentação intelectual. Assim ele rejeita toda

e qualquer tentativa de endossar conclusões teológicas em decisões

subjetivas de fé, fruto da sua privatização que fica restrita somente ao nível

da devoção pessoal. Um dos motivos desse seu posicionamento é o fato que

hoje em dia a religião é na maioria das vezes vista como algo irracional.

Nessa questão de uma possível irracionalidade da fé cristã e da revelação

somente como algo supranatural, pode-se falar da historicidade da revelação

divina a partir da manifestação de Deus na história do povo de Israel por

meio de seus atos que lhe causaram experiência12. Pannenberg por conta

dessa visão entende que Deus, à medida que se revela, está no mundo, pois a

história consiste na sua ação sobre a criação13. Porém, não se pode pensar

que há no pensamento de Pannenberg uma super-valorização da razão, isto

porque no seu ponto de vista também o instrumental da razão deve ser

entendido como limitado, visto que nem tudo pode ser compreendido neste

12 ROBINSON, J. M. & COBB, J. B. (Ed.), New Frontiers in Theology. Discussions among continental and american theologians. Vol. III, in: Theology as History, New York, Evaston and London: Harper & Row, 1965, p. 119. 13 PANNENBERG, W., Fé e Realidade. São Paulo, Novo Século, 2004, p. 114.

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tempo estando muitas coisas reservadas ao futuro quando a verdade será

totalmente compreensível.

• Ontologia Escatológica, Pannenberg enxerga Deus como a

realidade que determina todas as coisas, assim o futuro tem uma

importância crucial em sua teologia. Para ele a realidade presente está

totalmente vinculada ao seu destino futuro que é possibilitado a partir da

ação divina que a direciona para a razão porque o mundo foi criado14. Por

isso na sua reflexão é no “eschaton” que a realidade atual será plenamente

realizada, mas o caráter futuro e definitivo de toda a criação se fez presente

na história de Jesus, porque n’Ele está o futuro definitivo do Reino de

Deus15.

• Função Pública, para Pannenberg a ciência teológica tem a função de

prover consistência racional à fé cristã, e para isso ela deve se entender

como uma disciplina pública relacionada à busca da verdade universal16.

Uma função que segundo ele, deve servir para mudar o rumo da teologia

contemporânea e conduzir à superação da privatização da crença religiosa

feita pela teologia após o Iluminismo, quando ela substituiu a visão de um

testemunho autoritário do conhecimento histórico ensinado por Agostinho e

Lutero, pelas conclusões científicas. Então, para não depender do endosso

da pesquisa histórica, a teologia deslocou o fundamento da fé dos

acontecimentos históricos e passou a colocá-lo sobre a experiência subjetiva

da conversão17. Diante dessa tendência da teologia pós-iluminista,

Pannenberg relembra a afirmação de Lutero que a fé não pode ser derivada

de si mesma, mas somente além de si mesma, ou seja, em Cristo, o que

endossa a função pública da teologia mostrando que para tanto a fé é

dependente de uma base histórica como fundamento da verdade.

• Razão e Esperança, para ele por causa de sua função a teologia precisa

voltar a dois pontos focais: razão e esperança. Isso significa que todo seu

exercício racional deve se orientar para no futuro “eschaton”, ou seja, estar

vinculado à vida e morte de Jesus, o que nos garante essa participação

14 GRENZ, S. J. & OLSON, R., Op. Cit., p. 237. 15 PANNENBERG, W., Teologia y Reino de Dios. Salamanca: Sigueme, 1974, p. 116. 16 ZEUCH, M., A Teologia na Universidade do Século XXI Segundo Wolfhart Pannenberg, Vol. I, São Leopoldo: UNISINOS, 2006, p.14. 17 GRENZ, S. J. & OLSON, R., Op. Cit., Loc. Cit.

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futura18. Por conta disso, o conceito Reino de Deus tem grande relevância

para o seu sistema teológico significando a realização plena do

senhorio final de Deus sobre a criação, senhorio já introduzido

na história com a vinda de Jesus.

• Concepção Cristã de Deus, Pannenberg nessa questão segue a tradição

clássica afirmando que a teologia sistemática como um todo é

essencialmente a doutrina de Deus. Para ele a doutrina da Trindade é um

diferencial em relação às demais religiões e consiste no centro da concepção

cristã de Deus, pois na fé cristã a doutrina da Trindade revela o caráter

relacional do ser pessoa, ou seja, a realidade de dependência mútua que

mostra que ser pessoa é dar a si mesma para outra, a partir de uma forte

idéia de dependencia19.

• Transcendência e Imanência, para Pannenberg Deus não se reduz a uma

mente porque Ele é um campo dentro do qual a criação e a história existem.

Por isso Panenberg se preocupa em desenvolver uma pneumatologia que

seja mais ampla e mais bíblica e possibilite alcançar uma chave para a

compreensão da transcendência e imanência divina. Desta forma ao falar de

pneumatologia ele fala também de Trindade e economia salvífica, visto que

ela é o fundamento da revelação divina porque a relação do Filho com o Pai

é mediada pelo Espírito20. Além disso, na sua compreensão o Espírito é o

agente responsável pela elevação das criaturas acima de seu ambiente sendo

ele mesmo quem dá a direção para o futuro, ou seja, conduz a auto-

transcendência, pois é da ação imanente do Espírito que surge a

transcendência.

• Jesus como Filho, acabamos de ver que a relação entre Deus e o mundo na

compreensão de Pannenberg está direcionada para o futuro. Além disso,

esse futuro entra radicalmente na história através da vida de Jesus, visto que

Ele experimentou dentro da História a transformação escatológica à qual

toda a humanidade desde a sua criação está destinada, a comunhão com

18 PANNENBERG, W., Fé e Realidade, p. 100. 19 PANNENBERG, W., Filosofia e Teologia. Tensões e convergências de uma busca comum. São Paulo: Paulinas, 2008, p.43. 20 PANNENBERG, W., Teologia Sistemática, Tomo I, Madrid: Universidade Pontificia Comillas de Madrid, 1996, p. 355. A partir da presente citação, quando nos referirmos a um dos volumes desta obra indicaremos o autor, página e o seu título abreviado por TS1, TS2.

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Deus. Porque Jesus veio promover a reconciliação entre Deus e o homem e

só pôde fazer isto a partir da missão que o próprio Pai o mandou

cumprir de viver uma vida referida a Ele, dessa forma Jesus se

constituiu no lugar do encontro da essência divina e humana21.

• A Revelação e a Bíblia, na teologia protestante a Bíblia é o depósito

autoritário da revelação divina, no entanto Pannenberg vê a religião de

Israel como a tradição que dá origem à Bíblia. Dando grande importância à

história das religiões, ele afirma não ser mais sensato que se requeira uma

autoridade inquestionável da Bíblia, sugerindo que sua autoridade deva ser

vista como um objetivo e não como pressuposto.

• Revelação e Espírito, segundo alguns críticos esse é um ponto de difícil

compreensão na teologia Pannenberg, por causa da grande ênfase que ele dá

à revelação como história. Pois a afirmação da salvação como história e a

sua compreensão por meio da razão faz parecer irrelevante o papel do

Espírito Santo, no processo epistemológico de apropriação da revelação22.

Do que elencamos sobre a teologia de Pannenberg, podemos frisar que ela é

fortemente marcada pelo postulado da Revelação como História, que advoga a

perceptibilidade da ação divina na história concreta, ação que está estreitamente

vinculada ao destino para o qual Deus fez toda a criação. O que faz com que ele

ressalte a dimensão provisória do estado atual da realidade apontando para o seu

estado futuro.

21 PANNENBERG, W., Fundamentos de Cristologia, Salamanca: Sigueme, 1974, p. 428. 22 GRENZ, S. J. & OLSON, R., Op. Cit., Loc. Cit.

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2 A Imago Dei na História da Teologia

Começaremos agora a primeira etapa de nossa pesquisa, que consistirá num

breve apanhado histórico sobre a doutrina da imago Dei. Nosso intuito com ele é

examinar o desenvolvimento do tema da imago Dei em alguns períodos da

história do pensamento cristão. Pois observando, mesmo que brevemente, como

se deu a tematização deste tema central da antropologia cristã, conseguiremos

entender com maior profundidade como no pensamento de nosso teólogo se dá a

abordagem desta doutrina tão complexa. Nessa breve caminhada estaremos

sempre atentos para encontrar informações que nos ajudem a compreender como

se deu esse desenvolvimento histórico e sua influência na antropologia

pannenberguiana, podendo melhor situá-la no contexto maior da reflexão cristã

sobre esse tema.

Iniciaremos este percurso histórico vendo como surgiram as primeiras

reflexões sobre esse tema, e como ainda exercem grande influência na abordagem

cristã hodierna. Para isso, começaremos nossa caminhada pela Patrística, período

pós-apostólico em que surgiram os primeiros pensadores da Igreja Cristã. Homens

que foram desafiados pelas questões levantadas em sua época, e buscaram a partir

da Bíblia dar a elas uma resposta cristã, e por conta disso, transmitiram de forma

coerente e compreensível a mensagem do Evangelho. Após a Patrística

seguiremos nossa caminhada pelo desenvolvimento rumo à Idade Média, quando

examinaremos o que os escolásticos pensaram e disseram a este respeito, de modo

especial Boaventura e Tomás de Aquino, por serem representantes insignes do

pensamento cristão daquele período.

Olharemos também para o momento histórico da Reforma Protestante que

aconteceu no século XVI, período marcado por grandes mudanças no pensamento

e na configuração religiosa mundial. Período que devido a sua magnitude

influenciou fortemente o pensamento teológico. Veremos qual foi nesse período a

postura dos reformadores Lutero e Calvino e também a postura das denominações

protestantes originadas desse período. Segue-se o estudo do tema da imago Dei,

no século vinte, quando se dá o rompimento das barreiras existentes entre o

pensamento protestante e o católico concernente ao nosso tema. De modo que já

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no século XXI os limites confessionais que eram bem definidos, deixam em parte

de existir fazendo com que os pensadores sejam classificados não primeiramente

pelas tradições a que pertencem, mas pelas correntes antropológicas e teológicas

que seguem.

2.1. Na Patrística

Na Patrística, o tema da imago Dei teve grande importância de modo que o

relato sacerdotal, texto base para essa doutrina, foi interpretado pelos Padres

Apostólicos de diversas maneiras1. Cabe ressaltar que ele foi desenvolvido dentro

de um contexto maior de controvérsia, ou seja, em reação às correntes intelectuais

do Velho Oriente, da antiguidade helenista e da teologia do judaísmo ulterior2.

Nesse momento dizem alguns estudiosos que havia dentro da Igreja Cristã três

centros teológicos que assumiam posturas diferentes na abordagem antropológica:

Alexandria, Antioquia e o Ocidente3. Partindo desta afirmação, o nosso percurso

no período patrístico será baseado nos posicionamentos dessas escolas.

2.1.1. Escola Alexandrina

A escola alexandrina foi muito influenciada por Filón que tinha um

substrato filosófico platônico4. Ele via na alma, e mais concretamente na alma

superior que significava o noûs, a característica da criação do homem à imagem

1 FRIES, H., Conceptos fundamentales de la teologia. Madrid: Ediciones Cristandad, 1966, p. 349. 2 LENZ, B., O homem como imagem de Deus, in: (Lídio Peretti & Frei Antônio Moser) Mysterium Salutis. vol. II/3, Petrópolis: Editora Vozes, 1972, p. 232 3 LACOSTE, J.Y., Dicionário Crítico de Teologia. Verbete: Antropologia, p. 150, São Paulo: co-edição Paulinas e Loyola, 2004. 4 Filon teve duas fontes de inspiração para a sua reflexão, baseando-se na filosofia grega, mais precisamente o pensamento de Platão, ele concebeu o homem, essencialmente composto de corpo e alma. A partir da exemplaridade e dupla narração bíblica, ele deduziu a teoria do homem ideal, que serve de modelo para todos os homens, pois para ele, o fato de haver duas narrações, comprova duas criações distintas; a primeira relativa ao homem ideal; e a segunda à humanidade histórica. Unindo a filosofia platônica e a Sagrada Escritura, Fílon produziu a doutrina do homem como eikon, afirmando que o homem é imagem indireta de Deus e direta do Logos, porque para ele, Deus fez o homem se servindo de um modelo: o homem ideal “o Lógos”. Cf. Battista Mondin. Antropologia Teológica, História e Problemas. São Paulo: Edições Paulinas, 1979, p. 100-107.

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de Deus5. Na escola de Alexandria podemos destacar Clemente, um pensador que

se preocupou em dar uma interpretação cristã da realidade humana. Para essa

tarefa ele recorreu ao instrumental filosófico, dando assim origem ao que ele

mesmo chamou de filosofia cristã6. Seguindo o caminho traçado por Fílon,

Clemente foi capaz de falar de três espécies de imago Dei: a do Lógos, a do

cristão e a de todos os homens7. Para falar das duas imagens, cujo sujeito é o

homem, ele usou dois termos gregos diferentes: eikón e homoiosis8.

Eikón é termo grego que traduz o hebraico “zelem” que significa imagem,

foi usado por Clemente para designar a imagem natural que pertence a todos os

homens, ou seja, o intelecto e a razão. Homoiosis é o termo grego usado na

tradução do termo hebraico “demut”, que significa semelhança, sendo usado por

ele para designar a imagem sobrenatural. Uma Imagem que está restrita aos

cristãos e consiste essencialmente no conhecimento (gnose) e no amor9. Isso

porque para ele o que o homem comum possui é a imagem natural “ícone” e

somente o cristão possui a imagem sobrenatural “essência”. Dessa forma

Clemente falava que o homem ao nascer é um ícone “imagem” de Deus, e

somente mais tarde quando convertido é que ele passa a possuir a semelhança, ou

seja, a essência d’Ele.

Podemos resumir seu pensamento dizendo que ele entendia a imago Dei,

como a condição racional do homem que o faz capaz de participar do Logos

divino, sendo ela que lhe possibilita agir em semelhança com seu criador podendo

bem-fazer e comandar10. Clemente entendia que o homem espiritual, que vive sob

a forma do homem terrestre, precisa diligentemente se esforçar para ser libertado

dos limites impostos pela existência concreta, alcançando através de seu esforço a

semelhança com Deus11.

5 LADARIA, L. F., Introdução a Antropologia Teológica, São Paulo: Ed. Loyola, 1998, p. 53. 6 MONDIN, B., Op. Cit., p. 103. 7 Ibidem, p.104. 8 O termo eikon, está relacionado não com o ser “essência”, mas, com o agir que significa uma semelhança no plano da ação, assim o homem se assemelha a Deus enquanto faz o bem, e exerce o domínio sobre as coisas. O termo homoiosis, significa a consumação e o caminho que à ela conduz, de modo que a semelhança com Deus não é uma qualidade humana fechada em si mesma, senão uma orientação dinâmica rumo a própria consumação na semelhança do protótipo divino. A imagem tende a retornar à sua origem, e esse retorno é ao mesmo tempo o caminho para um cumprimento cada vez mais perfeito de sua semelhança. Cf. LENZ, B. Op. Cit., p. 234. 9 MONDIN, B. Op. Cit., p. 105. 10 LADARIA, L. F. Op. Cit., p. 53. 11 LACOSTE, J.Y. Loc. Cit.

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Ao falarmos de Clemente e da Escola Alexandrina não podemos ignorar os

seus herdeiros que são os Padres capadócios. Entre os Padres capadócios foi

Gregório de Nissa quem deu uma contribuição de grande relevância à doutrina da

imago Dei. Para Battista Mondin, em se tratando do tema da imago Dei, ele pode

ser considerado o representante da Patrística Grega, pois sua obra: “De hominis

opificio”, é um tratado de antropologia filosófico-teológica. Nela Gregório afirma

que o fato de ser o homem imagem de Deus é uma verdade revelada. Ao tentar

explicar o termo imago, ele diz que uma imagem corresponde à reprodução fiel e

integral do modelo, porque para ser verdadeiramente uma imagem, ela precisa

possuir todos os atributos de seu modelo. Desta forma a aplicação desse conceito

de imagem à doutrina da imago Dei fez com que ele afirmasse que sendo Deus o

conjunto de todos os bens, o homem enquanto sua imagem também é dotado de

todos eles.

Entretanto essa plenitude de bens que há no homem, observa Gregório, se dá

dentro de uma diferença existente entre ele e Deus. Isso porque Deus é uma

realidade subsistente, incriada e o homem recebe tais qualidades pela criação, ou

seja, participando da natureza divina, mas sempre como uma criatura que está

fundamentalmente separada dele. Próximo também do pensamento de Fílon,

Gregório de Nissa afirma que Deus efetuou duas criações, a imago Dei ideal e a

real, histórica12. Assim, na sua visão, todos os traços fundamentais da alma

(espiritualidade, liberdade, incorruptibilidade) fazem com que ela seja semelhante

a Deus. Mas é a característica humana da liberdade que é atribuída por Gregório

como o traço mais marcante da semelhança do homem com Deus. No entanto ele

fala que não é qualquer exercício da liberdade que torna o homem semelhante a

Deus, mas somente aquele em que o homem lhe permanece submisso13.

Ele ainda afirma que o corpo é indiretamente imagem de Deus e para isso

endossa sua posição nos traços de semelhança com Deus presentes no corpo

humano. Além disso, ele diz que em comparação com os animais, o homem tem

um corpo que é adaptado a sua alma racional. A primeira característica desse fato

é a posição vertical, que consiste num sinal expressivo de sua dignidade superior,

além de outros traços como: a mão, os sentidos, o rosto e os órgãos da fala. Ao

12 Ibidem, p. 108. 13 Ibidem, p. 110.

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abordar a imago Dei real, histórica, ele diz que a semelhança opera em duas

direções: em direção a Deus, através da alma e de suas faculdades e em direção

aos animais, através do corpo e de sua sexualidade14. A segunda direção em que

opera a imago Dei histórica, mencionada por Gregório traz à tona a sua visão

pessimista em relação à sexualidade humana, concebendo-a como a corrupção da

“Imago Dei”, visto que ela está intimamente ligada à dimensão corporal, que é

fonte de muitas paixões. Em sua antropologia não se consegue ver diferença entre

ícone e essência15, pois em sua opinião a Imago deve conter à reprodução fiel e

integral do modelo, e conseqüentemente uma estreita semelhança com ele, mesmo

que diferente em sua identidade.

2.1.2.

Escola Antioquena

Junto à Escola Alexandrina, temos também a linha asiática e africana que

ficou conhecida na história como a Escola de Antioquia. Essa escola uniu as duas

narrativas da criação, fazendo as mesmas acentuações cristológicas do apóstolo

Paulo. Nela podemos mencionar um grande pensador, Irineu16. Irineu foi antes de

tudo um pastor que estava no vale do Ródano, diante de seitas gnósticas que

propagandeavam suas posições. Nesse contexto suas preocupações pastorais o

14 Ibidem, p. 109. 15 Se a imagem não é exata, não é imagem, a partir dessa afirmação de Gregório podemos dizer que há dois pontos obscuros em sua antropologia. O primeiro diz respeito a imago ideal, pode-se concluir que em seu pensamento ele não a considera do mesmo modo de Fílon, isto é, como realidade criada antes do início da história para servir de modelo na produção de cada homem. Mas a considera como um projeto, um programa ideal que Deus excogitou para a humanidade, mas que historicamente nunca existiu. Assim a imago Dei, é ainda uma meta que o homem alcançará depois da vida presente caso tenha vivido de acordo com os preceitos divinos a exemplo de Jesus Cristo. O segundo ponto obscuro é o papel que Gregório atribui à sexualidade encarando-a entre as causas do desmerecimento da Imago Dei, porém também vê um papel positivo na sexualidade depois do pecado original, pois Deus se serve dela para assegurar a propagação da humanidade. Esta postura revela a influência do Platonismo sobre o seu pensamento. Cf. Battista Mondin. Op. Cit., p.111. 16 Ladaria afirma que na escola de Alexandria, há uma forte referência cristológica ao tema da imagem, pois ao fala de uma criação não à imagem de Deus Pai, mas à do Logos. Assim, entende-se que a criação à semelhança divina só pode ser compreendida a partir do Filho (Lógos eterno), a imagem verdadeira de Deus, cf. Luis, F. Ladaria, Op. Cit., p. 53.

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levaram a escrever suas obras, cuja mais importante foi Contra as Heresias, que

tem como título original: Exposição e Refutação da Falsa Gnose.

Devido a sua grande capacidade intelectual, seu pensamento exerceu grande

influência sobre os teólogos posteriores como o próprio Tertuliano mencionado

acima, Hipólito de Roma e Atanásio17. Além disso, inspirando-se na teologia da

Ásia Menor, Irineu foi o primeiro pensador cristão em sua doutrina da economia

divina a esboçar uma teologia sistemática da imagem. Seu raciocínio tinha como

substrato o plano salvífico de Deus, um plano que vai desde o início até o fim da

história18. Outro traço de seu pensamento, é que ele também foi fortemente

influenciado pela visão escatológica da antropologia paulina, o que fazia com que

ele entendesse que além do Verbo invisível, o homem tinha sido criado a partir do

Verbo encarnado, dando assim uma importantíssima valorização à humanidade de

Cristo19. Foi a partir desse princípio que chegou a afirmar: no momento em que

Deus estava modelando o primeiro Adão no barro, Ele pensava no seu Filho que

se faria homem para ser o Adão definitivo20.

Na sua compreensão o homem era composto de três dimensões: o corpo, a

alma e o espírito. O espírito consiste na sua participação em Deus, por conta disso

ele dizia que, antes do pecado, Adão possuía somente em germe e de maneira

frágil a imagem e semelhança divina, vendo o homem como um ser sempre em

crescimento, em devir, ou seja, inacabado21. Essa postura de Irineu estava

intimamente ligada à distinção entre ícone e essência, que ele mesmo introduziu

na antropologia patrística. De modo que ele identificou o ícone com a razão

humana e a essência com o livre-arbítrio, que consiste na capacidade da fé e da

obediência. Desta forma, defendia que a semelhança consiste na essência divina

no homem, sendo ela que traz a revelação do seu destino à comunhão com Deus.

Assim, com a perda da semelhança que Adão tinha com Deus, resultado do

pecado, Irineu entendeu que a consumação plena da imago Dei só poderia

acontecer em Jesus Cristo, que manifestou plenamente a imagem de Deus modelo,

17 LIÉBAERT, J. Padres da Igreja, vol. I, São Paulo: Edições Loyola, 2ª. Edição 2004, p. 56. 18 FRIES, H., Op. Cit., p. 350. 19 LADARIA, J. L., Op. Cit., p. 53. 20 LATOURELLE, R. & FISICHELLA, R., Dicionário de teologia fundamental, Aparecida: co-edição Ed. Vozes e Ed. Santuário, 1994, p. 68. 21 Ibidem, p. 66.

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por ser o Lógos preexistente22. Nesse sentido Irineu relacionava as afirmações

paulinas e deuteropaulinas sobre Jesus Cristo como imagem de Deus, com o

Logos feito homem23. Daí ser o fato de Jesus Cristo como a verdadeira imagem de

Deus, a base de sua teologia histórico-salvífica24. Também devemos observar que,

ao ressaltar a importância da humanidade de Jesus Cristo na salvação do homem,

Irineu valorizou juntamente o ser humano concreto e seu universo25. E essa

valorização da dimensão corporal em oposição ao dualismo pessimista, aparece de

modo contundente em sua máxima: “A gloria de Deus é o homem vivo”.

O pensamento de Irineu é visto como um pensamento positivo e dinâmico,

além disso, se harmoniza bem com a compreensão da ciência contemporânea

sobre as origens humanas26. Aqui está algo marcante no pensamente de Irineu que

também é defendido por Pannenberg, que Adão na verdade não era a imagem de

Deus, mas foi criado segundo ela27. Como vimos acima, ao classificar Cristo

como a imagem-modelo, ele classifica o homem como a imagem-cópia que será

convertida pelo modelo.

Irineu exerceu uma imensurável influência no pensamento cristão,

proclamando uma visão positiva da corporeidade, contrapondo-se ao gnosticismo

de sua época. Sua influência conseguiu resistir à forte influência que o

gnosticismo já vinha exercendo na fé cristã, através de grandes pensadores como

Clemente e Gregório de Nissa. Estes, a partir de uma visão platônica, enfatizavam

a semelhança do homem com Deus somente na alma, desprezando totalmente a

dimensão corporal do ser humano, pois conforme vimos acima, Clemente e

Gregório seguiram os passos de Fílon, e conceberam a semelhança do homem

com Deus somente através do Lógos pré-existente.

No entanto, tal redução da semelhança do homem com Deus somente à

razão devido à influência platônica, se impôs tanto no oriente como no ocidente.

22 LENZ, B., Op. Cit., p. 234. 23 PANNENBERG, W., TS2, p. 239. 24 Ibdem, p. 238. 25 LIÉBAERT, Op. Cit., p. 66. 26 Ibidem, p. 69. 27 Foi a sua postura em distinguir categorialmente imagem e semelhança, que lhe permitiu afirmar que após a queda, o homem perdeu a semelhança ficando somente a imagem. A teologia de Irineu se apóia no conceito de semelhança em distintos graus de intensidade, afirmação que para Pannenberg é demasiadamente problemática, visto que ela não pode ser sustentada exegeticamente.

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Primeiramente devido à influência exercida por Gregório de Nissa, mas,

principalmente por causa de Agostinho que através de suas obras impactou toda a

teologia cristã ocidental. O enraizamento do pensamento agostiniano foi tão

profundo na antropologia cristã que vigorou na escolástica latina, também ficando

implícita na teologia da reforma e pós-reforma28. Assim diante da imensa

influência agostiniana, temos uma explicação para o fato de que os

posicionamentos de Irineu ficaram soterrados.

2.1.3. Escola Ocidental

A escola ocidental, em sua maioria, desenvolveu uma antropologia

influenciada pelo platonismo29. Nela também é sensível a influência da

antropologia estóica, o que conduziu a uma forte ênfase na liberdade como

característica da semelhança do homem com Deus30. Seu maior teólogo foi

Agostinho de Hipona, também considerado o mais influente teólogo cristão, de

modo que não poderíamos nesse percurso histórico sobre a doutrina da imago Dei

deixar de estudar seu pensamento.

A doutrina da imago Dei é o tema dominante da reflexão antropológica

agostiniana sendo tratada nas suas obras de maior importância31. No entanto, por

causa da controvérsia ariana, ele enfatizou nesta doutrina a unidade divina. Por

conta disso chegou até a eliminar categorias que podiam dar lugar a interpretações

subordinacionistas32. Agostinho elaborou a partir da realidade humana a

sistematização do conceito de Deus trino, para isso ele desenvolveu sua definição

da imago, entendendo que ela é imagem do Filho e também da Santíssima

Trindade33.

Em relação à concepção de que o Verbo gerado pelo Pai é sua imagem

perfeita, e que o homem criado por Deus é sua imagem imperfeita, semelhante

mas não idêntica à realidade divina, Agostinho faz diferenciação da imago em

28 PANNENBERG, W., TS2, p. 237. 29 LACOSTE, J.Y., Op. Cit., p. 153. 30 FRIES, H., Op. Cit., p. 351. 31 MONDIN, B., Op. Cit., p. 112. 32 LADARIA, L. F., Op. Cit., p. 55. 33 XAVIER, O. de M. & SILANES, Nereo, Dicionário Teológico: O Deus Cristão, São Paulo: Ed. Paulus, 1988, p. 48.

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duas espécies: uma imago que é da mesma substância do modelo e outra que é de

substância diversa. Para ele toda imagem é semelhante, mas nem tudo que é

semelhante chega a ser imagem, sendo necessário haver uma relação de causa e

efeito. Também para Agostinho, a imagem de Deus consiste na alma e mais

precisamente na mente. Em relação à mente, ele distingue duas razões: uma é a

razão inferior, voltada para as coisas deste mundo; e outra é a razão superior,

incorruptível, que é a imago Dei, que está voltada para as verdades eternas34.

Para alcançar um conhecimento melhor de Deus através do homem e uma

compreensão mais adequada do homem, Agostinho em sua obra “De Trinitate”

colhe na alma humana todas as analogias que essa apresenta da SS. Trindade35.

Ao ver no entendimento, na vontade, e na memória uma correspondência da

imagem da SS. Trindade, Agostinho aponta para o caráter trinitário da vida

psíquica humana, como uma grande analogia (analogia entis) da vida triúna de

Deus36. Mas para Agostinho é evidente que o pecado não pôde destruir ou

corromper completamente a imago Dei, porque ela faz parte da essência do

homem.

Mas o pecado deformou a Imago Dei de tal forma, que o homem não

consegue com as suas próprias forças colocá-la em ordem. Por isso Deus decidiu

restaurar a imago Dei enviando seu Filho Unigênito para comunicar ao homem

um novo poder de conhecimento e amor pelas verdades eternas37. Desta forma a

imago Dei restaurada viabiliza a participação na vida divina, do mesmo modo que

atuava a imago Dei originária, através do conhecimento de Deus, da prática da

justiça e santidade.

Conclusão

Como já falamos, a influência de Agostinho foi dominante no pensamento

ocidental. Para ele o homem é ímagem de Deus ao participar de sua essência, mas

34 MONDIN, BATTISTA. Op. Cit., p. 118. 35 São três as principais: (a) mens, amor, notitia; (b) memória, intelligentia, voluntas; (c) memória, intelligentia, amor. Cf. Battista Mondin, Op. Cit., p. 119. 36 BRAATEN, C. E. & JENSON R. W., Dogmática Cristã. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1987, p. 333. 37 PANNENBERG, W., Antropologia en Perspectiva Teológica. Implicaciones religiosas de La teoria antropológica, Salamanca: Ediciones Sigueme, 1993, p. 121. De agora em diante ao citarmos esta obra procederemos da seguinte forma: usaremos o nome do autor, a página e a abreviação APT, para indicar o seu título.

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teve com o pecado a conturbação dessa imago Dei (deformação da imagem). Por

causa a influência deste pensamento no ocidente, perdeu-se em ampla medida a

compreensão do homem como criado segundo a imagem de Cristo, como também

a referência ao Lógos eterno38. No entanto foi sobre o pano de fundo do

entendimento da imago Dei a partir de dois tipos de imagem “modelo e cópia”,

que se desenvolveu a teologia patrística da imagem e semelhança divina39. Os

Padres da Igreja primitiva, apesar de suas diferenças, estiveram em completo

acordo que a imagem de Deus no homem consistia principalmente nas suas

faculdades, ou seja, nas características racionais e morais do homem, na sua

capacidade para a santidade, ainda que alguns tenham pensado também em

características físicas40.

Na perspectiva platônica era muito compreensível atribuir à natureza do

homem a imago Dei, no sentido de uma relação de modelo e cópia entre o divino

e o humano, vinculando-a com a razão humana, e não levando em consideração as

afirmações neo-testamentárias que falavam sobre Jesus, como a verdadeira

imagem de Deus. Assim tornou-se praticamente um consenso que do ponto de

vista cristão só se chega a ser justo pela Graça divina, e foi dessa forma que a

teologia cristã tem pensado a homoiosis, a saber como um dom da Graça divina

que concedido ao primeiro homem foi perdido no pecado original, sendo então

restaurado em Cristo na justificação do pecador41.

2.2. Na Idade Média

Na Idade Média veremos somente os dois mais destacados teólogos

escolásticos, pois eles podem representar o que foi pensado sobre a doutrina da

imago Dei naquela época. São eles Tomás de Aquino e Boaventura, que

desenvolveram a doutrina agostiniana da imagem a partir de conceitos

aristotélicos42. Tais conceitos geraram a distinção entre justiça original e imago

Dei, fazendo com que na Escolástica Latina se concebesse além da imago Dei a

existência de uma graça extrínseca, chamada justiça original. Era a justiça

38 LADARIA, L. F., Op. Cit., p. 55. 39 LENZ, B., Op. Cit., p. 233. 40 BERKHOF, L., Teologia Sistemática. México: Editora T.E.L.L., 4ª. Edição, 1979, p. 238. 41 PANNENBERG, W., APT, p. 59. 42 FRIES, H., Op. Cit., p. 352.

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original, uma graça externa que viabilizava a comunhão entre Adão e Deus, um

dom que não fazia parte da essência humana e perdido por causa do pecado não

incidiu na perda da imago Dei43.

2.2.1.

Boaventura

Começaremos nossa incursão pela Idade Média através de Boaventura, um

filósofo franciscano que a exemplo de Fílon, Clemente de Alexandria, Gregório

de Nissa e Agostinho fundamentou sua doutrina da imago Dei sobre motivos de

ordem filosófica ou bíblica. Assim na sua compreensão todas as coisas são

imitações de Deus, mas em graus diferentes: algumas são simplesmente um

vestígio (vestigium), outras imagem (imago) e outras, enfim, perfeita imitação

(similitudo) de Deus. Encarando o mundo como uma espécie de livro que reflete a

Trindade que o produziu.

O motivo de vestígio é encontrado em todas as criaturas, o motivo de

imagem em todos os intelectos espirituais de caráter racional e o motivo de

semelhança somente naqueles que são realmente conforme Deus44. Boaventura

seguindo o uso que já se tinha firmado junto aos escolásticos no século XI,

modifica e subverte o significado que Agostinho havia atribuído aos termos imago

e similitudo. Pois enquanto para o doutor de Hipona, similitudo significava uma

semelhança genérica e imprecisa, e imago indicava uma semelhança marcada e

precisa, para Boaventura, similitudo indica uma semelhança ainda mais perfeita

do que a indicada pelo termo imago em Agostinho.

Porém na distinção dos significados do termo imago, Boaventura segue

Agostinho, ao fazer a distinção principal entre imago naturalis, que corresponde à

imagem que se assemelha ao modelo por sua própria forma natural (essencial), e

imago artificialis, em que a semelhança se dá por um aspecto, de forma acidental.

43 PANNENBERG, W., APT, p. 58. 44 PANNENBERG, W., APT, p. 124.

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Outra divisão importante em Boaventura é entre a imago naturalis, que significa

uma semelhança que depende da própria natureza da coisa em si, e imago

connaturalis, que se dá por uma semelhança ao modelo45. Esclarecidos os

significados dos termos imago, vestigium e similitudo, e fixados os vários tipos de

imago, Boaventura defende que a imago Dei pertence à própria essência da

criatura.

Seguindo esse raciocínio, ressalta os modos pelos quais o homem pode

assemelhar-se a Deus, para isso afirma ainda que há uma semelhança de três tipos:

proporcionalidade, causa e efeito, modelo e cópia. Pois para ele a imago Dei não é

o resultado automático da estrutura ôntica interior do homem. Tal estrutura torna-

o capaz da imago Dei, mas não o constitui de fato semelhante a Deus, isso porque

Ele nos criou à sua imagem, somente porque nos fez racionais, colocando em

nossa alma inteligência, vontade e sensibilidade. De forma que essas

características são as potências de nossa alma e não partes dela, porque a alma

sendo simples não tem partes, e por isso é imortal. Assim como nós temos

inteligência e vontade finitas, Deus também tem Inteligência e Vontade, no

entanto na dimensão infinita. Da mesma maneira que Agostinho, Boaventura

entendia a atuação da imago Dei, ligada à tomada de consciência do homem. Pois

somente quando ele se torna consciente de sua semelhança com Deus reagindo de

acordo com essa realidade, ou seja, dirigindo sua atenção e seu amor a Deus é que

ele se torna a verdadeira imago Dei.

Seu pensamento se separa de Tomás de Aquino no fato de ver a semelhança

do espírito humano com Deus primordialmente no ato de dirigir-se a Ele46. Nele a

história da salvação tem grande importância, visto que é através da salvação que

se dá a restauração da imago Dei que foi deformada. Desta forma ele enfatiza que

foi através da encarnação da segunda pessoa que a deformação causada pela

soberba dos progenitores e a restauração desejada pelas três pessoas da Trindade

realizou-se. É por isso que a seu ver Jesus é o exemplo e o modelo, ou seja, o

protótipo que o homem deve seguir para realizar plenamente em si a imagem de

Deus47. Além disso, Deus quis dar a Adão uma semelhança com Ele, através da

45 Ibidem, p. 125. 46 FRIES, H., Op. Cit., p. 352. 47 PANNENBERG, W., APT, p. 128.

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elevação do homem à vida sobrenatural. E assim o fez infundindo em Adão uma

Graça sobrenatural, que significava a participação na vida divina, que tornou

Adão santo como Deus é santo.

2.2.2. Tomás De Aquino

Vejamos agora o posicionamento de Tomás de Aquino que na teologia da

Idade Média, proseguiu de uma forma muito peculiar na linha de Agostinho. Ele

compreendia que por causa da sua natureza intelectual a alma humana tinha a

imagem de Deus, acreditando ser a alma o que capacita o homem a amar e

conhecer Deus. Tomás então, acompanhando a maior parte dos padres e teólogos

medievais, reconhece que a imago Dei é eminentemente propriedade da alma, já

que possuidora das faculdades espirituais, próprias também da natureza divina,

isto é, o conhecer e o querer48. No entanto, para conhecê-lo, o homem precisava

da ajuda divina, que lhe dava condições de continuar no caminho de santidade.

Mas em sua visão a intervenção divina dependia do esforço e resolução de Adão

em crer e obedecer. Assim a manifestação da Graça na “imago Dei” concebida

por Tomás é dependente do mérito humano.

Em sua teologia da imagem, Tomás se desliga por completo da cristologia,

discernindo entre imagem e semelhança, concebendo tal distinção a partir do

pensamento de Agostinho da existência de um estado de graça original49. Ao

vincular a imagem à capacidade intelectual e ao livre-arbítrio do homem, Tomás

entendia a semelhança como algo acrescentado pela graça concedida a Adão.

Então do mesmo modo que Agostinho e Boaventura, Tomás afirmou que a imago

Dei deriva própria e principalmente da natureza intelectiva do homem50. Seguindo

nessa linha de raciocínio, Tomás de Aquino afirmou que o pecado não causou a

perda da imago Dei, mas somente a perda da graça original que era desfrutada por

Adão. Porque a seu ver se o homem tivesse perdido a imagem de Deus, ele se

tornaria como os demais animais. Tomás busca resolver a questão da queda em

perfeita coerência com a sua doutrina sobre os elementos constitutivos essenciais

48 PANNENBERG, W., APT, p. 133. 49 FRIES, H., Op. Cit., p. 153. 50 PANNENBERG, W., APT, p. 134.

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da imagem humana de Deus, levando em consideração os elementos que

pertencem às faculdades espirituais do conhecer e do querer. Assim ele se refere a

imago Dei de três formas diferentes:

* Imago Criationis, considerada em relação a criação.

* Imago Similitudinis, considerada em relação a Trindade.

* Imago Recreationis, considerada em relação a graça.

Para Tomás de Aquino o homem, com o pecado, perdeu a imago

recreationis e pelo fato que essa imagem não fazia parte de sua essência, ao perdê-

la continuou sendo homem51. Segundo ele pode-se dar na imago criationis a

igualdade de tipo proporcional, mas não de paridade. Sendo assim frisa que são

três as propriedades fundamentais do modelo (exemplar): imitação, prioridade e

originalidade52. Deus é o modelo supremo do homem e único de todas as coisas,

por isso é reproduzido por elas de modos e graus diferentes. Da proposição de que

Deus é a causa eficiente principal e, portanto também a causa exemplar de todas

as coisas, ele chega à conclusão que o homem é cópia da imagem de Deus. Desta

forma afirma que a exemplaridade não se refere somente a uma parte, mas ao

homem inteiro porque abrange a alma e o corpo.

Vale lembrar que alguns autores de inspiração platônica agostiniana antes

dele haviam restringido a imago Dei à alma e à razão. Entretanto a compreensão

da imago Dei de Tomás de Aquino presta-se magnificamente para ilustrar não só

os aspectos estáticos, mas também os dinâmicos da realidade humana, podendo

proporcionar uma compreensão e uma explicação de todas as fases principais da

história da salvação: a elevação ao estado sobrenatural (como o dom de uma

semelhança mais marcada com Deus); queda (como deformação da imago Dei);

redenção (restauração da semelhança com Deus)53.

Conclusão

51 PANNENBERG, W., APT, p. 138. 52 PANNENBERG, W., APT, p. 131. 53 PANNENBERG, W., APT, p. 139.

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Na compreensão de Boaventura, como Deus é o autor de todas as coisas,

não há no universo uma criatura sequer que em grau mais ou menos acentuado

não se pareça com ele. Isto porque ele diz que Deus colocou na natureza criada

vestígios de sua imagem e semelhança. Os vestígios são as marcas da ação de um

agente, como as marcas dos cascos de um cavalo na areia de uma praia não são

imagens do cavalo, mas apenas vestígios dele. Seguindo a linha de interpretação

de Agostinho, Boaventura deu uma relevante contribuição.

Também diante do que vimos podemos frisar a ampliação da noção de

imago Dei feita por Tomás de Aquino. Vale ressaltar ainda que os historiadores

vêem nele o iniciador de uma nova antropologia teológica, porque ao recorrer às

categorias da metafísica hilemorfista e substancialista de Aristóteles para

interpretar os dados da revelação cristã, ele foi além das categorias da metafísica

exemplarista de Platão e dos neoplatonicos ao assumir como base a perfeição do

ser54. Por isso a metafísica de Tomás oferece uma chave para a solução também

dos problemas mais difíceis e espinhosos da antropologia.

A recente historiografia expôs duas questões importantes. Primeiramente na

visão filosófica de Tomás de Aquino há uma significativa contribuição platônica e

em seguida mesmo utilizando muitas categorias colhidas nos filósofos

precedentes, Tomás é criador de um sistema filosófico original. Esse período da

Idade Média teve uma grande influência no pensamento católico a respeito da

imago Dei. Vendo o estado original de Adão como um estado de perfeição,

perfeição que era devido à Graça divina extrínseca a natureza do homem e

possibilitando sua comunhão com Deus.

2.3.

Na Reforma

A antropologia teológica da Reforma se distancia da compreensão da imago

Dei de Irineu e da escolástica medieval ao entender que ela não é só o fundamento

da comunhão efetiva com Deus, mas também a justiça do primeiro homem. Assim

54 PANNENBERG, W., APT, p. 129.

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para os reformadores, por causa do pecado não somente se perdeu a “similitudo”,

mas, a própria imago Dei. Essa compreensão gerou um distanciamento da

concepção medieval e católica sobre a doutrina da imago Dei, entendendo que é a

natureza mesma do homem que foi corrompida pelo pecado55. Esse

distanciamento teve uma base exegética, já que os reformadores não fizeram

distinção entre os termos imagem e semelhança, considerando que no texto os

dois termos tinham o mesmo significado, e por serem sinônimos deviam ser

entendidos como equivalentes.

Com a imago Dei, os reformadores protestantes tinham compreendido

especialmente o estado de pureza do homem, em conformidade com o relato

sacerdotal de Gênesis 1 e 2. Foi a justiça original que foi atingida pelo pecado, e

dessa forma o homem caído ficou totalmente corrompido. Por causa disso os

reformadores deram grande ênfase à graça de Deus, descrevendo o homem depois

da queda como dependente inteiramente da ação misericordiosa divina, já que sua

razão e o livre-arbítrio ficaram profundamente afetados e condicionados pelo

pecado, fazendo-se necessário que Cristo libertasse o homem de sua escravidão e

restabelecesse a justiça original que Adão perdeu56.

2.3.1.

Em Lutero

Os reformadores, começando por Lutero, como vimos acima rejeitaram a

distinção entre imagem e semelhança, entendendo os dois termos como a justiça

original e algo pertencente à própria natureza do homem em sua condição

originária. Lutero afirmou que de posse dessa imagem divina o homem era como

os anjos, e após perdê-la inteiramente tornou-se como os animais. Então o

homem, para Lutero, após a queda não tinha nada de grande significação que o

distinguisse dos animais, por não poder mais chegar a Deus. Num debate acerca

55 PANNENBERG, W., APT, p. 60. 56 LACOSTE, J.Y. Op. Cit., p. 154.

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do homem, Lutero disse que a partir da definição filosófica do ser humano,

podemos ver que a sua faculdade principal é a razão, que consiste na qualidade

que o distingue do animal. No entanto ela não tem mais nenhum valor teológico

porque após os efeitos da queda ela já não tem utilidade para conduzir o homem à

comunhão com Deus57.

Pela queda sua inteligência foi entenebrecida, suas emoções pervertidas e

seu livre-arbítrio anulado. Segundo Lutero, estando o homem totalmente

depravado não há nele nenhuma possibilidade de esperança, fora a misericórdia

divina. Pois pelo fato de ser possuidor duma natureza caída, está morto em seus

delitos e pecados, sem Deus e sem esperança no mundo. Logo a conseqüência do

pecado foi diretamente o fato que a imago Dei foi anulada ou negativizada, não

tendo mais o efeito original.

Segundo o teólogo de tradição reformada calvinista, Louis Berkhof, o

conceito de imago Dei que Lutero tinha era limitado às qualidades espirituais com

que o homem fora dotado originalmente, ou seja, a justiça original58. Ao pensar

desta forma ele não pôde reconhecer suficientemente a natureza essencial do

homem, como distinta dos anjos de um lado e dos animais de outro. Para Lutero a

semelhança “similitudo” e justiça original “iustitia originalis” do estado primitivo

são a mesma coisa, e juntamente com a justiça original perdeu-se a semelhança

divina59. Então com a perda completa da imago Dei por causa do pecado, o que o

distingue dos animais tem pouca relevância religiosa e teológica, ou seja, por

causa do efeito devastador do pecado o homem carece totalmente da graça divina

para poder desfrutar da comunhão com Deus novamente.

Lutero permanece na linha agostiniana de uma visão pessimista do homem e

por conta disso glorifica fortemente a misericórdia de Deus60. De modo que no

seu entendimento, só Cristo com a sua graça é capaz de trazer de volta o homem à

comunhão com Deus. Podemos ressaltar aqui que em sua antropologia, Lutero

compreende o homem a partir de seu relacionamento com Deus, e mesmo pecador

está ele destinado à justificação. Adão é retratado como quem foi feito para a

57 Martinho Lutero, Obras Selecionadas, Vol. 3, Debates e Controvérsias, Porto Alegre: co-edição Ed. Sinodal e Ed. Concórdia, 1992, p. 193. 58 BERKHOF, L., Op. Cit., p. 245. 59 FRIES, H., Op. Cit., p. 352. 60 MIRANDA, M. F. A Salvação de Jesus Cristo. A doutrina da graça, São Paulo: Edições Loyola, 2004, p. 25.

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comunhão racional, moral e espiritual com o seu criador, e por isso desfrutou de

suas capacidades em plena perfeição. O destino, a justificação que conduz o

homem à comunhão com Deus, é sublinhado por Lutero, pelo fato de que Adão,

enquanto imagem de Deus, vivia num estado de perfeição original e desfrutava de

um conhecimento especial d’Ele, tendo condição de crer que Ele era bom, atitude

que gerava comunhão entre ele e Deus61.

2.3.2. Em Calvino

Calvino também concebia a imagem e semelhança do homem com a

integridade, justiça e santidade. No entanto sua visão não é tão pessimista como a

de Lutero. Para ele, com o pecado de Adão não houve uma total destruição da

imagem, ou seja, ela não foi totalmente apagada, mas corrompida a tal ponto que

o que restou foi uma horrível deformação62. Dessa forma só foi apagada a imagem

celeste que ele trazia, o que também foi o suficiente para que o homem ficasse

alienado de Deus. Mas o homem, ao alienar-se de Deus, alienou-se também de

todos os bens que fazem parte da comunhão com Ele63. No lugar da virtude, da

santidade e da justiça, ornamentos de que estava revestido originalmente quando

tinha em si a semelhança com Deus, vieram os horríveis males, a saber, a

ignorância, a fraqueza, a torpeza, a vaidade e a injustiça.

Calvino entende ainda que o pecado passou aos descendentes por geração e

não por imitação, pois Deus colocou em Adão os bens espirituais que quis dar à

natureza humana, mas Adão os perdeu e por causa dele nós também os

perdemos64. Portanto somos produtos de semente imunda, nascemos maculados

pela infecção do pecado, pois Adão como representante da raça humana fez com

que toda ela se corrompesse pela sua corrupção. A teologia reformada que segue a

linha de Calvino, enfatiza o papel de Adão e a nossa relação com ele, e ao tratar

disso, alguns teólogos defendem a existência de uma solidariedade da espécie

humana. Segundo eles, o Antigo Testamento, em vários textos, apresenta uma

61 BRAATEN, C. E. & JENSON R. W., Dogmática Cristã. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1987, p. 334. 62 FRIES, H., Op. Cit., p. 155. 63 CALVINO, J., As Institutas, São Paulo: Editora Mundo Cristão, 2006, p. 85. 64 Ibidem, Loc. Cit.

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unidade coletiva do grupo65, consistindo num profundo vínculo grupal, ou seja,

numa responsabilidade mútua pelas ações de cada indivíduo66.

O resultado disso é a extensão vertical da personalidade do grupo, que é a

aplicação de um mérito ou demérito àqueles que não participaram

individualmente do ato em si. Para alguns estudiosos uma declaração sucinta

desse princípio encontra-se no livro de Êxodo 20,5-667:

“não te prostrarás diante deles nem lhe prestarás culto, porque sou o Senhor

teu Deus, Deus zeloso, que castigo os filhos pelos pecados de seus pais até a

terceira e quarta geração daqueles que me desprezam, mas trato com

bondade até mil gerações aos que me amam e obedecem os meus

mandamentos”.

Na compreensão de Calvino, Deus criou somente uma raça humana e Adão

como o primeiro homem era o seu representante, sendo que naquela ocasião toda

a raça humana estava presente nele. Então quando ele pecou e caiu, toda a espécie

também caiu com ele. Calvino nessa questão entende que a imputação do pecado

a toda humanidade se dá por causa da unidade da espécie. De tal modo que,

quando Adão tornou-se pecador, todos os seus descendentes também se tornaram

pecadores juntamente com ele. Os pensadores reformados em sua maioria lêem o

versículo doze do quinto capítulo da carta de Paulo aos Romanos dessa forma, a

partir de dois princípios tradicionais: o realismo e o federalismo68.

65 Pannenberg aborda esta questão falando do significado do indivíduo na comunidade, mas, segundo ele essa concepção foi abolida a partir do profeta Ezequiel (Ez 18,20). Cf. Wolfhart Pannenberg, El Hombre como Problema. Barcelona: Herder, 1976.p. 14. 66 Vejamos alguns aspectos sobre a unidade grupal entendida no pensamento reformado de linha calviniana: identificação com o ancestral, que para alguns estudiosos se faz presente no Antigo Testamento. Em Malaquias 1.3,4; por exemplo, Esaú e a nação de Edom são considerados equivalentes, os acontecimentos e a história da nação são contados como se fizessem parte da biografia do ancestral. Outro exemplo está em Oséias 11.1; este texto para alguns aprofunda o conceito hebraico do nome, pois ao invés de verem o nome como um recurso prático para distinguir uma pessoa das outras, os israelitas antigos entendiam que os nomes eram portadores do caráter. A casa levava o nome do pai, e dessa forma, o caráter do patriarca permeava o lar. Cf. SHEDD, Russel, P. A Solidariedade da Raça, São Paulo: Vida Nova 1ª edição, 1995, p. 17-22. 67 Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional, São Paulo: Vida, 2000. 68 O realismo, interpreta o texto de Rm 5.12 de modo literal, o que significa que todos nós estávamos presentes e envolvidos no pecado de Adão. Assim a natureza humana genérica universal, que abrange a natureza individual de todos os homens, achava-se presente de alguma forma (esta posição traz algumas dificuldades em relação à cristologia). O federalismo (do termo latino Foedus = aliança) tem em vista o paralelo entre Adão e Cristo, nossa solidariedade universal

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O resultado do pecado foi que acabou a compreensão genuína do homem a

respeito de Deus, porque após o pecado o homem ficou privado da luz divina.

Assim podemos concluir que, para Calvino, o pecado original é uma corrupção e

perversidade na nossa natureza, fazendo gerar continuamente em nós as obras da

carne. Por isso em Calvino a definição de imago Dei traz luz ao estado original de

pureza do homem, já que sua imagem consiste naquela integridade original da

natureza: a saber, o dom que o homem perdeu por causa do pecado, o qual se

revela no verdadeiro conhecimento, justiça e santidade. Dessa forma em relação a

pergunta se a imagem de Deus pertence à verdadeira essência humana, a teologia

reformada não vacila em dizer que ela constitui a essência do homem69.

Calvino também entendia que o homem foi criado com dons singulares da

parte de Deus, no entanto após a queda ele se encontra numa condição

miserável70. Residindo então a imagem Deus na alma e abrangendo tudo o que

distingue o homem dos animais, não existe diferença em ser ícone e ter a essência,

o que para ele é apenas um realce escriturístico. Ele distingue ainda os elementos

da imagem de Deus que o homem não pode perder sem ficar descaracterizado,

consistindo eles em qualidades e potências essenciais à alma humana. Distingue

ainda as que ele pôde perder e seguir sendo homem, ou seja, as boas qualidades

éticas da alma e suas faculdades. Essa segunda imagem de Deus é idêntica com a

que se chama justiça original, pois é a perfeição moral da imagem que podia

perder-se e que se perdeu por causa do pecado.

Conclusão

Observando um pouco do que os reformadores falaram a respeito da

doutrina da imago Dei, podemos perceber grandes semelhanças, mas também

algumas diferenças, como por exemplo, Lutero que assume uma postura muito

mais pessimista que Calvino. No entanto em linhas gerais podemos dizer que os

dois grandes reformadores concordam que os termos imagem e semelhança são

sinônimos, concordam a respeito da existência de um estado original de perfeição

e que tal perfeição original foi totalmente perdida por causa do efeito devastador

com Adão é da mesma espécie da mantida por Cristo com seus remidos, isto é, de liderança representativa ou federal. 69 BERKHOF, L., Op. Cit., p. 244. 70 CALVINO, J., Op. Cit., p. 85.

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do pecado sobre toda a realidade humana. Assim a partir da postura assumida

pelos reformadores, boa parte da teologia protestante ficou calcada num forte

pessimismo antropológico e numa ênfase extremada na Graça e Misericórdia

divina.

2.4. Na Teologia Contemporânea

Na teologia contemporânea, o aspecto social da imagem de Deus é o que

mais tem sido enfatizado pelos teólogos, pois na teologia atual fala-se muito do

ser humano diante de Deus71. Em Rahner, por exemplo, a dimensão religiosa é

interpretada em termos de aptidão transcendental, e no concílio Vaticano II

também se afirma que Deus não criou o homem como um ser solitário72. A

teologia contemporânea também se baseia numa interpretação cristológica ou

escatológica da imagem de Deus no homem, um bom exemplo disso é

Schleiermacher73, renomado teólogo protestante do final do século XIX que

rechaçou a idéia de um estado original de integridade e de justiça, porque na sua

visão um estado de perfeição moral, de justiça e de santidade pode ser somente o

resultado de um desenvolvimento. Assim afirmou que tal concepção é

problemática cristologicamente, porque a imagem de Deus consiste numa certa

receptividade do divino, na capacidade para responder ao ideal divino e para

crescer na semelhança de Deus74.

Faremos um resumo dos posicionamentos contemporâneos sobre a doutrina

imago Dei, ressaltando suas linhas gerais. Uma observação que já de início

podemos fazer é que, na teologia contemporânea, os estudiosos como já dissemos

agrupam-se mais por posturas assumidas do que por sua pertença a uma confissão.

Por causa disso preferimos nos guiar pela classificação feita por Battista Mondin

em sua obra Antropologia Teológica. Ele, inspirado no Concílio de Calcedônia,

distinguiu as posições antropológicas atuais em três tendências principais:

71 XAVIER, O. de M. & SILANES, Nereo, Op. Cit., p. 50. 72 LACOSTE, J.Y. Op. Cit., p. 156. 73 Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Ed. Vida Nova, São Paulo, 1992, p. 311. 74 BERKHOF, Op. Cit., p. 239.

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maximalista, minimalista e moderada75. Veremos a partir de sua compreensão

como podemos compreender o desenvolvimento atual da doutrina da imago Dei.

2.4.1. Tendência Minimalista

A tendência minimalista é a corrente que limita radicalmente a consistência

ontológica do homem. Tal postura devido ao forte pessimismo chega a privar o

homem de sua capacidade natural de alcançar a Deus, ainda que só com a mente.

Essa postura é uma forte reação à possibilidade de uma teologia natural, e consiste

num posicionamento que tem grande tradição entre os teólogos protestantes desde

Lutero76. No século passado ela foi abraçada por Barth, Brunner, Bultmann, Cox,

Van Buren e muitos outros; no âmbito católico, Battista Mondin menciona alguns

autores, a exemplo de González Ruiz.

Barth indubitavelmente é o maior expoente da teologia protestante do século

passado. Ele afirma que o homem decaído não pode alcançar a Deus por suas

forças, e que tudo que é humano (razão, cultura, religião) está em oposição a

Ele77. A seu ver os efeitos desastrosos do pecado atingiram a essência do homem;

e mesmo sem descaracterizá-lo completamente, foram capazes de corromper sua

razão e destruir a imago Dei. Devido a sua radicalidade pessimista em relação ao

homem depois queda, Karl Barth afirma que nasceu entre Deus e o homem uma

imensa oposição, que só pôde ser restabelecida através do sacrifício de Jesus

Cristo, em que a unidade é restabelecia.

Brunner reagiu fortemente à posição de Barth, afirmando que a Imago Dei

ainda é o ponto de contato da Divindade no homem, e mesmo depois da queda

continua capacitando-o a receber a palavra, podendo ele aceitá-la ou não. A

afirmação brunneana do ponto de contato fez com que ele fosse acusado de

heresia por Barth e outros teólogos protestantes. Esse fato se deu porque as

interpretações tradicionais da imago Dei no âmbito protestante geralmente

referem-se a aspectos como: conhecimento humano (razão), consciência moral,

perfeição moral original e imortalidade, além da capacidade para a santidade; ou

75 MONDIN, B., Op. Cit., p. 143. 76 Ibidem, p. 144. 77 Ibidem, p. 145.

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seja, aspectos que caracterizam o homem como espírito pessoal finito, que foi

corrompido pelo pecado.

A crítica se deu porque, ao falar de um ponto de contato, Brunner se

aproximou da posição católica e tomista, que defende uma preservação da imago

Dei após a queda. Seu argumento dava base à teologia natural, o grande mal com

que a neo-ortodoxia tanto lutou. No entanto Brunner permaneceu na linha

protestante ao afirmar que a essência do homem consiste na relação com Deus e

que ela foi pervertida pelo pecado, aglutinando assim duas posições: a católica e a

protestante. A tendência minimalista, como vimos na sua postura teológica,

contém um forte radicalismo e pessimismo antropológico, que por sua vez foi

abandonado por Brunner e acentuado por Barth na sua disputa com a teologia

liberal.

2.4.2. A Tendência Moderada

A tendência moderada é inspirada no princípio tomista de que a graça não

destrói a natureza, mas a aperfeiçoa, sem com isso comprometer a gratuidade

divina e sua transcendência. Ela é capaz de enxergar no homem uma consistência

ontológica que faz dele capaz de conhecer Deus78. Battista Mondin, cita em seu

livro alguns pensadores dessa linha antropológica do lado católico entre os quais

figuram: Parente, Maritain, Guardini; e no lado protestante, o brilhante teólogo

norte-americano, Reinhold Neibuhr. Niebuhr, que faz distinção entre imago e

similitudo, diz que a imago Dei é a base da transcendência do homem.

Portanto ela não foi destruída no seu aspecto formal e real pelo pecado,

seguindo na mesma linha de raciocínio que é a base para a afirmação de Maritain,

o qual afirma que no âmbito natural, através da observação, o homem tem a

capacidade de conhecer Deus, pois a razão naturalmente move-se em direção à fé,

para que esta preencha as insuficiências da razão79. Essa postura teológica enxerga

a razão humana como um instrumento para aproximação do homem à Deus.

78 Ibidem, p. 149. 79 Ibidem, p. 179.

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2.4.3. A Tendência Maximalista

O maximalismo antropológico é a corrente mais ousada que chega a atribuir

ao homem uma idoneidade tal, que aos olhos de Battista Mondin parecem

incompatíveis com a gratuidade divina e sua absoluta transcendência80. Ele inclui

nesta postura antropológica Pannenberg, o teólogo por nós estudado. Juntamente

com ele figuram outros grandes teólogos do século passado: Karl Rahner, o maior

teólogo católico do século XX, Teilhard de Chardin e Henri De Lubac81. Rahner,

partindo do princípio da vontade salvífica universal de Deus, diz que o homem

tem uma predisposição ontológica à graça divina. Essa postura está baseada na

compreensão de que Deus cria para que a sua autocomunicação tenha um

destinatário, ou seja, para comunicar fora de si a existência trinitária.

Em resposta à concepção tomista que ainda tem grande influência na

antropologia católica, esta postura une no homem a graça incriada e a graça criada

e fala que o homem tem intrinsecamente um dom que não pertence a sua essência,

poderíamos dar como exemplo desse dom a nacionalidade, que é algo intrínseco

do homem, mas não faz parte da sua essência. Dessa forma, fala-se de existencial

sobrenatural frisando que o homem é dotado de inteligência e de liberdade que lhe

possibilitam captar e livremente acolher o convite divino. Além disso, esta postura

enxerga a encarnação mais profundamente, a ponto de afirmar que a vida de Jesus

revela quem é Deus e como responder a Ele, ou seja, só na encarnação acontece a

perfeição da imagem de Deus em nós82.

Podemos dizer que hoje esta é a tendência mais aceita, devido também a

forte ênfase em interpretar toda a realidade a partir de Jesus Cristo, o que mostra

que a intencionalidade salvífica de toda a ação divina e que ela se dirige a todo

homem.

Conclusão

80 Ibidem, p. 187. 81 Ibidem, p. 188. 82 Miranda, M. F. op. cit., p.45.

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Pudemos ver em toda reflexão sobre a doutrina da imago Dei a existência de

pontos comuns, mas também de grandes divergências. E assim como citamos a

classificação de Batista Mondin, poderíamos citar as de outros teólogos. Porém

cremos que as informações elencadas até o momento, são suficientes para

fazermos uma introdução que constitui o pano de fundo necessário para o estudo

de nosso tema. Agora vale relembrar que a compreensão da doutrina da imago Dei

que mais se fixou no pensamento cristão foi a que se deu sob a influência de

Agostinho. Ele concebia a imago Dei como um estado de perfeição antes da

queda, e devido a sua influência perdeu-se no ocidente o enfoque cristológico que

se dava ao tema, correlacionando-o ao Logos eterno.

Infelizmente seus passos foram seguidos pela escolástica católica através da

compreensão de uma graça suplementaria. Pelos reformadores protestantes, que

mesmo ao entenderem de forma diferente de Agostinho os termos imago e

similitudo, também defendiam a existência de um estado de perfeição original

vivido por Adão antes da queda, e advogavam o acontecimento de um trágico

efeito do pecado sobre a imagem divina no homem. A influência dos

reformadores se faz presente praticamente em todo o pensamento protestante, e

por isso podemos ver claramente essa postura de um estado de perfeição original,

nas Confissões de Fé. Elas desde o inicio do protestantismo tinham o intuito de

normatizar o posicionamento das tradições reformadas. Vejamos, por exemplo, o

que se diz sobre a criação, no segundo parágrafo do quarto capítulo da confissão

de “Fé de Westminster83”: Depois de haver feito as outras criaturas, Deus criou o homem, macho e fêmea, com almas racionais e imortais, e dotou-as de inteligência, retidão e perfeita santidade, segundo a sua própria imagem, tendo a lei de Deus escrita em seus corações, e o poder de cumpri-la, mas com a possibilidade de transgredi-la, sendo deixados à liberdade da sua própria vontade, que era mutável. Além dessa escrita em seus corações, receberam o preceito de não comerem da árvore da ciência do bem e do mal; enquanto obedeceram a este preceito, foram felizes em sua comunhão com Deus e tiveram domínio sobre as criaturas. Ref. Gen. 1:27 e 2:7; Sal. 8:5; Ecl. 12:7; Mat. 10:28; Rom. 2:14, 15; Col. 3:10; Gen. 3:6.

83 A Confissão de Fé de Westminster aconteceu no ano de 1647, tornando-se sem dúvida um dos documentos mais influentes do período pós-reforma da Igreja Cristã. Ela consiste numa exposição cuidadosa da teologia reformada de vertente calviniana do século XVII, e sua tarefa era promover maior uniformidade de fé e prática para todo reino, revisando os trinta e nove artigos da Igreja da Inglaterra. Entretanto, no fim essa tarefa se estendeu para viabilização do enquadramento da Igreja da Inglaterra na doutrina prática da Igreja Presbiteriana da Escócia. Cf. Harmonia das Confissões Reformadas, Beeke, Joel, R. e Ferguson, B. Sinclair (Org.), São Paulo: Mundo Cristão, 2006. p. 13.

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Outra característica da compreensão reformada sobre a doutrina da imago

Dei foi sua postura negativa em relação ao seu estado após o pecado original.

Posicionamento que é explicitado na máxima calvinista da Depravação total do

homem. A Confissão de Fé de Westminster, no seu segundo parágrafo do sexto

capítulo expressa claramente esta postura pessimista: Por este pecado eles decaíram da sua retidão original e da comunhão com Deus, e assim se tornaram mortos em pecado e inteiramente corrompidos em todas as suas faculdades e partes do corpo e da alma. Ref. Gen. 3:6-8; Rom. 3:23; Gen. 2:17; Ef. 2:1-3; Rom. 5:12; Gen. 6:5; Jer. 17:9; Tito 1:15; Rom.3:10-18.

Mas, além de Agostinho, devemos mencionar outros pensadores que

enxergaram a doutrina da imago Dei de uma forma diferente. Boa parte da

teologia patrística desenvolveu seu pensamento, a partir do princípio da existência

de duas imagens: modelo e cópia. Entendeu-se também que a imagem de Deus no

homem consistia nas características morais, racionais e até mesmo físicas. Vale

ressaltar também que as características morais geralmente estiveram associadas à

semelhança, que foi entendida como o poder de tomar decisões morais e fazer

escolhas voluntárias, por isso estando profundamente ligada à condição de pureza

moral original do homem.

A interpretação que vincula a imago Dei à razão humana é muito forte, pois

em todas as épocas não faltou quem entendesse que a imagem e semelhança

divina está na capacidade intelectual, ou pelo menos estreitamente ligada a ela.

Também houve quem atribuiu a imago Dei à estrutura corporal do homem, sendo

tida como uma prova de sua proximidade com Deus.

No entanto há outras posturas que tiveram menos força na história do

pensamento cristão. Uma delas é a de Karl Barth que no século passado destacou

o fato de sermos criados macho e fêmea, com capacidade de desenvolver relações

de diversos níveis. Outra que poderíamos mencionar é a condição do homem

como imagem de Deus vinculada à função do homem de dominar a terra. E

também a tendência contemporânea que enfatiza a condição relacional e espiritual

do homem, que se entende a si próprio e se realiza somente na abertura ao mundo

e no relacionamento com seus semelhantes.

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Linhas Gerais da Antropologia Teológica de Pannenberg

Após este percurso histórico sobre o tema da imago dei no cristianismo,

estamos mais aptos a iniciar nosso estudo sobre o pensamento de Pannenberg

nesta questão. Veremos os pressupostos que consistem nos princípios que regem a

sua visão da realidade humana, os quais determinam tanto a sua interpretação da

máxima do relato sacerdotal que classifica o homem como criado segundo a

imagem e semelhança de Deus, como também o seu posicionamento diante da

reflexão teológica que já foi feita sobre este tema na história do pensamento

cristão. Entretanto antes de descrevermos os pressupostos antropológicos e

teológicos de nosso autor, faz-se necessário que ressaltemos como deve ser feita

em sua visão uma relevante abordagem da antropologia teológica. Quais inter-

relações ela deve conter para que seja capaz de cumprir verdadeiramente sua

tarefa, ou seja, qual metodologia deve ser adotada pela reflexão cristã ao abordar a

realidade humana.

Para Pannenberg, para ser relevante, a reflexão da antropologia teológica

precisa levar em consideração três inter-relações que são capitais para a correta

compreensão da realidade humana. São elas a relação entre a antropologia

teológica, a doutrina da criação e a cristologia, especialmente porque somente

essas inter-relações possibilitam entender a criação do homem segundo a imagem

divina, que está relacionada à sua posição dentro da criação, com as suas

características ontológicas e com o seu destino à comunhão com Deus, que foi

realizado em Jesus Cristo1. Pois só assim uma reflexão antropológica é capaz de

encontrar as repostas necessárias que a fé cristã deve dar à sociedade e às ciências

humanas, tal reflexão apresenta Pannenberg em sua obra Antropologia em

Perspectiva Teológica2. Ao partir de uma base mais ampla, pôde construir uma

abordagem antropológica mais abrangente. Nela sua abordagem toca a realização

do destino do homem como objeto da providência divina, à luz dos fundamentos

1 PANNENBERG, W., TS2, p. 208. 2 PANNENBERG, W., Antropologia en Perspectiva Teológica. Implicaciones religiosas de La teoria antropológica. Salamanca: Sigueme, 1993.

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biológicos da vida humana, de sua situação no mundo, de sua dimensão social e

etc.

Podemos dizer que essa postura de Pannenberg é reflexo da Teologia

Patrística, que é vista por ele como um modelo que precisa ser seguido pela

reflexão da antropologia teológica atual. Isso porque a Teologia Patrística, desde o

início da história cristã, ao refletir sobre o homem, entendeu que a sua natureza

consistia em três dimensões: psíquico, corpórea e espiritual. Assim ela expôs a

complexidade da realidade humana através de uma abordagem profunda levando

em consideração as inter-relações necessárias3. Por causa dessa característica,

Pannenberg afirma que a abordagem patrística tornou-se um marco nas

interpretações bíblicas do homem como imagem de Deus. Essa conclusão aparece

tanto na obra acima mencionada, como no capítulo VIII do segundo volume de

sua Teologia Sistemática, que é uma síntese de seu pensamento antropológico.

Buscaremos em nossa pesquisa seguir esse princípio do pensamento de

Pannenberg, para isso primeiramente elencaremos seus pressupostos

antropológicos e teológicos, procurando compreender os desdobramentos

ontológicos determinados pelo fato de que a criação do homem se deu somente

segundo a imagem de Deus. Na primeira parte deste capítulo, veremos quais são

as características ontológicas que essa condição de imagem divina deu ao homem.

Na segunda etapa nos ateremos aos pressupostos teológicos determinados pela sua

criação segundo a imagem e semelhança divina4. A partir daí faremos a relação

entre as características ontológicas do homem e seu significado teológico, visando

entender à luz da fé qual é a relação das características ontológicas com o seu

destino de desfrutar da comunhão com Deus, de modo que possamos entender

porque, na visão de nosso autor, a realização plena deste destino está

estreitamente relacionada com a cristologia. Visto que na sua compreensão o

destino que foi determinado pelo próprio Deus na criação do homem, cumpriu-se

prolepticamente na vinda e vida de seu filho Jesus Cristo.

3 PANNENBERG, W., TS2, p. 209. 4 Vale fazer aqui uma observação, pois seguindo o posicionamento de Pannenberg usaremos a terminologia da criação do homem segundo a imagem de Deus, não a imagem de Deus como normalmente se fala.

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3.1. Pressupostos Antropológicos

Para facilitar o nosso aprofundamento na compreensão de Pannenberg sobre

a realidade humana, devemos levantar a seguinte indagação: na sua compreensão,

em que consiste o homem? Buscando responder a essa pergunta, veremos agora

quais são os pressupostos antropológicos, ou seja, em que consiste a realidade

humana na antropologia de Pannenberg. Vale relembrar que estamos seguindo

também aqui, a abordagem antropológica feita em sua Teologia Sistemática5.

Constataremos que ele concebe o homem como possuidor de uma dignidade

peculiar, que fica expressa nas suas características ontológicas e na sua

participação no domínio, ou seja, senhorio do próprio Deus sobre a terra.

Pannenberg também classifica o homem como possuidor de uma complexidade

única, porque sua realidade não é somente psíquico-corpórea, mas contém

também uma dimensão espiritual. Sendo assim veremos que as mesmas

características ontológicas que expressam sua posição de destaque são os meios

usados pela ação divina. Pois através delas a providência divina age sobre o

homem, fazendo dele um ser transcendental, anelante e inacabado, que está

sempre em devir, dessa forma podemos dizer que ela produz uma abertura que

conduz o homem para além das coisas finitas rumo ao seu criador, tornando-o por

isso um andarilho que caminha a partir de sua realidade vital, da concreticidade de

sua existência, de sua história individual rumo ao infinito que o atrai.

3.1.1.

A Dignidade do Homem

Pannenberg começa ressaltando a dignidade peculiar do gênero humano.

Fato que resulta diretamente na diferença e superioridade do homem diante das

demais criaturas de Deus, essa postura assumida por ele é baseada primeiramente

5 Dignidad y Miséria Del Hombre in: Teologia Sistemática. Tomo II, Madrid: Universidade Pontificia Comillas de Madrid, 1996.

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no relato sacerdotal, que afirma que a criação do homem se deu segundo a

imagem e semelhança divina. Assim Pannenberg vê que esta criação segundo a

imagem de Deus, faz com que o homem desfrute de uma posição de destaque, o

que implica dois desdobramentos. O primeiro é a superioridade humana, que é

notória por meio de uma simples comparação entre o homem e todo o restante da

criação. O segundo é que essa superioridade é a base da função para a qual ele foi

chamado por Deus a exercer.

Já no início de sua argumentação Pannenberg mostra que a dignidade

peculiar do homem foi percebida desde a época pré-cristã em várias sociedades6.

Mencionando um exemplo disso na antiguidade, Pannenberg cita Cícero (in De

Oficiis I, 30, 106), que a justificou na razão, ou seja, na capacidade racional do

homem que lhe dá condição de se comportar de forma distinta dos animais7.

Como já vimos, além dele outros pensadores dentro da história antiga e recente

também defenderam uma posição de destaque do homem baseada somente na

razão. No entanto não podemos reduzir a superioridade do homem à sua razão,

pois fazendo uma análise comparativa com as demais criaturas, vemos que a razão

do homem não está desvinculada das outras características ontológicas e corporais

que possui. Sendo assim podemos afirmar que ela consiste na força orgânica que

mediante a influência social, e sobretudo, a providência divina, funciona como um

motor, impulsionando todas as capacidades humanas a entrarem em ação.

Ao falar de uma análise comparativa entre o homem e o restante da criação,

e assim descrever a grande superioridade do homem, Pannenberg cita o grande

erudito Johann Gottfried von Herder8, que a seu ver desempenhou uma importante

influência no pensamento antropológico, de modo que pode ser considerado o pai

da antropologia moderna. Herder parte da constatação que o homem tem uma

6 Pannenberg ressalta também em sua abordagem que o principio da dignidade do homem está presente nas diversas declarações modernas de direitos humanos, cf. Wolfhart Pannenberg, TS2, p. 205. 7 PANNENBERG, W., TS2, p. 204. 8 Cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Johann_Gottfried_von_Herder, 06/01/2009. Johann Gottfried von Herder foi um filósofo e escritor alemão que nasceu no ano de 1744 em Mohrungen, Prussia oriental, morreu em Weimar no ano de 1803. Estudou em Konigsberg teologia, fiosofia, e medicina, onde teve a oportunidade de assistir as aulas de Kant, sendo nomeado pastor, ensinou em Riga e depois tornou-se pregador. Após diversas obras sobre a arte e a linguagem, especialmente: Ensaio sobre a origem da linguagem, de 1772, Herder publicou suas prinicpais obras: Outra Filosofia da História para a educação da humanidade de 1774 e Idéias sobre a filosofia da história da hmanidade 1784 a 1791. Segundo ele todo o universo poderia ser entendido a partir de uma perspectiva histórico-evolutiva, pois considerava a história humana regida por um princípio imanente inteligente.

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característica ontológica que o diferencia do restante da criação, característica que

consiste na sua abertura ao mundo. Baseado então nas conclusões de Herder,

Pannenberg ressalta a dignidade do homem em contraste com a vinculação que ata

os animais ao ambiente em que vivem9. Dessa forma, o conceito de abertura ao

mundo exerce uma função importantíssima nas conclusões teológicas de nosso

autor, porque a transcendentalidade marca o diferencial do homem, ou seja, sua

dignidade e o fundamento de sua postura no mundo.

Pannenberg em parte fundamenta seu posicionamento em Herder, que

afirma que os animais estão presos por uma necessidade genérica a um ambiente

exterior predeterminado. Nessa questão não podemos deixar de dizer que

Pannenberg recorre também às conclusões das ciências zoológicas, que afirmam

ainda que os animais não percebem o mundo ambiente na sua plena riqueza,

porque a sua percepção do mundo está limitada somente ao que é significativo

para os seus instintos10. Essa questão é tão relevante para Pannenberg que,

segundo ele, ela determina tanto a estrutura biológica do homem como a dos

animais.

Nos animais, o que tem uma influência determinante são os instintos, pois

são eles que mediam e determinam a sua percepção do mundo. Assim, diante dos

sinais perceptíveis pelos seus instintos, eles têm sempre uma reação prevista, ou

seja, programada biologicamente11. Vale ressaltar que a influência de seus

instintos é tão forte, que eles só vivem o que já de antemão conhecem do mundo

numa forma de percepção e comportamento herdados12. Aprofundando ainda mais

essa diferença entre os homens e os animais, Pannenberg menciona o

behaviorismo13, uma corrente científica que interpretou o homem a partir de sua

9 PANNENBERG, W., APT, p. 42. 10 PANNENBERG, W. El Hombre como Problema. Hacia uma antropologia teológica. Barcelona: Herder, 1976. 13. Ao citarmos novamente esta obra, usaremos o mesmo critério que estamos usando com as citações da Teologia Sistemática e da Antropologia em Perspectiva Teológica. Citaremos o nome do autor, a página e a abreviação EHcP, para indicar o seu título. 11 Para exemplificar esta questão, Pannenberg cita a realidade do carrapato que tem apenas três sentidos: da luz, do odor e da temperatura. Sentidos estes que são suficientes para sua sobrevivência, assim ele afirma que as demais espécies de animais não podem conhecer o mundo em sua totalidade, totalidade que somente é acessível ao homem. Cf. Wolfhart Pannenberg, EHcP, p. 13. 12 Ibidem, p. 14. 13 Cf. http://www.infoescola.com/psicologia/behaviorismo, 09/01/2009, Behaviorismo, deriva do termo inglês behaviour ou do americano behavior, que significa conduta, comportamento. Teoria que teve início em 1913, a partir de um manifesto criado por John B. Watson, em que ele defende que a psicologia não deveria estudar processos internos da mente, mas sim do comportamento,

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corporalidade. E por conta dessa metodologia impôs sobre ele a mesma limitação

vivida pelos animais e plantas. Pannenberg critica o behaviorismo, dizendo que

para fazer suas afirmações, ele precisou ignorar a noção de consciência e a

capacidade cognitiva do homem.

Pois só ignorando a noção de consciência, o behaviorismo pôde adotar uma

postura tão negativa, ou seja, tirar o homem de um lugar de destaque na natureza,

igualando-o aos demais seres, e afirmando que ele está subordinado aos estímulos

da mesma forma que os outros seres vivos, estando assim enquadrado no mesmo

horizonte de possibilidade de reação14. Ao analisar o princípio científico que

consiste em interpretar o homem a partir da sua corporalidade e, sobretudo, a

partir de sua conduta observável, Pannenberg afirma que os limites do

condutismo, em contrapartida servem como argumentos a favor da posição única e

destacada do homem na natureza15.

Isto porque o que é mais fácil aceitar a partir das descobertas científicas é o

contrário das afirmações baseadas numa interpretação do homem a partir de sua

corporalidade. Porque o homem não está na sua experiência do mundo sujeito a

um ambiente determinado e nem reage somente dentro de uma limitação de

conduta vinculada ao ambiente que o rodeia16. Ele defende que só o homem tem a

faculdade de experimentar objetos no verdadeiro sentido da palavra, pois faz parte

do espírito humano abrir-se, e colocar-se curiosamente diante de algo, deixando-

se penetrar pelo desejo de entender suas peculiaridades17.

Então, para Pannenberg, o mundo ambiente aplicado ao homem não se

constitui na verdade em fronteiras biológicas, mas de instituições culturais de sua

própria criação18. Dessa forma ao rejeitar as limitações biológicas impostas pelo

behaviorismo, Pannenberg enfatiza que em toda a sua vida o homem segue aberto

visto que este é visível e, portanto, passível de observação por uma ciência positivista. Watson é conhecido como o pai do Behaviorismo Metodológico ou Clássico (estímulo-resposta), que crê ser possível prever e controlar toda a conduta humana, com base no estudo do meio em que o indivíduo vive e nas teorias do russo Ivan Pavlov sobre o condicionamento. Skinner, erudito renomado, propôs uma postura metodológica que foi denominada behaviorismo radical, enfatiza a responsabilidade do meio ambiente pela conduta humana. 14 PANNENBERG, W., APT., p. 36. 15 Ibidem, p. 43. 16 PANNENBERG, W., EHcP., p. 14. 17 Ibidem, Loc. Cit. 18 Nessa questão, para facilitar a compreensão do leitor, Pannenberg fala que uma floresta é vista de forma diferente por um lenhador, por um caçador e por um excursionista domingueiro. Além disso, se um lenhador algum tempo depois se tornar um engenheiro, ele pode ir a floresta e ter a mesma sensação de alguém que vem somente passear. Cf. Wolfhar Pannenberg, EHcP, p. 14.

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às possibilidades da existência humana. E que somente animais e plantas se

limitam a conhecer o que está determinado pela pertença a sua espécie, pois no

homem os impulsos não são dirigidos por nascimento, sendo o único ser capaz de

desfrutar de independência em relação aos condicionamentos impostos por

ambientes e instintos.

Podemos mencionar aqui a realidade da liberdade, que somente o homem

entre toda a criação desfruta, assim ela também pode ser vista relacionada ao seu

diferencial dos animais. Pois liberdade e abertura ao mundo estão vinculadas

fortemente, de modo que não estando predeterminado pelos instintos como os

animais, o homem exerce a sua condição de decidir como vai buscar saciar sua

indigência de Deus19. Daí o seu lugar de destaque na criação por causa de sua

abertura ao mundo e também por causa da liberdade desfrutada, fato comprovado

na própria estrutura do seu corpo, visto que ela lhe dá uma imensurável vantagem

em relação aos animais. Por ter os órgãos humanos uma grande variedade de

funções, como é o caso da mão, podemos compreender como a estrutura corpórea

do homem lhe permite sempre ter a capacidade de fazer novas e distintas

experiências com uma larga gama de variantes, como possibilidade para sua

reação20. Então é mediante a intervenção de excitantes externos que haverá na

vida do homem a polarização21.

19 PANNENBERG, W., EHcP., p. 14. 20 Ibdem, p. 15. 21 Herder com suas considerações, nos ajuda a compreender melhor a diferença entre a percepção que os homens e que os animais têm do mundo, quando pronunciou a seguinte sentença: “aos animais Deus deu o instinto e na alma do homem gravou a sua imagem, a religião e o sentido humanitário”. O que nos permite constatar, que de acordo com o seu pensamento, os contornos da imagem divina estão prefixados na essência humana. Porque Deus não entregou o ser humano a uma existência desorientada, na qual ele teria que libertar-se sem outro apoio que o de si mesmo. Assim a realidade de uma criação segundo a imagem e semelhança divina colocou no homem a abertura ao mundo, a racionalidade que gera além da auto-referência a predisposição para o auto-aperfeiçoamento. Vejamos as características da imago Dei elencadas por ele, que são mencionadas por Pannenberg em sua obra: Antropologia em Perspectiva Teológica: os instintos guiam o comportamento do animal como a imagem divina guia o homem, o instinto e imagem imprimem a direção; ser imagem e semelhança de Deus é a noção teleológica do ser homem enquanto tal. No entanto não podemos deixar de asseverar a compreensão histórica que ele tem do homem, pois a seu ver não somos homens propriamente dito, mas somos construídos no dia-a-dia; ser imagem e semelhança de Deus e ser homem mesmo vão juntos, de modo que religião e humanidade se acham para ele vinculadas estreitamente; no homem se encontra em princípio tão só a predisposição a razão, o humanitarismo e a religião, precisamente porque cada homem se faz homem pela força da educação. Além das características acima, Herder lista três fatores determinantes no processo de humanização: a Tradição e Instrução, que consistem na influência que recebemos de outros; a Razão e a Experiência, que são as forças orgânicas que contribuem em

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Os fatores que influenciam drasticamente as formas vitais de existir são para

Pannenberg construções humanas, desta forma o modo como o homem vivenciará

sua abertura é influenciado pela educação recebida, pelos valores culturais e pelos

costumes transmitidos. Pois ele é capaz de distanciar-se e libertar-se vivendo a

auteridade, conjecturando como pode lidar com tais construções. Por causa da sua

liberdade intrínseca, nenhuma circunstância externa que lhe sobrevenha, opressão,

calamidade ou maus tratos pode suprimir a dignidade com a qual foi dotado na

criação. Só ele mesmo pode sacrificar essa imagem, desrespeitando a sua

condição ao levar uma vida contrária ao seu destino divino. Sua dignidade perde-

se quando peca, ou seja, ao comportar-se indignamente, pois assim deprava sua

imagem divina e desvia-se do destino determinado pelo seu Criador. Como ainda

veremos mais a frente, para nosso autor esta atitude de fechamento em relação ao

seu destino que se configura em pecado é a raiz da verdadeira miséria do homem,

visto que ela o aliena de seu destino, como também da razão e do propósito de sua

criação.

Sua abertura transcendental, marca de sua criação à imagem e semelhança

divina, faz o homem desfrutar de uma posição de destaque na criação, a tal ponto

que é convocado para representar Deus, participando do senhorio divino sobre

ela22. Essa função dada por Deus é encarada pelo relato sacerdotal como sinal de

sua proximidade com Ele. Pannenberg também lança mão desse argumento para

expressar a posição de destaque do homem diante da criação23. Mesmo num olhar

superficial, pode-se perceber a magnitude de sua superioridade em relação às

demais criaturas. Expõe ainda outra evidência que corrobora essa interpretação da

diferenciação do homem frente aos demais animais a partir de sua posição de

destaque, mediante o seu privilégio de dar nome as outras criaturas, função que

evidencia as faculdades da linguagem e da inteligência.

Dessa forma sua posição de domínio demonstra a sua proximidade com

Deus que se acha também ligada a sua razão. Devido a sua racionalidade e suas

sua formação, de modo que o homem não está passivo neste processo; a Providência Divina, no seu pensamento frisa que os dois fatores acima mencionados, cooperam porque a providência divina, atuando através deles, plasma o homem na direção da meta de seu destino: a imagem e semelhança de Deus. Assim a influência dos outros, os impulsos da razão e a experiência do indivíduo se coordenam e se convertem em meios para que ele alcance a Deus. Cf. Wolfhart Pannenberg, APT., p. 55-57. 22 PANNENBERG, W., TS2., p. 233. 23 PANNENBERG, W., EHcP., p. 27.

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características corporais, o homem tem condição de reagir positivamente às

diversas situações e adaptar-se a elas com inteligência, capacidade esta que o

caracteriza como a coroa da criação, o ser mais evoluído e o dono de uma

condição insuperável24. No entanto, para o relato sacerdotal, o que diferencia o

homem das outras criaturas é a sua posição frente às demais criaturas que se

expressa na função de participar do senhorio divino e no mandato de dominar a

terra.

Conclusão

Diante do que vimos acima, podemos esclarecer dois pontos de seu

pensamento: o primeiro é o motivo que faz com que Pannenberg conceba a

superioridade do homem intimamente ligada à missão que recebeu de Deus.

Devido ao fato de que a sua capacidade racional lhe dá condição de estar aberto a

uma gama de possibilidades. Essa realidade que confirma a sua superioridade e

viabiliza o seu crescente domínio sobre o mundo, é vista pelo relato sacerdotal

como um claro sinal de sua proximidade com Deus.

Fazendo uma comparação entre as afirmações de Cícero e a do relato

sacerdotal, perceberemos que na sua compreensão, Cícero não conseguiu associar

essa condição única do homem com algo além de uma dimensão ética. Por esse

motivo só falou da obrigação do homem de comportar-se de modo distinto, e

assim não foi capaz de atingir, como o relato sacerdotal o fez, a riqueza de sentido

que tem essa dignidade do homem, reduzindo-a somente à racionalidade humana.

O relato sacerdotal afirma que essa posição confere ao homem o status de

inviolabilidade de sua vida, mesmo não aprofundando seu sentido em relação ao

seu destino de desfrutar da comunhão com o seu Criador25.

O segundo ponto que se esclarece diante do que acabamos de mencionar e

aprofundaremos mais a frente é que a superioridade do homem consiste num sinal

de sua proximidade em relação a Deus, estando totalmente vinculada ao seu

24 PANNENBERG, W., TS2., p. 203. 25 Ibidem, p. 206.

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destino de viver em comunhão com Ele, fator que lhe concede uma vida

completamente diferente dos animais. Estes não conseguem romper com os

limites impostos pelos seus instintos que são instrumentalizados pelo meio em que

vivem. Um bom exemplo dessa diferença está no fato que os animais não têm

noção de tempo “presente, passado e futuro”, porque lhes falta a auto-referência,

ou seja, a capacidade de se auto-diferenciar diante do outro. Podemos dizer que o

homem recebeu essa capacidade de auto-referência, que lhe dá uma dignidade

intransferível para dominar a terra e se abrir ao que lhe é externo, podendo assim

se pôr em comunhão com Deus. Desta forma, no raciocínio de Pannenberg, a

análise da função recebida de Deus e da diferença entre ele e todo o restante da

criação tem uma grande importância teológica.

Ao enfatizar que o destino do homem à comunhão com Deus foi traçado na

sua criação segundo a imagem divina determinando assim as suas características

ontológicas, Pannenberg frisa que tal destino, pelo fato de conferir ao homem sua

dignidade, não pode ser encarado como algo externo, e assim nada lhe pode retirar

a dignidade que corresponde ao homem concreto; as situações externas podem até

influenciá-lo, mas não privá-lo de sua dignidade. E por fim o que foi dito acima

nos leva a concluir que as tendências humanas não estão determinadas a priori e

sim abertas à amplitude do mundo, e essa abertura consiste na dignidade com que

ele foi criado, e na sua condição de participar do domínio e desfrutar da comunhão

com Deus.

3.1.2. Homem: Unidade Corpo e Alma

Ao falarmos da unidade que há entre o corpo e a alma humana no

pensamento de Pannenberg a primeira observação que devemos fazer é que para

ele, o homem não pode de forma alguma ser reduzido a somente uma das duas

dimensões, o corpo ou a alma. Além disso, não se pode entender o corpo e a alma

como duas realidades desvinculadas, como muitas vezes aconteceu na história e

no pensamento cristão. Ou até mesmo conceber o corpo como a prisão que só

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termina com a morte, como postulava o platonismo que por muitas vezes

influenciou a filosofia e a fé cristã26. Diante dessa influência platônica, que

defende uma autonomia da alma frente o corpo, Pannenberg ressalta que essa

postura vai muito além do que permitem os modernos conhecimentos científicos,

porque hoje as conclusões científicas não nos permitem aceitar e nem sustentar o

corpo como a prisão da alma, nem a autonomia de uma das dimensões ou as duas

dimensões humanas desvinculadas uma da outra.

A influência do platonismo trouxe para o cristianismo o dualismo

antropológico, influência que se deu desde as primeiras reflexões. Ela pode ser

percebida em Tertuliano que falava do corpo e da alma como duas substâncias

distintas, ainda que vinculadas entre si. No entanto, Pannenberg observa ainda

que, mesmo tendo o platonismo exercido uma forte influência no cristianismo, a

fé cristã não se rendeu totalmente a ele, pois a concepção moderna da inter-

relação corpo e alma já se fazia presente na antropologia cristã primitiva, desde a

primeira Patrística. Assim diante do platonismo que havia se tornado a filosofia

dominante, a fé cristã teve condição de afirmar que a alma e a consciência estão

profundamente enraizadas na corporeidade do homem.

A reflexão cristã também foi capaz de enfatizar uma visão positiva do corpo,

afirmando que ele, assim como a alma, foi criado bom por Deus, ao sustentar a

visão de que a união dos dois consistia no cumprimento da vontade criadora

divina, e possibilitar ainda a ousada afirmação cristã de que o corpo humano não é

um corpo morto, sendo animado em todas as suas manifestações de vida27.

Pannenberg em sua análise da compreensão cristã dessa questão frisa que a

profundidade da visão bíblica da união da alma e do corpo no homem não foi

alcançada plenamente na antropologia patrística. Este fato se deveu para ele por

causa da limitação imposta pelo modelo da união das duas substâncias, e também

foi devido à grande influência da doutrina agostiniana, que partia de um substrato

antropológico platônico, que fez com que se trabalhasse somente com a idéia de

iluminação, advogando assim uma dependência da razão com relação à luz da

verdade divina. Desta forma, considerou-se mais uma vez a razão, como uma

26 Ibidem, p. 210. 27 Ibidem, p. 211.

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magnitude autônoma apontada para Deus, contendo por conta disso um fim

sobrenatural28.

Fazendo também um retorno histórico anterior ao período do cristianismo

primitivo, Pannenberg observa que essa concepção dos processos vitais como

funções das partes essenciais constitutivas do homem e de sua alma, só penetrou

no pensamento judeu através do helenismo29, que identificou o pneuma com a

sabedoria, ou seja, com o noûs humano, conexão esta que também conduziu a

uma interpretação helenizante. Porque ela concebeu a razão do homem como esse

pneuma divino que lhe foi soprado na criação, identificando o espírito humano

com a razão que resultou numa aceitação de que há uma parte superior da alma, a

alma espiritual do homem.

No entanto, cabe frisar que a teologia cristã se distanciou da idéia corrente

da divindade da alma espiritual. Segundo Pannenberg, podemos afirmar isso

porque diante da divinização da alma, essa teologia asseverou que todas as

manifestações da vida humana inclusive a razão se remetem à permanente atuação

do Espírito divino. Sendo assim, postulou que a atuação do Espírito vivificante no

homem não pode se identificar somente com a razão, visto que todas as funções

vitais necessitam ser atualizadas pelo Espírito criador de Deus. Para chegar a tal

conclusão, a primitiva reflexão cristã baseou-se no fato de que os escritos

rabínicos e os paulinos não dão base para afirmar que a alma é algo divino no

homem. Essa compreensão paulina é explicitada em I Co 2,10 onde o apóstolo

Paulo contrapõe o Espírito de Deus ao espírito do homem, entendo que a vida

animada não vive por si mesma, mas pelo Espírito de Deus que a vivifica com seu

hálito30. Pois o Espírito no sentido bíblico não significa o entendimento, e sim a

força criadora de vida, explicando o fato que as criaturas sempre estão

dependentes do espírito-vento ou do hálito divino. Pois só com Ele elas podem

continuar vivas, o que não significa que o Espírito divino seja uma parte

constitutiva da criatura31.

28 Ibidem, p. 220. 29 Ibidem, p. 216. 30 Ibidem, p. 214. 31 Pannenberg faz aqui uma observação muito importante, que a Igreja espanhola da antiguidade rechaçou a afirmação atribuída a Prisciliano, segundo a qual a alma humana seria parte de Deus ou uma substancia divina, pensamento que é consonante a doutrina platônica que defende a divindade da alma. Cf. Wolfhart Pannenberg, TS2., p. 215.

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Na Alta Escolástica da Idade Média, aprofundou-se essa questão a partir da

concepção de Tomás de Aquino que promoveu um grande avanço na antropologia

cristã ao entender a alma como forma substancial do corpo. A sua posição foi

ratificada pela Igreja em 1312 no Concílio de Viena, que considerou que a alma

não é somente uma das partes constitutivas do homem, sendo sim o que constitui

o homem enquanto homem na sua realidade corporal32.

Conclusão

Ao falar do corpo e da alma como uma unidade, o autor por nós estudado

defende a realidade de mútuas e estreitas inter-relações entre essas duas

dimensões do ser humano. Esta posição é endossada a partir da visão que a alma

não é uma parte divina no homem e sim algo que faz parte do ser do homem.

Assim ao seguir a linha do conceito de Paulo sobre o Espírito, Pannenberg pôde

enxergar o Espírito de Deus em Gen 2,7 como uma participação do Espírito de

Deus no homem, concebendo que a função da razão como todas as demais

manifestações da vida se remetem à permanente atuação do Espírito divino33. Na

sua visão a ação divina age sobre o ser humano inteiro com o intuito de conduzi-

lo a partir das coisas finitas para o infinito.

3.1.3. Abertura ao Mundo

Agora aprofundaremos em que consiste a abertura do homem ao mundo,

base da sua condição de destaque e marca da sua superioridade. Esta abertura do

homem no pensamento de Pannenberg permite afirmar que dentre toda a criação,

pode-se exigir do homem coisas que não se pode das outras criaturas, vejamos

quais exigências Pannenberg elenca: Que ele tenha em conta o mundo em sua

totalidade mesmo diante de seu caráter inacabado; que ele desenvolva uma relação

com a origem do universo; que ele alcance o destino para o qual foi criado, de

modo que nele se resuma e consuma o sentido de toda existência finita.

32 O corpo é a adequada expressão da alma. Cf. Wolfhart Pannenberg, TS2., p.213. 33 Ibidem, p. 219.

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O próprio Pannenberg explica estas questões, dizendo que a primeira se

cumpre no reconhecimento de Deus como o criador do mundo. A segunda e a

terceira estão intimamente ligadas por causa da sua posição frente à criação que

serve de fundamento para sua realização definitiva, que se dá a partir de uma

relação adequada entre a criatura e o criador. Pannenberg fala ainda que Herder

expôs a diferença entre o homem e o animal da mesma forma como vem fazendo

a antropologia atual. Por isso a dinâmica da moderna antropologia leva até a

teologia cristã e o seu pensamento fundamental sobre Deus. Assim ele resumiu

seus resultados:

1. A abertura ao mundo real no homem conota uma relação com Deus, pois o

homem tem a Deus como meta por estar sempre projetado para além do

mundo.

2. A abertura da vida humana não se esgota em seu significado reduzida

apenas à cultura.

A ligação ambiental e vital que caracteriza o animal corresponde, como

vimos acima, no substrato que permite ao homem uma relação que vai além do

mundo natural, além da cultura, gerando uma dependência indigente de Deus e

dando-nos condição de afirmar analogamente com os demais seres que a

dependência que o mundo ambiente gera para o animal, Deus gera para o homem.

Pois assim como os animais são dependentes do ambiente em que vivem,

ambiente que desperta suas necessidades e as satisfazem, o homem em

contrapartida é dependente de Deus, pois não conhece limites para o seu desejar e

necessitar34.

Vinculando a dignidade intrínseca do homem e sua condição em relação às

demais criaturas, já que foi criado segundo a imagem de Deus, como já vimos

anteriormente, ressalta-se que tudo isso visa ao destino para qual ele foi criado,

que tem sua realização definitiva, no encontro do homem com Deus35. Destino

este que, como aprofundaremos mais a frente, foi levado a termo de forma

suprema e insuperável na vida concreta de Jesus de Nazaré, que em sua

34 PANNENBERG, W., EHcP., p. 22. 35 PANNENBERG, W., TS2., p. 203.

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encarnação, manifestou o destino do homem como indivíduo e como espécie,

afirma Pannenberg.

Nosso autor vai aprofundar ainda mais o sentido religioso da abertura ao

mundo, ao basear-se no relato javista da criação, chega a dizer que a abertura é

algo intrínseco do ser humano. Expressa essa verdade ao qualificar a realidade

total do homem como alma vivente “nephesh haya”, afirmando que a alma não é

somente o princípio vital do corpo, mas consiste no corpo animado, o ser

enquanto tal. Então, ao enxergar o homem por esse prisma, o define como o ser do

desejo, um ser que está eternamente na busca de suprir uma carência interna, que

é fundamento de sua abertura ao mundo. Nessa questão Pannenberg cita Arnold

Gehlen, que deu uma grande contribuição para o seu entendimento ao dizer que o

homem tem uma “obrigação indeterminada”, que o faz ultrapassar qualquer nível

de vida verificada. Sendo essa “obrigação indeterminada” identificada como o

impulso da atitude religiosa, afirmando que ela exprime a tendência infinita do

homem, sua carência que não encontra satisfação dentro dos limites acessíveis36.

A sua abertura absoluta a um objeto desconhecido fora de si, que foi

entendida pela antropologia moderna como abertura ao mundo

(transcendentalidade), pode ser vista também como a religiosidade colocada na

essência do homem em sua criação, porque é essa abertura que está direcionada

para um campo que a atrai, e que alarga continuamente o desejo do homem.

Desejo este que denominamos Deus, pois Ele é o objeto de inquietude e da

infinita indigência humana. Então diante da argumentação que vimos acima

podemos entender porque que a criação do homem segundo a imagem de seu

criador está intimamente ligada ao seu destino em desenvolver uma relação

intensa e comunhão plena com Ele.

Ao receber um destino diferenciado das outras criaturas, o homem também

recebeu uma posição de destaque em relação a elas. Posição que fez dele um ser

diferenciado tanto ontologicamente como em sua estrutura corporal, sendo criado

como um ser relacional, podendo, além de desenvolver relação com o infinito,

desenvolver relação com o finito. Porque ao receber capacidade para desenvolver

36 PANNENBERG, W., EHcP., p. 22.

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relações em diversos níveis, e interagir com a realidade que o cerca, o homem foi

capacitado para relacionar-se consigo mesmo enquanto pessoa e espécie, e com as

demais criaturas e com Deus, sendo capaz de cumprir a missão que lhe foi dada,

que é representar no mundo o senhorio do próprio Deus.

Queremos, ainda nessa questão, citar a contribuição de Agostinho e outros

pensadores da Igreja mencionados por Pannenberg. Eles descreveram o caminho

percorrido pela razão humana para conhecer a realidade que a circunda

(epistemologia). Essas contribuições nos auxiliam a compreender como se dá a

abertura do homem ao mundo, ajudando-nos a entender que a razão humana por

estar aberta ao conhecer, faz conjecturas (o conhecer especulativo). E esse

fantasiar da razão humana na verdade está fundamentado numa forma superior de

receptividade, que vai além do receber as informações que os sentidos captam37.

Assim tais pensadores entenderam que o fundamento da razão humana está no

infinito que a atrai, em algo além dos dados finitos da consciência, e então é a

atitude especulativa (a vida da fantasia) que unifica a receptividade e a liberdade,

sendo indispensável à atividade da razão. Isso também nos ajuda a compreender a

afirmação que a razão é dependente da atuação do Espírito divino para poder ser a

base da liberdade e subjetividade do homem, ou seja, o fundamento que viabiliza

a diferenciação do eu e do mundo.

Para Pannenberg, só no campo da intersubjetividade e da relativização do eu

e do mundo é que se pode distinguir o corpo da alma, pois somente frente a alma

como o mundo interior da consciência, se acha o corpo38. Esse impulso

promovido pelo Espírito divino promove a diferença entre o sujeito e o objeto,

transcendendo-os e dando por conta disso à consciência humana a condição de

apreender as mais variadas informações e realidades, viabilizando então a

intersubjetividade. Mais uma vez vale mencionar o contraste da condição do

homem em relação à situação dos animais e plantas. Eles não contêm em si esta

abertura, estando reduzidos a reagir da forma prevista pelos seus instintos, estando

vinculados totalmente ao ambiente que os rodeia. O homem devido a sua abertura,

pode ser encarado como um ser religioso, que de posse de sua liberdade relativiza

37 PANNENBERG, W., TS2., p. 221. 38 Ibidem, p. 223.

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todo o finito, e vai além dele na direção do infinito, realizando assim o seu

destino.

De acordo com nosso autor também não se pode falar da realização deste

destino fora de Jesus Cristo, como aprofundaremos mais a frente, nele toda

intensa relação do homem com Deus é possibilitada e inaugurada pela relação de

filiação. Pois nenhuma outra forma de relação do homem com Deus é capaz de

superá-la, visto que foi a encarnação de Jesus que tornou possível a todo homem

participar da filiação de Deus. Conforme diz o Evangelho: “...deu-lhes a

prerrogativa de se tornarem filhos de Deus (Jo 1,12)”, ou seja, elevando o homem

como espécie acima do mundo natural e introduzindo-o na dinâmica do amor

divino. Dinâmica que, como veremos a frente, conduz o homem a desenvolver o

amor em dois sentidos, o vertical (Deus) e horizontal (espécie e a natureza). Por

isso a dignidade intrínseca do homem está vinculada ao seu destino de estar em

comunhão com Deus. Porque a comunhão com Ele o introduz na dinâmica do

amor “comunidade de amor”, e tirando-o da situação de inimizade em relação a

Deus e da situação de violência do homem como espécie.

Conclusão

Do que vimos acima podemos afirmar que, de acordo com o pensamento de

nosso autor, essa abertura ao mundo que faz parte da essência do homem é o

substrato de sua vida religiosa, consistindo no seu princípio espiritual e religioso e

fazendo então com que ele, através das coisas finitas, chegue até Deus. Podemos

afirmar então que o homem é abertura por essência, ficando diante de qualquer

experiência ou situação ulteriormente aberto para a imagem do mundo e mais

além dela39. Assim a Bíblia fundamenta esta característica ontológica do homem

no fato de sua criação ter-se dado segundo a imagem divina, vinculando-a ao seu

destino de ter comunhão com Deus, ou seja, com o seu Criador. Podemos então

concluir que, quando se ignora a dimensão religiosa do homem, não se consegue

enxergá-lo em sua totalidade40.

39 PANNENBERG, W., EHcP., p. 19. 40 Ibidem, p. 203.

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3.2.

Pressupostos Teológicos

Na primeira parte vimos em que consiste a realidade humana (pressupostos

antropológicos), e de alguma forma tocamos um pouco de seu significado

teológico. Mas devido à importância de aprofundarmos no significado teológico

das características ontológicas do homem e alguns postulados bíblicos sobre a

realidade humana, dedicaremos esta etapa especificamente à visão teológica do

autor. Inicialmente veremos a sua reinterpretação de Gênesis à luz das afirmações

neotestamentárias, que consideram Jesus Cristo como a verdadeira imagem de

Deus. Deixando irreversivelmente de lado a concepção tradicional, que advoga

um início da história humana em que o homem vivia num estado de perfeição e de

justiça original ou graça original.

Constataremos que Pannenberg chega à conclusão que o homem nunca foi

realmente a imagem divina, mas criado segundo ela, baseando-se na contribuição

de Irineu. Irineu, como já vimos, formulou as seguintes categorias: imagem-cópia

e imagem-modelo. Ao partir desta compreensão ele pôde afirmar que na verdade a

verdadeira imagem de Deus é Jesus Cristo, sendo o homem somente imagem-

cópia deste, ou seja, sendo criado para alcançar este destino que significa

converter-se na imagem-modelo que é Jesus Cristo. Por isso não poderíamos

deixar de aprofundar nesta etapa a compreensão de Pannenberg sobre o fato que a

criação do homem segundo a imagem de Deus está profundamente relacionada

com o seu destino de viver em comunhão com Ele, destino que foi interrompido

por causa do pecado que e tem gerado o fechamento do homem em relação a

Deus. Assim em sua abordagem, o pecado é encarado essencialmente como algo

que gera a alienação do homem em relação ao destino para o qual foi criado,

fazendo com que o homem viva na miséria, por estar distante da intenção original

de Deus quando o criou.

Caminhando para o final deste capítulo, veremos que o nosso autor

considera o homem sempre moldado pela sua história, o que significa que o

homem está sempre em devir, ou seja, é um ser inacabado. Além disso, é na

história individual que a providência divina age atraindo-o para Deus, pois ele não

é capaz de por si só elevar-se e colocar-se de acordo com o seu destino. Deste

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modo a antropologia teológica entende a realização do destino humano, como

objeto da atuação divina, atuação redentora que está totalmente vinculada à sua

consumação futura, escatológica. Por isso Pannenberg defende que as afirmações

antropológicas fundamentais da antropologia cristã sobre a criação do homem à

imagem divina e sobre o pecado, tomadas em conjunto, constituem o pressuposto

da mensagem de que Deus redime o homem por Jesus Cristo, a qual consiste

como veremos na realização do destino do homem, destino que realiza-se

prolepticamente em Cristo, dentro da história concreta da humanidade, possuindo

então uma relevância universal.

3.2.1. Releitura do Gênesis, Revendo a Concepção do Estado Original

Para Pannenberg, a doutrina da Imago Dei não pode de forma alguma

ignorar que Cristo é a verdadeira imagem de Deus, imagem em que todos os

homens deverão transforma-se41. Desta forma Jesus de Nazaré deve ser visto

como a realização do destino do homem, como paradigma de relação com Deus

que todos os homens devem seguir. Vale ressaltar que este posicionamento de

nosso teólogo está fortemente calcado na sua compreensão de que a criação do

homem aconteceu segundo a imagem de Deus, visando primeiramente à

comunhão com o Criador como defendeu Irineu, o primeiro pensador cristão a

entender que em Gênesis capítulo um; verso vinte e seis; e também no capítulo

cinco; verso um e capítulo nove; verso seis, não se qualificava o homem como

feito a imagem de Deus, mas segundo a imagem d’Ele.

Por causa desta compreensão, Irineu fez uma distinção categorial,

advogando a realidade de uma imagem de Deus modelo que é Cristo e

classificando a imagem divina presente no homem, como uma imagem baseada

não diretamente na de Deus, mas, na de Cristo. Concluindo então que o homem é

uma imagem-cópia dele, a teologia de Irineu além de fazer uma distinção

categorial entre imagem-modelo e imagem-cópia, fala de uma semelhança em

41 PANNENBERG, W., TS2., p. 241.

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graus distintos42. Desta forma pôde enxergar em Adão a possibilidade de um certo

grau de semelhança com Deus e também a plenificação dessa semelhança somente

em Cristo, ou seja, maior e total representação do reproduzido43.

Pannenberg aplica o conceito de imagem na representação de Deus pelo

homem entendendo que isso significa que ele foi feito segundo a imagem de

Deus, mas nem sempre em igual medida ele a representa. Foi partindo deste

princípio argumenta que a antropologia cristã pôde conceber no começo da

humanidade uma semelhança do homem imperfeita que está destinada à perfeição.

Ainda mais levando em consideração o efeito do pecado, que desfigurou a sua

imagem, o que corrobora a posição de que a plena representação da imagem de

Deus só se realizou concretamente na encarnação de Jesus Cristo. O pensamento

de Pannenberg ao seguir este raciocínio, deixa muito claro o conceito de devir,

entendendo que a imagem de Deus no homem está em processo44. Ela é plasmada

na história da humanidade, num processo vinculado à manifestação de sua

plenitude no Filho. Acontecimento que transformará os homens da humanidade

inteira na imagem de Cristo, a verdadeira imagem de Deus.

Não é preciso ir mais longe para perceber que as afirmações que vimos

acima chocam-se fortemente com os posicionamentos da dogmática clássica tanto

protestante como católica que, apesar de suas diferenças, são influenciadas

fortemente por Agostinho, mostrando que a complexidade deste tema tem gerado

uma compreensão muito diversificada tanto da imago Dei como do estado de

42 De acordo com Pannenberg em relação à imagem-modelo a afirmação bíblica é um tanto vaga, por causa do termo “façamos” (primeira pessoa do plural), pois este termo não nos permite distinguir com total clareza se trata do Criador em pessoa ou unicamente de uma qualidade mais geral da divindade, cf. Worfhart Pannenberg, TS2., p. 249. 43 Segundo Pannenberg, essa posição de Irineu é muito problemática, primeiramente porque faz distinção entre imagem e semelhança, de modo que, depois da transgressão, Adão pôde manter a imagem de Deus mesmo perdendo a semelhança, esta posição não se sustenta devido ao seu conteúdo e nem exegeticamente. Enquanto o seu conteúdo porque uma imagem que não mantenha a semelhança com o imaginado não pode ser imagem, ele cita Tomás de Aquino, que distingue em sua exposição sobre este assunto, uma dupla forma de semelhança. Uma semelhança mais geral que não só concerne a relação de imagem e outra acrescentada a idéia de imagem, pois a imagem pode ser mais ou menos semelhante com o representado. Exegeticamente porque o aparecimento no texto das expressões, imagem e semelhança é um paralelismo (leitura da exegese protestante desde Lutero). Cf. Worfhart Pannenberg, TS2., p. 249. 44 Este caráter inconcluso da imagem do homem tem sido também ressaltado pelos pensadores do Renascimento, Pannenberg cita Pico de Mirandola, pensador dessa época que enxergava que a plena realização da imagem de Deus só é possível em Jesus Cristo. Ele menciona também Johann Gottfried Herder que, quase três séculos depois, assumiu essa conclusão, limitando a autodeterminação do homem remetendo-a a atuação da divina providência.

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justiça original. O contraste, como já foi visto, dá-se pelo fato que a dogmática

clássica protestante, concebe o estado original do homem como um estado de

perfeição que foi completamente abalado pelo pecado.

Desde Lutero, toda a linha majoritária da teologia reformada rechaçou

qualquer distinção entre os termos imagem e semelhança, que em contraste com a

posição católica os entendia como sinônimos. Então identificaram a criação do

homem à imagem de Deus, com a doutrina do estado de graça original de

Agostinho. Nisso seguiam uma tradição que se distanciava cada vez mais da

interpretação que Irineu fazia da afirmação do código sacerdotal em Gênesis 1,26;

como também da afirmação neotestamentária da Carta de Paulo aos Colossenses

3,10, que fala da renovação do crente no conhecimento de Deus, segundo a

imagem de Cristo45. Observemos que os reformadores concebiam a imagem de

Deus no homem, incluindo um estado de justiça original (perfeição), que gerava

comunhão com o Criador. Então segundo o pensamento de Lutero tal estado foi

totalmente perdido por causa do pecado. Calvino, como vimos teve uma postura

um pouco menos radical, ao falar não de uma perda, mas de uma tremenda

deformação causada pelo pecado. Tais posicionamentos tornam necessária para

todos os reformadores uma restauração através de Cristo, que obra a renovação do

ser humano e o restabelecimento da comunhão, ou seja, daquele estado ou relação

original antes da queda.

Na diferença de postura entre Pannenberg e os posicionamentos dos

reformadores podemos perceber a influência da concepção evolutiva do ser

humano, uma influência do pensamento antropológico herderiano. Em sua obra:

Antropologia en Perspectiva Teologica, cita Herder como o ponto de partida da

antropologia moderna, afirmando que ele já no ano de 1772 com seu escrito

premiado intitulado: Der Ursprung der Sprache, distanciou-se da concepção

teológica tradicional de sua época. É importante ressaltarmos que Pannenberg em

sua obra acima tem um tópico somente para falar da diferença entre o pensamento

de Herder e a dogmática tradicional.

45 Worfhart Pannenberg, TS2., p. 243.

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Com a sua concepção da imago Dei em devir, descarta a viabilidade de se

sustentar a historicidade de um estado original de perfeição antes do pecado.

Porque na sua visão a concepção tradicional era problemática devido ao fato da

impossibilidade de se coadunar com a concepção evolucionista. No entanto não

foi Herder, diz Pannenberg, o primeiro a compreender a natureza do ponto de

vista evolutivo. Antes dele já Marcílio Ficino, que foi o fundador do platonismo

florentino, descartou o estado inicial de perfeição ao interpretar a encarnação

como o cumprimento perfeito do destino religioso do homem. Esse pensamento

teve continuidade pelo seu discípulo Pico de La Mirandola, que afirmava que na

conduta ética de Jesus Cristo a imago Dei alcançou a sua realização perfeita. De

modo que ela viabiliza a humanização do ser humano à medida que acontece sua

assimilação a Deus46.

Conclusão

De acordo com nosso teólogo, a solução desta questão só é possível através

de um retorno à linha de pensamento de Irineu, para entender a superação da

debilidade originária de Adão. De fato a dogmática clássica protestante ficou

abaixo do nível da compreensão teológica alcançada por Irineu. Ao contrário, por

exemplo, de Schleiermacher, que percebendo tal inconveniência, fez um retorno à

compreensão de Irineu, afirmando que a manifestação de Cristo deve ser encarada

como a verdadeira criação consumada da natureza humana47. Cita também outros

teólogos e inclusive um conservador, chamado Franz Volkmeier Reinhard que já

no século XVIII, entendeu como insuficiente uma abordagem teológica que

postula um estado de perfeição original.

Pannenberg mostra assim que a concepção de um estado de justiça original

vem se tornando cada vez mais inaceitável na história. Ainda mais depois que

houve na Teologia Protestante o descobrimento do caráter lendário da narrativa

javista da criação e da queda de Adão, sendo que tais afirmações foram se

46 Worfhart Pannenberg, APT., p. 62. 47 Worfhart Pannenberg, TS2., p. 244.

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dissolvendo desde o século XVIII, no contexto da Teologia Bíblica, fato que

tornou ainda mais aceitável a descrição da Imago Dei não como perfeição

original, mas, como um destino a se realizar48. Dessa forma, Pannenberg afirma

que à luz de uma verificação bíblico-teológica é dificílimo sustentar as idéias

dogmáticas tradicionais sobre uma perfeição original de Adão antes da queda.

3.2.2.

O Ser Imagem de Deus Como Destino do Homem

Ao vermos que a afirmação de um estado de perfeição original é para

Pannenberg insustentável, faz-se necessário que entendamos porque a perfeição

deve ser vista como destino. Buscando então aprofundar o conteúdo deste destino,

logo de início devemos reafirmar que o destino do homem está estreitamente

vinculado à sua criação. Esta criação se funda numa dotação original para uma

comunhão com Deus. Partindo deste fundamento teológico, Pannenberg afirma

que tanto as características ontológicas como a personalidade e as características

corporais do homem concreto se fundamentam nesse destino49. Destino que a seu

ver não está explícito nos escritos veterotestamentários, pelo fato deles não

aprofundarem nada além da condição de domínio dos homens diante das demais

criaturas.

Então ele observa que é preciso que se conceba a imago Dei como destino

vinculado à encarnação de Cristo, e Ele sendo visto como a verdadeira imagem de

Deus. Assim é dada a Jesus uma função maior do que somente retirar da

humanidade o castigo do pecado, porque ao se enxergar Jesus Cristo como a

verdadeira imagem de Deus, condiciona-se todo o gênero humano a ter que

renovar a sua relação com Deus a partir d´Ele. Pannenberg acrescenta que a imago

Dei deve ser pensada em parte como dom original e em parte como destino. Pois a

dissolução da doutrina do estado original fez com que se encare o homem como

48 Worfhart Pannenberg, APT., p. 66. 49 Worfhart Pannenberg, TS2., p. 232.

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embuído de um dinamismo que não é ainda a sua semelhança atual com Deus,

mas é sua possibilidade.

Esta compreensão tem a vantagem de conduzir ao aprofundamento do

significado e da intuição da afirmação do relato sacerdotal, e também do sentido

das afirmações neotestametárias, que classificam Jesus Cristo como a verdadeira

imagem de Deus, em consonância com as palavras do apóstolo Paulo (I Co 15,44-

49). Porque a abordagem bíblica panorâmica, clarifica a mensagem de Jesus

Cristo no Novo Testamento e vincula a manifestação do Filho de Deus na carne

para vencer o pecado e a morte. Possibilitando a compreensão da manifestação de

Cristo como a realização em si mesmo do destino do homem, que é desfrutar da

comunhão com Deus, a partir da condição de filiação trazida por Jesus.

Pannenberg cita que também Tomás de Aquino relaciona a imagem de Deus

no homem com seu destino, pois em sua compreensão o motivo para o qual ele foi

criado é a comunhão com Deus, ao afirmar que a imagem de Deus no estado

original de Adão deve ser entendida como realização inicial desta imagem que

seria plenamente realizada em Cristo50. Assim mediante o que vimos sobre a

argumentação de Pannenberg e de suas citações até aqui, podemos inferir que o

destino do homem a ser imagem de Deus foi assumido por Jesus em sua

encarnação. Isso porque nela tal destino é levado a termo, através do ser criado

como distinto de Deus que entra em comunhão com Ele51.

Para Pannenberg, de fato o código sacerdotal deixou em aberto no que

consiste a semelhança que vincula a imagem-modelo à imagem-cópia, fazendo-se

necessário vincular o destino do homem com sua criação à imagem de Deus, para

tornar possível o aprofundamento do sentido desta criação. Assim se evita a sua

redução do destino humano na incumbência de dominar a terra, o que para ele é

uma leitura superficial de Gênesis. Então afirmando antes de tudo que a

comunhão com Deus é a razão da criação a sua imagem, rompe as barreiras

impostas pelo código sacerdotal, que condicionou a comunhão de Deus com o

homem à aliança feita com Abraão destinada somente para sua descendência52.

Então nosso autor defende que um discurso sobre o homem à imagem de

Deus deve basear-se na semelhança da essência eterna de Deus. Para isso ele

50 Ibidem, p. 252. 51 Ibidem, p. 266. 52 Ibidem, p. 252.

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baseia sua argumentação na literatura sapiencial de Israel, visto que ela

aprofundou o sentido da imagem de Deus no homem, determinando-a como

participação em sua glória e em sua incorruptibilidade. Porque ser imagem de

Deus para a literatura sapiencial significa a participação na sabedoria e na justiça

divina e também a comunhão com sua essência imperecível.

Assim, se por um lado a interpretação judia relacionava as afirmações acima

ao estado de magnificência da Adão antes do pecado e da morte no mundo, por

outro lado, o apóstolo Paulo encara as afirmações acima como a manifestação da

imagem de Deus que aconteceu somente em Cristo, porque a partir de sua

ressurreição Jesus Cristo inaugurou a realidade da vida nova imperecível.

Conclusão

Diante do que vimos podemos afirmar que no pensamento de nosso teólogo

o homem no primeiro momento de sua história não era ainda a imagem original de

Deus, pois tal imagem estava antes do pecado vinculada à manifestação do Filho,

que aconteceria dentro da história concreta humana. Por isso a imagem do

segundo Adão é a imagem do Criador da qual todos os crentes serão revestidos,

renovados pela força do Espírito53. Em Paulo a comunhão com Deus apresentada

pela literatura sapiencial no sentido mais profundo do homem como imagem e

semelhança de Deus se reinterpreta escatologicamente como destino definitivo do

homem, manifestado já em Jesus Cristo.

Essas afirmações neotestamentárias segundo Pannenberg têm orientado

desde o início a compreensão cristã da semelhança, como também a reformada e

pós-reformada do homem como imagem de Deus. Mas elas estão fundamentadas

na esperança escatológica da ressurreição de Jesus Cristo, de modo que

desvinculando-as do contexto escatológico-cristológico, só se pode falar da

condição de uma justiça original de Adão ou de uma graça original suplementária

que não condiz com a profundidade das afirmações vétero e neo-testamentárias.

3.2.3.

53 Ibidem, p. 253.

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A Miséria Decorrente do Pecado

De acordo com Pannenberg, ao falarmos sobre a dignidade do homem não

podemos ignorar a sua realidade existencial de miséria, que consiste antes de tudo

na alienação do homem em relação ao seu destino. Para nosso autor, o discurso

sobre a miséria descreve profundamente a situação de perdição em que se

encontra o homem, realidade resultante do distanciamento (alienação) de sua

relação com Deus. Em sua doutrina do pecado, a teologia trata a desobediência de

Adão como a origem desta situação de distanciamento do homem. Assim

pressupõe sempre a idéia do destino do homem à comunhão com Deus,

desenvolvida pela teologia cristã em conexão com a afirmação bíblica sobre a

criação do homem como Imago Dei54.

No entanto, Pannenberg critica a clássica doutrina do pecado, afirmando que

ela enfatizou mais a postura incorreta do homem do que a sua conseqüência55.

Então devido ao fato de se enfatizar mais o erro do que o seu efeito negativo sobre

o destino do homem, nosso autor aponta que a explicitação do conteúdo bíblico da

mensagem cristã ficou prejudicada. Para fazer esta crítica se apóia na afirmação

de Agostinho, que diz que muitos são miseráveis pelo simples fato de orientar

seus esforços para algo que não é verdadeiramente digno de amor, ignorando

assim o seu verdadeiro destino, vivendo por conta disso uma vida vazia e carente

de sentido56.

Na realidade quando o homem está alienado de Deus experimenta a pior

miséria que é a separação d’Ele, encontrando-se por causa dessa alienação

excluído da própria identidade. Ao colocar a miséria do homem estreitamente

relacionada à condição de alienação do destino para o qual foi criado, nosso autor

enfatiza que o destino de ter comunhão com Deus, mostra que a miséria fere

diretamente imagem de Deus com a qual foi criado e o seu lugar dentro de toda a

criação. Por isso, ao lado do conceito de miséria, Pannenberg coloca o conceito de

alienação, porque à medida que o homem se distancia de seu criador, se vê cada

54 Ibidem, p. 208. 55 Ibidem, p. 207. 56 Ibidem, p. 206.

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vez mais privado das benesses de sua posição de destaque, estando privado de sua

própria identidade57.

Nosso teólogo faz uma vinculação entre os termos “Miséria e Alienação”,

que o comentário feito pelo tradutor do texto de sua Teologia Sistemática nos

ajuda a entender. Conforme diz o tradutor58, o termo alemão que designa miséria é

“eland”, que denota etimologicamente a idéia de alienação, como um estrangeiro

em terra estranha, alheia. Em português podemos chegar etimologicamente à

mesma conclusão, pois conforme o Novo Dicionário Aurélio59, a palavra

alienação é a junção dos termos alie = alheio e nação = terra, derivado do termo

“Alienatione” proveniente do vernáculo latino. Teologicamente o termo pecado

recebeu a conceituação de miséria, resumindo-se no isolamento e na autonomia do

homem em relação a Deus, em conexão com as conseqüências que dela derivam.

Devemos por isso, ao falar do pecado, associá-lo à abertura do homem, pois

ao fechar-se em si mesmo, ele reprime esta característica de sua essência, de

forma que em sua tendência pessoal a auto-referência, corre o risco de fechar-se

dentro de suas vontades e pensamentos ficando cego para o seu verdadeiro

destino60. Vale lembrar aqui que Pannenberg em sua teologia caracteriza o

conceito de pessoa no ato dar-se a si mesmo para o outro, enfatizando a idéia de

dependência mútua e a condição do homem de insaciabilidade. Porque essa sede

que o faz sair de si, indo através do mundo buscar a Deus, coexiste com uma

infinita necessidade de lançar-se nessa busca contínua e seguir acoplado numa

engrenagem de uma realidade externa mensurável e participável.

Esta questão traz à tona uma tensão que existe no interior do homem, que

por vezes faz com que sua marcha para Deus seja interrompida devido à forte

autonomia do eu, fazendo-se necessário que cada indivíduo em sua história

concreta encontre o equilíbrio entre a auto-referência e a atitude de sair de si, na

busca de saciar a sua sede de Deus. É preciso que assinalemos aqui dois perigos

que o homem corre na sua abertura: o primeiro é que nem sempre o indivíduo, ao

sair de si com o intuito de saciar sua sede intrínseca de Deus, consegue

57 Ibidem, p. 207. 58 Juan A. Martinez Camino. 59 FERREIRA, A. B.H., Novo Dicionário Aurélio. Edição revista e ampliada, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2ª. Edição, 32ª. Impressão, 1986, p. 86. 60 Worfhart Pannenberg, EHcP., p. 86.

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conscientizar-se e tematizar o fato de que a sua busca deva ser por Deus. Muitas

vezes neste afã de saciar sua sede ele coloca outros objetivos no lugar de Deus, e

acaba distraindo-se com eles. O segundo perigo é que uma auto-referência

demasiada resulta na auto-redução. Essa atitude que corresponde à essência do

pecado, pois gera a desordem dos apetites, pois o homem não pode auto saciar-se

em si mesmo, não pode vivenciar eternamente o conflito que se dá entre o eu

egocêntrico e o eu lançado para fora dos próprios horizontes, porque isto resulta

no fechamento a tudo e inclusive para Deus. Isto porque somente a providência

divina pode viabilizar ao homem a harmonia do eu com o outro61. Além disso,

esta auto-redução a si mesmo que o homem perpetua e que consiste na essência do

pecado, o conduz à alienação de seu destino e a uma realidade aquém de sua

ontológica condição.

Então vale ressaltar que a teologia cristã, ao partir principalmente da

sublime concepção de Agostinho, considerou sempre que o verdadeiro núcleo do

pecado estava na auto-referência do eu que se reduz a si mesmo, consistindo em

possuir as coisas62. O que é pecaminoso, entretanto, não é a auto-referência em si

mesma, mas essa postura que conduz o homem ao fechamento do eu contra outros

homens, contra Deus e assim contra o seu próprio destino. A confissão de

Augsburgo resume a duas as características do pecado e nos ajuda a aprofundar

essa questão: 1) a falta de fé pela qual se nega a Deus a fé devida e a agradecida

confiança; 2) e o apetite desordenado pelo qual o homem se faz escravo das coisas

que deseja, pois o amor do homem a si mesmo o impede de relacionar-se com os

demais homens. Pannenberg também cita a conclusão de Kierkegaard, que afirma

que o pecado não corrompe somente a genuína relação do homem com Deus, mas

tal corrupção atinge ainda a sua relação com o mundo, com os demais homens e

também consigo mesmo63, pois quando o homem não vive com a confiança em

Deus, aparece-lhe o medo integral da própria sorte, diz ele64.

Por fim, é relevante mais uma vez fazermos uma comparação entre a

condição existencial dos homens e dos animais. No caso dos animais, quando eles

61 Ibidem, p. 92. 62 Ibidem, p. 93. 63 Ibidem, p. 94. 64 Ibidem, p. 95.

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se fecham em si mesmos não significa que eles estejam pecando, devido ao fato

de que o egocentrismo não faz os animais se distanciarem ou ficarem abaixo de

seu próprio destino. Mas por sua vez o fechamento do homem em si mesmo se

configura pecado, porque só nele se dá o caso de que a referência de tudo a si

mesmo está em contradição com a sua própria definição da vida que deveria levar

e da realidade que deveria ser65.

Conclusão

Diante dessas últimas palavras podemos afirmar que para o nosso autor as

afirmações antropológicas fundamentais da teologia cristã sobre a criação do

homem à imagem de Deus e sobre o pecado, tomadas em conjunto, constituem o

pressuposto da mensagem bíblica que fala da remissão do homem operada por

Deus em Jesus Cristo. Isso porque o pecado constitui a raiz da miséria do homem,

da sua alienação de Deus e de si mesmo, de modo que só se pode falar de

redenção na perspectiva de um acontecimento que proporciona liberdade ao

redimido66. Para isso o Novo Testamento descreve como alienação a situação dos

pagãos enquanto estão excluídos da vida de Deus, porque não conhecem o Deus

verdadeiro e têm endurecido os seus corações. A análise de Agostinho que foi

citada por Pannenberg, ajudou-nos a explicitar esta questão ao afirmar que o

homem é ainda mais miserável por não ter consciência alguma de sua miséria,

mais ainda que por experimentar a enfermidade, a desgraça e a angústia de morte,

já que a abundância dos bens deste mundo não garantem o bem-estar e a

felicidade, visto que eles não preenchem a vida com um sentido.

Também a patrística cristã, diz Pannenberg, referia-se ao conceito de

alienação na relação do homem com Deus, como um ser alienado de sua

identidade67. Dessa forma fica clara a razão da ênfase que Pannenberg dá ao

destino do homem ao abordar o conceito de pecado. Porque nada pode retirar a

65 Ibidem, p. 96. 66 Worfhart Pannenberg, TS2., p. 208. 67 Ibidem, p. 207.

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dignidade que corresponde ao homem concreto e retirá-lo da comunhão com

Deus. Nenhuma circunstância externa que lhe sobrevenha, opressão, calamidade

ou maus tratos, só ele mesmo pode sacrificar essa imagem, essa dignidade ao

alienar-se de seu destino, o que acontece justamente através do pecado. Ao pecar,

o homem encontra-se desrespeitando sua condição e levando uma vida contrária

ao seu destino divino. Por isso, ao se comportar indignamente deprava sua

imagem divina, o que para Pannenberg faz com que a sua dignidade e o seu

destino se convertam em juízo contra a sua própria conduta. Com as afirmações

que vimos acima, podemos concluir que Pannenberg endossa a sua posição de que

o pecado é a raiz da verdadeira miséria do homem, como disse Agostinho. Ele é o

causador de sua alienação em relação ao destino para o qual homem foi criado,

que está proposto já desde a sua criação nas suas características ontológicas.

3.2.4. O Homem Como História

Outro pressuposto teológico da antropologia de nosso autor é a sua

concepção histórica da experiência humana, e do processo de humanização. Pois

em seu ponto de vista a imagem de Deus no homem se constrói no processo de

sua história individual, o que para ele está conectado à concepção de destino do

homem. Tal conexão resulta da idéia de que o destino do homem tenha a ver com

seu futuro definitivo, com o fim e objetivo de sua criação, visto que a condição de

imagem de Deus como já vimos refere-se em parte, à dotação original do homem

enquanto criatura e, em parte, às possibilidades às quais ele está aberto.

Ao sentenciarmos que a imagem divina no homem é em parte dom e em

parte possibilidade, podemos dizer que ele nunca pode ser encarado como um ser

acabado, ou seja, totalmente formado. Isso porque, devido a sua condição

ontológica, está aberto a uma gama de possibilidades podendo a todo momento,

lançar mão de sua capacidade de fazer diversas experiências com o contexto que o

cerca. Pode reagir positivamente às diversas situações que lhe apareçam na vida,

fazendo sua trajetória existencial através das coisas finitas com o auxílio da

providência divina, exercendo desta forma a sua liberdade para aproximar-se ou

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distanciar-se cada vez mais do seu criador. Ao tocar nesta questão Pannenberg

fala sobre a história das religiões, que são um instrumento na análise das tradições

religiosas. Procura ver se elas cumprem ou não o papel de humanização do ser

humano, o que significa, em outras palavras se o aproximam de Deus e do outro.

No entanto o fato de que na história do pensamento cristão entendeu-se que

a imagem de Deus já estava plenamente realizada no estado original de Adão

obscureceu a compreensão da imagem divina como destino final do homem que

aconteceria no processo de sua história individual68. Porque ao se vincular a idéia

do destino do homem com sua criação à imagem de Deus, afirmou-se que o

destino do homem não se refere unicamente ao seu domínio sobre o resto da

criação, sendo antes de tudo o destino de desfrutar da comunhão com Deus.

Citando Karl Barth em sua Kirchliche Dogmatik III/2, Pannenberg fala que se o

destino do homem vem dado em sua criação à imagem de Deus, também a

descrição de tal destino há de ter em conta as implicações da relação icônica do

homem com Deus. Assim o homem se acha destinado, por sua origem como

criatura de Deus, à comunhão com Ele e à vida com Ele. Então, para Pannenberg,

o sentido da semelhança com Deus é a comunhão com Ele porque a comunhão

com Deus antecede as mútuas relações dos homens entre si e constitui o seu

fundamento ontológico69.

Conclusão

A disposição do homem para seu destino à comunhão com Deus não

depende em sua realização só dele, pois na sua trajetória para seu destino o

homem não é todavia sujeito acabado. Ele é por definição um ser histórico que na

concreticidade da vida e através dos acontecimentos externos plasma a sua

história pessoal70. Herder, considerado por Pannenberg como o ponto de partida

68 Ibidem, p. 236. 69 Pois só na relação com Deus, e a partir do futuro escatológico de seu destino, que se acha uma base firme e consistente de uma autodeterminação moral do homem, sua autonomia. Cf. Wolfhart Pannenberg, TS2, p. 259. 70 Worfhart Pannenberg, EHcP., p. 194.

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da antropologia moderna, disse em aparente analogia com Gehlen que

propriamente não somos ainda humanos, de forma que chegamos a sê-lo dia a dia.

Essa afirmação é uma concepção próxima da idéia iluminista do auto-

aperfeiçoamento, que pode ser vista também em Rousseau, Leibniz e sua escola71.

Mas, como vimos, pode ser também endossada teologicamente a partir da ação do

Espírito divino que age formando no homem a imagem de Deus, revelada em

Cristo, ou seja, revestindo-o da imagem de Jesus.

3.2.5.

Cristo, a Realização Proléptica do Futuro do Homem

O pressuposto teológico de Pannenberg de Cristo, como a realização

proléptica do futuro do homem é de fundamental importância para a compreensão

de seu pensamento antropológico. Neste momento somente introduziremos esse

tema, o aprofundaremos na segunda parte do próximo capítulo em que falaremos

mais sobre Jesus Cristo como o homem genuíno. Ao tratar da questão do homem

como imagem de Deus, Pannenberg parte do pressuposto de que na pessoa de

Jesus Cristo encontra-se o verdadeiro humano encarnado e tornado possibilidade

para todos os homens72. Para ele, Jesus é o autêntico homem que traz em si o

modelo de relação com Deus, que todo o gênero humano deve seguir, porque a

partir das afirmações bíblicas, concluímos que o destino do homem é a comunhão

com Deus. E pode-se afirmar que na encarnação do Filho eterno na figura de

homem, a relação da criatura com o criador acha no homem sua suprema

realização73. Realização de plena comunhão com Deus, que tira o homem da

alienação de seu destino e que o ajuda a vencer as conseqüências, o pecado e a

morte.

Então a participação na imagem de Deus manifestada em Jesus Cristo, se

atribui só aos crentes, pois eles são chamados a participar dela pelo Espírito,

71 Worfhart Pannenberg, APT., p. 54. 72 Fundamentação Cristológica de uma Antropologia Cristã 1973/6, p. 733. 73 Worfhart Pannenberg, TS2., p. 203.

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conforme a primeira carta de Paulo aos coríntios; capítulo quinze; verso quarenta

e cinco, visto que em Jesus é inaugurado o Reino de Deus, reino em que todos os

homens são convidados a entrar pelo próprio Deus, ao participarem da

comunidade do amor. Por causa do tamanho de sua magnitude, Pannenberg

afirma que a encarnação de Jesus tem uma relevância antropológica universal74.

No entanto nosso autor ainda ressalta que essa questão não se acha totalmente

desenvolvida nas afirmações neotestamentárias. E quando se tenta tematizá-la,s

surge inevitavelmente a tensão devido à afirmação do relato sacerdotal, que diz

que Adão foi criado a imagem e semelhança de Deus.

E as afirmações neotestamentárias que classificam Jesus Cristo como a

verdadeira imagem e a expressão exata de Deus, afirmam ainda que essa imagem

é comunicada por Ele a todos os homens pelo Espírito, levando a termo o

processo que foi iniciado na criação relatado em Gênesis 1,2675. Por conta disso,

no pensamento de Pannenberg a teologia cristã precisa ler a afirmação do relato

sacerdotal tendo em consideração as palavras paulinas e pós-paulinas do Novo

Testamento, vendo que elas qualificam Jesus Cristo como a verdadeira imagem de

Deus (II Co 4.4; Col 1.15; Hb 1.3), e falam da reprodução dessa imagem pelo

crente (Rm 8.29; 1 Co 15.49; 2 Co 3.18)76.

Conclusão

Então o abandono da doutrina do estado original revelou também na era

moderna a fecundidade da concepção cristã do homem como história. Seu ponto

inicial como abertura para uma determinação ainda incompleta, mostra que o

homem realmente deve ser entendido como história77. Uma história que aponta

para a salvação manifestada em Cristo, que determina que a imago Dei em sua

74 A constitutiva abertura da vida consciente do homem à infinitude do Espírito e sua atuação não se opõe ao fato de que os homens se achem em sua vida submetidos a diversas limitações, inclusive que possam sucumbir diante desta ou daquela forma de persistente limitação, chegando ao encerramento em si mesmo Cf. Wolfhart Pannenberg, TS2, p. 249. 75 Ibidem, p. 225. 76 Ibidem, p. 224. 77 CONCILIUM, p. 736.

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situação inicial deva ser vista como abertura para aquela determinação futura que

foi plenamente revelada em Cristo. Porque mesmo que os textos acima não

tematizem explicitamente a relevância da história de Jesus Cristo para

compreensão do homem enquanto tal ainda, assim eles lançam as bases para o

discurso sobre o homem escatológico, o segundo homem manifestado em Jesus

Cristo.

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A Imago Dei na Antropologia de Pannenberg

Agora, chegamos à etapa final de nossa pesquisa. A partir do que foi visto

até aqui, aprofundaremos a compreensão de Pannenberg sobre a doutrina da

imago Dei. Veremos que para ele não se pode abordar a criação desconectada da

existência de Jesus, ou seja, a doutrina da criação não pode prescindir da

cristologia. Desta forma é preciso levar em consideração as afirmações

veterotestamentárias à luz das neotestamentárias, o que faz com que na

antropologia teológica pannenberguiana, a figura de Jesus tem uma importância

capital. Conforme o testemunho do Novo Testamento, Ele é o Filho eterno do Pai,

que veio ao mundo com a missão de transmitir sua condição de filiação aos

demais homens.

Em Jesus o Logos preexistente implícito e escondido em sua humanidade

revela a salvação divina, de modo que os testemunhos neotestamentários o

classificam como a verdadeira imago Dei, a imagem divina modelo, em que todos

os homens deverão ser transformados pela ação do Espírito divino. Compreensão

que já foi explicitada no início da história cristã pelo grande Padre Apostólico

Irineu de Lião, que criou as categorias imagem modelo e cópia. As palavras ditas

acima iluminam um pouco a postura de Pannenberg ao entender o sentido

salvífico da vinda e da encarnação de Jesus sob um prisma escatológico. Como a

realização antecipada do destino e do futuro do homem, essa postura se baseia no

fato que todo o Novo Testamento fala veementemente sobre o sentido salvífico da

encarnação de Jesus vinculado a sua filiação. A salvação é tematizada em Jo 1, 12

com as seguintes palavras: “... aos que o receberam deu-lhes o direito de se

tornarem filhos de Deus...1”. Porque através da total abertura de Jesus (o Filho) a

Deus (o Pai) e ao mundo, realiza-se o destino para o qual o homem foi criado que

consiste na comunhão com seu criador.

1 Novo Testamento Almeida Século 21. São Paulo: Vida Nova, Evangelho segundo João 1, 12.

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Conseqüentemente começamos intencionalmente esta introdução, falando

primeiramente do conteúdo da segunda parte deste capítulo e mostrando que de

modo algum, no pensamento de nosso teólogo podemos falar da Imago Dei no

homem Adão isoladamente, sem relacioná-la com a existência do Filho

preexistente que se manifestou na história através vinda de Jesus. Porque já vimos

anteriormente que o destino do homem criado segundo a imagem de Deus só se

mostra com total clareza na vida e na mensagem do Cristo, pois a salvação

proporcionada pelo Pai está ligada à manifestação do Filho na carne, para vencer

o pecado e a morte. E tal manifestação também está vinculada com a questão do

sentido e do destino da vida humana, que é a comunhão com Deus2.

Tal destino foi plenamente vivido e realizado prolepticamente por Jesus, já

que foi o único homem que viveu plenamente a realidade para a qual todo homem

foi criado, a comunhão com Deus. Veremos ainda neste capítulo mais uma

característica interessante da teologia de nosso autor, que é a ênfase de que essa

comunhão insuperável vivida por Jesus, só é possível a partir de sua condição

filial, a condição filial que não significa a anulação pessoal de Jesus, mas que se

dá principalmente através da preservação de sua auto-diferenciação em relação ao

Pai. Assim, podemos dizer que por meio da auto-diferenciação vivida

concretamente por Jesus, a relação do ser humano com Deus se realiza bem como

o destino último de sua criação.

Resta-nos ainda falar do que será abordado na primeira parte da etapa final

deste estudo. Começaremos aprofundando o significado teológico das

características ontológicas do homem, características que o diferenciam do

restante das criaturas e o colocam numa posição de destaque, fazendo com que ele

seja visto como a coroa da criação. Em seguida abordaremos o motivo dessas

características ontológicas, que lhe fornecem a comunhão com Deus e que são

concebidas por Pannenberg como a essência de sua imagem divina. E por último

entenderemos a classificação de Adão como imagem-cópia, que foi criado não

para permanecer no seu estado inicial, mas para ser moldado conforme a imagem

de Jesus Cristo, que é a perfeita expressão do ser de Deus.

2 PANNENBERG, W., TS2., p. 233.

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Neste último capítulo faremos várias inter-relações com as afirmações

anteriores, de modo que possamos aprofundar melhor na antropologia teológica

de nosso teólogo e compreender suas afirmações bíblicas e teológicas sobre a

criação do homem segundo a imagem divina.

4.1.

A Imago Dei em Adão

4.1.1.

Homem, Uma Criatura Diferente

Ao olharmos para toda criação de Deus, podemos facilmente enxergar que

há nela um ser que se distancia grandemente dos demais, um ser ímpar devido as

suas peculiaridades que são: sua estrutura biológica, sua complexidade, suas

capacidades diversas e sua liberdade em interagir com o mundo que o cerca. Este

ser é o homem, que segundo o relato bíblico, é a única criatura que foi criada por

Deus segundo a sua própria semelhança. Como vimos no capítulo anterior, muitas

culturas antigas, senão todas, reconhecem no homem tal dignidade. Cícero, já

antes da era cristã, mesmo que tenha enfatizado somente a razão humana,

enxergou no homem essa posição de destaque. Ao focalizar somente na razão,

Cícero não alcançou a magnitude da dignidade do homem na mesma

profundidade alcançada pelo relato sacerdotal, que falou ousadamente que o

homem é semelhante a Deus. Assim pelo fato de afirmar que a criação do homem

aconteceu mediante este fator decisivo, concedeu um valor eterno da dignidade

humana.

Ao dar um significado inédito à dignidade do homem, o relato sacerdotal se

distancia da compreensão das demais culturas, ao defender a partir da dignidade

peculiar do homem a inviolabilidade da vida humana como retrata o texto bíblico

de Gênesis (9,6). Vejamos agora em que consiste essa inviolabilidade peculiar do

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homem, levando em consideração juntamente com o relato sacerdotal as

afirmações neotestamentárias. A primeira observação que podemos fazer é que

Pannenberg ao considerar essa dignidade sempre estreitamente ligada ao destino,

a saber a sua comunhão com Deus, aprofunda o seu significado através da

reconciliação entre o homem e Deus feita em e por Cristo3.

Pois em Cristo se torna evidente a magnitude da dignidade com que o

homem foi criado, que o torna alvo do incondicional amor divino, fazendo com

que o próprio Deus tome a iniciativa de ir ao encontro do homem, ou seja, por

causa dessa dignidade, Deus ama o homem mesmo antes de ser por ele amado.

Deus toma a iniciativa de amar cada pessoa, interpelando cada indivíduo que na

sua história individual distancia-se dele. O amor incondicional divino fica

explicito nas parábolas do bom pastor que vai atrás da ovelha perdida, da mulher

que procura por toda casa a dracma perdida e também do pai que recebe com

amor e alegria o filho que o abandonou. Dessa forma podemos dizer que a fé

cristã aprofundou ainda mais a dignidade que o relato sacerdotal deu ao homem.

Por isso, Pannenberg é capaz de afirmar que a mais profunda compreensão da

dignidade do homem é a cristã, e que os textos vétero e neotestamentários dão ao

homem uma dignidade e valor eterno4.

Pannenberg observa que podemos encontrar as raízes dessa compreensão

cristã do valor eterno da dignidade humana no humanismo judeu e na religião

judaica. Pois essa idéia se desenvolveu no período posterior ao desterro, quando

ocorreu na mentalidade do povo israelita a eliminação do sentido de participação

na vida comunitária. De fato, a crença religiosa judaica ensinava que um

indivíduo estava passivamente sujeito a culpabilização pelos erros cometidos por

terceiros5. No entanto a atitude do profeta Ezequiel ao falar que Deus não culparia

um pelo erro do outro, e sim cada um por seu próprio erro, provocou não só a

ruína da crença no vínculo entre o indivíduo e a comunidade, mas também uma

reação da fé judaica, que por causa do seu arraigado senso da justiça divina,

3 PANNENBERG. Wolfhart, El Destino Del Hombre. Salamanca, Ediciones Sigueme, 1981, p. 12. 4 Ibidem, p. 13. 5 Tem-se uma versão atual deste pensamento na teologia protestante de viés reformado, que é o postulado da solidariedade da raça. Visão em que o indivíduo está espiritualmente ligado ao grupo, de forma que Adão é visto como o representante de toda a humanidade. E no seu ato pecaminoso toda a humanidade se fazia participante.

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afirmou que a retribuição dos atos humanos se daria numa vida ulterior,

consistindo este fato o início da crença na ressurreição dos mortos, que portava o

único objetivo de proporcionar um acerto de contas do indivíduo com Deus6.

Assim, por causa de seu objetivo único de acerto de contas, a ressurreição chegou

a ter tamanha importância para o indivíduo a ponto de ocupar o centro de sua

vida.

Os primitivos teólogos por causa da aceitação da magnificência de Adão, ou

seja, de um estado de perfeição original, entenderam que a imortalidade e a

incorruptibilidade consistem somente num aspecto parcial do destino do homem

para comunhão com Deus. E assim desvalorizaram o aspecto eterno da dignidade

humana, desvinculando o destino do homem da manifestação do Filho eterno. No

entanto, ressalta Pannenberg que se o destino do homem vem dado em sua criação

à imagem de Deus, a sua descrição deve também ter em conta as implicações da

sua relação icônica com Deus. Seguindo este raciocínio o destino futuro realizado

na vida de Jesus ilumina o seu estado presente e auxilia a compreensão de sua

personalidade, pois tal destino de Jesus constitui o modo em que o destino futuro

do homem se manifesta atualmente.

Conclusão

Ainda uma observação de Pannenberg: no platonismo a alma não se

identifica com a vida concreta do indivíduo e assim a encarnação não dá à alma

humana nem importância, nem valorização eterna. Em contrapartida, a fé cristã

fala de um Deus que ama ao indivíduo independentemente de seus atos e através

dessa afirmação enfatiza a radicalidade do amor divino, que é explicitamente

expressa na morte de Jesus na cruz. De modo que podemos afirmar que o amor

que Deus tem pelo homem, também o diferencia do restante da criação.

Pois ao relacionarmos o incondicional amor de Deus que continuamente

interpela o homem, entendemos que as características ontológicas do homem

6 PANNENBERG, W., El Hombre como Problema, p. 1.

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dadas pelo seu próprio Criador, além de lhe proporcionarem uma dignidade

eterna, também consistem em lhe propiciar a condição necessária para responder à

interpelação divina. Deste modo o homem se diferencia da criação em vários

aspectos e por causa disso deve assumir um múnus com relação à criação.

4.1.2.

Adão, a Imago Dei Cópia

Como vimos anteriormente, a verdadeira imagem de Deus se realiza em

Cristo que é o modelo. Essa posição de Pannenberg está em consonância com o

pensamento da vertente oriental do cristianismo, que enfatiza que em Jesus Cristo

acontece a divinização do homem7. Essa conclusão está em parte baseada na

reflexão que Irineu deu ao tema da imago Dei. Pois ao conciliar o testemunho

bíblico, ele entendeu que nos relatos de Gênesis (1.26; 5,1 e 9,1) o homem não é

qualificado já como a imagem de Deus, mas foi criado segundo ela. Essa

valorização dada aos termos “segundo a imagem” e a distinção que faz entre os

termos imagem e semelhança permitiu a Irineu falar dois tipos de imagem: a

imagem-cópia e a imagem-modelo. Entretanto a posição de Irineu de uma

distinção categorial entre os termos imagem e semelhança é rechaçada pelo nosso

autor, pois ele, assim como os reformadores e a exegese protestante, entende

como sinônimas as expressões imagem e semelhança.

No entanto Pannenberg lança mão da conclusão de Irineu sobre a existência

de dois tipos de imagem, refletindo sobre como se relaciona a imagem-cópia

humana com a imagem-modelo divina. Ao entender que para se responder

adequadamente a essa questão é preciso tecer algumas considerações sobre a

realidade da imagem, faz duas observações: a primeira é que ela tem a função de

representar o modelo, a segunda é que para representá-lo precisa assemelhar-se ao

reproduzido8. De forma que afirma que quanto maior a semelhança com o

modelo, mais clara é a imagem, e mais intensa a presença do modelo nela.

7 MIRANDA, M. F., Op. Cit., p. 21. 8 PANNENBERG, W., TS2., p. 249.

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Aplicando esse raciocínio à leitura dos relatos bíblicos, e também sob a

influência concepção evolutiva, Pannenberg afirma que só em Jesus Cristo se dá a

consumação da imagem divina, pois Ele é a expressão exata do ser de Deus,

realizando em si o destino do homem enquanto criatura9. Irineu fala de uma

semelhança em graus distintos de intensidade de modo que para ele depois da

transgressão, Adão pôde perder a semelhança e permanecer com a imagem. Isso

porque Irineu ao conceber certa semelhança de Deus já em Adão viu que a sua

consumação ou plenificação aconteceria somente em Cristo.

No entanto, Pannenberg opõe-se veementemente à afirmação de Irineu que

fala em graus distintos de intensidade. Pois se a imagem não conservar a

semelhança, não pode ser considerada imagem, já que não é capaz de representar

o reproduzido. Seguindo essa lógica ele diz que o homem é sempre imagem de

Deus, mas não na mesma medida, entendendo que a imagem divina no homem

está em devir. Sua postura dá base para dizer que no começo da humanidade por

causa do efeito do pecado, a semelhança ficou ainda mais desfigurada. No entanto

ela nunca foi a reprodução da imagem divina, pois só na pessoa de Jesus Cristo

manifestou-se com total clareza a imagem de Deus.

Conclusão

Partindo do princípio de que a semelhança é indispensável para representar a

imagem, a criação do homem à imagem de Deus deve sempre estar vinculada à

plena realização da semelhança. Realização estreitamente ligada ao destino do

homem e que se concretizou historicamente em Jesus Cristo, para a participação

de todos os homens10. Diante do que vimos podemos afirmar que a imagem de

Deus não se realizou plenamente desde o começo dos tempos na história da

humanidade. Pannenberg usa o verbo plasmar para falar do processo em que Deus

através da história individual molda o crente à imagem de seu Filho. Assim, como

podemos perceber Pannenberg trabalha a doutrina da imagem seguindo em parte

9 Ibidem, p. 242. 10 Ibidem, p. 250.

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os passos de Irineu, que falava da existência de duas imago Dei, a cópia e a

modelo11.

4.1.3.

Imago Dei, o Substrato da Abertura ao Mundo

A partir das informações que temos visto até este momento, temos condição

de chegar a algumas conclusões sobre o homem. Levando em conta toda a sua

realidade concreta e a sua complexa existência, concluímos que ele consiste num

movimento retilíneo para Deus. E por causa desse dinamismo, Pannenberg define

a imago Dei como o substrato deste movimento, ou seja, o substrato da

transcendentalidade. Podemos ainda fazer outra observação sobre a imagem

divina, ressaltando que ela é em parte dom natural e em parte possibilidade

existencial. Tais características são empregadas pela providência divina, fazendo

com que o homem através do finito, ele ponha-se em comunhão com seu Criador.

Vejamos agora como a imago Dei se faz presente no homem marcando-lhe a

existência e conduzindo-o ao destino predeterminado por Deus no momento da

criação. Quando falamos sobre a imago Dei ou a transcendentalidade humana

devemos lembrar que ela também foi vivida por Jesus, em sua condição filial.

Esse fato nos dá condição de afirmar que, ao assumir como Filho a natureza

humana e abrir-se para Deus, Jesus exerceu correta e plenamente a capacidade do

homem de auto-distinguir-se de Deus, tornando-se exemplo concreto da relação

do homem com Deus para todo o gênero humano porque em toda a sua vida

nunca caiu na tentação de ser igual a Deus, como fez o primeiro Adão.

Sobressai aqui a importância do Logos como o capacitador do homem para

que ele desenvolva sua auto-referência. Consistindo no princípio generativo da

particularidade do homem, o Logos funda e governa tanto a singularidade, como a

vida consciente de cada indivíduo. Tal fato nos leva a concluir que na sua vida

11 Ibidem, p. 249.

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consciente o homem se acha de modo específico em possessão do Logos, que lhe

concede a possibilidade de conhecer a si mesmo e a realidade que o cerca12. Então

na encarnação do Logos divino em Jesus de Nazaré, a revelação do destino

criacional do homem é plenificada. Entretanto não devemos pensar que essa

relação entre a plenificação do destino do homem e a encarnação do Logos, se dá

numa correspondência linear entre disposição e realização13. O motivo para a falta

de correspondência está no fato que os homens que ainda não se encontraram com

Jesus estão restritos a ter somente idéias gerais sobre a sua natureza e seu destino,

estando o verdadeiro conteúdo dessas completamente vinculado ao encontro com

Jesus.

Outra característica da imago Dei no homem é que ela faz dele um ser

relacional, capaz de desenvolver vários tipos de relação. Um ser que foi criado

com o objetivo de desenvolver uma relação intensa com Deus, com o finito que

significa consigo mesmo enquanto pessoa e espécie, com as demais criaturas e

com toda a realidade que o cerca, representando no mundo o senhorio do próprio

Deus. Isto porque enquanto imagem de Deus, o homem se acha destinado a honrar

e buscar a Deus através do mundo criado, reconhecendo o senhorio d’Ele sobre si

e sobre toda a realidade. Assim ele é incumbido desse múnus, por mais soterrada

que esteja sua transcendentalidade em casos concretos14.

Essa disposição intrínseca do homem em se relacionar é tão perceptível, que

também foi constatada através da análise antropológica. A antropologia moderna

define o homem como um ser excêntrico ressaltando que ele, diferentemente dos

animais, possui uma percepção do mundo que não está predeterminada pelos

instintos recebidos em sua geração, ou seja, por sua estrutura biológica. Desta

forma como possuidor de uma abertura ilimitada ao mundo em que vive, cabe

somente a ele decidir em que circunstância vai por em marcha a sua vida, como

vai buscar o seu destino. Isso porque nem o mundo da natureza, nem o da

sociedade constituem o critério de inquestionável validade para sua vida. Sendo

assim, é mediante essa indescritível e total abertura que o homem está durante

12 Ibidem, p. 331. 13 Ibidem, p. 334. 14 Ibidem, p. 261.

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toda a sua vida direcionado para o infinito, e caminha incessantemente para

chegar até Deus15.

Conclusão

Diante do que vimos acima podemos afirmar que a posição destacada

proporcionada pela imago Dei no homem é percebida, tematizada e descrita de

várias formas dentro da história, como também dentro do texto bíblico e da

teologia cristã. No entanto podemos concluir que a realidade da imago Dei além

de ter uma conseqüência ontológica ligada ao seu destino futuro, tem uma

conseqüência ontológica que determina a sua forma de viver, impulsionando o

homem a através do mundo que o cerca, buscar a comunhão com Deus, comunhão

que foi vivida e plenamente realizada, de forma proléptica por Jesus. Por isso Ele

é entendido por Pannenberg como a verdadeira imagem de Deus, a imagem

modelo como já tinha afirmado em seu tempo Irineu de Lião. Pois ao realizar na

história o destino do homem, ou seja, antecipar no mundo o seu futuro, Jesus é

visto como o autêntico homem, como único que numa abertura total a Deus, viveu

totalmente a realidade para a qual todo homem foi criado.

Da mesma forma que a imago Dei não se realizou plenamente no início da

história humana, mas só aconteceu plenamente em Jesus, Pannenberg coloca a

idéia de uma imago Dei em devir como um destino que não está acessível através

da pura atuação humana. Pois só quando o homem se entende distinto de Deus,

em sua finitude é que se aceita como criatura frente a Deus, tributando a Ele a

glória devida, e distinguindo-se de todo o finito16. Devido a essa abertura

constitutiva, o homem chega a pensar poder alcançar seu destino de comunhão

com Deus para participar da vida divina, pois esse desejo de ser como Deus faz

parte de seu destino, sendo então algo tentador para ele. Entretanto a auto-

afirmação do homem só pode acontecer quando ele é elevado sobre si mesmo pelo

Espírito de Deus.

15 PANNENBERG, W., EhcP., p. 81. 16 PANNENBERG, W., TS2., p. 265.

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Esse Espírito leva-o a seguir o exemplo dado por Jesus através de seu

modelo de obediência, conduzindo-o a configurar-se à imagem do Filho. Ele se

auto-diferenciou do Pai podendo assim ter uma comunhão que serve de modelo

para o gênero humano. É por isso que ao entender que a criação do homem deu-se

segundo a imagem de Deus, o que implica como seu destino a comunhão com Ele,

faz-se necessário considerar a encarnação do Logos de Deus em Jesus como o

cumprimento deste destino17. Pois essa abertura não se opõe às possíveis

limitações que podem alcançar os homens devido às diversas situações onde possa

se encontrar, até mesmo alguma que conduza ao fechamento em si mesmo. Ela

não pode ser identificada de antemão como uma referência a Deus presente já na

consciência. A encarnação ilumina a abertura com que é dotado todo homem de

tal modo que, ignorando ou rejeitando a pessoa de Cristo, o homem possa aderir a

diversas formas de expressão ou fechar-se para Deus. Sendo possível somente

através da consciência histórica de Deus, fato que explica as diversas formas de

religiosidade e também o fechamento existencial frente a Deus18.

4.2.

Cristo, a Imago Dei Modelo

Vamos nos deter mais na pessoa de Jesus Cristo, primeiramente vendo Jesus

como o homem verdadeiro. Jesus é tido como o verdadeiro homem, que cumpre

em sua vida o propósito predeterminado na criação. Depois veremos que Jesus é o

Filho preexistente do Pai, n’Ele o Logos que se encarna, assumindo a realidade

humana. E por fim aprofundaremos a implicação salvífica da encarnação, pois ao

assumir a realidade humana, Jesus está cumprindo o plano do Pai em salvar toda a

humanidade.

4.2.1.

17 Ibidem, p. 259. 18 Ibidem, p. 264.

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Jesus o Autêntico Homem

Para Paulo o primeiro Adão é caracterizado como alma vivente e o segundo

como Espírito vivificante19. Essa afirmação segundo Pannenberg está baseada na

idéia da criação do homem segundo a imagem divina, vinculada ao discurso sobre

o homem escatológico. Assim o segundo homem manifestado em Jesus Cristo,

revelou-se como a verdadeira imagem de Deus, uma imagem que pelo Espírito,

todos os crentes são chamados a participar20.

Pannenberg compreende assim que Jesus é a realização antecipada do futuro

do homem, devido à sua total abertura a Deus e ao mundo, que constitui a prova

de que Ele é a verdadeira imagem de Deus. Dessa forma ele entende que na

criação, a imagem divina em Adão tinha um caráter inconcluso o que se estende a

todos homens. Pannenberg cita Ritschl, teólogo de grande renome que entende a

partir de Jesus Cristo o caráter inconcluso do homem. Este rechaçou a idéia de um

estado de perfeição do primeiro homem, porque segundo seu entendimento tal

compreensão dá margem a considerar a pessoa de Cristo como uma manifestação

irregular da história humana, sendo concebido somente como um representante da

reação divina contra o pecado e não como o consumador do destino para o qual o

homem foi criado21.

Segundo a antropologia de Pannenberg é imprescindível que se entenda

Jesus como o realizador do destino do homem, porque a criação do homem à

imagem de Deus implica primeiramente a sua condição de alcançar seu destino,

que é a comunhão com o Deus eterno. Na pessoa de Cristo esta total abertura

chega ao cumprimento22. Podemos concluir que na sua pessoa, manifesta-se o

verdadeiro humano, encarnado e tornado possibilidade para todos os homens23.

Dessa forma ao manifestar o destino do homem, como indivíduo e como espécie,

Jesus eleva todos os homens acima do mundo natural e das relações de violência

19 CONCILIUM, 1973/6, Número X, p. 734. 20 PANNENBERG, W., TS2., p. 239. 21 PANNENBERG, W., TS2., p. 241, citando A. Ritschl: Die christliche Lehre Von der Rechtfertigung und Versöhnung III, 1883, p. 307. 22 Ibidem, p. 259. 23 Concilium, 1973/6, Número X, p. 733.

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da vida social, introduzindo-os na comunidade divina do amor e capacitando-os a

amar tanto Deus como o restante da criação.

Essa postura de Pannenberg está em consonância com a apresentação

paulina de Jesus Cristo como a figura escatológica, colocado em contraposição a

humanidade adâmica. Devido a sua obediência a Deus e a sua vitória sobre a

condição corruptível tem uma história de vida relevante para toda a humanidade24.

O que nos dá condição de dizer que o conceito de semelhança com Deus

alcançado plenamente somente em Cristo tem a função de grampo, visto que Ele

une o começo e o fim desse caminho, gerando unidade na história da

humanidade25. Dessa forma a relação da história de Jesus Cristo com o restante da

humanidade está no fato de que Ele, ao assumir a realidade humana, a

transforma26.

Para o relato sacerdotal, Adão é de tal modo o primeiro homem, que sua

história se repete em todos os indivíduos, constituindo na chave para o

esclarecimento das condições do existir do gênero humano. Para a fé cristã, com o

aparecimento de Cristo, todo ser humano precedente foi substituído por uma

forma radicalmente nova de ser homem27. Isso significa que a determinação de

toda a humanidade depende da história especial deste único indivíduo, porque

n’Ele entrou algo novo no mundo vital do homem. Algo que deu ao ser humano

um conteúdo novo, ou seja, é essa nova finalidade e esse essencialmente novo que

consistem na vitória sobre a morte, manifestada na sua ressurreição.

Jesus Cristo viveu a sua vida na co-humanidade, porque para Ele o centro de

sua existência era o Deus que vem. Dessa forma na sua auto-diferenciação em

relação a Deus, Jesus no cumprimento de sua missão, era um com Ele. Pois a

auto-diferenciação do Filho eterno com respeito ao Pai pode ser entendida como

fundamento de toda a sua alteridade diante de Deus28. E deste modo a sua auto-

diferenciação de Deus também consiste na origem histórica e na norma

permanente daquilo que hoje é chamado personalidade do homem, pois no sentido

24 PANNENBERG, W., TS2., p. 336. 25 CONCILIUM, p. 735. 26 Ibidem, p. 733. 27 Ibidem, p. 734. 28 PANNENBERG, W., TS2., p. 421.

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de que o indivíduo não é pessoa apenas para si mesmo, mas como um eu

contraposto a um tu29. Assim o homem só é homem de fato através da sua relação

com Deus, ao exercer a sua determinação para a união com Ele. Nisso consiste o

seu ser religioso, pois a palavra homem exprime um conceito normativo, uma

história orientada para uma determinação que se realizou somente em Jesus

Cristo30.

A auto-diferenciação com respeito ao Pai, a manifestação do Filho de Deus

na sua obediência humana são os traços essenciais que caracterizam Jesus como o

homem novo. O único homem que se submete em obediência, ao contrário de

Adão que desobedeceu e perdeu a comunhão a que estava destinado31. A

obediência levou Jesus até a situação de extrema separação de Deus e de sua

imortalidade, quando na cruz o distanciamento de Deus alcançou a culminação

última de sua auto-diferenciação com respeito ao Pai.

Por causa de sua obediência Jesus é exaltado, e também por causa dela Ele

glorifica o nome do Pai, manifestando e viabilizando a obediência humana a

Deus. Uma obediência que estava baseada na sua subordinação ao Pai desde a

eternidade e posssibilitou a sua quenosis (Fp 2,6-11), que significa a renúncia de

igualar-se ao Pai. Em sua condição divina, ao ser obediente ao Pai, Jesus é

glorificado por Deus que confirma sua divindade na ressurreição. Dessa forma na

auto-diferenciação do Logos eterno com relação ao Pai, ou seja, no seu “ser-

outro”, Jesus reconhece a Deus como o único Deus, convertendo-se na origem de

toda a existência criada distinta d’Ele32. Jesus ao assumir a realidade humana, dá

ao homem a condição de se auto-diferenciar de Deus não se fechando num

egocentrismo egoísta, mas através de uma postura de obediência, abrindo-se e

desenvolvendo comunhão com Ele.

Conclusão

29 CONCILIUM, p. 747. 30 Ibidem, p. 741. 31 PANNENBERG, W., TS2., p. 419. 32 Ibidem, p. 423.

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Em Jesus surge na história humana uma nova forma de auto-diferenciação

humana que não ofende a Deus, mas antes O reconhece e Lhe rende a glória

devida. É por isso que a obediência de Jesus a Deus é paradigmática para todos os

homens, pois a sua quenosis consiste no fundamento que lhe permite viver sua

especial vocação ao serviço de Deus. Trata-se de uma nova liberdade que os

crentes possuem pelo Espírito como filhos de Deus.

É a partir deste pensamento que Paulo vê Jesus Cristo como o novo Adão, a

verdadeira imagem de Deus da qual todos nos revestiremos. Pois sendo o Filho

preexistente de Deus que assume a realidade humana, dá ao homem o direito de

desfrutar da sua condição de filiação33. Então como verdadeiro Filho de Deus,

Jesus é ao mesmo tempo o protótipo da filiação que todos hão de receber por Ele,

filiação que concede o acesso imediato a Deus como Pai34. Porque enquanto

Filho, Jesus é também o novo Adão em quem se tem realizado definitivamente o

destino do homem em configurar-se a imagem de Deus. Pannenberg conclui que

essa nova forma de relação entre o homem e Deus tornada realidade no Filho é o

paradigma a ser seguido para que todo homem possa então gozar da condição de

filiação. Assim na história e na pessoa de Jesus se revela e se antecipa o destino

futuro do homem, porque Jesus, precisamente pelo fato de ser o Filho eterno

encarnado, deve ser entendido como o homem novo, escatológico35.

4.2.2.

Jesus o Filho Preexistente do Pai

Em Jesus acontece a vinda do Filho eterno de Deus, que tem a missão de

salvar o mundo. Essa concepção bíblica pode ser vista no anúncio do seu

nascimento transmitido por um anjo, que endossa a filiação divina de Jesus na sua

concepção por obra do Espírito36. Mostrando que a relação de filiação de Jesus em

33 Ibidem, p. 476. 34 Ibidem, p. 479. 35 Ibidem, p. 357. 36 Ibidem, p. 342.

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relação ao Pai é anterior a sua encarnação, o que nos dá também a base necessária

para concluir que a sua condição como Filho de Deus é tão importante para sua

missão terrena, a ponto de fazer com que a totalidade da sua história seja a

expressão da missão do Filho eterno, que fica historicamente manifestada na vida

concreta de Jesus de Nazaré.

Dessa forma podemos dizer que, pelo fato do relacionamento de Jesus com

Deus ser anterior a sua encarnação, não seria possível a qualquer homem ser

paradigma de comunhão com Deus37. É por isso que a origem da filiação divina

de Jesus só pode ser achada na eternidade de Deus mesmo, revelando a verdadeira

importância das afirmações da preexistência38. A relação filial de Jesus com o Pai

é explicitada a partir da ressurreição dentre os mortos. No entanto, mostra-se

também através das atitudes concretas de Jesus com o Pai ao longo de sua vida39.

Sua condição de Filho e sua obediência ao Pai vão unidas, pois a obediente

subordinação caracteriza a Jesus como Filho.40 A relação filial é o paradigma para

todos os homens seguirem, é através dela que se deu o auto-despojamento de

Jesus que tornou viável a sua subordinação ao Pai41. Porque o tipo de relação que

o Filho eterno tem com o Pai não é superável por nenhuma outra forma de relação

com Deus, e consiste na comunhão com Ele em seu grau máximo42. Só em Jesus

Cristo tem se manifestado plena e definitivamente a relação fundamental de

filiação a que foi destinado o homem, pois n’Ele se fez carne o Filho Eterno de

Deus43.

Por conta disso a sua encarnação é um acontecimento que tem relevância

para toda a espécie humana, pois nela acontece a concretização do destino do

homem, destino que foi determinado na sua criação segundo a imagem e

semelhança divina. Dessa forma em Jesus a relação entre criatura e criador é

superada, deixando o nível de um relacionamento somente criatura e criador,

ultrapassando o nível desfrutado pelos animais e pelas plantas e passando para o

37 Ibidem, p. 414. 38 Ibidem, p. 415. 39 Ibidem, p. 416. 40 Ibidem, p. 357. 41 Ibidem, p. 417. 42 Ibidem, p. 204. 43 Ibidem, p. 358.

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nível de filiação em que o homem é levado a se relacionar com Deus. Assim Jesus

introduz o homem na dinâmica do amor, amor que conduz à comunhão com Deus

e também à comunhão dos homens entre si44.

Outra observação que podemos fazer é que a encarnação do Filho é de

grande relevância para a divindade do Deus Trinitário, isso porque nela Deus tem

se revelado ao mundo, e também introduzido a criação na comunhão trinitária45.

Os testemunhos bíblicos falam da importância crucial do Espírito, afirmando que

foi por Ele que o Filho eterno adquiriu figura humana na pessoa de Jesus. Como

também é por Ele que Jesus em sua ressurreição tem sido constituído Filho de

Deus com poder46, conduzindo a humanidade ao conhecimento de sua filiação à

luz da confirmação e justificação divina de sua atuação pré-pascoal47. Por isso a

Sua ação nos crentes também é importantíssima, porque é por Ele que eles

desfrutam da participação na filiação de Jesus Cristo.

Como as missões do Filho e do Espírito procedem do Pai, podemos falar de

uma auto-realização do Deus trinitário no mundo através do cumprimento da

missão na obediência pelo Filho capacitado pelo Espírito48, pois no

comportamento do Filho e na obra do Espírito tudo está a serviço da irrupção do

Reino de Deus no mundo. A atuação vivificante do Espírito se refere neste

contexto a Jesus porque Ele foi ressuscitado dentre os mortos pelo Espírito,

garantindo também aos crentes a esperança da nova vida49. Assim a glorificação

do Pai e do Filho nos crentes por obra do Espírito orienta-se, portanto, para a

reconciliação do mundo com Deus, fato que se acha ligado à superação de sua

submissão à morte. A vitória será consumada pela participação na vida eterna que

une o Filho ao Pai pelo Espírito já como futuro da criação realizado na

ressurreição de Jesus dentre os mortos.

Conclusão

44 Ibidem, p. 363. 45 Ibidem, p. 434. 46 Ibidem, p. 358. 47 Ibidem, p. 440. 48 Ibidem, p. 437. 49 Ibidem, p. 440.

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O ponto central da pregação de Jesus é o Pai e a vinda de seu Reino, e não

uma exaltação de sua própria pessoa tentando-se igualar a Deus. Mediante a auto-

realização do Filho alcança-se também o destino da criatura, já que Ele torna

viável a vivência da verdadeira autonomia em comunhão com Deus. A eterna

auto-diferenciação com respeito ao Pai implicada na quenosis da encarnação, faz

com que o Filho seja a origem da alteridade de uma realidade criada distinta de

Deus50. Assim, na alteridade manifestada em Jesus, o homem é redimido do

extravio de sua independentização frente a Deus e libertado então da opressão, do

poder, da corrupção e da morte. Só numa criatura como o homem que em sua

alteridade se sabe referido a Deus pode expressar-se plenamente o auto-

despojamento ligado à auto-diferenciação do Filho com respeito ao Pai. Desse

modo na manifestação do Filho se ordena a reconciliação do homem com Deus e

mediante ele com toda a criação51.

Dessa forma ao distinguir-se como puro homem e submetendo-se às

exigências do Reino de Deus, a obediência do Filho corresponde à sua entrega ao

Pai, oferecendo-se como sacrifício para a salvação do mundo (Ef 5,2). No entanto,

Jesus foi condenado à morte mediante a acusação de fazer-se igual a Deus, pois a

morte é o castigo do pecador e de sua loucura, de sua autonomia de Deus, visto

que ela lhe devolve a sua finitude. Então como Jesus não merecia a morte de

pecador, pois em momento algum como defende Fp 2, 6-9 fez-se igual a Deus,

sua morte se deu em lugar dos pecadores52. Por isso ela deve ser entendida como

um sinal de Deus sobre o pecado: na cruz a ausência de Deus no mundo alcançou

seu ponto máximo no abandono de Deus sofrido pelo seu Filho. Em sua condição

de Filho possivelmente Jesus sofreu mais profundamente que qualquer outro o

abandono de Deus, e assim todo homem pode reconhecer na morte de Jesus a

própria morte como preço da autonomia de sua vida finita frente a Deus.

4.2.3.

O Sentido Salvífico da Encarnação

50 Ibidem, p. 361. 51 Ibidem, p. 362. 52 Ibidem, p. 418.

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O Jesus histórico é o ponto de partida e critério de todas as afirmações

cristológicas sobre sua pessoa. Esse tema se delineia com a primitiva interpretação

cristã da pessoa e da história de Jesus de Nazaré como Messias de Deus. E o título

de messias segundo a interpretação de Pannenberg implica a idéia de filiação

divina, visto que desde o início da compreensão cristã o homem Jesus foi

encarado como a manifestação na terra do preexistente Filho de Deus53. Por conta

disso o acontecimento pascal é o ponto de partida histórico da pregação apostólica

e da cristologia da igreja, a partir daí elas fazem releitura ou sem prescindir ambas

se apóiam na história pré-pascual de Jesus54.

Desta forma os relatos cristológicos são considerados como expressão da

interpretação de sua realidade histórica55. No entanto a realidade humano-histórica

de Jesus de Nazaré só pode entender-se adequadamente à luz da sua procedência

divina. O envio do Filho pelo Pai e sua encarnação orientam-se para a salvação do

mundo, daí a importância da peculiaridade humana de Jesus em sua atuação

terrena e em sua história, pois abre o caminho do Reino de Deus entre os homens

para que a comunidade humana seja renovada numa nova forma de se relacionar

com Deus56. Então a partir do princípio de que a encarnação representa o gesto

amoroso de Deus57, ela não pode ser vista como um acontecimento extrínseco ao

ser humano, pois nela se manifesta o destino do homem como indivíduo e como

espécie. Assim podemos afirmar que o destino do homem à comunhão com Deus,

foi realizado definitivamente na encarnação do Filho, elevando cada homem

concreto acima do mundo natural.

Desse modo supera-se o conflito gerado pelo pecado contra a criação, contra

os demais homens e contra si mesmo. Porque os homens só podem alcançar a

libertação do domínio do pecado e da morte quando pela ação do Espírito divino,

configuram-se segundo a imagem do Filho58. Então devemos entender que em

Cristo acontece a realização do destino do homem, realização que traz a salvação

53 Ibidem, p. 315. 54 Ibidem, p. 406. 55 Ibidem, p. 318. 56 Ibidem, p. 441. 57 Ibidem, p. 328. 58 Ibidem, p. 314.

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para ele. Resta-nos agora aprofundar essa questão, buscando entender cada vez

mais claramente, como se dá essa reconciliação promovida por Ele na encarnação.

De início podemos reafirmar que em Jesus entra algo novo no mundo que de

outra maneira seria impossível. Paulo defende que a encarnação de Jesus trouxe

uma vida que supera a morte, superação manifestada cabalmente na sua

ressurreição59. Podemos dizer que antes de Jesus o homem não tinha um modelo

claro para seguir, não tinha uma noção muito clara de seu destino. De modo que

nele funda-se uma nova etapa da revelação divina (economia da salvação, que tem

dois desdobramentos: o primeiro é sobre o próprio Deus e o segundo é sobre o ser

do homem). Primeiramente mostrando em gestos concretos um Deus amoroso que

incessantemente deseja se relacionar com o homem. Um Deus de amor

incondicional que vai até o homem para salvá-lo. Em Jesus também a relação com

Deus se realiza de forma plena, revelando também a essência humana e trazendo à

tona questões que estavam implícitas dentro do próprio homem, a determinação

específica que Deus gravou no homem em sua criação60.

Assim a obra de Jesus foi trazer a salvação que deve ser entendida na prática

como a reconciliação do homem com Deus61. Porque n`Ele se cumpre

historicamente a determinação definitiva a que o homem está destinado, e a

peculiaridade de Jesus em relação aos homens se dá no fato do senhorio de Deus

sobre a sua vida, pois Ele se tornou o tema dominante da vida de Jesus62.

Podemos então dizer resumidamente que em Jesus se manifesta a essência

humana de duas formas: a primeira através da comunhão com Deus que n`Ele se

concretiza, resultando na salvação escatológica; e a segunda através da sua

ressurreição, que consiste na manifestação do destino do homem, a imagem do

homem reconciliado.

Todo o itinerário terreno do Filho achava-se de antemão de acordo a

providência divina: sua morte na cruz encontrava-se na seqüência contextual de

59 Concilium, 1973/6, Número X, p. 737. 60 Fundamentos de Cristologia, p. 237. 61 Segundo Irineu pela encarnação do Filho se tem cumprido o conjunto de ordem salvífica com respeito ao homem. Uma história de salvação que começou com a criação do homem e que tem achado sua consumação na recapitulação em Jesus Cristo do homem caído. Cf. Wolfhart Pannenberg, TS2., p. 337. 62 PANNENBERG, W., TS2., p. 366.

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seu anúncio da proximidade e irrupção do Reino de Deus63. Segundo Pannenberg

a vinda de Jesus representa o amor de Deus. Esse tema está tão arraigado em sua

pregação, que não pode ser separado de todo o restante de sua mensagem. Em sua

missão de anunciar o Reino de Deus, ele experimentou o amor de Deus, porque a

presença do Reino de Deus representa o amor salvífico divino, porque se

relaciona com o perdão dos pecados, ou seja, na participação do amor de Deus

que perdoa64.

Pannenberg aprofunda a dimensão do amor no plano salvífico de Deus que

se concretiza na encarnação de Jesus. Diz que o amor de Jesus não pode ser

entendido somente como co-humanidade, mas primeiramente como participação

no amor Deus para com o mundo, a saber, na participação na própria realidade de

Deus. A compreensão paulina sobre a salvação corrobora essa posição assumida

por Pannenberg, pois na ressurreição se manifesta a vida imperecível de Jesus.

Resultando assim numa relação ininterrupta com a origem de toda vida, que é o

Espírito de Deus. Para Paulo, o Espírito de Deus é o Espírito do amor de Deus

manifestado na missão de Jesus, especialmente na morte de Jesus Cristo pelos

pecadores. Portanto Espírito, amor e vida estão relacionados entre si.

O autor ressalta que ainda mais nitidamente que Paulo, João ligou o amor à

presença de Deus que foi manifestada na missão de Jesus. Para ele a co-

humanidade vivida por Jesus baseia-se no amor de Deus e recebe a partir daí

orientação e sentido. Paulo falou de Cristo como segundo Adão não só em vista

de sua nova vida de ressuscitado, como também em vista da obediência de Cristo

à vontade amorosa de Deus65. A formulação paulina de Jesus Cristo como o

segundo Adão, implica ainda uma nova forma de relação social exercida orientada

a comunidade dos homens. Por isso Jesus Cristo deve ser considerado como o

protótipo de uma humanidade que tem de renovar-se à sua imagem, quer dizer,

pela participação em sua obediência, em sua morte e ressurreição66, pois Ele funda

uma nova comunidade de homens no Reino de Deus, uma comunidade libertada

do domínio do pecado.

63 Ibidem, p. 485. 64 CONCILIUM, p. 738. 65 Ibidem, p. 740. 66 PANNENBERG, W., TS2., p. 344.

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O texto paulino da segunda Carta aos Coríntios capítulo quinze, versos de

vinte e dois a quarenta e cinco; mostra Jesus Cristo como o ressuscitado dentre os

mortos, o homem definitivo que foi transfigurado pelo Espírito e repleto do amor,

da vida imperecível de Deus67. Isto porque nem o destino do homem à comunhão

com Deus pode realizar-se numa relação isolada do indivíduo com Deus, nem

tampouco pode realizar-se sem Deus numa vida de paz na comunidade68. Quem

aceita o anúncio do Reino de Deus não é já um excluído, pois tem parte na sua

salvação e assim com a aceitação de Jesus e sua mensagem desvanece tudo o que

o separa Deus69. Ao reconhecer a soberania divina através do acolhimento da

pregação e salvação manifestada em Jesus Cristo, o pecador é redimido e

reconciliado, desfrutando então a comunhão trinitária e participando da vida

eterna divina70.

Conclusão

Do que vimos até aqui podemos dizer que, em Jesus, o homem pode

participar de uma realidade de comunhão com Deus que até então não era

possível, comunhão que ficou expressa nas suas atitudes, nas suas palavras que

constituem na revelação que Ele trouxe de Deus. Pois o substrato de tudo o que

Jesus fazia era a sua entrega amorosa a Deus, que serve de exemplo para todos os

homens, além de torná-la uma realidade viável a todos eles. É por isso que a fé

cristã se fundamenta na ressurreição de Jesus, relacionando-a com sua missão

terrena e a morte na cruz.

Assim a interpretação que Paulo faz da morte de Jesus como sendo

expressão do amor de Deus. É uma ação reconciliadora que produz, portanto, o

perdão e a libertação da culpa dos pecados. A reconciliação significa então

justamente a superação da oposição a Deus. Dessa forma na morte de Jesus é

67 Ibidem, p. 356. 68 Ibidem, p. 364. 69 Ibidem, p. 372. 70 Ibidem, p. 435.

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Deus Pai quem tem atuado para a reconciliação do mundo, permitindo-nos dizer

que o Pai e o Filho são sujeitos ativos na reconciliação.

Podemos concluir também que a história de Jesus antecipa o fim da história

da humanidade, pois ela realiza o futuro de Deus, realizando também o destino do

homem. Pois n’Ele o homem tem um modelo concreto de uma existência, que se

auto-diferenciando de Deus, não cai no pecado do fechamento egoísta, mas

permanece submisso a Ele, não se torna autônoma como foi o caso de Adão.

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Conclusão

Enfim, após fazermos o todo trajeto de nosso estudo podemos sinalizar a

importância da contribuição de Pannenberg para reflexão antropológica cristã e de

modo especial para o tema da imago Dei. A primeira questão que podemos

levantar para advogar a importância de sua reflexão é que na sua visão a

abordagem do tema da imago Dei deve ser mais ampla, pois conforme as suas

próprias palavras, para que haja uma abordagem cristã relevante sobre a realidade

humana é preciso que se leve em consideração algumas inter-relações

importantes, a saber: a antropologia, a doutrina da criação e a cristologia. Quando

se ignora algumas dessas questões, a fé cristã não consegue responder

satisfatoriamente às perguntas sobre a realidade humana.

Pudemos ver na sua abordagem a fecundidade que as inter-relações dão ao

tema da imago Dei e a realidade humana. Dessa forma a reflexão de Pannenberg

nos conduz a uma abordagem mais profunda como era feito pela Patrística, uma

abordagem que leva em consideração a complexidade humana, fato que hoje é de

suma importância pois evita uma abordagem cristã que despreze alguma dimensão

humana.

Essa postura pannenberguiana, além de nos levar à uma postura crítica em

relação à abordagem cristã da realidade humana, também nos desperta para a

necessidade de uma revisão em relação à ação evangelizadora da Igreja Cristã.

Pois sua reflexão desperta-nos para a influência do platonismo sobre a fé cristã,

influência que conduziu a um tão arraigado dualismo antropológico que produziu

e ainda produz na igreja uma evangelização e uma compreensão da vida cristã

reduzida à somente a dimensão espiritual da realidade humana.

Também podemos frisar aqui que a concepção de Pannenberg de uma

abordagem antropológica mais ampla nos mostra que hoje, levando-se em

consideração os resultados científicos, além de não podermos ignorar nenhuma

dimensão humana, também não podemos valorizá-las de forma desigual, porque a

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corporalidade e a razão humana estão arraigadas entre si e devemos entender as

duas como o substrato para a abertura do homem a Deus, ou seja, as duas

dimensões são importantíssimas para que o homem alcance o seu destino que é

desfrutar da comunhão com Deus.

Vale ressaltar aqui também que, ao se valorizar o homem inteiro, valoriza-se

a dimensão histórica do homem, permitindo-nos vê-lo como um ser inacabado.

Um ser que através da dinâmica da vida sempre deseja algo além do finito, algo

transcendente. Nessa questão a reflexão de Pannenberg é muito relevante, porque

mostra que mesmo sendo em parte condicionado pelo seu quadro existencial, o

homem permanece aberto e possuindo o substrato que faz com que ele caminhe na

direção de Deus, não havendo nada que possa retirar dele a dignidade com que foi

dotado na criação. Esse raciocínio de nosso autor mostra que a fé cristã não pode

ter uma postura neutra diante das afirmações das ciências humanas que desprezam

a abertura intrínseca do ser humano. E por conta disso não abordam como

deveriam o resultado do seu fechamento para Deus, visto que tal fechamento

conduz a uma terrível realidade, a miséria existencial.

A terrível realidade que vivemos entendida como fruto do fechamento do

homem a Deus, mostra que a solução é o exemplo da vida de Jesus Cristo, que

viveu a sua auteridade sem ofender a Deus, sem afastar-se d’Ele. Aqui também

sinalizamos outra importante contribuição de Pannenberg para a reflexão sobre o

tema da imago Dei, a ênfase na importância de enxergar que somente Jesus Cristo

faz com que o destino futuro do homem aconteça dentro da história humana.

Raciocínio que enfatiza a condição filial de Jesus como fator determinante para a

eficácia de sua encarnação salvadora. Assim seu pensamento leva-nos de volta à

ênfase cristológica dada por Paulo e pelos relatos neotestamentários que dizem

que em Jesus entrou algo novo na história, pois n’Ele o homem pode participar da

vida imperecível de Deus, uma participação que se dá através da vivência do

amor, ou seja, desfrutar da dinâmica do amor que existe desde a eternidade na

Trindade Santa.

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