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Richard Maxwell -- O fim da realidade e novos apontamentos para o teatro contemporâneo Laís Silveira de Jesus Orientação: Christine Greiner Monografia apresentada como trabalho de conclusão do curso de Comunicação das Artes do Corpo PUC 2011

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Richard Maxwell

-- O fim da realidade e novos apontamentos para o teatro

contemporâneo

Laís Silveira de Jesus

Orientação: Christine Greiner

Monografia apresentada como trabalho de conclusão

do curso de Comunicação das Artes do Corpo

PUC

2011

 

Richard Maxwell. Fotografia de divulgação do jornal Estado de São Paulo.

 

Gostaria de agradecer primeiramente minha orientadora, Christine Greiner, por

desde o primeiro ano do curso de Artes do Corpo sempre apostar nas minhas idéias e me

proporcionar provavelmente algumas das melhores aulas da grade de graduação.

Seguindo a linha dos “mestres” sou muito grata ao Chico Medeiros, Zé Rubens,

Gaby Imparato, Naira, Helena, Toscano, Gardin, Cassiano, Toshi, Ciça, Rosa, Lucio,

Samira e Miriam, professores que contribuíram, cada um a sua maneira, para a minha

formação como artista do corpo.

O apoio do SESC Consolação, onde fiz estágio durante 2010 e 2011 foi

fundamental no momento de concluir a monografia e, em geral, me proporcionou

experiências muito mais do que complementares a minha formação como profissional.

Agradeço em geral a generosidade e disponibilidade da instituição (realizadora do Festival

Internacional de Rio Preto de 2010, onde tive contato com o trabalho de Richard Maxwell)

em contribuir com a minha formação. Citando os nomes dos que, pedagogicamente, me

influenciaram mais nesse processo todo de “aprender a trabalhar”, Patrícia Piquera Vianna,

Flávia Marques, Flávia Bolaffi, Silene Amorin, Carol Ribas, Tiago, Juliano, Tathi,

Marcinho, Bruna Pedro e Vanusa Soares, muito obrigada pela confiança e credibilidade

que depositaram em mim nesses últimos dois anos, com certeza vivi experiências incríveis

e importantes em muitos aspectos.

E, como não foi fácil me agüentar nesse processo que, visto de fora, pareceu muito

mais doloroso do que prazeroso, gostaria de agradecer aqueles que mais me agüentaram:

José Luiz (e as constantes revisões e trocas de idéias sobre a monografia, muito obrigada

pai), Cleide e Luiz, minha família que mora comigo e agüentou meus horários “paralelos”

e humor pouco constante.

Também minhas amigas Marina Arruda, Sofia Osório, Paula Santos, Manuela

D’Albertas, Camilla Loreta, Julia Rechtman e Julia Ramiro, sempre compreensivas com a

minha falta de disponibilidade (e sempre super dispostas a comemorar até as menores

conquistas), principalmente nos momentos finais.

Luiz Paulo Xein, meu namorado que temeu por nós dois termos projetos muito

grandes e importantes a realizar durante o mesmo ano, conseguimos fazer o roteiro de

 

longa metragem e a monografia. Muito obrigada pelo apoio e pelas conversas, sempre bem

colocadas.

E a todo o pessoal da minha turma de Artes do Corpo, obrigada por todo diálogo e

troca durante o curso, independentemente do caminho que vamos seguir daqui pra frente,

sinto que nosso ponto inicial tem muito em comum. Estou ansiosíssima pelos projetos

finais de teatro e de performance-dança e pelos projetos de monografia!

 

SUMARIO

INTRODUÇÃO

1- Nada Mais é Faz de Conta

1.1 Richard Maxwell e o New York City Players

1.2 A linguagem de Richard Maxwell

2- “O fim da realidade”

2.1 O contexto da peça

2.2 Um exercício de tradução

Considerações finais

Bibliografia

Filmografia

Anexos

 

Introdução

A idéia desta monografia surgiu quando assisti a peça “Ode ao Homem que se

Ajoelha”, com direção e dramaturgia de Richard Maxwell, no Festival Internacional de

Teatro de Rio Preto em 2010. Senti um grande estranhamento do público formado

prioritariamente por integrantes da classe artística e críticos de teatro. Muitos teciam

comentários sobre a aproximação do espetáculo com clichês de teatro e, ao mesmo tempo,

com elementos do teatro contemporâneo absolutamente intragáveis.

Relacionar esse espetáculo com os conteúdos que estudei no curso de Comunicação

das Artes do Corpo tornou-se evidente e a partir de então busquei fazer contato com o

trabalho do New York City Players (NYCP). Eu queria tentar entender o que este trabalho

significava para o mundo, para os Estados Unidos e, principalmente para o contexto da

discussão teatral no Brasil, especificamente em São Paulo.

No ano passado, logo depois de assistir a montagem deste grupo no Festival

Internacional de Rio Preto, fiquei sabendo que o Club Noir estava em cartaz com três peças

do autor: “End Of Reality” (2006), “Burger King” (1997) e “House” (1998). Assisti aos

trabalhos e me intriguei profundamente com toda a temática e estética construída. O texto

da peça “End Of Reality” foi o que mais me impressionou e por isso logo entrei em contato

com o NYCP para encomendá-lo, uma vez que não havia sido publicado na coletânea de

textos do autor.

Nem sempre é fácil perceber o que queremos com uma pesquisa e com um objeto

de estudo. Durante o último semestre de 2010, na tentativa de entender melhor do que se

tratava essa monografia, levei elementos que identifiquei como chave (numa primeira

interpretação da obra), como a forma de interpretação, a idéia de trabalhar uma atmosfera

do interior para o exterior e vice-versa; e o próprio trabalho de Maxwell como um todo

para os meus trabalhos de Artes do Corpo.

Desenvolvi na disciplina Oficina Interdisciplinar em 2010 um estudo prático a

respeito de “desdramatização”, conceito que eu relacionava ao trabalho de Richard

Maxwell e definia como uma desconstrução de um drama, não um anti-drama ou o pós-

drama. Na prática, consegui uma pequena cena em que eu ficava com uma mão para cima,

num gesto com bastante poder dramático, por muito tempo até meu braço começar a doer.

 

Nesse momento as coisas ficavam mais pesadas e eu pesquisava relações entre dor real e

dor simulada e o impacto que essas duas “aparências” tinham na reação do espectador.

Jim Fletcher e Greg Mehrtern em “Ode ao Homem que se Ajoelha”. Fotografia

por Michael Schmelling.

Em uma das apresentações desses pequenos exercícios de pesquisa, a professora

Ciça Ono, que era responsável por escrever pequenos haikais que dialogassem com nossos

trabalhos e ajudassem-nos a consolidá-los, presenteou-me com os seguintes versos:

NADA MAIS

É FAZ DE CONTA

Os versos de Ciça tiveram bastante impacto na minha pesquisa, eu entendi que a

minha questão era o realismo e a realidade naquele momento, assim como a reverberação

destes na cena. Esse eixo de “realidade” foi bastante importante na minha pesquisa, tanto

teoricamente no trabalho de Maxwell quanto para a prática de um estudo acadêmico.

 

Sinto que no imenso guarda-chuva que se costuma chamar de “cena

contemporânea”, a discussão do real vem acompanhada de um estigma de antiquado, mas

existe uma ramificação do realismo que, levado ao extremo, pode nos levar a um

estranhamento próprio ao teatro contemporâneo. Não é fácil explicar esse sentimento, mas

de certa forma foi ele que me mobilizou a desenvolver esta monografia.

Logo no inicio da minha pesquisa identifiquei uma falta de bibliografia. A maioria

dos textos que li para o trabalho são em língua inglesa. O livro de Sarah Gorman,

pesquisadora que fez residência com o grupo e que foi minha maior referência, foi lançado

no começo do segundo semestre nesse ano e importado às pressas.

Assim, minha maior estratégia durante o primeiro semestre foi ver e rever o DVD

com a peça “Fim da Realidade” (End of Reality), descrever o que via e estudar o que eu

intuía que se relacionava com o trabalho. Dessa imersão na peça veio o desejo de traduzir a

peça, que começou como um trabalho extra-monografia e mais a frente foi incorporado

monografia. Nesses períodos iniciais, os professores me ajudavam muito compartilhando

referências, indicando textos e fazendo provocações que me levaram a construir uma

postura mais ativa-criadora sobre o trabalho.

Quanto mais eu me dedicava a esse trabalho de traduzir, mais entendia na prática o

que meus professores do curso, em especial minha orientadora, me falavam sobre uma

tradução ser sempre uma criação. Desde as escolhas de palavras, a escolha de manter ou

não uma pontuação, o trabalho de procurar referência que fizessem sentido para o leitor

brasileiro e, principalmente, a medida entre preservar o estilo de escrita do autor e construir

e afirmar meu estilo próprio, que tem cada vez mais o trabalho dele como referência.

No segundo semestre, com a tradução pronta, me deparei com o grande problema

de não ter quase nada substancialmente escrito a respeito do Richard Maxwell. Precisava

transformar meu trabalho artístico de tradução em um trabalho acadêmico. Minha maior

vontade naquele momento era partir para a sala de ensaio e fazer uma leitura do texto com

atores e não-atores, filmar, editar e ter como material a ser avaliado na minha monografia.

Mas precisei encontrar foco e entender que a minha rotina de estudante e estagiária do

SESC não me permitia fazer aquilo naquele momento. A pesquisa formal sobre o trabalho

do encenador seria uma parte do meu percurso até conseguir levar o trabalho para a prática.

 

Organizei meus rascunhos e ainda tinha pouca coisa. A falta de bibliografia me

deixava preocupada com uma possível superficialidade e com pouca confiança a respeito

do que iria afirmar assertivamente em meu trabalho acadêmico.

No meio de setembro, fiquei sabendo pelo boletim mensal do New Dramatist,

associação de dramaturgos que Richard Maxwell faz parte, que uma pesquisadora que fez

residência com o grupo acabara de lançar um livro sobre suas experiências. Importei as

pressas o livro de Sarah Gorman, que me deu a confiança de saber que falávamos muito

sobre as mesmas questões. A sua pesquisa me aproximou muito do método do diretor e me

fez entender o contexto em que ele se insere em relação a outros encenadores

contemporâneos americanos.

Assim decidi redigir inicialmente um capítulo destinado à contextualização e uma

reflexão preliminar acerca do trabalho de Richard Maxwell e o NYCP; e em seguida um

segundo capítulo apresentando uma breve análise de alguns pontos importantes da peça

“Fim de Realidade”, acompanhada de uma tradução de minha autoria.

10 

 

Capítulo 1

Nada Mais é Faz de Conta

Brian Mendes, Anna Kohler, Jim Fletcher e Greg Mehrten em “Ode ao Homem que se

Ajoelha”. Fotografia por Michael Schmelling.

11 

 

1.1 – Richard Maxwell e o New York City Players

Em termos metodológicos, parti da leitura de diversas críticas nacionais e

internacionais escritas a respeito de peças de Richard Maxwell e do New York City

Players. Como mencionei anteriormente, muitas delas foram agrupadas no livro “Richard

Maxwell and The New York City Players” (2011) escrito pela pesquisadora e residente do

grupo, Sarah Gorman. Em seguida, tentei fazer a minha própria análise das obras que

assisti ao vivo e em DVD, assim como das peças que li. Esta me pareceu a forma adequada

para contextualizar meu objeto de estudo e, com isso, aproximar o leitor do universo e das

relações nas quais Richard Maxwell está imerso.

Antes de mais nada é preciso dizer que o New York City Players (NYCP) é um

controverso grupo de teatro que existe há cerca de dez anos com sede no Brooklin em

Nova Iorque e vem sendo reconhecido, cada vez mais, internacionalmente. O grupo já

viajou para a Alemanha, Itália, Inglaterra, Argentina, Bélgica, Canadá, Irlanda, França,

Holanda, Áustria, Rússia, Eslovênia, Estônia, Suécia, País de Gales, Islândia e finalmente

ao Brasil pela primeira vez em 2010. Os motivos para tanta controvérsia ficarão claros na

medida em que apresentar as principais questões.

Richard Maxwell nasceu em 1967 em Fargo, estudou interpretação na Illinois State

University, e em 1991 fundou com os colegas da faculdade e amigos do Steppenwolf1,

Gary Wilman, Brian Mendes e Kate Gleason o The Cook County Theater Departament

(CCTD). Dessa primeira organização pode-se dizer que saíram os primeiros esboços do

que viria a ser o trabalho autoral de Maxwell no NYCP. Sarah Gorman, pesquisadora

residente do NYCP, aponta como motivo para a ruptura do diretor com o CCTD não só a

vontade de poder trabalhar com mais autonomia2 mas também com uma visão que o diretor

tem de história que é diferente do resto do grupo, e referências que não são compartilhadas

por todos. 

                                                            1 The  Steppenwolf Theatre Company  foi  fundada em 1974 por Gary  Sinise, Terry Kinney e  Jeff Perry no porão  de  uma  igreja  em  Illinois.  Hoje  em  dia  a  companhia  está  instalada  em  Chicago  e muitos  atores renomados passaram pelo grupo, entre eles John Malkovich. No repertório de dramaturgos  já encenados pelo grupo estão Tennessee Williams e Sam Shepard.  

2 Maxwell diz que o pressuposto de se  trabalhar coletivamente de  ter que se decidir  tudo por votos em unanimidade era anti democrático. 

12 

 

Em 1997 Maxwell rompe com o CCTD, porém, mesmo partindo para uma trajetória de

direção mais autoral, Maxwell continua trabalhando com os colegas, que já foram

convidados para montagens do NYCP: Gary Wilman atua em “Billings”(1997), “House”

(1998) e “Boxing 2000”(2000); Brian Mendes em “Joe” (2002) e “End of Reality” (2006)

e Kate Gleason participou da versão original de “Flight Courier Service” (1997) e “Burger

King” (1997). Os companheiros sempre estiveram presentes, porém nessa fase são

convidados a participar dos trabalhos do diretor. 

Gorman considera que a prática metodológica de Maxwell é bastante autocrática. Assim,

quando Maxwell inaugura o NYCP consegue ocupar o lugar de diretor e autor teatral, dado

que delineou muito sua carreira a partir disso. Maxwell ganha Guggenheim Fellowship3,

OBIE Award4, e desde 2009 é dramaturgo residente no New Dramatists, fundação criada

em 1949 que possui um acervo de obras de mais de 600 escritores de teatro.

Em 2004 o autor publicou pela editora Theatre Communications Group sua primeira

coletânea de peças, “Plays, 1996-2000” com as dramaturgias de suas primeiras peças

encenadas: “Champions of Magic”, “Billings”, “Superintendents”, “Flight Courier

Service”, “Burger King”, “Ute Mnos v. Crazy Liquors”, “Debate”, “House”, “A-1 Rolling

Steak House”, “Showy Lady Slipper”, “Caveman” e “Boxing 2000”.

Quando questionado pelo jornal O Estado de São Paulo (julho, 2010) sobre seu papel no

cenário artístico e político atual, Maxwell respondeu:

“Espero ter algum impacto formal no que está acontecendo. Porque você pode ter um

teatro político, um teatro, por exemplo, que fale do sofrimento em Guantánamo, e isso é

válido. Mas uma coisa que não vejo ser questionada é o jeito como o entretenimento é

automático. Ninguém está falando sobre a forma, sobre o jeito como uma história pode ser

contada. Você me perguntou sobre influências. O punk rock - a atitude de ter alguém que

mal sabe tocar um instrumento em cima de um palco, fazendo música com o coração dela

isso me parece importante, isso me move. O que aconteceu no punk é formal. E é isso que

eu acho que as pessoas podem tirar do que eu estou fazendo”.

                                                            3 Trata‐se de uma bolsa de estudos na área de artes  concedida pela  John Simon Guggenheim Memorial Fundadation  (1925). A bolsa  foi concedida para Richard Maxwell em 2010 e está dentro da categoria de estudos “Artes Criativas: Drama e Performance” e pode ser visualizada no site da Fundação. 

4 A sigla OBIE é uma abreviação de Off‐Broadway Theater Award e  trata‐se de uma premiação  feita pelo jornal The Village Voice. 

13 

 

O encenador associa, portanto, a produção artística do punk rock com o seu teatro

justamente por esse aspecto da acessibilidade, ainda trazendo à tona discussões a respeito

da autoridade que é conferida aqueles que alcançaram técnicas virtuosas de expressão

artística, mecanicizando o processo de estar em cena e expor-se. O autor também critica os

modos como a arte anda se submetendo ao mercado e à indústria, sendo, a seu ver, o

imediatismo da técnica um dos responsáveis por essa submissão. Não sem motivos, o

NYCP valoriza a cena mais ligada à expressão do que à interpretação verossímil tida como

“melhor”.5

A imagem de uma pessoa com poucas habilidades técnicas, escolhendo e tendo a

possibilidade de subir num palco e dizer o que sente e pensa é algo que Maxwell enxerga

com poesia e autenticidade e tenta transpor ao seu universo teatral, com as convenções e

especificidades que a ele são conferidas.

Em sua obra, o entendimento do teatro como ambiente onde o ator-performer ganha

a autonomia das palavras, certamente dissocia a idéia de técnica (tradicional) e de

convenção, onde a primeira é tida pelo encenador como um treinamento para lidar com a

exposição e o segundo são as regras que o jogo teatral propõe, como palco, personagem,

encontro e dramaturgia.

1.2 – A linguagem de Richard Maxwell

O teatro de Richard Maxwell é um teatro da palavra, e não da imagem ou do ator.

Nos últimos anos, podemos ver que a tendência do teatro é cada vez mais abandonar a

“hierarquia” onde o diretor se submete ao autor e o ator se submete ao diretor.

                                                            5 Em atividade formativa no FIT Rio Preto 2010, uma atriz que faz parte do elenco de “Ode ao Homem Que 

Se Ajoelha” relata que começou a fazer teatro com Richard Maxwell, fez trabalhos com outras companhias 

e depois  voltou  a  trabalhar  com o  grupo, e  sente que o  tipo de  energia que o NYCP utiliza  é outra,  as 

técnicas convencionais não funcionam.  

 

14 

 

Jacó Guinsburg, em seu texto “Diálogos sobre a Natureza do Teatro” explica, em

forma de diálogo entre um aluno e professor, um pouco sobre esta relação entre atores,

diretores e texto ao longo da história:

“PROFESSOR: Foi a modernidade que trouxe novos e diferentes modos de abordar

a relação texto-teatro, até porque justamente em nosso século, ao mesmo tempo em que se

acelerou o processo de atrevido abandono dos caminhos batidos da tradição, o teatro em

ato - embora a cena já tivesse perdido o cetro de que dispunha como meio de

entretenimento de massa – ganhou, de fato, um status artístico e formal reconhecido

esteticamente como tal”. (Guinsburg, 2001: pag.26 ).

A primeira teorização formal sobre teatro é a “Poética” de Aristóteles no século IV

a.C. e nesta obra encontramos os primeiros escritos sobre dramaturgia, ação, atuação,

música e as formalidades do teatro convencional. Aristóteles descrevia o que era tido como

bom e mau teatro, dando enfoque principal para o gênero trágico e comentando montagens

de dramaturgos do seu tempo. Esta obra teve muitas releituras no discorrer da história e no

renascimento francês chegou até a ser seguida como cartilha por órgãos ligados ao estado

para censurar obras teatrais.

No senso comum, a concepção de teatro tradicional, muito alimentada pelas leituras

fragmentadas da teoria teatral de Aristóteles6, o texto é a lei maior e os atores devem falar

de maneira “impostada”. Isso nos remete a um estilo específico de interpretação. No século

IV a. C., ainda não existe a noção de encenador, já que encenar uma peça é apenas lê-la

para uma platéia. Assim, um bom ator é aquele que fala bem seu texto, um mau ator não o

decora e não tem boa dicção.

Nos últimos anos do século XIX com André Antoine (1858-1943), tido como o

primeiro encenador7, surge a noção de encenação teatral e uma verdadeira revolução

                                                            6 A maioria das pessoas tem acesso apenas à “Poética” de Aristóteles e, nem sempre, a traduções confiáveis o que banaliza e simplifica a extensa obra desse autor. 

7 Antoine fundou o Théâtre Libre em Paris em 1887. 

15 

 

acontece, fazendo com que o teatro, antes arte do autor, seja reconhecido como a arte do

ator. Com essa “virada”, estilos que dão mais peso a improvisação e, muitas vezes usam o

texto apenas como pretexto para a encenação, são os mais valorizados.

Com o teatro considerado como a arte do ator, há quem diga que uma peça de teatro

no papel, antes tida como literatura, refere-se principalmente a um roteiro para encenação.

Hoje em dia inclusive, julgo que como reflexo dessa origem de pensamento sobre

dramaturgia teatral, em muitas bibliotecas, o gênero teatral não está dentro do gênero

literário como romances, ficções ou dramas, e sim numa categoria isolada, como se tratasse

de diálogos e indicações que só adquirem valor artístico quando encenados.

Portanto, com a hiper-valorização do papel do ator, em certos circuitos parece

diminuir a cada dia a importância do texto e também os outros componentes da cena, como

a iluminação, cenografia e música.

Alguns pensadores do teatro foram contra essa tendência, como Adolphe Appia

(1862-1928) que pensou muito na cenografia e iluminação de teatro, preconizando o palco

vazio e a luz aguçando a imaginação da platéia. Appia foi o precursor do uso da

iluminação na cena e fez dela o elemento mais importante de seu teatro8, preconizando o

esvaziamento do palco e lutando por um teatro onde o imaginário do espectador fosse

construído pelo espaço cênico.

Podemos concluir que Appia influenciou grupos contemporâneos do pós-segunda

guerra mundial que trabalharam com uma linguagem mais visual, com peças às vezes sem

diálogos falados e se aproximando muito da linguagem da dança ou das artes visuais,

trabalhando com o corpo, a luz e o figurino como matéria de arte em cena.

Assim, o embate entre teatro e texto, numa realidade que já tem como dado

histórico a supremacia do ator ou do autor, segue para um outro patamar de discussão.

Como pontua Guinsburg:

“Certo, mas é exatamente aí que se desenha uma nova questão: até que ponto essa

verdadeira intromissão no texto original antigo ou atual, não afeta sua organicidade e não

                                                            8 Appia não chega a montar nenhuma peça, sua contribuição para o teatro se deu em escritos teóricos, projetos de cenário, direção e maquetes. 

16 

 

leva à sua morte poética ou estética? [..] É evidente que, havendo consciência disso, pode-

se trabalhar um texto, como se tem feito nas encenações modernas, em muitos sentidos, até

na contramão – o cultuado “anti”, em torno de cujas fogueiras votivas dançam hoje

freneticamente tantos caciques e índios da taba cênica. Celebração antropofágica e às vezes

altamente criativa, ela manipula elementos da obra de modo a fazê-los refluir e refletir

sobre si próprios, projetando uma significação segunda, que não é a da fonte”. (Guinsburg,

2001).

O trabalho de Richard Maxwell não carrega esse embate entre diretor e autor, pois

ele mesmo escreve suas peças, porém, a tensão entre o texto escrito e seu encontro com o

ator e suas questões pessoais existe como fruto de criação da obra apresentada.

Durante o processo, Maxwell reescreve o texto de acordo com o que percebe da

riqueza da tensão do encontro, porém o texto não é abandonado nem tido como pretexto

para a encenação. Ele é decorado e tido como elemento fundamental assim como o ator em

cena. Desfazem-se as hierarquias.

É importante notar que a palavra de Maxwell é uma palavra musical, sonora, sendo

o som das palavras muitas vezes substituto do movimento corporal em cena. A lógica da

disposição das palavras, tanto nos diálogos, monólogos ou músicas, é da ordem da poesia e

não da prosa: a poética do encenador escolhe palavras não só pelo seu sentido cotidiano,

mas cria outros sentidos e dá espaço para a musicalidade.

A dramaturgia desenvolvida carrega um rigor inegável, assim como a cenografia,

que em geral se limita a bancos, cadeiras e mesas emprestadas da realidade. De

composição bastante estanque, cheio de pontos finais e reticências, pouquíssimas vírgulas

e interrogações, os textos de Maxwell não têm ritmo fluido apesar de serem escritos em

prosa e com vocabulário bastante casual, com muitos monólogos e não apresentando quase

nenhuma indicação de ação em sua maioria. Isto dificulta a comunicação das personagens.

Maxwell é quem geralmente dirige suas próprias obras. As peças escritas, apesar

de terem narrativa e pausas claras, deixam espaços de ação a serem preenchidos pelo

encenador ao omitir quase que por completo as rubricas, tendo como resultado final uma

abertura para o olhar do encenador.

17 

 

A ligação dos trabalhos da companhia com a música é muito clara, redefinindo o

que chamamos de musical, ou seja, distanciando-se dos modelos cultuados da Broadway e

criando o que eles chamam de anti-musical, músicas com letras e melodias com poucos

elementos que carregam sua poéticas justamente pela acessibilidade.

A iluminação dos trabalhos do NYCP é bastante geométrica, delimitando linhas e

formas retas no espaço. É também monocromática. Por isso muitas vezes é usado apenas

um refletor móvel que joga com o desenho das sombras dos atores ou uma geral que às

vezes apaga e acende durante a peça, fazendo black outs que são muito utilizados como

elemento para mudar a atmosfera da composição e utilizando o que se vê e do que não se

vê visualmente em cena como metáfora do processo criativo e da vida.

O fator determinante do trabalho que vem sendo reconhecido pela imprensa como

diferente da cena contemporânea é a direção dos atores. Estes são conduzidos para chegar

o mais próximo possível da representação da inexpressividade devido ao trabalho com o

texto feito pelo diretor de arte da companhia. Maxwell declara que não quer que seus

atores representem. Em busca do verdadeiro sentido da emoção, os intérpretes dialogam

em um tom bastante monótono, deixando que o texto e a situação os afetem em camadas

que muitas vezes são invisíveis, debochando da tradição teatral da expansividade das

reações e do trabalho das ações físicas em cena ao criar não só um anti-musical como um

verdadeiro anti-espetáculo e tendo em vista como se entende espetáculo no senso comum.

Nos últimos trinta anos, Maxwell preocupou-se com a vida dos trabalhadores. Uma

boa parte de seus trabalhos mostra personagens que, muitas vezes meditam

monossilabicamente sobre questões de destino, fé e oportunidade numa cultura

competitiva. Peças como “House” (1998), “Boxing 2000” (2000), “Drummer Wanted”

(2001) e “End Of Reality” (2006) dramatizam a confusão causada pela ilusão de liberdade

e autonomia e aludem para as diferentes maneiras com que a raça, economia estabelecida,

localização geográfica e classe social modificam o senso de liberdade e oportunidade dos

seus personagens. Ironicamente, os críticos raramente falam sobre esse caráter da obra de

Maxwell, num encontro com o trabalho experimental do diretor eles costumam se ater ao

que chamam de “assinatura do diretor”, no seu “estilo”.

A sua performance contida é o que traço que os críticos consideram mais inovativo.

Wayne Alan Brenner incluiu em sua crítica da peça “Drummer Wanted” uma frase que

18 

 

ouviu da platéia depois do espetáculo “it’s kind of like really bad acting, but on purpose”,

que seria em português: “é como se fosse realmente uma má atuação, mas de propósito”.

Esse foi o comentário que também ouvi de colegas da universidade quando mostrei o vídeo

gravado da peça “End Of Reality”.

Maxwell já explicou que toma cuidado para não forçar os atores a se emocionarem

nem emocionarem a platéia. Mas ao mesmo tempo o diretor diz que essa sua instrução não

é dada no sentido de desencorajar o engajamento emocional. Em entrevista com Bonnie

Marranca em 2002, Maxwell diz que como ele percebe, não é uma questão de como o

personagem é no palco, e sim de como você é no palco como ator.

Respondendo sobre as implicações da sua performance não-psicologicamente

motivada, ou “deadpan” (sem expressão) Maxwell admite que:

[...] sim [no contexto do teatro] talvez seja sem expressão; e sim, eu posso ver que

pode parecer sem efeitos, mas não em comparação à vida real, apenas em relação com as

peças que as pessoas viram antes; inconsistente não com a realidade mas apenas em

relação com a história do teatro. (Maxwell, apud Gordon 2011 pag31.).

O encenador, mais uma vez, insiste em localizar seu teatro em relação à realidade e

em relação à história do teatro, assim tirando a arte de um pedestal onde se relaciona

apenas consigo mesma e com artistas e relacionando a arte com outros aspectos da vida, da

relação entre as pessoas e dos fenômenos.

Em 2010, quando o NYCP veio ao Brasil para participar do Festival Internacional

de Teatro de São José do Rio Preto com o trabalho “Ode ao Homem que se Ajoelha”,

foram feitas duas entrevistas com o diretor da companhia para jornais de grande

visibilidade em São Paulo. Marcos Grinspum Ferraz da Folha de São Paulo9 focou suas

questões em como o diretor enxerga seu trabalho na cena contemporânea, quais são suas

referências e intenções. Discutiu também a forma “estranha” de interpretação dos atores,

que aparentemente pouco se comovem, e como ela é alcançada em termos de metodologia

de trabalho. Já Roberto Alvin, diretor da Cia. Club Noir, que entrevistou Maxwell para o

                                                            9 Ver Anexo 1. 

19 

 

Estado de São Paulo10, buscou respostas para traçar a trajetória do entrevistado como

encenador e sua linguagem.

Maxwell busca uma cena com grande poder dramático que tem a ver com a sua

habilidade em fazer com que as coisas pareçam como não deveriam, estando no lugar

errado ou num espaço descolado com emoções desconhecidas, mas sempre tendo como

proposta provocar esse estranhamento à realidade, ao invés de investir na forma tradicional

de como fazer teatro. Ao tecer considerações ao que se chama de “realismo” o diretor

afirma que é um estilo e não uma categoria, o realismo não é uma tentativa de parecer real,

fiel e honesto, e sim o momento em que estamos. Para ele o realismo tem como eixo

norteador do trabalho o caráter efêmero do teatro e o fato de que existe uma platéia de

pessoas assistindo outras pessoas contarem uma história.

O dramaturgo revela que um dos fatores determinantes que marca a sua vontade de

comunicar com o público foi o atentado às torres gêmeas de 11 de setembro, que

simbolizou a guinada definitiva de sua carreira. A partir de então ele deixou de se sentir

satisfeito com o silêncio perante as questões que realmente importam. Assim, sua obra

tenta ser racionalmente precisa ao comunicar de maneira subjetiva, não com explicações

excessivas, mas tentando eliminar as imprecisões dramatúrgicas ou ideológicas, sempre

mantendo o mistério, que o diretor julga ser um dos elementos mais importantes das artes.

Como será detalhado no segundo capítulo, a peça “Fim da Realidade” trata muito

dessa situação de perigo constante e da existência de um inimigo com valores diferentes e

incompreensíveis, discussão que inevitavelmente nos remete ao 11 de setembro e ao

terrorismo.

Tomando como pressuposto que a linguagem organiza, de fato, uma forma de vida

e uma elaboração da realidade, podemos concluir que autores contestadores como Richard

Maxwell têm como intenção reformular o modo como as pessoas vêm a vida, a maneira de

pensar do homem do nosso tempo.

Assim, quando artistas criam formalmente linguagens próprias, estão criando

poéticas que proporcionam novas maneiras de nos relacionarmos com a vida, com a

realidade.                                                             10 Ver Anexo 2. 

20 

 

Quando Maxwell propõe um exercício com sua linguagem, está criando um jogo

com regras estabelecidas por ele. O palco não é mais um lugar de ilusão, como se pode

julgar, e sim um lugar onde se constrói uma nova poética autoral através da elaboração de

um universo novo por parte do autor. (Alvim)

Quando Maxwell suaviza o peso da ilusão na cena, estamos deixando de lado a

metáfora de cena como “espelho da vida” e propondo que o teatro seja uma reflexão sobre

o real, sobre como o homem percebe a realidade, partindo do pressuposto que o real é uma

construção e não uma experiência coletiva.

O silêncio, a pausa e a suspensão também são estratégias muito utilizadas, criando

por meio de poética e não discurso o vazio e o isolamento. Em cena, esses momentos se

dão com momentos de silencio de fato, escuridão, verborragias incompreensíveis e

trabalho de voz.

Herança do Teatro Épico de Bertolt Brecht, a narrativa também é utilizada como

recurso de distanciamento, fazendo com que o público embarque numa história além da

cena, do ator e das questões narrativas aparentemente propostas.

A discussão sobre o real também está viva. O que é realidade na cena? O que é

construção? A realidade é assim e eu não noto? O figurativo, próprio do teatro

naturalista/realista, é utilizado como ferramenta fundamental de linguagem. É um lugar

muito visitado, mas abordado com cuidado para que o figurativo não impere sobre o

espaço criativo, o que é, numa análise de Roberto Alvim (2011, pag. 111), o grande perigo

quando aproximamo-nos deste lugar.

Podemos observar que Richard Maxwell, como artista, posiciona-se em relação às

questões globais, mesmo que tenha uma visão intransigentemente americana quando

escolhe seus temas como o estilo de vida americano, as redes de fast-food e terrorismo, não

questiona a ideologia capitalista e sim o governo atual e a desigualdade, mostrando uma

visão crítica de sua realidade. Seu trabalho contextualiza-se num território híbrido entre o

teatro e a performance, demonstrando um comprometimento com a prática e escrita teatral

contemporânea. A presença de músicas em seu trabalho evidencia a influência da música

country e do rock americano. As suas músicas às vezes não dependem das peças para

serem veiculadas, Maxwell já lançou dois CD’s “Showtunes” – cantadas pelos atores das

21 

 

peças (1999) e “I’m Felling So Emotional” (2002). As músicas tendem a funcionar como

um complexo emocional sem dependência dos personagens. Personagens aparentemente

monossilábicos encontram nas músicas a possibilidade de comunicação e da articulação

das idéias. O conteúdo dessas músicas muitas vezes contrasta com os diálogos hostis e

intimidadores. Esse diálogo permanente entre a linguagem falada, a linguagem cantada e a

linguagem do não-dito traz riqueza para o trabalho do encenador, que acaba por criar com

essa diversidade, metáforas de seres humanos com camadas distintas.

Entre as referências11 de Maxwell estão o coletivo The Wooster Group, fundado na

década de 1970 pela ex-discípula do diretor Richard Schechner12, Elizabeth LeCompte

(1944). Não cabe aqui no contexto desta pesquisa detalhar as inovações propostas pelo

Wooster Group. No entanto, é sabido que o seu impacto foi importante para todos que

participavam da cena teatral nos anos 1970 e que estavam interessados em propor uma

nova linguagem e novos modos de comunicação com o público. O próprio Richard

Schechner, por exemplo, atribui a este grupo, uma grande responsabilidade pelo modo

como veio a formular as contaminações entre o teatro e a performance. Um dos pontos

principais é a mestiçagem das linguagens, especialmente entre cinema e teatro, no sentido

de se repensar a questão da representação.

O Wooster Group tem como estratégia importante o diálogo com outros meios de

comunicação como o cinema e a televisão, com montagens que apresentavam até o próprio

aparelho de TV em cena simultaneamente com os atores e cenas. A palavra também tem

papel bastante importante no trabalho desse grupo, em que muitas vezes os atores usam

microfones em cena como extensão do próprio corpo.

Richard Maxwell ganhou de seu pai quando tinha quatorze anos uma coleção com

peças do dramaturgo americano Sam Shepard (1943), e diz que ficou encantado pela

linguagem crua, irreverente e honesta do autor. Não por acaso estes são adjetivos muitas

vezes utilizados para descrever o próprio trabalho de Maxwell. As semelhanças estão na

importância que os dois autores dão aos traços da cultura popular americana. Shepard,

                                                            11 Em nota rápida no site oficial do NYCP publicada em outubro de 2011 é anunciado que atualmente o NYCP e o The Wooster Group estão trabalhando numa obra conjunta. 

12 Schechner (1934) é professor e um dos idealizadores do curso de Estudos da Performance na Tisch School of The Arts da Universidade de New York e fundador do grupo The Performance Group. 

22 

 

além de ter escrito muitas das peças que dirigiu, também compõe musicas especialmente

para cena, assim como Maxwell.

Shepard traça, em sua obra, um arquétipo do cowboy, que acaba soando muito

como uma investigação do o que é ser um homem (macho) americano, sugerindo que a

postura “heróica” dos cowboys, dos pais e dos filhos perpetuam um machismo violento e

arrogante, que seria um traço importante da cultura americana que acaba levando a

sociedade a sua auto-destruição.

Um traço importante que diferencia Maxwell de Shepard é que os personagens do

primeiro autor tendem a sublimar as emoções, ao contrário das personagens de Shepard,

que usualmente as “explodem”.

O cineasta Spike Lee (1957) também aparece como referência para o trabalho de

Richard Maxwell. Lee, que começou a produzir seus primeiros filmes também no Brooklin

no final dos anos 1970, tem como temática importante o racismo e procura não explicitar e

eliminar os maniqueísmos a que estamos tão acostumados a pensar, como “branco” e

“negro”, “pobre” e “rico” entre outros. Este diretor, roteirista e produtor de cinema também

tem uma relação bem forte com a música. Seu pai tocava jazz por isso, em seus estudos

sobre os guetos de Nova Iorque acabou se interessando bastante pela possibilidade de

permear seu cinema de jazz.

Podemos perceber uma influência de Spike Lee também no que se refere à

temática. Maxwell se interessa em investigar a identidade racial do povo como podemos

indentificar na própria dramaturgia de “Fim da Realidade”, quando dá-se a entender que o

fenótipo de uma pessoa evidencia de onde ela veio e como ela será tratada:

“1: África, certo?

4: Ohhhh!!!

1: não é de lá que todos nós viemos?

3: o que? Que merda você disse?

1: eu disse que todos nós viemos da África, de qualquer maneira.

4: Oh!

23 

 

3: isso está certo? Ei... (chega perto dele) eu não vim da África. Olha pra mim. Parece que eu vim da África?

1: Bom...

3: Não não não. Deixa eu falar. Eu não vim da África. Você entendeu?”

(Richard Maxwell, 2006)

Ainda tendo o cinema como referência, Maxwell cita David Lynch (1946) como

outra marca importante em sua obra. Lynch é parceiro de Maxwell na busca pelas “formas

diferentes”, utilizando-se de elementos de impacto para criar atmosferas inusitadas e

também no diálogo entre as mídias: Lynch em sua carreira enveredou-se não só pelo

cinema, mas também pela pintura e televisão.

Em seu livro “Em Águas Profundas: Criatividade e Meditação” (2008), Lynch

afirma que pretende desmascarar a sociedade com sua arte e aponta Federico Fellini (1920-

1993) como um de seus mentores. Julga-se um expoente do realismo pois não condena a

sociedade em si, e sim o que se esconde por trás, essa combinação entre o visível

(consciente) e o invisível (inconsciente) é, para ele, a realidade.

No teatro, Maxwell identifica-se com os dramaturgos Harold Pinter (1930-2008),

Joe Orton e Richard Foreman, autores que ele descreve como mais interessados em

descobrir quem são do que em adivinhar o que o público espera ver. Maxwell diz que não

consegue dialogar com autores e obras que julga estarem muito distantes dele e de sua

realidade, como Shakespeare. E espera contribuir para o teatro contemporâneo ao

questionar as formas de se contar uma história e como as maneiras de entretenimento estão

automatizadas.

Esse “anti-espetáculo” é uma construção sintética carregada de um tom político de

denúncia ao processo técnico-comercial-criativo e à complexidade inacessível do teatro

intelectual. Ao invés disso, adota temas e linguagem com matrizes no cotidiano concreto,

lutando para fugir dos lugares comuns do teatro tradicional e contemporâneo, abrindo

espaço para um teatro verdadeiramente despadronizado e desterritorizado.

Pode-se encontrar nos trabalhos de Maxwell elementos aparentemente

contraditórios e estratégias paradoxais que desafiam a nossa concepção de como funciona

o teatro. Apesar do trabalho apresentar claramente vários elementos tradicionalmente

24 

 

teatrais tal como texto, atores representando personagens e o papel do diretor claramente

definido, é difícil acreditar que trata-se de uma peça de teatro.

Maxwell utiliza o termo “core being”, que traduzo como “cerne do ser”, para

identificar o que ele busca da perfomance de um ator. O cerne do ser seria o que resta de

uma pessoa quando esta liberta-se de suas máscaras sociais. Maxwell procura uma

autenticidade muito grande em seus atores, uma fidelidade com a realidade e com a

verdade da própria interpretação, buscando uma representação autêntica, também

admitindo que existem alguns momentos ou situações efêmeras e irreproduzíveis. Esses

momentos tão específicos podem ser reconhecidos em seus trabalhos encenados da

maneira com que os atores os representam.

Quando Roberto Alvim pergunta ao encenador, durante a sua vinda para o Brasil

para o Festival Internacional de Teatro, a respeito do método tradicionalmente utilizado

nos Estados Unidos para preparação de atores, o Actors Studio, Maxwell responde:

“Acho que o método de direção de atores que predomina hoje nos EUA não tem

muito a ver com essa idéia de transe ou da incorporação de um personagem. Isso se

transformou em algo muito mais pragmático, muito mais próximo da lógica da indústria. A

indústria quer que você finja, eles acham que representar é necessário para se contar uma

história, e eu, não. Eu digo aos atores: você não tem de representar. Só tem que viver a

situação de interpretar uma peça para uma platéia”.

Nesta fala, o encenador questiona o método hegemônico de interpretação que é

utilizado não só nos Estados Unidos quanto tem sido reproduzido mundialmente.

Como é bem sabido, a origem do método utilizado por esta escola vem da teoria

que o russo Constantin Stanislavski (1863-1938) formalizou em “A Preparação do Ator”

(1964), “A Construção da Personagem” (1970) e “A Criação do Papel” (1972), tornando-se

um dos primeiros a escrever objetivamente sobre a tão falada “arte do ator”.

Stanislavski dedicou-se à construção de um método de interpretação dos papéis

muito detalhista. O processo de construção do personagem é fundado em pesquisa e

experiências próprias do ator. Explora a relação do ator com o meio. Ao representar, o ator

revive as experiências trabalhadas no treinamento, que trata, fundamentalmente, da

25 

 

repetição de ações físicas cujo objetivo é proporcionar ao ator um acesso mais rápido às

emoções que devem acontecer no palco. Daí a “incorporação da personagem”.

Quando Maxwell fala de transe, refere-se ao Teatro da Crueldade de Antonin

Artaud (1896-1948), que representa um outro aspecto dos métodos de treinamento do ator

que tem sido bastante valorizado no teatro contemporâneo pela atualidade das questõess

propostas13.

O teatro de Artaud é sempre movido por uma tensão enorme. Fazendo uma

analogia entre o teatro e a alquimia, Artaud acreditava que fazer teatro era dramatizar a

manipulação da matéria, transformar a energia grosseira em energia sutil. Isso foi uma

grande revolução nas esferas da arte e da vida, teatro e ritual.

O Teatro da Crueldade aposta na transformação que o teatro realiza, na alteração de

energias dos três mundos: o físico, o afetivo e o intelecto. Artaud enxergava o teatro como

um “delírio comunicativo”, apostando no caráter lúdico da encenação e se desviando da

concepção de arte fechada nela mesma, sempre visando que suas ações comuniquem algo,

mas não negando o aspecto de “transe” que nele está envolvido. (Artaud, 2006: 102)

Richard Maxwell aponta ainda para um aspecto importante da contemporaneidade:

a indústria e o mercado. Estes não podem ser ignorados quando se trata de processos em

arte hoje. O foco nem sempre aponta para a perspectiva do ator, nem para a do encenador,

do texto ou da indumentária e sim para as necessidades do mercado.

O que Maxwell propõe é que representar não é importante para contar uma história.

Sua busca por realidade e autenticidade faz com que sua instrução para os atores seja a de

“viver a situação de interpretar uma peça para uma platéia”, instrução que não nega a

representação, mas aponta para um momento anterior a ela: quando o ator é antes de ser

ator uma pessoa.

“As escolas americanas de interpretação dedicam muito tempo ajudando os atores a

lidar com o medo da performance... dizem para eles não deixarem a ansiedade aparecer.

Pessoas que não tem treinamento de ator também copiam esse tipo de instrução, mas para a

                                                            13 Durante a graduação não tive a oportunidade de aprofundar a pesquisa sobre Artaud, por isso ela aparece aqui apenas pontualmente e em função da obra de Maxwell. 

26 

 

vida. Eu estou interessado em como as pessoas copiam o que eu digo para elas fazerem.”

(Maxwell apud Gordon 2011).

O trabalho de treinamento de Maxwell também lida com a dificuldade de preparar

atores e não atores. O desafio dos atores é se desprenderem do seu treinamento anterior, e

dos não atores é testar o comprometimento deles com o projeto questionando o que eles

esperam e desejam obter da experiência de estar em cena.

Em 2008, o jornalista John Kelsey, da Bomb Magazine, voluntariou-se para ser

dirigido por Richard Maxwell como uma maneira diferente de fazer uma entrevista com o

diretor. Kelsey questionava Maxwell sobre como deveria agir, e eventualmente perguntou

“Então, é apenas uma questão de trabalhar e prestar atenção no que se está fazendo?” e

Maxwell respondeu:

“É mais complexo do que isso. Quando você repete uma coisa muitas vezes, quando você

ensaia algo ao longo do tempo e você está se encontrando... isso requer uma imensa

coragem e complacência de se expor. Eu acho que isso pode alcançar algo muito profundo

– as suas razões para estar fazendo o que você está fazendo”.

Podemos nessa pequena fala de Maxwell perceber o que ele quer dizer com a

realidade de estar em cena, a realidade de que estamos contando uma história para uma

platéia num teatro. Esse processo envolve dedicação, compromisso e exposição,

componentes essenciais do processo de trabalho do encenador. Para Maxwell, se o ator

está comprometido com o “estar em cena”, dialogando com o texto e com as suas razões

pessoais do porque estar nessa situação, a performance será diferente a cada dia, pois a

performance será real e não uma representação convencional.

O método de Maxwell oferece, portanto, uma posição interessante para os estudos

da cena pois sugere uma tensão entre o estudo na sala de ensaio e o público que assiste no

momento de apresentação. Esse modo de performar marca a ruptura com o método

tradicional de interpretação onde podemos diferenciar claramente os atores de seus

personagens. A linguagem usada pelo diretor para justificar ou explicar o trabalho (como

realismo, por exemplo) inicialmente está fundada nos princípios dominantes do teatro.

Porém, as técnicas que o diretor empresta da performance fazem o processo ir além da luta

por revelar algo de si por estar em cena. O comportamento estático dos atores e a

27 

 

proximidade da platéia dão a impressão de que algo do teatro está sendo reconfigurado ou

desafiado. Os atores ocasionalmente aparecem devagar pegando pistas. Eles usam registros

instáveis. Falam durante um minuto em volume normal. Em outro momento, gritam sem

demonstrar nenhuma alteração física, além da voz. Às vezes, os atores fazem escolhas

excêntricas de qual palavra devem evidenciar, dando a impressão de que estão

contradizendo ou criando novos significados para o texto do autor.

Ainda durante a mesma viagem para o Brasil, Maxwell declarou em entrevista à

Folha de São Paulo que não vê seus atores como atores, e sim como pessoas. Pessoas que

possuem linguagens diferentes e autênticas. O processo de criação do NYCP não é um

processo colaborativo nos moldes que vemos em grupos contemporâneos, mas o diretor da

companhia deixa claro que o texto e a encenação muda de acordo com a linguagem própria

do ator, que junto com o texto é a matriz de seu teatro.

28 

 

Capitulo 2

O fim da realidade

Thomas Bradshaw, Alex Delinois, Sybil Kempson e Jim Fletcher em encenação de “End of

Reality”. Fotografia por Michael Schmelling.

29 

 

2.1 - O contexto da peça

Como já foi mencionado anteriormente, “Fim da Realidade” é uma peça escrita e

dirigida por Richard Maxwell e com o elenco original formado por Thomas Bradshaw,

Alex Delinois, James Fletcher, Marcia Hidalgo, Sibyl Kempson e Brian Mendes. A peça

teve a sua primeira apresentação em 2006 no teatro da companhia, The Kitchen, e depois

seguiu em temporada européia.

A peça se passa num prédio de segurança. Os personagens trabalham lá, protegendo

o prédio e também preenchendo o tempo com algumas funções burocráticas que nos são

apresentadas como “preencher papelada”.

Os personagens são números (1, 2, 3, 4, 5 e 6). Em alguns casos acabamos por

saber os nomes, mas mesmo assim as rubricas não mudam em nenhum momento. Isso se

dá porque as relações apresentadas dessas pessoas, mesmo que muitas vezes sejam

bastante pessoais e particulares, são profissionais, e há um esforço muito grande em manter

um certo tipo de autoridade e distância entre eles.

Nota-se como traço comum entre as personagens a preocupação com o “viver a

realidade”. Isso se dá de maneiras diferentes; num sentimento de querer manter a família

próxima e de enxergá-la como nosso elo mais íntimo com a vida e isso se refletindo na

preocupação em estreitar os vínculos familiares, gerando tremenda frustração por ter de

lidar com problemas aparentemente insolucionáveis como o choque de gerações e valores.

Os personagens que são da mesma família, 1, o padrinho e 5, sua afilhada, mostram a todo

o momento a preocupação em valorizar os laços familiares ao mesmo tempo que se

magoam com expectativas altíssimas um com o outro e acreditam que a distância faz bem

ao relacionamento. Os pequenos sacrifícios que fazemos pela família são vistos como algo

que nos aproxima do real e do que se deve fazer para se sobreviver a realidade em grupo.

A religião também é um canal que aproxima as personagens do real. São

valorizados alguns rituais religiosos e a reza como algo que te aproxima de Deus e de um

estado alterado de consciência que cria um contato mais intenso e verdadeiro com a

realidade. A religião para os personagens é algo extremamente valioso, que diferencia e

separa as pessoas no mundo, além de salvar o homem e conectá-lo com o real. Ajuda as

pessoas a suportarem a brutalidade do real ao invés de ignorarem as dificuldades da vida e

30 

 

simplesmente não pensarem nas questões existenciais da condição humana (a finitude da

vida, a solidão, o fracasso, a busca por um caminho correto e a falta de comunicação são

temas bastante abordados nesses apelos dos personagens). Em dois momentos da peça são

citadas partes da bíblia, as duas pelo personagens 1. A primeira vez acontece logo após que

4 é raptado pelos invasores e a segunda no final da peça, numa alegoria ao dia do Juízo

Final em que o personagem apela a Deus, enxergando a inferioridade do homem perante a

Deus e aceitando que a vida não pode ser fácil:

“No Dia do Julgamento

Agora, Sofrimento não é simulação

É real

Quando outras pessoas alegam ou mostram sofrimento

Você não entendia

Então quando acontece com você

Você percebe que eles não estão fingindo sofrimento

É real”

Existe outro momento na narrativa em que se fala de sentimentos e sensações como

algo que só existe de verdade para uma pessoa quando ela passa por isso ela mesma.

Quando o personagem 2 se declara para 5, faz isso sempre dando ênfase ao fato de que o

amor não existia para ele antes dele sentir, e mesmo que pareça que esse sentimento já

existia antes em outras pessoas, quando acontece com ele é diferente:

“2: Você vai dizer que nada disso é novidade. Claro, você vai dizer isso. Muitas pessoas já

falaram sobre o que você está descrevendo...é. Bom, eu não ligo a mínima para isso. Está

acontecendo comigo. Isso faz ser novidade. Certo? Isso nunca aconteceu COMIGO antes.

Entendeu?”

A preocupação em conhecer o seu inimigo de fato e suas peculiaridades também é algo que

é associado ao conceito de real. Os guardas desse prédio não simplesmente se atêm ao fato

de dominar os invasores, e sim a julgar seus valores muito diferentes como algo não crível

e portanto fora da realidade, impossível de assimilar.

31 

 

Essa figura de um inimigo de outra realidade nos remete aos terroristas nos Estados

Unidos, novo estereótipo de inimigo que não teria moral nenhuma e nem escrúpulos na

hora de agir, o que o tornaria incompreensível e perigosíssimo.

Logo no começo de “Fim da Realidade”, há um diálogo a respeito do aparecer, do ser

reconhecido como forma de se tornar real também. 1 pergunta a 2 sobre o casting que está

acontecendo para um filme, e demonstra que teve como sonho durante a vida ser

reconhecido na tela do cinema. Em outros momentos, a discussão a respeito de participar

da indústria cinematográfica retorna e pode-se perceber que as personagens enxergam

nesse “meio” um lugar de ser reconhecido socialmente e de fato existir.

Ainda na temática do “ser reconhecido”, esses mesmos dois personagens também fazem

“jogos” a respeito do que significa ser policial, ter um distintivo e poder usá-lo como um

mérito e ao mesmo tempo um símbolo de responsabilidade social. Para estes personagens,

a função do segurança é ser uma pessoa forte o suficiente para lidar com o real e proteger

aqueles que são mais fracos e não podem lidar com a verdade.

Cito como exemplo dessa “fraqueza”, a personagem 6, que é admitida na equipe de

segurança e aparenta estar preparada para o cargo porém numa situação de perigo. Ela está

estática e incapaz de agir.

“Eu queria salvar a minha vida... Eu não conseguia acreditar... Mas isso que

aconteceu... Eu – queria estar viva. Eu não sei..”

Após este episódio é decidido que 6 deve deixar o quartel pois é muito sentimental

e tem medo de morrer. Outro aspecto que nos faz associar essa personagem à fraqueza é o

momento em que 1 reza por Jake num momento solene com 2 e 6, e 6 parece não se

identificar com aquele ritual, ficando de braços cruzados enquanto os dois homens rezam.

Também por não estar ligada a religião, não utilizá-la como instrumento de fortalecimento

para lidar com a realidade e superar os sentimentos e medo, 6 parece fraca.

Depois desse momento, 2 também se refere à técnica como sendo a única maneira

do homem se prevenir quando está lidando com a realidade, pois como não podemos

controlá-la nem imaginar o que vem adiante, temos que estar preparados para todas as

possibilidades.

Os personagens das peças de Maxwell, aparentam ter uma construção estética

muito simples em que atores falam e se movimentam com a mínima afetação emocional e

32 

 

com o roteiro constituído, em grande parte, por elementos do nosso repertório do dia a dia -

- o que parece desconcertar tanto a crítica acadêmica quanto popular.

Estruturalmente, a peça não tem atos nem divisão explícita de cenas. Apenas em

alguns momentos nota-se uma quebra de página que em é acompanhada de uma mudança

de tom na conversa ou vem indicada como uma pausa.

33 

 

2.2 – Um exercício de tradução

Fim da Realidade

peça de teatro por Richard Maxwell 2006, tradução Laís Silveira de Jesus, 2011.

Cena: 1, 2, 4 entram

2: Então, eu preciso folgar na sexta-feira.

1: Para que?

2: Eles estão fazendo casting para um filme.

1: Opa, eu posso participar? Eu adoraria fazer isso. Eu quero aparecer num filme.

2: Quem não quer.

1: Não precisa ser um papel grande nem nada. Eu só quero uma pequena participação. Alguma coisa que me faça poder entrar no cinema e dizer “sou eu lá em cima” sabe?

2: Sim, sim... isso é legal.

(pausa)

2: Vê aquele cara ali? Eu nunca conseguiria ser grande como esse cara.

(pausa)

2: O que você faz?

4: Huh?

2: Você malha?

4: Não.

2: Psss, ele está mentindo... olha pra ele.... você malha.

4:

(pausa)

(4 chorando)

34 

 

1: E aí?

4:

1: Qual o seu nome?

4: Meu nome é Jake.

1: Jake, o que aconteceu de errado?

4: Ahh, minha namorada me deu um fora cara.

1: Porque cara?

4: Eu não sei.

1: Você sabe.

4: Eu não sei, cara.

1: Sério?

4: Bom, eu...

1: Há quanto tempo vocês estavam saindo?

4: Um mês.

2: Ah (merda)... Ela não era sua namorada. Isso é louco! Cara, louco... Bom, hum. Quando anos ela tem?

4: 17.

2: Sabe por que? Você só está puto porque você não largou ela antes.

4: (heh.)

2: É uma novela. Isso que é. É uma novela. Ahhh...! Não se preocupe camarada! Eu já fiz esse tipo de aposta. E ganhei. Mas eu sei do que você está falando (sorrisos)... Mas tem um vagabundo lá fora. Sem mais papo. Sem mais papo. Certo? Tudo certo?

(6 entra)

(pausa)

35 

 

1: ... Shannon... Shannon Kennedy. Nós temos o seu certificado?

6: (mãos para ele) Porque eles não estão armados?

1: Você está de acordo com o artigo 35 do Código Penal?

6: Bastante.

1: Muita gente vem aqui para ter um distintivo como esse, ter um lugar, eles podem andar por aí como um policial prendendo pessoas...

6: Não.

1: Mas você sabe em quais instâncias usar a força é justificado. Você entende isso.

6: Sim eu entendo.

1: As empresas preferem ter um policial envolvido se a coisa começa a ficar grossa, é uma proteção para eles. Felizmente, eu tenho uma relação com a aplicação da lei, isso ajuda. Temos nosso trabalho cancelado se isso vazar. Nós realmente vemos – esse é o seu quartel. Você se lembrou do guarda fogo?

6: Sim.

1: Ok. Está tudo pronto. Aqui está a lista do que você deve fazer. Sua papelada.

2: E aí?

1: Esse é o Brian. Essa é a Sharon.

6: Shannon.

1: Desculpa, eu sou ruim com nomes. O Brian luta kickbox...

6: Ahhh...

1: Ela sabe karatê.

2: Legal.

(pausa)

1: Então, eu fiz aquela aula de kickbox.

2: Boa?

1: Sim.

2: Cuidado.

1: Eu sei.

36 

 

2: Todos os meus amigos estão se machucando.

1: Eu ainda não me machuquei, mas estou esperando. Só estou esperando.

(pausa)

2: (boceja)

(pausa)

2: (boceja e se alonga) ... ahhh merda...

(3 entra)

2: E aí?

(3 sequestra 4, 1 e 2 tentam pará-lo)

2: Não... Não! ... Não!

(3 e 4 saem)

2: Não! Não!

1: Porra.

2: Ah, que porra! AHHH! Filho da puta! Ah. Ahhhh. Não! ... Não! ...

(pausa)

37 

 

2: (para 6) Onde você deveria estar?!

6: Aqui.

2: Porra.

6: Não jogue isso pra mim.

2: Caralho!!! ... AHHHHHH!!!!!! Eu quero matar esse merda!

1: Ouça...

2: PORRA!!! Eu quero matar todos esses filhos da puta.

1: Relaxa.

1: Isso não está funcionando. Eu sei...

2: AAHHH!!!! Ah...

1: shhh. Shhhh... está tudo bem...

(2 está chorando)

(pausa)

38 

 

(blackout)

Cena:

1: Jake era o mais novo. Você não ouviu sobre as coisas boas que ele fez enquanto estava com a gente. Mesmo que ele tenha tido pouco mais de alguns meses para nos provar isso. Ele não te diria isso – não ele mesmo. Ele nunca chamava atenção. Ele era um cara discreto. Fazia seu trabalho, voltava para casa. Mas se você conhecesse ele, conheceria um cara diferente. Você pode dizer quando alguém é – Jake nunca disse – Esse cara foi um cara regular que nunca – não tão facilmente. Nunca é fácil. Você sabe... Nós amadurecemos. Nós mudamos. Existem alguns que vão nos dizer que nós nunca amadurecemos. E está tudo bem... Nós crescemos amadurecendo ou não. Esses que acham que você não amadureceu só acham isso porque você nunca se tornou alguém como eles.

Nós honramos pessoas. Nós as reconhecemos. Nós as abraçamos apertados... Se houvesse uma maneira de ver as coisas e fazer possíveis conexões e prever que isso aconteceria, essa perda... Nós já tivemos perdas o suficiente... Puta que pariu...

Talvez seja isso. Talvez seja isso. Nós podemos compartilhar isso. E esperar que isso nos traga paz.. Eu não sei...

Eu não saberia dizer quantas vezes isso já aconteceu comigo. E ele foi deixado sozinho... essa não é a questão, eu sei, é só... Você não pode – ninguém pode... Ninguém pode carregar um peso como esse. Talvez essa seja a lição. Se eu posso dar algum conselho aqui. Do que eu aprendi com tudo isso que aconteceu... Se você conheceu alguém lutando. E você se sente da mesma maneira que ele. E nesse caso, é justo. Certo? Eu não conseguiria te dizer quantas vezes ... Foi como “Sim, nós ouvimos você. Nós te sentimos. Nós acreditamos.” E quando você percebe, você deu o próximo passo e eles se vão...

(pausa)

39 

 

Desculpe. Isso não é – De qualquer maneira. Isso não é – Mas o Jake não era assim... O Jake não era assim.

João 3:16 Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.

João 3:17 Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele.

João 3:18 Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus.

João 14:6 Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim.

(pausa)

Senhor. Olhe por esse lugar. Nos ajude a achar a resposta certa. É difícil de saber as vezes. Nós trabalhamos duro e tentamos administrar mas mesmo assim é difícil de saber. Ajude-nos a encontrar o caminho certo... Jake tocou tanta coisa. Grato de sua alma. Porque é o mínimo que podemos fazer... Que ele descanse em paz... Eu te amo irmão... amém.

(pausa)

6: Estou aterrorizada. Estou apavorada. Eu estou te dizendo isso só para você saber que eu tenho sentimentos. E eu não estou fazendo isso por crueldade. Eu estou com medo. Eu não sou idiota. Eu sei o que fazer. Eu sei de tudo. Eu li a coisa. Eu – eu sei isso. Eu só não posso fazer isso. Eu estou com medo. Você sabe como é? Eu mal posso me movimentar algumas vezes. Meu coração está na garganta. Você já sentiu isso? Você não consegue parar de mastigar... Eu preciso dormir. Eu não posso dormir. Eu sou fisgada pelos meus pensamentos. Eu não posso lidar com a noite. Eu não posso lidar com o escuro. Meu deus. Eu estou congelada. Congelada pelo medo. Não consigo controlar o que eu sinto. Essa é a verdade... eu estou apavorada.

(2 provoca 6, eles lutam)

40 

 

2: ... Vem!... Eim? Eim? Pense em alguma coisa. O que você faz?! Se eu fizer isso? Vamos! Não. Pense em outra coisa. Rápido. Vamos! O tempo está passando! Não... Vamos! Não desista! PENSE! ... O que você vai fazer! Que merda. Vamos. Lute! Faça alguma coisa!... Não. Errado... Prática...

(pausa)

2: ... Você não vai conseguir... Desculpe te dizer isso. Mas eu não vou mentir. Você está no ramo errado. Eu posso sentir assim como os cachorros podem cheirar isso em você. Eu quero dizer que você não precisa falar isso pra mim. Eu vejo que você está assustada. Está na sua fisionomia, está nos seus olhos. E como você esconde os olhos?

6: Sim, eu sei, eu sei.

(pausa)

2: Ela não presta. Eu não acho que vai funcionar com essa. Ela realmente não presta. Ela não faz nada. Ela – ela não sabe nada. O – nós temos uma situação aqui? Sim. A garota – não merda – ela está aqui. Não – ela não está pensando – ela está em outro lugar. Ela está. Você já falou com ela? Ela saiu pro almoço.

1: Não é culpa dela.

2: Todos nós fomos treinados. Todos nós precisamos estar preparados. Nós temos que controlar as vias. Eu digo, veja, nós precisamos. Onde nós vamos? Onde podemos nos esconder? Não podemos. Filho? Deixou de cuidar de nós mesmos. Deixa eu te contar uma coisa. Eu – quando fiz o teste. Eu – não vou hesitar. Eu vou levá-lo pra fora. Foda-se o código. Quando você vem pra baixo. Foda-se. É você ou eu, e nós estamos ficando.

1:

2: Se for você ou eu? ... Não seja um problema, sabe?

(pausa)

1: Tá bom, eu vou cuidar disso. Eu vou falar com ela.

2: Acho que você tem que dispensar a garota. Eu estou te dizendo. Você tem que tomar cuidado com essas garotas... Então, você vai cuidar disso?

1: Eu já te disse.

2: Não, isso é bom. Você foi ensinado a respeitar as mulheres. Mas eu não quero ser deixado pra trás. Sabe do que eu estou falando? Me ajude. Eu não preciso de mais desvantagens.

2: E aí?

1: (para 6) o que aconteceu.

41 

 

6: Eu me sinto mal. Eu não sei o que dizer. Eu mal conheço vocês. Mas eu só quero dizer que se existe alguém para culpar. Tem que ser eu. Eu pensei que eu estava seguindo o procedimento... eu acho... não era grande coisa. Simples. E parece que você dava conta! ... Jake se foi. Aconteceu tão rápido. Sem som...

1: E aí o que.

6: Eu congelei.

1: Você congelou.

6: Eu queria salvar a minha vida... Eu não conseguia acreditar... Mas isso que aconteceu... Eu – queria estar viva. Eu não sei. Eu não sei... Eu estou melhorando. Me diga que você não viu melhoras. Eu estou tentando e eu acho que eu estou melhorando.

(pausa)

1: Desculpe, eu acho que é isso.

(pausa)

1: Certo?

6: Sim.

(6 sai)

(pausa)

42 

 

2: Você tem alguém em mente?

1: Sim. Eu estou tentando trazer minha afilhada pra cá. Sabe?

2: Sim.

1: Ela tem ficado na minha casa.

2: Certo.

1: Eu não sei. A mãe dela quer que eu ajude. Eu acho que ela está deprimida. Eu disse pra ela que ia ajudar.

2: Sim, certo... o que ela – o que ela faz?

1: Ela é uma garota inteligente. Muito inteligente. Ela é... estudante.

2: Certo. O que ela, o que ela estuda?

1: Eles chamam de... Não lembro. Eu não sei. Ela é uma boa garota.

(pausa)

2: O que você teria feito se aquele babaca tivesse te atacado?

1: Huh?

2: Na maioria das vezes, talvez todas as vezes na verdade, nunca acontece como você imagina.

1: É verdade.

2: É por isso que você pratica. Porque você não pode imaginar todas as situações... Isso aí meu irmão.

(pausa)

43 

 

1: Esse bairro mudou. Eu queria voltar. Não seria incrível voltar? Sabe? Essa foi a melhor época. Lembra? Lembra do United Ice? Paulie? Huh? Eu sinto a falta dele. E onde está o Houlihan? Kamal? O que aconteceu com esses caras? O bairro mudou, irmão. Não é a mesma coisa...

2: Não se perca. Esqueça isso. Você tem que continuar olhando pra frente. Não foi como você se lembra. Isso que o tempo faz. Não. Olha. Você tem que fazer um plano. Eu conheço um cara fora da SMU. Ele tem uma companhia de transporte. Um monte de coisas. Ele tem um monte de caminhões agora. Você vê eles nas ruas. Ele tem um negócio com telefones agora, também, me trouxe um monte de cartões telefônicos. Essas coisas. Ele disse que precisa de gente pra uma coisa online. Eu disse pra ele, eu não sei nada sobre isso, ele disse, não importa. Na verdade, é melhor. Ele não pode fazer uma grande parte do trabalho dele sozinho. Sabe?

1: Sim..

2: O que que você acha?

(pausa)

1: Eu não to nessa.

2: Ah, para com isso!

1: E o negócio do cinema?

2: É?

1: É. Eu acho que seria tão legal. Só pra registrarem que eu estive lá. Sabe? Você pode me arranjar isso? Eu tava pensando em algumas cenas.

2: Nessa indústria – é quem você conhece primeiro e você precisa ser -. Eu não vou usar a palavra “você” Tanta gente usa essa palavra e ela significa tantas coisas diferentes então eu não vou dizer “seja você” porque algumas vezes você precisa mudar. Mas – você tem alguma coisa. E é diferente. Você tem alguma coisa que te destaca. Eu gosto disso. Eu queria ter isso. As pessoas ficam assustadas. Elas não têm certeza sobre você. Você sofreu, você tem uma ousadia que grita perigo. É real. Sabe? Por que isso realmente acontece. Deixa eu te dizer uma coisa. As pessoas dessa indústria pagariam caro por isso.

1: É.

2: Você entende?

1: Sim.

(pausa)

2: Eu estou agilizando, cara. Você tem que fazer. Nesse mundo? ... Eu to te dizendo...

44 

 

(pausa)

1: Você começou a fumar Newports?

2: Sim, eu quis tentar.

(pausa)

2: Então, onde está sua prima?

1: Afilhada. Eu não sei.

2: Ela deveria começar hoje?

1: Eu disse pra ela estar aqui. Eu não sei.

2: Como está indo?

1: Tá tudo certo. Não era o que eu esperava. Eu não sou pai.

2: É, é... Quem é? – Espera um segundo. (off) Gata! ... Eu gosto disso! Quanto? (abre os dedos da mão) ... essa garota, mmm... Vem aqui!. (Maldição!)... Certo! Você acertou... Maldição. Ela é bonita... só tem gata aqui. Eu to te dizendo. Vem aqui eu quero te perguntar uma coisa. Qual o nome daquela garota que trabalhou com você na sexta? ... Huh? (para 1) Eu estou tentando lembrar o nome da garota, eu acho que é Zoo-eena Sus-eena. Isso, um nome diferente. A CLASSE dela. Ela – ELA não era brincadeira.

45 

 

(5 entra)

1: ... Ah, olha a hora. Está muito tarde? Certo, ela está aqui e olha a hora. Estou aqui há 20 minutos. O que que você tem? Sabe? Eu não sou um cara difícil. Eu tenho sido justo com você? Eu não espero muita coisa. Eu gosto quando as pessoas aparecem. Eu gosto quando as pessoas aparecem na hora. Você sabe. Eu gosto disso. Mas tudo bem. Algumas pessoas podem aparecer só quando estão afim eu acho. Não importa a hora. Sabe. Alguém tem uma noção diferente de tempo. Mas tudo bem. Não importa que ninguém mais pareça ter essa noção. Isso parece ser algo que todos podem entender. Ninguém tem problemas com isso. Ela tem um problema com isso. Acho que os problemas dela são nossos problemas também... Algumas regras não se aplicam a ela. Eu acho. Hum? Sabe? ... Está tão tarde? Ela não gosta dessas regras. As regras sobre a hora que você chega. Imagina se todo mundo olhasse as regras e dissesse, bom essa regra funciona pra mim, essa não. Bom, dê uma olha nelas e decida qual combina com você. Você pode decidir qual combina com você. Não se preocupe. Tem gente esperando aqui, esperando você aparecer, mas tudo bem, estamos no seu tempo. Você pode chegar atrasada se quiser. Está tudo bem pra mim. Vá em frente... O que você acha?

5:

1: Ei. Sabe de uma coisa? Eu não gosto de acordar depois que já fui dormir. Eu tenho sono leve. Eu não consigo voltar a dormir quando você me acorda. Eu –

5: Desculpe, eu vou ficar quieta.

(pausa)

1: Isso é ofensivo. Eu –

5: Você quer que eu fique em outro lugar?

1: Esse é o Brian. Isso é um mal começo mocinha.

2: E ai.

5 (para 1): Essa foto. Eles colocaram meu nome como “Marcia”. Mude para “Marsha”.

1: Ai tá escrito Marcia... pff...

(1 sai)

46 

 

(PAUSA)

2: Primeiro dia, eim.

5:

2: Você gosta dessa cidade?

5: Eu gosto dessa cidade. Eu finalmente sinto que estou aqui. Estou ansiosa. Isso é ótimo. Eu estou inquieta.

2: Assustada?

5: Assustada?

2: Eles devem ter falado sobre esse lugar.

5: Não.. Eu vejo todo tipo de gente diferente passando. Eu fico excitada. Eu estou feliz de estar aqui. Feliz de ser parte disso. É um cenário. Eu fui encantada pela multidão. Eu não conheço ninguém ainda. Parece certo fazer parte disso você sente que é parte de algo importante só de estar aqui. Sempre quis estar aqui. Sempre fui curiosa. Passava horas fantasiando sobre como seria. Eu vim de longe.

2: De onde você é?

5: Glens Falls14.

(pausa)

5: Quer que eu te leia seu horóscopo?

2: Huh?

5: Deixa eu ver. Quando é o seu aniversário?

2: Dezembro.

5: Dezembro? Qual dia?

2: 12.

5: Brincadeira, é o mesmo dia que o Jodi. Eu sabia que você era Sagitário.

2: É?

5: Muito intenso.

                                                            14 Glen Falls é uma cidade dos Estados Unidos com cerca de 14.354 habitantes à 296km de Nova Iorque.  

47 

 

2: Não, eu não gosto disso...

5: Por que? (lendo o horóscopo)

2: Isso é útil.

(pausa)

5: Eu curto ler o horóscopo. É divertido. Eu costumo ler. Combina com a minha vida. O futuro. Aqui nós vamos ver o que vai acontecer, e as conseqüências. Vê? Isso vai acontecer. Exatamente do jeito que você vê. Já aconteceu outras vezes e vai acontecer de novo. É só uma questão de tempo. Nós podemos prevenir? Aparentemente não. Mas aqui, nós precisamos tentar. Nós somos pagos pra tentar. E você arrisca sua vida por uma corporação. Não é brincadeira. Nós também temos se queremos sobreviver. Não é uma questão de que opção você prefere. É o caso de não ter escolha. Faça ou morra. Isso é o que somos. Na minha opinião. Nós não podemos jogar mais. Essa é a minha opinião... E às vezes é mais fácil se o destino está sob controle. Mas eu não estou satisfeita em confiar nisso. O destino precisa de um cutucão de vez em quando.

(saem as luzes)

(pausa)

5: Oi? ... O que é isso?

2: Eu não sei. Canal 2. Espere.

(2 sai)

(pausa)

5: O que é isso?

(pausa)

2: Nós devemos ter tropeçado num disjuntor. Eu não sei, vou checar.

(pausa... luzes voltam. 3 e 5 sozinhos)

5: Que merda...

3:

(3 e 5 lutam)

(2 entra)

2: Deite no chão. Deite no chão.

(mais luta, 1 entra e 3 é algemado com uma corda)

48 

 

2: É!! ÉÉÉÉ!!! ... Nós pegamos ele! E aí?! Deixa eu ver esse bosta. OI.. eu estou fodidamente pronto pra te matar. (para 5) Viu? Eles dizem que não podemos pará-los. Olha pra esse bundão. Eles dizem que isso não pode ser feito. Olha pra isso. Isso é pra TODOS ESSES filhos da puta..

(pausa)

2: ... Ei quem é você bundão... olha pra mim... Você. É você. Você é um animal.. Eu cuspo em você.

5: O que você está fazendo?

2: Huh? falando com ele... Esse cara é o pior. Olha, esses caras, são monstros... Eu disse monstros. Quando eu digo monstro eu digo um homem, ou vários. Só podem ser vários. Eles aparecem, em nosso tempo, de algum jeito. Eu não posso dizer como. Mas os homens que podem te destruir, esses caras são duas ou três vezes maiores que você. Ele são monstros. E eles podem te matar. Mas não importa quão maus eles possam ser, não importa quão terríveis, eles ainda são apenas monstros. Eles podem nos matar e nos separar, mas eles ainda são só monstros... Sabe? Quando você percebe...

49 

 

(pausa)

2: E ai? Peguei ele!

1: É...

2: Peguei ele. Não essa vez. Ei. Olha pro meu cara... ele saiu do jogo... é! Peguei ele... É!

1: Eu sei do que você está falando.

2: É

1: Não, não, não. Eu sei a quem você se refere.

2: O que você quer dizer!

1: Não, não é ele. Esse cara é uma armadilha. Ele só PARECE com o cara. Ele só-parece. Definitivamente não é ele.

2: Não!

1: Nós precisamos aplicar a lei aqui. Marcia, preencha a papelada.

5: Que papelada.

1: Preencha isso! Não posso fazer tudo por você, Marcia!

5: Eu sei que isso pode parecer uma pergunta idiota agora mas eu não sei de nada ainda.

2: (para 5) E aí?

5: Eu não sei como fazer isso.

1: Ei, qual o problema? Só ler o negócio. Você não pode fazer isso?

5: Não!

1: Não?! Como assim, não? Isso é vergonhoso!

5: ISSO é vergonhoso. Eu estou envergonhada por você. Tom, você não pode me dar uma prancheta assim e dizer faça isso. Quem o –

1: - Você que sabe, faça o que você quiser. Eu não ligo.

(1 sai)

5: Achh... Canalha de merda! ... Não sai assim.

50 

 

(5 sai)

(pausa)

2: Eu não acredito em você. Pessoas como você. Como você pode existir. MERDA. Como você pode ter qualquer tipo de valor...Que tipo de pessoa você é? Você não pode mostrar a verdade? Que tipo de pessoa é você? ...

3:

2: Huh? Armadilha fodida de merda. Mostre a sua merda verdadeira da próxima vez. É mais interessante. Você nem é verdade? Imitação filha da puta. Que tipo de pessoa é você? Que merda. Deixa eu ver.. merda... armadilha preta... Huh?

3:

2: Pretos que nem você tiram vantagem dos outros. E dos seus medos, quer jogar com isso? Eu não posso acreditar em você. Isso é o que você faz? É isso? Eu quero tanto atirar em você. (Eu desejo tanto poder atirar em você)

3: Atire.

2: Na, na. Isso é o que você quer. Eu não vou te dar isso.

3: Atire em mim com a sua arma.

(1 entra)

2: (é?) (para 1) E aí?

1: Eu saio pra arranjar um trabalho pra ela, eu dou um lugar pra ficar, você não acha que podia facilitar um pouco as coisas pra mim aqui? Só tente fazer algo pra alguém que não seja você mesmo. Você acha que consegue fazer isso?

(pausa)

51 

 

1: Eu não sei como fazer isso... em casa ela está sempre reclamando. E ela sabe de tudo. Fica fora de casa até tarde. E não tenho idéia. Eu nem consigo começar a imaginar o que ela está fazendo. Correndo com esses tontos. Eles são novos... Sabe? Lesados. Mudos. Ela deveria trabalhar, ir pra escola, dormir. Isso que eu quero. Você sabe o que estou falando? Esse é o poder da, o poder da família. Minha afilhada está vindo visitar. Ela me faz por tudo em ordem. Me faz pensar o quão importante é a família. E isso não é um problema pra mim. Não é um problema. Eu não acho que é um sacrifício de maneira alguma. A importância do sucesso dela, achando a vida certa, as expectativas são muito altas quanto a ela. Ela tem que tomar as decisões certas. Eu tento transmitir os valores cristãos. Mas eu não sou um cara de família. Pense quando isso aconteceu na sua família. Você QUER caras ao redor babando nela? Eu não quero. E isso não pode ser bom. Você tem que vigiar esses caras.

2: Então ela – ela está saindo com esses caras...

1: Eu não tenho idéia. Eu não quero saber. Ela disse que se ela vai pra cama com esses caras ou não, não é importante. Eu disse, então porque esconder? Porque as pessoas presumem que é uma coisa importante. Então a sua realidade é definida pelo que você presume que as pessoas estão achando... Tão arrogante! Então porque não ir pra cama com todo mundo? Eu não sei nada sobre mulheres. Com exceção de uma coisa que aprendi morando com ela. As mulheres tem de fazer sentido. Esse é um preço alto a pagar. E é muita pressão... eu não sou um cara de família. Eu sei que isso exige muito e eu não posso pretender entender o que faz uma família ficar unida.

2: Você tem uma história. Eu não sei... ela sabe lutar.

1: É... Ei. Ela pode ficar com você por um tempo? Até ela achar um lugar pra ela. Acho que esse pode ser o problema. Só por um tempo. Ela vai achar um lugar pra ela e ai ela vai ser mais feliz e talvez a gente possa começar de novo.

2: Ei. Eu vou cuidar disso.

1: Sério?

2: Relaxa.

1: Valeu. Mas você tem que perguntar pra ela. Não diga pra ela que foi minha idéia.

2: Combinado.

52 

 

(pausa)

1: É. Bom, hum, você disse que sabe quem pode fazer o meu book?

2: É, eu posso te apresentar pro meu cara. Se prepara, ele vai te dizer umas bizarrices. Ele diz que todo mundo é bissexual e que a câmera diz se você é sexy ou não.

1: Você sabe que algumas pessoas tem looks diferentes no book? Eu tava pensando... eu devo levar meu uniforme para eles verem que eu posso bancar o segurança?

2: Não.

1: Porque não.

2: Eles não fazem mais isso.

1: O que você usa?

2: Não se PREOCUPE com isso... você está indo pelo caminho errado. Veja. Eu estou nessa a muito tempo. Você só tem que ir lá e ficar relaxado. Você quer ser – você SABE isso tudo. Isso que eu estou dizendo. Quando você chegar lá, você vai ver. É muito tranqüilo. Ele vai tá do seu lado. Mas não represente!

(5 entra)

5: Nâo, eu sei do que você está falando.

2: Não é representar!

1: Eu sei...

2: Não, você entendeu. Eu não vou na sua frente.

1: Beleza...

2: Não você entendeu. Você tem que –

1: Beleza.

2: Você tem que –

53 

 

(pausa)

5: Ei, desculpa. Você esta certo. Não é difícil de fazer. Eu vou fazer o relatório.

1: Bom.

(1 sai)

(pausa)

2: O Tom é. Você sabe. Tom. Ele é – um homem bom, mas às vezes ele só. Você sabe. Cabeça dura. Ei. Todo mundo aqui tem atitude, menos você.

(pausa)

5: ..... Eu fico dizendo pra ele, me surpreenda. Sabe? Ele sente falta das pessoas de antigamente. Ele assiste Seinfield15 toda noite. Adora o gato. Precisa de distrações como email ou o telefone. Mas ninguém manda emails pra ele. E ninguém está ligando pra ele. É triste. Você sabe disso, né? Ele – ele apenas lida com isso. Eu não quero ser a mulher esquecida lá fora. Eu não posso suportar isso. Por que ele me afunda nessa pressão. Ele não está feliz. Eu não estou feliz. Me tire dessa merda. É como eu me sinto. É você e a família. Nenhum problema te excita?

Ele me levou pro Letterman16. E ele voltou como o herói da platéia. “Eu estava na platéia!” .... você tem que perceber. Ele está vivendo uma consciência parcial, medicado ou talvez drogado, fora da existência – a batida violenta da música do vizinho não incomoda porque ele está drogado e a notícia da TV sobre o refém indiferença entre os comerciais da Diane Sawyer com a Julia Roberts e o Paul Newman, ele nem registra. Outra pessoa terá que escrever sobre a nossa dor porque nós não somos capazes. Manter-nos nessa dor. Ele é um membro responsável da platéia, levanta e bate palmas para pro grande jogador de pocker num campeonato. Essa é a sua nova versão de comunidade, suas buscas secundárias e as tendências globais dos Estados Unidos permanecem, mas com suspeitas, precauções. Ele espia (entre nós). Os espiões de Deus estão entre nós. E Isso, você não pode falar – eu não posso falar – você não pode falar com o Tom sobre isso.

                                                            15 Seinfeld é uma sitcom com nove temporadas exibida originalmente nos Estados Unidos entre 1989 e 1998. Criada por Jerry Seinfeld e  Larry David, sendo Jerry a estrela do programa como uma versão fictícia de si mesmo.  

16 The Late Show With David Letterman é um talk show de humor diário que faz parte da programação do CBS, uma espécie de Jô Soares. 

54 

 

2: Então, o que você vai fazer?

5: eu não sei. Eu vou me mudar.

2: se mudar?

5: eu não posso agora. Preciso economizar uma grana.

2: você sabe. Eu não estou tentando ser simpático, mas você pode ficar na minha casa. Eu tenho vários quartos.

5: aham...

2: sério.

(pausa)

5: como é a sua casa?

2: eu tenho espaço.

5: certo. Deixa eu pensar sobre isso. Obrigada. Eu não posso esperar para sair de lá. Eu estou sendo podada. Eu não posso ficar sendo podada. Você sabe. Eles me seguram.

2: a sua família.

5: aham.

2: certo, certo. Bom, isso não é problema. Deixa eu pensar.

2: (para 5) você deveria ver o meu quarto.

5: é?

2: eu quero te mostrar o meu quarto - ? meu quarto inteiro é decorado com Jordans17. Eu tenho todos os Jordans que já foram feitos.

5: todas as cores.

2: não, não todas as cores. Todos os pares na parede. Meu quarto inteiro é decorado com os tênis de todos os pares. Em toda a parede. Você sabe do que eu to falando? Eu quero te

                                                            17 Jordan Shoes é uma linha de tênis especiais de basquete lançada pela Nike que leva o nome inspirado pelo jogador na NBA Michael Jordan. 

55 

 

mostrar o meu quarto. Eu tenho fichas. Eu tenho cerca de 60 fichas. Eu gosto de colecionar coisas pequenas. Pequenos Homies18. Pequenos Homies?

5: o que é isso?

2: eles são como pequenos personagens. Eu gosto de colecionar coisas pequenas. Você deveria ver o meu quarto.

(1 entra)

(5 sai)

(pausa)

1: eu realmente não sei qual é a sua crença. Eu estou pressupondo que você é cristão.

2: aham.

1: bom. Sim. Eu estou tentando falar com alguém sobre isso. Parece que ninguém me entende. Eles acham que eu sou louco. Eles olham pra mim como... mas eu sou... eu estou tentando alcançar a verdade do meu coração. Você sabe? Isso faz algum sentido pra você. Eu estou realmente alcançando agora. Eu estou realmente tentando ampliar e achar algo ... profundo ... isso significa alguma coisa pra você?

2: claro.

(pausa)

1: parece que agora ninguém entende isso.

2: quem? Eu entendo isso. Eu definitivamente entendo isso.

1: bom, pessoas mais novas. Eu não sei.

2: as crianças não são tão espertas como antes. Sabe? O jeito que eles aprendem? É uma piada. Me faz rir. Eu olho para esses caras, esses caras, perdedores, irmão. Isso não vai funcionar. Ah? Tragédia. Perda. Como você sabe? Como você sabe o que vai acontecer?

1: não. Está certo. Só não é o que eu esperava... mas você falou com ela eu acho. Ela disse.

2: aham.

1: Certo. Isso é bom.

2: aham...

(pausa)                                                             18 Referência ao personagem Homer Simpson da série animada “The Simpsons” que satiriza o estilo de uma típica família de classe média dos Estados Unidos. 

56 

 

2: Ei, eu quero te perguntar...

1: o que

2: qual é o negócio dela?

1: o que isso significa?

2: como – eu não sei. Eu não sei quem ela é. Ela é – como você fala o que ela é?

1: eu não sei o que você está dizendo.

2: como você chama isso?

1: eu não sei. Ela é minha afilhada.

2: não, você sabe o que eu estou dizendo?

1: não... e eu não vi ela fazer o que precisa ser feito. Ela não – você sabe? Como ela pode ser uma profissional? Ela sempre - ... eu não sei. Parece que você está a fim dela. Eu estou de olho em você.

2: Não, ela – ela não é o meu tipo...

(pausa)

1: eu sei que nós estamos no futuro agora. Eu posso sentir. Eu não sou estúpido. Mas eu não posso evitar ficar voltando pro passado. Eu sinto falta da antiga vizinhança... eu pensava que a única coisa que essa vizinhança não mudou foram as igrejas. Bom eu estava errado. Eles demoliram a Santa Cruz para fazer um Hi-Rise19. Você pode imaginar? Uma igreja. Uma casa para fieis. Você já tinha ouvido isso? Eu nunca tinha. Mas, os tempos mudaram eu acho. Qualquer coisa pode acontecer. Eu acho que vão construir uma nova igreja em algum lugar, mas não vai ser a mesma coisa. É? Você vai dizer que uma igreja é uma igreja. O que importa o que vem dentro. Você pode dizer que não importa se ela não tem um campanário. Sabe? Ou a pedra antiga. Até as igrejas novas. Você pode notar pelas janelas altas, você sabe como a luz do sol entra e preenche todo o lugar. Você sabe pelo chão limpo. Você nota pelos símbolos da construção. A tinta branca, as tomadas que nunca foram usadas. O silêncio. Você sabe que está numa igreja.

(pausa)

                                                            19 Hi‐Rise é uma rede americana de padarias. 

57 

 

Mas para mim, isso não importa. De alguma maneira. Isso faz a diferença.

(1 sai) (5 entra)

Cena:

5: por que você é tão quieto. Você nunca me fala nada sobre você. Eu não sei nada sobre você. Você tem que dividir alguma coisa.

2: bom.

5: o que você fez antes disso.

2: eu não gosto de falar sobre isso. Isso me deixa desconfortável.

5: por que? O que você fazia?

2: é... eu não gosto de falar sobre o passado em geral.

5: não precisa ficar com vergonha. Nós fazemos um monte de coisa e depois nos arrependemos.

2:

5: vamos.

2: bom.

5: você parece tão certinho! Você não –

2: você acha que eu sou certinho? Eu não sou certinho. Não, eu definitivamente não sou assim...

5: mas você sabe o que eu quero dizer. Você é doce.

2: é, bom... eu acho que você não me conhece então.

(pausa)

5: então me diz alguma coisa que você faz que é ruim.

2: Hum... meus amigos. Nós fazemos alguns jogos. Você sabe do que eu estou falando? Nós pegamos algumas coisas. Nós entramos na casa de alguém e pegamos uma coisinha. É como um jogo, sabe do que eu estou falando? Nós entramos na casa de alguém e pegamos uma coisinha e é como um joguinho...

5: isso é ruim...

2: isso não é ruim.

(pausa)

58 

 

2: isso não é tão ruim.

5: certo... eu sei o que você quer dizer.

2: você faz coisas assim?

5: eu acho...

2: Isso! o que? Você disse que era mais que uma santa.

5: nunca!

2: Sim.

5: pergunte pra minha mãe. Ela vai te dizer. Eu nunca vou atender as expectativas dela. Isso é um fato e eu vou ter que conviver com ele. Eu estou aprendendo a lidar com isso.

Eu estava passando pelas minhas caixas da mudança. Eu achei um envelope com “Marcy” escrito. Era uma carta longa ai meu deus e eu estou chorando... essa é a letra da minha mãe? Minha mãe fez isso? ai meu deus, e agora eu estou rindo, entre as lágrimas... e tinha meu cabelo de bebe dentro do envelope... era muita coisa. Eu não tinha idéia. Loiro. Cabelo loiro! Olha pra mim...

Eu... eu queria achar um jeito de me conectar com a minha família. Parece sempre que eles estão no meu caminho. Eu não posso ficar no meio disso. Eu – eu não sei como. Parece que não importa se eles estão longe ou perto. Eu não consigo falar com ela. Eu não sei...

2: quem é Maddy?

5: minha irmã.

2: Certo.

(pausa)

5: os

anos

perdidos

59 

 

(pausa)

2: Como está a escola?

5: A escola está legal.

2: É? Isso é bom. Eu fico feliz que você esta indo bem na escola. Eu acho que isso é bom...

eu queria ter ficado na escola. É importante continuar aprendendo.

5: ... eu não aprendo nada a semanas.

2: Oh.

5: Não, a maior parte do que eu aprendo... escola é... eu gosto mais de observar as

pessoas eu acho. Eu sinto como se tivesse aprendendo alguma coisa. Alguma coisa está

acontecendo.

2: Certo.

5: alguma coisa está acontecendo. Você já pode sentir em alguns lugares alguma hora.

2: sentir o que?

5: eu não sei. Não é nada que eu possa destacar. É só uma sensação.

2: onde?

5: eu não sei... lá fora.

2: o que é?

5: eu não sei! Você não pode nem chamar isso de movimento. Não existe consistência.

Não tem padrão. Aqueles que já sentiram a bondade não precisam de associações,

não precisam de atenção. Nenhuma religião, nenhuma causa para reivindicar, nenhuma

entidade, nenhuma esmola, nenhum dinheiro vai ser tirado disso, mesmo que tentem muito.

Mas isso existe mesmo assim. Isso existe, isso sobrevive sem confirmação ou aval. E você

nem consegue identificar isso. Você nem pode participar. Eu não posso participar. Isso não

tem nada a ver comigo ou com você. É além de nós. Isso não acontece em resposta a nada,

numa REAÇÃO a alguma coisa – “você fez isso pra mim, eu vou fazer isso de troco” As

influências por trás disso são tantas quanto as pessoas nesse planeta. Isso tornou-se e está se

60 

 

tornando e isso é tudo que pode-se dizer sobre isso. E isso é o que é. E essa é a verdade.

2: você parece uma – Qual é a palavra que eu estou pensando? ... ah ... meu cérebro não está funcionando direito

hoje

(silencio)

2: não é brusca. Mas significa mais ou menos a mesma coisa. É uma palavra simples... ah...

5: você está procurando um sinônimo pra brusco?

2: é, meu cérebro não está funcionando direito hoje... liberal.

5: ah? Liberal não significa brusco.

2: eu sei eu sei... você me soa uma liberal.

5: eles não são aqueles que deveriam ser tolerantes? Eles não estão sempre te dizendo os

fatos? Eles não são aqueles que precisam te ensinar isso e aquilo. Eles não são aqueles

que gostam de falar sobre o problema com as pessoas pobres e chamam a policia pra se

livrarem dos vagabundos deitados nas suas calçadas. Não são eles que xingam os pedintes

no metro... eles são perdedores. Eles são uns esnobes e eu odeio eles... certo? ... você é

como...

2:

5: não, eu estou cansada de idealistas que não acompanham. Porque isso envolve realmente

fazer alguma coisa, aqueles que não querem se unir ou estão satisfeitos com suas crenças

preguiçosas e corruptas. Você sabe que é mais que isso. Sabe? ... nós nunca podemos

saber o que acontece aqui na Terra. A certeza, Deus vai prevalecer. Mas nós temos que

fazer alguma coisa para o aqui e agora. Deus existe em todas as coisas. Deus está em todos,

em tudo e tem algo dentro de mim que me faz chegar a um estado de sobrecarga onde

eu sinto que não posso ir embora, e eu simplesmente não dou a mínima, você pode fazer

qualquer coisa para mim, eu estou pronta Deus. A vida significa tudo isso pra mim, eu me

61 

 

sinto tão focada que eu realmente não dou a mínima. É sempre só pra frente e pra frente.

(pausa)

5: Desculpe... eu gosto de trabalhar com você. Eu estava pensando em você outro dia. Eu

gosto do jeito que você fala... é tão normal. Muito simples, muito fácil de entender. Muito

simples.

(pausa)

(2 tenta beijar 5)

(pausa)

2: O que? ... Eu não sou certinho.

5: espera.

2: vamos. Por favor...

2: eu não sou certinho...

(pausa)

(2 sai)

Cena:

5: nome.

3:

5: endereço.

3:

62 

 

5: idade.

3:

5: raça.

3:

5: vocês está alcançando seus ideais?

3:

5: Huh? Entrando em contato com as suas emoções. Está tudo vazio. Mesmo eu... sorrisos vazios. Eu sinto isso também.

63 

 

Eu costumava dizer. Mãe, o quanto você me ama? Você me ama mais do que ama

a Maddy? Não eu amo as duas igual. Eu ouvia a verdade e não conseguia suportar.

Crescendo eu tive que competir, senão não conseguiria. Quanto, eu perguntava. Oh, você sabe que eu amo todas vocês. Eu não conseguiria imaginar amar uma mais do que a outra.

Eu sempre soube que ela amava minha irmã mais do que eu, eu percebi os sinais que ela dava, as coisas que ela lembrava de fazer pra Maddy, as coisas que ela escrevia pra ela, as conquistas da Maddy eram muito parecidos com as dela. E o jeito que ela me dava atenção sempre transparecia que as minhas coisas não significavam nada. Eu fiquei acostumada com isso. Seria difícil se eu não gostasse da minha irmã. Eu contei pra minha irmã o que estou fazendo aqui, e como consegui esse emprego novo. A Maddy não se importa mesmo com isso. Ela só – ela só quer sua irmã para cuidar dela. Feliz quando eu estou lá para cuidar dela! Ela não quer que eu faça mais nada. Todas as coisas que eu faço, nunca vão ser mais importantes do que isso, acho que ela vê isso como uma ameaça a sua felicidade.

Porque se eu fico ocupada e faço isso ou aquilo, ela sabe que eu não vou estar lá pra ajudá-la. Está bem. Eu sei que ela faria o mesmo por mim, e ela precisa de muita ajuda.

Eu acho que é bem fácil fazer coisas que parecem amor. Algumas vezes eu acho que isso é tudo que as pessoas querem. Eu estou começando a tentar avaliar isso. Eu cuido da Maddy e nos falamos sobre amadurecimento, ela me disse que não é sobre mais ou menos, e sim sobre maneiras diferentes. Eu não consigo não pensar o quanto. Você diz bom, eu te amo muito ou eu te amo pouco. Mas você pode também não me amar nenhum pouco.

Ela não me queria também, mas depois que ela ia dormir eu saia. A única coisa para fazerna cidade era jogar boliche. É o lugar para ir e todos se arrumam pra isso. É uma grandecoisa. VAI dançar com ele, você vai fazer a noite dele... aquela menina... o homem. Eles saíram num daqueles encontros as cegas. Eles podiam ficar dias naquilo. É tudo que eles conseguem, então deixa. Se você fizer isso ele vai te dar tudo que puder te dar. “Vai lá...dança com ele.” É pegar ou largar. Esse amor vai e vem, facilmente. Nenhuma ameaça, nenhuma obrigação, relações sentimentais, nada permanente, tudo temporário. E assim vai – Alguém pode por favor só falar pra ele me trair? E vice versa. Isso pode fazer eu gostar dele, ou ele gostar de mim. Mas eu arranjei problema. Eu sempre arranjo. Eu faço as coisas erradas. De algum jeito eu sempre faço tudo escapar das minhas mãos. Inúmeras noites se tornam só isso e você perde o curso e esquece o que deveria fazer ou dizer.

Nesse meio tempo, a Maddy me espera... na minha última noite eu poderia ter saído. Maseu percebi que já tinha vivido muitas noites de sexta. Não precisava sair nesta. Essa noite eu vou sacrificar. Eu devo. Então essa noite. Numa imitação de uma – alguma coisa

64 

 

desses mártires. Você é um? Existem muitos. Não estou inventando. Osíris. Mithras, Horus. Você é um mártir? Eu vou guardar suas palavras.

Eu quero que eles se comportem de uma maneira específica. Todo o caminho de volta. Eu tenho muitos. A maioria religiosos, de quando eu era criança, mas agora não são mais todos religiosos. Mas quem quer que eles sejam você já leu sobre eles, e eles se tornam mais e mais humanos, falhos. Então eu imagino se são os pecados e os erros? – ou são as coisas boas que eu precisei. Para falar a verdade, eu acho que é a aparência de bondade que me atraiu neles. Eu fui seduzida por isso. Por que eu não sou um deles. Com certeza. Eu tentei.

Eu tentei e tentei. E eu não pude ser. De qualquer maneira, eu tenho projetos, projetos para eles, também. Eles não sabem que eu existo e eu preciso deles para confiar as minhas certezas. Não é muito justo.

... Sofrer em silêncio. E nós não pretendemos sofrer em silêncio. Pretendemos? Nós não

queremos dizer aqueles que você acha que podem sofrer em silêncio mas que no final levam isso como um artifício para conseguir atenção ou pena. Não. Nós queremos dizer os inúmeros amantes, mães e outros que verdadeiramente sofrem em silêncio, como você NUNCA vai saber. Você não vai saber. Você não vai notar. Eles vivem suas vidas sofrendo e você passa por eles e nem nota. Esse tipo de ânsia. Você conhece? Você tem um momento desses de tempos em tempos, uma ou duas vezes na vida, você dá atenção. Você pode até ser responsável. Você já viu uma vez, então você sabe que isso existe e muito.

Eles podem passar a vida inteira pensando em você – praticamente te idolatrando, todo

momento, você estava com eles em seus pensamentos e eles não podem evitar – é assim

que é. Eles tem suas razões...

Eu me incluo nos idealistas. Eu não tenho nenhuma adoração pelos fatos. Quando você

sofre, o que os fatos significam? Eu não me interesso por eles. Fatos não têm significado na minha cabeça. O que importa é o que tem no seu coração. Graças a Deus. Reze para o Senhor, reze por alguma coisa. Reze por qualquer coisa. Eu vou rezar e rezar, seja o que for, seja quem for, alguém. Seja quem for. Por que eu preciso de salvação. Eu uno minhas mãos.

65 

 

(Ela corta suas algemas)

(pausa)

Você acha que eu não tenho dentes. Você acha que eu sou amável. Não tenha certeza...

minhas decisões nem sempre podem ser defendidas. Pergunte a qualquer um da minha

família, eles vão te dizer, eu fui um inferno pra eles. E isso é um fato.

Você me deixa sozinha com a sua indiferença. Inteligente o suficiente para levar vantagens mas não o suficiente pra ter uma ideia original? O que vai acontecer com você? Quando você vai embora?

(3 sai)

Maddy. Por favor Maddy. Querida Maddy. Eu te amo. Eu sinto sua falta. Você é minha

única esperança. Me desculpe. Eu vou mudar o mundo. Espere e verá.

Cena:

(1 e 2 entram)

1: que horas são? O começo... o que é que dizem? “faça sua aposta as seis da tarde para

decidir o começo de tudo ... escolha sua ficha.” Certo ... eles são – são sem educação eu

acho. Merda. Nós podemos perder todos os jogos, e sair atrás de planos picaretas. Você

sabe do que eu estou falando?

2: comece pelo principio.

1: Certo. Nada vai acontecer no ano que vem. Nos temos que nos focar no outro ano. Por

que, hum, qual é o nome dele, está voltando, e –

66 

 

2: AC.

1: Exatamente, Joe Glaner esta voltando, Louis está voltando. E Ivan qual é o nome dele.

Eles tem jogadores. Eles são jovens. Rodey...

2: eu acho – ele – ele está machucado.

1: não.

1: não ele vai voltar.

2: em qual posição ele joga?

1: Ah... nose tackle eu acho.

2: Ah, certo. Certo. Eu sei de quem você está falando. Grant tem sido, onde nos estamos? A

quantas temporadas ele está la?

1: Hum? ... é a sua terceira. Ele não passou no teste das drogas.

2: Sério? Achei que ele estava limpo.

(pausa)

1: espere um segundo.

2: o que houve?

1: onde ele está?

2: quem.

1: o cara. Você – onde ele está?! Você o entregou?

2: eu não entreguei.

1: Márcia. Onde ele está?

5: eu não sei. Eu sai e depois ele não estava mais lá. Acho que ele foi embora.

1: ele foi embora???

5: eu não sei.

1: o que? O que está acontecendo?

2: onde ele está?

1: que merda está acontecendo? Márcia.

67 

 

5: o que! Você me falou pra preencher os relatórios. Eu não sei como fazer isso!

1: eu não posso acreditar nisso. Eu não posso acreditar nessa merda.

2: o que aconteceu?

5: o que! Eu te disse. Não me culpe.

1: explique.

5: ele foi embora. O que você quer que eu te diga...

(pausa)

5: ele foi embora. Desculpe.

1: como ele se soltou das algemas?

2: você não pode culpá-la.

1: (para 5) você sabe que aqueles que aplicam as leis me fazem rir. Ninguém mais pode oferecer nada? Que tipo de operação é essa, não podemos – não podemos deter as pessoas? Que absurdo?! Por que? Você me faz ter vergonha. Isso é realmente vergonhoso... que merda...

(5 sai)

1: eu preciso tomar uma decisão.

2: ela é uma arma.

1: você acha?

2: sim. Quando a merda fica grossa. Sabe, ela tem uma função. Ela é muito honesta. Eu

gosto disso.

1: ... Pssssh. Você está gostando dela. Isso sim...

2: Na. Não é isso.

1: eu acho que você está.

2: eu já te disse. Você não vai acreditar no que eu digo? Que merda é você pra me

questionar?

68 

 

(pausa)

1: por que é que eu sempre fico com uma coisa na cabeça quando eu falo com você?

2: o que? Me diga.

1: quem é o chefe. Você acha que você é o chefe?

2: não, irmão. Eu não acho.

1: certo.

2: ela só é forte. Realmente forte. Você deveria ter orgulho.

1: é. Eu não sei o que isso significa. O que isso significa?

2: você já notou isso também.

1: eu não notei o que você notou. E eu não posso trabalhar com ela. Ela é muita coisa. Eu

não gosto disso. Deixa isso longe se você sabe o que é bom pra você.

2: ele é um homem espiritualizado. Deixe o sozinho.

(pausa)

1: eu fui a um renascimento na A______y nesse final de semana. Foi numa tenda. Eles

tinham um cara que eu vi – eu pude ver que ele era. E eu pude entender por que eles chamam isso de êxtase, eles tiveram que ajudar ele a se levantar. E quando ele levantou

eu pude ver nas suas calças que ele tinha gozado. Eu fiquei pensando, muita gente vai pra igreja, mas isso é intenso. Foi muito diferente pra mim. Palavras de elevação nos dão chão.

E isso é algo pra nos inspirar. Isso me deixou feliz por um tempo.

(1 sai)

Cena: 2 sozinho

2: eu estou sozinho...

69 

 

(3 entra, chuta a bunda de 2, sai)

2: Ei! EI! Volta aqui!!!

(1 entra)

1: o que aconteceu.

2: esses merdas... ahh...

1: quem fez isso?

2: ahh!

1:

2: que merda são eles?

1: isso é o que eu estou te perguntando?

2: eu realmente não entendo. Não me diga que esse não é o cara.

1: eu não sei.

2: é ou não é!!

1: eu não sei! eu estou trabalhando nisso.

2: Não. NÃO!!!

1: cala a boca. Eu não sei o que está acontecendo aqui. Cala a boca um segundo.

2: ahh.

(5 entra)

5: o que aconteceu? O que aconteceu com você?

2: eu me machuquei... eu tenho que te dizer uma coisa.

(1 sai)

2: eu sei que isso é estranho. Eu não queria que fosse. Desculpe... mas eu realmente gosto

70 

 

de você.

5: eu sei.

2: não, não. É verdade. Eu tenho sentimentos por você. Se você pudesse ver. Eu não

consigo dizer o que se passa na minha cabeça.

5: eu disse que eu sei. Eu posso dizer.

2: Bom..

5: Hum..

2: você não tem que dizer nada. Não diz nada.

(pausa)

2: você vai dizer que nada disso é novidade. Claro, você vai dizer isso. Muitas pessoas já

falaram sobre o que você está descrevendo... é. Bom, eu não ligo a mínima pra isso. Está

acontecendo comigo. Isso faz ser novidade. Certo? Isso nunca aconteceu COMIGO antes.

Entendeu?

5: ouça... não se mova. Não faça barulho... eu não tenho sabedoria pra te dizer isso da

maneira que deveria ser dita agora.. mas eu te conheço. Eu já estive ai, também. Eu fiz

tudo. Acredite. Confie em mim. Eu já fiz tudo isso. Eu quero dizer TUDO. Eu não tenho

orgulho disso. Mas, sem duvida, eu fiz tudo... e eu não posso fazer isso.

(pausa)

2: é...

(pausa)

2: só me faz um favor.

5: o que.

2: uma coisa.

5: o que?

71 

 

2: não ache que eu sou especial.

5: não – isso é absolutamente necessário. Você é especial. Isso é muito importante. Importa.

Significa muito pra mim. Por favor. SAIBA isso.

2: Não... você não entendeu. Eu amo tudo em você. Não existe separação. Só existe você.

Seu cheiro, seu gosto, seus olhos, seu corpo, sua mente. Eu não tenho opinião. Por que eu

não sei sobre essas coisas. São todas partes de você, são uma coisa, são o que você é. Eu

não sei se você sabe disso. Não me deixe de fora. Por favor. Não. Eu sempre vou estar aqui

pra você. Eu quero te ajudar.

5: você não pode.

2: bom, eu quero. Não sei como não te dizer.

5: você não pode.

(1 entra)

1: Brian, me de licença um segundo...

(2 sai)

1: sente.. Eu ah, eu assisti o vídeo...

5:

1: eu preciso de uma resposta. Eu estou cansado dessa porcaria.

5:

1: Certo. O que nós fazemos? Não dizemos nada? ... ai ninguém fica sabendo a não ser

você. É isso?

Certo, guarde pra você. Não diga uma palavra, ai isso vai queimar dentro de você. Grande

coisa né? ENTÃO isso vai queimar você inteira! GRANDE COISA! Ah! GRANDE

COISA!!

Você decide. Mas eu dividi com você e agora você sabe como é. Então você está no meu

lugar. Então VOCÊ sabe. E você entende os papeis também. Nós estamos juntos nessa.

72 

 

Nós dois escolhemos não fazer nada. Ou nós escolhemos fazer alguma coisa. Mas eu sei

o placar. Não se preocupe comigo. Eu sei tomar minhas decisões. Eu tenho minha própria

vontade. Você guarde pra você... e eu vou decidir... assim que nós fazemos as coisas.

5: NADA MUDA!? TOM? NADA!!! NADA MUDA. Que merda. PORQUE? POR QUE

TEM QUE FICAR NA MESMA!!! POR QUE TEM QUE SER SEMPRE A MESMA

MERDA!! POR FAVOR, Tom... por favor... o que você quer não importa pra mim! Jesus.

Por favor. Me poupe. Você sabe de tudo isso Tom?? Bom, então isso não é pra você, isso

é... eu estou cansada de estar com pessoas que só observam de fora. Aqueles que olham e

vacilam, e observam com esperança, falam sobre isso, estudam, mas nunca se envolvem...

(pausa)

1: o que você fez?

5: eu não tenho idéia. Eu não sei por que eu faço essas coisas. Uma coisa é igual a outra.

Parece tão aleatório. Eu nem sei se eu estou sob controle.

1: eu vou falar com a sua mãe. Eu vou falar pra ela o que você quiser. Mas você realmente

deveria pensar sobre voltar pra casa.

5: você quer mais duas semanas?

1: não. Termine seu dia e vá embora.

(2 entra)

2: Está tudo certo.

5: sim. Está certo... hoje é meu ultimo dia.

2: não.

5: eu já fui dura o suficiente com ele. Eu acabei.

(pausa)

2: não, espera um segundo ...

(pausa)

(para 1)

73 

 

2: o que está acontecendo?

1: ela acabou.

2: não, não, não, não....

1: está feito. Eu tive.

2: não, ouça.

1: eu estou ouvindo.

2: Márcia. Não vá embora. Me de 30 segundos! (para 1) Não, você não pode. Não faça isso.

Não acabou.

1: você está perdendo o seu tempo. Está tudo claro pra mim.

2: não, você não sabe. Se ela for embora, eu me demito. Eu –

(5 sai)

1: bom... você não sabe do que eu sei.

2: não, eu – eu não posso imaginar – isso é -. Eu não posso fazer isso sem ela. Eu não posso

imaginar!

1: eu te disse. Essa é a minha decisão. Você não entende a minha vida.

2: ELA SABE. ELA ME CONHECE.

1: tarde demais.

2: me ouça. MERDA! Você tem que chamar ela de volta.

1: chamar ela de volta? E fazer o que.

2: não, eu não posso – eu não posso permitir isso.

1: a família é minha, a decisão é minha.

2: merda! Você não sabe. Saiba que isso é verdade. Isso vai me destruir. Eu –eu sei disso

com certeza. Isso vai me destruir. E isso é a mais dura verdade. Eu posso sentir. Eu sei

disso. E não tem nada que você possa fazer a respeito. Olhe pra isso. Eu estou cansado

74 

 

de me controlar. Eu vou deixar o destino no controle. Você não pode me parar agora. O

destino está no controle. Não importa se você gosta disso ou não, filho. Você não está no

controle. Eu estou cansado de ser controlado, filho. Não vou deixar isso acontecer de novo.

O QUE VOCE QUER ??? !!! O QUE EU QUERO ??? !!! Deus! Por favor me ajude! Deus.

POR FAVOR!!!

(1 tenta deter 2 – lutam. 1 abraça 2)

1: Ei. Ei. Ei... está tudo bem. Shhh-shhh... Calma...

(pausa)

2: eu não fui feito pra isso. Eu tenho que sair daqui. Eu não conheço mais nada. Isso é – um

planeta diferente. Isso realmente não é pra mim, não. Se você falar com ela... diga pra ela

que eu quero ver aquele filme antigo. Daqueles que passavam nos fóruns das faculdades,

que custam uns trocados mas tudo o que você quer vira realidade neles. De qualquer jeito.

Minha mensagem pra ela está dentro desse filme. E eu nunca vou esquecê-la. Diga isso pra

ela Tom.

(pausa)

1: nós dividimos a mesma cama.

2: o que isso significa.

1: ... eu não sei.

2: não. Me diga o que isso significa.

1:

(pausa)

75 

 

(2 sai)

Cena:

(6 entra)

1: E ai?

6: Eu vim pra pegar o meu cheque. Eu liguei.

1: Qual o seu nome?

6: Você não lembra de mim?

1: Não, não, eu sabia que você vinha. Eu só preciso do seu nome. Bastante gente passa por aqui.

6: Shannon Kennedy.

1: Certo, um segundo... deixa eu... deixa eu ver aqui nos arquivos... certo. Achei. Oh. Nós tivemos que te despedir. Eu não lembro.

6: Bom, pra mim foi mais como se eu tivesse me demitido. Pra mim foi isso. Eu estava bem assustada.

1: E agora. Como você está agora?

6: Bom, eu estou assustada.

1: É?

6: É. Mas eu não – eu realmente não me importo mais com isso.

1: Certo, certo. Eu posso trabalhar com isso.

6: Certo.

1: Eu gosto do seu jeito. Você me lembra alguma coisa do Jim McMachon. Isso é legal. Você lembra do punk QB?

6: Sim.

(3 e 4 entram)

1: Ié! Vai pra lá! (otário) Mira! Guevon!

3: (rindo)

1: Arrogante... por que você está rindo?

3: Desculpe, eu não consigo entender o que você esta dizendo. De onde você é?

76 

 

1: você não consegue entender nada?

3: não, eu não consigo entender o que você está falando.

1: (para 4) acho que eu te conheço.

3: é?

1: é. De onde você veio?

3: é!??

1: de onde você veio?

4: não importa.

1: eu conheço essa pessoa. Eu te conheço. De onde você veio?

3: eu sei de onde eu vim.

1: África, certo?

4: Ohhhh!!!

1: não é de lá que todos nós viemos?

3: o que? Que merda você disse?

1: eu disse que todos nos viemos da África, de qualquer maneira.

4: Oh!

3: isso está certo? Ei... (chega perto dele) eu não vim da África. Olha pra mim. Parece que eu vim da África?

1: Bom...

3: Não não não. Deixa eu falar. Eu não vim da África. Você entendeu?

(pausa)

4: não, esse cara ta falando sobre aquela cena de True Lies20? Você viu esse filme? Parece que o cara tá pra morrer e aí ele diz, você é siciliano certo, e o cara diz é, e o outro cara diz, você sabe de onde vieram os sicilianos? Não. E ele diz que os sicilianos têm cabelo crespo e pele escura porque os mouros vieram da África e comeram nossas mulheres, então a sua vó foi comida por um preto, então vocês sicilianos são todos pretos.

                                                            20 Filme lançado no Brasil com o título “A Verdade da Mentira” (1994) dirigido por James Cameron onde Arnold Schwarzenegger vive uma vida dupla: ao mesmo tempo um agente secreto americano treinado para a guerra contra o terrorismo e vendedor numa loja de informática. 

77 

 

6: isso não é True Lies.

4: o que?

6: True Lies é o Arnold Schwartzenegger.

3: é, você esta certo... ela está certa. Ei – (para 1) você pode ser da África. Eu não sou da África... entendeu?

1: tá, certo. (para 3) o que você é então? Siciliano?

3: não.

4: a mesma coisa! Certo?!

1: certo. Certo...

4: você sabe qual é o melhor filme de todos os tempos?

3: Scarface21.

4: é?

4: você quer saber qual é o melhor filme de todos os tempo? Eu vou te dizer qual é o melhor filme de todos os tempos. O Poderoso Chefão22. Esse é o melhor filme. O melhor filme. O melhor filme de todos. Ainda é o melhor filme.

1: é um filme bom.

4: seu vendido! Qual é o seu filme favorito?

1: A Paixão de Cristo23?

4/3: Ohhh!

3/4: hahahaha

(pausa)

1: eu não estou brincando.                                                             21 O filme Scarface (1983) tem direção de Brian de Palma e é um remake do original de 1932 de direção de Howard Hughes. O  filme apresenta a história de um  imigrante  cubano que  tenta  formar um  império de tráfico de drogas e é tido como um dos filmes mais violentos produzidos em Hollywood na década de 80. 

22 O primeiro dos três filmes da série The Godfather foi dirigido em 1972 por Francis Ford Coppola baseado no livro de Mario Puzo que relata a “rotina” da máfia italiana (tendo como protagonistas membros de uma família vinda da Sicília) nos Estados Unidos em 1945. 

23 A Paixão de Cristo (2004) é um filme dirigido por Mel Gibson que relata as últimas doze horas da vida de Jesus Cristo antes da crucificação.  

78 

 

(pausa)

1: ahhh, vamos embora desse lugar! Vamos! Vamos! Eu não agüento mais isso!

(eles brigam, 3 e 4 escapam, 6 está no chão com os olhos machucados)

1: Essa é para os anjos dos antigos vizinhos.

Nós temos medo de sucesso e esse medo toma proporções bastante reais, estando tão próximos quanto nós estamos – de cara com os famosos e importantes. Sucesso é como se fosse um bota-fora. De sermos irmãos com as mesmas características que nós sabemos que destruíram a vizinhança. Ser real é mais importante do que ser bem sucedido para nós. Nós não queremos que você seja um sucesso, não por que temos inveja ou medo da competição, mas nós temos medo de te perder para outro lugar. Mas nós passamos dos limites, não?

Nós somos bons em selecionar pessoas, esse tipo de arrogância que nos põem acima do resto de vocês.

Nos lembramos do tempo que existia uma comunidade de verdade aqui. Uma comunidade que manifestava um desejo real de sobreviver. Quando as ruas foram repletas de todo tipo de escória, você tinha que se proteger e proteger aqueles a sua volta.

Na antiga vizinhança, você tinha que ser obediente, mostrar respeito, mostrar sua cara de vez em quando, mostrar que você não se esqueceu, de onde você veio e como você conseguiu chegar a onde você está agora.

O, Deus, você está nos meus sonhos agora mas mesmo isso sai espontaneamente por que nós estamos além das diferenças entre estar acordado e dormindo. Você sempre está aqui. Você não gosta que as coisas sejam muito fáceis. Eu entendo. Não pode ser muito fácil.

A glória de Deus nele

A graça divina

Você não merece isso

Eu estou pegando fogo, senhor.

Isso não é errado?

Ahh, eu sei a resposta.

79 

 

Eu me ponho abaixo de você agora, hoje e

Eu me ponho abaixo de você, Deus.

No Dia do Julgamento

Agora, Sofrimento não é simulação

É real

Quando outras pessoas alegam ou mostram sofrimento

Você não entendia

Então quando acontece com você

Você percebe que eles não estão fingindo sofrimento

É real

Eu me sinto livre agora, eu não consigo sentir meus pés abaixo de mim. Essa é uma nova sensação. Flutuando, eu não tenho equilíbrio, eu perdi o controle da minha vida. Como eu posso mostrar que tenho controle da minha vida se eu não tenho nenhuma consciência de mim mesmo, da antiga forma de mim e do novo eu que ainda não está definido. Eu vou ir adiante de um novo jeito. Nós contamos as coisas de uma maneira diferente na minha família. Diferentes operações. A única coisa que vale a pena lutar é o amor? Essa é a única coisa atrás da porta? Eu já vi homens olhando para o céu. Eu sei como isso aparenta ser.

Jesus Cristo, eu confesso que sou um pecador em busca da salvação. Eu me arrependo de meus pecados. Jesus entre no meu coração agora, me leve até seu santuário e lá eu poderei te adorar em espírito e em verdade ... amém.

(pausa)

“E então a terra deverá receber meus membros. Então eu deverei dançar de verdade”

(fim)

80 

 

Considerações Finais

Quando decidi que iria pesquisar o trabalho de Richard Maxwell, procurei muitas

abordagens: a questão dos personagens, o universo western, o realismo, a referência ao

absurdo, ao pop, à performance, ao cinema. Cada uma dessas maneiras de enxergar a obra

do encenador me abria um novo campo de visão, que conseqüentemente me levava a

interpretar seu universo de maneira mais ampla e às vezes contraditória.

Durante mais de metade da pesquisa, trabalhei essencialmente com pistas que me

levavam a lugares já visitados e lugares que nunca pensei que iria chegar pesquisando

teatro. Muitos conteúdos vistos durante a graduação foram revisitados, e eu consegui

compreender de fato o que o trabalho significa numa visão mais global.

Senti que estava realmente graduada em Artes do Corpo, com habilitação em teatro

e performance. No início, associava minha pesquisa essencialmente ao universo teatral,

mas depois entendi de fato o que estudei em diversos contextos dentro do curso: as

linguagens tendem a mistura e muitas vezes quando encontramos uma obra instigante e

inovadora ela se encontra num território pouco fácil de explicitar.

No começo do meu envolvimento com o universo de Maxwell tive esse impulso de

tentar encontrar uma “gaveta” para encaixá-lo. Talvez pela falta de experiência no

processo de escrita mais denso e focado, as duas estratégias que tinha como meta para

fazer um trabalho acadêmico não deram certo: associar o NYCP a um grupo específico de

artistas e o contextualizar em harmonia com eles e encontrar um filósofo para nortear meu

estudo, usando Maxwell como exemplo.

Mas nada disso serviu para problematizar o trabalho analisado. Eu corria o risco de

colocar sua obra num lugar de fácil entendimento gerado pela falta de complexidade e

reflexão crítica.

Maxwell tem muitas referências e elas norteiam seu trabalho, porém acho que

simplesmente associar um pensamento a uma escola e um trabalho a uma referência é

pouco quando me disponho a pesquisar mais a fundo a obra de um artista.

Então fiquei com uma de minhas perguntas essenciais a ser respondida:

81 

 

Afinal, será Maxwell um diretor de teatro? De um teatro realista?

Talvez essa dificuldade de associar o trabalho do NYCP com teatro realista venha

de uma expectativa que observo com freqüência no público teatral de estar sempre

esperando “mais” quando se vai ao teatro, como se o teatro contemporâneo precisasse se

distanciar do teatro para alcançar um “estado superior de arte”.

Posso identificar ai o cerne da contradição que o trabalho do encenador Richard

Maxwell traz: trata-se apenas de teatro, de um jogo em que finge-se fingir.

Em uma análise imediata, podemos associar este “fingir que se finge” à

performance, por exemplo, eliminando todo o que se pode identificar de ilusão na cena.

Mas forçar uma classificação monolítica (teatro ou performance) nos faz perder o foco

principal da discussão. Não se trata de um embate de gêneros.

O último trabalho de Maxwell, ADS (2010), é um vídeo previamente gravado que o

diretor exibia no teatro, subvertendo o que existe de mais essencial no evento teatral: o

encontro entre o público e o ator num mesmo lugar. Quando indagado sobre se aquilo era

cinema ou teatro, Maxwell disse que era teatro e que ele estava explorando novas

potencialidades da linguagem.

Identifico um preconceito muito grande da classe artística em relação a essa

potencialidade do teatro, ainda mais realista, como se se tratasse de uma linguagem já

completamente explorada e esgotada. Agora consigo ver que o meu fascínio pelo teatro de

Maxwell se relaciona com a sua pesquisa em relação a potencialidade do teatro.

Assim, a descoberta do trabalho de Richard Maxwell foi importante para provar

para mim mesma o que já desconfiava: sim, é possível fazer teatro, teatro mesmo,

atualmente, sobre as questões atuais com atores, autores e diretores contemporâneos.

O processo mais difícil de fato foi a escrita do trabalho. Trabalhando no SESC

todos os dias da semana com exceção de domingo, tendo créditos obrigatórios da faculdade

para cumprir em disciplinas de outros cursos que muitas vezes não se relacionavam

absolutamente nada com a minha pesquisa e com métodos de avaliação que já tinha me

desabituado há muito tempo, foi complicado manter a assiduidade de pesquisa e escrita.

82 

 

Julgo que o processo de imersão no universo de Richard Maxwell e na monografia

foi extremamente importante para a minha formação como pesquisadora e artista.

Sustentar um projeto onde eu mesma era a maior interessada e responsável pela

realização foi uma experiência bem difícil, mas me rendeu muitos frutos mesmo antes de

ser concluída.

83 

 

Bibliografia

• ALVIM, Roberto. O Desastre na Escuridão (Apontamentos para a construção de

uma Poética do Inominável). in Sala Preta n.10, pág 109-116.

• ARISTÓTELES. A Poética Clássica. São Paulo: Cultrix, 1995.

• ARTAUD, Antonin. O Teatro e Seu Duplo. São Paulo: Martins Fontes, 1938.

• FABIÃO, Eleonora. Performance e Teatro: poéticas e políticas da cena

contemporânea.

• GORMAN, Sarah. The Theatre of Richard Maxwell and the New York City

Players. New York: Routledge, 2011.

• GUINSBURG, Jacó. Da Cena em Cena. São Paulo: Perspectiva, 2001.

• LEHMANN, Hans-Thies. Teatro Pós-Dramático. São Paulo: Cosacnaify, 2007.

• LYNCH, David. Em Águas Profundas: Criatividade e Meditação: Gryphus, 2008.

• MAXWELL, Richard. Plays 1996-2000. New York: Theatre Communications

Group, 2004.

• MAXWELL, Richard. End Of Reality. Peça de teatro não publicada pelo grupo,

2006.

• ROUBINE, Jean-Jaques. Liguagem da Encenação Teatral. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar Ed., 1998.

• RYNGAERT, Jean-Pierre. Ler o Teatro Contemporâneo. São Paulo: Martins

Fontes, 1998.

• STANISLAVSKI, Constantin. A Preparação do Ator. São Paulo: Civilização Brasileira,

1999. 

Sites Consultados:

• www.nycplayers.org 

• www.newdramatists.org 

 

84 

 

Filmografia

85 

 

Anexos

ANEXO 1

Fora da nova ordem mundial

Um dos nomes mais radicais da cena contemporânea, o norte-americano Richard

Maxwell recusa os novos recursos multimídias e inaugura um 'drama não-dramático'

Maria Eugênia de Menezes - O Estado de S.Paulo (26 de julho de 2010)

O norte-americano Richard Maxwell não diz exatamente aquilo que se espera ouvir

de um "homem" de teatro: confessa que não consegue dialogar com Shakespeare, compara

sua obra ao punk rock e conta que se importa, sim, com o que os críticos comentam sobre

seu trabalho.

Saudado como um dos mais instigantes nomes da dramaturgia contemporânea, o

diretor da companhia New York City Players esteve no Brasil na semana passada para

participar do Festival Internacional de São José do Rio Preto. Com ingressos esgotados

para as seis sessões, seu espetáculo Ode ao Homem que se Ajoelha foi uma das grandes

apostas da programação, que terminou anteontem, e surpreendeu o público ao apresentar

cenas de um realismo absolutamente antirrealista e subverter gêneros canônicos de seu

país, como o faroeste e o musical. Na entrevista a seguir, Maxwell conversou, a pedido do

Estado, com o diretor Roberto Alvim, curador do FIT e responsável pela montagem de três

textos do autor, em São Paulo.

Roberto Alvim: Se compararmos as peças do começo de sua carreira com as últimas,

percebemos procedimentos muito diferentes. Como você vê o desenvolvimento da sua

dramaturgia?

Richard Maxwell - Acho que a transformação definitiva se dá com o 11 de Setembro, é

isso que muda os meus procedimentos. De repente, eu tenho tanta coisa a dizer e não fico

mais satisfeito com o silêncio.

Alvim: Neste último espetáculo, Ode ao Homem que se Ajoelha, você sinaliza uma

86 

 

série de alterações de tempo e espaço apenas com a maneira como usa a linguagem. É

como se você se apropriasse de uma lógica mais próxima da poesia do que da prosa,

que é uma lógica linear. Você vê esse movimento?

Maxwell: Na verdade, eu penso em música enquanto escrevo. Alguma coisa que fala ao

coração. Tento ser específico com aquilo que estou sentindo, mas não acho que tenho

necessidade de explicar isso. Porque, na maioria das vezes, quando você explica muito

uma coisa, o mistério desaparece.

Alvim: Você vem de um país onde existe um método hegemônico de direção de atores,

do Actors Studio, e você trabalha em uma direção contrária a esse método.

Maxwell: Acho que o método de direção de atores que predomina hoje nos EUA não tem

muito a ver com essa ideia de transe ou da incorporação de um personagem. Isso se

transformou em algo muito mais pragmático, muito mais próximo da lógica da indústria. A

indústria quer que você finja, eles acham que representar é necessário para se contar uma

história, e eu, não. Eu digo aos atores: você não tem de representar. Só tem que viver a

situação de interpretar uma peça para uma plateia.

Alvim: Seu país tem uma larga tradição em musicais. E você trabalha sempre ou

quase sempre com músicas. Como usa as canções nos seus espetáculos?

Maxwell: Quero saber como o teatro pode tirar vantagem daquilo que só o teatro pode

oferecer. O que não tem relação com esse pastiche do teatro multimídia contemporâneo.

Eu não tenho nada a ver com isso. Quero recuperar o impulso primeiro de se contar uma

história da maneira mais básica. Quando falo com os atores, não estou falando de

psicologia, mas de ritmo, a linguagem já é musical.

Alvim: O seu trabalho dialoga com quais autores?

Maxwell: Eu não posso responder a Shakespeare, não está em mim. Está muito distante de

quem eu sou: um cara do Meio-Oeste americano. Esses autores que surgiram nos anos

1960, como Harold Pinter e Joe Orton, me dizem mais.

Alvim: Seu material temático é amplo. Pode ser uma estação de segurança, uma casa

no subúrbio, faroestes, Idade Média. Como escolhe temas tão distintos?

Maxwell: O importante num trabalho é manter uma atitude de aprendiz. Eu não sei nada,

87 

 

sabe? Sei que estou o tempo todo perdendo informações. E isso me dá um sentimento de

desespero. Quando o conhecimento se torna fixo e você se comporta como se estivesse

ensinado alguma coisa ao público, isso deixa de ser interessante.

Alvim: Neste começo de século vivemos crises no espectro político e social. Como você

se coloca como artista nesse contexto, qual a sua contribuição para o teatro neste

momento?

Maxwell: Espero ter algum impacto formal no que está acontecendo. Porque você pode ter

um teatro político, um teatro, por exemplo, que fale do sofrimento em Guantánamo, e isso

é válido. Mas uma coisa que não vejo ser questionada é o jeito como o entretenimento é

automático. Ninguém está falando sobre a forma, sobre o jeito como uma história pode ser

contada. Você me perguntou sobre influências. O punk rock - a atitude de ter alguém que

mal sabe tocar um instrumento em cima de um palco, fazendo música com o coração dela_

isso me parece importante, isso me move. O que aconteceu no punk é formal. E é isso que

eu acho que as pessoas podem tirar do que eu estou fazendo.

ANEXO 2

"Não há razão para obedecer um sistema de como fazer teatro", diz Maxwell

MARCOS GRINSPUM FERRAZ

Um dos nomes mais aguardados do 10º FIT (Festival Internacional de São José do Rio

Preto), Richard Maxwell, 43, é considerado dos mais inventivos entre os dramaturgos

experimentais norte-americanos da atualidade.

No festival, junto com a sua companhia New York City Players, o diretor apresenta "Ode

ao Homem que se Ajoelha", de 2007, um "western" musical que em nada se assemelha aos

padrões da Broadway.

Dizendo-se feliz e surpreendido em saber que uma "peça experimental" estivesse com

ingressos esgotados para as seis apresentações que fará, Maxwell conversou com a Folha

antes de entrar no ensaio do espetáculo, no qual toca piano.

Veja a integra da entrevista:

88 

 

Folha - Esta edição do FIT se propõe a apresentar artistas singulares e originais. Como

você acha que seu trabalho se encaixa nisso?

Richard Maxwell - Quando comecei a escrever peças e a dirigi-las, eu queria que elas

parecessem comuns, com forte impacto emocional. Mas, por alguma razão, isso não

funcionava. Algo ficava comicamente errado. Foi quando eu vi que a possibilidade de as

coisas parecerem o que não deviam parecer podia ter um maior efeito dramático. Acho que

foi aí que tudo começou. Eu percebi que não havia razões para obedecer um sistema de

como fazer teatro. Esta foi minha verdadeira investigação.

Uma de suas peças mais recentes se chama "The End of Reality" (o fim da realidade) e o

realismo é um assunto importante no seu trabalho. Como você lida com esse conceito?

Realismo é um conceito complicado, enganoso. Realismo é, na verdade, um estilo. Pensam

que é uma tentativa de ser "real", de ser preciso ou honesto em relação ao passado. Eu não

vejo razão para seguir isso, especialmente no teatro. Teatro não é sobre o passado, ele é o

momento em que estamos agora. Realidade é o simples fato de estarmos fazendo uma

peça. Seria um desperdício não aproveitar o fato de ter pessoas numa sala assistindo a

outras, que estão contando uma história.

Você se considera afiliado a alguma tradição teatral específica?

Eu não estaria onde estou hoje sem coletivos como The Wooster Group ou o Goat Island

Performance Group. Eles me deixaram confortável com meus instintos, me tiraram a

impressão de que eu sou algum esquisitão tentando ser diferente.

Ser diferente, mais do que uma intenção, é algo que está em você?

Se você for sincero com o que está fazendo, pode descobrir sua voz. Gosto de diretores de

cinema como Spike Lee e David Lynch ou de teatro como Elizabeth LeCompte e Richard

Foreman, que estão mais interessados em descobrir quem eles são e dividir isso com o

público do que em querer adivinhar o que o público quer ver.

No Brasil existe uma tradição de companhias trabalharem de forma colaborativa,

com atores e diretores criando juntos, inclusive os textos. Como é seu trabalho com a

New York City Players?

Não há algo como uma típica colaboração, em que o ator traria sua proposta de texto. Mas

eu assisto e ouço os atores, e o texto vai mudando nos ensaios baseado em quem é o ator,

89 

 

em vez de o ator mudar em função do texto. Há algo autêntico na linguagem de cada um.

Não penso no ator como um ator, mas como uma pessoa.

As relações entre os personagens de suas peças se baseiam muito em relações de trabalho.

Pode-se dizer que a classe trabalhadora é um dos seus focos principais?

Gosto da linguagem que nasce desse universo e, de alguma maneira, eu sinto que conheço

aquilo. Eu não conseguiria escrever como Tom Stoppard, com tom mais sofisticado, numa

demonstração explícita da linguagem. Gosto da linguagem que não se demonstra, mas que

simplesmente acontece.

Os diálogos de suas peças tem uma linguagem muito específica, não convencional. Como é

essa busca por novos modos de se comunicar?

Com os diálogos, tento fazer com que o público se sinta mais envolvidos no processo.

Tento deixar claro que existe espaço para o que eles pensam e sentem, que não precisam

estar em sincronia ou de acordo com o que eu penso ou sinto sobre a peça.