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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO MARIANA TALITA GOMES PINHEIRO OS DESAFIOS DE CRESCIMENTO EM EMPRESAS FAMILIARES: O caso de uma empresa familiar prestadora de serviços de engenharia de telecomunicações RIO DE JANEIRO 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO

MARIANA TALITA GOMES PINHEIRO

OS DESAFIOS DE CRESCIMENTO EM EMPRESAS FAMILIARES: O caso de uma empresa familiar prestadora de serviços de engenharia de telecomunicações

RIO DE JANEIRO

2017

Mariana Tal ita Gomes Pinheiro

OS DESAFIOS DE CRESCIMENTO EM EMPRESAS FAMILIARES: O caso de uma empresa familiar prestadora de serviços de engenharia de telecomunicações

Orientadora: Denise Lima Fleck

Rio de Janeiro

2017

Dissertação de mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em

Administração, Inst ituto COPPEAD de

administração, Universidade Federal do

Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de

Mestre em Administração

Mariana Tal ita Gomes Pinheiro

OS DESAFIOS DE CRESCIMENTO EM EMPRESAS FAMILIARES: O caso de uma empresa familiar prestadora de serviços de engenharia de telecomunicações

Aprovada em:

______________________________________________

Orientadora

Prof a . Denise Lima Fleck, Ph.D (COPPEAD, UFRJ)

_______________________________________________

Prof. Cesar Gonçalves Neto, Ph.D ( COPPEAD, UFRJ)

________________________________________________

Prof. José Vitor Bomtempo Martins, Ph.D (IE, UFRJ)

Dissertação de mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em

Administração, Inst ituto COPPEAD de

administração, Universidade Federal do

Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de

Mestre em Administração

RESUMO

PINHEIRO, Mariana Talita Gomes. Os desafios de crescimento em empresas

familiares: O caso de uma empresa familiar prestadora de serviços de engenharia de

telecomunicações. Orientadora: Denise Lima Fleck. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD,

2016. Dissertação (Mestrado em Administração)

A empresa familiar é um tipo especial de organização que apresenta a convergência

de pelo menos dois sistemas independentes: a família e a empresa. Considerando a

relevante repercussão econômica e social das empresas familiares no cenário mundial

e a necessidade de estudos profundos que abordam o tema da longevidade saudável

deste tipo de empresa, o objetivo do presente trabalho é analisar quais são os

desafios de crescimento em empresas familiares. Para tanto é realizado um estudo

de caso em uma empresa familiar prestadora de serviços de engenharia de

telecomunicações fundada em 1984. Partindo da perspectiva panorâmica da

estratégia apresentada por Fleck (2014), é realizada uma análise longitudinal,

contemplando múltiplos níveis de análise incluindo empresa, ambiente e a família . A

base teórica utilizada na análise é o modelo de arquétipos de sucesso e fracasso

organizacional desenvolvido por Fleck (2009) que pressupõe que a empresa deva

responder adequadamente a cinco desafios do crescimento como forma de

desenvolver a sua propensão à longevidade saudável. A trajetória da empresa objeto

de estudo é dividida em duas fases à vista do modelo de Greiner (1998). Cada fase é

analisada sob a ótica de configurações apresentada por Miller (1998). Além disso, são

avaliados os aspectos relacionados à família que influenciaram a trajetória de

crescimento da empresa ao longo dos anos. A análise da primeira fase indica que o

alto grau de empreendedorismo garantiu a renovação organizacional e a influência

da família estimulou o crescimento da empresa. Contudo, as demais respostas aos

desafios do crescimento indicam que a empresa não providenciou as condições

adequadas para a expansão subsequente. A análise do segundo período indica um

desalinhamento entre os elementos da configuração e diversas tentativas de ajustar

a estrutura da empresa ao ambiente e à estratégia. São realizadas considerações

sobre os desafios de crescimento específicos em empresas familiares e sobre a

aplicação do ferramental teórico acerca do processo de crescimento organizacional

proposto por Fleck (2009) para o desenvolvimento de pesquisas no âmbito de

empresas familiares.

Palavras-Chaves: Crescimento organizacional, longevidade saudável, empresas

familiares

ABSTRACT

PINHEIRO, Mariana Talita Gomes. Os desafios de crescimento em empresas

familiares: O caso de uma empresa familiar prestadora de serviços de engenharia de

telecomunicações. Orientadora: Denise Lima Fleck. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD,

2016. Dissertação (Mestrado em Administração)

The family business is a special type of organization that presents the convergence of

at least two independent systems: the family and the company. Considering the

significant economic and social impact of these companies and the need for in -depth

studies on the topic of healthy longevity of family business, this study aims to analyze

what are the growth challenges of a family business. A case study is conducted in a

family business founded in 1984. Based on Fleck’s (2014) panoramic perspective of

the strategy, a longitudinal multilevel analysis is carried out, including enterprise,

environment, and family. The theoretical basis for the analysis is the archetypes

model of organizational success and failure developed by Fleck (2009) that assumes

that the company must respond appropriately to five growth related challenges as a

way to develop a propensity for organizational self -perpetuation. The trajectory of

the company is divided into two phases based on the growth model presented by

Greiner (1998). Each phase is analyzed from the perspective of configurations

presented by Miller (1998). The analysis also comprehends the evaluation of family

related aspects that influenced the growth path of the company over the years,

relying on the socioemotional wealth model presented by Gomez-Mejia (2007). The

first phase indicates that a high level of entrepreneurship ensured organizational

renewal and that the family stimulated the growth of the company. However, other

responses to the growth challenges indicate that the company has not developed the

adequate conditions for a subsequent expansion. The second phase indicates a

misalignment of the elements of the configuration and several attempts to adjust the

structure of the business to the environment and the strategy. The conclusion section

addresses the growth challenges of family business and aspects related to application

of the theoretical framework about organizational growth process proposed by Fleck

(2009) as a tool for the development of research in family businesses field.

Key words: organizational growth; healthy longevity, family business

LISTA DE FIGURAS

Figura 2-1: Modelo de crescimento como processo ............................................... 16

Figura 2-2: Modelo de requisitos para o desenvolvimento da propensão à

autoperpetuação ................................................................................................... 17

Figura 3-1: Processo de coleta de dados e tratamento inicial ................................. 41

Figura 5-1: Curva de crescimento e contratos realizados pela empresa no tempo .. 67

Figura 5-2: Principais marcos e eventos no âmbito da família e no âmbito da

empresa ................................................................................................................ 68

Figura 6-1: Organograma da empresa na configuração 1 ........................................ 83

Figura 6-2 Fatores associados a alterações na estratégia e estrutura das operadoras

de Telecomunicações ............................................................................................ 88

Figura 6-3: Contratos levados pela empresa na configuração 2 .............................. 90

Figura 6-4: Estrutura da empresa para levar dois contratos em paralelo ................ 91

Figura 6-5: Organograma em 2010. Estrutura para atendimento de cinco obras

distintas ................................................................................................................ 93

Figura 6-6: Organograma 2011. Estrutura estabelecida após Ana assumir o cargo de

coordenação nas rodovias. .................................................................................... 93

Figura 6-7: Organograma 2012. Estrutura estabelecida após o falecimento do gestor

de contrato ........................................................................................................... 94

Figura 6-8: Organograma 2014. Estrutura estabelecida após redução das atividades

............................................................................................................................. 95

Figura 6-9: Representação das configurações no tempo ......................................... 98

Figura 6-10: Modelo utilizado na apresentação dos itens da segunda parte da análise

............................................................................................................................. 99

Figura 6-11: Movimentos da empresa na configuração 1 ..................................... 100

Figura 6-12: criação de valor das atividades empreendidas ao longo da configuração

1 ......................................................................................................................... 104

Figura 6-13: Interação entre o sistema família como contexto, os indivíduos e o

empreendedorismo ............................................................................................. 114

Figura 6-14: Interação entre o sistema família como um pool de recursos e o sistema

empresa no primeiro período .............................................................................. 118

Figura 6-15: Mecanismos de renovação e deterioração detectados na empresa ... 121

Figura 6-16: Movimento da empresa na configuração 2 ....................................... 124

Figura 6-17: Interação entre o contexto da família e o sistema empresa .............. 156

Figura 6-18: Interação entre o sistema família como um pool de recursos e o sistema

empresa no segundo período .............................................................................. 161

Figura 6-19: “Efeito escada” observado na curva de crescimento ......................... 163

Figura 9-1: Evolução do sistema Telebrás dividido em quatro etapas segundo o seu

investimento total agregado................................................................................ 188

LISTA DE QUADROS

Quadro 2-1: Características dos modos de expansão ............................................. 20

Quadro 3-1: Lista dos entrevistados no segundo bloco de entrevistas .................... 44

Quadro 6-1: Segmentação do mercado para implantação de redes de telefonia

interna .................................................................................................................. 80

Quadro 6-3: Características da estrutura da empresa na configuração 1 ................ 84

Quadro 6-4: Movimentos da empresa atrelados aos movimentos da operadora ..... 89

Quadro 6-5: Características da estrutura da empresa na configuração 2 ................ 96

Quadro 6-6: Dimensões do modelo de riqueza socioemocional observadas na

avaliação da família como contexto ..................................................................... 114

Quadro 7-7: Congruência entre a lógica não econômica e a lógica econômica ...... 115

Quadro 6-8: Dimensões do modelo de riqueza socioemocional observadas na

avaliação da família como pool de recursos ......................................................... 119

Quadro 6-9: Relação entre a lógica não-econômica e a lógica econômica ............ 120

Quadro 6-10: Resumo das dimensões do desafio do empreendedorismo associados

aos movimentos de expansão da configuração 2 ................................................. 129

Quadro 6-11: Tendências do setor, reações da operadora e desdobramentos para a

TelMais ............................................................................................................... 133

Quadro 6-12: Principais aspectos relacionados à gestão de recursos humanos ..... 137

Quadro 6-13: Dimensões do modelo de riqueza socioemocional observadas na

avaliação da família como contexto ..................................................................... 157

Quadro 6-14: Congruência entre a lógica não econômica e a lógica econômica .... 158

Quadro 6-15: Dimensões do modelo de riqueza socioemocional observadas na

avaliação da família como pool de recursos ......................................................... 161

Quadro 6-16: Relação entre a lógica não-econômica e a lógica econômica no

segundo período ................................................................................................. 162

Quadro 9-1: Configuração do território Nacional após a privatização em 1998 ..... 189

Quadro 9-2: Operadoras de telefonia móvel por área e banda: 1996-1999 ........... 190

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................... 10 1.1 Estrutura do trabalho ....................................................................................................... 12

2 REFERENCIAL TEÓRICO ......................................................................... 14 2.1 Crescimento organizacional e a longevidade das organizações ......................................... 14 2.1.1 Os desafios do crescimento .............................................................................................. 16 2.2 Configurações ................................................................................................................... 26 2.3 Modelo de crescimento em etapas ................................................................................... 27 2.4 Literatura de empresas familiares .................................................................................... 30 2.4.1 A interação entre os sistemas família e empresa .............................................................. 30 2.4.2 Dualidade da interação entre os sistemas família e empresa ............................................ 33 2.4.3 Riqueza socioemocional e o processo de tomada de decisão em empresas famil iares ...... 35

3 MÉTODO ............................................................................................. 39 3.1 O método e a estratégia da pesquisa ................................................................................ 39 3.2 Coleta de dados e tratamento de dados inicial ................................................................. 40 3.3 Tratamento de dados ....................................................................................................... 45 3.4 Análise dos dados ............................................................................................................. 46

4 BIOGRAFIA DA FUNDADORA ................................................................. 51 4.1 Primeiras lembranças ....................................................................................................... 52 4.2 Situação financeira da família ........................................................................................... 54 4.3 Os tempos da escola ......................................................................................................... 55 4.4 Vinda para a cidade de Guarapé ....................................................................................... 56

5 HISTÓRICO DA TELMAIS ....................................................................... 63 5.1 A formação da sociedade e a fundação da TelMais (1983 a 1984) .................................... 63 5.2 Período 1 .......................................................................................................................... 69 5.3 Período 2 .......................................................................................................................... 71

6 ANÁLISE.............................................................................................. 77 6.1 Parte 1: Caracterização das configurações ....................................................................... 77 6.1.1 Configuração 1 ................................................................................................................. 78 6.1.2 Configuração 2 ................................................................................................................. 84 6.2 Parte 2: Análise do processo de crescimento .................................................................... 98 6.3 Processo de crescimento no primeiro período .................................................................. 99 6.3.1 Empreendedorismo .......................................................................................................... 99 6.3.2 Navegação no ambiente .................................................................................................. 104 6.3.3 Provisionamento de recursos humanos ........................................................................... 106 6.3.4 Gestão da diversidade ..................................................................................................... 109 6.3.5 Gestão da complexidade.................................................................................................. 110 6.3.6 Influências do sistema família ......................................................................................... 110 6.3.7 Mecanismos de renovação e deterioração ....................................................................... 120 6.4 Processo de crescimento no segundo período ................................................................. 123 6.4.1 Empreendedorismo ......................................................................................................... 123 6.4.2 Navegação no ambiente .................................................................................................. 129 6.4.3 Provisionamento de recursos humanos ........................................................................... 136 6.4.4 Gestão da diversidade ..................................................................................................... 142 6.4.5 Gestão da Complexidade ................................................................................................. 147 6.4.6 Influências do sistema família ......................................................................................... 149 6.4.7 Mecanismo de renovação e deterioração ........................................................................ 162

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................... 166 7.1 Limitações do estudo ....................................................................................................... 173

8 REFERÊNCIAS .................................................................................... 176

9 ANEXO 1 ........................................................................................... 183

10

1 INTRODUÇÃO

A empresa famil iar é um tipo especial de organização, cuja natureza

apresenta a convergência de pelo menos dois sistemas independentes : a

família e a empresa. Este tipo diferenciado de empresa apresenta relevante

repercussão econômica e social no cenário mundial . As empresas familiares

são responsáveis por 70% a 90% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial e

representam a maior parte das empresas no mundo de acordo com o Family

Firm Institute (2016). Ainda mais, estas empresas são responsáveis pela

criação de 50% a 80% dos empregos na maioria dos países ao redor do mundo

(FAMILY FIRM INSTITUTE, 2016) .

Apesar da considerável relevância econômica e social deste grupo de

empresas, ainda não existe uma definição clara e consolidada de empresa

familiar na l iteratura acerca desse tema. Ao revisar a l iteratura de empresas

familiares, Chrisman et al . (1996) encontraram 34 diferentes definições para

a empresa familiar. Dentre as variadas definições, destacam-se as que

consideram o grau de propriedade e de controle da empresa por membros da

família como forma de distinguir a empresa familiar das demais (COVIN, 1994;

MILLER ET AL, 2007; SCIASCIA AND MAZZOLA, 2008).

Em relação à longevidade das empresas familiares, uma das estatísticas

mais aceitas e conhecidas é a apresentada por Ward (1987) que revela que

30% das empresas familiares conseguem chegar à segunda geração, 10% a 15%

chegam à terceira e apenas 3% chegam à quarta. Apesar desta tão conhecida

estatística ser quest ionável diante da inexistência de uma definição precisa

para empresas familiares, o que chama a atenção em relação a ela é a

repercussão destes dados associado à crença popular de que as empresas

familiares possuem limitada capacidade de autoperpetuação , como indica

Ward (2004), relembrando o ditado “shirtsleeves to shirts leeves in three

generations” .

Assim, diante da importância das empresas familiares no cenário

mundial dos negócios e diante das sugestões negativas em relação à

capacidade de perpetuação destas empresas , nota-se a necessidade de uma

11

compreensão mais profunda sobre este tema, de modo a entender como as

característ icas e os problemas pecul iares da s empresas famil iares são capazes

de afetar o seu sucesso no longo prazo.

Quando observamos os avanços da l iteratura acerca das empresas

familiares, percebe-se que até meados dos anos 1980, as mesmas foram

relegadas ao segundo plano nos estud os de administração de empresas.

Entretanto, observa-se que nas últimas três décadas as empresas famil iares

têm sido reconhecidas e tomadas como objeto de interesse em um crescente

número de estudos (XI ET AL, 2015; BIRD ET AL, 2002; SHARMA, 2004) .

Apesar desta perspectiva positiva, o s estudos sobre empresas famil iares

têm sido dominados por métodos de análise quantitativos , os quais muitas

vezes se concentram em comparações entre as empresas familiares e não

familiares, não sendo capazes de avançar no conhecimento profundo acerca

da natureza específ ica destas empresas.

Neste âmbito, Nordqvist , Hall e Melin (2009) destacam os crescentes

pedidos por estudos mais profundos sobre a natureza e o comportamento das

empresas familiares, ressaltando as necessidades de estudos realizados a

partir de uma abordagem qual itativa capaz de capturar de forma profunda a

complexidade e as dinâmicas únicas da empresa familiar.

Em relação aos estudos relacionados à perpetuidade da empresa

familiar, observa-se um número expressivo de estudos que avaliam a questão

sob lentes restritas, analisando, por exemplo, o processo sucessório sem

considerar outros aspectos necessários p ara a continuidade da empresa. Esta

observação confirma a ideia de Fleck (2014) de que estudiosos encontram

facil idade em estudar os fenômenos organizacionais de forma fragmentada,

mas enfrentam dif iculdade em sintetizar o fenômeno.

Assim, diante das necessidades de avançar os estudos profundos e

abrangentes de empresas familiares , este estudo se inspirou na abordagem

dos desafios do crescimento apresentados por Fleck (2009) como uma

literatura oportuna para se estudar uma empresa familiar de forma ampla e

abrangente.

12

Desta forma, este trabalho buscou responder à pergunta: “Quais são os

desafios de crescimento em empresa familiares”.

Este trabalho tem como objeto de estudo uma empresa familiar prestadora

de serviços de engenharia de telecomunicações fundada em 1 984 e está

fundamentado em uma anál ise longitudinal com avaliação de múltiplos níveis

de análise incluindo empresa, ambiente e família .

Assim, pretende-se através da aval iação da trajetória da empresa,

analisar sua propensão à longevidade saudável, apont ando os desafios a serem

superados no futuro. Este estudo visa também contribuir para o conhecimento

empírico sobre empresas familiares tomando como base a teoria de

crescimento organizacional apresentada por Fleck (2009).

1.1 Estrutura do trabalho

A presente dissertação é composta por oito capítulos, incluindo esta

introdução. O segundo capítulo trata do referencial teórico que será a base da

análise do objeto de pesquisa. Neste capí tulo será apresentada a noção de

crescimento como um processo associado à longevidade saudável de uma

organização (FLECK, 2016), os desaf ios do crescimento inerentes a esse

processo (FLECK, 2009), a noção de con figurações como uma forma de estudo

abrangente da estratégia da organização ( MILLER, 1986) e temas relacionados

a empresas familiares (BERRONE ET AL., 2012, DAVIS, 1983; KEPNER, 1983).

O terceiro capítulo apresenta o método util izado e descreve

detalhadamente as etapas realizadas na construção deste estudo, bem como

as justif icativas dos métodos util izados.

O quarto capítulo apresenta a biografia da fundadora e realiza um

resgate às origens familiares da fundadora. Este capítulo enfatiza, a partir da

reconstrução de alguns evento s no âmbito pessoal, a origem dos valores e

motivações da fundadora.

O quinto capítulo trata do histórico da empresa objeto de estudo.

Compreende a apresentação dos principais eventos e principais serviços

13

realizados pela empresa ao longo dos anos, incluindo uma descrição detalhada

acerca da natureza de suas atividades.

O sexto capítulo compreende a análise da trajetória da empresa objeto

de estudo. Primeiramente são apresentadas as principais características das

duas configurações detectadas em duas fases distintas da trajetória da

empresa. Em seguida, o processo de crescimento em cada uma das fases é

aval iado à luz dos desafios do crescimento apresentados por Fleck (2009).

O oitavo capítulo trata das considerações f inais sobre o objeto de estudo

e condensa os principais pontos da discussão. São apresentadas reflexões

sobre as evidências encontradas e sugestões para pesquisas futuras.

No anexo 1, encontra-se uma descrição do histórico do setor de

telecomunicações brasileiro, o qual se apresenta como um contexto geral no

qual a empresa objeto de estudo nasceu e se desenvolveu.

14

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Este capítulo trata do ferramental teórico utilizado nesta dissertação.

Primeiramente será apresentada a noção do crescimento dentro da perspectiva de

longevidade organizacional. Nesta abordagem será levantada a literatura sobre

crescimento organizacional, enfatizando a noção do crescimento como um processo

de mudança dos estados de existência da organização e do ambiente apresentada por

Fleck (2016). Também serão apresentados os desafios do crescimento delineados por

Fleck (2009), os quais serão o eixo central de análise neste estudo.

Em seguida será apresentada a perspectiva de configuração de Miller (1986) e

o modelo de crescimento por etapas de Greiner (1998), as quais também nortearam

a análise do presente trabalhado.

Por fim, como o objeto de estudo trata de uma empresa familiar, os temas de

interesse no âmbito da literatura sobre empresas familiares foram reunidos e

integrados à perspectiva de crescimento organizacional.

2.1 Crescimento organizacional e a longevidade das organizações

Em seu ensaio teórico acerca do crescimento, Penrose (1959) argumenta que

o crescimento é mais do que um simples aumento quantitativo e traz a noção de

crescimento como “um processo intrínseco de desenvolvimento conducente a

movimentos cumulativos numa direção qualquer”. A autora apresenta assim uma

abordagem ampla do tema ao enfatizar que o crescimento compreende uma série de

mudanças interconectadas que conduzem a um aumento do tamanho acompanhado

por mudanças nas características do objeto crescente.

Poderíamos supor então que o crescimento por si só, por tratar de um processo

de ininterruptas mudanças, seria condição suficiente para a perpetuação das

empresas. De fato, de acordo com a visão de Chandler (1977), a perpetuação das

empresas está relacionada com o crescimento contínuo. Entretanto, o autor relata a

existência de duas estratégias diferentes de expansão: a defensiva, relacionada com

a construção de barreiras de entrada, e a produtiva, a qual tem como objetivo

aproveitar os recursos da empresa através de uma coordenação administrativa. O

autor argumenta que apenas as expansões produtivas geram um desequilíbrio

15

causado por novos recursos inutilizados que provocam a pressão para um novo

crescimento. Desta forma, a expansão produtiva parece ter um papel mais importante

em assegurar o crescimento contínuo.

Assim, se por um lado, o crescimento pode ser visto como um processo de

mudança inerente a qualquer organização, a forma como o processo de crescimento

se dá é questão fundamental para a perpetuidade da organização e tal perspectiva é

abordada amplamente por Fleck (2016). A autora explica que o estado de existência

organizacional afeta o crescimento e o crescimento afeta o estado de existência

organizacional subsequente, de modo que a sobrevivência no longo prazo pressupõe

que um processo de crescimento saudável seja perseguido pelas organizações.

A forma como os estados de existência da organização influencia o processo

de crescimento está relacionado a um conjunto de mecanismos: os mecanismos de

renovação e deterioração (FLECK, 2016). Os mecanismos de renovação se

desenvolvem a partir da inovação e do aprendizado, enquanto que os mecanismos de

deterioração podem ser desenvolvidos a partir de ações inadequadas ou

simplesmente devido à falta de ação. A autora explica que no caso dos estados de

sobrevivência não saudáveis, os mecanismos de deterioração prevalecem sobre os de

renovação e percebe-se a geração desperdício em vez da produção de folga,

necessárias para induzir novas expansões (PENROSE, 1959). Assi m, em relação à

forma como os estados organizacionais influenciam o crescimento organizacional,

estados mais saudáveis apresentam uma vantagem sobre os menos saudáveis.

Já a forma como o crescimento influencia o estado organizacional subsequente

está relacionado com ações gerenciais deliberadas que visem à renovação e à

manutenção da integridade da organização através de respostas adequadas a cinco

principais desafios relacionados com o crescimento: o empreendedorismo, a

navegação no ambiente dinâmico, a gestão da diversidade, o provisionamento de

recursos humanos e gestão de complexidade (FLECK, 2009). A forma como a

organização responde a esses desafios irá afetar as perspectivas organizacionais de

longo prazo. Isso porque podem afetar o estado de sobrevivência organizacional, o

estado do ambiente e as iniciativas de expansão subsequentes. O modelo teórico do

crescimento como um processo é apresentado na figura 2.1.

16

ANTECEDENTES EXPANSÃO CONSEQUÊNCIAS DA EMPRESA EMPREENDEDORISMO NAVEGAÇÃO NO AMBIENTE DIVERSIDADE PROVISIONAMENTO DE RECURSOS HUMANOS COMPLEXIDADE

Figura 2-1: Modelo de crescimento como processo Fonte: Fleck (2016)

Em face destas ideias, Fleck (2009) apresenta dois arquétipos que representam

os polos extremos de um contínuo de estados organizacionais: o sucesso

(autoperpetuação) e o fracasso (autodestruição). Esses conjuntos são estados ideais

das organizações e, portanto, as organizações reais estariam posicionadas em algum

ponto entre esses dois polos, variando a sua proximidade de um extremo ao outro

dependendo da forma com que são gerenciados seus desafios do crescimento.

É importante levar em consideração a natureza dinâmica do processo de

desenvolvimento das capacitações organizacionais, inerente à ideia do crescimento

como um processo. Isso quer dizer que as organizações podem variar de estados ao

longo dos anos, se aproximando e se afastando dos polos à medida que suas

capacidades mudam no decorrer dos anos.

2.1.1 Os desafios do crescimento

Considerando os desafios relacionados ao crescimento apresentados, segundo

Fleck (2016), enquanto o empreendedorismo pode ser visto como indutor do

processo de crescimento, os outros quatro desafios possuem um caráter gerencial e

referem-se aos quatro resultados naturais do fenômeno de crescimento.

Os desafios podem ser entendidos como dimensões relacionadas ao processo

de crescimento e as respostas aos desafios, por sua vez, determinam a posição da

organização entre os polos da autodestruição e da autoperpetuação (FLECK, 2009). A

PROCESSO DE

CRESCIMENTO

ESTADO ORGANIZACIONAL (t) Mecanismo de renovação

E Mecanismo de deterioração

ESTADO DO AMBIENTE (t)

ESTADO ORGANIZACIONAL (t+1) Mecanismo de renovação

E Mecanismo de deterioração

ESTADO DO AMBIENTE (t+1)

PROCESSO DE

CRESCIMENTO ...

17

figura 2.2 apresenta a associação dos desafios do crescimento à propensão da

organização de se autoperpetuar.

Figura 2-2: Modelo de requisitos para o desenvolvimento da propensão à autoperpetuação Fonte: Fleck (2009)

O modelo propõe duas condições necessárias para sucesso de longo prazo: o

crescimento e renovação organizacional e a preservação da integridade

organizacional. A renovação organizacional está relacionada ao processo de criação

e captura de valor e aos desafios correspondentes, que são o empreendedorismo e a

navegação no ambiente. Já a integridade organizacional é promovida através do

adequado gerenciado dos desafios da diversidade e da provisão de recursos humanos

(FLECK, 2009).

Assim, as respostas aos desafios determinam os mecanismos de renovação

organizacional e da deterioração presentes no estado da empresa, que por sua vez

afetam o crescimento subsequente. A engrenagem destes mecanismos está associada

ao conceito de folga de recursos. A folga é gerada a partir de todos os tipos de

recursos que excedam a necessidade operacional da organizacional e a existência de

folga é condição necessária para o crescimento (PENROSE, 1959, FLECK, 2009,

CHANDLER, 1977). No entanto, a existência de recursos além do necessário não é

suficiente, já que a folga precisa ser gerenciada de forma a produzir benefícios à

organização. Se utilizada de forma a permitir ineficiências, essa folga é caracterizada

18

como desperdício e compromete a efetividade dos processos de renovação e

manutenção da integridade organizacional.

Neste estudo, a análise dos diferentes estados de existência da organização

será feita através da avaliação do conjunto de respostas que a organização fornece

para os cinco desafios citados. Portanto, a seguir serão detalhados os desafios do

crescimento e suas dimensões.

2.1.1.1 Empreendedorismo

O empreendedorismo é um requisito essencial para o crescimento. Segundo

Fleck (2016), o desafio empreendedor consiste na busca pela promoção do

crescimento contínuo ao invés de um crescimento momentâneo e pressupõe a

tomada de riscos, enquanto procura maneiras de neutralizar os riscos evitáveis. Na

gestão deste desafio, os serviços empreendedores (PENROSE, 1959) e o reforço dos

movimentos de expansão (CHANDLER, 1977) são elementos fundamentais.

Em relação aos serviços empreendedores, Penrose (1959) aponta que os

importantes serviços que o empresário de uma empresa pode proporcionar estão

ligados a algumas dimensões “temperamentais” da qualidade dos serviços

empresariais. Sendo elas:

Versatilidade: é a habilidade que envolve a questão da imaginação, visã o e

senso de oportunidade. Está relacionada com a capacidade de a empresa

reconhecer uma via que poderá ter sucesso. Para as empresas que dispõem

deste serviço abrem-se maiores oportunidades de investimentos do que para

empresas menos versáteis.

Habilidade de levantar recursos: Diz respeito à capacidade de a organização

captar recursos para realizar seus planos. Esta habilidade depende da

capacidade de o empreendedor inspirar confiança. Esta habilidade é mais

facilmente reconhecida pelos seus resultados, pois é difícil dizer se um

determinado empresário possui essa aptidão no caso de ainda não ter sido

comprovada na prática.

19

Ambição: É o ímpeto e a vontade de crescer. Pode ser entendida como a

energia que o empreendedor está disposto em depreender para materializar

suas ideias.

Julgamento em relação ao risco: Consiste na capacidade de leitura do ambiente

e na habilidade em lidar com diferentes cenários, os quais irão guiar o processo

de escolha de oportunidade dentro de uma perspectiva de risco e incerteza.

Diferente dos outros serviços empreendedores, os critérios empresariais de

julgamento de risco só derivam em parte de temperamentos individuais, pois

também está relacionado com a capacidade de a empresa reunir informações.

Assim, este serviço é orientado para toda a questão da expectativa do que a

firma pode fazer e, por isso é moldado e condicionado pela própria empresa.

Assim, segundo a autora, a maneira como a empresa interpreta o seu entorno

está associada aos recursos internos, as atividades da empresa e as qualidades

pessoais de seus empresários.

O fomento da renovação organizacional é um elemento fundamental

relacionado a este desafio. Neste sentido, Fleck (2003) apresentou o motor do

crescimento contínuo, que tem início a partir da percepção da ex istência de um

conjunto diversificado de recursos e habilidades subutilizados, transferíeis dentro da

empresa. Tais serviços subutilizados ou folgas organizacionais são inevitáveis devido

à indivisibilidade dos recursos e determinam o rumo da expansão (PENROSE, 1959).

Uma vez aplicados em novas atividades, um novo conjunto de recursos será adquirido

e assim é estabelecido um mecanismo de reforço que gera pressão para o crescimento

subsequente.

Assim, para que essas expansões sejam produtivas, gerem folga e induzam o

crescimento contínuo é importante que o empreendedorismo esteja relacionado à

criação de valor e que apresente algum grau de inovação. Segundo Fleck (2016),

existem vários modos de crescimento e diferentes graus de inovação podem ser

detectados em cada um deles. Os modos de expansão apresentados pela autora estão

apresentados no quadro 2.1:

20

Modos de expansão

Características

Inercial (rota quantitativa)

O estado anterior de uma organização determina sua trajetória de crescimento . Os estados diferem uns dos outros em apenas aspectos quantitativos. Este modo é o de menor resistência, e os empresários

buscam esse modo, pois se trata de um caminho previsível. A vantagem deste modo é que ele promove eficiência e economia de escala, enquanto a

desvantagem é a promoção da complacência.

Dialético (rota qualitativa)

Determinação do crescimento pela resolução de um “conflito” interno e posterior síntese de seus componentes opostos essenciais. Como por

exemplo, uma inovação que combine diferenciação e produção de baixo custo, ou seja, troca do “ou” por “tanto este quanto aquele”. Este modo

envolve mudanças qualitativas.

Interacional (mesmo nível, rota

de interdependência)

Determinação do crescimento por ação competitiva e / ou cooperativa. Há interdependência mútua entre os players, cujas ações instigam respostas,

réplicas e assim por diante.

Estrutural (rota de múltiplos

níveis)

Determinação do crescimento das partes e do todo, cujo crescimento é determinado simultaneamente pelas partes. Pode ser determinado pela divergência das partes (diversificação relacionada) ou pela convergência

das partes (padronização permite o crescimento do todo). Tipicamente há uma mudança multi-nível.

Guiado pelo ambiente

(Externally-led) (rota causal)

Determinação da estratégia de crescimento da empresa por causas externas. Os fatores externos produzem as principais alterações (natureza

determinista) e estimulam o crescimento. A vantagem é o estímulo ao crescimento, enquanto a desvantagem é a possibilidade d e a apatia

prevalecer enquanto se espera o surgimento do próximo fator externo.

Probabilidade (Chance-led)

(Rota estatística)

Determinação do crescimento de uma empresa pela ação conjunta de entidades independentes ou quase independentes (natureza

probabilística). Se baseia na aleatoriedade resultante da ação de atores, eventos ou processos independentes.

Direcionado a objetivos

(rota teleológica)

Determinação dos meios pelos fins, ou seja, metas de crescimento definem as diretrizes para expansão.Os objetivos estabelecidos desencadeiam

outros processos de mudança. Os agentes que definem as metas pode ser interno ou externo (por exemplo, as agências reguladoras podem definir

metas para as empresas).

Quadro 2-1: Características dos modos de expansão Fonte: adaptado de Fleck (2016)

Assim, percebe-se que diferentes graus de inovação estão presentes nas

iniciativas de crescimento e que o modo inercial apresenta o menor grau de inovação.

(FLECK, 2016). Fleck (2016) argumenta que o desafio empreendedor contribui para a

renovação organizacional sempre que iniciativas empresariais compreendam algum

grau de inovação. Segundo Fleck (2009) organizações que não possuem capacidades

empreendedoras provavelmente vão estagnar ao longo do tempo, enquanto que

aquelas que não conseguem avaliar adequadamente os riscos de suas iniciativas

empreendedoras podem colocar em risco a sua própria sobrevivência.

21

2.1.1.2 Navegação no ambiente dinâmico

Este desafio compreende uma consequência do crescimento, já que a expansão

leva a um aumento da visibilidade da organização no cenário de negócios. A maior

visibilidade pode afetar tanto positiva como negativamente o modo como as partes

interessadas visualizam a organização (FLECK, 2016). Desta maneira, a resposta ao

desafio da navegação no ambiente consiste no modo como a organização lida com os

diversos stakeholders envolvidos, de maneira a assegurar que esta capture valor

criado e garanta a legitimidade necessária à continuidade de sua operação. Assim,

enquanto o empreendedorismo trata da criação de valor, esse desafio trata da

captura de valor (FLECK, 2009).

O sucesso na navegação depende diretamente da habilidade de a empresa

monitorar as pressões exercidas pelo ambiente e da habilidade de empregar as

estratégias de respostas a essas pressões do ambiente (OLIVER, 1991). Uma maior

atenção dada pela organização às pressões ambientais aumenta as suas chances de

alcançar um estado de sucesso sustentável, além de servir como fator neutralizador

da propensão ao declínio organizacional (FLECK, 2009).

O processo de crescimento se envolve dentro do contexto de estados

ambiente/organização e, com isso, as condições do ambiente podem fomentar ou

restringir o processo de captura de valor e consequentemente o crescimento

organizacional (FLECK, 2016). Segundo Fleck (2009), o ambiente pode ser considerado

piedoso, desafiador ou inóspito.

O ambiente piedoso apresenta baixa competição e é menos demandante e, por

isso, pode facilitar as iniciativas de crescimento. Entretanto, este ambiente é

complacente e pode estimular um comodismo organizacional e, consequentemente,

dificuldades de se perceber sinais de declínio organizacional (SULL, 1999). Isso

porque, neste ambiente, por haver baixa competição, os mecanismos de mercado não

conseguem punir a empresa e, portanto, ele contribui para que a empresa não busque

inovações e que não resolva seus problemas internos. Empresas operando

longamente neste ambiente podem apresentar dificuldade de se adaptar a mudanças.

Já no ambiente desafiador as empresas enfrentam dificuldade para crescer já

que o mesmo é altamente competitivo. Neste ambiente, somente serão

22

recompensadas as organizações eficientes. Neste ambiente, as empresas são mais

propensas a inovar, já que, como afirmam Lepak, Smith e Taylor (2007) a inovação

acontece muitas vezes quando as empresas enfrentam incerteza e ambientes

dinâmicos.

O ambiente inóspito por sua vez é caracterizado por situações extremas,

impondo restrições severas às atividades da organização. Neste ambiente a criação e

captura de valor são mais restritivas e a empresa pode interromper suas atividades

por inviabilidade na condução dos negócios. Fleck (2016) aponta que o crescimento

na presença de um ambiente inóspito pode contribuir para o desenvolvimento da

resiliência organizacional que dificilmente seria estimulada na presença de um

ambiente piedoso.

O conceito de que o ambiente é dinâmico decorre do fato de que a qualquer

momento as condições do ambiente podem se modificar e um ambien te que antes

era piedoso pode vir a se tornar desafiador. Neste sentido Fleck (2009) afirma que o

desafio consiste em manter um processo ativo de monitoramento constante do

ambiente, capaz de mapear de forma sistemática a evolução do ambien te no tempo.

Além de monitorar, é necessário responder às pressões e às mudanças no

ambiente de forma adequada. Oliver (1991) propõe uma série de possíveis

estratégias de respostas às pressões ambientes, que variam desde respostas ativas

até respostas passivas, incluindo ações como moldar o ambiente, neutralizar pressões

ou se adaptar. Segundo a autora, para moldar o ambiente, a empresa poderia usar

táticas de desafio ou manipulação e caso não haja forças para pressionar o ambiente,

é necessário adaptar-se usando estratégias de aceitação e negociação. Navegar de

forma bem-sucedida pressupõe o uso apropriado e no tempo certo de todas essas

estratégias de navegação (FLECK, 2009).

Corroborando com esta visão, Sull (1999) afirma que além de responder ao

ambiente, é necessário responder de forma efetiva. Este argumento deriva da

observação de que empresas que tiveram sucesso no passado acabam replicando seus

comportamentos do passado mesmo que o ambiente tenha mudado. Essa condição

foi chamada pelo autor de “inércia ativa”. Assim, este desafio pressupõe que a

empresa não só forneça respostas a cada ameaça, mas que tais respostas sejam

adequadas.

23

Assim, através da gestão eficaz dos stakeholders, do monitoramento ativo dos

múltiplos aspectos do ambiente dinâmico e do uso adequado de estratégias de

navegação a empresa estará respondendo apropriadamente ao desafio da navegação

do ambiente dinâmico.

2.1.1.3 Diversidade

O crescimento tem como resultado o aumento da diversidade organizacional.

Este desafio está relacionado com a manutenção da integridade da empresa frente

ao inevitável aumento da diversidade que ocorre ao longo do processo de

crescimento. A diversidade aqui tratada diz respeito à diversidade da mão de obra,

diversidade de negócios, mercados, produtos, tecnologias, geografias, dentre outras.

A gestão adequada da diversidade consiste no desenvolvimento de

mecanismos de coordenação das diversas partes da organização (FLECK, 2009). Este

alinhamento não trata apenas de aspectos tangíveis, mas também do

desenvolvimento de mecanismos de integração intangíveis como reputação

organizacional, mitos e percepções em torno da organização (FLECK, 2009).

Considerando que grupos distintos com ideais diversos podem entrar em

conflito, a gestão adequada deste desafio consiste na habilidade d e a organização

evitar conflitos internos e evitar a formação de grupos isolados que aflijam a

cooperação interna (FLECK, 2009). Este desafio, portanto, pressupõe a gestão da

rivalidade (SELZNICK, 1957) entre as sub-coalizões de indivíduos (CYERT E MARCH,

1963).

Assim como Cyert e March (1963), Mintzberg (1985) também entende que

existam diversos grupos, cujas necessidades precisam ser atendidas através da

organização. O autor examina os influenciadores da organização através de diversas

configurações de poder e explica que, quando uma organização vivencia uma afronta

à sua ordem de poder existente ou quando há forças equilibradas e irreconciliáveis

dentro da organização, pode surgir o quadro denominado de arena política. A arena

política é marcada por muitos conflitos, que consomem muita energia, desgastando

a organização. Quando há uma intensidade muito alta de conflitos, a empresa não

consegue operar de forma continuada, podendo sofrer queda no seu rendimento no

longo prazo (MINTZBERG, 1985). Algumas arenas políticas são caracterizadas por um

24

intenso conflito e, neste caso devem durar pouco tempo, senão a organização não

sobrevive frente ao excessivo gasto de energia.

Assim percebe-se que quadros de conflitos intensos afetam a integridade

organizacional e por isso devem ser adequadamente gerenciados. A resposta

inadequada ao desafio da diversidade implica na fragmentação organizacional, o que

é uma das principais ameaças à integridade organizacional, necessária à continuidade

da empresa (SELZNICK, 1957).

É importante ressaltar ainda que a organização não deve evitar a diversidade,

mas apenas buscar controlar seus efeitos colaterais, sem anular a particularidade de

cada recurso. Isso porque a heterogeneidade dos recursos é fundamental para o

desenvolvimento de vantagens competitivas (BARNEY, 1991).

2.1.1.4 Provisionamento de recursos humanos

O aumento das necessidades de recursos humanos é também uma

consequência natural do crescimento. As respostas adequadas para este desafio

consistem em abastecer de forma constante a organização com os recursos humanos

qualificados (FLECK, 2009).

A provisão de recursos humanos trata da contratação adequada, demandando

planejamento acerca do recrutamento, formação e retenção de funcionários, além de

planos de sucessão em diversos níveis gerenciais (FLECK, 2009). Isso significa preparar

continuamente novos profissionais com os requisitos necessários para funções

gerenciais e prover formação e treinamento adequado à formação de cada tipo de

recurso, criando assim condições internas para a própria expansão da organização.

A resposta adequada a este desafio é essencial já que, segundo Penrose (1959),

a principal restrição ao crescimento de qualquer empresa é a limitação do corpo

gerencial atuante na empresa. A autora afirma que o recrutamento de pessoas de

fora da organização não soluciona a carência de serviços gerenciais necessários ao

crescimento. Isso ocorre porque a capacidade de oferecer serviços gerenciais

também decorre da experiência e conhecimento da forma de operação da

organização e do entrosamento construído ao longo do tempo na empresa (PENROSE,

1959).

25

Considerando estas ponderações, além do dimensionamento quantitativo

adequado de pessoal, FLECK (2010) aponta uma dimensão qualitativa deste desafio,

que diz respeito ao provisionamento de profissionais com diferentes perfis e

habilidades, de forma que a organização esteja equipada de serviços

empreendedores e serviços gerenciais (PENROSE, 1959). Os serviços

empreendedores, já mencionados, consistem em habilidades como visão, ambição e

imaginação, enquanto serviços gerenciais dizem respeito à capacidade de organizar a

firma enquanto ela cresce (PENROSE, 1959).

O gerenciamento inadequado deste desafio dá origem a respostas tardias, tais

como o recrutamento massivo de pessoas, a maioria das quais provavelmente não

tem familiaridade com a organização (FLECK, 2016). Isto irá afetar negativamente a

produtividade individual dos recém-chegados (PENROSE, 1959), bem como a

produtividade dos membros da organização existentes, enfraquecendo processos e

práticas de geração de folga e fomentando a geração de desperdício. Além disso,

respostas tardias ao desafio de recursos humanos pode também comprometer os

processos de coordenação da diversidade, consequentemente enfraquecendo a

integridade organizacional.

2.1.1.5 Complexidade

Quanto maior a organização, mais complexa é provável que ela seja. Quanto

mais complexa, mais vital será a resolução sistemática de problemas para impedir

que a organização se ponha em risco devido a uma avaliação parcial da situação.

Assim, o desafio da complexidade tem a ver com a gestão de questões complexas e

com a resolução de problemas que envolvam um grande número de variáveis

interdependentes (FLECK, 2009).

A resolução de problemas complexos exige procedimentos sistemáticos de

coleta de dados, análise e tomada de decisão. A resolução sistemática de problemas,

por sua vez, promove aprendizagem contribuindo para o desenvolvimento de

capacidades para enfrentar com êxito os demais desafios.

Respostas inadequadas a este desafio referem-se à busca rápida por soluções,

que se opõe a aprendizagem, e provavelmente contribui para a geração de

26

desperdício e a institucionalização do modo de “apagar incêndios”, que pode colocar

a sua integridade em risco.

2.2 Configurações

Considerando o modelo de sucesso e fracasso apresentado por Fleck (2009),

percebemos a presença de múltiplas variáveis que devem ser consideradas de forma

concomitante para que o sucesso de longo prazo seja alcançado. Isso porque o

modelo aborda a organização sob uma perspectiva ampla e estabelece que condições

necessárias relacionadas aos mais diversos assuntos dentro da organização tenham

que ser garantidas de forma conjunta.

A ideia de tratar a organização em sua natureza complexa diante de múltiplas

variáveis também é abordada por Miller (1986). O autor apresenta a noção de

configurações para descrever as organizações de forma rica, tratando sua

complexidade e argumenta que as configurações apresentam inter-relações entre as

variáveis de forma a estabelecer congruências naturais entre estratégia, estrutura e

ambiente. Miller e Friesen (1982) preconizam a existência de estados quânticos

relativamente estáveis de existência organizacional composta por elementos da

estratégia, estrutura e ambiente.

Para explicar a estabilidade das configurações, Miller (1982) apresenta

imperativos que funcionam como forças que restringem a variedade organizacional e

dão origem às configurações. Os imperativos, segundo o autor, organizam os

elementos de uma configuração, são os mais resistentes às mudanças e

provavelmente devem mudar antes que outras transformações significativas

ocorram. O autor sugere imperativos como o meio ambiente, estrutura e estratégia

sejam as causas enquanto as configurações sejam as consequências e af irma que,

normalmente apenas um imperativo assume um papel central na formação de uma

configuração.

Assim como na abordagem de Fleck (2016), a abordagem de configurações

apresentada Miller e Friesen (1982), também apresenta uma perspectiva de estados

de mudança. Entretanto, eles explicam que como os elementos de uma configuração

se reforçam mutuamente, as organizações só se movem para uma nova configuração

27

quando a mudança for absolutamente necessária ou extremamente vantajosa e,

nestes casos, a organização passa de uma configuração para outra amplamente

diferente.

De modo particular, na visão de Miller (1892) as organizações atrasam a

mudança de sua estrutura até que uma crise importante se desenvolva e , a partir daí

uma manobra revolucionária e drástica é realizada para restabelecer a harmonia

entre os elementos.

As configurações como sistemas complexos de interdependência e de

orquestração de elementos são úteis por tratarem de múltiplas variáveis, ao invés de

focarem em relações causais, as quais Fleck (2003) considera inadequadas para tratar

os complexos processos associados ao crescimento. Estudar a complementaridade

interna das configurações significa ir além da abordagem de “uma variável de cada

vez” para estudar o alinhamento entre um grande número de variáveis da organização

(MILLER, 1996).

2.3 Modelo de crescimento em etapas

A perspectiva de crescimento como um processo também é abordada por

Greiner (1998), que representou o crescimento através de um modelo de

desenvolvimento em etapas enfatizando as mudanças da estratégia e da estrutura da

organização à medida que ela cresce. Esse autor investigou a forma como as empresas

crescem e se desenvolvem ao longo do tempo e apresentou um número de etapas

cuja progressão e sequência é de certa forma previsível.

O autor estabelece as fases de desenvolvimento pelas quais as firmas tendem

a passar durante o seu crescimento, definindo como evolução os períodos

prolongados de crescimento e revolução os períodos turbulentos ou crises, pelas

quais a organização passa até conseguir entrar num novo período de evolução. Neste

modelo, cada período de evolução cria o seu próprio período de revolução, que

precede um período posterior de evolução. Assim cada fase é simultaneamente o

efeito da etapa anterior e a causa da próxima etapa.

28

O autor afirma que organização percorre pelo menos cinco fases ao longo de

sua existência, na qual cada fase caracteriza-se por momentos específicos de crise,

revolução e evolução que se repetem ciclicamente ao longo das fases:

Fase de criatividade: Caracterizada por uma evolução impulsionada pela

criatividade e uma consequente crise de liderança;

Fase de direção: Caracterizada por uma evolução impulsionada por um esforço

de direção e uma consequente crise de autonomia;

Fase de regulamentação: Caracterizada por uma evolução impulsionada pela

descentralização e uma consequente crise de controle;

Fase de burocratização: Caracterizada por uma evolução impulsionada pela

coordenação de atividades e consequente crise burocrática;

Fase de colaboração: Caracterizada por uma evolução impulsionada pela

colaboração consciente e uma consequente crise não identificável .

Greiner (1998) indica que os momentos de crise acontecem em instantes

determinantes dentro de cada fase e a evolução da empresa para o próximo estágio

depende de uma resolução bem-sucedida desta crise. Estas etapas estão

apresentadas na figura 2.3.

29

Figura 2-3: Fases do desenvolvimento da organização

Fonte: Greiner (1998)

Algumas características de cada etapa do modelo de Greiner (1998) são apresentadas no quadro 2.2.

Categoria Fase de criatividade

Fase de direção

Fase de delegação

Fase de Coordenação

Fase de colaboração

Foco da gerencia

Fazer e vender Eficiência das operações

Expansão de mercado

Consolidação da organização

Solução de problemas e inovação

Estrutura da organização

Informal Centralizada e funcional

Descentralizada Linhas de staff e grupos de produtos

Matrizes de equipes

Estilo da alta administração

Individualidade e empreendedorismo

Diretivo Delegador Observador Participativo

Sistema de controle

Resultado das vendas

Padrões e centro de custo

Relatórios e centros de lucro

Planos e centro de investimentos

Estabelecimento de múltiplos objetivos

Ênfase da remuneração

Promessa de participação nos lucros

Salário e mérito

Bônus individuais

Divisão de lucros e opções de ações

Bônus para equipes

Quadro 2-2: Características das fases do desenvolvimento da organização Fonte: Greiner (1998)

30

2.4 Literatura de empresas familiares

2.4.1 A interação entre os sistemas família e empresa

Na literatura sobre empresas familiares, diversos modelos foram

desenvolvidos para explicar a complexa interação entre a família e a empresa.

Primeiramente os modelos enfatizavam uma visão de sistemas fechados (DAVIS,

1983; KEPNER, 1983), no qual a família e a empresa representavam os principais

componentes, conforme mostra a figura 2.4.

Figura 2-4: Modelo de círculos da empresa familiar (família e empresa)

Nesta perspectiva, conforme aponta Davis (1983), a interação entre o sistema

família e o sistema empresa é o que caracteriza a empresa familiar, definindo a sua

singularidade. Segundo o autor, a família e a empresa se combinam em um sistema

comum que opera de acordo com as regras derivadas das necessidades das partes,

mas adaptado para as necessidades do todo.

Posteriormente, foi acrescentado ao modelo o sistema de propriedade

(TAGIURI E DAVIS, 1996), como mostra a figura 2.5.

Figura 2.5: Modelo da interação entre família, empresa e propriedade

31

Apesar de serem amplamente conhecidos, Piper e Klein (2007) apontam que

estes modelos são vistos mais como uma metáfora do que uma forma de avaliar as

dinâmicas entre os sistemas família e o sistema empresa.

Ao avaliar o processo de sucessão em fases, Gersick et al. (1997) acrescentou

a variável tempo no modelo, abarcando assim uma visão mais dinâmica do processo

de interação entre família e empresa. Os autores examinaram como os círculos

poderiam mudar com o tempo e com as gerações e estabeleceram ciclos de vida para

os círculos do modelo, considerando especificamente três fases: o controle do

proprietário, a parceria de irmãos e o consórcio de primos.

Para Carlock e Ward (2001), o desenvolvimento de uma estratégia adequada

está relacionado com o balanceamento dos interesses divergentes desses dois

sistemas. O sistema família, segundo os autores, enfatiza as emoções e geralmente é

resistente à mudança. Já o sistema empresa, para sobreviver, deve se concentrar na

realização de tarefas e observar o ambiente externo a procura de maneiras de

explorar oportunamente as mudanças. Estes objetivos distintos que devem ser

balanceados são apresentados na figura 2.6.

Figura 2-6: Objetivos diferentes da família versus negócio Fonte: Carlock e Ward (2001)

Já Habberson et al. (1999), ao invés de enfatizarem os trade offs que surgem

da sobreposição dos sistemas, destacam a sinergia e os recursos únicos que podem

surgir desta interação. Esta observação deu origem ao conceito familiness, definido

pelos autores como o conjunto de recursos e capacidades que emerge da interação

complexa entre família e negócios.

Para responder como a influência da família poderia ser tomada como uma

vantagem competitiva da empresa, Habbershon et al. (2003) desenvolveram um

32

modelo que abarca o conceito de familiness. Neste modelo, os autores compreendem

que o sistema de empresas familiares abarca três subsistemas: a unidade familiar,

representado a história, tradições e ciclo de vida da família ; a empresa,

representando as estratégias e estrutura utilizadas para gerar valor; e os membros

da família, representado os interesses, habilidades e o estágio de vida dos m embros

participantes da empresa. A ligação destes subsistemas é mostrada na figura 2.7.

Figura 2-7: Modelo representativo do conceito de familiness Fonte: Habbershon e Williams (1999)

Com o intuito de trazer um modelo mais holístico para os estudos de empresas

familiares, Piper e Klein (2007) apresentam uma tentativa de estabelecer um modelo

capaz de integrar diversos níveis de análise, denominado pelos autores de Bulleye. O

primeiro nível de análise neste modelo diz respeito aos indivíduos que influenciam os

subsistemas aos quais pertencem com seus valores e desejos. O segundo nível

engloba os subsistemas da empresa familiar, sendo eles o sistema família, o sistema

gestão, o sistema propriedade e o sistema empresa. O terceiro nível diz respeito ao

ambiente em que a empresa opera. O modelo é mostrado na figura 2.8.

33

Figura 2-8: Modelo Bulleye para empresas familiares Fonte: Piper e Klein (2007)

2.4.2 Dualidade da interação entre os sistemas família e empresa

Como visto, alguns autores enfatizam as tensões entre os sistemas (CARLOCK

E WARD, 2001) e outros enfatizam a sinergia dos sistemas (HABBERSHON ET AL.,

2003). Essa natureza dual da influência do sistema família na empresa foi explorada

por Tagiuri e Davis (1982) quando introduziram o conceito de atributos bivalentes.

Os atributos bivalentes são as características únicas e inerentes da empresa familiar

que podem ser fonte de vantagens e desvantagens para este tipo de empresa.

Segundo Tagiuri e Davis (1982), o sucesso de uma empresa familiar depende de como

estes atributos bivalentes são gerenciados. O gerenciamento bem-sucedido destas

características únicas da empresa familiar irá afetar o bem-estar da família e o

relacionamento da família com os funcionários da empresa.

Alguns dos atributos bivalentes apresentados por estes autores se encontram

no quadro 2.3.

Desvantagem (-) Atributo Bivalente Vantagem (+)

Pode gerar ansiedade e confusão entre as normas da

empresa e as normas da família.

Os membros da família podem enfatizar o papel que lhes dê maior poder em situações de

conflitos. O processo de resolução de conflitos pode ser afetado e prolongado.

Papéis simultâneos

Pode aumentar a lealdade e cooperação entre os membros

da família o que aumenta a eficiência do processo

decisório, já que os membros da família apoiam as decisões tomadas pelos demais. Não há

disputa pelo poder na organização.

34

Sentimento de estar sendo observado.

Criatividade pode ser desencorajada.

Identidade compartilhada

Senso forte de missão. A reputação da família pode

se traduzir em reputação para a empresa.

Impressões inconscientes que uns têm dos outros pode gerar

dificuldades na relação de trabalho.

Longa história em comum

O profundo conhecimento das características dos membros

da família pode levar aos membros a complementar as

fraquezas uns dos outros.

Afeta a objetividade da comunicação entre membros

da família no ambiente de trabalho.

Envolvimento emocional Aumenta a lealdade e

confiança entre os membros.

Sentimento de perda total da privacidade.

Grande contato entre os membros da família

Melhora a comunicação entre os membros da família

facilitando as decisões de negócios.

Quadro 2-3: Caracterização dos atributos bivalentes presentes em empre sas familiares

Fonte: Tagiuri e Davis (1982)

A ideia de bivalência também foi explorada por Aldrich e Cliff (2003) que

afirmam que dependendo da configuração da família, ela pode apresentar um

contexto que favorece ou dificulta a criação de um empreendimento. Em

contrapartida, a sobrevivência do negócio e a percepção subjetiva de sucesso, que

são os resultados da criação de uma empresa, podem afetar positiva ou

negativamente os recursos financeiros da família e, em alguns caso s, podem até

mesmo alterar o sistema de valores e atitudes dos membros da família.

Nesta linha, Morris et al. (2010) explicam que as famílias podem ser uma fonte

de resiliência ou adaptabilidade, estoque de confiança e criatividade ou de stress.

Eles podem também atuar como uma fonte de dúvida, escalada do conflito e dreno

de recursos.

Nordqvist, Habbershon e Melin (2008) ressaltam que as interações sistêmicas

únicas no contexto da empresa familiar dão origem a recursos e capacidades que

podem restringir ou promover as atividades empreendedoras na empresa.

Considerando a existência de dualidades em empresas familiares, os autores

entendem que é preciso ir além da visão de trade-offs entre os sistemas família e

empresa, já que o desafio das empresas familiares não consiste em escolher entre um

sistema em detrimento do outro, mas aceitar e gerenciar a existência simultânea de

ambos os sistemas.

35

2.4.3 Riqueza socioemocional e o processo de tomada de decisão em empresas

familiares

Para esclarecer a forma como o sistema família influencia a emp resa familiar,

Gomez-Mejia et al. (2011) observaram que os objetivos de uma empresa familiar não

são puramente econômicos. A partir desta perspectiva, os autores desenvolveram um

modelo denominado riqueza socioemocional (SEW-Socio-Emotional Wealth) que

sugere que as empresas familiares são geralmente motivadas e comprometidas com

a preservação de aspectos não financeiros e atributos afetivos da família.

Este modelo delineia a tendência de que líderes de empresas familiares tomem

decisões economicamente arriscadas quando a escolha envolve perda de riqueza

socioemocional, a qual se refere a aspectos como o nome da família, os valores

familiares, o controle por membros da família ou um estilo de vida que os

proprietários considerem desejável.

Assim, dentro desta visão, são reconhecidos objetivos não econômicos que

representam um papel importante nas empresas familiares. Dentre eles, Gomez-

Mejia et al. (2011) destacam a harmonia da família, a obtenção do respeito da

comunidade, integração dos valores da famíl ia ao negócio expressando altruísmo

para os funcionários membros da família e a segurança da família.

O ponto fundamental deste modelo é a noção de que as empresas realizam

escolhas dependendo do ponto de referência dos grupos dominantes da empresa. No

caso de empresas familiares, familiares analisam os problemas de modo a avaliar

como suas ações irão afetar a herança socioemocional. Desta forma, quando há

alguma ameaça a essa herança, a família está disposta a tomar decisões que não são

guiadas por uma lógica econômica.

Assim, as escolhas estratégicas não podem ser explicadas através da aplicação

do ponto de referência ou da aversão ao risco da lógica financeira, conforme

apresentada por Tversky e Kahneman (1974) na teoria do prospecto. Isso porque

existem outros pontos de referência distintos relacionados a heranças afetivas. Esses

pontos de referências evidenciam os múltiplos objetivos das empresas familiares, os

quais, segundo Berrone et al. (2012), devem ser compreendidos para que haja pleno

entendimento do comportamento destas empresas.

36

A compreensão do modelo da riqueza socioemocional passa pelo

entendimento de que empresas familiares são tão racionais quanto às empresas não

familiares ao fazerem escolhas gerenciais, mas os critérios para julgar s e essas

escolhas são boas ou más variam entre esses dois tipos de empresas. Para as

empresas não familiares, critérios financeiros parecem ser mais importantes quando

é avaliada uma decisão de negócios, enquanto para empresas familiares um critério

chave, ou pelo menos que tem maior prioridade, é se a sua herança socioemocional

será preservada.

É importante entender que a preservação da riqueza socioemocional é um fim

em si mesmo, influenciando fortemente as decisões estratégicas (GOMEZ-MEJIA ET

AL., 2007). Isso porque o valor da riqueza socioemocional para a família é intrínseco

e está ancorada em um nível psicológico profundo nos familiares (BERRO NE ET AL.,

2012).

Isso não quer dizer, contudo, que as empresas familiares sacrificam ou ignoram

objetivos financeiros. O ponto chave é que, quando os interesses da família

predominam, as empresas estão mais propensas a suportar os custos incorridos na

busca de certas ações, políticas e estratégias, pois estes custos são contrabalançados

por outros ganhos não econômicos (BERRONE ET AL., 2012).

2.4.3.1 Dimensões do modelo de riqueza sócio emocional

Por se tratar de estudos recentes, muitas questões relacionadas ao modelo de

riqueza socioemocional ainda não foram exploradas segundo afirmam Xi et al. (2015).

Os autores realçam ainda que a maior parte dos estudos assume a presença de

aspectos relacionados à riqueza socioemocional para explicar o comportamento de

empresas familiares, sem avaliá-los diretamente.

Como forma de avançar os estudos relacionados ao modelo de r iqueza

socioemocional, alguns autores apresentam tentativas de estabelecer dimensões

para o modelo de forma a medir a riqueza socioemocional em empresas familiares.

Neste sentido, Berrone et al. (2012) propõem cinco dimensões para a medição da

riqueza socioemocional em empresas familiares, sendo elas a influência da família e

controle, a identificação da família com a empresa, os laços sociais (Binding Social

37

ties), o vínculo emocional e a renovação dos laços familiares através da sucessão

dinástica. Tais dimensões são apresentadas no quadro 2.4

Dimensões Caracteristicas das dimensões

Controle e influência da família

O controle e influência são altamente desejados pelos membros da família.

Para atingir o objetivo de preservar a riqueza socioemocional os membros da família requerem o contínuo controle da empresa.

Identificação com a empresa

A empresa pode ser vista como uma extensão da própria familia, tanto interna como externamente.Internamente, isso influencia as atitudes dos membros da família em relação aos funcionários e a qualidade dos serviços que os membros da família fornecem

à empresa. Externamente, isso faz com que os membros da família se preocupem com a imagem que a empresa projeta para

os seus clientes, fornecedores e outros stakeholders.

Laços sociais

Refere-se às relações sociais da empresa familiar. Estes laços sociais podem fazer com que o sentimento de

pertencimento e identidade seja compartilhado por funcionários não familiares também. Isso explica porque, por exemplo, as

empresas familiares têm, frequentemente, fornecedores consagrados, que podem ser vistos como membros da família.

Vínculo emocional

Refere-se ao papel das emoções no contexto da empresa familiar.

Nestas empresas, há uma história compartilhada através de experiências e eventos passados que convergem para moldar as

atividades atuais e relacionamentos na empresa. Os sentimentos que envolvem a família tais como o amor,

consolação medo, solidão, ansiedade, influenciam a empresa. Estas emoções resultam de situações cotidianas e não são

estáticas. Também se refere à apropriação psicológica da empresa pela

família. As empresas se tornam o lugar onde as necessidades de pertencimento e afeto são satisfeitas .

Renovação de laços familiares com a empresa através da

sucessão dinástica

Esta dimensão refere-se à intenção de preservar a empresa para as futuras gerações, o que implica nos horizontes temporais do

processo de tomada de decisão.

Quadro 2-4: Dimensões do modelo de riqueza sócio emocional

Fonte: Adaptado de Berrone et al. (2012)

Para medir a significância destas dimensões na empresa familiar, Berrone et

al. (2012) sugerem alguns pontos a serem avaliados, como mostra o qu adro 2.5.

Dimensões Pontos a serem avaliados

Controle e influência da família

A empresa é controlada por membros da família e os cargos

gerenciais são ocupados por familiares

Laços sociais Os funcionários não familiares são tratados como parte da família.

As relações contratuais são principalmente baseadas na confiança e

normas de reciprocidade.

Há relações de longo prazo com fornecedores e funcionários.

Há promoção de atividades sociais para a comunidade.

38

Identificação com a empresa

Os membros da família têm um forte sentido de pertencimento ao

negócio.

Os membros da família sentem que o sucesso do negóc io da família

é o seu próprio sucesso.

Pessoas externas muitas vezes associam o nome da família com a

empresa.

Vínculo emocional Emoções e sentimentos afetam a tomada de decisões.

Proteger o bem-estar dos membros da família é fundamental .

Considerações afetivas são tão importante como considerações de

ordem económica.

Renovação de laços familiares com a empresa através da sucessão dinástica

As decisões são tomadas para preservar o legado da família e tem um horizonte voltado para o longo prazo.

Quadro 2-5: Pontos a serem avaliados para medir a significância das dimensões do modelo de riqueza socioemocional

Fonte: Berrone et al. (2012).

39

3 MÉTODO

A primeira etapa deste trabalho consistiu na definição do tema a ser

pesquisado. Em seguida, foi definido o objeto de pesquisa e a pergunta de pesquisa,

que por sua vez delimitou o arcabouço teórico e ao método a ser utilizado neste

estudo. A seguir serão detalhadas essas etapas do processo metodológico utilizado

neste estudo.

3.1 O método e a estratégia da pesquisa

Considerando o tema e a pergunta de pesquisa, compreendeu-se que a

abordagem panorâmica da estratégia conforme proposta por Fleck (2014) seria

adequada. Esta abordagem foi proposta com base no entendimento da autora de que

a natureza do campo da estratégia organizacional é complexa, englobando vários

tipos de objetos - organizações, indivíduos, indústrias e numerosas entidades no

ambiente - que interagem uns com os outros ao longo do tempo. Assim, para explicar

o sucesso e o fracasso de diversos objetos inter-relacionados, cujo desempenho pode

ser afetado pela mudança das inter-relações, a autora propõe uma abordagem

panorâmica da estratégia, que, em vez de compartimentalizar a investigação, leva em

consideração, de forma concomitante, vários aspectos e níveis de análise, tais como

negócios, organização, indústria, meio ambiente e as pessoas (FLECK, 2014). Tal

abordagem, segundo Fleck (2014) reconhece e é capaz de l idar com a natureza dual

de fenômenos relacionados com a organização e permite o tratamento de questões

amplas, como a longevidade organizacional.

A abordagem panorâmica engloba a realização de um levantamento histórico,

o qual, segundo Fleck (2014) fornece uma visão rica e ampla da organização, de seus

elementos constituintes e do ambiente que a rodeia, além de permitir considerar a

complexidade inerente às questões organizacionais. Ainda mais, estes estudos

ajudam organizar eventos em processos, permitindo a descoberta de mecanismos

explicativos de mudança ou de permanência. Segundo a autora, estes estudos em

perspectiva também contribuem para o distanciamento necessário para a

identificação de padrões organizacionais no longo prazo.

40

Considerando a pergunta da pesquisa, avaliou-se que dentro da abordagem

qualitativa, o estudo de caso seria um caminho adequado, já que possibilita avaliar o

objeto de estudo profundamente.

3.2 Coleta de dados e tratamento de dados inicial

Esta etapa consistiu na coleta de dados secundários acerca do setor de

telecomunicações no Brasil, coleta de documentos referentes à empresa estudada e

realização de entrevistas em profundidade. Foram realizadas doze entrevistas com a

fundadora, três entrevistas com funcionários da empresa, uma entrevista com um ex -

funcionário da empresa, cinco entrevistas com membros da família e três entrevistas

com clientes da empresa. Além de conter reflexões e opiniões dos entrevistados, as

entrevistas consistiram em testemunhos orais da história da empresa contendo

informações que não poderiam ser encontradas por outros meios.

Neste estudo, a coleta de dados se deu de forma concomitante a um

tratamento de dados inicial e esse processo pode ser dividido em três blocos

distintos. No primeiro bloco buscou-se construir a história da empresa através de

diversas entrevistas feitas com a fundadora e através da coleta de documentos na

empresa. O segundo bloco consistiu em entrevistas com os indivíduos relevantes

selecionados a partir dos dados históricos coletados na etapa anterior. O terceiro

bloco consistiu em quatro entrevistas adicionais com a fundadora, com o intuito de

esclarecer alguns aspectos surgidos na segunda etapa. Este processo é apresentado

na figura 3.1 e a explicação detalhada de cada uma das etapas, bem como as

justificativas para as a condução do processo neste formato serão apresentadas na

sequência.

41

Figura 3-1: Processo de coleta de dados e tratamento inicial

O primeiro bloco de entrevista englobou oito entrevistas com a fundadora que

tiveram como objetivo coletar dados acerca da história da empresa e identificar

personagens que fossem relevantes na trajetória da empresa. O processo se deu

desta forma, pois para entender quem seriam as pessoas relevantes para a pesquisa,

precisou-se primeiro conhecer a história da empresa e da família.

Estas entrevistas foram abertas e em profundidade e buscou-se seguir uma

ordem cronológica dos fatos. Por exemplo, na primeira entrevista pediu -se para a

fundadora relatar a fundação da empresa. Na segunda entrevista, pedia-se para partir

do ponto em que a entrevistada tinha parado. Ao longo de todas as entrevistas, a

entrevistada ficou livre para realizar reflexões, projeções ou contar eventos

dissociados à história da empresa.

Neste primeiro momento também, com a intenção de entender melhor as

crenças e os sistemas de valores da fundadora, foi pedido que a fundadora fizesse um

relato pessoal oral, a ser usado na construção do relato de sua biografia. Isso porque

é impensável tratar o humano como um ser desintegrado de seu meio e de sua

história. Assim, buscou-se reconstruir a memória e a experiência da fundadora

incorporando os sentidos que a mobilizaram a se envolver na criação de seu próprio

negócio e os significados que ela atribui aos diversos acontecimentos e decisões que

aconteceram ao longo da trajetória da empresa.

Concomitantemente à coleta de informações orais, uma busca por documentos

da empresa foi realizada no intuito de estruturar a cronologia dos acontecimentos

históricos da empresa de forma mais precisa e objetiva. Os documentos que

auxiliaram na construção do histórico foram: acervo técnico do CREA, contratos

42

sociais, contratos de prestação de serviços, propostas técnicas encaminhadas a

clientes, informações contábeis, livro de registro de funcionários , dentre outros.

Ainda de forma concomitante a estas entrevistas foi feita uma busca por

documentos que contivessem datas de eventos significativos para a família.

Nascimentos, óbitos, datas de formaturas, datas de casamento, compra de imóveis,

mudanças de cidade, dentre outros, foram listados em uma planilha. A coleta de

algumas dessas datas foi realizada através de telefonemas para familiares capazes de

dar a informação. Tais marcos foram coletados porque eles podiam ser associados

aos eventos da organização descritos pela entrevistada, de forma a indicar a duração

e o momento no tempo dos acontecimentos narrados. Como exemplo, após a

entrevistada relatar certo evento, perguntava-se “e neste momento você já tinha suas

filhas? ”, a entrevistada então se lembrava de que tinha apenas a primeira fil ha e que

a segunda ainda não tinha nascido. A partir dessas informações verificavam -se as

datas do nascimento das filhas e assim era possível balizar o período em que evento

aconteceu.

Ao fim deste primeiro bloco, um primeiro tratamento de dados foi real izado.

As primeiras entrevistas realizadas foram transcritas na íntegra e fatos objetivos

foram evidenciados e organizados em ordem cronológica em uma planilha e,

posteriormente, foram contrastados com os documentos coletados na empresa.

Foram realizadas neste momento algumas curvas longitudinais, como a curva de

crescimento e curva de funcionários, além de algumas linhas do tempo com eventos

principais. Foram listados os contratos e obras importantes da empresa e alguns

mapas visuais foram esboçados. Além disso, esboçou-se a árvore genealógica da

família. Esse primeiro tratamento de dados aliado aos esforços da pesquisadora em

adentrar na história da empresa auxiliaram a condução das demais entrevistas e

foram essenciais para complementar as informações orais. Por vezes, alguns destes

gráficos foram mostrados à fundadora, para conferência.

Este primeiro bloco se prolongou por aproximadamente quatro meses, nos

quais as entrevistas foram realizadas mediante disponibilidade da entrevistada.

Somente a partir das informações coletadas no primeiro bloco da coleta de

dados, foi possível realizar a seleção dos demais entrevistados. Buscou-se identificar

43

todos os indivíduos relevantes para a trajetória da empresa. Os critérios utilizado s

para seleção de funcionário foram:

Tempo de trabalho: buscou-se funcionários que tivessem grande experiência

de trabalho na empresa, capazes de confirmar ou negar informações dadas

pela fundadora.

Cargo: Deu-se preferência para funcionários com cargos gerenciais, com visão

ampla dos setores da empresa.

Em relação aos membros da família, foram selecionados os personagens

centrais na história da empresa, conforme mostra a árvore genealógica apresentada

na figura 3.2.

Figura 3-2: Árvore genealógica que possibilitou a seleção de membros de família

Além destes familiares, um primo da fundadora que trabalhava na empresa em

um cargo técnico também foi entrevistado. Cabe informar, que, como forma de

proteger a identidade dos entrevistados, todos os nomes foram substituídos por

nomes fictícios.

A lista final dos entrevistados selecionados neste segundo bloco de entrevistas

é apresentada no quadro 3.1

Entrevistado Histórico na empresa Parentesco com a fundadora

Joel 1993-2000: Projetista e supervisor de obras

2009-2010: Supervisão de obras 2015-até o momento: Auxiliar administrativo

-

Matilde 1986-até o momento: Secretária Cunhada

44

Antônio Nunca trabalhou na empresa Marido

Maurício 1996-2000: Auxiliar administrativo

2000-2009: Projetista 2009-até o momento: Supervisor de Obras

-

Artur 2005-2010: Instalador gasista

2010-até o momento: Encarregado de obras -

Afonso 1986-atuais: encarregado de obras Irmão

Cláudio 2009-até o momento: técnico de fibras óticas Primo

Márcia

1985-1987: Exerceu algumas atividades relacionadas a vendas

2004-atuais: Setor de contabilidade e departamento pessoal

Irmã

Flávio 2004-2009: Gestor de contrato e administrativo -

Quadro 3-1: Lista dos entrevistados no segundo bloco de entrevistas

Assim como nas entrevistas com a fundadora, estas entrevistas foram abertas

e em profundidade. Os informantes foram convidados a falar livremente sobre a sua

história e a história da empresa e as perguntas só eram feitas para aguçar a memória

do entrevistado ou para dar mais profundidade às suas reflexões. Num segundo

momento o entrevistado era convidado a tratar de temas mais específicos. Não

foi usado nenhum questionário específico, entretanto, as curvas e mapas visuais

feitos na etapa anterior foram levados às entrevistas. À medida que os entrevistados

falavam sobre os eventos, outras perguntas eram realizadas buscando -se obter mais

fatos, opiniões e interpretações. Ao final de cada entrevista, alguns temas mais

específicos quando não abordados foram questionados.

O primeiro momento da entrevista era destinado tanto para coletar dados e

fatos para a construção da história da empresa como para deixar o entrevistado mais

à vontade para falar de eventos mais críticos e desconfortáveis. Assuntos difíceis e

delicados foram deixados para o final da entrevista, momento em que o entrevistado

já estava confortável para comentá-lo. A abordagem destes assuntos só foi realizada

nos casos em que se percebeu que o entrevistado realmente se sentia confortável

para expressá-los. Foi necessária sensibilidade por parte da pesquisadora para julgar

o grau de conforto do entrevistado.

De forma similar ao primeiro bloco de entrevista, à medida que frases como

“depois que eu me mudei para cá”, “assim que eu entrei na empresa”, “isso foi um

pouco antes de nos mudarmos”, apareciam nas entrevistas, essas informações

45

serviam como um gatilho para que informações mais precisas pudessem ser buscadas

através de documentos que pudessem ser associados aos eventos relatados.

Considerando que a partir de 2000, a empresa objeto de estudo passa a ser

uma empresa terceirizada da VIVO, foram realizadas entrevistas com três

funcionários desta empresa, os quais foram amplamente citados nas entrevistas com

a fundadora. Buscou-se nestas entrevistas compreender a estratégia e os movimentos

desta operadora de telecomunicações ao longo dos anos, coletar informações acerca

das formas de terceirização de serviços e o processo de compras desta empresa.

Foi feita também uma pesquisa de dados secundários, para descrever o

histórico do setor de telecomunicações no Brasil, setor no qual a empresa objeto

deste estudo encontra-se inserida. Foram buscados artigos e teses sobre a indústria

de telecomunicações, bem como dados e informações nos sites da Anatel e Teleco. O

histórico do setor construído a partir dos dados secundários coletados encontra-se

no anexo 1.

Além das entrevistas e da coleta de dados secundários, a observação

participante foi realizada durante os sete meses que a pesquisadora passou na

empresa. Neste caso, a pesquisadora se colocou como observadora, ficando em

relação direta com seus interlocutores no espaço da empresa, participando do seu

dia-a-dia, mas com o objetivo de coletar informações complementares às entrevistas

e compreender a dinâmica da empresa. A observação ajudou a vincular os fatos a suas

representações e a desvendar algumas contradições. As observações mais relevantes

foram descritas e foram utilizadas no momento da análise.

3.3 Tratamento de dados

Esta etapa consistiu na organização de todas as informações coletadas ao fim

da etapa anterior. Todas as entrevistas foram transcritas na íntegra pela

pesquisadora. Nesta transcrição, foram elucidadas informações complementares

observadas nas entrevistas como alterações de voz, reações e omissões.

A partir de então, com o objetivo de garantir a qualidade das informações, foi

realizada a triangulação dos dados, de forma a confrontar todas as informações

obtidas nas entrevistas e nos documentos da empresa. Nesta etapa as informações

46

inconsistentes foram descartadas. Finalizou-se a organização cronológica de eventos

relevantes para a história da organização e da família.

Em seguida foram selecionados trechos relevantes para a análise. Assim, foi

realizada a releitura das entrevistas para identificação de trechos correspondentes

aos cinco desafios do crescimento propostos por Fleck (2009) (empreendedorismo,

navegação no ambiente dinâmico, provisão de recursos gerenciais, gestão da

diversidade, gestão da complexidade). Esses elementos foram categorizados

conforme o arcabouço teórico de Fleck (2009). Além disso, os trechos que

envolvessem o sistema família foram também classificados como tal.

Assim, criou-se uma planilha, na qual a primeira coluna continha o nome do

entrevistado, a segunda coluna informava a página da entrevista em que o trecho

selecionado foi encontrado, a terceira apresentava o trecho selecionado, a quarta

incluía uma pré-classificação do período cronológico ao qual o trecho se referia, a

quinta elucidava o desafio do crescimento, a sexta elucidava as dimensões do desafio

e a sétima informava se o trecho envolvia o sistema família ou não.

A maior contribuição desse processo de codificação está relacionada à busca

de trechos que poderiam conter alguma informação relevante para a fase posterior

da análise e não necessariamente a precisão de identificação de respostas. Por isso,

alguns trechos relevantes que, num primeiro momento não pareciam estar

relacionados à resposta de nenhum desafio também foram selecionados.

3.4 Análise dos dados

Nesta etapa foram realizadas diversas avaliações sobre o objeto de estudo para

compreender e interpretar os dados empíricos e articulá-los com a teoria que

fundamentou este trabalho, bem como com outras leituras teóricas cuja necessidade

foi dada pelo trabalho de campo.

Para auxiliar nesta etapa, foram utilizados alguns recursos apresentados por

Langley (1999) como narrativas, que detalham o contexto histórico da empresa

estudada; mapas visuais, que são representações gráficas que reúnem uma série de

informações relevantes de diferentes dimensões; e periodização, que consiste na

47

divisão da trajetória da empresa em períodos distintos, de forma a promover melhor

organização dos dados.

Primeiramente foram construídas a narrativa da história do setor de

telecomunicações, a narrativa da história da empresa e a narrativa da biografia da

fundadora. Em seguida, foram construídos mapas visuais do setor de

telecomunicações, do histórico da empresa como um todo e de alguns períodos

específicos da história da empresa. Para elaborar os mapas visuais foi utilizada a

codificação dos fatos em relação às respostas aos desafios. Os mapas visuais

permitiram a apresentação de grandes quantidades de informação em pouco espaço.

Como Langley (1999) ressalta, essa estratégia é interessante para a análise de

processos, pois permite a representação simultânea de um grande número de

dimensões e a demonstração de precedência, processos paralelos e passagem do

tempo.

Algumas séries históricas de crescimento com base nos indicadores

apresentado por Fleck (2009), os quais se baseiam em dados contábeis, foram

construídas, entretanto, tais gráficos não se mostraram consistentes quando

contrastada com as informações coletadas em entrevistas. Assim, decidiu -se analisar

a trajetória de crescimento com base na curva do número de funcionários no tempo,

a qual foi construída a partir das informações do número de vínculos empregatícios

da empresa. Ressalta-se que por se tratar de uma empresa prestadora de serviços

com uso intensivo de mão de obra, os vínculos empregatícios apresentaram-se como

bons indicadores do tamanho da empresa. A curva se mostrou coerente com a

percepção e relatos dos entrevistados acerca do crescimento da empresa e, assim,

esta avaliação se mostrou coerente com os objetivos do estudo.

À vista do modelo de fases de crescimento de Greiner (1998) a inspeção visual

da curva de crescimento (figura 3.3) sugeriu a seguinte periodização: o período de

1983 a 2000 corresponderia à fase de criatividade e o período de 2000 em diante à

fase de direção.

48

Figura 3-3: Periodização da trajetória da empresa com base no modelo de Greiner (1998)

Em seguida, para ampliar o escopo da avaliação dos períodos conjecturados,

optou-se por avaliar cada fase sob a ótica das configurações apresentadas por Miller

(1986). Considerou-se que a abordagem de configurações de estratégia, estrutura e

ambiente permite avaliar um grande número de variáveis, dando ênfase também aos

estados do ambiente. Para tanto, foram elucidadas nas entrevistas informações

acerca da estratégia da empresa, da estrutura da empresa e do ambiente em que ela

operava. As informações relevantes foram classificadas em ordem cronológica em

uma planilha, que continha as dimensões da estrutura, estratégia e ambiente .

Em seguida, com o intuito de entender as perspectivas de longevidade da

organização, buscou-se avaliar a trajetória de crescimento da empresa. Para tanto,

foram avaliados a forma como a empresa respondeu aos cinco desafios do

crescimento propostos por Fleck (2009) em cada um dos períodos de forma a

entender se a empresa se aproximava do polo da autoperpetuação ou da

autodestruição no determinado período.

Na avaliação do processo de crescimento da empresa, foram selecionados os

fatos, dados e trechos considerados relevantes para a construção da análise dos

desafios do crescimento. Estes elementos foram categorizados de acordo com o

arcabouço teórico dos desafios do crescimento (FLECK, 2009) e organizados em

ordem cronológica, como mostra a figura 3.4.

49

Figura 3-4: Esboço do quadro usado para classificar os dados e trechos segundo as dimensões da

análise.

Finalmente, a avaliação dos aspectos relacionados à família que influenciaram

a trajetória de crescimento da empresa ao longo dos anos foi incorporada ao modelo

dos desafios do crescimento apresentados por Fleck (2009). Esta análise foi realizada

considerando o sistema família como um pool de recursos e o sistema família como

um contexto em cada um dos períodos. A avaliação da família como um pool de

recursos buscou caracterizar o perfil dos membros da família para entender os

recursos humanos disponíveis da empresa e também buscou avaliar os recursos

financeiros da família disponíveis para a empresa. A avaliação da família como

contexto buscou avaliar os eventos da família que influenciaram as motivações dos

membros da família e como estas motivações influenciaram a trajetória de

crescimento da empresa. Esse processo de análise é apresentado na figura 3.5.

50

Figura 3.5: Avaliação da interação do sistema família e do sistema empresa

Além disso, foram selecionados os trechos de entrevista que explicavam as

lógicas utilizadas pelos entrevistados no processo de tomada de decisão em cada

circunstância relevante. Em seguida buscou-se averiguar se o modelo de riqueza

socioemocional (BERRONE ET AL., 2012) poderia ser aplicado para explicar os

processos de tomada de decisão.

Finalmente, tendo em vista a natureza dual que os aspectos relacionados à

família podem trazer à empresa, buscou-se determinar os efeitos positivos e

negativos das interações entre o sistema família e o sistema empresa de forma a

entender de que forma a interação entre os dois sistemas influenciou a trajetória de

crescimento da empresa e o desenvolvimento de sua propensão à longevidade

saudável.

51

4 BIOGRAFIA DA FUNDADORA

Ana nasceu em novembro de 1959, em uma região rural do interior de Minas

Gerais. Neste pequeno povoado a principal atividade econômica era a agricultura. As

famílias que viviam nessa região dedicavam-se ao plantio e colheita e a criação de

pequenos animais. Em geral, as famílias tinham alimentos como ovos, leites,

verduras, mas que não podiam comprar roupas, sapatos ou itens industrializados. Ana

relata que “dinheiro não existia”, referindo-se que em geral os moradores da região

consumiam apenas o que produziam.

Nesta época, os solos da região eram pouco férteis, pois não se fazia qualquer

tipo de correção tecnológica no mesmo. Assim, apesar de muitas famílias terem terras

próprias, muitas vezes tratava-se de terras inadequadas para o plantio e, portanto,

de modo geral, havia bastante pobreza na região. Ana relata que existiam famílias e

pessoas que passavam fome e por isso existiam pedintes, que passavam nas casas dos

vizinhos pedindo comida. Era comum a prática de um sistema de troca, onde pessoas

necessitadas trocavam o dia de trabalho na lavoura por alimentos. Além disso, por

não existir auxilio tecnológico, a produção era volátil, ficando submetida a tempos de

secas e geada, o que também impactava a condição financeira das famílias na região.

Nesta localidade o acesso à cidade era difícil, por causa da distância e da

precariedade das estradas. Poucas pessoas na região tinham carros, de forma que a

locomoção era feita a pé ou a cavalo. Além disso, a região não dispunha de sistema

de saúde e, assim, pessoas que necessitassem de algum tipo de tratamento médico,

precisavam ser levadas para centros urbanos nos arredores. Não havia contato com

aparatos culturais como bibliotecas e de um modo geral, as pessoas não tinham livros,

jornais ou revistas em casa. Televisão, rádio e telefone também não faziam parte do

cotidiano das pessoas deste local. À noite, a família e os vizinhos costumavam se

reunir para contar histórias e conversar.

De forma geral, o trabalho era divido entre as atividades da lavoura, re alizados

usualmente pelos homens e atividades domésticas, realizadas pelas mulheres. As

crianças em geral auxiliavam nas tarefas. Aos meninos eram determinadas atividades

externas, como o cuidado com os animais, o colhimento de lenha para o fogão e a

entrega do almoço e lanche para os homens que trabalhavam na lavoura. As meninas

52

se concentravam no auxílio às atividades domésticas como o cuidado com irmãos

mais novos e arrumação da casa.

4.1 Primeiras lembranças

As primeiras lembranças de Ana remetem aos tempos em que sua mãe

enfrentou sérios problemas de saúde decorrente de sua terceira gravidez. Ana tinha

em torno de quatro anos de idade na ocasião. A mãe de Ana, Luciana, com o

agravamento de seu estado de saúde precisou ser levada para uma cidade nos

arredores para receber tratamento médico. Neste período, Ana e seu irmão, Afonso,

foram levados para morar na casa de seus avós. Apesar de ter sido bem tratada na

casa da avó, este período para Ana é marcado por profunda tristeza e pela falta de

entendimento do que estava acontecendo. Sem poder ver a sua mãe, Ana entendeu

que ela havia falecido.

“Todos os dias tinha o terço à noite e o terço era sempre pela saúde da Luciana. Aí na minha cabeça, foi criando uma coisa que ela tinha morrido e que eu nunca mais ia ver minha mãe. (...). Eu lembro de, do nada, me dar uma tristeza sabe... eu lembro de chorar, essas coisas assim, achando que minha mãe tinha morrido. ” (Ana)

O retorno para sua casa, o reencontro com sua mãe e ainda a existência de um

novo bebê foi visto por Ana como uma grande surpresa e certo estranhamento: “a

gente chegou lá, e tinha a minha irmã, Márcia, ah, não sei se me contaram antes, mas

aquilo eu achei muito estranho! ”. Ana realça que mesmo após o nascimento do bebê,

sua mãe continuava com o estado de saúde muito frágil. Assim, a avó e uma tia de

Ana sempre iam ajudar nas atividades domésticas.

Um aspecto importante é que, a mãe de Ana, como precisava de ajuda nas

atividades da casa, sempre motivava Ana para o trabalho. Ana relata que sua mãe

nunca transmitiu a ideia do trabalho como uma exigência, mas sim como algo positivo

e a motivava através de elogios.

“Apesar dela não ter instrução, ela tem uma cabeça de conseguir que as pessoas

façam as coisas de bom grado, sempre com um jeitinho. (...). Ao invés de exigir que

eu trabalhasse, que seria uma coisa complicada, ela buscava mais pelo lado do

elogio. Mesmo que eu fizesse mal feito, ela nunca me recriminava. Ela sempre estava

ali, elogiando. E quem não gosta de elogio? E aí vinha o pessoal de fora e falava

“nossa, mas que gracinha, essa menininha de 5, 6 anos, já fazendo isso tudo ” (Ana)

Assim, enquanto que para o irmão de Ana o trabalho era visto sob uma

perspectiva negativa, nas memórias de Ana transparece mais a satisfação com o

53

trabalho e a vontade de atingir a perfeição na realização das atividades da casa. Ana

se recorda de tentar lavar as fraudas da irmã e, para aprender como se fazia, ela

observava as vizinhas e outras mulheres adultas.

“Olha, imagina só, uma criança de 5, 6 anos, lavando frauda! Devia ficar tudo de

qualquer jeito. Não sei nem como que era! Mas eu lavava! E eu ia na casa das outras

pessoas e via como era. E naquela época tinha um gramado para quarar roupa, no

sol, porque não tinha alvejante. (...). Então eu via outras mulheres, as vizinhas,

colocarem a roupa para quarar. E eu via aquilo tudo e eu via a dobrinha, que tinha

que esticar bem, e que tinha que jogar uma aguinha de vez em quando (...). Eu queria

imitar todo mundo que era grande e que fazia bem feito. ” (Ana)

Assim, o trabalho para Ana evocava uma conotação de fantasia infantil. Ela

imaginava ser capaz de fazer tudo perfeito, como os adultos. Além disso, era uma

forma de receber elogios dos adultos.

“Porque eu lembro da tia Cecília ir lá em casa passar roupa. E eu achava aquilo lindo!

Ela passava roupa e fazia aquela pilha grandona. E eu achava que eu tinha que fazer

igual. Eu passava as fraldinhas, os lenços do meu pai e paninho de prato. Isso eu sabia

passar, porque era reto! Sei lá se eu sabia ..., mas eu lembro de enganar. Eu pegava

e colocava a roupa, toda esquisita por baixo, meio dobrada, sabe coisa de criança?

Devia ser uma fantasia tamanha! E aí eu botava os passadinhos em cima. Mas todo

mundo elogiava, porque acho que todo mundo via que estava mal feito, mas ninguém

ia recriminar, né? ” (Ana)

Em relação à brincadeira, Ana comenta que, para o seu irmão, existia a pausa

para as brincadeiras e que ele inclusive fazia as tarefas que eram determinadas a ele

da forma mais rápida possível, ansioso pelo momento de lazer. Em nenhum momento,

Ana relata ter uma pausa para brincadeiras ou vontade de brincar. Sua satisfação

estava muito mais relacionada em realizar as atividades da casa do que em atividades

de lazer.

Além disso, Ana criou uma grande admiração em torno de sua avó paterna,

mesmo sem conhecê-la. Isso porque, seus tios por parte de pai contavam inúmeras

histórias de sua avó, que fora uma mulher extremamente dinâmica, trabalhadora e

diferente das demais. Ana pedia para que contassem muitas histórias de sua avó.

“Falavam dessa minha avó como uma mulher maluca para a época , porque ela

trabalhava a noite, aliás, trabalhava de dia, porque tinha aquele monte de filho e a

noite montava num cavalo para ir comprar gado, comprar terras... agora imagina, na

época? Na época eram os homens que faziam esse tipo de coisa e para ela não. Era

ela! E trabalhava muito e conseguia. E isso me chamava muita atenção! O máximo

que eu pudesse perguntar sobre isso, eu perguntava. Eu lembro de achar aquilo

muito engraçado e querer ser igual. Eu já pensava que eu tinha que ser diferente,

porque a rotina das outras mulheres não era uma coisa boa. ” (Ana)

54

Seu irmão, Afonso, reforça que todos achavam que o perfil de Ana se

assemelhava ao da avó paterna.

“Dizem que ela puxou a nossa avó, mãe do papai. Tinha as lavouras dela e as lavouras

dele! E na época para mulher o tabu era maior. Mulher assim, tocando lavo ura, e ela

tinha disso. Montava no cavalo, saía de madrugada, torrava farinha e começou a

conseguir, começou a progredir, mas só que aí ela morreu, morreu cedo. Senão ela

tinha progredido muito. E todo mundo fala, a Ana tem o perfil da avó . Então a gente

acha que na genética, de repente puxa alguém mais atrás. Ela chamava Ana de Jesus,

e até as pessoas que conheceram ela falavam que ela não esquentava banco. Ela

sentava e já levantava. E a Ana também é meio assim” (Afonso)

4.2 Situação financeira da família

Sobre a situação financeira da família, Ana relata “Lá em casa eu não lembro

de faltar o principal. Tínhamos sempre leite, ovos, frangos. Agora, dinheiro para

comprar roupa, para comprar um sapato, isso não existia! ”. Além disso, Ana se

recorda que seu pai era um dois únicos da região a ter um carro. Por isso, muitas

vezes, vizinhos vinham de longe carregando uma pessoa doente até a sua casa, para

que seu pai os levasse até uma cidade próxima, onde existisse atendimento médico.

Entretanto, de modo particular, a situação financeira da família era bastante

instável já que o pai de Ana tinha como atividade principal a compra e venda de gado.

Aqui, cabe ressaltar que o lucro era proveniente da transação de compra e venda e

não da criação de gado. Como Ana explica, seu pai comprava bois e vacas, juntava-os

no pasto por um período e posteriormente os vendia em grande quantidade para

frigoríficos. Os compradores de frigoríficos iam até a região com caminhões para

serem carregados de bois e vacas. Ana comenta que, seu pai até realizava outras

atividades, como o plantio e a criação de pequenos animais, mas que a atividade que

ele tinha mais gosto por realizar era “negociar”.

Essas atividades eram marcadas pelo risco e Ana se recorda ainda da falta de

controle financeiro de seu pai. Isso porque, o pai de Ana às vezes contava com o

dinheiro que iria receber para realizar novas compras. Além disso, ele praticava

vendas a prazo sem garantias de recebimento, de modo que, quando os compradores

não honravam seus compromissos de pagar a dívida, as finanças da família eram

duramente afetadas. Ana se recorda muito do seu pai reclamando de falta de

dinheiro. Assim, apesar de terem uma condição financeira melhor que outros da

região, eram comuns reclamações e, segundo ela o assunto “falta de dinheiro” estava

55

presente. Já o avô materno de Ana tinha uma renda proveniente da retirada de leite,

que era a renda mais estável. Ana traça um paralelo entre a situação financeira de

ambas as famílias, com quem tinha contato.

“Era tudo meio parecido, mas a situação do meu avô era melhor que a do meu Pai,

porque ele era mais controlado. Porque para o meu avô não existia dever. Isso ele

não passava. Eles podiam ter uma vida mais econômica, muito regrada, para dar

conta. A vidinha era aquilo, ele vivia daquilo, era uma vidinha muito pacata. E meu

pai já se arriscava. ” (Ana)

4.3 Os tempos da escola

O irmão de Ana entrou primeiro na escola, já que era um ano mais velho que

ela. E Ana, que tinha muita vontade de aprender a ler e escrever, mesmo antes de

entrar na escola ficava por perto quando sua mãe ia ensinar as lições da escola para

seu irmão.

“Daí a minha mãe ia ensinar ele todo dia à noite e eu tinha que lavar a louça do

jantar. Eu lavava aquilo tudo correndo, eu ficava desesperada para terminar, num

desatino para poder ficar do lado dela enquanto ela estava ensinando ele. ” (Ana)

Em seu relato, Afonso conta que o perfil dos irmãos era bastante diferente, já

que ele via os estudos como uma obrigação, enquanto Ana via com extremo interesse.

“Tudo que eu fazia lá a mamãe passava para a Ana. E a ela era zap, zap, zap! E eu já

era encolhido de baixo de vara para estudar, porque eu era meio ruim de estudar. Aí

eu lembro que tinha a lamparina, que não tinha luz elétrica em casa, aí eu sentav a

na cadeira, aí tinha as liçõezinhas de casa para eu fazer e eu fazendo porque senão,

se não fizesse, ia apanhar. E a Ana debruçava atrás da cadeira, porque ali, a

curiosidade dela era demais em aprender e ver o que eu estava fazendo. ” (Afonso)

Ana conta inclusive o fato de ela fica debruçada sobre seu irmão no momento

de seu estudo desencadeava uma intriga entre os irmãos.

“Então, a mamãe ficava ensinando, de um lado, sentada na cadeira e ele (Afonso) do

outro e eu ficava atrás. E aí, quando ela perguntava alguma coisa para ele ou

mandava ele ler de novo porque ele errou, aí eu f icava atrás “ah, eu posso falar? ” e

se eu falasse, porque tinha hora que escapava, ele me dava cada cotovelada! ” (Ana)

Como Ana pedia que sua mãe a ensinasse a ler em casa, quando ela completou

sete anos, que era a idade em que as crianças passavam a frequentar a escola rural,

sua mãe pediu à professora que ela fosse transferida para a segunda série, para que

ela e o irmão pudessem ir juntos para a escola.

A escola rural ficava distante e os irmãos iam a cavalo para a aula. A escola era

liderada por uma única professora e todas as séries concentravam-se em uma única

56

sala de aula, de forma que crianças menores conviviam com crianças maiores no

mesmo ambiente.

No que tange ao desenvolvimento de seu interesse por estudar, Ana comenta

a existência de um único livro na casa, que pertencia ao seu pai. Este livro era uma

coletânea de histórias, as quais Ana decorava. Entretanto, para ela, a história que a

marcou profundamente era a que contava um resumo da vida de Rui Barbosa, em

especial porque a narrativa dizia que ele fora um menino prodígio, que aprende ra a

ler com cinco anos de idade. Ana revela que ao ler aquilo, queria ser igual ao Rui

Barbosa. Ela se lembra de gostar de ficar em um cantinho, em uma mesa na dispensa,

onde era o local mais tranquilo da casa, lendo este livro, ou escrevendo no papel de

pão, já que não havia cadernos ou outros livros na casa.

4.4 Vinda para a cidade de Guarapé

Ao terminar a quarta série aos dez anos, Ana, se mudou junto com os seus avós

para a cidade com a intenção de continuar os estudos. A decisão de seus avós de se

mudarem para a cidade decorria da maior proximidade do sistema de saúde, já que o

avô de Ana havia desenvolvido problemas na coluna. Ana analisa que, se não fosse

tal fato, ela teria interrompido os seus estudos.

“E é isso que eu falo, que são os acontecimentos. Porque, se a minha avó não vem

para a cidade, eu não ia continuar a estudar! Porque como? Onde eu ia ficar? E isso

que eu falo: É Deus que direciona para aquilo! Porque como que eu posso explicar?

Eu poderia ter a maior vontade de continuar a estudar, mas se a minha avó não vem

para a cidade, eu não ia estudar! ” (Ana)

Esta fase de adaptação é bastante vívida nas memórias de Ana. A cidade era

um local completamente diferente do campo, com costumes e valores distintos dos

que ela conhecia. Além disso, para agravar, ela comenta que a cidade era marcada

por forte desigualdade social, traduzida na existência de famílias abastadas, em geral

descentes de Turcos e Italianos, que dominavam grandes fazendas de café e moravam

em mansões. Do outro lado, existiam famílias humildes, com poucos recursos

financeiros.

“Primeiro, morar com meus avós, que eram pessoas de idade. De pois, eles vieram

para a cidade, mas tinham todos os costumes da roça. Então, eram pessoas

totalmente deslocadas dentro da cidade de Guarapé. E Guarapé é uma cidade que é

movida pelo contraste: os ricos e os pobres. Então era nítido que a gente ia ser

humilhado até não ter mais jeito. ” (Ana)

57

A dificuldade com as matérias escolares foi o primeiro choque. Ana era

excelente aluna na escola rural e estava acostumada com boas notas e elogios.

Entretanto, como a escola rural tinha o ensino bastante inferior ao ensino da escola

urbana, Ana contava com um nível de conhecimento inferior ao necessário para

acompanhar a turma da quinta série.

Ao chegar à escola, Ana enfrentou sérias discriminações dos alunos da turma,

primeiro por ter vindo da roça, segundo por não deter de conhecimento como os

outros e terceiro por não ter boa situação financeira. Ela conta que ela era proibida

de falar com outras meninas e ficava sozinha nos intervalos das aulas. Nas aulas de

educação física, durante os exercícios que eram realizados em dupla, Ana ficava

sozinha. Durante os jogos com bola, os alunos tentavam acertá-la. Em trabalhos em

grupo, mesmo que o professor determinasse que um grupo devesse a aceitar como

um membro, ela era excluída.

“E eu lembro de ir subindo para a aula, na rua da catedral e ia os grupinhos de

meninas todas juntas, conversando. E era assim, se eu aproximasse um pouquinho

meus passos, elas viraram e falavam “ó, você, lá atrás! Fica lá atrás”. Assim! E eu

tinha então que ir sozinha e bem longe delas. ” (Ana)

Entretanto, a discriminação mais marcante para ela foi a realizada pelos

próprios professores. Ana se recorda de seu professor de inglês que a apelidou diante

da turma de “jacu da roça”, termo que se refere a uma pessoa tonta, ignorante e

boba. Ana relata que o professor de inglês estimulava a discriminação em sala de aula

e, certo dia, fez um discurso à turma diante de suas dificuldades:

“Tinha um texto, daí ele pedia para cada um da turma ler um parágrafo. Quando

chegava a minha vez, que eu lia tudo errado e era aquela gargalhada geral na sala .

Na verdade, todo mundo ficava olhando para mim antes, porque já sabiam. E eu nem

sei se a voz saía na hora, porque eu já tremia tanto antes . Nesse dia ele pegou e fez

um discurso dizendo que não adianta que isso vinha de berço. E falava que nunca

uma pessoa de um nível diferente ia ser um alguém na vida. O discurso dele foi bem

assim, entendeu? Que eu era um jacu da roça e que não adiantava. Que eu tava

fora do meu meio. ” (Ana)

As primeiras notas de Ana foram muito baixas, o que agravou a situação. Ela

ficou triste e perdida e se recorda de chorar muito. Sua intenção, entretanto, era

esconder as notas baixas, os assuntos relacionados à discriminação na escola e

qualquer dificuldade, pois tinha medo que a levassem de volta para a roça.

“Porque, se chegasse nos ouvidos do meu pai, por exemplo que eu era discriminada,

ele me obrigaria a voltar. Se passasse pela cabeça dele as discriminações que a filha

dele passava lá na cidade, nossa! (...) Nossa, como eu escondia! Não contava para a

58

minha avó, para minha mãe, para ninguém! Aquilo eu guardava comigo, eu chorava.

” (Ana)

Ana, na época entendia que precisava lutar para ficar, pois queria se destacar

de alguma forma. E ela reconhece que sua mãe na época a influenciou no sentido de

dar importância para os estudos, como o caminho para se alcançar o sucesso tão

almejado.

“Ah, eu queria ser alguém e eu sabia que o caminho era esse . Era estudar, que era

única coisa que tinha pela minha frente. Mas eu não sabia nem o que era ser esse

alguém, eu só achava que eu tinha que ser diferente. E minha mãe tinha incutido na

minha cabeça que ia ser estudando. ” (Ana)

A situação melhora quando Ana conhece Rita. Conforme Ana relata, Rita,

apesar de não pertencer a nenhuma família abastada da cidade, era filha de professor

e tirava boas notas e, portanto, era respeitada tanto pelos outros professores, como

pelos alunos da turma. A amizade com Rita abriu os horizontes para Ana, que passou

a frequentar sua casa e a ter contato com uma família distinta da sua. Na família de

Rita, conforme Ana relata, todos eram cultos. Ana passou a ir estudar todos os dias

na casa de Rita, à tarde, depois da escola. Ana se encantou com a casa, que era cheia

de livros, e mais do que isso, era um ambiente onde todos valorizavam os estudos e

onde os adultos motivavam os jovens a buscarem uma boa profissão e a se

desenvolverem.

Após conhecer Rita, Ana começou a obter o resultado de seu esforço e passou

a tirar boas notas escola. Assim, aos poucos, ela começou a conquistar o seu espaço,

vencendo as discriminações. Ana e Rita se tornaram inseparáveis até o fim do colegial.

Ana conta que durante todo esse tempo, ela só pensava em estudar, mas não

tinha planos tão concretos. Sua visão acerca de profissões era limitada ao que existia

na cidade. Ela conhecia médicos e comerciantes, e todos eram homens. Mulheres

eram professoras ou donas de casa. Aos seus 16 anos, quando Rita decidiu que iria

fazer cursinho pré-vestibular para Medicina, Ana decidiu ir junto e fazer igual. O

cursinho, entretanto, só existia em Itaí, uma cidade bem distante de Guarapé.

Conforme Ana relata, a intenção de se mudar para longe da família em busca

de estudos causou imenso alvoroço em todos em sua família. Seu pai e seus avós não

entendiam o que ela almejava e achavam que era uma grande loucura ir para tão

longe. Ana relata que sua mãe, após perceber que esse era um sonho verdadeiro de

59

Ana, fez frente para convencer todos os outros de que aquilo era importante para

ela.

Em relação ao curso, Ana comenta que ao longo do ano ela percebeu que não

gostava das matérias relacionadas à biologia tanto quanto Rita, e se lembra de ter um

período de imensa insatisfação, pois sem saber que existiam outras profissões, não

enxergava uma alternativa mais promissora para sua carreira. Os resultados do

vestibular foram arrasadores, pois Rita conseguiu passar em Medicina e Ana não. Ana,

sem ver alguma alternativa, decidiu voltar para a roça.

“Eu lembro que o dia que a gente viu que ela passou e eu não passei o mundo caiu

nos meus pés (...). Eu lembro de ser um dos dias mais tristes da minha vida. Eu fiquei

muito arrasada e pensei “chega, não vou estudar mais, agora acabou”. Porque eu

sabia que meus pais não podiam pagar mais. E então eu fui para a roça. E eu me

lembro de ter um período de depressão mesmo, tristeza profunda. Porque eu não

sabia o que fazer, não tinha um caminho. ” (Ana)

Ana ressalta que, no seu retorno à sua casa, as pessoas, como vizinhos e

familiares, não entendiam o seu sofrimento, pois nem entendiam o que ela havia ido

buscar fora de casa durante aquele período. Ana, após ter vivido em locais diferentes,

mais desenvolvidos, passou a enxergar “dois mundos”, a roça e a cidade.

“E tinha aquele povo lá da roça todo interrogando, do tipo, era a pessoa que estava

fora estudando e de repente estava de volta lá. E o pessoal nem entende. E era aquele

interrogatório todo: “ah, então você largou mão de estudar? ” E eu respondia “ah,

larguei”. E era uma insatisfação muito grande ver aquilo tudo de novo, vi ver aquele

mundo de lá de novo. ” (Ana)

Poucos meses depois, duas amigas de Ana lhe mandaram uma carta contando

sobre o curso de engenharia de telecomunicações, o qual elas haviam ingressado.

Elas contavam que haviam passado para a faculdade Alpha e que havia um programa

do governo chamado “crédito educativo” que poderia a auxiliar nos gastos durante o

período da faculdade. A chegada da carta reascende as esperanças de Ana, que

rapidamente decide estudar, por conta própria, para o vestibular de engenharia.

“Como elas me mandaram essa carta eu não sei. Só lembro da letra redonda da

Gislene. Essas coisas não são de Deus? Porque elas iam lembrar de alguém que elas

mal conheceram. Nossa, Engraçado! Então eu respondi e me enchi de empolgação e

decidi “vou fazer, vou fazer engenharia! ”. (Ana)

Ana então prestou vestibular para a faculdade Alpha, e ingressou no curso de

engenharia de telecomunicações. Ana comenta as dificuldades financeiras para se

manter nessa nova cidade.

60

“Mas lá, nossa, como foi difícil, se não fosse a minha mãe. Eu não lembro da época

do cursinho ter sido tão difícil, mas na faculdade foi mais. Eu morava numa casinha

muito simples, dividia com duas meninas, era muito regrada todas as despesas (...).

Então a minha mãe começa a vender as coisas lá da roça, seja café moído, queijo...

e às vezes se pedia dinheiro emprestado mesmo. Para o tio Toninho, que tinha uma

situação melhor, quantas vezes não se pedia alguma coisa emprestado para

ele...Era para esses pequenos gastos, mas para a gente já era demais. ”

O curso de engenharia, de uma forma geral correu bem e sobre esse período

Ana diz ser “um dos melhores anos de sua vida”, já que não havia discriminações.

“Posso dizer que foram os melhores anos da minha vida. Porque lá era como se todos

fossem iguais. Tinham os ricos na cidade, mas mesmos os ricos gostavam da

simplicidade, então todos eram amigos. Era uma grande família. O pessoal da cidade

também, muito acolhedor. E a turma era unida ao extremo. ” (Ana)

No final de seu curso, início da década de 1980, a crise econômica do Brasil

afetou as oportunidades de estágios e emprego para os alunos que estavam em fase

de conclusão do curso. Ana relata que todos os alunos estavam desesperados, já que

o cumprimento de horas em estágio era exigência para a obtenção do títu lo de

engenheiro. Neste período, Ana conseguiu uma vaga de estágio da CTBC.

A experiência do estágio para Ana foi bastante negativa. Primeiro, seu chefe,

não aceitava que uma mulher fosse designada para a função de engenheira. Assim,

ele não a autorizava ir para alguma obra ou executar qualquer tarefa fora do

escritório.

“Para o meu chefe foi o caos entrar uma mulher ali. Eram só homens no setor. E eu

ainda via as equipes todas de manhã, chegando, fazendo aquele reboliço, (...) eu

morria de vontade de ir junto! Eu queria que ele me deixasse ir a campo para eu

entender um pouco como aquilo era na prática. Lembro de entrar na sala dele e pedir

isso (...) Nossa, ele me olhou com aqueles olhos arregalados como se fosse a coisa

mais absurda. Ele me perguntava se eu tinha a noção do que era ir para campo, eu

sendo uma mulher. ” (Ana)

Ana conta que o clima no escritório era bastante negativo e os engenheiros

que ficavam no escritório não passavam informações para ela, com medo de perder

o emprego. Ela comenta ser um período entediante: “Eu não tinha nada para fazer,

era a coisa pior do mundo! Era só cumprir horas.”.

“Foi a coisa mais entediante do mundo! Só me serviu para pensar que eu nunca ia

querer ser empregada e nunca ia querer trabalhar numa coisa daquela. Eu não via

um clima legal lá dentro. Todo mundo era insatisfeito. Não tinha clima de bem -estar.

Na verdade, só tinha isso nas equipes que iam para campo, porque as equipes de

campo eram barulhentas, chegavam lá, tudo para sair” (Ana)

61

Após o término da faculdade, Ana se mudou para São Paulo para morar na casa

de uma tia, que a acolhe. A situação econômica do país estava cada vez pior e as

oportunidades de emprego para recém-formados eram raras. Seus colegas de

faculdades também estavam na busca por trabalho. Ana procurava emprego em

jornais, e comenta estar disposta a aceitar inclusive empregos para trabalhar como

técnica, caso a vaga surgisse. Entretanto, surgiu uma oportunidade de emprego na

Embratel, emprego almejado por todos os seus colegas de faculdade. Ana realizou o

processo seletivo e passou. Ana comentou que o trabalho era muito gratificante, já

que pôde conhecer diversas empresas e pôde trabalhar com uma equipe muito boa.

Ela realça que a Embratel era uma empresa de status.

“O salário era bom, os hotéis eram bons, a diária de refeição que você recebia não

dava para gastar aquilo, porque só se almoçasse e jantasse em locais muito bons. (...)

eu sei que dava para coisa de muito luxo. (...) A Embratel tinha os carros dela,

azuizinhos, tudo próprio, com o emblema da Embratel, daí eu chegava no aeroporto

e já tinha um carro desses me esperando. Minha visita estava agendada, dentro

daquele horário tinha o motorista lá, e ficava ele lá me esperando. Se eu quisesse

jantar em algum lugar também, a mesma coisa. Entendeu? Tudo dentro do meu

pacote. Era empresa de status mesmo! Nas visitas, eu era recebida que só me

faltavam me carregar no colo porque eu estava ali representando a Embratel . (...)

E eu só falava com as pessoas de topo das empresas e eles me enchiam de presentes.

Era normal eu ganhar vinhos ou almoços. ” (Ana)

Apesar disso, Ana não se sentia completamente satisfeita e passou a se

planejar para o futuro. Ela se aproximou de empregados da Embratel, que tinham o

emprego há mais de 10 anos, para investigar o que essas pessoas tinham de bens

acumulados e como era a qualidade de vida dessas pessoas, de uma forma g eral. Ana

resume suas impressões:

“Eu via que eles tinham uma situação estável, mas era isso. Casa de praia, curtir

férias, tipo, o que um bom salário dá para as pessoas, não é isso? (...) eu comecei a

colocar na minha cabeça que aquilo era muito pouco. ” (Ana)

Algumas dimensões temperamentais do empreendedorismo são detectas no

perfil de Ana, como a dimensão da ambição, conforme apontada por Penrose (1959).

Ana tentou explicar o porquê ela queria ter “algo além” do que as pessoas que tinham

um emprego estável na Embratel, e para isso, ela remete às humilhações que sofrera

em Guarapé.

“Eu sabia que eu tinha sido muito humilhada na vida. As humilhações que eu vivi

eram uma coisa muito triste, mas ao invés de me desmotivar, vinha sempre um

pensamento que eu tinha que vencer, que eu tinha que mostrar para aquela gente

ou mesmo que não importava, que eu mostrasse para mim mesmo. Acho que nem

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era muito para mostrar para aquela gente, eu só queria ser alguém! A única maneira

de sufocar e pisar naquela humilhação era mostrar o contrário que eu tinha

conseguido vencer na vida. Eram esses os pensamentos que eu tinha. E era esse o

único conforto que eu tinha frente às humilhações, não que eu não tenha chorado

muitas vezes. (...). Eu precisava ser alguém para dar um tratamento para aquele

assunto da humilhação. ” (Ana)

Em conjunto com esses dilemas, Ana, ao longo do ano que trabalhara na

Embratel, passou a ver um “mundo diferente”, cheio de oportunidades para se abrir

um negócio próprio. Percebe-se que a dimensão temperamental da versatilidade

apontada por Penrose (1959), a qual envolve uma questão de imaginação e visão já

estava sendo fortemente desenvolvida por Ana.

“E também eu já tinha visitado todas essas cidades, aquela movimentação de

empresa. Eu já ia olhando que ao longo do caminho tinham empresas menores, um monte de

oportunidades, um mundo aberto. Um monte de oportunidade de crescimento, de ter um

negócio seu. Então foi quando começou a aparecer as primeiras ideias de vontade de ter um

negócio meu que dependesse do meu trabalho. ” (Ana)

Em meio a esses pensamentos, surge uma vaga na Embratel para um emprego

fixo. Neste novo cargo, viagens não seriam mais necessárias e a estabilidade na

carreira estaria garantida. A seleção para essa vaga se daria mediante a apresentação

de uma palestra, cujo tema estaria relacionado com a defesa das empresas Estatais,

tendo em vista a crise que o sistema de telecomunicações estatal já estava vivendo

na época. Ana relata que, mesmo com dúvida internas, ela se empenhou para faz er

um bom trabalho, com o intuito de provar que seria competente para aquilo. Por fim,

ela foi escolhida para a vaga.

Ana relata que, uma noção de urgência tomou conta de seus pensamentos. Ela

precisaria decidir naquele instante o que fazer. Ela pensava: “hoje eu sou sozinha, se

eu não fizer isso agora, aí eu vou me acostumar com aquilo e, depois, um dia, eu não

vou sair nunca mais”.

Então Ana recusou a vaga e saiu da Embratel. Sobre a reação de seus colegas

e familiares, ela comenta:

“Quando eu comentava aquilo com algum amigo meu de faculdade, esses que estavam

na busca por um emprego, nossa, eles achavam que era a maior loucura . Eles falavam “Meu

Deus! Eu não acredito que você está falando isso! A gente aqui buscando emprego e você na

empresa top, com um salário maravilhoso, falar de sair?!” (...), mas foi uma coisa meio

complicada mesmo, porque a Roseli, a Tia Luzinha, todos me taxaram de louca. Elas não se

conformavam. ” (Ana)

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5 HISTÓRICO DA TELMAIS

5.1 A formação da sociedade e a fundação da TelMais (1983 a 1984)

O princípio da TelMais remonta a história de Ana e seu desejo imenso de abrir

seu próprio negócio. Como mencionado, durante o seu primeiro emprego na

EMBRATEL, Ana continuava insatisfeita, apesar de estar em um cargo almejado por

todos. Assim, durante seu primeiro ano de trabalho, Ana buscou incessantemente

informações que a ajudasse a conceber seu próprio negócio.

A primeira ideia concreta de abrir uma empresa surgiu em uma conversa com

seu amigo de faculdade Mouro, que contou à Ana sua experiência como estagiário na

empresa Protec, a qual implantava redes telefônicas para fins da obtenção do Habite-

se na cidade do Rio de Janeiro. O Habite-se é um certificado emanado da prefeitura

que autoriza o início da utilização efetiva das edificações destinadas à habitação.

Trata-se de um documento que comprova que um empreendimento ou imóvel foi

construído conforme a legislação local. Na ocasião, a prefeitura da cidade do Rio de

Janeiro era a única a exigir, junto a outros documentos, o chamado Habite -se

Telefônico, que era um documento que certificava a aprovação da rede telefônica

pela operadora de telefonia local.

Neste âmbito, as atividades realizadas pela Protec compreendiam a elaboração

de projetos de redes telefônicas, a implantação das redes telefônicas nos prédios em

fase final de construção e a obtenção da aprovação da rede pela Cetel ou Telerj, que

eram as operadoras de telefonia no Rio de Janeiro.

As atividades realizadas pela Protec despertaram o interesse de Ana, já que

exigiam baixos investimentos iniciais. A implantação das redes de telefonia era feita

de forma manual, por ajudantes de obras, com auxílio de pequenas ferramentas,

como um alicate e uma chave de fenda. Com o objetivo de entender a fundo como

eram estruturadas as atividades desta empresa, Ana abandonou o seu emprego na

Embratel e veio para o Rio de Janeiro para trabalhar como estagiária na Protec,

ocupando a vaga de estágio cedida por seu amigo e futuro sócio Mouro.

Como estagiária, Ana tinha a função acompanhar as equipes de campo que

implantavam as redes telefônicas nos edifícios. O encarregado da equipe de campo,

Luís, chamou a atenção de Ana devido a sua extensa experiência na execução de

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obras. Ele era um técnico cabista experiente, que já havia trabalhado nas operadoras

Cetel e Telerj e possuía grande conhecimento técnico, além de grande perspicácia e

habilidades para liderar os operários na obra. Ana viu em Luís o conhecimento

empírico e a experiência que faltavam para ela e para seu amigo Mouro e imaginou

que, em sua empresa, precisariam de alguém como Luís.

Ademais, além das atividades que deveria realizar como estagiária, Ana se

envolvia nas mais diversas atividades da empresa com o intuito de aprender o máximo

possível. Assim, ela observava como os funcionários da empresa abordavam novos

clientes, como eram feitos orçamentos e como projetistas executavam os projetos de

redes telefônicas. Além disso, por entender a importância de se ter uma rede de

contatos, Ana copiava para si informações acerca da carteira de clientes da Protec.

Este período de aprendizado teve seu fim após um mês e meio, quando o chefe

de Ana na Protec, ao desconfiar de suas intenções, despediu-a sob a justificativa que

ela era “esperta demais”. Surpreendida, Ana não viu outra escolha a não ser abrir

imediatamente a sua própria empresa. Como Ana ainda não se sentia preparada para

executar as obras, ela convidou Luís para trabalhar na nova empresa. Luís aceitou o

convite, com a condição de que pudesse entrar também na sociedade em conjunto

com Ana e Mouro, condição esta que fora rapidamente aceita. Assim nasceu a

empresa de sociedade limitada TelMais em 21 de julho de 1983.

A divisão de trabalho inicial entre os sócios foi feita da seguinte forma: Ana

ficou responsável pela captação de novos clientes e a execução de orçamentos dos

serviços a serem realizados, Mouro ficou responsável pela execução dos projetos de

redes telefônicas e o Luiz responsável pela execução das obras.

Sobre suas decisões acerca da formação da sociedade, Ana ressalta sua falta

de experiência.

“Hoje em dia o mundo é aberto, agora imagina, volte uns anos atrás e pensa em quem se formou, no interior, sem internet, sem informação. Fonte de pesquisa era só livro em biblioteca e a gente só estudava o que o professor ensinava. Então, minha visão de mundo era zero. Eu não sabia nem o que era uma nota fiscal, ou o que era algo como um departamento pessoal, ou leis trabalhistas . Eu não tinha noção de nada disso. Hoje, tudo que buscamos na internet, encontramos. (...), mas nós, eu e o Mouro, éramos a limitação em pessoa! Nossas cabecinhas eram muito fechadas! Hoje eu lembro e me assusto. Acho que só as orações da minha mãe mesmo, que me fizeram vencer isso tudo. (...) Era muita ignorância junta e para aprender algo, só à custa de muito prejuízo, porque não tive quem me orientasse. ” (Ana)

65

Inicialmente a ampla rede de contatos de Luís, que incluía fiscais das

concessionárias, mão de obra de construção civil, despachantes e contadores, além

de seu amplo conhecimento da cidade do Rio de Janeiro possibilitaram o arranque

inicial da TelMais. Por intermédio de conhecidos, Luís conseguiu rapidamente obter

o cadastro da TelMais na Cetel, o que possibilitava a empresa realizar obras na zona

oeste e norte da cidade. Como a Telerj exigia um ano de experiência para obtenção

do cadastro, as obras localizadas no restante da cidade só poderiam ser executadas

por subempreita, ou seja, prestando serviços para uma empresa intermediária, já

cadastrada na Telerj.

Neste período, as despesas iniciais da empresa compreendiam basicamente o

aluguel da sala e as despesas dos sócios com alimentação e transporte. O custo das

obras incluía o custo de materiais, como rolo de cabos metálicos e pequenas

ferramentas e o pagamento dos ajudantes de obras, que, por não serem contratados

pela empresa, recebiam por diária trabalhada. Esses custos eram cobertos pelos

recursos financeiros limitados de Ana e com a ajuda do pai do Mouro, que arcava com

o aluguel da sala.

Após alguns meses de trabalho, Mouro e Ana começaram a perceber que o

retorno financeiro não cobria os custos. Esses sócios começaram a desconfiar que

Luís estivesse captando os recebimentos das obras para si e desviando material. Cabe

ressaltar que, os serviços eram executados de forma bastante informal . Não havia

nenhum controle administrativo, contratos de serviços entre as empresas envolvidas

ou notas fiscais. Ana comenta a dificuldade para comprovar sua desconfiança.

“Ele (Luís) podia apresentar só o que ele queria e a gente nem tinha noção de quanto tempo levava para fazer uma obra. (...). Mas pensa, ele tinha o tal fusca vermelho dele e eu de ônibus. Como que eu ia seguir ele? Eu nem sabia onde ele ficava durante os dias. Mas eu tentava abordar os outros que trabalhavam com ele, tentava espremer daqui, de lá, mas sabe quando todo mundo está esperto, armando? ” (Ana)

Os indícios de roubo cresceram ao longo do ano e a situação financeira da

empresa se agravou de modo que Mouro decidiu abandonar a empresa. Ana, por sua

vez, reuniu forças para desmascarar Luís, com a intenção de retirá-lo na sociedade.

Após flagrá-lo utilizando material e mão de obra da empresa em uma obra não

apresentada à TelMais, Ana confrontou Luís, que se recusou a abandonar a empresa.

A disputa entre Sergio Luís e Ana pela TelMais decorreu do fato de que a empresa já

66

caminhava para completar um ano de atividade, exigido para o cadastro na Telerj.

Ana se vê impossibilitada de recuperar a empresa, uma vez que o contrato social fora

feito por um contador amigo de Luiz.

“O meu lado era sempre o mais fraco. Mas só lembro que foi uma época horrível, porque eu fiquei sem a firma. Eu parei de trabalhar, não tinha mais dinheiro e com um apartamento alugado. (...). Eu lembro de ficar dentro do apartamento sozinha, numa sexta feira, sem ver uma saída, sem saber meu rumo. Então, foi nessa hora que eu resolvi fazer algum “servicinho”, eu mesma. (...). Eu lembro de eu mesma tentar fazer alguma obrinha, do jeito que ele fazia, como subempreita, mas sem legalizar nada. ” (Ana)

Então, Ana decidiu começar a fazer serviços por conta própria, de forma

informal, para terceiros como forma de se manter financeiramente. Ela mesma

executava os trabalhos em campo, sem a ajuda de ajudantes de obras ou outros

profissionais. Neste período, Ana relata que sofria ameaças de morte constantes de

Luís para assinar a rescisão contratual, concedendo-o a empresa.

“Ele sempre descobria onde eu estava e ele ia atrás de mim para que eu assinasse a rescisão, dando a firma para ele. (...) E ele me ameaçava de morte. Ele me dava um prazo. (...) Ele me dava 15 dias para eu assinar, me mandava cartas. Nos primeiros prazos eu achava que ia morrer, mas como o prazo venceu e ele não me matava nunca, eu comecei a relaxar. Mas não deixava de ser uma pressão absurda. ” (Ana)

A disputa final se deu quando Ana encontrou um contador que conseguiu a

altos custos negociar a saída de Luís da sociedade. A primeira alteração contratual,

feita em 03 de outubro de 1984, retirou Luís e Mouro da sociedade e incluiu o pai de

Ana como sócio minoritário. O pai de Ana aceitou assinar o contrato social mediante

a condição de que a filha nunca fizesse nenhum empréstimo bancário, já que ele

entendia que isso poderia pôr em risco o único bem da família, que era o sítio onde

os pais de Ana moravam.

Para guiar o leitor pela narrativa da história da empresa a partir desse ponto,

foram criados dois mapas visuais que podem ser consultados a fim de facilitar o

entendimento dos diversos acontecimentos ao longo do tempo. A figura 5.1

apresenta a curva de crescimento junto aos principais contratos e serviços prestados

no período. Nesta figura as modalidades contratuais foram diferenciadas por figuras

geométricas, como indica a legenda. A figura 5.2 apresenta uma linha do tempo que

evidencia os eventos mais significativos no âmbito da família e no âmbito da empresa.

67

Figura 5-1: Curva de crescimento e contratos realizados pela empresa no tempo

Período 1 Período 2

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Figura 5-2: Principais marcos e eventos no âmbito da família e no âmbito da empresa

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-Fundação

-Obtenção do cadastro Telerj-Dissolução da sociedade

-Irmão de Ana, Afonso, começa a trabalhar na Empresa

-Primeira obra para um arquiteto influente que passa a indicar a empresa para novos clientes

-Cunhada de Ana, Mariza, começa a trabalhar na Empresa

-Inicio de reformas de galpões e lojas de familiares e obras próprias com mão de obra da Empresa

-Inicio de Contrução de prédio de três pavimentos

-Diversificação: Passa a realizar automatização de portões e instalação de antenas

-Início do contrato de rede externa com operadora de telefonia móvel

-Início do contrato com a CEG-Contratação do primeiro gestor externo

-Término na construção doprédio de três pavimentos

-TelMais leva a cabo cinco contratos em paralelo, incluindo obras em rodovias fora da cidade-Ana se afasta da sede da empresa para gerenciar obras em rodovias -Contratação de Afrânio para gerenciar um contrato

-Agravamento da Doença do tio de Ana

-Entrada da irmã de Ana,

Márcia, , que ficou responsável pelo setor de contabilidade e departamento pessoal da empresa

-Contratação de dois primos para trabalhar nas obras em rodovias

-Início da implantação de redes em fibra óticas, rede de lógica e elétrica

-Falecimento de Afrânio

-Redução das atividades da empresa(dois contratos em paralelo)

-Nascimento da primeira filha de Ana (Leonor)

-Nascimento da segunda filha de Ana (Melissa)

Emp

resa

Fam

ília

69

5.2 Período 1

Após a alteração contratual, no fim de 1984, Ana passou a executar todas as

atividades que antes eram divididas entre os sócios. Ela ficou então responsável por

captar clientes, fazer orçamentos e projetos e executar as atividades em campo.

“Nessa época não tinha ninguém, não tinha ninguém de obras, nem de projeto, nem pessoal de comercial, funcionário nenhum. A TelMais era eu, só eu. Na hora de puxar o cabo, eu pedia para o pessoal da própria obra me ajudar. Depois eu instalava a tomada e fazia a distribuição nas caixinhas. Mas na instalação só usava chave de fenda e um alicatezinho, para clipar o cabo. E como eu não tinha carro, eu levava os rolos de cabos no ônibus. ” (Ana)

Neste período, os principais clientes eram construtores menores, que

investiam com recursos próprios na construção de prédios de até três pavimentos.

Em oposição a grandes incorporadoras, esses construtores independentes buscavam

preços mais baixos para execução de serviços terceirizados e não demandavam que

os mesmos fossem feitos por empresas reconhecidas no mercado. Muitas vezes

ainda, esses construtores não exigiam notas fiscais ou qualquer tipo de certificação

ou experiência prévia. A dificuldade em atender apenas esse tipo de cliente residia

no fato dos mesmos construírem de forma esporádica. Além disso, a construção de

edifícios com recursos financeiros próprios é mais demorada quando comparada com

as construções realizadas por grandes construtoras, levando de seis meses a um ano

para serem concluídas. Assim, como as atividades de implantação de rede telefônica

dependiam do andamento das outras atividades durante a obra, havia um longo

período entre a entrega do projeto de rede telefônica ao construtor, realizada no

início da construção, até o momento em que a canalização estava pronta e era

possível iniciar a passagem de cabos telefônicos. Desta forma, apesar de existir

grande relação de lealdade dos clientes da TelMais nesse período, a demanda era

bastante reduzida.

O arranque das atividades da TelMais aconteceu quando um arquiteto,

chamado Clemente contratou os serviços da TelMais em 1985. Após a execução do

primeiro serviço de implantação de rede telefônica para este arquiteto, ele passa a

indicar a TelMais para execução de outras obras.

No ano seguinte, Clemente, que desenvolveu forte amizade com Ana, ofereceu

um conjunto de salas perto do seu escritório para que a empresa pudesse ser

70

instalada de forma mais estruturada. Ana relata que além de indicar novos serviços

para a TelMais, o arquiteto serviu como um orientador para ela neste período, dando

conselhos a ela e compartilhando a sua experiência. Assim, por diferentes motivos,

essa proximidade com o arquiteto foi relatada como de grande importância para o

arranque da empresa.

Nesta mesma fase, o cadastro na Telerj foi obtido e o volume de serviços

cresceu devido a isso também. Com o número de clientes em crescimento, foi

contratada uma funcionária para assumir a função de secretária e um cabista para

auxiliar na execução das obras.

Em meados de julho de 1986, o irmão de Ana, Afonso, veio para o Rio de

Janeiro e passou a ajudar nas obras. Como ele já executava pequenas tarefas

relacionadas à construção civil, ele passou a executar a tarefa de desobstruir a

canalização de telefonia. Esta atividade não podia ser realizada por Ana, devido ao

esforço físico demandado e a realização desta atividade por parte da TelMais era

capaz de agilizar os procedimentos na obra.

Devido a um interesse particular de Afonso por equipamentos eletrônicos, a

empresa passou a oferecer novos tipos de serviços, como a instalação de antena

coletiva, porteiro eletrônico e automatização de portão de garagem, além dos

tradicionais serviços voltados para a instalação da rede telefônica. Tais atividades

aconteciam de forma quase simultânea à implantação de rede telefônica, na fase final

de construção do edifício, possibilitando a empresa oferecer tais serviços como um

pacote fechado ao construtor.

Alguns meses após a vinda de Afonso para o Rio de Janeiro, sua esposa,

Matilde, passou a ocupar o cargo de secretária na empresa. Márcia, irmã de Ana

trabalhou um breve período na empresa auxiliando em algumas atividades. Assim, a s

pessoas envolvidas neste momento inicial eram Ana, Afonso, Matilde, um cabista e

alguns ajudantes de obras.

Em pouco tempo, a equipe da TelMais passou a ser apta a executar redes

internas em empreendimentos maiores, como torres residenciais de diversos andares

para grandes construtoras ou hotéis. O volume e a significância de serviços de

construção de telefonia interna cresceram nesse período, representando, até meados

de 1989 a maior parte do faturamento da empresa.

71

Em meados de 1990 deu-se o início do atendimento de grandes clientes

comerciais, industriais e agências bancárias, que demandavam redes de telefonia de

maior porte e complexidade em comparação aos empreendimentos residenciais

anteriormente atendidos. Havia também maior exigência em relação à agilidade de

execução dos serviços em comparação aos empreendimentos residenc iais. Assim, a

partir de 1990, a TelMais passa a executar serviços de maior responsabilidade técnica

e complexidade executiva. Destacam-se nesse período as obras realizadas em

agências bancárias, um contrato prolongado de prestação de serviços com um

empresa petroquímica e a implantação de redes externas ligadas à Telerj. Uma

descrição mais detalhada destes serviços se encontra no anexo 2.

Em 1995, a TelMais passou a realizar a implantação de rede de lógica

(transmissão de dados) e elétrica estabilizada, acompanhando o desenvolvimento da

informática nos setores comerciais e industriais.

Concomitante a essa expansão, a TelMais também investiu em treinamento de

pessoal e equipamentos para a realização de implantação de redes de fibra ótica, que

neste período apresentava-se como uma tecnologia promissora que iria substituir o

uso de cabos metálico devido a sua capacidade infinita de tráfego de dados. A TelMais

então passou a ser uma das primeiras empresas de telecomunicações do Rio de

Janeiro capaz de realizar a implantação de redes em fibra ótica e passou a gozar de

um período de pouca concorrência, já que a maioria das empresas de

telecomunicações locais ainda não era apta para realização destes tipos de serviços.

5.3 Período 2

Em 2000, a TelMais passou a executar serviços de rede externa de maior porte

com a implantação de rede de fibra ótica em uma via rápida urbana. Tal serviço foi

prestado à VIVO, empresa formada a partir da compra da Telerj Celular pela

Telefônica, após a privatização do sistema Telebrás. A implementação de dezessete

quilômetros de redes de fibra óticas nessa via urbana pode ser considerada uma obra

complexa, já que compreendeu a implantação de infraestrutura de distribuição de

cabeamento nas mais variadas estruturas rodoviárias, como túneis, po ntes e viadutos

em curvas. Obter o atestado de capacidade técnica de uma obra desta natureza

72

representou um marco para a TelMais e significou a porta de entrada para a

realização de atividades de implantação de redes de fibra óticas em áreas externas.

Após a prestação de serviços para a VIVO, a TelMais assinou o primeiro

contrato prolongado com esta empresa em 2000, o contrato de “rede externa”, que

incluía serviços de implantação de rede externa para expansão da rede da operadora.

Após a assinatura do contrato com a VIVO, a TelMais deixou de executar

serviços para outros clientes e passou a atender quase que exclusivamente à VIVO.

Neste período, 90% do faturamento da TelMais passa a ser referente a serviços

prestados à VIVO. Desta forma, com um único contrato de peso em vigor, os serviços

realizados pela TelMais neste período acompanharam a demanda da VIVO. Assim, o

período de 2000 a 2004, é marcado por uma forte expansão da rede de fibras óticas,

e, portando o volume de serviços a serem prestados pela TelMais à VIVO foi bastante

significativo.

Em 2003 aconteceu um evento significativo no âmbito familiar: o agravamento

do quadro clínico de um tio de Ana. Ana relata que neste ano ela passou a se dedicar

exclusivamente aos cuidados de seu tio. Ana relata ainda que nesse período a TelMais

reduziu o volume de obras executadas. Seu tio veio a falecer em 2004.

Neste mesmo ano, a TelMais diversificou suas atividades, com o início da

prestação de serviços de instalação de redes de gás natural, mediante a assinatura

de um contrato de prestação de serviços com a CEG. O contrato com a CEG seguia um

modelo similar ao contrato do tipo LPU praticado com a VIVO e tinha prazo de

vigência de quatro anos.

Durante o período de 2004 a 2009, a TelMais manteve em vigor o contrato de

rede externa com a VIVO e o contrato de expansão de rede de gás com a CEG. Este

período é marcado por um crescimento significativo, já que, a TelMais passou a

executar um grande volume de obras junto à CEG.

Além disso, a CEG mantinha indicadores que classificavam as prestadoras de

serviços de acordo com a qualidade dos serviços executados, e, a obtenção de uma

boa classificação garantiu novas oportunidades para a TelMais. Com a obtenção de

bons índices de qualidade, a TelMais passou a executar também um contrato

referente à manutenção de redes de gás para a CEG.

73

Nesta fase, devido ao aumento expressivo do volume de atividades realizadas

pela empresa, foi contratado um gestor externo, Flávio, que ficou responsável pelo

contrato de rede externa com a VIVO, enquanto Ana ficou responsável pelo contrato

com a CEG. Esse gestor já tinha experiência no setor de telecomunicações, pois ele

havia liderado uma empresa que executava redes de telefonia interna ligada à Telerj

até meados dos anos 2000. Durante esse período Flávio recebeu total autonomia e

passou a se envolver em todas as atividades administrativas da empresa, como

compras, logística, financeiro, etc. Esta foi a primeira vez que a empresa teve uma

pessoa externa à família assumindo um cargo gerencial. Com um perfil severo e

autoritário, Flávio travou diversos conflitos com familiares que trabalhavam na

empresa e também com funcionários. O contrato com a CEG se estendeu até o ano

de 2009 e Flávio permaneceu na empresa durante cinco anos.

Em 2009 a TelMais ganhou a licitação de obra referente à construção de

canalização subterrânea de dutos ao longo de uma rodovia no estado de Minas

Gerais, denominada Rodovia 1. Se pela perspectiva técnica, a execução de atividades

de implementação de canalizações subterrâneas em rodovias pode ser considerada

similar às atividades comumente realizadas pela TelMais em centros urbanos, pela

ótica gerencial, as atividades a serem realizadas neste contrato apresentavam

características particulares, que foram desafiadoras para a TelMais.

Tendo em vista a complexidade da obra, especialmente no que tange o

cumprimento do planejado em vistas dos diversos eventos inesperados, a relação

entre a empresa e a empresa cliente na solução de problemas no decorrer do projeto

é base prioritária para o sucesso do mesmo. Entretanto, no caso do contrato da

TelMais com a Rodovia 1 houve um relacionamento difícil entre as partes envolvidas

que resultaram em uma obra de grandes prejuízos para a TelMais.

Como relatado por Ana, o maior problema desta obra, que culminou no não

cumprimento dos prazos firmados em contrato, foi a relação com o gerente de

contrato, funcionário da Rodovia 1. Esse gerente tinha a autoridade para paralisar as

atividades da TelMais sob qualquer justificativa. Ana suspeita que ele tivesse

interesse que as obras não terminassem. A situação do contrato piorou ainda mais

após algumas modificações no quadro diretivo da empresa contratante. Nestas

circunstâncias, um novo gerente da empresa contratante determinou a suspensão de

74

todos os pagamentos referentes aos serviços já executados pela TelMais, sob a

justificativa que a empresa não havia cumprido o prazo de entrega dos serviços e,

portanto, a aplicação de uma multa contratual seria cabível. O pagamento dos valores

devidos à TelMais só foi realizado um ano depois, após nova troca de gerência na

empresa contratante. Com a entrada de um novo gestor, o mesmo avaliou de forma

detalhada o caso e julgou que a cobrança de qualquer multa contratual era

impertinente.

Concomitante à realização destas atividades na Rodovia 1, no ano de 2010, a

TelMais foi convidada para prestar serviços para outra concessionária de rodovia

chamada Rodovia 2. O contrato previa a execução de canalização subterrânea em um

trecho de 285 km. Era uma obra similar à que a TelMais estava executando e, a

possibilidade de aproveitar parte da estrutura física (como bases de apoio,

equipamentos, alojamentos, dentre outras) e parte da mão de obra, foi o que

impulsionou a Rota das Bandeiras a convidar a TelMais para execução dessa obra.

Neste contrato, o cliente tinha grande interesse em auxiliar a TelMais durante a

execução das atividades e Ana afirma que isso foi essencial para tornar a obra

lucrativa.

Um aspecto marcante deste contrato com a Rodovia 2, é que Ana assumiu a

gerência deste contrato. Isso porque a pessoa selecionada para gerenciar esse

contrato não agradou os gestores da Rodovia 2 e Ana decidiu tomar a

responsabilidade para si. Desta maneira, Ana mudou-se para Minas Gerais, pelo

período de aproximadamente um ano e assumiu as responsabilidades de um gestor

de projeto.

Na percepção de Ana, o que “salvou” financeiramente a empresa durante este

período, foi o lucro oriundo dos serviços prestados para aa Rodovia 2, no ano de 2010,

que, segundo ela “serviu para cobrir o buraco negro da obra da Rodovia 2”.

Ainda em 2009, a TelMais assinou com a VIVO um novo contrato regido por

LPU que previa a construção de infraestrutura de telecomunicações, como estação

base rádio (sites), antenas, etc. O contrato estabelecia como zona de atuação a

região do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Então, no ano de 2009, a TelMais instalou

uma base administrativa no espírito Santo.

75

O início deste contrato se deu a partir da entrada do engenheiro Afrânio na

TelMais, que fora indicado por um funcionário da VIVO. Com experiência na execução

deste tipo de atividades, ele foi o responsável por reunir a documentação necessária,

elaborar a proposta técnica e realizar os orçamentos necessários para participação

da concorrência. Posteriormente ele ficou responsável pela contratação de pessoal

especializado, planejamento e gestão das atividades deste contrato.

Em 2010, Afrânio faleceu e um engenheiro, Gutierrez, que coordenava parte

das atividades deste contrato junto a Afrânio assumiu o cargo de gestor do projeto

até o retorno de Ana ao Rio de Janeiro. Neste período, este engenheiro roubou a

empresa, havendo desvios significativos de materiais, equipamentos, recursos

financeiros alocados ao projeto, dentre outros.

Em 2010, foi assinado um contrato com a Caixa Econômica no qual os serviços

a serem realizados compreendiam a reforma civil de agências da Caixa Econômica. A

pessoa que buscou esse contrato foi a irmã de Ana, que na época estava trabalhando

no departamento pessoal da empresa. Ana e Afrânio foram contrários à participação

nesta concorrência, pois, julgavam que a TelMais não teria estrutura suficiente para

cobrir as demandas do contrato. Além disso, Ana e Afrânio julgavam que os preços

unitários por atividade do contrato eram baixos e que a natureza das obras a serem

realizadas iriam demandar pessoas com experiência, as quais a empresa não tinha

disponível no momento. Entretanto, a irmã de Ana insiste em sua posição.

As obras disparadas tinham um prazo bastante apertado para serem realizadas,

normalmente ao longo de um fim de semana e a empresa não conseguiu levar este

contrato até o fim. A TelMais realizou todas as obras e pendências de obras

solicitadas pelo contratante, mas foi pedido a um gestor da Caixa Econômica que

nenhuma outra obra fosse disparada à TelMais. As atividades realizadas dentro deste

contrato incorreram em grandes prejuízos para a empresa.

Assim, o período de 2009 à 2012 é marcado um pico de atividades em que a

TelMais manteve em vigor o contrato de rede externa com a VIVO, executou duas

obras de grande extensão de implantação de redes de fibras óticas para a Rodovia 1

e para a Rodovia 2, assinou um contrato de implantação de infraestrutura, e iniciou

um contrato com a Caixa Econômica.

76

A partir de 2014, com o fim dos contratos com concessionárias de rodovias e

com o fim do contrato com a Caixa econômica, a TelMais manteve apenas dois

contratos, um referente à expansão de rede externa e o outro referente à

implantação de infraestrutura, reduzindo suas atividades. Neste período serviços

pontuais para rodovias foram realizados, apesar de nunca mais terem sido tão

extensos e complexos como os realizados no período anterior.

77

6 ANÁLISE

Na sessão de análise do presente trabalho, primeiramente serão apresentadas

as fases detectadas na trajetória da organização. Esta divisão se baseou no modelo

de crescimento por etapas apresentado por Greiner (1998). Em seguida, com base na

abordagem de configurações de Miller (1986), serão apresentados os elementos

pertinentes ao ambiente, estrutura e estratégia que compõem as configurações

presentes em cada fase da história da empresa, buscando identificar equivalências

com o modelo de crescimento de Greiner (1998).

Por fim, com o objetivo de avaliar as perspectivas de longevidade da

organização, foi realizada uma análise da dinâmica dos elementos das configurações

à luz dos desafios do crescimento propostos por Fleck (2009). Incorporados ao

modelo de Fleck (2009), foram analisados os aspectos relacionados à família,

analisando-se a família como um contexto e a família como um pool de recursos.

Assim, seguindo o modelo de crescimento como um processo de Fleck (2016) será

apresentada a análise da trajetória de crescimento ao longo de cada período,

respostas da empresa aos desafios do crescimento e os mecanismos de renovação e

deterioração presentes em cada período.

6.1 Parte 1: Caracterização das configurações

Ao avaliar a curva de crescimento da empresa à luz do modelo de Greiner

(1998), foram detectados dois períodos distintos. O primeiro que se estende desde

1983 a 2000 compreende a fundação e os primeiros anos de funcionamento da

empresa. Pelo gráfico nota-se que este período se assemelha à fase de criatividade,

a qual se refere ao nascimento da empresa e enfatiza tanto a criação do produto

quanto a do mercado. Consiste num período em que as atividades são essencialmente

voltadas para fazer com que a empresa deslanche.

O segundo período compreende o período de 2000 em diante e é marcado pelo

aumento expressivo do volume de atividades da empresa. Este período é análogo à

fase de direção apresentada por Greiner (1998), a qual é vivido por empresas que

sobreviveram à primeira fase e que embarcaram em uma fase de crescimento

sustentável sob o domínio de uma liderança diretiva.

78

Considerando o objetivo de descrever a organização de forma rica, tratando

sua complexidade, a noção de configurações apresentadas Miller (1986) foi utilizada

para ampliar o escopo de análise destes períodos da empresa. Os autores

argumentam que as configurações apresentam inter-relações entre diversas variáveis

de forma a estabelecer congruências naturais entre estratégia, estrutura e ambiente.

Desta forma, esta abordagem se mostra mais abrangente que a abordagem que

Greiner (1998), especialmente porque inclui os elementos referentes ao ambiente.

Assim, esta sessão se presta a caracterizar a configuração presente em cada período

detectado, descrevendo os elementos do ambiente, estratégia e estrutura da

empresa. A natureza dos diversos elementos presentes em cada configuração foi

confrontada com o modelo de crescimento apresentado por Greiner (1998).

6.1.1 Configuração 1

6.1.1.1 Ambiente

O ambiente neste período trata do setor de telecomunicações brasileiro

estatal estagnado. A maior parte dos serviços de engenharia de telecomunicações,

como construções de rede de telefonia, era realizada pelas concessionárias estatais,

que quase não terceirizavam serviços. Apenas a construção de redes de telefonia

internas ficava sob o cargo de construtoras ou empresas que queriam reconstruir suas

redes internas. Neste cenário, o ambiente era constituído por inúmeras empresas de

engenharia de pequeno e médio porte que competiam entre si para a realização de

obras de rede de telefonia interna para segmentos de clientes que variavam desde

construtoras a indústrias e Bancos. Além disso, nota-se grande atraso do setor

brasileiro em relação às tecnologias de telecomunicações vigentes.

Nesta configuração, conforme é detalhado no anexo 1, o setor de

telecomunicações estatal era constituído pela Telebrás. O setor encontrava-se

estagnado devido à difícil situação econômica do país. A estagnação do crescimento

da Telebrás resultava na escassez de novas linhas telefônicas e por isso havia uma

demanda reprimida, em que novos assinantes, ao encomendarem uma linha

telefônica tinham que esperar entre um a dois anos para ter acesso a esse serviço.

79

Neste período, havia pouca terceirização dos serviços de telecomunicações e

as obras relacionadas a redes externas eram realizadas com mão de obra própria das

concessionárias, enquanto as obras referentes a redes internas eram de

responsabilidade das construtoras. No Rio de Janeiro, as construtoras, por sua vez,

contratavam empresas de engenharia cadastradas na Telerj ou Cetel para realização

de redes internas.

“O processo foi evoluindo porque antes as construtoras só forneciam a tubulação, aí a Telerj ia lá por os cabos. A construtora fazia a tubulação e a Telerj só colocava os cabos. Aí os usuários iam pedindo as linhas telefônicas e a Telerj também ligava o quadro que ela deixava no corredor do prédio, até onde o usuário fosse usar o telefone. A Telerj fazia essas instalações todas. Depois, houve um decreto, uma lei, que as construtoras já eram obrigadas a fazer desde o distribuidor geral do prédio até o ponto de uso dos usuários, dos moradores, toda a cabeação. A Telerj aprovava os projetos, a construtora contratava a empresa que era credenciada para fazer esse serviço, depois vistoriava e dava o Habite-se” (Flávio).

Assim, as empresas de engenharia de telecomunicações competiam pela

realização de obras referentes à implantação de redes de telefonia interna de

prédios, sendo necessário para tanto, um cadastro na concessionária para

autorização dos serviços e obtenção do documento de Habite-se.

Além desses serviços prestados às construtoras, as empresas de engenharia de

telecomunicações podiam realizar a implantação de redes para clientes comerciais e

industriais. Grandes complexos industriais, por exemplo, eram responsáveis por

implantar suas redes telefônicas internas, que podiam tratar de redes que

interligavam diversos prédios. Já empresas maiores e Bancos eram responsáveis pela

implantação de redes internas estruturadas densas que interligavam diversas

estações de trabalho.

Assim, o mercado para essas empresas consistia em construtoras responsáveis

por construir a rede interna de novos empreendimentos e por empresas privadas que

tinham interesse em reconstruir ou renovar suas redes interna de telefonia. A

demanda por implantação de redes de telefonia interna pode ser segmentada entre

diferentes tipos de clientes, com demandas e preferências distintas, como

apresentado no quadro 6.1.

80

Tipos de clientes

Preferências e exigências dos clientes Características das obras

demandas por cada cliente

Pequenos construtores

(prédios residenciais de pequeno

porte)

Preferem que as redes internas sejam feitas por empresas menores, capazes de

oferecer os serviços por preços mais baixos. Não exigem notas fiscais. A

demanda destes construtores é esporádica, pois constroem de um a dois

prédios no ano.

Obras de baixa complexidade técnica. Necessita basicamente de um alicate e uma chave de

fenda para a instalação.

Grandes construtoras

(torres residenciais)

Promovem concorrências entre as empresas. Exigem Atestados de

Capacidade Técnica, propostas técnicas mais elaboradas e outras documentações

das empresas para participação de concorrências.

Moderada complexidade técnica.

Requer uma equipe maior para realização dos serviços.

Complexos industriais

Promovem concorrências e, por vezes, fixam contratos mais prolongados com

empresas de instalação de rede telefônica de modo a englobar a implantação e

manutenção da rede. Exigiam agilidade e cumprimento de medidas de segurança do

trabalho.

Implantação de redes de telefonia estruturada pesada

para cobrir grandes extensões, interligando diversos prédios

dentro de um complexo industrial.

Maior complexidade técnica.

Agências bancárias

Demandavam ainda mais agilidade e serviços variados, que incluíam obras civis. Prezavam por um bom projeto

técnico e estético. Dispostos a investir alto em tecnologias inovadoras.

Trabalhos mais especializados envolvendo tecnologias novas.

Redes de cabeamento estruturadas densas e

complexas. Grande coordenação de

diversos serviços (obras de instalação e obras civis) em

curto prazo. Quadro 6-1: Segmentação do mercado para implantação de redes de telefonia interna

Havia, portanto, neste ambiente a presença de um mercado pequeno,

relativamente heterogêneo que por sua vez era atendido por diversas empresas de

pequeno e médio porte, com atuação regionalizada, que competiam entre si para a

realização de todas as atividades que não eram de responsabilidade das

concessionárias.

Em relação ao ambiente competitivo destas empresas de engenharia de

telecomunicações, haviam inúmeras empresas cadastradas da Telerj e Cetel para

realizar rede interna, entretanto, as empresas realmente capazes de realizar redes

internas de maior porte eram poucas. Desta forma, considerando o ambiente de baixa

competição que circundava as empresas maiores, havia a presença de um ambiente

81

piedoso (FLECK, 2016) com características de protecionismo às empresas já instaladas

e incapaz de punir as possíveis ineficiências das empresas.

No panorama tecnológico, a partir dos anos 90 foram desenvolvidos no país

alguns produtos vinculados a tecnologias de vanguarda, como a fibra-ótica e sistema

de comunicação de dados. Entretanto, como o setor estatal estava estagnado, as

concessionárias não acompanharam as inovações tecnológicas e mantiveram as

infraestruturas já existentes.

“O Brasil vivia uma época de atraso muito grande em toda a área de telecomunicações . As empresas eram castelos, eram feudos, porque você tinha as estatais e só entrava por concurso. E o concurso era eterno e a pessoa não saía de lá e a pessoa não podia ser mandada embora e por não poder ser mandada embora, não tinha o interesse de evoluir, não tem a mentalidade aberta nesse ponto, então criou -se a cultura do castelo, “daqui eu não saio, daqui ninguém me tira”, “tecnologia é essa que a gente tem”. (Edson)

No Rio de Janeiro, durante um longo período não existiam empresas de

telecomunicações capacitadas para implantar redes de fibras óticas. Ocasionalmente,

empresas de fora do estado se deslocavam para a cidade quando havia alguma

demanda pontual para a implantação de redes em fibras óticas.

6.1.1.2 Estratégia

Neste período, a estratégia da empresa resgata características da estratégia

de diferenciação, como apresentada por Porter (1980). A estratégia da organização

compreendia a oferta de serviços confiáveis, de boa qualidade, oferecendo grande

conveniência aos clientes. Além disso, percebe-se a busca contínua pela atuação em

ambientes cada vez mais favoráveis e pela realização de atividades cada vez mais

especializadas.

De modo particular, os serviços ofertados pela empresa tinham um preço

maior do que os concorrentes e a qualidade e a confiança eram fatores chaves. A

conveniência para os clientes significava a obtenção de todos os serviços necessários

para a instalação de redes internas, mesmo que isso demandasse a execução de

serviços fora do escopo do trabalho acordado.

Percebe-se uma busca contínua pela realização de atividades mais complexas,

de forma a atender os segmentos de mercado mais exigentes em termos técnicos.

82

Desta forma, há uma especialização dos serviços ofertados ao longo do período, com

o objetivo de se diferenciar das demais empresas.

A partir do momento que a empresa passa a oferecer serviços relacionados à

implantação de redes de fibra ótica e de rede de lógica, algumas características da

estratégia de nicho podem ser identificadas. Neste período, as redes em fibra só eram

de interesse de empresas dispostas a investir em alta tecnologia de sistemas de

informação e a TelMais passou a atender esse segmento de mercado.

Conforme Miller prevê (1986) a estratégia de diferenciação é normalmente

perseguida em indústrias fragmentadas, com baixa concentração, composta de várias

empresas que competem entre si. Conforme comentado, havia muitas empr esas

capazes de prestar serviços de instalação de redes internas de pequeno porte,

característica de uma indústria fragmentada indicando uma combinação adequada

entre estes elementos. Assim, a diferenciação e a diversificação para fibras óticas

consistiam em uma forma de captar mais valor em meio ao ambiente competitivo.

6.1.1.3 Estrutura

Quanto à estrutura da empresa, após os dois primeiros anos, que são marcados

pela presença da fundadora sozinha executando todas as atividades, membros da

família e funcionários entraram na empresa de forma a constituir uma estrutura

simples, centralizada na figura da fundadora. Na administração não havia divisão de

tarefas e na operação, contava-se com mão de obra técnica especializada.

Entre 1984 a 1985 trabalhava na empresa apenas a fundadora. Todas as

atividades, como projetos, ações comerciais, obtenção de vistorias, obtenção de

documentação de habite-se da concessionária e a obra propriamente dita eram

realizadas por Ana. Neste período a empresa não contava com nenhuma outra

estrutura física a não ser uma sala.

“Nessa época não tinha ninguém, não tinha ninguém de obras, nem de projeto, nem pessoal de comercial, funcionário nenhum. A TelMais era eu, só eu. Na hora de puxar o cabo, eu pedia para o pessoal da própria obra me ajudar. Depois eu instalava a tomada e fazia a distribuição nas caixinhas. Mas na instalação só usava chave de fenda e um alicatezinho, para clipar o cabo. E como eu não tinha carro, eu levava os rolos de cabos no ônibus. ” (Ana)

Em seguida, o irmão e a cunhada de Ana passaram a trabalhar na empresa e

outros funcionários são contratados, de forma que, em pouco tempo, uma estrutura

83

simples se formou. O organograma da empresa nesta configuração é apresentado na

figura 6.1

Figura 6-1: Organograma da empresa na configuração 1

A TelMais contava com Ana, como diretora e pessoa que se envolvia em todas

as atividades. Matilde, por sua vez, auxiliava nas funções administrativa. A execução

de obras era responsabilidade de Afonso e Ana, junto a uma equipe composta por

pedreiros, técnicos em elétrica, auxiliares de elétrica, cabistas e ajudantes. Márcia,

durante um breve período, auxiliou em algumas atividades na empresa.

Havia grande concentração de poder no topo. Tanto as decisões estratégicas e

operacionais eram concentradas na figura da fundadora, que participava ativamente

de todas as atividades da empresa. Além disso, não havia nenhuma delegação no nível

operacional. Não havia divisões de trabalho no setor administrativo e todo s tinham

que realizar variadas funções.

“A empresa não tinha muita gente, era totalmente diferente, não tinha muito essa coisa de divisão de função. Então você fazia uma parte no escritório, você tinha que ir para rua, para fazer as coisas que tinha de rua, e voltava. ” (Márcia)

“Eu entrei como office boy, fazendo a parte de serviços gerais. Só que não eram só serviços gerais, era financeiro, DP, era tudo comigo . Toda essa parte de emissão de certificação, documentação, que hoje em dia tá dividido, que hoj e em dia funciona um pouco com a Rosa, um pouco com a Matilde e um pouco com a Márcia, isso tudo era concentrado em mim e na Matilde. Não tinha divisões de tarefas como tem hoje.” (Maurício)

Havia pouca necessidade de ferramentas de integração e as atividades eram

não rotineiras, sem a presença de procedimentos formais. Havia compartilhamento

dos recursos nas atividades realizadas pela empresa e a comunicação era informal e

frequente.

Ana

AfonsoEncarregado

Mati lde

Secretária

Operários

de obras (pedreiros, ajudantes,

etc)

84

Pelo exposto, percebemos que as características da estrutura da empresa se

assemelham às características previstas por Greiner (1998) na fase da criatividade.

Como o autor descreve, os fundadores da empresa são geralmente or ientados ao

empreendedorismo e a habilidades técnicas, assim como observamos no perfil de

Ana. Percebemos que as energias físicas e mentais eram absorvidas inteiramente na

execução e venda dos serviços, como previsto pelo autor. Além disso, como a

estrutura da empresa era pequena, a comunicação entre os funcionários era

frequente e informal. Estas ponderações são apresentadas no quadro 6.3.

Categoria Práticas da empresa previstas por Greiner (1974) na fase 1

Características da estrutura da empresa

Delegação da autoridade

Nenhuma Nenhuma ✓

Centralização da estratégia

Total Total ✓

Estilo do corpo diretivo Individualista e empreendedor

Individualista e empreendedor

Mecanismos de controle

Resultados do mercado Resultados do

mercado ✓

Centralização de poder: Alta Alta ✓

Esforço de coordenação Informal Informal ✓

Burocratização Não Não ✓

Comunicação Frequente e informal Frequente e informal ✓

Quadro 6-2: Características da estrutura da empresa na configuração 1

Tendo em vista as características do ambiente competitivo, marcado pela baixa

concentração de mercado e a estrutura simples e pequena da empresa, a estratégia

da empresa buscava a diferenciação e o mercado de nicho. Tais elementos

apresentam um adequado alinhamento, como apontado por Miller (1986). O autor

argumenta que a diferenciação e a estratégia de nicho devem se ajustar com

estruturas organizacionais simples. Assim, percebe-se que os elementos desta

configuração apresentam uma consistência adequada.

6.1.2 Configuração 2

85

A configuração 2 trata do período em que o setor de telecomunicações é

drasticamente modificado devido à privatização do sistema Telebrás em 1998. O setor

volta a crescer e junto a isso, os serviços de construção de redes externas

estruturadas passam a ser terceirizados. Essa conjuntura de maior demanda por

serviços de engenharia impeliu a empresa a aumentar o volume de atividades.

Observamos um maior dinamismo no setor, devido às inovações tecnológicas e às

mudanças na forma de competição entre os principais players na indústria.

6.1.2.1 Ambiente

O ambiente neste segundo período é completamente distinto, caracterizado

pela privatização do setor e pelo aumento substancial dos investimentos em

infraestrutura. Há uma revolução na estrutura do setor, com a entrada de novos

players e com o aumento da terceirização de serviços de construção. Com a

privatização, o setor de telecomunicações brasileiro passou por um grande processo

de expansão, conforme detalhado no anexo 1. Partindo-se de um setor totalmente

defasado, com cobertura e serviços limitados e baixa qualidade dos serviços, as

empresas vencedoras do processo de privatização passaram a investir pesadamente

em infraestrutura. Os avanços da tecnologia também serviram como propulsores ao

aumento e renovação da infraestrutura neste momento, com a necessidade de

substituir a transmissão por rádio por redes de fibra ótica .

A terceirização no setor de telecomunicações tornou-se mais abrangente.

Tornou-se nítida a tendência de supressão de empregos nas operadoras e o aumento

das empresas terceiras que prestavam serviços a operadoras.

Cabe ressaltar que, com a privatização, muitas empresas de engenharia de

pequeno e médio porte que realizavam serviços similares a TelMais vieram a falir.

Isso porque o período pré-privatização do setor se deu mediante a um crescimento

exacerbado com o objetivo de maximizar o valor de venda do sistema Telebrás. Neste

período houve contratação de empresas de engenharia, entretanto, os serviços

realizados não foram pagos devidamente, levando muitas à falência.

As empresas de engenharia de telecomunicações que sobreviveram ao

processo de privatização passaram a ser prestadoras de serviços para as operadoras

de telefonia privada, tornando-se empresas terceirizadas, com contratos

86

prolongados. Desta forma, percebe-se uma reorganização do setor de

telecomunicações, com a entrada de operadoras privadas e com a sobrevivência de

algumas empresas prestadoras de serviços de engenharia de telecomunicações.

Ao longo do período, com as fusões e aquisições no setor, houve uma

concentração no mercado e um movimento de centralização de operadoras privadas

em blocos de abrangência nacional. Assim, se num primeiro momento as operadoras

focaram apenas em construir infraestrutura em suas regiões de concessão, este

enfoque regional logo se modificou para um enfoque nacional, no qual se investia em

infraestrutura de interligação de regiões.

“E aí, a mudança para a gente foi uma mudança, primeiro de enfoque, porque a Telefônica tem a metodologia dela de seguir com as implantações, como ela p assou a ficar sozinha, ela passou a ter um cuidado maior com o crescimento. Ela passou a investir mais na longa distância, em detrimento do investimento em atendimentos pontuais. Foi onde nasceu toda a rede de backbone nacional nossa. (...). Já tinha passado da implantação de central, para a implantação de rede óticas, daí para a parte de backbone nacional, na parte de implantação. ” (Edson)

Ao longo do período, com as expansões de rede de fibra ótica, as fusões e

aquisições de empresas com estruturas complementares e o compartilhamento de

rede tornaram as infraestruturas das operadoras mais homogêneas, conforme aponta

Piazi (2014). Assim, percebe-se que a estratégia das operadoras passou a estar mais

relacionada ao aumento da base de cliente, que se dá através da diminuição dos

preços de seus produtos e serviços.

“Não me interessa eu ter o monopólio do site, para que me interessa? Eu já montei a estrutura, construí, tá ativa, operacionalizar esse site é operacionalizar equipamento, eu não preciso ter ninguém ali para mim mantendo o site, limpando, é aquela questão do operador braçal, para ir lá, ver, limpar. E a gente começou a ver que isso aí era... eu contratava uma empresa para fazer isso e eu precisava contratar uma pessoa para ver se a empresa estava fazendo, então você criar uma série de coisas que, isso aí é obsoleto para a gente . Para que eu quero essa estrutura? Eu quero essa estrutura para funcionar, eu quero o site funcionando. ” (Edson)

“A concorrência exige cada vez mais você reduzir custo . Tudo você tem que reduzir custo. Cada um quer fazer uma promoção superior à outra e aí você tem que ver o custo. (...). E você consegue reduzir isso é na mão de obra, na implantação, no tempo, numa boa compra, numa compra direcionada de repente só para uma empresa,

porque você vai ter de repente um custo menor. ” (Ronaldo).

A competição acirrada, com base na diminuição dos preços dos produtos, por

sua vez, pressiona as operadoras a buscar agilidade dos processos internos e também

a aquisição de infraestrutura por preços cada vez mais baixos. Percebe-se um

movimento de supressão de cargos técnicos dentro da estrutura das operadoras.

87

Além disso, as atividades se tornaram mais burocráticas e perdeu-se flexibilidade em

alguns processos dentro das operadoras.

“Maior horizontalização . O que se tinha antigamente era um maior número de funcionário direto, muito gerente de divisão, gerente de setor. Hoje não, hoje a coisa está bem achatada. (...). Não tem porque não acontecer, porque o nível de informação que se precisa hoje, a velocidade da informação que se precisa hoje, não dá para ficar naquela escada. ” (Edson)

“Eu até concordo que para ter um processo mais maduro, acho que todos nós concordamos, tem que ser algo mais horizontal então foi eliminado gerentes que tinham funções em cima de outros gerentes e assim vai. Hoje você já tem um contato direto com um superior, com os diretores da empresa. Você chegar antes no diretor da empresa era muito mais difícil, hoje não. Seu acesso é direto, seu contato é direto. A empresa tem que ser ágil, tem que abrir canais de comunicação mais rápido, para tomar decisões. Não existe planejamento, o planejamento é questão de um dia, de uma hora, se toma uma decisão e executa . Então, tudo tem que ser mais rápido, tudo tem que ser ágil. (Ronaldo)

Finalmente, a constante evolução da tecnologia implicou redução da

complexidade das obras de infraestrutura de telecomunicações, que se tornaram

mais simples sob o aspecto técnico-construtivo. Assim, como obras passaram a ser

mais simples, houve supressão de cargos técnicos de engenharia e a fiscalização de

obras passou a ser mais remota.

“Você tinha um relacionamento muito mais intenso, porque como as obras eram mais demoradas, como exigia muito do fornecedor, isso não quer dizer que você não exija hoje, mas assim, o controle de obra era bem rigoroso , porque as etapas eram muito mais distribuídas, muito mais demoradas , os custos eram muito mais altos, então exigia bastante da gente e acaba que você tinha mais contato . Uma obra demorava quatro meses, então você passava quatro meses ali em contato com aquele fornecedor. Hoje as coisas são muito mais fáceis, não exige tanto você ir a campo, como existia antes, você fazia uma torre, obrigatoriamente um engenheiro da VIVO ia liberar e acompanhava a fundação, acompanhava a liberação para o concreto. Hoje para você acompanhar o quê? Você vai liberar a execução de um poste? A fundação de um poste? É muito elementar. Você pode estar usando relatório fotográfico, filmagem. ” (Ronaldo)

Estes fatores que conferem dinamismo no setor de Telecomunicações nesta

configuração são resumidos na figura 6.2

88

Figura 6-2 Fatores associados a alterações na estratégia e estrutura das operadoras de

Telecomunicações

Neste ambiente verifica-se uma tendência de que as operadoras prefiram

empresas terceiras de maior porte, que atendam suas demandas em diferentes

regiões do país. Além disso, essa preferência por empreiteiras de maior porte

também se dá devido a maior burocratização, que faz com que os pagamentos sejam

feitos mediantes maiores análises.

“[Contratos são] Nacionais. Isso porque o sistema de pagamento das concessionárias ele praticamente exige que a pessoa tenha um fluxo de caixa, as empresas precisam ter um fluxo de caixa muito grande. Porque você não consegue gerar nota de uma forma muito rápida. O excesso de análise da parte financeira, as consultorias, as auditorias, então fica muita gente focada. Porque você tem que apresentar resultado para o seu investidor, e isso aí é cada vez mais centralizado na mão, aí sim, essa parte de pagamento é uma coisa que modificou muito nos últimos anos. Porque você tinha uma janela aqui no Rio que aceitava e fazia, que acontecia. Hoje você não tem mais. Tudo centralizado em São Paulo, tudo com auditoria, tudo com uma presença muito grande de fiscalização, de análise de custo, não tem muito mais facilidade não. ” (Edson)

“[em relação às empreiteiras] eu acredito que o movimento é o contrário, vai aumentar mais, eu acho que você vai ter mais pessoas especializadas dentro do quadro da empreiteira. E hoje, com a flexibilização do ministério do trabalho de você poder terceirizar equipe, eu acredito que esse movimento, pelo menos não nas áreas prioritárias, mas nas áreas, assim, de serviço, dentro da oper adora, isso vai ser terceirizado. ” (Edson)

6.1.2.2 Estratégia

Conforme comentado, com a reorganização do setor, as empresas de

engenharia de telecomunicações tiveram que acompanhar as mudanças e buscar um

novo posicionamento. Nesta configuração a estratégia da empresa em análise muda

drasticamente, pois ela deixa de atender os diversos clientes menores para se tornar

89

uma empresa terceira da VIVO, mediante a assinatura de contratos LPU, sob demanda

com prazos de vigência prolongados.

Nesta configuração a empresa aumentou significativamente o volume de

serviços executados, já que as demandas da operadora por obras de infraestrutura

eram expressivas. Há um maior enfoque em implantações de redes externas de fibra

ótica e os serviços menores para clientes pontuais deixaram de ser feitos.

Como empresa terceirizada da VIVO, percebe-se que a formulação da

estratégia passa a ser atrelada aos movimentos da operadora, seguindo as suas

demandas, conforme mostra o quadro 6.4.

Serviços realizados pela TelMais à VIVO em ordem cronológica

Movimentos da operadora descritos por funcionários da operadora

1- Interligação das concentradoras (centrais) - obras de moderado porte na cidade

2- Interligação das concentradoras nos Sites- obras de menor porte na cidade

3- Implantação de rede de backbone nacional (redes de inter-regionais) - obras de grande porte em rodovias

4- Projeto de atendimento à grandes clientes- obras de moderado porte na cidade

“E aí, depois da implantação das centrais (1), que partimos para fazer a rede de fibra ótica. (...). Porque eu estava trabalhando em fibra ótica no Rio de Janeiro, já tinha passado da implantação de central para a implantação de rede óticas (2), daí passei para a parte de backbone nacional (3), na parte de implantação. ” (Edson) “Em 2014, acabei por entrar para a Telefônicas, fazendo a implementação de rede com a visão de melhorar as redes existentes na região (4) e com estas redes dar o atendimento aos produtos existentes na empresa, seja de cliente normal de empresas, que é, como a gente chama, o B to B, ou clientes coorporativos, seja o de atendimento aos sites, 3G, 4G, etc. (Henrique)

Quadro 6-3: Movimentos da empresa atrelados aos movimentos da operadora

Nesta configuração há um aumento expressivo de atividades da empresa. Num

primeiro momento, a empresa levou a cabo o contrato de rede externa com a

operadora, realizando a interligação das concentradoras. Este contrato será

denominado “rede externa”. No segundo momento, a demanda por serviços da

operadora reduziu e a empresa passou a levar dois contratos em paralelo, o de rede

externa e um relacionado a atividades de implantação de redes de gás canalizado com

a CEG, o qual será denominado de “gás” . Num terceiro momento, as demandas da

operadora por serviços fora da cidade do Rio de Janeiro impeliram a empresa a buscar

90

obras de grande porte em rodovias. Ainda mais, o aumento do volume de serviços

neste período se deu também devido à assinatura de outros contratos de peso, com

outras empresas. Assim, a empresa levou a cabo cinco contratos de peso em paralelo,

a saber, “rodovia 1”, “rodovia 2”, “Caixa”, “infra” e o de rede externa . Num quarto

momento, a empresa volta a levar em paralelo apenas dois contratos firmados com a

operadora, o de infra e de rede externa, ambos centrados na cidade do Rio de Janeiro.

A figura 6.3 apresenta estes movimentos.

Figura 6-3: Contratos levados pela empresa na configuração 2

6.1.2.3 Estrutura

Com a demanda crescente e o aumento das atividades realizadas pela empresa,

a estrutura simples e centralizada deixou de ser adequada. Como explica Miller

(1986), as organizações atrasam a mudança de sua estrutura até que uma crise

importante se desenvolva. Percebemos que isso aconteceu no caso da TelMais, já que

a organização manteve sua estrutura centralizada até que diversos problemas

gerenciais se instalassem na empresa. Percebe-se que há um atraso de

aproximadamente cinco anos entre o aparecimento dos primeiros problemas

gerenciais e a primeira tentativa de mudança da estrutura.

O momento que a empresa passou a levar a cabo dois contratos em paralelo

serviu como o gatilho para que uma manobra drástica fosse exigida para

reestabelecer a harmonia entre os aspectos da estrutura e ambiente. Esta

modificação da estrutura se baseou na contratação de um gestor externo, Flávio, o

qual fora contratado para ser um gerente forte, que estabeleceria os procedimentos

de controles necessários para que a empresa atingisse a fase de crescim ento diretivo,

91

como prevê Greiner (1998). Este gestor, além de ser responsável por um dos

contratos da empresa, buscou estabelecer procedimentos para o setor administrativo

da empresa. O organograma da empresa neste período é apresentado na figura 6.4.

Figura 6-4: Estrutura da empresa para levar dois contratos em paralelo

Em conjunto com a contração de Flávio, percebe-se que houve uma

multiplicação dos cargos administrativos e operacionais nesta configuração . Se antes,

cada funcionário fazia tarefas variadas, passa a haver uma maior especialização das

tarefas, com atribuições mais definidas. Cargos como o de motorista, operadores de

máquinas, serralheiro, foram sendo criados. Já no que diz respeito a tarefas

administrativas, foram criados setores distintos, como o setor de compras, setor de

departamento pessoal, setor financeiro, setor responsável pela execução de projetos

de engenharia e um setor responsável pelo licenciamento de obras.

“Hoje em dia temos uma estrutura melhor nesse caso de logística. Hoje temos um que é só motorista, outro que é só operador. Na época não, era aquela loucura. (Ana)

“Só que eu não fazia só o projeto, eu fazia licenciamento também. Então muita coisa que hoje em dia, um ou duas três pessoas fazem aqui na TelMais, eu fazia sozinho. Hoje nós temos o Edvaldo, na parte de licenciamento e o Diego na parte de projeto.” (Maurício)

Se, por um lado, parece ter sido alcançada certa harmonia entre a estrutura e

o ambiente, diversos conflitos aconteceram, cuja natureza será detalhada na segunda

parte da análise. Tais conflitos levaram à saída de Flávio da TelMais.

A partir deste ponto, volta a haver uma desarmonia entre os elementos da

estratégia e estrutura, acentuada pelo aumento ainda mais expressivo do volume de

atividades executadas pela empresa. Isso porque, como comentado, a estratégia da

Contrato CEG Contrato VIVO

Projeto( 2)

Maria

Compras (1)

DP (2)

Logistica(1)

Equipe de campo 2

Ana

Encarregado Encarregado

Financeiro(2)

Equipe de Vendas

Equipe de campo (...)

Flávio

EncarregadoEncarregado

LicenciamentoEquipe de campo 1

Equipe de campo 2

Equipe de campo (...)

Encarregado Encarregado

92

empresa passou pelo aumento ainda mais expressivo das atividades em 2012, com a

assinatura de cinco contratos em paralelo. Para resolver o desajuste entre a

estrutura, estratégia e ambiente, foram feitas diversas tentativas para estruturar a

empresa de forma a atender adequadamente os contratos em vigor.

Essas tentativas de ajuste acompanhavam o início de novos contratos. Assim,

sempre que um novo contrato era assinado, ou surgia uma demanda específica por

coordenação, uma estrutura específica para o atendimento daquela necessidade era

montada.

Entretanto, se por um lado se criava novos setores operacionais organizados

por contrato, não se estabelecia uma administração central capaz de controlar o todo.

Ao contrário, a falta de uma gestão de topo, capaz de coordenar as diversas partes

da empresa foi se acentuando ao longo destas modificações.

Em meio a diversas modificações, três composições distintas estrutura de

pessoal da empresa foram identificadas. A primeira se estabeleceu após o início das

obras em rodovias fora do estado do Rio de Janeiro, que ocorreu concomitantemente

com o início do contrato da Caixa e do contrato de infra. A segunda estrutura se

estabelece quando Ana assumiu o cargo de coordenadora de contrato na rodovia 2,

se afastando da sede da empresa e deixando de dar suporte pleno ao setor

administrativo. A terceira se estabeleceu após o falecimento de um gestor de

contrato, Afrânio, o qual era responsável pelo contrato de infra e por dar suporte ao

contrato da Caixa. A sequência de organogramas que mostram essa gradual

fragmentação da estrutura é apresentada na figura 6.5, figura 6.6 e figura 6.7.

93

Figura 6-5: Organograma em 2010. Estrutura para atendimento de cinco obras distintas

Figura 6-6: Organograma 2011. Estrutura estabelecida após Ana assumir o cargo de coordenação nas

rodovias.

94

Figura 6-7: Organograma 2012. Estrutura estabelecida após o falec imento do gestor de contrato

Tratou-se, portanto de um período crítico em que a administração se viu

desajustada ao volume de tarefas que devia manejar marcada pela falta de um gestor

forte que coordenasse o todo da organização de forma sistêmica.

Após essas diversas tentativas, com a redução das atividades da empresa

percebe-se uma recentralização da estrutura. Entretanto, a estrutura apresenta

características distintas da estrutura da primeira configuração. Isso porque, diferente

de outrora, os problemas gerenciais permanecem e as atividades levadas a cabo pela

empresa não reduziram a ponto de poderem ser levadas com uma estrutura tão

centralizada. E, além disso, a empresa conta com um maior número de equipamentos

e ativos físicos em geral.

A recentralização da empresa se deu de forma que os dois contratos mantidos

pela empresa contassem com supervisores de campo, com autoridade apenas para

tomar decisões em relação à execução de obras. A gestão de ambos os contratos e

todo o setor administrativo voltaram a ser centralizados na figura da fundadora,

conforme mostra o organograma da empresa na figura 6.8.

95

Figura 6-8: Organograma 2014. Estrutura estabelecida após redução das atividades

Configurou-se assim uma estrutura em que diferentes supervisores, com perfis

e formações diferentes, ficaram responsáveis por gerenciar as atividades em campo.

A comunicação interna e a hierarquia são informais. Além disso, percebe-se uma

recentralização do poder de tomada de decisão e a redução da liberdade e

discricionariedade dos funcionários. As decisões finais continuam centralizadas na

figura da fundadora, que aprova ou reprova determinadas atitudes e alternativas de

ação antes que as mesmas possam ser postas em prática.

“O Maurício, o máximo que ela colocou ali foi, fica com uma determinada equipe, aí, tem as definições do Maurício, mas tem que passar pela Ana, não é 100%, tipo, para contratar ou demitir, sempre tem que passar pela Ana. A gente nunca tomou uma postura assim, de antes de consultar a Ana, a Ana teve sempre que ser o elo ali para poder fechar e aí sim, aí faz. ” (Artur)

“Ela botou algumas pessoas de frente no serviço com uma certa autonomia . Porque antigamente ela era a pessoa de frente mesmo, ela ia na obra e falava “não, vai passar o tubo por aqui ou vai passar o tubo por ali, ou “não vai passar o tubo e aqui vai deixar de ser tubo e vai virar canaleta...”. Assim, foi dado uma autonomia também para as pessoas que já estavam há bastante tempo aqui. (...)Não é uma mudança gigantesca, mas você até eleva a satisfação do funcionário, de dizer “ó, a Dona Ana disse que eu posso decidir também”, porque no para trás, tirando o óbvio, ela sempre participou muito de tudo e.… não é defeito...mas tinha hora que podia seguir sem precisar tanta aprovação” (Joel)

A comunicação interna ainda se mostra bastante informal, principalmente no

que diz respeito às atividades relacionadas ao controle de obras. Alguns sistemas

foram estabelecidos formalmente, como o sistema financeiro e contabilidad e.

96

“Porque hoje em dia, posso até dizer que o programa está indo. Quando focamos naquilo, bate direitinho, as contas no banco e as despesas. Ou seja, é um problema que conseguimos, de certa forma contornar” (Ana)

Há fortes evidências de que a estrutura da empresa esteja inadequada para o

seu tamanho, com excesso de atividades gerenciais sob sua responsabilidade da

fundadora.

“Voltou a estar presente, não como era antes. Até porque, eu acho que, no período que eu entrei na empresa, até os dias de hoje, as coisas tomaram uma proporção grande. Ela não tinha mais tempo para estar em todos os lugares ao mesmo tempo . Assim, são muitas reuniões, essas reuniões, a gente costuma brincar que se reunião valesse dinheiro...porque era muita reunião. Se ela ficasse só voltada para essa parte de reuniões, de licitações, seria uma coisa muito boa para a empresa, acho que a empresa teria até mais contratos, mas como ela acaba se envolvendo com tudo, ela não consegue fazer realmente o que ela deveria fazer. ” (Artur)

A confrontação das características da empresa e as características previstas

por Greiner (1998) na fase diretiva estão resumidas no quadro 6.5:

Categoria Práticas da empresa previstas por Greiner (1972) na fase 2

Características da estrutura da empresa

Delegação da autoridade

Sim Pouca ×

Centralização da estratégia

Total Total ✓

Estilo do corpo diretivo Diretivo Individualista e empreendedor

×

Mecanismos de controle

Padronizado Poucos ×

Centralização de poder: Estrutura funcional Alta ×

Esforço de coordenação Formal Informal ×

Burocratização Sim Não ×

Comunicação Formal Informal ×

Quadro 6-4: Características da estrutura da empresa na configuração 2

Considerando esta confrontação, percebemos que a empresa vivencia uma

etapa diferente. Pelo exposto, apesar do crescimento observado no período, esta fase

não trata do período de crescimento diretivo previsto por Greiner (1998) e sim de

uma prolongada crise de liderança, também prevista pelo autor.

Conforme o autor estabelece, o início da crise de liderança se dá a partir do

momento em que a estrutura simples da empresa não é capaz de suportar as

consequências do crescimento. O autor comenta que conforme a empresa cresce, as

97

maiores produções requerem conhecimento sobre as eficiências de fabricação, o

maior número de funcionários não pode mais ser gerido exclusivamente através de

uma comunicação informal e os novos funcionários não são motivados por uma

intensa dedicação à organização e novos procedimentos formais de contabilidade são

necessários para o controle financeiro. Neste ponto, os fundadores, que

normalmente se realizam em executar tarefas técnicas se encontram

sobrecarregados com responsabilidades gerenciais indesejadas. Esta descrição de

Greiner (1998) é bastante adequada para descrever o quadro vivenciado pela TelMais

ao longo deste período.

Como visto, ao contrário de ser uma configuração relativamente estável, este

período compreende diversas tentativas de adequar a estrutura da empresa ao maior

volume de atividades que realizava de forma a reestabelecer uma harmonia entre os

elementos da estrutura, estratégia e ambiente sob um novo modelo mais complexo.

Isso porque, o maior volume de serviço realizado pela empresa passou a exigir

maiores controles e eficiência.

Como ainda não se conseguiu até o momento reestabelecer a ordem e

harmonia dos elementos sob uma nova configuração relativamente estável,

poderíamos considerar que esta fase trata de uma pseudo-configuração. Assim,

percebe-se que a empresa está em um caminho entre uma estrutura simples e uma

burocratizada, a qual não conseguiu se estabilizar porque a figura de um gerente

forte, que consiga ser aceito pelos envolvidos com a empresa, não fora até o

momento encontrado.

Um esquema que demonstra as configurações no tempo, com a indicação dos

principais eventos que serviram como gatilho para a mudança da configuração, o

estressamento da estrutura, alguns marcos da estratégia, as diversas modificações

do organograma da empresa feitas ao longo do segundo período e o posicionamento

das configurações no modelo de Greiner (1998) é apresentado na figura 6.9.

98

Figura 6-9: Representação das configurações no tempo

6.2 Parte 2: Análise do processo de crescimento

Conforme mencionado, esta segunda sessão da análise apresenta a análise dos

desafios do crescimento de forma a explorar a trajetória de crescimento ao longo de

cada período. Cabe lembrar que nesta sessão o crescimento será enfatizado como um

processo, pelo qual a empresa e o ambiente transformam-se tanto de forma

quantitativa, como de forma qualitativa.

Essa sessão se baseia no modelo apresentado por Fleck (2009) e está

organizada de modo a apresentar a análise dos cinco desafios do crescimento em

conjunto com as influências do sistema família no processo de crescimento. A família

será analisada como um contexto no qual a empresa está inserida e também como

um pool de recursos. Por fim, são analisados os mecanismos de renovação e

deterioração que influenciam o processo de crescimento subsequente. A organização

desta sessão é apresentada na figura 6.10.

99

Figura 6-10: Modelo utilizado na apresentação dos itens da segunda parte da análise

6.3 Processo de crescimento no primeiro período

Neste primeiro período, conforme será detalhado, percebe-se que o desafio

do empreendedorismo ganhou destaque e nota-se um crescimento guiado por ações

empreendedoras que ficam evidentes diante das diversas expansões produtivas que

foram realizadas ao longo do período. O desafio da navegação do ambiente que foi

adequado e garantiu a captura de valor ao do período. Já a interação entre o sistema

família e a empresa forneceram estímulos ao crescimento.

6.3.1 Empreendedorismo

Este desafio diz respeito à capacidade de a firma se expandir em base continua

através de movimentos expansivos que promovam a criação de valor, sem expor a

firma a riscos excessivos (FLECK, 2009). Este desafio está relacionado à promoção de

serviços empreendedores (PENROSE, 1959) e a motivações produtivas (CHANDLER,

1977).

Conforme será visto, a empresa respondeu ao desafio do empreendedorismo

de forma adequada, o que levou à criação de valor contínua ao longo do período.

Neste período, percebe-se que os serviços empreendedores foram se desenvolvendo

ao longo do período e que, de um modo geral, a predisposição da firma em crescer

e a ambição foram as dimensões empreendedoras que mais se destacaram.

Para entender como estas e outras dimensões deste desafio se desenvolveram

ao longo do período, serão avaliados as expansão produtivas da empresa (figura 6.11)

associados às dimensões deste desafio.

100

Figura 6-11: Movimentos da empresa na configuração 1

No ano de 1984, a empresa se resumia à fundadora, que, sozinha, realizava

todas as etapas da obra, projeto, orçamento e ações comerciais. Assim, o serviço da

versatilidade no princípio, por ser fornecido por uma única pessoa sem experiência,

era bastante limitado. A visão e imaginação na empresa eram baseadas nas

competências técnicas que a fundadora possuía no momento e isso determinou o

horizonte da empresa neste período inicial.

“No início era só eu. Não tinha nenhum funcionário. Então era só eu. Eu ia, visitava obra, fazia o projeto e ia instalar tudo. Eu ia de ônibus, levando a bolsinha com as coisas. ” (Ana)

A ambição era alta e guiou a empresa por todo o período. Esse aspecto era tão

forte a ponto de resistir aos acontecimentos mais adversos. Nesta ocasião, houve

situações de roubos, não pagamento de serviços e até mesmo ameaças pessoais à

fundadora, que colocaram em risco a sobrevivência da empresa. Entretanto, tais

acontecimentos foram superados com significativa insistência e perseverança.

“Eu pedia o pagamento. Implorava para o pessoal dele lá e nada. E eu tinha que pagar o material para o Pedro e nada...e nada...Ele só enrolava. Até o dia que eu fui no escritório e resolvi ficar. A secretária falou que ele não estava e eu disse que sabia que ele estava dentro da sala e que eu ia esperar ele sair. Deu a hora da secretária ir embora e ela falando que eu tinha que sair. E eu não sa í. E então a secretária dele foi embora e logo em seguida ele apareceu e me chamou para entrar na sala dele. Assim que eu entrei, eu já falei que eu só sairia dali com o pagamento. Daí ele pegou o revolver na gaveta e ia me matar. Então, eu saí. ” (Ana)

“E eu lembro que quando eu conheci ela, eu lembro de já ver que ela ia longe. Ela tinha uma cabeça, um jeito, uma vontade! Ela pegava, para cá e para lá. E ela, coitada, ela também atravessou uns momentos muito difíceis. Ela falou que às vezes fazia obra e não recebia. Certa vez ela foi para receber e o cara colocou um 32 em cima da mesa! ” (Antônio)

“Quando o Mouro me falou que ele estava roubando, eu fiquei inquieta. Mas pensa, ele tinha o tal fusca vermelho dele. E eu de ônibus. Como que eu ia seguir ele? (...). Quando eu consegui encontrar ele, eu falei um monte de coisa... nem lembro. Mas eu encarei com tudo. Mas nesse dia ele me falou “então você toma o seu rumo, como

101

o Mouro já fez, porque a empresa foi aberta com o meu contador, e aquele contrato nosso lá, acabou! ” (...). Então, eu falei simplesmente que “não! ” E olha que eu não entendia nada de leis. ” (Ana)

“Teve uma época que ela fez um serviço de telefonia rural, não era coisa pequena não, não sei a extensão, mas ela levou cabo de taxi para lá, não tinha carro, não recebeu nada, e depois o cara até ameaçou ela . Então ela passou por fases que, se fosse uma pessoa meio fraca desistia , dizia “não quero isso mais”, mas ela tocou o barco. Ela não tinha isso de desistir. Persistência era demais. E assim, eu considero, assim, mesmo, um exemplo de pessoa! ” (Afonso)

A capacidade de obter recursos não pode ser avaliada já que todas as obras e

atividades eram realizadas com poucos recursos, próprios da fundadora e ela não

cogitava a possibilidade de realizar financiamentos, como fora advertida por seu pai.

“Mas eu lembro muito do meu pai ficar muito preocupado porque ele tinha muito medo que eu fizesse algum empréstimo, e que isso acabasse dando alguma complicação. Ele falou para eu tomar muito cuidado com banco, e tudo o mais relacionado com empréstimo. Ele me falou que eu nunca deveria fazer empréstimo. E isso ele até tinha boa noção, né? ” (Ana)

Já o serviço de julgamento em relação ao risco era bastante falho. Isso porque,

nesta fase, os serviços que a fundadora proporcionava à empresa tinham sido até o

momento moldados pelas suas experiências do passado e a sua habilidade de

distinguir as oportunidades das ameaças era bastante deficiente. Entretanto, neste

momento a organização não tinha tanto a perder, de modo que fracassos p ontuais

podiam ser superados com novas tentativas.

“Quando você tem alguma condição ou um dinheirinho, você pode avaliar o que for melhor para você e quando você não tem, você vai para o lado que a enxurrada te leva. E era uma enxurrada lamacenta, fedorenta. Era o fundo do poço e no fundo do poço, só vem gente querendo te explorar. ” (Ana)

“E assim, ela teve sérios problemas, voltando no começo, aquele estilo lá de Minas, de palavra, de “ah, te faço isso por tanto” e não passava documento ( ...). Uma obra que dava prejuízo, ela fechava os olhos e não pensava naquilo lá e já partia para outra”. (Afonso)

À medida que a organização foi se desenvolvendo, as capacitações

empreendedoras também foram evoluindo, principalmente no que diz respeito ao

julgamento em relação ao risco. Em pouco tempo houve um aprendizado em relação

à detecção de ameaças, fundamental para o crescimento da empresa. Além disso,

com a entrada do irmão de Ana na empresa, a ambição e versatilidade ficaram ainda

mais fortalecidas. Assim, em 1986, a empresa passou a oferecer novos serviços, como

instalação de interfone e instalação de antenas coletivas.

102

“Antes eu comecei só com rede predial, e nessa época que meu irmão estava comigo, eu já tinha diversificado um pouco. Eu já fazia instalação d e antena coletiva, porteiro eletrônico e automatização de portão de garagem. E o Afonso que começou a trabalhar mais com a automatização dos portões (...). Eu acho que nessa fase era uma ansiedade muito grande, porque eu me lembro de já começar a fazer ess es outros serviços também . (...). Olha, já começamos a fazer algumas redes áreas de subempreita. E nisso, era sempre o Afonso. Por que nessa parte aí, ele tinha motivação total. ” (Ana)

“Eu analiso assim, que a TelMais passou a crescer assim, bastante, porque a sua mãe era aquele pique né, pegava obra... aí fazia na época rede, fazia interfone, automatizar portão (...). E a gente andou fazendo umas antenas coletivas. Então era serviço de poucos lucros e difícil, a gente andava de ônibus e levava os rolinhos de fio. ” (Afonso)

Concomitantemente ao desenvolvimento das capacitações empreendedoras,

percebe-se nota-se uma busca contínua por ambientes menos competit ivos e mais

favoráveis para a atuação da empresa. Assim, em meados de 1987, a empresa passou

a realizar obras para grandes construtoras, clientes comerciais, industriais e agências

bancárias.

“Começamos a participar de licitações. Isso era um marco para a gente. Porque antes a gente não tinha os atestados, as capacidades a documentação. ” (Ana)

A versatilidade para encontrar novas oportunidades lucrativas se manteve em

níveis elevados. Um exemplo diz respeito ao início das obras de redes externas, que

estava associada à eficiência da Telerj, que no período, não conseguia atender de

forma rápida os novos empreendimentos. Assim, a empresa passou a oferecer

também serviços de implantação de rede de telefonia externa para seus clientes.

“Tinha uma lista na Telerj de quem poderia fazer a rede externa e essa lista não era tão grande e a TelMais estava na lista. Então, existia uma lista separada para externa, só que ela não era do mesmo tamanho que a interna. Porque a interna é só um alicate, uma chave de fenda e um batedor de bloco e tava bom: Já era uma firma. ” (Joel)

O movimento mais marcante do período que demonstra conjuntamente

versatilidade, bom julgamento em relação ao risco e predisposição da firma a

crescer está associado à diversificação para serviços de construção de redes de fibra

ótica em meados de 1995. Detectou-se que as redes de fibra ótica viriam para

substituir as redes metálicas e, portanto, a empresa investiu em equipamentos e

treinamento para ser uma das primeiras empresas da cidade capacitada para realizar

redes em fibras óticas.

103

“Nossa! Mas eu vi como uma vontade de evoluir no trabalho , ou seja, a tendência era fibra ótica e eu visualizei que se a gente não atualizasse, a gente ia ficar para trás. Tanto é que, dali para adiante, como eram poucas empresas trabalhando com fibra, tudo que era trabalho de fibra vinha para a gente. (...), mas eu lembro de ficar numa dúvida cruel entre comprar os equipamentos ou outro terreno. Por que eram caríssimos, ninguém tinha aqui no Rio. Então quando eu falo que fomos a primeira empresa a fazer fibra ótica aqui no Rio, foi a pura verdade. Não tinha mais ninguém. ” (Ana)

“Então, o mais certo mesmo, para a empresa crescer, para você não virar mais um, era você sair da rede interna e procurar a fibra, procurar um serviço que dependa mais de tecnologia e preparo. E foi isso que a TelMais fez. E foi uma pena que foi, até 92, 93, tanto a TelMais como as outras empresas, viviam muito bem só com rede interna, mas a rede interna antiga. Não a que foi criada depois que você só precisava ter a primeira caixa apresentável. (...) Por causa de a rede interna ter sido um pouco vulgarizado, então você tem que procurar outras coisas para fazer . Então o que a TelMais procurou? Foi a fibra, foi a rede local. Mas só que com a rede local, o cliente casava com a rede elétrica. Então a gente passou a ter eletricista, porque a ge nte precisava ter montagem de cabo, troca de circuito, c álculo de carga. ” (Joel)

Esses movimentos apresentam um timing adequado diante das mudanças

tecnológicas que estavam acontecendo no setor de telecomunicações brasileiro. Isso

porque a decisão que levou a TelMais a atender clientes em fibras óticas e também a

fazer instalação de rede local acompanhou o movimento de informatização nas

empresas.

Tendo em vista os movimentos da empresa relatados, percebemos que à

medida que a empresa acumulava atestados de capacidade técnica, ela passava a

prestar serviços que envolviam atividades mais complexas e mais rentáveis. Se num

primeiro momento a empresa prestava serviços para pequenos construtores, com o

ganho de experiência, passou a prestar serviços em grandes construtoras. Das

grandes construtoras, passou a prestar serviços para clientes comerciais, que

demandavam redes internas estruturadas de grande porte e para indústrias, que

demandavam agilidade na implantação. Posteriormente o movimento para fibra s

óticas garantiu a atuação em um mercado diferenciado.

Como Fleck (2016) afirma, para que estas expansões sejam produtivas, gerem

folga e induzam o crescimento contínuo é importante que o empreendedorismo

esteja relacionado à criação de valor e que apresente algum grau de inovação. Assim,

nesta configuração percebe-se uma escalada crescente na criação de valor para os

clientes, com a prestação de serviços cada vez mais diferenciados e de maior

complexidade técnica, como ilustra o esquema da figura 6.12.

104

Figura 6-12: criação de valor das atividades empreendidas ao longo da con figuração 1

6.3.2 Navegação no ambiente

Este desafio diz respeito à capacidade de a empresa monitorar o ambiente

dinâmico de forma a garantir a captura de valor e a legitimidade organizacional. Como

veremos, a empresa conseguiu capturar valor das ações empreendidas. Além disso,

percebe-se que o monitoramento do ambiente estava sendo feito em níveis

adequados.

No início, a captura de valor diante dos clientes estava relacionada com o

nome que a fundadora desenvolveu diante dos pequenos construtores. Este

reconhecimento diante desses clientes, por sua vez foi conquistado com base na

própria forma de Ana de organizar o trabalho: sozinha, mulher e com poucos recursos

financeiros. Isso chamava a atenção dos construtores.

“De puxar cabo, eu tinha muita bolha na mão. Mas na instalação só usava

chave de fenda e um alicatezinho, para clipar o cabo. E tinha uma tesoura,

que eu cortava as pontas, a capa, e arrumava direitinho, nos parzinhos...Para

instalar as tomadas, era só abaixar no chão e instalar assim... E como eu não

tinha carro, então eu levava os rolos de cabos no ônibus. ” (Ana)

“Quando eu cheguei aqui no Rio, eu fui trabalhar para o Sr . Dias e o Sr.

Domingos, eram três sócios. Eram uns portugueses legais. Aí eles “ah, quero

conhecer o irmão da Ana”, porque ela era famosa lá, a Ana tinha calo na mão,

ela ia junto, ajudava a passar fio! ” (Afonso)

105

“Na época, o que ela fazia, as obras dela eram bem-feitas, então ela fazia

muitas obras e as pessoas gostavam muito dela. Porque o que ela fazia, fazia

bem feito e até hoje. ” (Antônio)

A captura de valor neste princípio também se dava devido aos diferenciais que

interessavam aos pequenos construtores. A oferta de pequenos serviços que saíam

do escopo dos serviços contratados e que agregavam valor ao serviço final, era

reconhecida pelos clientes.

“E ela já era conhecida, porque tinha os portugueses que nós construíamos .

Então ela fazia direitinho e ela começou a ter uma carteira de cliente né .

Então, quando eles tinham serviço, eles chamavam ela, e sabiam que ela fazia

direitinho. E às vezes eles até mostrava, ó tem tantas propostas, tem quatro,

teu preço, está, vamos supor, em primeiro, segundo lugar, mas às vezes

fechava mais caro com ela porque sabia que ela ia fazer, e os outros era m

desconhecidos, então tinha aquela desconfiança que podia dar o serviço e

eles não, até por um preço muito mais barato, eles viam que não dava para

eles fazer, então eles não arriscavam. ” (Afonso)

Há evidências de que o monitoramento do ambiente foi realizado

adequadamente por todo o período. Por exemplo, nota-se que o abandono gradual

dos serviços de instalações de redes internas em 1995 acompanhou a percepção de

que este mercado gradativamente passou a ter baixas barreiras de entradas e que a

tendência de evolução da tecnologia para fibras óticas também foi rapidamente

percebida.

“Em 1993, foi a época em que começaram a vulgarizar os serviços da rede interna . Por isso, também que a gente teve que sair. Porque qualquer um fazia. A firma que eu falei para você, era aquilo mesmo, uma chave de fenda, um alicate e um batedor de bloco. Era tudo que o cara precisava para ter uma firma de rede interna. Porque ele só precisava caprichar no PTR, que era o antigo DG, que virou PTR. O resto, se tava feito com cabo não homologado, se a tomada tava bem colocada ou não... a concessionária não ia olhar. (...). Nisso aí a gente já começa a ser apresentado à inovação do ponto de rede local, que a TelMais não fazia. E à fibra ótica que a gente também não fazia e partiu logo para fazer. ” (Joel)

Nos dois primeiros anos de atuação da empresa, podemos considerar que o

ambiente é desafiador e tal ambiente foi vencido com base no esforço

empreendedor, como visto anteriormente. O desenvolvimento da empresa nestas

condições hostis estimula o desenvolvimento de capacidades relacionadas à

resistência e persistência que são valiosas e dificilmente estimuladas no caso de

ambientes piedosos (FLECK, 2016).

“Eu lembro...nossa... de ficar dias plantada esperando o fiscal e no fim das

contas ele não aparecia. E ainda era melhor acompanhar, porque às vezes,

106

por conta de besteirinha eles podiam reprovar a obra. Então, o começo é

uma coisa desanimadora! Não é bom nem pensar. ” (Ana)

Percebemos, pelos longos períodos em que a TelMais servia um mesmo cliente,

que ela era capaz de conquistar certo respaldo com os mesmos, baseado tanto no

bom relacionamento com o cliente como também na qualidade dos serviços

prestados.

“Outro lance que a gente ganhava em relação às outras empresas era no desenvolvimento do projeto. Que era fazer o projeto econômico, olhando principalmente o lado estético. As outras empresas não tinham muita habilidade, porque elas mandavam um projetista lá, um qualquer, para fazer aquilo... E a gente começou a ganhar nome com isso. ” (Ana)

“E olha, depois de montar um DG daqueles, era só partir para os bancos, porque eram eles que tinham as redes violentas para fazer. E começamos com toda a automatização. E como a gente ganhava esse trabalho? Porque era difícil uma empresa que tivesse a diversidade que a gente tinha , porque a gente passou a fazer as obras civis né. ” (Ana)

Na realização de atividades de maior complexidade técnica, percebe -se grande

exigência em relação ao desempenho técnico, com presença de atores fiscalizadores

que estimularam a empresa a desenvolver diversas habilidades que garantiam a

entrega de um projeto de qualidade, com o cumprimento de requisitos técnicos.

Contudo, nota-se que, apesar de exigências técnicas, não havia pressão para

que a empresa executasse os serviços com grande eficiência, já que as margens de

lucros eram significativas. Nota-se assim, algumas dimensões de um ambiente

piedoso, de baixa competição, incapaz de punir as ineficiências da empresa.

“Ele era um concorrente entre aspas, porque a gente tinha aquela jogada , nas épocas de rede interna, eu já te contei isso, tinha as grandes construtoras e tudo mais e a gente meio que separava. Então, vamos dizer que eram umas oito empresas, no máximo, porque as outras não faziam. Vamos dizer que fossem umas...não lembro o total que era...vamos dizer que fossem umas oito que fossem as empresas atuantes, que tinham condições de fazer rede interna em torres, e isso aquilo, projeto, fazer alguma coisa de rede externa, empresas que tinham condições. Daí, mais ou menos a gente já separava as construtoras, de quem era de quem. Meio que já existia uma separação, então os outros entravam dando cobertura. A gente dava muito cobertura. “ (Ana)

6.3.3 Provisionamento de recursos humanos

O desafio do provisionamento de recursos humanos qualificados consiste na

tarefa de prover de forma contínua, planejada e antecipada recursos humanos para

a empresa. Este desafio inclui a captação, formação e retenção de recursos humanos.

107

Nesta fase não existia grandes esforços no sentido de gerenciar ou desenvolver

recursos humanos. A princípio, as ações que envolviam a formação e a retenção dos

funcionários eram feitas de forma intuitiva. Nesta fase inicial da empresa, a

prioridade era manter as atividades da empresa em andamento e por isso os esforços

no período eram prioritariamente dedicados à execução das atividades finais da

empresa e a todas as atividades necessárias para a captação de novos clientes.

Entretanto, algumas práticas espontâneas relacionadas a este desafio foram

detectadas.

No início, enquanto a estrutura da empresa era bastante restrita, utilizava -se

mão de obra de subempreita, como é típico no setor de construção. Neste período

parece já haver certa preocupação com relação à retenção dessas pessoas, mesmo

que elas não fossem funcionários.

“Tinha um que chamava Sebastião, cheio de malandragem e tal e ele não era assim, ele trabalhava em outra empresa, mas aí quando a Ana precisava ele vinha (...)”ô você não quer fazer um bico final de semana não? “E sempre ia, e daí passou a conhecer as pessoas, já deixava anotado e então já tinha aquelas pessoas que a gente sabia que era mais ou menos certo. Aí chamava, e pagava um pouquinho mais e eles adoravam, trabalhavam mesmo, mas eles também ganhavam. ” (Afonso)

Há evidências de que havia uma resposta antecipada na formação dos recursos

humanos no que se refere à mão de obra técnica. Na época, as instalações de

telefonia interna predial exigiam mão de obra especializada, os cabistas. No caso da

TelMais, parte destes profissionais tinham ampla experiência pois já tinham

trabalhado nas concessionárias de telefonia. Uma vez integrados na empresa, esses

profissionais treinavam outros funcionários da equipe.

“(Cabistas) já vieram como profissionais já. Mas aí sim, eles formaram outros. Por exemplo, eles formaram o Carlos Junior...o próprio Cesar, que já trabalhava lá, que foi aprendendo com eles. Assim, ia entrando gente e aprendendo com eles, mas a habilidade deles não, isso era difícil né, os outros faziam coisas menores. (...) Então o ajudante de cabista, logo tava fazendo redinha sozinho. ” (Ana)

Ainda no que se refere à mão de obra técnica, há indícios de que a empresa

captava e retia funcionários muito bons, capazes de gerar grande valor para a

empresa.

“Então, a gente tinha o Iseu, o Alcides... Esse Beto era pequenininho, tinha que subir em escada para trabalhar nas partes altas do DG, mas eles tinham uma velocidade, um capricho com aquilo... Era uma coisa ass im, fora de sério! Então, o Iseu, Mário e Alcides eram funcionários assim, que todo mundo queria! A gente pagava melhor por eles. ” (Ana)

108

“Porque eram cabos de 1800 cabos, uma coisa absurda. Imagina distribuir 1800 pares em blocos! Isso eu tenho fotos! E tinha toda uma arrumação formal, padrão. Tinha um tal de um arame encerado, para ir separando os grupos. Aquilo ficava lindo, perfeito. E esse tipo de profissional, que só trabalhavam nisso, tinham o maior carinho por aquele trabalho, uma realização até pe la beleza...” (Ana)

“E o Junior? Nossa, ele era um furacão. Hoje está todo mundo com idade né? Nossa equipe técnica era muito, muito boa. Interessante né? (Ana)

Já em relação à antecipação de necessidades gerenciais , houve algumas

tentativas de obter e treinar recursos gerenciais, como engenheiros, para gerenciar

os trabalhos em campo. Apesar do referido esforço, essas ações não obtiveram êxito,

pois não se conseguia reter a mão de obra treinada e, logo as tentativas de treinar e

reter recursos humanos gerenciais foram abandonadas.

“Olha, eu lembro de algumas tentativas, de buscar pessoas da mesma faculdade que eu fiz. Então eu lembro de treinar e depois, chegar uma outra empresa e oferecer um salário mais alto e eles iam. Lembro de ficar muito decepcionada com isso. Porque a gente ensinava, ensinava e ensinava, e depois a pessoa ia embora. Não sei o que acontecia, se eu pagava salários baixos, ou se eu não dava sorte. Todos esses trabalhos que eu tô falando não tinha engenheiro mesmo. ” (Ana)

Além disso, com o crescimento da empresa, algumas tentativas de posicionar

Afonso em cargos que demandassem liderança foram feitas. Entretanto, tendo em

vista o perfil de Afonso, tais tentativas não funcionaram.

Além destas tentativas de formação de recursos gerenciais, notou-se uma falta

de confiança da fundadora em delegar atividades que ela julgava ser de grande

importância para a empresa, como orçamentos.

“E depois as propostas tinham que ser datilografadas. Daí você já sabe, a mão de obra de sempre, sempre muito complicada que eu tinha que conferir tudo . Na hora que eu ia assinar a proposta para encaminhar tinha erros, então tinha que datilografar tudo de novo. E na época era envelope, adesivo, e entrega em mãos, porque não tinha e-mails. ” (Ana)

“E eu nunca tive ninguém de orçamento. Então eu ficava à noite fazendo isso . Medindo com a régua de escala. Tinha que pegar o projeto, pré-elaborar o projeto de rede, através das cargas, você dimensionava os cabos e a partir daí, media com a régua de escala as metragens. E às vezes eram jogos de plantas imensos, e, mesmo tendo o pavimento tipo, é preciso medir todos os desvios, a tubulação de entrada. E não podia ter erros. Eu levantava aquilo tudo manual. Enfim, era o orçamento, mas com o grau de dificuldade maior . Meu trabalho era bem árduo, porque eu fazia isso à noite, ou no final de semana. E isso eu não passava para ninguém porque eu não confiava muito. Às vezes até confiava no pessoalzinho de projeto para levantar os cabos de menor valor. Mas a parte pesada, de custo alto, era eu mesma. ” (Ana)

Assim, mesmo com o início da realização de obras maiores, a estrutura da

empresa se modificou muito pouco. A fundadora, durante todo o período continuou

109

se envolvendo em todas as atividades relacionadas à execução de obras, atividades

comerciais e atividades gerenciais. Percebe-se ao fim desse período um acúmulo de

funções no topo, em uma “correria sem fim”.

“A estrutura da TelMais nessa época era pequena. Era a Dona Ana, como chefe, dona e a pessoa de frente na obra.” (Joel)

“Engraçado que eu acho é que eu não tinha engenheiros de supervisão . Eu tinha técnicos bons. Então eu acompanhava essas obras direto. Minha rotina era essa, acompanhar obras e fazer muita parte comercial , era uma correria sem fim . Lembro sempre de fazer a parte do escritório à noite. Então sempre tive encarregado, mestre. ” (Ana)

As questões relacionadas ao provisionamento de recursos humanos

evidenciam diversos fatores que contribuíram para que a estrutura da empresa tenha

sido estressada até o seu limite. Isso porque, como visto, a empresa era abastecida

adequadamente de recursos operacionais, mas não de recursos gerenciais.

6.3.4 Gestão da diversidade

Na fase inicial desta configuração, entende-se que as atividades eram poucas

e tão relacionadas que não havia necessidade de desprender tanto esforço para

coordenar e gerenciar a diversidade existente. Pode-se entender que a motivação

para a continuidade da empresa já era, por si só, uma força que promovia a integração

de seus membros. Como já mencionado, o trabalho árduo caminhava junto com uma

ambição compartilhada por todos os envolvidos, a qual por sua vez, era capaz de unir

os membros em torno de senso de propósito comum.

“Então no começo eu tinha aquela vontade, eu ia mesmo trabalhar, virava noite, parece que era muito bom.” (Afonso)

Mais tarde, em meados de 1991, a introdução das obras civis na empresa

incluiu atividades de naturezas mais distintas. Obras de reformas de galpões e lojas

de familiares passaram a ser feitas em paralelo às atividades de telecomunicações.

Há evidência de haver certo orgulho e certo distanciamento das obras civis por parte

dos funcionários, porque essas obras não são consideradas atividades centrais da

empresa, mas são vistas como um “extra” que foram realizadas com sucesso pela

TelMais.

“Da mesma maneira que a gente participou de reforma do apartamento do Sr . Antônio, de galpão, dos outros galpões todos tantos do Sr . Armindo também. A gente participou da construção da parte de escritório em cima do Zazá em Nilópolis Foi

110

TelMais! Foi TelMais... Mas a gente continuava a trabalhar, nunca deixou de trabalhar. Fez outras coisas aí mais para o lado da civil, mas nunca deixou de fazer telecomunicações. ” (Joel)

Entretanto, apesar de ser um desafio que aparece como resultado das

consequências do crescimento (FLECK, 2016), a interação da empresa com o sistema

família antecipou a necessidade de gerenciar o desafio da diversidade. Neste período

havia apenas três familiares envolvidos na empresa. Entretanto, havia existência de

alguns conflitos, pois, como a empresa era pequena, a interação entre estes

familiares era intensiva. Há evidência de que familiares discutiam assuntos

particulares no escritório, envolvendo a empresa em assuntos familiares. Percebe -se

que não foram desenvolvidas medidas capazes de amenizar tais problemas. Mas tais

situações não eram significativas a ponto de ameaçar a integridade da empresa .

6.3.5 Gestão da complexidade

O desafio da complexidade está relacionado com a capacidade de lidar com

questões complexas que envolvem um grande número de variáveis independentes

através de respostas sistemáticas. Assim, este desafio é uma resposta às

consequências do processo de crescimento, o qual ainda não era expressivo na

empresa. Portanto, como a empresa tinha poucas atividades, a complexidade ainda

era pequena.

Contudo, notamos que até o final do período a criação e captura de valor

estavam centralizados na fundadora e não foi desenvolvido a sistematização para que

ações empreendedoras ou o monitoramento do ambiente ocorressem sem a sua

presença, de forma contínua e rotineira. Como já relatado, a tomada de decisões era

concentrada na fundadora e feita conforme suas avaliações e conforme a sua

vontade, não existindo qualquer padronização. Percebe-se também que o

monitoramento do ambiente era feito através de amizades da fundadora em um

processo não estruturado e não sistematizado. Essas questões já apresentam-se

como prenúncios da crise de liderança que estava prestes a se intalar na empresa.

6.3.6 Influências do sistema família

111

Nesta sessão será analisada a família como um contexto amplo em que a

empresa está inserida e a família como um pool de recursos variados, dentro de uma

abordagem abrangente e dinâmica. Esta análise auxiliará o entendimento do processo

de tomada de decisões estratégicas ao longo da trajetória da empresa.

6.3.6.1 Família como contexto

Os acontecimentos e eventos particulares que marcam a história e as

condições da família influenciam a trajetória da empresa em diversos momentos. Os

aspectos relacionados à familia observados ao longo da análise que restringiram ou

estimularam o crescimento foram as motivações pessoais dos membros da familia

envolvidos, que por sua vez foram afetados pelas condições financeiras da família,

pela idade dos membros e alguns eventos marcantes, como o nascimento das filhas

da fundadora.

Percebe-se que as motivações e anseios de Ana, no primeiro momento da

empresa, foram determinantes para a sobrevivência do negócio recém-criado. Como

visto no desafio do empreendedorismo, durante os pr imeiros anos da empresa, os

serviços empreendedores eram fornecidos por Ana, e eram resultado de suas

características temperamentais, sendo até o momento moldado pelas suas

experiência do passado. Percebemos que os acontecimentos marcantes da infância

de Ana geraram nela algum tipo de sentimento de angústia o qual ela buscou superar

através de sua realização profissional e isso afetou diretamente o seu processo de

tomada de decisão em relação a criar e, posteriormente, manter a empresa. Assim,

a decisão de continuar na cidade do Rio de Janeiro e insistir relaciona-se com o desejo

de Ana de conseguir “algo além”, para que ela pudesse superar as humilhações que

havia sofrido na infância.

“Eu sabia que eu tinha sido muito humilhada na vida , uma coisa que voltando atrás, as humilhações que eu vivi eram uma coisa muito triste, mas ao invés de me desmotivar, vinha sempre um pensamento assim, que eu tinha que vencer , que eu tinha que mostrar para aquela gente ou mesmo que não importava que mostrasse para mim mesmo. Acho que nem era muito de mostrar para aquela gente, eu só queria ser alguém! Que a única maneira de sufocar e pisar naquela humilhação era mostrar ao contrario que eu tinha conseguido vencer na vida. Eram esses os pensamentos que eu tinha. E era esse o único conforto que eu tinha frente às humilhações, não que eu não tenha chorado muitas vezes. Porque às vezes vinha um pensamento que eu tinha que desistir, mas logo vinha um pensamento “não, mas eu

112

vou conseguir vencer” não que eu desejasse o mal para ning uém, mas eu precisava ser alguém para dar um tratamento para aquele assunto da humilhação. ” (Ana)

“E a Ana sofreu muitas discriminações, tinha uma separação, de quem era da roça, tinha roupa inferior. Aí eu sei que na escola faziam gozação dela, malvestida, às vezes ela devia falar alguma coisa algum termo lá na roça, isso eu que estou supondo, mas era motivo de chacota. E ela sentia isso. E eu acho que isso aí serviu de incentivo para ela, para ela pegar com garra mesmo , que hoje eu sei de muitas pessoas que estudou com ela, que tirou sarro dela e tão lá, não progrediram na vida nem nada. Não são pessoas ruins, mas ela progrediu, ela veio da roça e foi adiante, passou para frente. Eu considero a tua mãe uma vencedora mesmo. Igual a ela, nem outro acho que não tenha igual. ” (Afonso)

A percepção de Ana de que persistir com a empresa era o único caminho a ser

seguido também foi influenciada pelo fato de sua família não tinha boas condições

financeiras. Além disso, a necessidade de honrar sua decisão anterior de ter

abandonado o emprego na Embratel perante alguns familiares também apareceu

como um fator influenciador em suas decisões. Assim, o sentimento de “não poder

voltar atrás” era o que fortalecia o empreendedorismo no momento inicial da

empresa, dando forças para enfrentar as dificuldades.

“E, como eu tava no fundo do poço, eu não analisei nada. Quando aparece uma mão, até mesmo suja, a gente agarra. Essas épocas era que eu pensava em suicídio, porque eu sabia que para Minas eu não queria voltar. Lá eu não teria sucesso nenhum. E não via nenhuma outra chance. ” (Ana)

“E nossa... as pessoas estavam tão felizes que eu tinha entra do na Embratel. Lembro da tia Luzinha, muito feliz. Ela sempre me falava “Ana, você com um emprego desses, pelo amor de Deus, não larga”. Todo mundo me taxava de maluca por me aventurar... E depois, eu me encontrava naquela situação, como eu fazia? ” (Ana)

Nota-se que a vinda de Afonso ocorre no momento em que a empresa já

possuía uma quantidade de clientes capazes de garantir sua subsistência. Entende-se

que o convite para que seu irmão viesse trabalhar na empresa era decorrente da

grande ambição de Ana, aliada a seu interesse de oferecer uma oportunidade para

que seu irmão também se desenvolvesse, denunciando a presença de múltip los

objetivos que vão além da prosperidade do negócio propriamente dita.

O fato de Afonso e Ana ainda serem jovens e terem muita energia e disposição

influenciou no alavancamento das atividades da empresa, como visto. A ambição e o

desejo dos irmãos de crescer foram fatores chaves neste primeiro momento da

empresa.

113

Em relação às aspirações dos membros que continuaram a influenciar a

empresa neste período, percebe-se que o nascimento das filhas de Ana, em 1987 e

em 1990 deu à Ana uma injeção de ânimo diferenciada que motivaram a busca pelo

crescimento da empresa. Este ânimo era oriundo da responsabilidade que Ana sentia

na criação das filhas, que passava por uma melhoria nas condições financeiras da

família e também oriundo de seu desejo de deixar algum legado para suas filhas.

“Porque filho, se você não tem, você não se preocupa tanto, porque, vai ter para quem? Para quem você vai deixar, né? (...). Então, filho é sempre uma motivação para você trabalhar mais e conquistar mais, não só pelo sustento, mas porque você tem para quem deixar. Primeiro quando se está em uma situação difícil é aquela responsabilidade, porque sabe que tem que ter, para o sustento mesmo, colégio bom e tudo o que a gente almeja dar para o filho. E principalmente para mim, que tinha sofrido tanto pelo lado financeiro, eu nunca queria que minhas filhas passassem o que eu passei. Então é sempre aquela coisa de ter para o seu filho aquilo que você não teve. ” (Ana)

Com o passar do tempo, a motivação de Ana passou a estar relacionada com a

criação de uma renda paralela às atividades da empresa e reduzir os efeitos da

dinâmica financeira variável da empresa na família, garantindo bem-estar financeiro

à família mesmo nas horas em que estivesse passando por dificuldades financeiras na

empresa. Essa motivação parece ser uma força promotora de investimentos

financeiros paralelos à empresa, como a compra de diversos imóveis.

“A TelMais é a senóide que eu chamo. Nas horas de baixo aqui também afetava em casa, misturava, não tem como. Eu lembro de atrasar condomínio em Vila Isabel. Lembro sim de atrasar o colégio. Então assim, são coisas que não são tão grandes, para você ver só como era a dificuldade. (...)O que acontecia, eu passei muito sufoco de dinheiro, até chegar ao ponto, que era a minha vontade de falar “não dependo da TelMais”, ou seja, “tenho uma fonte de renda extra TelMais”. Enquanto isso não aconteceu foi muito difícil. ” (Ana)

A interação entre o sistema família como contexto, que influencia os indivíduos

e que, finalmente influenciam o sistema empresa no que tange o desafio do

empreendedorismo é apresentado na figura 6.13.

114

Figura 6-13: Interação entre o sistema família como contexto, os indivíduos e o empreendedorismo

Conforme prevê o modelo de riqueza socioemocional (BERRONE ET AL., 2012),

as decisões no período eram tomadas considerando a preservação da riqueza

socioemocional, pois nota-se que as emoções e sentimentos afetaram a tomada de

decisões, que o desejo de proteger o bem-estar dos membros da família era

fundamental e que havia uma forte ligação entre o sucesso pessoal e o sucesso da

empresa. Assim, ao considerar as dimensões do modelo de riqueza sócio emocional

apresentado por Berrone et al. (2012) nota-se que as dimensões que mais se

destacam é o vínculo emocional e a identificação com a empresa, como demonstra o

quadro 6.6.

Dimensões observadas Pontos observados

Identificação com a empresa Os membros da família têm um forte sentido de

pertencimento ao negócio.

Os membros da família sentem que o sucesso do

negócio da família é o seu próprio sucesso.

Os clientes muitas vezes associam o nome da

família com a empresa

Vínculo emocional Emoções e sentimentos afetam a tomada de

decisões

Proteger o bem-estar dos membros da família é

fundamental

Considerações afetivas são tão importante como

considerações de ordem económica.

Quadro 6-5: Dimensões do modelo de riqueza socioemocional observadas na avaliação da família

como contexto

115

Estes comportamentos relacionados com a preservação da riqueza

socioemocional trouxeram efeitos benéficos não só para a família, como também

para a empresa. Assim, neste período, a família estimulou o crescimento da empresa

já que as decisões tomadas também foram benéficas para a empresa, principalmente

no que diz respeito ao empreendedorismo. Há uma congruência entre a lógica

econômica e a não econômica em todo o período, que pode ser verificada no quadro

6.7.

Comportamento

associado à preservação

da riqueza socioemocional

Benéfico para o

sistema empresa

Desejo de “vencer na vida” frente às discriminações que Ana sofrera

✓ ✓

Desejo de garantir a subsistência ✓ ✓

Desejo de dar conforto financeiro à família ✓ ✓

Desejo de deixar um legado para as gerações futuras

✓ ✓

Quadro 6-6: Congruência entre a lógica não econômica e a lógica econômica

6.3.6.2 Família como pool de recursos

A análise da família como um pool de recursos detectou aspectos relacionados

a capacidades técnicas, gerenciais e empreendedoras dos membros da família, como

também aspectos relacionados a recursos financeiros da família.

Ana apresentava um perfil empreendedor, possuía grande habilidade

comercial e técnica e também um grande gosto pela realização das tarefas. Apesar de

ter algumas capacitações relacionadas à parte gerencial, essa não era a maior

necessidade no momento da empresa. Percebe-se que grande parte das atividades

era realizada por Ana, que era um recurso extremamente valioso para a empresa.

“E eu demoro muito para enxergar as oportunidades, as chances, tem uma coisa, aí parece que alguém fala “faz isso, é bom” aí eu não faço, aí passa dois, três anos que eu me pergunto “porque que eu não fiz”, era aquilo. Já a Ana já tem uma visão, eu falo assim, de enxergar do outro lado do morro, ela percebe as coisas logo “isso é bom”, erra também, mas erra menos. E coragem. ” (Afonso)

Afonso foi considerado um recurso que estava disponível no sistema família,

que pôde ser transferido para a empresa, oferecendo a partir daí serviços

empreendedores, além de capacidades técnicas, que fomentaram expansões

produtivas nesse momento. Afonso apresentava um perfil executor, capaz de

116

desenvolver inúmeras atividades no âmbito técnico, com bastante qualidade e

agilidade, entretanto apresentava poucas habilidades de liderança. Assim, no

princípio suas habilidades e capacitações eram adequadas às necessidades da

empresa. Algumas tentativas de alocar Afonso para cargos de liderança foram

realizadas ao longo da trajetória da empresa e, neste momento, esse recurso se

mostrou inadequado.

“Ah... eu ficava...eu ficava bem de frente assim, em coisas mais grosseira s assim, eu nunca consegui desenvolver para uma coisa mais sofisticada, que exigisse mais inteligência, isso aí eu era meio ruim. Até eu acho que eu tinha umas inteligenciazinhas, mas assim...Ah, eu falo assim, parte de o bra, eu tenho facilidade para ver um projeto, isso eu consigo entender rápido. Eu gostava de tá quebrando, então, tava junto com a turma. (...)eu se tiver que comandar mais de que dez pessoas eu já perco a linha e ainda tem que estar por perto, eu perco o controle né. (...) eu via os outros abrindo empresa e eu achava também que eu ia ganhar dinheiro e eu como empresário, nossa, né, é uma negação. Eu não tenho esse perfil” (Afonso)

“O Afonso trabalhava muito nessa época. Muito, muito! E assim, nisso tudo ele era muito bom. Então ele fazia as redes, as tubulações, e cada vez foi ganhando mais experiência e habilidade. O Afonso é muito habilidoso né. Ele não serve para coordenar as pessoas. Mas com ele próprio trabalhando.... Porque ele é muito habilidoso. E pode ver, tudo o que ele se mete a aprender, ele realmente aprende. E nossa... ele ficava em cima! ” (Ana)

A entrada de Afonso na empresa se deu de forma não planejada e sem muitas

análises. A vinda de Afonso para a empresa, como relatado, foi oportuna, já que suas

habilidades técnicas de construção eram necessárias para a empresa naquele

momento. Entretanto, nota-se um processo bastante desestruturado, espontâneo,

feito sem muitas análises.

“Daí eu não sei se ele foi comigo em alguma obra que eu estava fazendo e ele deve ter visto aquela dificuldade, porque eu falava com o construtor para desobstruir e o cara não tinha interesse nenhum em fazer aquilo. Aí eu ficava sem poder concluir a obra e sem receber. E para ele aquilo era muito simples demais. Acho que ele estava sem serviço lá em Guarapé. E então ele ficava indo e voltando, porque a Matilde estava lá. ” (Ana)

“Então, eu trabalhava de Pedreiro, lá em Guarapé, aí tua mãe começou a fazer umas obras da Caixa e tinha que ter adequação, que era exigid a pela Telerj e Cetel. Quebrar, botar tubo assim, 100 mm, 2 mm, caixa padrão, altura né, acho que era 1.3 m o centro da caixa. Aí entrava o serviço de pedreiro, no quebra-quebra e aí a Ana me chamava e eu vinha para ajudar. E era uma coisa que eu não sabia fazer, eu era pedreiro, mas não era habituado, mas era uma coisa bem simples. Aí eu chegava, ela me explicava. E os meus serviços lá iam ficando para trás e eu vinha para cá, aí voltava, eu ficava 15 dias, 1 mês. E eu pegava e voltava para cá. Isso foi uns seis meses. Aí depois eu peguei e aí eu vim de vez. ” (Afonso)

117

A entrada de Afonso na empresa evidencia um aspecto relacionado a

preservação da união e do bem estar da família, já que a vinda do irmão para a cidade

garantiria uma maior segurança para Ana, que até então realizava as obras sozinha,

além de ser uma oportunidade crescimento profissional para Afonso.

A entrada de Matilde decorreu na vinda de Afonso para o Rio de Janeiro e nesta

situação há uma priorização da preservação dos atributos afetivos da família em

detrimento dos aspectos econômicos. Isso porque há evidências de que ela não tinha

as habilidades necessárias para exercer a sua função de secretária, o que afetava a

eficiência do trabalho. Em contrapartida, empregar Matilde traria conforto e bem-

estar para a família, já que possibilitava a manutenção da união da família na cidade.

“Ah... não sei... acho que era t ipo uma coisa imposta. E era assim... fazer o que? E olha, na época tinha muito problema. Hoje em dia ela é muito melhor que naquela época.. Mas encaramos umas fases muito difíceis. ” (Ana)

“Olha, nessa época quem pagava as contas era a Rosa, porque a Matilde já devia estar tão estressada com a falta de dinheiro, que a gente trocou os cargos e com a Rosa era a tranquilidade. (...)E ela sempre entrava em desespero, porque ela não sabe receber cobrança. Então era eu quem tinha que negociar com fornecedor. Às vezes, antes, eu já sabia disso, e já procurava ligar e eu falava para ela que aquilo era comigo, porque ela não sabia negociar” (Ana)

Em relação a recursos financeiros, no início as condições financeiras da família

eram limitadas e não havia folga de recursos financeiros da família. Ana inclusive

escondia a real situação financeira que ela se encontrava com a criação de sua

empresa.

“ (Você nunca contou nada disso para ninguém da família ?) Não! De jeito nenhum! Não contei, e nem queria pedir nenhum tipo de dinheiro. Mas eu também nem ia lá... E naquele tempo para se comunicar era só por carta. Mas, mesmo assim, não contava nada não. ” (Ana)

Percebe-se que, em determinado momento, principalmente com a entrada de

novos membros na família, como o marido de Ana e o marido de Márcia, a família

ressurge como fonte de recursos financeiros. Detectaram-se situações em que

familiares auxiliaram financeiramente a empresa, de forma pontual, principalmente

para suprir as consequências das variabilidades do fluxo de caixa da empresa.

“O Antônio mesmo, quantas vezes ele não me arrumou dinheiro. Às vezes para pagar folha de pagamento. Ai logo eu recebia e pagava ele. ” (Ana)

“Então quando eu tava no hotel, a única coisa, é que a Ana passava apertos né, na TelMais, às vezes precisava de um dinheiro para isso, para aquilo e precisava

118

arranjar, mas devolvia logo. Entendeu? A Ana nunca, assim, eu adiantava e quando recebia, me devolvia logo. (...) isso parou de acontecer, porque depois ela navegou sozinha, sozinha. ” (Antônio)

“Olha, a Márcia, no dia que chegava para pagar os impostos, que era o maior gosto dela, o Costa chegou a pagar. Do tipo, quando eu sabia, o Costa já tinha pagado. Ela levava a conta para ele e ele pagava. Não digo que aconteceu muitas vezes, mas já aconteceu. ” (Ana)

Com o desenvolvimento da empresa, a família passou a ser um buffer de

recursos financeiros capaz de sustentar as variabilidades de fluxo de caixa da

empresa. Assim, sempre que uma folga financeira era detectada na empresa, Ana

realizava um investimento em imóveis particulares. De modo similar, se uma falta

financeira fosse detectada, havia um retorno de dinheiro da família para a empresa.

Assim, podemos entender que se investia em imóveis com o duplo objetivo de reduzir

os riscos da empresa e dar segurança a família.

“A coisa que era mais difícil era a parte do dinheiro, do capital de giro. Talvez a culpa sendo minha mesma, porque o pouco do dinheiro, naquela ânsia, eu sempre investia em alguma coisa. ” (Ana)

Desta forma, a gestão da folga e da falta financeira na empresa era feita

também considerando os recursos da família. Com o tempo estabeleceu -se uma

situação em que a folga financeira em um sistema supria a falta financeira no outro,

em uma via de mão dupla. As interações entre o sistema família como um pool de

recursos e o sistema empresa podem ser observadas na figura 6.14

Figura 6-14: Interação entre o sistema família como um pool de recursos e o sistema empresa no

primeiro período

119

Assim, os recursos humanos disponíveis no sistema família, como Afonso,

foram trazidos para a empresa. Em contrapartida, a empresa também acomodou

outros recursos humanos que estavam excedentes no sistema família e que não eram

tão adequados às necessidades da empresa.

Em relação aos recursos financeiros, o mesmo procedimento passou a

acontecer, a folga financeira era usada para garantir um bem-estar na família de Ana,

e a família, por sua vez, servia como uma fornecedora de recursos financeiros em

momentos de dificuldades na empresa.

Em relação às decisões que podem ser associadas ao modelo de riqueza

socioemocional, o convite para que Afonso viesse trabalhar na empresa e a decisão

de manter Matilde na função de secretária podem ser associados à dimensão de

vínculo emocional apresentada por Berrone et al. (2012), já que tais iniciativas

tiveram como objetivo proteger o bem-estar dos membros da família e a união da

família. Além disso, percebe-se uma identificação externa com a empresa, pois os

familiares, ao emprestarem recursos financeiros à empresa, mostram que veem a

empresa como uma própria extensão da família e emprestar dinheiro à empresa seria

equivalente à “salvar a família e a Ana” em momentos de dificuldades . Estes pontos

são apresentados no quadro 6.8.

Dimensões observadas Pontos observados

Identificação com a empresa Pessoas externas muitas vezes associam o nome da

família com a empresa

Vínculo emocional Emoções e sentimentos afetam a tomada de

decisões

Proteger o bem-estar dos membros da família é

fundamental

Considerações afetivas são tão importante como

considerações de ordem económica.

Quadro 6-7: Dimensões do modelo de riqueza socioemocional observadas na avaliação da família

como pool de recursos

Em relação à congruência entre a lógica não econômica e a lógica econômica,

nota-se que o único comportamento que não trouxe benefícios explícitos para a

empresa foi a decisão de manter Matilde no cargo de secretária, como mostra o

quadro 6.9.

120

Comportamento

associado à preservação

da riqueza socioemocional

Benéfico para o

sistema empresa

Convite para que Afonso viesse trabalhar na empresa

✓ ✓

Manutenção de Matilde no cargo de secretária

✓ X

Recursos financeiros emprestados por familiares

✓ ✓

Quadro 6-8: Relação entre a lógica não-econômica e a lógica econômica

6.3.7 Mecanismos de renovação e deterioração

Após avaliarmos os diversos aspectos abordados na análise dos desafios,

podemos partir para a análise dos mecanismos de renovação e deterioração que

foram desenvolvidos ao longo deste período e que podem afetar o crescimento

organizacional subsequente.

Percebe-se que, no que tange à renovação da empresa, as expansões feitas

pela empresa no período se trataram de um ciclo virtuoso, onde o crescimento

alimentou as folgas e essas, por sua vez foram aplicadas em novas atividades,

originando movimentos de expansão para novas áreas de atuação.

“E nesse lado, não tinha como não ter uma mão de obra de civil. Porque antes, os arremates eram pequenininhos que o próprio Afonso fazia. Depois, não tinha mais jeito, tinha que contratar mesmo. (..)nessa época, um trabalho ia puxando outro. Então foi quando eu contratei eletricista, eram poucos, mas eram muito bons. ” (Ana)

“Passou a crescer. Passou a ter eletricista, ajudante de eletricista. Passou a ter mais gente na infra. Porque antigamente você passava o cabo na tubulação da rede de telefônica, com 3, 4 pessoas, só que você passou a construir a tubulação de elétrica, passou a construir a tubulação da rede de lógica e passar cabo nelas também, então, normalmente o grupo foi crescendo. Passou a ter gente especifica só para f azer quadro. ” (Joel)

“Então, quando fechava um prédio , já fechava os outros serviços porque tudo isso tinha a ver com a fase final do prédio. Então o cabeamento era para uma coisa e para outra. ” (Ana)

“E começamos a ter contrato de manutenção também. Lembra que a gente instalava os equipamentos? Então tinha equipes de manutenção e reparos. Ou seja, já era bem mais diversificado . ” (Ana)

À vista do alto grau de empreendedorismo na empresa, podemos afirmar que

a empresa promoveu mecanismos de renovação organizacional através da

diversificação dos serviços prestados, que gerou o desenvolvimento de novas

habilidades, principalmente habilidades técnicas.

121

Entretanto, ao navegar no ambiente, a empresa passou a atuar em um

ambiente piedoso e não se preocupou em neutralizar a instalação de mecanismos de

deterioração. Isso porque não foi identificado nenhum empenho em controlar a

produtividade ou criar medidas para reduzir o desperdício das atividades realizadas.

Assim, à medida que a empresa criava valor ela passou a atuar em ambiente

que requeria grande desempenho técnico, que estimulava o desenvolvimento de

habilidades técnicas, as quais estão associadas ao mecanismo de renovação. Se por

um lado esse ambiente requeria grande desempenho técnico, por outro era u m

ambiente de baixa competição, que encobria as ineficiências da empresa. Assim, o

efeito colateral diz respeito a não neutralização da instalação de mecanismos de

deterioração, que se traduziram no baixo empenho em controlar a produtividade e

criar medidas para reduzir o desperdício. Essa dinâmica é apresentada na figura 6.15.

Figura 6-15: Mecanismos de renovação e deterioração detectados na empresa

Ainda em relação à navegação no ambiente, percebe-se que a captura de valor

era baseada em vínculos pessoais, o que era benéfico para a empresa durante um

período limitado. A empresa, por outro lado, se tornava dependente de pessoas

específicas como funcionários da empresa cliente. Um exemplo diz respeito aos

serviços prestados a empresa Exertec. A empresa manteve um bom relacionamento

com uma pessoa de alta influência na empresa Exertec, numa relação que durou

aproximadamente cinco anos, entretanto, a saída desta pessoa da posição de

comando interferiu fortemente nas concorrências seguintes.

As respostas ao desafio de recursos humanos eram de caráter desestruturado

e aleatório, mas não impediram o crescimento da empresa ao longo do período, pois

122

ainda estavam compatíveis ao porte pequeno da empresa. Entretanto, a empresa não

foi abastecida de recursos gerenciais adequadamente.

Além disso, a avaliação das respostas ao desafio da complexidade denuncia a

falta de sistematização de resolução de problemas. Assim, a presença de mecanismos

de deterioração denuncia que a empresa teria dificuldades no crescimento

subsequente.

Já as respostas ao desafio da diversidade foram adequadas à heterogeneidade

de recursos na empresa, e podemos dizer que as forças integradoras superaram as

forças desintegradoras. Na empresa, ainda jovem e pequena, apesar de pequenos

conflitos e tensões, os mesmos advinham de situações corriqueiras e não tinham a

magnitude para desintegrar a organização.

Considerando a interação entre o sistema empresa e sistema família,

percebemos que os objetivos de reduzir os riscos da empresa e dar segurança à

família eram, de modo geral, conciliáveis. Os aspectos relacionados à família que

estimularam o crescimento superaram os aspectos que limitaram o crescimento, já

que a única evidência de que a preservação da riqueza sócio emocional não trouxe

benefícios para a empresa está relacionada com a manutenção de Matilde no cargo

de secretária.

Assim, enquanto o nível de empreendedorismo garantiu a renovação

organizacional e a influência da família estimulou o crescimento, as de mais

respostas aos desafios do crescimento neste período denunciaram a presença

de mecanismos de deterioração capazes de afetar negativamente a

continuação da trajetória de crescimento da empresa.

123

6.4 Processo de crescimento no segundo período

Neste período, percebe-se que os desafios relacionados às questões gerenciais

se tornaram mais evidentes à medida que a organização cresceu. O grau de

empreendedorismo decaiu já que muitos dos serviços empreendedores da empresa

foram direcionados para a solução de questões gerenciais e respostas mais reativas

ao ambiente são percebidas. As respostas tardias a alguns desafios trouxeram

consequências negativas à organização. Já a análise da família como contexto e como

pool de recursos mostra alguns aspectos que restringiram o crescimento sadio no

período.

6.4.1 Empreendedorismo

Ao avaliarmos a trajetória de crescimento neste período, foram observados

que os serviços empreendedores, como versatilidade e ambição, estão presentes na

empresa, são efetivos, mas só são aguçados em período de baixa demanda. Somente

nestas ocasiões buscam-se novas oportunidades para a empresa.

Observaram-se quatro movimentos significativos de redução da demanda em

que novas oportunidades foram buscadas, como mostra a figura 6.16. Na sequência

serão detalhados os serviços empreendedores associados a cada um destes

movimentos, bem como os modos de expansão detectados.

124

Figura 6-16: Movimento da empresa na configuração 2

No movimento 1, em 1999, percebe-se a versatilidade e a ambição que levou

a empresa a executar um grande serviço de implantação de rede de telefonia externa

em uma autopista urbana. Neste momento, foi detectada a oportunidade de

transferir as habilidades técnicas adquiridas durante a execução de obras de rede

interna complexas em edifícios comerciais para as obras de rede externa de grande

porte. Esta expansão foi guiada pelo ambiente externo, pois, como visto, com a

privatização do setor, passou-se a terceirizar serviços de rede externa.

Cabe informar que o serviço empreendedor que trata da habilidade de captar

recursos financeiros continuou não sendo utilizado durante todo o período e,

portanto, não é possível afirmar se essa aptidão era encontrada na empresa. Todas

as expansões deste período foram feitas através de recursos próprios.

Após a assinatura do contrato de rede externa, em 2000, percebe-se uma

redução dos serviços empreendedores na empresa. Conforme comentado, a

operadora estava se instalando na cidade e os anos de 2000 a 2004 foram marcados

pela execução de grandes obras de rede externa e, portanto, o volume de obras

executados era alto para a estrutura pequena da empresa. Os serviços

empreendedores da empresa eram fornecidos exclusivamente pela fundadora e

durante este esse período ela estava envolvida em atividades operacionais e

125

gerenciais das obras, não havendo folga de tempo para pensar sobre questões

relacionadas ao crescimento.

“Eu lembro que os bancos já tinham acabado nessa época. O Banco do Brasil que foi o último, e eu lembro de estar com o Banco do Brasil ainda em 1999, mas ele foi o último. Então depois a gente até teve algum outro contrato com a Caixa Econômica, mas acho que o percentual maior mesmo era a telefônica. Era só telefônica! Até porque era muita rede que se fazia na época. Não tinha um metro de rede . Era a TelMais e a RLP dividindo todas as obras. E eram extensões gigantes. ” (Ana)

“E eu que visitava, eu que ia nas reuniões, tratava de tudo, ia nas reuniões. Isso no início, por exemplo, a linha amarela, a parte de supervisão de obra era minha. E dava bem certo porque eu tinha muito pique na época. ” (Ana)

Os serviços empreendedores só voltam a ser aguçados em 2004, no movimento

2, diante de uma redução de demanda por serviços por parte da VIVO. Neste

momento, a versatilidade e ambição voltam a ficar evidentes na empresa e assim são

empenhados esforços para a obtenção do cadastro na concessionária de gás da

cidade, para prestação de serviços de construção de redes de gás canalizado. Já o

julgamento em relação ao risco era baseado não só no bom senso ou autoconfiança

da gestora, mas também na coleta de informações acerca do que a firma podia

realizar. Foi avaliado que as atividades relacionadas à implantação de redes de gás

eram similares às já executadas pela empresa.

“Olha, foi assim, o José, encarregado de obras falava para mim o tempo todo que trabalhar com a CEG que era bom, porque a CEG que pagava bem e isso e aquilo. Ai, eu lembro que eu tinha vontade de ter oportunidade de entrar. Ele era o primeiro a dizer que quanto essa redinha aqui recebe X, na CEG eles pagavam mais. ” (Ana)

“A gente já trabalhava com dutos PEAD, que são os dutos coloridos. A diferença que no gás se trabalha com paredes de revestimento mais grossas e isso e aquilo. Mas, toda a outra metodologia, de obter licenciamento, construir as canalizações, bem, o mesmo tipo de equipe, o mesmo tipo de equipamentos, quase os mesmos métodos, tudo. Então assim, eram pequenas adaptações , porque no caso de telecomunicações, se usa uma conexão de emenda do duto e para gás não, você tem que soldar, a máquina era a solda duto, que faz uma emenda que nem se percebe, por eletrofusão. ” (Ana)

Em 2009 acontece o movimento 3, no qual a empresa assinou cinco contratos

de peso, após a perda do contrato de gás. Em relação ao contrato com a rodovia 1

fica bem claro que não há uma ambição pelo crescimento propriamente dita, mas sim

uma necessidade de aceitar as oportunidades de crescimento frente às baixas

demandas de serviços.

“Eu lembro de dizer que as obras estavam fracas aqui. Se a TelMais trabalhasse outras operadoras, a gente não precisava ter ido para fora. Isso é a falha da TelMais. Vê que a RLP (concorrente) nunca precisou buscar obras fora . ” (Ana)

126

Em relação ao julgamento em relação ao risco referente ao contrato com a

rodovia 1, cabe lembrar que este serviço empreendedor consiste na capacidade de

leitura do ambiente e na habilidade de lidar com diferentes cenários que irão auxiliar

no processo de escolha de oportunidades, dentro de uma perspectiva de risco e

incerteza. Neste sentido, Ana ao ler o ambiente e crer que não haveria outras

oportunidades de serviços na cidade, aceitou os serviços em outros estados. Assim, a

aceitação acompanha um momento de desesperança, dentro de uma perspectiva de

sobrevivência. Neste momento, notou-se que Ana preferiu “fechar os olhos”

momentaneamente para os riscos inerentes a aceitação destes serviços.

“Todo mundo criticava, dizia que eu era maluca. E todo mundo alertava que a rodovia era uma obra muito difícil de controlar, muito am bulante. E tudo vai mudando de lugar. Então é difícil o controle. E o pessoal falava que se eu não tivesse uma boa estrutura financeira e administrativa, era melhor desistir, porque muitas empreiteiras vão a falência em obras de rodovia . Tem muito roubo, muito descontrole. ” (Ana)

Já o contrato com a rodovia 2 surgiu como uma oportunidade para aproveitar

a mobilização das equipes em local próximo. A própria concessionária, que precisava

de um rápido serviço, convidou a TelMais para realizá-lo e a empresa percebeu que

seria uma forma de ganhar economia de escala e escopo. Nota-se por este convite

que a empresa tinha boa reputação diante dos clientes.

“Olha me chamaram porque eles precisavam de uma obra rápida e eles já sabiam que eu estava mobilizada por lá, na Fernão . E me chamaram porque acharam que eu estava próxima e que tinha estrutura para atender. “ (Ana)

Concomitante a isso a TelMais também iniciou o contrato de Infra. Este

contrato foi indicado por um fiscal da operadora, que também indicou um ges tor

capaz de levar as atividades gerenciais relacionadas ao contrato, o Afrânio. A ambição

é detectada em algum grau, pois houve a aceitação dos serviços, entretanto, a

versatilidade, dimensão relacionada à imaginação e visão, veio de fora da empresa.

Cabe ressaltar que a reputação que a empresa tinha diante do cliente implicou o

convite para a realização dos serviços previstos neste contrato.

“E então, foi o Ronaldo que dá a ideia ele falou “ah, Ana, vai ter uma licitação de civil e tal e isso daqui é bom, tem bastante obras”(...)e ele “eu tenho uma pessoa que é da minha confiança, que eu posso colocar e se você ganhar, ele entra desde a fase de orçamento e se você ganhar ele entrar ele coordena para você esse contrato ” (Ana)

127

Em relação ao contrato da Caixa, este movimento demonstra a ambição de

crescer para outras áreas, mas desta vez o recurso empreendedor foi fornecido pela

irmã de Ana, Márcia. Márcia queria uma oportunidade de gerenciar obras civis e

então toma a iniciativa de buscar concorrências nesta área.

“E ela tava com muita vontade de fugir, porque no fundo ela nunca gostou muito da parte de DP e de contabilidade, ela exerce até por, meio de falta de outra opção, então, ela tinha a maior vontade desenvolver e crescer aqui dentro . Então, ela que começou a correr atrás, lembro dela chegar para mim, porque o Flávio tinha o centro de custo dele lá, e uma pessoa de fora, não é? E o Afrânio também, vem e de certa forma também domina uma área. Então ela via as pessoas tendo as oportunidades nessa área de obras que ela considerava lucrativa, melhor do que de repente ela ficar lá com o salário a vida toda, porque é muito desgastante o DP né? ” (Ana)

Entretanto, o julgamento em relação ao risco se mostrou bastante

inconsistente e os juízos em relação à expectativa se a empresa poderia ao não levar

o contrato foram os mais variados. Enquanto Ana e Afrânio julgaram que a empresa

não poderia realizar o contrato, devido aos inúmeros serviços que já estavam sendo

realizados, Márcia achou que seria uma boa oportunidade. Ao fim, ganhou-se a

concorrência e o contrato foi iniciado. Entretanto, a empresa não conseguiu levar

este contrato até o fim, enfrentando inúmeros problemas.

Em relação ao movimento 4, em que acontece uma redução das atividades

realizadas, o serviço empreendedor que ganha destaque é o julgamento em relação

ao risco, o qual fora moldado e condicionado pela própria empresa (PENROSE, 1959).

Isso porque é perceptível que a vivência do período das obras em rodovias trouxe

segurança à organização no âmbito técnico, traduzida numa certeza de que a empresa

era capaz de encarar atividades mais desafiadoras, mas, por outro lado, sugere -se

que tenha se instalado na empresa um “trauma” gerencial, oriundo dos descontroles

administrativos vividos no momento em que a empresa assumiu cinco contratos em

paralelo. Assim, o julgamento feito pressupunha que a empresa não estava preparada

para continuar a realizar obras de grande porte e há uma redução nas atividades.

“E assim, esse próprio medo de falar assim: “poxa a TelMais não tem estrutura, eu não tenho pessoas de confiança” então você vai pegar outras rodovias mais distantes ainda? Essas ainda eram aqui, próximas, são Paulo e minas. Então como pegar obras em Mato grosso? E tiveram inúmeras obras da VIVO, eles fi zeram o contorno todo, Brasília, atravessaram o Mato grosso inteiro, Amazonas, Pará, fortaleza. Eu cheguei a fazer a inspeção desse trecho. E eram locais ainda muito mais complicados, de estrutura de locais de apoio que pudesse montar alojamento, hotéis, e tudo mais. E, ou seja, toda vez eu dava preços muito altos. Eu nem sei por que eu

128

fui fazer a inspeção desse trecho e chagamos a dar orçamento e tudo mais. Mas sempre assim, dando orçamento meio grande e nunca com total interesse de ganhar porque assim, tinha sido aquela experiência complicada. ” (Ana)

Em relação à ambição, percebe-se uma redução geral no nível deste serviço

indicado pela noção de “suficiência” que foi trazida à tona pela fundadora. Com isso,

a empresa manteve apenas os contratos de infraestrutura e rede externa com a VIVO

na cidade do Rio de Janeiro.

“Olha, a gente participou de novas licitações, mas eu mesma não tinha tanto interesse. Porque eu tinha sofrido tanto naquele período. E meu marido era o primeiro a me pedir, pelo amor de Deus, que não valia aquilo. E assim, esse próprio medo de falar assim: “poxa a TelMais não tem estrutura, eu não tenho pessoas de confiança” então você vai pegar rodovias mais distantes ainda? [O volume de obras] era menor. Mas era suficiente. Então assim, na minha cabeça era muito melhor dedicar ao contrato de infra e ao pouco de rede externa do que enfrentar de novo essa loucura novo. Então, o que acontece, todo aquele aprendizado que tem, ele fica. E não é aproveitado para muitas coisas. ” (Ana)

Um resumo das principais características dos movimentos aqui descritas é

apresentado no quadro 6.10. Nota-se, que em geral as expansões da empresa são

guiadas pelo ambiente, apresentando também características do modo de

crescimento estrutural, já que se trata de expansões relacionadas. Além disso,

observa-se que como os serviços empreendedores só eram aguçados em momentos

de necessidade e isso afetou a forma e a qualidade com que os mesmos foram

providos à empresa, pondo a empresa em situações arriscadas.

Movimento Obra Serviços empreendedores e características

1 Linha amarela e Rede

externa

Versatilidade e ambição altas. Julgamento em relação ao risco adequado (considerou a

experiência anterior acumulada). Movimento impulsionado pela privatização do setor.

2 Ceg

Versatilidade e ambição altas, que só são aguçadas em momento de baixa de serviços. O julgamento

em relação ao risco observou similaridades dos serviços.

3

Rodovia 1 Versatilidade e ambição baixas. Impulsionado pelo

ambiente. Julgamento em relação ao risco feito sob uma perspectiva de sobrevivência.

Rodovia 2 Movimento decorrente de um convite de um

cliente. Indica reputação. Avaliou-se o ganho de economia de escala e escopo.

129

Caixa Versatilidade e ambição providas por Márcia. Os julgamentos em relação ao risco são variados e

inconsistentes.

Infra Movimento que decorre do convite de um cliente. Indica reputação. Julgamento em relação ao risco

feito também pelo cliente.

4 Redução dos serviços Expectativa de que a firma não era capaz de levar

obras de grande porte. Noção de "suficiência" permeia decisões.

Quadro 6-9: Resumo das dimensões do desafio do empreendedorismo associados aos movimentos

de expansão da configuração 2

6.4.2 Navegação no ambiente

A empresa conseguiu se adequar ao ambiente pós-privatização e a pouca

concorrência no início deste período favoreceram a captura de valor. Entretanto,

percebe-se o desenvolvimento gradual de uma grande dependência do ambiente. Se

a princípio a empresa conseguiu manejar os períodos de baixas demanda no setor de

telecomunicações, devido à reputação que desenvolvera diante dos clientes, com o

aumento do dinamismo do setor, a qualidade do monitoramento do ambiente passou

a ser insuficiente. Percebe-se que a concentração do setor trouxe mudanças que

afetaram significativamente a empresa.

Como visto, muitas empreiteiras faliram durante o processo de privatização do

sistema Telebrás. Neste ponto é importante notar que a TelMais já não mais prestava

serviços para as concessionárias públicas e por isso não sofreu as consequências do

crescimento desorganizado destas concessionárias no per íodo pré-privatização. Ao

contrário, a empresa conquistou respaldo diante de outros clientes exigentes no

período anterior, devido as suas competências técnicas, o que auxiliou na adequação

ao novo ambiente privatizado.

“Mas nós já tínhamos nome perante a Telerj e Cetel, principalmente diante de obras mais complicadas. Sempre foi assim, o que era fácil as outras empresas faziam, e o que era mais complicado, era a TelMais que fazia, que era a única que tinha essa diversidade de serviços. A gente tinha muita indicação. ” (Ana)

No início deste período percebe-se a existência de um ambiente com pouca

competição, caracterizado pela presença de poucas empresas capacitadas para

exercer as obras de telecomunicações da natureza demandada. Pode-se classificar

130

este ambiente como sendo piedoso, pois a baixa competição do ambiente auxiliava a

captura de valor para a empresa e estimulava seu crescimento.

“Eu tô tentando lembrar eu acho que não era leilão, era meio diret a as negociações. Eu lembro só de negociar valores, mas não lembro de ameaças de outras empresas , porque acho que não tinha não. E acho que eram as duas empresas que eles confiam aqui no Rio. E na época a parte da engenharia tinha peso pelo lado comercial. ” (Ana)

“Por um bom período toda a aquisição de infraestrutura desses equipamentos era centralizada, a compra do Brasil inteiro, ficou centralizado no Rio, outro setor de compra em São Paulo, outro no Sul, e faziam as concorrências. As concorrências e as avaliações das empresas, enfim, todo o posicionamento de cada empresa, de cada compra, de andamento das obras eram feitas por mesas de compras, os controles eram feitos periodicamente em uma sala, enorme, aonde que começavam a fazer videoconferências com outras regionais , principalmente com a Espanha, então você entrava em contato direto com os compradores ou com o gerentes que cuidavam de todo esse processo, com eles, dentro de uma sala se dis cutia, se conversava e isso faz um bom tempo.”(Ronaldo)

Neste momento, a relação da empresa com a operadora era boa. A operadora

contava com poucos empregados e, as relações desenvolvidas com os mesmos

propiciavam condições para que a confiança e a lealdade entre as empresas se

estabelecesse.

“Desde o momento que eu comecei a conviver com a parte do projeto VIVO, até hoje, como coordenador de contrato, o relacionamento TelMais versus VIVO, no sentido de prefeitura, de agilizar coisas da prefeitura, agilizar coisa s de obra, sempre foi bom. Nunca cheguei com certa dificuldade não. Acho que era nem relação de cliente prestador de serviço não, por isso que eu tô te falando., era relação de parceria. ” (Maurício)

Durante esse período havia grande flexibilidade e poucas burocracias nos

processos de liberação de ordem de serviços. A TelMais, por exemplo, executava

obras emergenciais sem que ordens de serviços formais fossem disparadas

formalmente, com a intenção de atender as necessidades do cliente de forma ágil,

buscando trabalhar sua reputação diante do cliente. Esta relação de parceria se

mostrava vantajosa num setor dinâmico, já que a empresa tinha abertura para

desenvolver processos produtivos adequando-se às necessidades do cliente.

“Fazia-se (obras sem ordem de serviço formais). Fazia-se. Porque foi o que eu te falei, a relação era parceria. Então a gente tinha essa confiança, e nunca tivemos problemas, pelo menos na minha gestão. Quando Ana também tocou, quando Flávio também tocou. Nunca tivemos problemas de fazer alguma obra e não receber pelo justo. ” (Maurício)

Se sob alguns aspectos, a relação é apontada como sendo de parceria, já havia

indícios de uma relação de assimetria, caracterizada pelo poder de negociação da

131

TelMais bastante reduzido diante do cliente. Diante da realidade de alta dependência

em relação à empresa cliente, a TelMais não questionava nenhum dos processos

internos da empresa cliente, e a estratégia de aceitação e adequação às normas eram

seguidas. Isso ocorria, por exemplo, no âmbito financeiro, em que a empresa ficava

totalmente dependente dos processos internos de pagamento da contratante e

reagia a tal pressão aceitando o fato. Entende-se que estratégias de barganha só

podiam ser utilizadas no nível operacional, já que, nesse âmbito, a TelMais tinha

contato com os funcionários que ditavam as regras, principalmente em relação ao

prazo e escopo das obras.

“E olha, a própria telefônica , teve uma época que ficou seis meses sem pagar , nessa época já tinha a nossa sedezinha própria, então, pelo menos aluguel não ficava devendo. ” (Ana)

“Muitas vezes eu já participei de reuniões que me pediram coisas num prazo inaceitável e eu contestei ali na hora e não coloquei a pasta de baixo do braço e vim dar chicotada em todo mundo para que isso aconteces se. Até porque você se queima no mercado se você fizer isso, aceitar coisas que não são possíveis. Então... não digo que seja...é política de empresa né... não digo que tenha situações que você não consiga contornar, agora tem outras que não. ” (Maurício)

Com a redução das demandas do setor de telecomunicações, a empresa sofreu

uma queda de faturamento em 2003, indicando forte dependência com o ambiente.

Como já mencionado, a empresa reagiu a isso buscando um contrato fora do seu setor

tradicional, o que indica bom monitoramento das mudanças no ambiente e

adaptabilidade por parte da empresa.

Considerando que o cadastro na concessionária de gás só foi obtido após um

episódio em que a fundadora conhece um gerente interno desta empresa, notam-se

sinais da importância das relações pessoais e das amizades da fundadora. Neste caso,

percebemos que a reputação da empresa perante seus clientes anteriores pouco

ajudou na captura de valor diante deste novo cliente. Contudo, a estratégia de manter

um bom relacionamento com pessoas influentes foi utilizada e foi efetiva.

“Então, a história da CEG foi que em 2004, entramos com a documentação para cadastro e isso e aquilo. Mas não acontece nada. Porque se você não tiver o empurrão de alguém, não acontece nada. Aí foi quando o Bicalho apareceu aqui no prédio, querendo comprar apartamento e me deu o cartão da CEG, e quando ele me deu o cartão da CEG, estava lá GE-NO, que é gerente norte, e eu nem sabia qual era o cargo dele né. E aí eu falei “Nossa, você trabalha na CEG, eu tô tentando um cadastro lá’, aí ele “ah, sério, é como é que tá? ”, “ah, eu dei entrada e não foi adiante”, aí ele falou “ó, final de mês agora é muito complicado, mas lá para o dia 5, você pode me ligar e agendar que eu resolvo esse problema do cadastro para você”. E foi o que aconteceu. ” (Ana)

132

Contudo, assim como na configuração anterior, os relacionamentos só

garantiam captura de valor por períodos limitados. Assim, mesmo que durante a

execução dos serviços para a concessionária de gás, a empresa tenha conquistado

boa reputação com base na qualidade e agilidade dos serviços prestados, traduzido

nas boas avaliações feitas pela concessionária, a legitimidade da empresa foi

questionada no momento em que um diretor desta empresa foi afastado de seu cargo

e a TelMais não conseguiu participar da licitação seguinte.

“Fizeram alguma ligação nossa com ele quando mandaram ele embora. Porque a nossa avaliação era muito boa. Da área de expansão, a gente foi para a assistência técnica e outros contratos internos lá dentro. Acho que o diretor que demitiu o Nelson, mandou a TelMais rodar. “ (Ana)

O fim do contrato com a Ceg e o período de baixa demanda por obras no setor

de telecomunicações no Rio de janeiro conseguiu ser manejado pela empresa devido

à reputação que desenvolvera diante dos clientes, o que fica claro diante do convite

que a empresa recebeu de um funcionário da VIVO para participar de uma

concorrência para realizar obras em rodovias fora da cidade do Rio de Janeiro em

2009.

Contudo, a situação de dependência em relação ao ambiente fica bastante

evidente neste momento, pois a TelMais se viu a mercê do gerente de contrato pelo

lado da rodovia 1, com autoridade para paralisar as atividades da TelMais. Ana

suspeita de que ele tivesse interesse de que as obras não terminassem já que tinha

um acordo de má fé com a empresa contratada na fiscalização das obras. A TelMais

se viu em condição extremamente subalterna e sua estratégia de navegação foi a de

aceitação. Assim, a empresa tinha que fazer diversas paralisações a mando deste

gerente, as quais prejudicaram o andamento das obras, o que implicou grandes

prejuízos para a TelMais, afetando sua captura de valor.

“O gerente do contrato pelo lado da Rodovia, tinha um conchavo com a empresa que foi contratada para fiscalizar os serviços. Essa empresa foi contrata por um valor mensal fixo, para fiscalizar a TelMais. Então, você acha que eles tinham interesse em acabar a obra? Eles faziam de tudo para atrasar a obra. (...). Ele imputava para a TelMais todos os problemas que aconteciam na Rodovia. Por exemplo, se uma galeria de águas pluviais entupia, ele logo dizia: “ah, foi a TelMais”. Só que a gente nem tinha passado por ali. Aí eles paravam a nossa obra enquanto a gente não consertasse. E até parar, fazer relatórios e provar que não foi a gente, dias se passavam com a equipe parada. Imagina, 20 a 30 homens em uma frente de obras, totalmente parados por dias. (...). Essa obra só conseguiu terminar o dia que o próprio gerente da rodovia 1 teve interesse , parece que no final, sei lá porque ele

133

resolveu que queria acabar a obra... ele teve algum interesse qualquer, eu até acho que tem a ver com a fiscalização mesmo, porque assim que terminou a ob ra, aquelas pessoas que eram da fiscalização passaram a ser contratadas dele, pela Fernão. ” (Ana)

Considerando esta dependência, a estratégia de moldagem tentou ser

utilizada, mas não se mostrou tão efetiva. Foi pedida ajuda a outros gestores

envolvidos no contrato, que também perceberam a malícia do gestor da rodovia 1,

mas tais gestores de contrato também se viram incapazes de ajudar a TelMais.

“Só que a VIVO também não tinha forças, porque ele estava na rodovia deles, na casa deles, então a VIVO sofria junto com a TelMais. Então a gente tentava criar umas estratégias ... ” (Ana)

Esta dependência do ambiente passou a trazer consequências ainda mais

negativas à medida que o setor ficava cada vez mais dinâmico. Isso porque a empresa

apresentou dificuldades em monitorar e se adequar às mudanças cada vez mais

frequentes do ambiente. Um resumo das tendências do setor, das reações da

operadora e dos desdobramentos para a TelMais são mostrados no quadro 6.11 e

detalhados na sequência.

Setor Operadora Terceirizada

Setor de Telecomunicações

Implicações para a

operadora

Medidas tomadas pela operadora

Implicações para a TelMais

Competição acirrada Necessidade de

agilidade

Centralização dos processos; maiores auditorias e menor

flexibilidade regional

Menor reputação diante do cliente

Achatamento do organograma com

supressão de gerentes

intermediários

Dificuldade de recebimento por

serviços executados sem formalização de

pedidos

Pouco poder de barganha diante dos

processos internos da operadora

Inovações tecnológicas

Planejamentos cada vez mais curtos

Pressão sobre prazos de obras

Obras de infraestrutura de

Telecomunicações menos complexas

Necessidade de redução do

custo de implantação de infraestrutura

Pressão por menores preços para aquisição

de infraestrutura Fiscalização em campo reduzida

Pressão para reduzir custo

Pouca exigência em relação à qualidade

Quadro 6-10: Tendências do setor, reações da operadora e desdobramentos para a TelMais

134

A partir de meados de 2012, passou a ficar evidente a perda de flexibilização

regional por parte da operadora. Isso gerou inúmeros problemas para a TelMais,

principalmente no que dizia respeito ao faturamento dos serviços executados. Obras

continuaram a ser solicitadas de maneira informal conforme eram realizadas

anteriormente, mas, após o serviço ser executado, os pagamentos não conseguiam

ser liberados com a mesma facilidade pelos gestores regionais, afetando a captura de

valor por parte da TelMais.

Em 2012 a operadora modificou drasticamente sua estrutura interna. A

empresa cliente com estrutura organizacional mais rígida passou a ter maiores

dificuldades de manter a relação de cooperação como existia anteriormente, e assim

a relação entre as firmas passou a acentuar o caráter de subordinação da TelMais

frente à empresa cliente.

“Porque você não consegue gerar nota de uma forma muito rápida . O excesso de análise da parte financeira, as consultorias, as auditorias.... Então fica muita gente focada. Porque você tem que apresentar resultado para o seu investidor, e isso aí é cada vez mais centralizado, aí sim, essa parte de pagamento é uma coisa que modificou muito nos últimos anos. Porque você tinha uma janela aqui no Rio que aceitava e fazia, que acontecia . Hoje você não tem mais. Tudo centralizado em São Paulo, tudo com auditoria, tudo com uma presença muito grande de fiscalização, de análise de custo, não tem muito mais facilidade não. ” (Edson)

“A engenharia tinha peso , ela falava para a área comercial da empresa quem ela queria, porque trabalhava bem. Hoje em dia a engenharia não apita em nada mais dentro da Telefônica. Eles nem sabem de nada e depois eles são cobrados pelo que as empresas que entram fazem de mal feito, ou pelo que a empresa não conseguiu fazer, sendo que na época eles não puderam opinar de forma alguma. Na época deveria ter uma avaliação técnica mais pesada. Mas eu não sei muito, mas eles deviam eliminar outras empresas na proposta técnica, empresas que eles não conheciam. Ou seja, para ficarem aquelas que eles sabiam que iam conseguir fazer as obras sem dificuldades e que iam conseguir entregar. ” (Ana)

“Hoje, esse tipo de atividade tá tudo centralizado em São Paulo. Hoje você não faz o edital, não faz a avaliação , e fica determinado em São Paulo, por exemplo. Esse é o desenho que se tem hoje. Quanto a LPU, ela precisa ser refeita, p recisa ter um processo de melhoria, mas são situações que não cabe à gente mais discutir, porque, como isso está centralizado, a gente até tem uma opinião, mas isso está centralizado em São Paulo aí não sei bem o processo de compra” (Ronaldo)

Outras mudanças no setor cujos desdobramentos afetam a TelMais é a

constante inovação tecnológica e a redução da complexidade das obras. Com o

tempo, as infraestruturas se tornaram mais simples sob o aspecto técnico-construtivo

e a fiscalização passou a ser mais remota. Como resultado, percebemos uma redução

das exigências em relação à qualidade de execução das obras, em um panorama onde

135

o que é construído hoje, poderá vir a ser descartado em pouco tempo, pois se tornará

obsoleto frente às novas tecnologias. A redução da complexidade das obras e o

acirramento da competição entre as operadoras levam à busca por aquisição de

infraestrutura por preços cada vez menores.

“Você tinha um relacionamento muito mais intenso, porque como as obras eram mais demoradas, como exigia muito do fornecedor, isso não quer dizer que você não exija hoje, mas assim, o controle de obra era bem rigoroso , porque as etapas eram muito mais distribuídas, muito mais demoradas , os custos eram muito mais altos, então exigia bastante da gente e acaba que você tinha mais contato . Uma obra demorava quatro meses, então você passava quatro meses ali em contato com aquele fornecedor. Hoje as coisas são muito mais fáceis, não exige tanto você ir a campo, como existia antes, você fazia uma torre, obrigatoriam ente um engenheiro da VIVO ia liberar e acompanhava a fundação, acompanhava a liberação para o concreto. Hoje para você acompanhar o que? Você vai liberar a execução de um poste? A fundação de um poste? É muito elementar. Você pode estar usando relatório fotográfico, filmagem. ” (Ronaldo)

Ainda mais, percebe-se um desbalanceamento entre o que o cliente valoriza e

as características dos serviços prestados pela TelMais. Isso porque, como a

construção de redes deixou de ser o foco da estratégia das operadoras , a preferência

delas passou a ser por serviços a custos cada vez menores, muitas vezes em

detrimento da qualidade e há evidências de que oferecer qualidade nos serviços é um

ponto valorizado pela TelMais. O cliente, portanto, requer um serviço com qualidade

inferior ao que a TelMais está disposta a realizar, pois para ele, o baixo custo do

serviço e o curto prazo das obras são os únicos quesitos ponderados.

“A VIVO, na verdade só queria ligar cliente, se o cabo pudesse ser jogado na rua, seria até bom para eles, o que fosse mais rápido para eles, porque cada um com o seu interesse e ela quer receber a mensalidade 5 de fevereiro, então ela tá sorrindo agora(...)Tem atendimento novo, apareceu um loteamento novo, atende por fio! Daí você enche a rua de fio e fica aquela teia de aranha e você não põe um cabo, porque você não quer investir e aí? ” (Joel)

“A TelMais, ela em algumas obras, em algumas não: Você pode ir em qualquer obra da TelMais, acho que mesmo sem identificação, você consegue perceber que a obra é da TelMais! E eu posso dizer isso sabe por quê? Porque hoje em dia você tem um quadro de funcionários que atuam diretamente em obra e quase todos são registrados. Agora quando você trabalha com vários empreiteiros, cada empreiteiro tem uma forma diferente de trabalhar. Tá com uniforme, tá com EPI, tá com tudo ali identificando a empresa, mas você vê que tem algo diferente. Então assim, o que eu acho hoje em dia, olhando para outras empresas e olhando para a TelMais, eu posso passar em qualquer obra, de longe, eu vejo que é da TelMais. Isso não sou eu que digo não. Minha ex-mulher uma vez em Ipanema, não tinha ninguém trabalhando na obra, só tinha o tapume lá, ela num momento lá, ela passou lá e me ligou, “ah, vocês tão fazendo obra aqui? ”, e eu pensei comigo, não tinha ninguém ali, “ah, não tem não”, mas tava o tapume lá, plaquinha de identificação, tudo bonitinho. Isso qualquer obra que você for da TelMais tem isso. Agora das outras empresas, são

136

poucas que têm isso. Ou se não, é a forma mesmo de trabalho, você vê ali que o cara tá com um uniforme diferente. Então, pelo menos na empresa que eu trabalho tem essa diferenciação nesta identificação. ” (Maurício)

Além disso, o cultivo de relações com o cliente parece que ganhou ainda mais

relevância ao longo dos anos, e, se antes parecia ser feito adequadamente, deixou de

ser, o que prejudica a captura de valor pela empresa.

“Na VIVO também, mas na VIVO tinha que ser muito mais político para pegar as obras melhores né. Coisa que hoje em dia a gente não sabe fazer muito bem . O que é político, ou ser comercial? É de vez em quando levar o cara para almoçar, né? Fora do ambiente do trabalho para trocar uma ideia diferente, né... se aproximar mais dos gestores. Aqui a gente é meio restrito em relação a isso(...) não deveria, porque tá virando priorização de cargo político e qualidade de trabalho é vencido por isso. Então eu posso fazer o serviço ruim, mas se sou eu o cara que dá uma garrafa de uísque ou de vez em quando... então você é o cara, e a minha empresa vai ser bem-conceituada. A TelMais não é por felicidade divina, a gente ainda tem uns bons profissionais e a gente consegue fazer um trabalho legal, mas se a gente agregasse isso com a parte política, de ter realmente um agressivo de estar ali com os clientes, estar indo nas empresas, estar fazendo um trabalho comercial, nossa. A gente ia desbancar muita empresa, mas muita empresa. Muita mesmo. ” (Maurício)

Notou-se por fim uma desarmonia entre a estratégia da empresa e as

tendências do ambiente a partir de 2014. Percebe-se que as operadoras dão

preferência a empresas de maior porte, que apresentem fluxos de caixa capazes de

suportar longos períodos entre faturamento de serviços e que consigam atender a

operadora em diferentes regiões no país. A TelMais, por sua vez, após diversas

tentativas de se adaptar a essas mudanças, reduziu o seu tamanho.

6.4.3 Provisionamento de recursos humanos

Diversas tentativas de modificar a estrutura centralizada da empresa foram

realizadas neste período, mas nenhuma foi efetiva, pois as estruturas de pessoal eram

montadas apenas para atender as necessidades vigentes dos contratos. Estas

respostas tardias trouxeram consequências graves para a empresa ao longo do

período. O quadro 6.12 apresenta um pequeno resumo de alguns aspectos

relacionados a este desafio associados a cada obra, que serão detalhados na

sequência.

137

Obra Principais aspectos relacionados à gestão de recursos humanos

Rede externa

Não há contratação ou formação de recursos gerenciais no período. Há contratação de mão de obra técnica e há aumento de equipes.

Ceg Gerente é contratado tardiamente. Não há formação de novos recursos gerenciais. Contratação, formação e retenção adequada em relação à mão de obra operacional.

Rodovia 1 Montagem de uma estrutura de pessoal específica para este contrato. São feitas muitas contratações sem tempo de análise.

Rodovia 2 Gestor contratado tardiamente mostra-se inadequado e a fundadora assume responsabilidades do gerente de contrato. Há formação de alguns recursos gerenciais de nível intermediários no período.

Caixa Não se planejou adequadamente a estrutura de pessoal para este contrato.

Infra Contratações feitas de forma antecipada e planejada. Não há indícios de formação adequada de recursos gerenciais no período

Quadro 6-11: Principais aspectos relacionados à gestão de recursos humanos

Esta configuração inicia-se com uma estrutura centralizada, na qual o topo se

encontrava sobrecarregado tanto de atividades gerenciais, como de atividades

operacionais. Conforme analisado, esta estrutura foi sendo estressada até o seu

limite e, por vezes atuou com um limitante ao crescimento. Com a expansão para a o

setor de gás canalizado houve a primeira tentativa de superar esse limite com a

entrada de um gestor externo chamado Flávio. Entretanto, não houve antecipação

das necessidades gerenciais e a eficiência da empresa durante um período chegou a

ser afetada.

“Aí nós nos reencontramos, conversamos , e acabamos que fomos almoçar junto, acho que naquele dia mesmo e a Ana falou que estava muito apertado, com gás, com telecomunicações e ela disse que a parte de telecomunicações estava até meio largada, então nós combinamos de eu ir para lá , para ajudar naquela parte de telecomunicações. ” (Flávio)

Conforme Penrose (1959) afirma, os serviços gerenciais envolvem o

desenvolvimento de relações interpessoais que levam tempo para evoluir até que um

funcionário recém-contratado se torne plenamente produtivo. Essa resposta tardia

ao desafio tentou ser driblada através da contratação de uma pessoa que ao menos

tivesse experiência em gerenciar empresas no ramo de telecomunicações. Contudo,

a contratação foi feita em momento de extrema necessidade, de forma repentina e

não foram feitas tantas análises.

“Eu lembro que eu já tinha fechado o contrato com a CEG e eu não dava conta . Daí eu lembro que eu ofereci para ele vim e dividindo o lucro né, do centro de custo. Foi assim que foi a proposta nossa para ele. (...). Então assim, existia essa confiança. Não conhecia muito, não trabalhava muito no dia a dia, mas eu sempre fui meio maluca. ” (Ana)

138

Mesmo diante de problemas e conflitos, que serão vistos adiante, o gestor

permaneceu na empresa durante quatro anos e entende-se que esta estadia

prolongada esteja relacionada com o fato de que não haviam substitutos preparados

na empresa para exercer o cargo gerencial o qual estava sendo executado por ele.

Assim, neste período não houve formação de novos recursos gerenciais.

Já no nível operacional, as respostas a este desafio foram mais antecipadas.

Em relação à contratação da mão de obra técnica para o contrato com a C EG, um

funcionário antigo da empresa, que antes estava ligado às atividades técnicas do

setor de telecomunicações foi encaminhado para um curso técnico e durante o curso ,

este funcionário procurou dentre seus colegas de turma quais seriam os mais

adequados para trabalhar na TelMais.

“Eu fiz um curso do SENAI, lá na tijuca, e através desse curso eu conheci o Paulo Águes que na época a Ana colocou ele lá para fazer o curso e acabou que a gente ficou na mesma turma. E durante o curso o Paulo escolheu algumas pessoas para fazer entrevista com a Ana e dentre essas pessoas eu acabei ficando. Foi a partir daí que começou, então eu fazia o curso de encanador gasista na época e assim que eu concluí o curso eu já fui para a TelMais e a partir daí eu nunca mais saí. ” (Artur)

A formação da mão de obra técnica recém-contratada pela TelMais era feita

em grande parte pela própria concessionária, que oferecia cursos que deveriam ser

realizados pelos funcionários da empresa. Neste âmbito, há evidências de que a

concessionária promovia medidas que intensificassem a colaboração dentre suas

empresas contratadas. Isso porque, a concessionária distribuía obras de forma que

garantisse que funcionários de empresas contratadas mais experientes ensinassem

em campo os funcionários das empresas novas.

“E a própria CEG dava os cursos de treinamento, para esse pessoal de comercial, então tinham palestras, em grandes auditórios. Eles davam informativos, tudo o que podia se dizer ou não, em relação à proposta ou a CEG. E você só anda com a CEG mediante essa ação comercial. ” (Ana)

“Não é uma concorrência entre si. E muito legal o esquema de lá, porque você não enxerga o seu concorrente como um concorrente, muito pelo contrário, porque um atua numa área, outro na outra, e chega no ano seguinte, eles invertem tudo, eles nunca deixam uma empresa criar asas numa determinada área, por isso fazem essa troca. ” (Ana)

“No início foi bem complicado porque a TelMais não tinha experiência no ramo e a gente começou até aprendendo com quem estava no ramo. No início a gente até começou a trabalhar em paralelo com outras empresas, porque colocaram a gente lá num condomínio na Vila da Penha , e trabalhavam três empresas naquele condomínio e a gente foi aprendendo com aquelas empresas, na época tinha até uma brincadeira com a gente: “desenrola TelMais!”, porque viram que a gente tava meio inseguro no que tava fazendo, mas acabou que a gente pegou muito rápida, porque

139

juntou o que a gente aprendeu lá no curso, com a experiência do pessoal em campo , que a gente acabou desenvolvendo bem. Tanto é que na época, das três empresas que trabalharam a TelMais até se sobressaiu. E a partir daí a gente começou a pegar obra para Campo Grande, trabalhar sozinhos e a qualidade da TelMais começou até a se sobressair. “ (Artur)

Há evidências de renovação de mão de obra, com a entrada de novos técnicos

especializados. Há também criação de setores para realização das tarefas

administrativas, com a contratação de novas pessoas para realização destas

atividades.

Percebe-se uma boa capacidade de retenção do funcionário de nível

operacional devido à preocupação em dar suporte para o funcionário durante a suas

atividades. A realização dos pagamentos em dia, também é algo extremamente

valorizado pelos funcionários, tendo em vista as práticas das empresas concorrentes.

Além disso, percebe-se boa retenção porque com o fim do contrato com a CEG, alguns

funcionários foram remanejados para o contrato de rede externa. Há diversos

funcionários de nível operacional que permanecem durante longos períodos na

empresa.

“Porque às vezes a gente via as outras empresas lá, o pessoal trabalhando, mas não tinha aquele apoio, até pagamento o pessoal não recebia né, nã o tinha aquela data certa, já com a TelMais um diferencial que até hoje todo mundo fala, assim, um ponto muito forte, é em relação a pagamento, porque aqui nunca teve problema . O pessoal aqui pode contar que tem uma data certa para poder estar recebendo. ” (Artur)

“Uma coisa que eu sempre achei legal aqui , a TelMais não manda embora, não descarta o funcionário assim à toa, ela sempre tenta aproveitar aquela mão de obra. Se o funcionário for bom, é claro. Então, na época aconteceu isso. E a maioria se especializou na área, teve que se especializar. Eu por exemplo, acabei fazendo técnico de Telecom. ” (Artur)

Já no período de 2009 a 2012, a empresa cresceu de forma muito acelerada e

entrou em um modo extremo de apagar incêndios no qual as contratações para

atendimento dos novos serviços foram feitas após a necessidade e a seleção de

pessoas foi feita com base em critérios subjetivos, ou mesmo sem muitas avaliações.

Percebe-se que as respostas a este desafio se tornaram mais inadequadas.

Com o início das obras nas rodovias houve uma contratação intensiva de

pessoal tanto no nível de gerencia como a nível operacional. A busca e contratação

de pessoas foram feitas próxima ao período de início do contrato, o que prejudicou o

tempo de análise e a eficiência da empresa. Há evidências de que os gerentes recém-

140

contratados não tiveram tempo suficiente para desenvolver as habilidades

necessárias para exercer seus cargos e que muitas contratações foram inadequadas.

“Você montar equipes, admitir de uma hora para outra e ter que dar trabalho de responsabilidade, e confiar naquelas pessoas, que na verdade não era m confiáveis, então isso era muito difícil” (Ana)

Observou-se que, uma todas as vezes que recursos gerenciais pouco

adequados eram contratados, Ana passava a assumir as atividades de tal gerente,

assumindo responsabilidades operacionais. Nestas situações, a empresa deixava de

ter uma pessoa coordenando o todo.

“Imagina, uma obra com um cronograma apertado que eu sabia que era impossível de cumprir já... daí eu monto meu esquema, coloco um coordenador lá e do nada, eles pedem para tirar! Porque logo no início ele não atendia as mínimas coisas que o pessoal da Rota pedia. Daí, como que eu ia pensar em contratar outro ainda? Sair buscando alguém ainda, com o risco de errar. Daí foi a hora que eu assumi. ” (Ana)

Nestas situações a fundadora ficava envolvida com atividades operacionais,

deixando de tomar decisões importantes, capazes de aumentar o lucro da obra. Além

disso, as atividades administrativas da empresa, as quais antes eram conferidas por

Ana, passaram a ser realizadas de forma inadequada e isso implicou diversos erros,

como pagamentos em duplicatas ou falta de cobranças devidas, que prejudicaram a

empresa.

“E por outro lado, eu tinha dinheiro, só não tinha tempo. Era uma loucura, loucura, loucura, que você não tinha tempo de pensar . (...) E depois você se envolve com a loucura do dia a dia, e você não tem tempo de pensar! E aí, ou seja, a gente pagava absurdo pela locação das máquinas, devia ter na rodovia umas 10 retros e nós tínhamos de nosso só as duas valetadeiras. O próprio caminhão munk, a gente tinha dois, mas alugava todos os demais. E teve caminhão que fazendo a conta entre Rota e Fernão, eles praticamente se pagavam porque os alugueis na época eram mais caros ainda do que hoje. Ou seja, se tivesse tido tempo de analisar, eu teria tido um lucro muito maior com a obra, porque eu teria comprado esses equipamentos e mesmo se depois vendesse pela metade do preço ou muito menos ainda teria um lucro enorme. Mas não! Aquilo foi alugando, alugando, alugando...” (Ana)

“O nosso administrativo era muito fraco, mas muito fraco . Esquema de pagamento...porque tinha coisa que pagava por lá, e outras vinha para o Rio e eu não tinha tempo de olhar para nada daquilo . E assim, muitas coisas foram pagas em duplicatas. Teve um prejuízo absurdo com essas coisas de controle financeiro. Não tinha. Medições de subempreiteira, locação, principalmente essa parte de locação de máquinas, eles mandavam conta para pagar do mesmo perí odo duas vezes. E quando eu fui descobrir isso? Quando eu voltei que fui fazer os fechamentos, aprovar pedidos pendentes aquela coisa toda, aí eu fui descobrindo essas coisas. ” (Ana)

Em relação ao contrato de infra, como comentado, Afrânio havia sido indicado

por um funcionário da VIVO para ser o gestor do contrato. Neste contrato, a

141

contratação da equipe foi feita por Afrânio de forma antecipada. A equipe foi

montada e integrada antes do início das atividades.

“Porque aí ele fez desde o edital, antes tinha um planejamento, então, ganhou, foi por aquilo em prática, aí ele já sabia as pessoas no mercado para chamar. (...)O Gustavo não sabia nada e ele que ensinou o Gustavo, então ele viajava para lá, para acompanhar as primeiras obras e ensinou o Gustavo e mandou o Vicente que já era macaco velho. ” (Ana)

Entretanto, a seleção dos gerentes para serem treinados se mostrou

inadequada. Isso porque, o engenheiro que havia sido treinado e que assumiu o cargo

de gerente de contrato após o falecimento de Afrânio, passou a roubar a empresa.

Mesmo diante disso, sua estadia na empresa foi prolongada devido ao fato de que

não havia outros substitutos preparados para assumir a gerência deste contrato.

“Assim, de imediato, não teve outra pessoa. Afrânio nem o Maurício se envolviam no projeto um do outro e foi quando o Afrânio faleceu e quem era a pessoa ali que estava a par de tudo, era ele . Aí sua mãe achou que seria muito melhor colocar ele, mesmo sabendo que não era a pessoa ideal , porque pelo menos de início, ele conhecendo todas as pessoas da VIVO, já sabendo dos trâmites, e tal. ” (Artur) “Eu tinha que ir pegando um pouquinho aqui e outro ali e convivendo com aquele Gutierrez que eu não podia dispensar de uma hora para outra porque também eu não tinha domínio da parte técnica. Então a parte técnica ele sabia muito e eu tinha medo, apesar de saber que ele era um risco ali dentro e todo mundo me alertando, o próprio pessoal da VIVO. O Ronaldo pedia absurdo para tirar ele, dizia que não confiava. E eu mesma desconfiada, mas eu tinha que estar engolindo ele ali até pegar o pé da situação . “ (Ana)

Já em relação às obras do contrato da Caixa, as tentativas de contratação de

mão de obra gerencial e técnica para esse contrato não obtiveram êxito, até o ponto

em se desistiu de contratar novos funcionários. Há indicativos de falta de

planejamento em relação à estruturação das equipes, além de decisões inadequadas

que comprometeram as atividades do contrato.

“Aí a gente começou a buscar empreiteiras, para poder dar apoio, porque a equipe própria não dava para suprir, porque a demanda por serviço era muito grande e a gente começou a ter muito problema com empreiteiro também, porque mão de obra terceirizada já é outro problema, porque se você não ficar em cima a coisa desanda e não é feita conforme a coisa tem que ser feita” (Artur)

“Eu acabei caindo de paraquedas e não tinha uma pessoa ali, no momento para estar me orientando, então eu tinha que desenvolver aquilo ali, porque dependia de mim e da equipe que estava ali comigo. ” (Artur)

“Era uma equipe grande da Caixa, mas faltava um engenheiro ali que dominasse bem os trabalhos e isso não tinha . Assim, acontecia um problema muito grande e aí ia o Afrânio. Mas o Afrânio odiava aquilo, porque era o que ele falava, “eu não posso acompanhar, aí eu vou lá só para ser cobrado daquilo que eu não sei. ” Teve até uma

142

discussão com o engenheiro da Caixa, com o Afrânio isso. Aconteceu até isso, tamanho era o desgaste. ” (Ana)

Por fim, com o fim das obras nas rodovias, Ana comenta que ela avaliou que

não valeria a pena uma nova tentativa de contratar gestores externos . Com isso, a

estrutura da organização foi reduzida e recentralizada nas mãos da fundadora.

“Talvez até, não sei se era um sofrimento que eu poderia ter evitado, ou se er a melhor ter lutado ou se tem que passar por tudo isso . Tem que passar, tinha. Porque, como que eu ia fazer? Se eu tava, primeiro, o contrato da CEG consumia demais, depois, eu vou para a rodovia. ” (Ana)

Há indicativos de que a intervenção de Ana acontece nas situações mais

corriqueiras. A presença dela é necessária para que não haja perda de eficiência na

realização das atividades operacionais e administrativas da empresa. Os funcionários

parecem ficar perdidos quando ela se afasta, o que parece acontecer com frequência,

já que ela não consegue acompanhar de perto todas as tarefas da empresa.

“Porque quando a Ana está dentro da obra, as coisas fluem melhor, se a gente tiver alguma dificuldade, fala com ela e resolve rápido e com ela dentro da obra acho q ue as coisas sempre evoluem melhor. A presença dela dentro da obra, acho que dá um gás maior. Eu sinto isso pelo menos. Hoje em dia não, acho que... a gente fica no prédio e já teve semana dela não aparecer aqui. Então a gente fica só por telefone, ou WhatsApp...” (Artur)

Pelo exposto, apesar de haver algumas respostas positivas ao longo do

período, como a boa retenção de funcionários no nível operacional e a renovação de

pessoal oriunda das contratações feitas a cada contrato, o saldo da gestão deste

desafio ainda é bastante negativo. Isso porque, o principal ponto a ser observado é

que necessidade de recursos gerenciais permanece mal resolvida na empresa. Nota-

se que não há antecipação das necessidades de recursos humanos gerenciais e nem

tentativas conscientes de formação destes recursos.

6.4.4 Gestão da diversidade

Em relação à gestão da diversidade, percebe-se que as respostas tardias ao

provisionamento de recursos gerenciais implicaram na instalação de diversos

conflitos na empresa. A entrada de Flávio em 2004 ameaçou a integridade da empresa

e gerou intensos conflitos que envolveram o sistema família . No período seguinte,

com o expressivo aumento do volume de obras, percebe-se uma falta de coordenação

das atividades, mas não se identificou uma força desintegradora derradeira. Mais

143

tarde, a redução das atividades na empresa a partir de 2012 contribuiu para redução

da diversidade.

O início do contrato com a Ceg e a entrada de Flávio na TelMais implicou uma

maior diversidade de recursos humanos. A inserção de um gestor externo com um

perfil de liderança completamente distinto de Ana modificou a estrutura da empresa,

gerando inúmeros conflitos e grande resistência por parte dos funcionários e

familiares.

Diferente de Ana, Flávio tinha um perfil autoritário, que não foi aceito pelos

funcionários. Além disso, uma cobrança muito forte sobre a eficiência de mão de obra

e controle de desperdício foi instaurada por ele. Com a mentalidade de evitar o

retrabalho e o desperdício de materiais, Flávio tentou instalar mecanismos de

controle em várias etapas da produção.

“A Ana me pediu para eu analisar, melhorar as coisas na empresa, com a minha visão de fora né, para ver se tinha alguma coisa que eu pudesse modificar e tal, e aí....não deu certo...tipo o cálculo de hora extras que tinham muitas pessoas envolvidas no cálculo de hora extra sem necessidade. Entrei alterando outras coisas mais, tipo almoxarifado, que era uma bagunça, então...fui alterando, arrumei as coisas ” (Flávio)

Esta tarefa era desafiadora, pois nunca havia tido mecanismos de controles

formais na empresa e isso significava alterar hábitos cultivados na organização por

longos anos. Todos os funcionários e membros da família não estavam acostumados

a ter regras e a serem fiscalizados e, por isso, apresentaram grandes resistências.

“Os funcionários também, porque a maneira dele lidar com o funcionário é totalmente diferente da minha. Eu sou mais no bom grado, que as pessoas façam, elogio daqui e de lá, para que as pessoas façam né. E ele era aquele jeito autoritário, de gritar...sabe, de mandar né . E quem olha para ele não sabe que ele era daquele jeito, não é? É de estranhar assim, na obra, todo mundo tava chateado. ” (Ana)

“E ele era de chegar de manhã, chegar cedinho e dar em cima do pessoal. E isso ele era mesmo, ele até exagerava, porque o pessoal não gostava. Igual assim, de ser fiscalizado e isso ele fazia mesmo . Até correto porque lá na TelMais o pessoal é meio, meio à vontade. ” (Afonso)

“E então, como eu antecipei para ela, ela já criou um embaraço enorme, que eu era a reencarnação de Hitler, que eu estava impondo, mas eu não estava impondo nada. Eu simplesmente achei que se fizesse assim, seria melhor...” (Flávio)

“No geral os funcionários, nenhum gosta muito de controle, de se sentir, uma pessoa muito em cima, muito ali, controlando a vida dele, ele tinha muito isso. Muita mania de perseguição, perseguia 24 horas aquele funcionário, então eles ficavam desesperados. ” (Márcia)

Há indicações também de que a autoridade que ele exercia não era compatível

com o seu conhecimento técnico e, com isso, surgiam diversas discussões na empresa.

144

“A pressão que ele fazia com eu trabalhando ali na pista era diferente. Ele não tinha noção do serviço que eu tava fazendo e queria cobrar velocidade. Isso aí que foi alguns pontos que a gente discutiu bastante. ” (Cláudio)

“E como na época eu era de projeto, o Flávio chegava aqui na empresa e dizia assim “olha, a TelMais vai ter que fazer esse projeto em tantos dias”, então humanamente, por eu ser um, era impossível e eu ficava com muita, muita raiva” (Maurício)

O clima na empresa ficou muito abalado. Alguns entrevistados ressaltam um

sentimento muito forte de raiva de alguns funcionários e membros da família, que

planejavam inclusive tomar atitudes inconsequentes.

“Ah, nossa senhora, eu vou até falar aqui, mas eu até cheguei a fazer plano de matar o Flávio. De tanto que ele me irritava . Então eu levei um cano e falei “ah, hoje eu mato o Flávio” Depois, o que aconteceu é que no caminho eu pensei, “Mas nossa, ele que cuida do pai dele, se eu fizer isso com ele eu vou desgraçar a minha vida e a vida dele. E quem vai cuidar do pai dele? ”. Aí me bateu aquele arrependimento e logo passou. ” (Afonso)

“Ele chegava, já dando esporro, falando alto... aí qualquer um. Todo mundo não gostava dele lá. Até todo mundo falava “o Flávio tem raiva de todo mundo aqui” e aí o pessoal dizia “o Flávio tem raiva até dele mesmo, se ele ver a sombra dele, ele pisa em cima, para ver se esmaga ’. ” (Afonso)

“Eu no departamento pessoal, eu tive várias confusões. Gente chorando, gente magoada, gente...querendo jogar ele dentro de uma vala. E fui fazer rescisão de um cara e o cara “olha, eu vou embora, eu só tô indo embora porque senão eu vou abrir uma vala para abrir ele lá dentro”. Mas assim, acho que eram poucos os que gostavam na empresa, na minha visão, a maior parte não gostava. Aliás, estou até procurando alguém que gostasse” (Márcia)

Há evidências de que Flávio possuía pouca sensibilidade para compreender o

perfil e o interesse de cada funcionário, sendo eles familiares ou não, para persuadi-

los de modo a acatarem a mudança. Isso porque qualquer processo de melhoria de

produtividade precisa levar em conta o fator humano na empresa.

Percebe-se que a ordem de poder anterior tentou ser quebrada com a inserção

de outra pessoa com autoridade, e passam a existir muitos conflitos, com a presença

de membros da família contra a mudança. Assim, pouco a pouco membros da família

iam convencendo outros membros da família, envolvidos ou não na empresa, e outros

funcionários, até o ponto de que todos estavam contra a decisão de Ana de manter o

gestor. Há indicações de que Márcia, Afonso, Antônio e Matilde exerceram fortes

pressões para que ele saísse.

“Ah, o Antônio... assim, todo mundo reclamava! Então não sei se o Antônio presenciou alguma coisa que deixou ele mais chateado ou se ele...só lembro que ele não gostava dele de jeito nenhum! De jeito nenhum! E assim, todo mundo dizia que comigo ele era uma coisa e longe de mim era pior ainda. ” (Ana)

145

Conforme Fleck (2009) descreve, a falha no gerenciamento da diversidade

pode ser causadora da desintegração da organização. Entretanto, houve tentativas

de amenizar as forças desintegradoras, de forma a evitar a ocorrência de uma

situação derradeira capaz de prejudicar de forma permanente a organização ou a

família.

“Eu achava que, de repente era uma pessoa de fora, vamos deixar para ver o que acontece, para ver se muda . Eu falava, para quem viesse reclamar que era com ele e que quem não tivesse contente que saia , porque é a pessoa que eu encontrei, é a pessoa que eu confiei e que vai levar o trabalho adiante . Então, assim, continuava a dar liberdade de ação porque se eu não desse também... E aí era uma revolta geral . Mas os da família eu tentava amenizar mais. Mas eu lembro que a Matilde chorava, que a Márcia chorava. ” (Ana)

“Mas de certa forma a empresa ficou bem mais organizada. Tá... mas eram mais esses motivos mesmo, de rotina. (...), Mas só que como a sala dele era do lado da minha né. Então ele ia para o corredor, e gritava...ele tinha uma maneira de humilhar as pessoas e eu falava muito disso, eu falava que eu não queria aquilo. ” (Ana)

Em 2009, frente aos conflitos e a situação insustentável, Flávio pediu demissão

e saiu da empresa. Percebemos que como Mintzberg (1983) aponta, a arena política

marcada por conflitos intensos, deve durar pouco devido ao desgaste de energia em

torno dos conflitos. Com a saída de Flávio, os conflitos cessaram.

“Ele mesmo saiu, ele mesmo saiu fora porque não ia dar certo. E eu também não gostava dele! E ninguém gostava dele da TelMais! Entendeu? Ninguém gostava! Matilde, Afonso, ninguém, a Márcia” (Antônio)

“Olha até hoje a gente não compreendeu os motivo s, eu lembro que eu tava lá em Cabo Frio fazendo uma rede e a Ana ligou e ela disse “olha, hoje você já está livre do Flávio, o Flávio saiu, de vez. ” (Afonso)

No momento seguinte, com o início das obras nas rodovias e com o início do

o contrato de infra, houve um aumento ainda maior na diversidade de recursos

humanos, equipamentos e procedimentos na empresa e percebe-se uma falha na

capacidade de coordenação das atividades. Entretanto, isso não resultou em

pressões desintegradoras porque as atividades do período não apresentavam a

característica de poderem ser realizadas separadamente. Assim, não havia, por

exemplo, setores que desenvolviam atividades distintas com propósitos diferentes,

que poderiam vir a dividir a empresa em partes. Neste período há poucas evidências

de conflitos e sugere-se que isso se deva a desunião já existente entre as atividades,

já que as atividades da empresa aconteciam em diferentes localidades.

146

Como mencionado, este período contou com a presença de Afrânio como um

gestor externo, responsável pelo contrato de infra. Entretanto, esta experiência

aconteceu de forma muito mais harmônica. Isso porque ele não se envolveu em

questões administrativas, principalmente no que dizia respeito à implementação de

mecanismos de controle e sistematização de procedimentos. Sugere-se que este seja

um ponto chave no sentido de haver uma aceitação maior em relação a ele por parte

dos envolvidos na empresa. Além disso, ele apresentava grande sensibilidade para

entender o perfil de cada funcionário e o perfil dos membros da família.

“O Afrânio já era no outro prédio, já não tinha mais essa coisa de administrativo , não se envolvia mais em coisa administrativa, era só obra, ficava mais só obra. Eu convivi com ele, mas mais como um engenheiro. ” (Márcia)

“O Afrânio já era outro estilo de gerencia. Pelo contrário, as pessoas adoravam ele. Ele com aquele jeito de sempre conversar, ensinar, muita política. Ah, se ele visse a Matilde chateada, ele levava na sala dele e perguntava o que aconteceu, seja problema pessoal ou não...conversava muito, e então, era um estilo totalmente diferente. E aí, ou seja, ah tipo, chega uma sexta-feira, ia na pizzaria com todo mundo, ou ali na TelMais mesmo, faz uma coisinha, fosse o bar do Ferreira, então, era muito unido à equipe e amigo né. Então, conseguiu que o trabalho andasse, mas com um estilo totalmente diferente. ” (Ana)

Com a redução das atividades, a diversidade reduziu de um modo geral.

Entretanto, ainda há um desafio considerável para gerenciá-la devido à convivência

de diferentes perfis de pessoas em cargos semelhantes. Pode-se imaginar que isso é

devido principalmente ao compartilhamento de espaço, que não acontecia no

momento anterior, já que a empresa estava atuando em diferentes estados e neste

momento, centraliza suas operações na cidade. Assim, a heterogeneidade de recursos

no que tange a diversidade técnica, status, prestígio ficou mais nítida após a redução

das atividades.

“Acaba que são supervisores de perfis diferentes . O Paulo é um misto e acho que ele consegue manter bem esse equilíbrio. Maurício não adianta que ele não é de campo. Ele até vai um pouco, mas fica mais no controle em si, porque é o que ele gosta. Reportar para o cliente, isso, mas de campo, muito longe. ” (Ana)

A gestão deste desafio parece ser realizada pela fundadora, que apresenta

grande habilidade de perceber as necessidades e anseios de cada funcionário, e

utiliza-se de meios variados como bonificações extras em dinheiro, elogios, forma de

dividir as obras, dentre outras táticas para evitar que o conflito se materialize na

empresa de modo a afetar a produtividade.

147

Em relação aos conflitos entre familiares, ainda que haja um potencial de

conflitos no que diz respeito à autoridade dos supervisores, isso não vem à tona, já

que os mesmos se mantêm nas atividades mais operacionais, relacionadas ao

gerenciamento de obras. Além disso, percebe-se que alguns funcionários mais antigos

aprenderam a lidar com os membros da família e, por conta disso, muitos conflitos

são evitados.

“É esse o ponto que dá certo. O Joel, eu acho que ele protege mais os da família para poder dar certo. Da outra vez que ele trabalhou lá não, porque foi logo problema com o Afonso. Agora, dessa vez, eu acho que ele protege mais sim, aí dá certo né. ” (Ana)

6.4.5 Gestão da Complexidade

Nesta configuração, percebem-se as primeiras tentativas de sistematizar

procedimentos. Isso porque, com o crescimento, houve significativo aumento de

variáveis independentes requerendo respostas mais sistemáticas. Alguns

procedimentos conseguiram ser sistematizados, mas a solução de problemas ainda

acontece de forma não sistêmica. Percebe-se que grande parte dos serviços

gerenciais e empreendedores da organização são realizados pela fundadora e que o

seu aprendizado não é transferido para a empresa. A empresa ainda convive com

grande informalidade nos processos administrativos que afetam a eficiência.

Como comentado, com o início do contrato com a Ceg percebe-se um aumento

da diversidade de recursos humanos, equipamentos, procedimentos dentre outros. O

número de multas de trânsito, por exemplo, começou a subir deixando evidente a

necessidade de maior controle e sistematização para evitar desperdícios. A tentativa

de instaurar sistemas de controle foi levada a cabo por Flávio e algumas de suas

práticas foram sistematizadas e mantidas na empresa. Entretanto, não hou ve

continuação destes esforços que resultassem na criação de novas melhorias.

“O Flávio cuidava de tudo aqui dentro. Ele tentou botar controle interno , tentou fazer várias coisas. Algumas positivas, algumas negativas, ele tentou sim, ele tentou implantar alguma coisa na área administrativa também, bastante. Sistema de km, por exemplo, acho que foi criado por ele. Uma coisa que até melhorou bastante para a gente. Além de ele cuidar das obras, ele ficava muito interno, como se fosse um engenheiro administrativo, essa função nem existe muito, mas era mais ou menos isso. Era uma pessoa que cuidava bastante da parte administrativa. Ele implantou km, essa parte que até então as multas eram sem controle , você não sabia quem tinha feito a multa e acaba que era a empresa que estava pagando as multas e aí

148

como a empresa começou contratando várias pessoas nessa época, CEG mais telecomunicações, estava subindo, tinha 6 multas no mês. ” (Márcia)

Já a gestão da complexidade do empreendedorismo, continuou inexistente,

pois não há uma busca constante e proativa de novas ações empreendedoras. O

empreendedorismo é buscado apenas nos momentos de desconforto em que a

empresa conta com poucas obras, ou em momentos de fim de contrato. As ações são

realizadas após o surgimento da necessidade, não havendo antecipação da

necessidade.

Além disso, as ações empreendedoras permaneceram muito centralizadas em

Ana, como era no período anterior. Há uma dependência de Ana para que a empresa

caminhe. Como as ações empreendedoras eram realizadas sem a antecipação

necessária, o tempo de análise também era prejudicado. Isso também pode ter

impactos na renovação da organização, já que a atuação da empresa em áreas muito

distintas necessitaria de planejamento e aprendizado, os quais não eram feitos.

Assim, as expansões eram realizadas sempre para áreas relativamente similares.

A gestão da complexidade em relação à navegação do ambiente também é

inexistente devido principalmente a grande dificuldade em sistematizar os processos

que dependam do cultivo de relações de cunho particular. Essas atividades são

extremamente dependentes da fundadora, que ao mesmo tempo em que cultiva

relacionamentos com os clientes para garantir captura de valor, também monitora o

ambiente através destas amizades.

A dificuldade de sistematizar os procedimentos pautados em relacionamentos

é bastante clara no caso do relacionamento da empresa com a prefeitura. Uma vez

que a empresa cresceu e Ana passou a não ter disponibilidade de tempo para exercer

tais esforços, houve um esforço em sistematizar tais tarefas, delegando-as para um

funcionário. Entretanto, isso fez com que com que tais atividades deixassem de ser

executadas de forma a trazer mais captura de valor à empresa. Neste caso, a

sistematização da tarefa de obtenção dos licenciamentos de obras fez com que a

TelMais perdesse força junto à prefeitura. Portanto, não foram desenvolvidas formas

efetivas de sistematizar tais procedimentos.

O aprendizado das obras em rodovias em partes foi desenvolvido,

principalmente no que diz respeito à capacidade de resolver problemas técnicos. Por

149

outro lado, como se trataram de duas obras extremamente complexas e pontuais,

com duração de três anos, a não continuidade dos serviços fez com que não se

desenvolvesse o aprendizado relacionado com os erros gerenciais cometidos pela

empresa. Assim, por exemplo, a empresa não conseguiu desenvolver uma forma

eficaz para superar problemas de controle de pagamento de pessoal ou pagamento

de fornecedores, apesar de detectar que tais problemas exist iram e que resultaram

em grandes desperdícios para a empresa. O envolvimento de Ana nas questões

operacionais do dia a dia prejudicou o desenvolvimento de um aprendizado

permanente para a empresa neste período.

“A TelMais não melhorou em nada nesse sentido. Se a gente tivesse continuado com obras do porte como foram aquelas, acho que a gente teria tentado melhorar um pouco mais, com a própria experiência” (Ana)

“Então assim, na minha cabeça era muito melhor d edicar ao contrato de infra e ao de rede externa do que enfrentar de novo essa loucura. Então, o que acontece é que todo aquele aprendizado que tem, ele fica. E não é aproveitado para muitas coisas. ” (Ana)

A gestão da complexidade em relação ao desafio de provisionamento de

recursos humanos também é bastante falha. Como visto, as contratações são feitas

sob demanda e não houve um aprendizado em relação à necessidade de formação de

recursos gerenciais, já que não há evidências de que a formação destes recursos

esteja sendo feita de forma planejada. Apesar de ter havido formação de recursos

gerenciais neste período, o processo parece ter sido feito de forma pouco consciente

e não gerou aprendizado para a empresa.

Em relação ao desafio da diversidade, diante dos conflitos experimentados

pela empresa, a solução foi reduzir a diversidade e não buscar a sistematização das

respostas a este desafio.

Assim, de forma geral, apesar de terem sido iniciadas tentativas de

sistematização de algumas atividades da empresa, não foi identificada sistematização

de resolução de problemas na gestão dos desafios de crescimento, que continuaram

sendo feitas de forma parcial e desestruturada unicamente pela fundadora.

6.4.6 Influências do sistema família

6.4.6.1 Família como contexto

150

Como visto, na fase anterior, o contexto referente à família, em grande parte,

propiciou boas condições para o crescimento da empresa já que influenciou

positivamente as motivações dos membros da família envolvidos no negócio. Neste

período, percebe-se que a família forneceu um contexto mais complexo, que se

desenvolveu de forma a reduzir as motivações dos membros em relação à empresa.

Alguns fatos peculiares, como a doença de um familiar, o temperamento dos

membros da família e a resistência da família à tentativa de profissionalização da

gestão da empresa foram os principais pontos observados.

Logo no início deste período, em 2003, uma doença na família influenciou o

nível de empreendedorismo da empresa por um período de aproximadamente um

ano. Um tio de Ana desenvolvera uma doença terminal e, ela, neste momento se

afastou da empresa para cuidar dele. Neste ano a empresa reduziu drasticamente

suas atividades.

“Eu lembro que no dia que eu recebi a notícia, eu estava numa reunião com o gerente da CEG. Tinha um período que eu fiquei direto com ele, indo para o INCA. Foi entre 2003 e 2004, mas que ele ficou muito mal mesmo foi no último ano dele. Olha, até engraçado a gente ter algum tipo de faturamento nesse período , porque eu me lembro de deixar a TelMais bem com uns 4 funcionários só... a gente não fez nada nesse período. Eu não ia lá, eu não tinha cabeça para nada. “ (Ana)

Já em relação à tentativa de profissionalização da gestão, que se deu com a

entrada de Flávio na empresa, a família serviu como um contexto de alta resistência

à mudança. Isso porque, se houve resistências a mudanças por parte de funcionários,

as resistências foram significativamente maiores pelo lado dos membros da família.

Há evidências de sentimentos muito negativos por parte dos familiares em relação a

Flávio.

“Mas por exemplo, ele criava uma rotina e ele queria que todos atendessem, só que os outros ele tinha mais facilidade de atender, mas os da família não. Eram sempre mais resistivos até porque não aceitavam muito ele né (...). Aí, então, já davam o contra, então isso era a Márcia, a Matilde, o Afonso... E aí ele não importava que fosse da família, se fosse para dar esculacho ele dava do mesmo jeito...entendeu? Então... aquilo lá virou um inferno. ”(Ana)

“Comigo mesmo, quantos empates a gente teve na época, ele vinha me fazer uma pergunta que era algo diferente para mim, eu não conhecia aquilo, “olha, eu acho que é assim” “acho não é resposta! Acho não é resposta, você tem a obrigação de saber isso”, então o clima dele era mais ou menos esse. Então você, “vou perguntar para fulano que fulano sabe isso”. Então é uma pessoa que está tentando puxar o seu tapete 24 horas e você às vezes tá tentando fazer o negócio de boa para esse cara, porque tem que pesquisar primeiro para saber qual a resposta correta você vai dar. ” (Márcia)

151

“Mas como eu antecipei para a Márcia, ela já criou um embaraço enorme, que eu era a reencarnação de Hitler, que eu estava impondo, mas eu não estava impondo nada. Eu simplesmente achei que se fizesse assim, seria melhor e alteramos outras coisas...” (Flávio)

Para Ana, os conflitos dos familiares com o gestor externo evoluiram de um

choque de interesses antagônicos para um dilema, no qual havia dois interesses

irreconciliáveis entre si: o bem-estar da família e a manutenção da autoridade de

Flávio. Ana ficou dividida entre esses dois interesses e, apesar de consciente de que

os conflitos estavam aumentando, ela manteve a autoridade e discricionariedade de

Flávio, deixando que os conflitos se alastrassem até o seu limite, balizando as perdas

e ganhos para a empresa e a família.

“Eu pensava que, às vezes, ele (Flávio) estava correto, a maneira de ele lidar, que ele podia melhorar...como melhorou muito, por exemplo, almoxarifado, que era aquela confusão sem fim, motorista que quebrou carro, que deixou sujo dentro, essas coisas pequenas que levam a um desgaste danado, então ele foi criando procedimentos. O funcionário, que não preencheu o relatório de veículos... e aí, só que aí ele era severo né. Na cobrança e, como fala, na punição. Mas de certa forma a empresa ficou bem mais organizada. ” (Ana)

Durante a estadia do gestor externo na empresa, o sofrimento na família é bem

nítido e as tensões e conflitos levaram Flávio a pedir demissão. Entende-se que, se

por um lado, o gestor contratado possuía habilidades gerenciais ou técnicas capazes

de ser um líder que guiaria a empresa para a fase de direção (GREINER, 1998), o

mesmo não conseguiu adaptar-se as normas dos membros da família.

Desta situação, deriva o fim das tentativas de estabelecer procedimentos mais

formais através da contratação de um gestor externo. Pode-se imaginar que o a

experiência gerou tanto sofrimento a todos os envolvidos, que serviu como um divisor

de águas, na qual após isso, Ana “perdeu as esperanças de organizar a empresa”.

“Eu apoiei muito, porque eu achava que tinha entrado uma pessoa que ia resolver os problemas que a TelMais tinha, porque eu lutava a vida toda, como luto até hoje. Hoje eu até deixei de lado resolver essas rotininhas assim, porque parece que não conserta o pessoal, são vícios assim, então, sabe que acontece e pronto. E ele não, ele entrou com aquela força total, então eu achei que era bom, que ele ia conseguir pôr na linha. Agora se hoje eu faria isso de novo... ah...não sei se faria não . Acho que hoje eu penso de...acho que eu já até perdi as esperanças de organizar. ” (Ana)

Em relação à Márcia, sabe-se que esta ao entrar na empresa almejava um

crescimento pessoal distinto. Há evidências de que, apesar de ter cursado

contabilidade, ela tinha grande interesse em gerenciar obras e desenvolver-se nesta

área. Na sua decisão de entrar em concorrências em obras civis, à base de julgamento

152

utilizada por ela estava relacionada a conseguir algo totalmente novo para a empresa,

de forma que ela pudesse desenvolver aquele trabalho do início ao fim, de maneira a

diferenciar-se do que a empresa executava, em detrimento da avaliação das

competências e recursos que a empresa detinha naquele momento. Apesar de

diversos julgamentos contrários a essa iniciativa, Márcia foi insistente em sua

decisão, mostrando temperamento forte.

“A Márcia tinha terminado a faculdade e tinha feito um curso lá, de custo de obra, e ela estava com muita vontade de fugir...porque no fundo ela nunca gostou muito da parte de departamento pessoal e de contabilidade , ela exerce até por, meio de falta de outra opção, então, ela tinha a maior vontade desenvolver e crescer aqui dentro de outra forma.”(Ana)

“Porque obras de Telecom é mais conhecimento de mercado, conhecer algum comprador ou algo do tipo, não vem para mim por e-mail, eu não descubro aquilo . Por exemplo, as obras da telefônica atual, os concursos são todos na plataforma deles, então tem que ter uma pessoa para ver, atualmente a Rosa, para ver “tem uma licitação aqui”, analisa se é do perfil da TelMais e eu não fico sabendo disso. Então órgão público é que vem para mim. ” (Márcia)

“E eu lembro dela ficar em cima do Afrânio e o Afrânio não saber dizer não para ela, mas ficava muito preocupado e me ligava, e eu estava lá nas Rodovias. E ele “poxa, eu não dou conta, eu sei o que é o contrato de infra da VIVO, eu vou estar atolado e ela quer “e então, eu lembro dele não aprovar muito a ideia e também não dizer não para ela. ” (Ana)

Nesta ocasião, o julgamento de Ana ficou dividido entre dois critérios bastante

distintos, onde o primeiro estava relacionado ao bem da empresa e o segundo estava

relacionado às emoções e sentimentos relacionados à irmã no âmbito pessoal. Ana,

por conhecer a história pessoal da irmã, entende seus anseios e, decidiu não motivar

e nem vetar a decisão de Márcia. Percebe-se aqui que o rumo da empresa foi

influenciado pelas emoções que permeavam a família.

“Eu achava que a gente já estava com muita obra. A gente já estava com as rodovias. Então, assim, eu não apoiava por esse lado. Mas também, por outro lado eu tinha pena dela, porque ela queria uma oportunidade, correndo atrás para ganhar, enquanto outros no fundo estavam tendo oportunidades, então no fundo não fazia muito sentido. Eu lembro que assim, de achar que aquilo não dava certo, mas também não disse que não. Mas dizer que eu motivei, não. Até porque os valores, foram valores baixos. ” (Ana)

Além disso, há evidências de que o aceite final de Ana foi oriundo do desgaste

relacionado aos conflitos recém-superados em relação ao gestor externo no período

anterior. Táticas de barganha, que envolviam emoções e histórias compartilhadas,

foram utilizadas por Márcia para convencer Ana a acatar seus objetivos. Parece haver

também certo ressentimento por parte de Ana em relação a ter colocado um gestor

153

de fora da família e não dar uma oportunidade de cargo de gestão à Márcia. Isso

reforça que o bem-estar da irmã e a manutenção de um clima razoável com Márcia

impulsionaram a aceitação destas novas obras.

“A Márcia dizia “porque não os da família?. Porque eu dava oportunidade para todos de fora e porque não para ela, que era da família... “porque eu não dava oportunidade para ela? ”, o pedido vinha dessa forma. E você vai fazer o que? Entendeu? ” (Ana)

Esse temperamento energético de Márcia modificou-se gradualmente com o

tempo. Isso porque após a tentativa de gerenciar obras, ela passou a conhecer melhor

o seu perfil de trabalho e percebe que atribuições gerenciais não eram compatíveis

com a suas competências e preferências pessoais. Há sinais de que, depois desta

experiência, Márcia passou a apresentar uma maior passividade em relação à sua

carreira e em relação à empresa. Há indícios de que ela passou a buscar outras

realizações pessoais que não envolvessem a empresa.

“Experiências do passado, completas! Já deu o que tinha que dar. Passei. Porque é legal você controlar uma coisa assim... aí está aquela imagem que você falou ali no início, é.…se eu imaginava a TelMais quando eu vim trabalhar dessa forma ou de outra, eu imaginava obra, eu imaginava que eu con seguisse fazer um trabalho em obra, acompanhar obra, acompanhar custo e tudo , eu achava que eu teria um sucesso naquilo. Então foram quatro oportunidades de contrato que eu não tive sucesso nenhum, né? Então, nessa eu tive a imagem completamente diferente. ” (Márcia)

“Ah, mudou, primeiro que antes ela era muito insatisfeita e parecia que ela não era realizada, faltava algo. Então ela chorava muito, aquelas crises, aquela s coisas. Depois ela foi ganhando uma confiança maior, ou talvez até desistiu de lutar, acomodou mais. E depois até, um dos fatores que influenciou demais para ela é que hoje ela vai demais na igreja. E na igreja tem muito aquilo de aceitar né, as coisas que acontecendo, não é assim? Ensinam as pessoas a serem mais passivas. Eu tenho muita pena dela no fundo, porque eu não acho que ela é uma pessoa realizada não. Mas eu enxergo até mais por esse lado, que ela acabou aceitando. Porque antes, faltava para ela, se eu consegui desenvolver e ela me vendo assim ela tinha muita vontade de poder fazer algo maior. ” (Ana)

Ainda em relação às motivações dos membros da família, Afonso, por sua vez,

reduziu de forma geral seus anseios e ambições empreendedoras e percebe-se uma

acentuada diminuição do interesse em realizar atividades anteriormente prazerosas

para ele. Há evidências de que a empresa deixou de ser um ambiente confortável para

ele na medida em que passou a existir supervisores de campo, com diferentes

formações profissionais, status e com certa autoridade diante das equipes de obras.

O relacionamento de Afonso com os supervisores de obra parece ser amistoso

já que ambas as partes cedem um pouco. Da parte de Afonso, parece haver uma

154

tentativa de reprimir os sentimentos desagradáveis em relação à liderança e

autoridade exercida pelos supervisores. Pode-se imaginar também que esta decepção

em menor ou maior grau o influenciou a procurar atividades alternativas, como o

plantio de café em sua cidade natal.

“No comecinho, quando eu vim para cá, como eu era novo, então eu tinha, a minha coragem também era outra, eu tinha, aquela vontade de ter uma coisa . Vamos dizer assim, eu nunca tive uma bicicleta, se eu co mprasse uma bicicleta, aquilo me realizava muito. Hoje eu compro um carro, isso eu estou falando até de mim não da TelMais, hoje que nem esse carro que a gente comprou em 2012, um carro novo, o carro chegou, parece que eu não senti assim, tão realizado, então parece que aquela coisa passou. Então no começo eu tinha aquela vontade, eu ia mesmo trabalhar, virava noite, parece que era muito bom . “ (Afonso)

“Ó, eu me dou bem com todo mundo, eu acho que, para mim está bom tudo, mas aí eu falo, começa mais gente a mandar, aí parece que você quer fazer uma coisa... E eles tão certo, eles são engenheiros, pessoas que conhecem, aí se eles sentem que você faz, eles até obedecem, por eu ser irmão da Ana, às vezes eu falo uma coisa e eles..., mas eu sinto que eu ofendi eles. Aí eu já não me sinto bem. É, assim, às vezes eu imponho uma coisinha, eles me obedecem, mas aí eu vejo que eles não ficaram contentes, aí eu já não gosto. (...). Agora hoje, para mim, na TelMais, parece que tem muita gente mandando , parece que eu não sou mais, não tem mais aquela... parece que não tem mais aquele contentamento , não sei...é isso. ” (Afonso)

“Olha, no começo até que ele (Afonso) sonhou com umas coisas maiores , tanto é que ele abriu empresa, eu motivei bastante ele e tudo. Mas só que assim, esses sonhos assim foram se apagando. Hoje, eu não sei. Acho que hoje ele até espera pouco. Mas ele continuou batalhando com aquele café, b atalhando, imagina.... Eu também não sei para que aquilo, com problema de coluna, trabalhando do jeito que ele trabalha. Para quê? Uma coisa muito sem sentido. ” (Ana)

Já em relação às motivações de Ana, não se percebe uma queda tão brusca de

suas motivações, entretanto, como mencionado, nota-se que a noção de “suficiência”

passou a permear as suas atitudes empreendedoras. Considerando que Ana atingiu

seus objetivos iniciais que eram garantir a sobrevivência e bem-estar de sua família,

após alcançar este objetivo, continuar a depreender tanto esforços foi aos poucos

perdendo o sentido. Desta forma, a ambição de outrora foi reduzida uma vez que

estes objetivos foram conquistados e este ponto coincide com as respostas mais

reativas ao ambiente, conforme visto anteriormente. Também é importante perceber

que, tendo em vista a estrutura centralizada da empresa, o crescimento da empresa

implica necessariamente mais dedicação e esforço de Ana, que neste momento

encontra-se mais cansada devido à idade.

“A decisão que eu tomei de sair da Embratel, depois de tudo que passei, então deixar aquilo tudo, e deixar a minha estabilidade de trabalho para vir fazer um estágio numa empresa... essa decisão eu não consigo entender e eu jamais tomei uma decisão tão

155

significativa na minha vida. Eu era muito aventureira. (...). As próprias decisões que eu fui tomando aos poucos foi mais de diversificar trabalhos e isso e aquilo. Mas era mais umas consequências de mercado. Era mais uma coisa de visualizar algo, mas não eram decisões tão drásticas. Uma decisão mais drástica seria, ah, por exemplo, vou fechar a TelMais nesse estado e abrir em outro. Isso seria mais drástico. Mas nunca tomei não... era mais uma consequência de um crescimento, ou algo de mercado, mas era mais sequencial. Mas essa coisa drástica de largar todo o rumo que você tem, ainda mais para quem passou tanta necessidade, estar com aquilo na mão e jogar tudo para o alto, isso não. ” (Ana)

“Olha, acho que consegui meus objetivos. Até porque essas pessoas não tinham o tempo de trabalho que eu tive de empresa, mas mesmo quando eu tinha meus 10, 15 anos de TelMais, se você for olhar pelo lado financeiro, eu tinha sim conseguido os meus objetivos. ” (Ana)

Somados a isso, percebe-se também uma grande pressão de familiares não

envolvidos na empresa para que Ana passe a trabalhar menos.

“A única coisa que eu acho agora, é que eu achava que a Ana precisava se cuidar. Pensar mais nela. Isso preocupa muito. A Ana precisava.... Porque é só TelMais! E ela precisava pensar nela. A ponto de você ver, ela levou aquele um tombo na obra, tá com o braço que tem que fazer cirurgia, mas não adianta, ela tá lá. Ela precisa se cuidar, mas não adianta, ela não gosta, ela só gosta de trabalhar mesmo. O lazer dela é trabalho, é trabalho. ” (Antônio)

“Olha, a gente participou de novas licitações, mas eu mesma não tinha tanto interesse. Porque eu tinha sofrido tanto naquele período. E o Antônio era o primeiro a me pedir, pelo amor de Deus, que não valia aquilo. ” (Ana)

Neste período a avaliação da família como um contexto evidencia que a

interação entre o sistema família e o sistema empresa se deu de tal maneira que, a

redução das motivações contribuiu para a redução no nível de empreendedorismo da

empresa, como mostra a figura 6.17.

156

Figura 6-17: Interação entre o contexto da família e o sistema empresa

Muitas das decisões tomadas no período podem ser associadas ao modelo de

riqueza socioemocional (BERRONE ET AL., 2012). Notou-se que os intensos conflitos

e a grande resistência à entrada de Flávio em uma posição de liderança derivaram do

vínculo emocional. Há evidências claras da apropriação psicológica da empresa pela

família, de forma que a empresa se tornou o lugar onde as necessidades de

pertencimento, afeto e intimidade são satisfeitas.

“Eu acho que no fundo é o seguinte, eu acho que a TelMais, a família ali, eu acho que todo mundo se sente dono, um pouco. E aí, a entrada de alguém assim estranho, com poderes de tomar decisões, porque é diferente de outro supervisor, de outro engenheiro, é totalmente diferente né. Ele não. Ele entrou ali para resolver então ele se metia em todas as áreas, seja financeiro, seja logística, parte de pessoal, execução de obras, projetos, tudo que era envolvido com a parte deles, e le entrou, não para só executar as obras, não. Então, o que eu acho é que assim, no fundo, todos se sentiam meios donos da TelMais, até por terem participado lá desde fundação, trabalhado muito tempo, cada um com seu jeito, com a sua mania, era complicado, de repente entra uma pessoa de fora, um intruso, mandando. Então, eu acho que era assim que todo mundo se sentiu. ” (Ana)

A tomada de decisões considerando aspectos afetivos também ficou evidente

em situações em que Ana deixou de realizar suas atividades na empresa para se

dedicar aos cuidados de seu tio doente. Aspectos afetivos também foram

considerados em situações em que Ana cumpriu os desejos de Márcia em detrimento

de seu julgamento em relação ao risco. A pressão de familiares para que Ana trabalhe

menos também aparece como um objetivo centrado na família.

157

As dimensões observadas do modelo de Berrone et al. (2012) são apresentadas

no quadro 6.13.

Dimensões observadas Pontos a serem observados

Identificação com a empresa Os membros da família têm um forte sentido de

pertencimento ao negócio.

Vínculo emocional Emoções e sentimentos afetam a tomada de

decisões

Proteger o bem-estar dos membros da família é

fundamental

Considerações afetivas são tão importante como

considerações de ordem económica.

Quadro 6-12: Dimensões do modelo de riqueza socioemocional observadas na avaliação da família

como contexto

Algumas decisões neste período consideraram aspectos econômicos em

detrimento dos afetivos. Esse comportamento pode ser observado na ocasião em que

Ana permitiu e incentivou a estadia de Flávio na empresa mesmo diante das pressões

e reações contrárias dos familiares. Este tipo de comportamento evidencia que nem

sempre as decisões nas empresas familiares buscam a preservação de riqueza

socioemocional.

“ (e as pessoas da sua família?) Ah, falavam que algum dia eu ainda ia enxergar o que ele era. E eu pelo contrário, passou um período assim que eu achava que aquilo lá era bom. Porque assim, a coisa estava assim tão difícil. Eu pensava que, às vezes, ele estava correto, a maneira dele lidar, que ele podia melhorar...” (Ana)

De forma geral, este período é marcado por um maior desalinhamento entre

os objetivos econômicos e os objetivos afetivos da família. Frente a este

desalinhamento, um sistema era beneficiado em detrimento do outro a depender da

situação. As decisões estratégicas associadas à preservação da riqueza

socioemocional não mais conseguiam beneficiar a empresa e a família de forma

simultânea, como mostra o quadro 6.14.

Comportamento

associado à preservação

da riqueza socioemocional

Benéfico para o

sistema empresa

Dedicação de Ana ao tio doente ✓ X

Anseio de Márcia para prestar serviços à Caixa e omissão de Ana na tomada de decisão final

✓ X

Resistência da família ao gestor externo ✓ X

Pressão de familiares para Ana trabalhar menos

✓ X

158

Manutenção de Flávio na empresa por cinco anos

X ✓

Quadro 6-13: Congruência entre a lógica não econômica e a lógica econômica

6.4.6.2 Família como pool de recursos

Neste período percebemos que os serviços mais valiosos de Ana passaram a

ser usados de forma parcial, como os serviços empreendedores, já que ela passou a

realizar tarefas administrativas, que não são seu maior interesse. Além disso, o perfil

de Ana é identificado como sendo de executora e, todos os funcionários e membros

da família entendem que ela prefere estar em campo, na obra, do que gerenciando

pessoas e realizando tarefas no escritório.

“Acho que nenhum dos dois tem perfi l para área administrativa, e a Ana também não. Todo mundo vai mais para o lado que gosta mais, que se qualificou mais, então, eu acho que ela está no caminho correto e que faz as coisas administrativas porque tem que fazer. Ela fica aqui no escritório, vendo alguma coisa porque ela tem que ver aquilo, tem que assinar, tem que olhar. ” (Márcia)

Com o crescimento da empresa, como visto, há mudanças nos desafios

gerenciais. Nos anos iniciais, as habilidades de Ana foram capazes de dar vida ao

negócio, e assim, a habilidade de produzir, vender, inventar dentre outras foram de

extrema importância. Tais habilidades continuam sendo essenciais para a empresa,

mas um fator que passa a ganhar relevância diz respeito às necessidades gerenciais.

Conforme Penrose (1959) afirma, a empresa pode ter um incentivo para a expansão

proporcionado pela figura de empresário energético e ambicioso, dotado de muitas

ideias, porém, se ao mesmo tempo a firma carecer de aptidões administrativas, um

outro obstáculo interno significativo passa a existir. Neste sentido, percebe-se que,

na percepção de alguns entrevistados, Ana apresenta dificuldades em abrir mão do

controle d as atividades na empresa. Isso pode ser visto como um fator limitante ao

crescimento da empresa.

“Contrata uma big pessoa aí, que bote essa empresa toda cheia de controle, tudo certinho, tudo bonitinho, mas eu acho que ela vai se sentir incomodada com aquela pessoa, que não vai fazer 100% igual a ela, do jeitinho que ela gosta. ” (Márcia)

“Apesar de que ela gosta muito mais de obra do que da parte burocrática . Se ela pudesse, ela ficaria em obra dia e noite. Eu já percebi isso, ela gosta de obra. Então, acho que ela prefere às vezes ter alguém na parte interna, na parte burocrática, porque ela quer ficar na obra. Mas por outro lado, ela quer estar vendo tudo internamente e não consegue. Não consegue. ” (Artur)

159

Além disso, outro limitante à perpetuidade da empresa surge das múltiplas

capacidades de Ana. Isso porque a figura de Ana aparece como sendo insubstituível

em diversos relatos.

“Mas assim, ela ausente da obra é uma coisa e ela estando por perto é outra. Acho que a presença dela, não tem como explicar, é sempre uma sensação diferente . O respeito que todo mundo tem na obra pela Dona Ana é muito grande. Eu acho que a diferença está aí. Ela impõe um respeito muito grande assim dentro da equipe, não tem quem não tenha um grau de respeito muito grande pela Ana. Por mais que eu tenha a figura do encarregado, ou do supervisor, ou de um engenheiro, eu acho que não vai ser a mesma da Ana. Eu acho que nada, nada vai mudar isso dentro da empresa. É uma coisa que não tem explicação. Amanhã pode estar você aqui, como a gente já trabalhou um tempo junto, um período pequeno, mas sei lá, é diferente . Eu tenho um respeito muito grande por você, pela Carol, mas com a sua mãe é diferente. É uma coisa natural, que você não consegue explicar. A forma de eu falar contigo não é a mesma que a forma que com a sua mãe, quando eu estou perto da sua mãe, eu já me sinto mais, é.… como se diz...retraído... não, sei. Às vezes eu não consigo falar da forma com que eu deveria estar falando, é uma coisa automática, a presença da pessoa dela parece que muda mesmo. Parece que contigo eu fico mais à vontade. ” (Artur)

Nesta configuração, com a entrada de Márcia, percebe-se novamente a família

sendo utilizada como um pool de recursos produtivos. Márcia após se graduar em

contabilidade, ela entra na empresa. Assim como a entrada dos outros familiares esse

processo parece não ter sido planejado. Entretanto, há um alinhamento entre as

competências de Márcia e o cargo que ela assumiu. Mais tarde, quando Márcia

buscou assumir um cargo gerencial seu perfil se mostrou inadequado. Além disso, ela

julga ser incapaz de suprir as necessidades que a empresa apresenta no momento.

“As coisas que ela faz lá, ela faz direitinho. E era uma coisa que a gente não esperava, isso de contabilidade e deu certo. Eu acho que deu certo. Acho que ela satisfaz o que tem que fazer. ” (Afonso)

“A Márcia me surpreendeu, ela faz a contabilidade dela e tudo mais, mas você vê que a Márcia foi para a TelMais por conta dela, a Ana não chamou. E deu certo, bem, tá fazendo, ela me surpreendeu. ” (Antônio)

“Eu não tenho esse perfil! Já até pensei uma época “poxa podia ajudar mais a empresa fazendo várias coisas”, mas eu não tenho esse perfil, de chegar, por exemplo, na Matilde e dizer “não, não faz isso desse jeito, vamos fazer assim, vamos organizar”, ver o todo ne’? Por exemplo, eu vejo a minha sala ali e não vejo as demais, o que está acontecendo nas outras eu não vejo. Então é a pessoa que sai, bisbilhotando tudo, olhando tudo, já tem que ter o perfil mesmo de gostar. De ir em compras, de ir no outro setor e de tudo ela conhecer um pouco, um pouco bastante, e ter condições de se relacionar com as pessoas, e chamar e criar uma cultura que dê certo ali. Eu não tenho isso! Eu tenho o perfil de sentar e fazer. Eu tenho dificuldade até, de na minha sala mesmo, estar comandando. Eu sou “o seu pacote é esse, faça, faça bem feito” (Márcia)

160

“É muito cômodo ter uma pessoa de confiança, capaz, cuidando das áreas chaves da sua empresa que é o departamento pessoal e a contabilidade. Então, talvez é um comodismo na minha parte também, um egoísmo. Imagina tirar ela daquela função, acho que a gente pode pensar por esse ângulo também. ” (Ana)

Considerando o perfil dos membros da família envolvidos na empresa, verifica -

se na família a falta de uma pessoa que possa fornecer à empresa serviços gerenciais.

A contratação de gestores externos em diversas circunstâncias é resultado direto

desta falta já que a preferência seria por membros da família.

“Que nem, quando tinha a rede externa, meu sonho era não ter que ter colocado um Flávio, mas que meu próprio irmão desse conta. Mas é duro também você ter que reconhecer que o teu irmão, não consegue às vezes nem ser o encarregado da obra porque não tem liderança. Isso é muito difícil. ” (Ana)

Observou-se que há expectativas de que é necessário buscar estes recursos

dentro da família, através da sucessão. E essa é vista com única esperança para a

continuidade da empresa.

“Ah, porque a esperança é a última que morre. Olha, o crescer não é bem crescer... eu queria dar uma continuidade e a esperança, ou o sonho que você tem, acho que isso, apesar de achar muito difícil. Olha, comigo, isso não acontece mais . Mas com minha filha... ah, eu fico muito feliz quando ela diz que vai continuar na TelMais. Daí eu tenho esperança que com ela, que ela consiga realizar o que eu não consegui realizar. ” (Ana)

“Colocar um gestor acho difícil dar certo, porque, apesar da Ana dedicar esse pouco tempo, o pouco tempo que ela vem para cá para fazer as coisas , ela faz do jeito que ela quer. Então se ela colocar outra pessoa e acordar depois que aquela pessoa não fez do jeito que ela queria, que a empresa está mudando um pouco a cultura, ou algo do tipo, ela não vai ficar feliz também. Então imagino assim, se tivesse uma filha no perfil, que gostasse das coisas, ajudaria muito. ” (Márcia)

Assim, avaliação mais marcante deste período é a falta de recursos humanos

na família capazes de suprir as necessidades vigentes da empresa, principalmente no

que se refere a recursos gerenciais. Assim, se no período anterior a família foi capaz

de abastecer a empresa com recursos humanos adequados às necessid ades, neste

período isso não aconteceu, como mostra a figura 6.18.

161

Figura 6-18: Interação entre o sistema família como um pool de recursos e o sistema empresa no

segundo período

Em relação às decisões que podem ser associadas ao modelo de riqueza

socioemocional, a preferência por recursos humanos gerenciais de dentro da família

e a resistência da família ao gestor externo podem ser associadas com as dimensões

de identificação com a empresa e ao controle e influência do modelo de Berrone et

al. (2012). Além disso, identificaram-se evidências de laços sociais, já que

funcionários não familiares são tratados como membros da família e há forte relação

com os mesmos. Estas ponderações são resumidas no quadro 6.15.

Dimensões observadas Pontos observados

Controle e influência da família A empresa é controlada por membros da família e os

cargos gerenciais são ocupados por familiares

Laços sociais Os funcionários não familiares são tratados como

parte da família.

As relações contratuais são principalmente baseadas

na confiança e normas de reciprocidade.

Identificação com a empresa Os membros da família têm um forte sentido de

pertencimento ao negócio.

Vínculo emocional Emoções e sentimentos afetam a tomada de

decisões

Proteger o bem-estar dos membros da família é

fundamental

Considerações afetivas são tão importante como

considerações de ordem económica.

Quadro 6-14: Dimensões do modelo de riqueza socioemocional observadas na avaliação da família

como pool de recursos

162

Em relação à congruência entre a lógica não econômica e a lógica econômica,

nota-se que a preferência por recursos humanos gerenciais de dentro da família afeta

negativamente a empresa, já que a falta de recursos humanos adequados disponíveis

no sistema família implica em falta no sistema empresa. Já a entrada de Márcia, que

assumiu as atividades relacionadas à contabilidade foi benéfica para a empresa. Isso

é mostrado no quadro 6.16.

Comportamento

associado à preservação

da riqueza socioemocional

Benéfico para o

sistema empresa

Preferência por gerentes familiares ✓ X

Entrada de Márcia como responsável pela contabilidade e departamento pessoal

✓ ✓

Quadro 6-15: Relação entre a lógica não-econômica e a lógica econômica no segundo período

6.4.7 Mecanismo de renovação e deterioração

O início desta configuração trata do começo de obras de rede de telefonia

externa e estas trouxeram renovação para a empresa, já que novas habilidades

precisaram ser desenvolvidas. Nota-se algumas evidências da atuação do mecanismo

de crescimento contínuo apresentado por Fleck (2003) já que as atividades

relacionadas à implantação de redes de telefonia interna puderam ser transferidas

para as obras de rede externa de grande porte, e esse processo de expansão trouxe

novas mudanças, como por exemplo, a necessidade de serralheiros e pessoas com

outras especialidades.

“Foi a primeira obra que foi realmente marcante para a gente, porque tinha uma infraestrutura completamente diferente. Por exemplo, a gente nunca tinha posto eletrocalha em túneis, a gente fazia esses leitos, mas sempre dentro de prédios. A própria experiência de pista, de rua, de rodovia, isso a gente não tinha. Construir uma canalização em local de rocha, com envelope suspenso, furar embocadura de túnel.(...)Era tudo coisa nova para a gente. E era uma obra grande e complexa . Até hoje, quando falamos que executamos a rede da linha amarela, não precisa falar mais nada porque ela tinha todo tipo de dificuldade.” (Ana)

“Na hora da execução, precisou de uma infra melhor, precisou de serralheiro para ter solução para poder executar o serviço. Porque não é só “fica pendurado aí na ponte e prende a abraçadeira”, não. Tinha que criar como fazer isso. Então foi a época que passou a ter serralheiro aqui e ter a serralheria mesmo. A gente não ia ter mais isso de contratar ou ir numa serralheria, a gente precisava do cara 100% ali, porque todo dia ia ser uma novidade. Porque apesar da linha amarela ser dentro do Rio, ela é uma autopista né? Então você tem as exigências de trabalho de uma autopista. Então tinha que ter toda a segurança primeiro, que também ia contar com um planejamento melhor e com uma equipe melhor e tinha, para executar, gente capacitada. Não é colocar uma abraçadeira na parede e prender o duto .”(Joel)

163

Além deste movimento, outros movimentos como o início das atividades

relacionados a redes de gás também trouxeram renovação para a empresa.

Novamente observamos as engrenagens do motor do crescimento contínu o

(FLECK,2003) porque a metodologia de trabalho da TelMais era semelhante à

capacitação exigida para prestação de serviços junto à CEG e, portanto, a empresa foi

capaz de diversificar suas atividades para incluir a prestação de serviços de redes de

gás.

Entretanto, apesar de haver algumas evidências da atuação do motor do

crescimento contínuo na empresa, a avaliação da curva de crescimento da empresa

deixa evidente que o crescimento da empresa se deu essencialmente através de

surtos de crescimentos ou planos intermitentes de crescimento, que resultam em

uma curva cujo formato se assemelha mais a uma “escada” do que a um crescimento

linear e contínuo, como se pode observar na figura 6.19.

Figura 6-19: “Efeito escada” observado na curva de crescimento

De modo particular, o formato “em escada” da curva de crescimento da

TelMais se delineou porque os contratos e serviços consumiam as folgas da empresa,

em especial o tempo da fundadora, que ficava bastante sobrecarregada com as

atividades operacionais. Somente em momentos em que havia queda no volume de

serviços da empresa, Ana, realizava atividades empreendedoras, buscando novas

oportunidades. Assim, nota-se que o crescimento só é buscado em momento de baixa

164

demanda por serviços, nos quais a firma se vê “obrigada a crescer”, numa perspectiva

de sobrevivência.

Assim, ao invés de se observar uma progressiva delegação de autoridade e

aumento da estrutura administrativa da empresa capazes de elevar a empresa a uma

situação em que a investigação de novas vias de expansão pudesse ser feita de forma

mais contínua e sistematizada, observa-se uma implacável dependência da empresa

em relação às capacidades empreendedoras de Ana.

Ainda mais, como as expansões eram buscadas em um momento de

necessidade, não eram realizadas muitas avaliações e os movimentos da empresa

acabaram muitas vezes sendo determinado por circunstâncias externas ou baseado

na reputação diante de algum cliente. Isso por sua vez interferiu no grau de inovação

alcançado pelas iniciativas empreendedoras e consequentemente no grau de criação

e captura de valor.

Em outras situações, os surtos de crescimento levaram a organização a tomar

grandes riscos, pois, diante da possibilidade de ficar sem trabalho, serviços arriscados

também são aceitos, como no caso da rodovia 1. Como Fleck (2016) aponta, o desafio

do empreendedorismo pressupõe que iniciativas empreendedoras sejam realizadas,

mas também que sejam avaliados adequadamente os riscos destas iniciativas. Desta

maneira, observa-se que o desafio do empreendedorismo da forma como foi

trabalhado pela empresa apresenta aspectos relacionados ao mecanismo de

deterioração.

Diante desta falta de planejamento e destas atitudes em relação às

oportunidades trazidas à porta da empresa, o caminho traçado pela empresa

culminou em desbalanceamento entre o valor criado e reconhecido pelos clientes e

o valor captado pela empresa. Como visto, na primeira configuração havia uma busca

ativa por atuação em áreas melhores que leva a empresa a diversificar suas atividades

e a realizar atividades cada vez mais complexas criando cada vez mais valor para os

clientes. Essa busca levou a empresa a oferecer serviços que envolviam alta

tecnologia, como fibras óticas. Nesta segunda fase, estes diferenciais foram perdidos

frente à consolidação das tecnologias de telecomunicações e não se buscou novos

diferenciais. Desta maneira, mesmo considerando certo grau de renovação

organizacional trazido pelos movimentos da empresa neste período, percebe -se que

165

a empresa passou a executar serviços comuns, facilmente subst ituíveis sob o ponto

de vista das empresas cliente. Houve, portanto uma redução da taxa de criação de

valor para os clientes ao longo do tempo.

Em relação aos desafios da complexidade, provisionamento de recursos

humanos e gestão da diversidade, percebe-se que o crescimento não foi

acompanhado do desenvolvido de robustez das tarefas administrativas, que

continuaram a ser executadas de forma bastante informal e desestruturada sob uma

estrutura centralizada. Além disso, a expansão geográfica para outros estados

também trouxe maior complexidade e heterogeneidade no ambiente e os

mecanismos de monitoramento, comunicação e controle não se desenvolveram no

mesmo passo. Há indícios de institucionalização do modo de apagar incêndio, no qual

os problemas da organização utilizam o tempo dos gestores que poderia estar sendo

empregado em questões relacionadas ao crescimento ou aprendizado, capazes de

trazer a renovação (FLECK, 2016).

Assim, se por um lado nota-se que o empreendedorismo trouxe alguma

renovação organizacional, por outro, percebe-se uma dificuldade em neutralizar os

mecanismos de deterioração através da gestão dos desafios relacionados às

consequências do crescimento, o pode colocar em risco a sobrevivência da

organização.

Já em relação ao sistema família, diferentemente do período anterior,

percebeu-se que a lógica dos sistemas passou a ser mais inconciliável e diante disso,

ficou mais evidente a priorização da lógica da riqueza socioemocional para tomada

de decisões em detrimento da lógica econômica. Como visto, diversas decisões

estratégicas que afetaram a empresa neste período estão relacionadas com a

preservação do bem-estar da família e dos atributos afetivos em detrimento da

eficiência e ganhos financeiros.

Assim, a falta de conciliação dos elementos dos sistemas e a avaliação dos

mecanismos de renovação e deterioração da empresa sugere a instalação de um

estado não tão saudável. Assim, a organização caminha na expectativa que alguns dos

elementos naturalmente se modifiquem de forma a tornar-se mais harmonizáveis.

166

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando as particularidades das empresas familiares, este estudo

buscou avaliar quais são os desafios do crescimento em empresas familiares .

Para tanto, foi avaliada a trajetória de crescimento de uma empresa familiar

atuante no ramo de prestação de serviços de engenharia de telecomunicações

para compreender como diversos fatores, incluindo os aspectos relacionados

à família, afetaram o desenvolvimento de sua propensão à longevidade

saudável.

Para entender a forma como foram desenvolvidas as capacitações

relacionadas à perpetuação da empresa, buscou -se os padrões de

comportamento da empresa através do estudo longitudinal de sua história.

Partindo da abordagem panorâmica da estratégia proposta por Fleck (2014),

que consiste em congregar múltiplas dimensões associadas ao objeto de

estudo, foram incorporados à anál ise aspectos organizacionais, ambientais e

aspectos relacionados ao sistema família.

Neste estudo, a trajetória de crescimento da empresa foi primeiramente

dividida em dois períodos dist intos de acordo com a curva de crescimento

traçada a partir de dados históricos dos vínculos empregatícios da empresa.

Observando as tendências gerais da curva de cresc imento traçada, os dois

períodos observados foram comparados respectivamente com à fase de

criatividade e à fase de crescimento diret ivo apresentadas por Greiner (1998).

Entretanto, ao anal isar a relações entre os elementos da configuração

presente em cada período, esta comparação se mostrou inadequada para o

segundo período, pois se percebeu que a organização na verdade se

encontrava em uma prolongada crise de l iderança, também prevista pelo

autor. A análise prosseguiu de forma a analisar a dinâmica dos el ementos das

configurações a part ir das respostas aos desafios do crescimento propostos

por Fleck (2009).

Ao analisar a configuração de estratégia, estrutura e ambiente da

empresa no primeiro período observou -se que o contexto da família e do

ambiente, associados à estratégia e estrutura da empresa convergiram de

167

forma a estimular o crescimento da empresa. Nota -se neste período a

presença de harmonia dos elementos nesta configuração.

Em relação aos desafios do crescimento, o desafio que ganhou mais

destaque neste período foi o empreendedorismo, o qual foi adequado e

permitiu o sucesso inicial da empresa. O empreendedorismo estava

relacionado à cr iação de valor e a expansões produtivas, e, por isso, o

crescimento alimentou folgas e essas, por sua vez foram a pl icadas em novas

atividades, originando movimentos de expansão para novas áreas de atuação.

A captura de valor, associada à navegação do ambiente, também foi adequada,

e assim o mecanismo de renovação ficou bastante evidente neste período.

Contudo, a avaliação dos demais desaf ios do crescimento mostrou

prenúncios de problemas no futuro, já que algumas dimensões dos demais

desafios do crescimento não foram adequadamente desenvolvidas. Assim, esta

aval iação revelou alguns sinais da cr ise por l iderança que estava prestes a se

instalar na empresa.

Neste sentido, percebeu-se que, por exemplo, a cr iação de valor estava

centralizada na fundadora e não havia s ido desenvolvida a sistematização para

que as ações empreendedoras, o monitoramento do ambiente e o pro cesso de

tomadas de decisões gerenciais ocorressem sem a sua presença, de forma

rotineira.

Além disso, a falta de formação de recursos gerenciais já apontava as

dif iculdades que iriam se materializar no período seguinte. Assim, a forma

como os desafios do crescimento foi desenvolvida neste período não l imitou

o crescimento vigente, mas não providenciou condições adequadas para a

expansão que se daria no período subsequente.

A expansão seguinte foi oriunda de uma mudança decorrente do

ambiente. Com a privatização do setor de telecomunicações, observou -se um

aumento da tendência das terceirizações somadas à presença de poucas

empresas capazes de prestar serviços para as operadoras privadas,

consol idando-se assim um ambiente de baixa competição que estimulou o

crescimento da empresa. Tais condições impeliram a empresa a crescer mesmo

que diante de sua estrutura restrita e centralizada. A partir deste ponto,

168

passam a haver forças para uma mudança da estrutura da empresa e assim, a

segunda fase trata das diversas tentativas de ajustes da estrutura da empresa.

Todo o segundo período é marcado pela falta de complementaridade dos

elementos da estrutura, estratégia e ambiente e por isso a mesma foi

denominada de pseudo-configuração . Como esta etapa da empresa foi

comparada à crise de l iderança proposta por Greiner (1998), sugere -se que os

períodos de revolução sugeridos pelo autor estejam associados à falta de

harmonia dos elementos de uma configuração.

Neste período se materializam as dif iculdades gerenciais cons equentes

do crescimento. A necessidade de estruturação, criação de procedimentos e

de estabelecimento de uma hierarquia gerencial vieram à tona. Percebe -se

que o crescimento não foi acompanhado do desenvolvimento de robustez das

tarefas administrat ivas, qu e continuaram a ser executadas de forma bastante

informal e desestruturada sob uma estrutura central izada. No que diz respeito

ao provisionamento de recursos humanos, por exemplo, suas dimensões de

antecipação, formação e retenção não foram bem trabalhadas pela empresa e

esta questão permanece mal resolvida em toda a sua trajetória.

O ponto de maior destaque neste período é que o volume de serviços

gerenciais e empreendedores necessários para dar continuidade ao

crescimento da empresa extrapolava a capaci tação da fundadora, indicando a

l imitação da estrutura centralizada da empresa. Com isso, notam -se iniciativas

intermitentes de crescimento. O empreendedorismo e navegação no ambiente

deixam de ser atividades contínuas, já que ambas as atividades estavam

centralizadas na fundadora, que f icava sobrecarregada durante os períodos

em que a empresa estava com muitos serviços e, portanto, sem tempo para

buscar outras oportunidades de crescimento. Assim, a falta de recursos

humanos para atender as necessidades ger enciais na empresa e a dependência

da empresa em relação às capacidades empreendedoras da fundadora

passaram a atuar como um limitante ao crescimento neste período.

A sobrevivência da empresa neste longo período, mesmo diante da presença

de mecanismos de deterioração se explica em grande parte, pelas as investidas

empreendedoras realizadas em momentos específicos pela fundadora, bem como o

169

seu perfil energético e sua versatilidade. Ainda mais, percebe-se que, ao navegar no

ambiente dinâmico, a empresa desenvolveu uma boa reputação diante de seus

clientes, que pode ser considerada uma folga organizacional que garantiu a captura

de valor ao longo do período. Assim, percebe-se também a presença de mecanismos

de renovação na empresa coexistindo com mecanismo de deterioração ao longo deste

segundo período.

Contudo, cabe ponderar que, como grande parte dos mecanismos de

renovação da empresa estão associados às múltiplas habil idades da

fundadora, isso deve ser visto como uma restr ição à perpetuidade da

organização. Isso porque a longevidade da organização está relacionada com

a capacidade da organização de sobreviver aos seus membros, renovando -se.

Como até o f im deste estudo, as f i lhas da fundadora não exerciam papel

signif icativo na empresa, apesar de ambas ter em cursado engenharia, pouco

se pode afirmar em relação à perspectiva de sucessão nesta empresa.

Em relação ao papel da família no desenvolvimento da propensão à longevidade

saudável, neste estudo identificou-se que, devido a existência de dois sistemas

distintos, a família e a empresa, que se influenciam mutuamente, há uma

particularidade no que tange a gestão da folga em empresas familiares. Isso porque,

observou-se que a gestão da folga na empresa familiar em questão era feita de forma

conjunta, de modo que, as folgas e as faltas pertinentes ao sistema família

influenciaram a capacidade de crescimento e de manutenção da integridade

organizacional na empresa.

Assim, sugere-se que, no caso de empresas familiares, há uma interligação

entre o mecanismo central de crescimento do sistema família e do sistema empresa.

Desta forma, com ambos os sistemas interligados, as folgas e as faltas de um sistema

influenciam a capacidade de renovação e integração do outro sistema, afetando as

condições de crescimento e de sucesso de longo prazo em empresas familiares, como

mostra a figura 7.1.

170

Figura 7-1: Interligação entre o mecanismo central de crescimento do sistema família e do sistema

empresa

Neste estudo, observou-se que a folga de recursos humanos na família, ou seja,

familiares que estavam ociosos ou insatisfeitos com suas carreiras, foi absorvida pela

empresa no primeiro período e naquele momento, as habilidades destes familiares

eram compatíveis com as necessidades da empresa, o que estimulou o crescimento

da empresa. Neste sentido, por exemplo, a ambição e o desejo de Ana dar conforto

financeiro à família influenciou o elevado nível de empreendedorismo na empresa no

primeiro período, assim como a vontade de Afonso de “melhorar de vida”, que

garantiu que a empresa fosse suprida por recursos humanos operacionais e

empreendedores adequados.

De forma semelhante, em momentos em que a empresa passava por

dif iculdades f inanceiras ao longo do primeiro período, familiares emprestavam

recursos f inanceiros para estabil iza r o f luxo de caixa da empresa. Assim, as

folgas de recursos f inanceiros e humanos na família foram capazes de

aumentar as perspectivas de sobrevivência da empresa no primeiro período,

como mostra a f igura 7.2.

171

Figura 7-2: Mecanismo de Produção de folgas do sistema família presente no primeiro período

Se no primeiro período, de um modo geral, as folgas no sistema família

foram consumidas pela empresa de forma benéfica, com o passar dos anos,

não se observou a renovação do sistema família, associada ao

desenvolvimento de novas competência por parte dos membros da família ou

ao treinamento de novos membros , e por isso, o sistema família deixou de

injetar renovação no sistema empresa no segundo período. No lugar da folga,

o sistema empresa passa a absorver as faltas do sistema família e, como

consequência, observou-se que recursos humanos que, antes eram adequados,

se tornam um peso para a empresa, afetando a capacidade produtiva da

empresa, como mostra a f igura 7.3.

Figura 7-2: Mecanismo de produção de falta no sistema família presente no segundo período

Uma solução para resolver este problema, poderia ter sido a

desintegração do sistema família e do sistema empresa , o que afetaria

provavelmente a integridade da famíl ia, result ando em conflitos neste

sistema. Contudo, o que se notou neste estudo é que o desempenho

172

econômico da empresa ao longo do segundo período forneceu a empresa folga

f inanceira essencial para a preservação da união de ambos os sistemas, famíl ia

e empresa, mesmo em face das faltas do sist ema famíl ia. Isso porque, entende-

se que as folgas f inanceiras da empresa eram por vezes util izadas para reduzir

potenciais confl itos no sistema famíl ia, como foi o caso do contrato pouco

relacionado com as capacitações da empresa f irmado com a Caixa Econô mica,

o qual foi aceito com a intenção de sat isfazer os anseios de Márcia e evitar

conflitos entre as irmãs.

Desta forma, essas evidências mostram que a empresa familiar

apresenta relações complexas entre ambos os sistemas, que ultrapassam a

ideia de que a empresa seja uma entidade puramente econômica, enquanto a

família seja uma entidade puramente social ou emocional. Isso porque , o

desempenho econômico da empresa exerce papel importante na preservação

da integridade tanto da família, como da empresa, e v ice-versa. Entretanto,

cabe ressaltar que a gestão ineficaz das folgas da empresa pode afetar a

capacidade de desempenho econômico da empresa no longo prazo,

principalmente se forem demasiadamente util izadas p ara manter coalizões da

família.

Portanto, entende-se que para garantir o sucesso de longo -prazo em

empresas familiares, incluindo a integridade de ambos os sistemas, seja

necessário gerenciar de forma eficiente a folga de ambos os s istemas

simultaneamente. Isso signif ica dizer que o gestor a frente d e uma empresa

familiar precisa estar atento às questões relacionadas ao crescimento e

manutenção da integridade da família também. Desta forma, por exemplo, a

preocupação com a formação e educação dos novos membros da famíl ia parece

ser relevante, assim como a gestão eficaz da diversidade de aspirações dos

membros da família, capaz de reduzir os conflitos capazes de desintegrar o

sistema famíl ia.

À vista da complexidade inerente ao modo com que estes dois sistemas

operam em conjunto, sugere-se que a l iteratura de empresas famil iares pode

estar ofuscada pela ênfase nas diferenças entre as empresas familiares e

outros t ipos de organizações, em detrimento de uma visão do todo, no qual

173

assuntos complexos, que abrangem os mais diversos níveis de análise sejam

aval iados e posteriormente integrados.

Ressalta-se ainda que o diagnóstico da empresa feito a partir da anál ise

de sua trajetória de crescimento é capaz de contribuir para a gestão

estratégica da empresa objeto de estudo. Isso porque aval iar o processo de

crescimento e os desafios do crescimento nesta empresa signif icou ir além de

uma fotografia do estado atual da empresa, revelando como foi o seu

desenvolvimento de sua propensão à longevidade saudável até o momento e

o que deve ser fruto do protagonismo de s eus gestores deste momento em

diante.

Por f im, sugere-se que os desafios de crescimento em empresas

familiares estejam associados a um processo contínuo e dinâmico que garanta

que múltiplas condições necessárias sejam atendidas. Nesta l inha, esforços

gerenciais deliberados e ininterruptos no sentido de preservar a integridade e

a renovação do sistema famíl ia e do sistema empresa simultaneamente são

necessários para que seja desenvolvida a propensão à longevidade saudável

em empresas familiares.

7.1 Limitações do estudo

A relação do autor com o objeto de estudo deve ser apontada como uma

limitação do estudo. Isso porque isso é capaz de dificultar a capacidade de

objetivação do pesquisador. Entretanto, é importante informar que se buscou

transpor essa limitação através da participação intensa da figura da orientadora, que

teve acesso a todos os dados coletados neste estudo e buscou eliminar vieses e ideias

pré-concebidas.

Por outro lado, considerando a profundidade e a o nível de detalhes que se

buscou coletar, a relação do autor com o objeto de estudo foi de grande valia neste

estudo. Em lugar disso ser apenas um risco de comprometer a objetividade do estudo,

esse envolvimento foi importante para o aprofundamento da investigação.

Outro limitante diz respeito ao método utilizado, o qual incluiu a construção

da história por meio de fontes orais. Buscou-se amenizar isso através da coleta de

174

diferentes perspectivas. Além disso, em cada entrevista buscou-se compreender a

história de vida de cada entrevistado e o contexto de sua vivência na empresa, assim

foi possível contrapor a relevância das questões atribuídas por cada entrevistado com

a relevância destas questões para o contexto da organização.

A realização de uma avaliação acerca da performance f inanceira da empresa

estava fora do escopo deste trabalho. Além disso, a análise se concentrou na empresa

objeto de estudo e não incluiu qualquer análise comparativa com empresas similares.

Ademais, a unidade de análise deste estudo foi a empresa e por isso, a famíl ia,

como unidade de análise, não foi analisada. Assim, análise de aspectos estritamente

relacionados à família se encontra fora do escopo deste trabalho.

Finalmente, como a empresa analisada neste trabalho ainda não realizou o seu

processo sucessório, aspectos relacionados a este tema ficaram fora do escopo deste

estudo.

7.2 Sugestões para futuras pesquisas

Considerando que muitas das questões relacionadas à longevidade de

empresas familiares estejam relacionadas a temas estritamente referentes ao

sistema família, recomenda-se para futuras pesquisas a anál ise das

perspectivas de longevidade considerando a família como unidade de análise.

A aplicação da metodologia proposta por Fleck (2009) na unidade família teria

como objetivo entender como os desaf ios do crescimento são trabalhados

dentro deste sistema. Neste estudo, os mecanismos de renovação e

deterioração no sistema família deveriam ser amplamente aval iados. O desafio

do provisionamento de recursos humanos, por exemplo, poderia abordar

temas relacionados à formação e cr iação dos f i lhos de forma a prepará -los

para a sucessão. A gestão da diversidade trataria do aumento da diversidade

de recursos, objetivos, perfis e anseios à medida que a família cresce a cada

geração. O desaf io da complexidade estari a relacionado à sistematização de

procedimentos e regras pré-estabelecidas para os membros da família.

Para avançar no sentido de entender sistematicamente as questões que

afetam o grupo inteiro de empresas familiares, sugere -se a realização de um

estudo que compare a organização aqui estudada com outras que tenham

175

características semelhantes. Este estudo pode esclarecer as circunstancias

específ icas de cada empresa familiar e esclarecer os desafios que afetam de

maneira análoga tais empresas.

176

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183

9 ANEXO 1

9.1 Histórico do setor: O setor de telecomunicações antes da privatização

No Brasil, apesar das primeiras linhas telefônicas terem sido implantadas por

volta de 1877, o início da difusão em massa da indústria só aconteceu a partir dos

anos 50. Neste período, a comunicação consistia na conexão manual de dois

assinantes ligados à mesa de operação por um par metálico. A telefonia não era

considerada como setor estratégico da economia nacional e o serviço era ofertado

por empresas que atuavam em nível regional e local, originárias de concessões cuja

distribuição era feita indistintamente pelo governo em todas as esferas do Poder

Executivo, ou seja, pelos municípios, estados e governo federal (UEDA, 1999).

Segundo Soares (2007), as áreas mais rentáveis eram operadas por

concessionárias estrangeiras e as demais exploradas por diversas concessionárias

municipais. Como efeito disso, o setor era fragmentado e a exploração do serviço de

telecomunicações ocorria de forma desordenada, com baixa qualidade e a custos

onerosos.

Num contexto de contínua urbanização e crescimento, a fragmentação do

setor representava um entrave para o desenvolvimento economia e para a

viabilização da integração nacional. Assim, numa tentativa de acabar com o caos em

que se encontravam os serviços de comunicações, foi promulgada a primeira ação

governamental que formalizava uma política pública nacional para o setor com a Lei

4.117, de 27 de agosto de 1962. Esse instrumento legal determina a criação do Código

Brasileiro de Telecomunicações, que estruturou o setor a partir de quatro ações

principais:

Criação do Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL), órgão ligado à

Presidência da República, com atribuições de caráter normativo, de

fiscalização e de planejamento,

Constituição do Sistema Nacional de Telecomunicações (SNT), com vistas a

garantir a homogeneização técnica da rede de telecomunicações nacional;

184

Criação da Empresa Brasileira de Telecomunicações (EMBRATEL), empresa

operadora estatal, que tinha como finalidade implementar o sistema de

comunicações de longa distância

Criação do Fundo Nacional de Telecomunicações (FNT), recolhido através de

sobretaxa nas contas telefônicas, destinado a financiar, sobretudo, as

atividades da Embratel formalizada uma política pública nacional para o setor.

Ainda na década de 60, a atuação estatal ficou claramente explicita na

Constituição promulgada em 24 de janeiro de 1967, em que se estabelecia ser

competência da União explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão,

os serviços de telecomunicações. O Estado foi assim assumindo a respon sabilidade

de implantar a infraestrutura de telecomunicações de forma a atender as demandas

do país, custeada, em parte, pelos próprios usuários através da cobrança do FNT nas

contas telefônicas.

No início dos anos 70, embora o serviço de telefonia de longa di stância

apresentasse nível aceitável de qualidade, a telefonia urbana, mantinha -se bastante

ineficiente. Isso porque ainda existia uma forte desintegração entre as empresas que

exploravam os serviços públicos de telecomunicações em áreas urbanas. Conforme

aponta Neves (2002), em 1972, existiam 927 empresas que exploravam os serviços

públicos de telecomunicações, sendo a maioria de capital privado.

Em vistas a resolver os problemas referentes às operadoras urbanas, o

Ministério das Comunicações propôs uma nova estrutura para o setor. Por meio da

Lei 5.792, de 11 de julho de 1972, criou-se uma sociedade de economia mista,

denominada Telecomunicações Brasileiras SA (Telebrás), vinculada ao Ministério das

Comunicações. A Telebrás foi instituída como a grande prestadora estatal dos

serviços de telecomunicações, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento

econômico e social do país. Conforme Neves (2000) descreve, a Telebrás seria a

grande prestadora estatal dos serviços de telecomunicações, com qualidade,

diversidade e quantidade suficiente de linhas, sendo sua missão contribuir para o

desenvolvimento econômico e social do país.

A Telebrás foi estabelecida a partir da aquisição das antigas empresas

operadoras de serviços de telefonia locais no âmbito estadual, e da Embratel como

185

operadora dos serviços interurbanos e internacionais. A Telebrás efetuou a

incorporação das companhias telefônicas existentes, através da aquisição de seus

patrimônios ou de seus controles acionários (IACHAN, 2006).

Assim, a Telebrás tratou de implementar uma configuração que seria

interrompida apenas com a privatização, em 1998 (NEVES, 2000). A base do sistema

de telecomunicações brasileiro era composta pelas cem empresas de telefonia do

sistema Telebrás. Conforme relata Neto (2008), o governo definiu uma subsidiária da

Telebrás para cada unidade da federação (as “teles”). Essas empresas eram

responsáveis também pela telefonia celular, compondo um conjunto de 28

subsidiárias. Em todo o território, a Embratel era a responsável pelas chamadas de

longa distância. A Telebrás ficou responsável por mais de 95% dos serviços públicos

de telecomunicações do país. O restante ficou reservado a cinco empresas que não

pertenciam ao sistema. Neves (2000) afirma que a implementação do sistema

Telebrás alterou profundamente a organização industrial vigente, fazendo com que o

ano de 1972 se constituísse num marco de mudanças estruturais no setor.

A criação do sistema Telebrás proporcionou ao governo as condições

necessárias à busca pela redução do grau de internacionalização e de dependência

tecnológica do setor de telecomunicações (SOARES, 2005). Considerando a

importância da inovação tecnológica para o setor, em 1976, o CPqD foi criado como

instrumento nacional para reduzir a dependência tecnológica externa ao longo do

período. O Centro foi responsável por diversos projetos que tiveram efeitos

fundamentais para ampliação da capacidade de atendimento das redes das

operadoras, como, por exemplo, a transmissão por fibra óptica, a transmissão a longa

distância por rádio, a tecnologia de comutação temporal e os avanços nas

comunicações por satélite. Em linhas gerais, a década de 70 foi marcada pela

implementação de políticas industriais que objetivavam a expansão da rede em

paralelo com o crescimento da indústria nacional de tele-equipamentos (ALMEIDA,

1994).

O setor contava então com um ritmo acelerado de desenvolvido, que só foi

interrompido nos anos 80, com modificações no cenário político e a piora da situação

econômica social do país. Assim, na década de 80, a situação de crescimento se

186

inverteu com a desaceleração do setor produtivo e a escalada da espiral inflacionária

a níveis nunca antes alcançados.

Os reajustes de tarifa inferiores à inflação, a implantação de subsídios cruzados

nos produtos e as restrições impostas pelo governo federal ao uso do FNT e do lucro

operacional da Telebrás afetaram sua capacidade de investir. Essa estagnação do

crescimento da Telebrás obteve como resultado a escassez de novas linhas, a

degradação da qualidade das comunicações, os planos de expansão onerosos com

prazos dilatados, o congestionamento das rotas de longa distância em horários de

pico, as tarifas mais elevadas e a descapital ização das empresas. O gráfico 9.1 revela

a queda nos indicadores de qualidade dos serviços na medida em que o nível de

investimentos revelou-se insuficiente para suprir as carências da demanda.

Gráfico 9-1: Taxa de qualidade dos serviços telefônicos no Brasil: 1980 -1992

Fonte: Dalmazo (2002)

Como efeito observou-se a formação de uma demanda reprimida, apontando

sinais de esgotamento do modelo monopolista estatal e a necessidade de nova

mudança, principalmente por tratar-se de infraestrutura ligada à competitividade de

todos os setores da economia.

Diante dessa crise de serviços de telecomunicações, o modelo tradicional do

setor começa a ser contestado desde meados dos anos 80. Conforme aponta Soares

(2005), as pressões para a desregulamentação e privatização do setor de

telecomunicações brasileiro originaram-se de uma composição de motivações de

caráter nacional e internacional. De modo geral, as motivações de caráter

internacional referiam-se às pressões tecnológicas (mudanças de paradigmas

187

tecnológicos no setor, como será visto adiante) e às recomendações dos órgãos

internacionais. Já as motivações de caráter nacional referiam-se à dívida pública, ao

déficit público, às pressões dos grandes usuários e ao volume insuficiente de

investimentos destinados à Telebrás.

Na primeira metade da década de 90, o evidente esgotamento do modelo e as

dificuldades de financiar o setor endossaram a necessidade de rever a estrutura

prevista para as telecomunicações. O processo de transformações iniciou -se com a

mudança da Constituição Federal e com a promulgação da Lei Mínima e da Lei Geral

de Telecomunicações (LGT), em 1997, que criava e implementava a Agência Nacional

de Telecomunicações (Anatel), como órgão regulador, além de aprovar o Plano Geral

de Outorgas (PGO), que fixava parâmetros gerais para estabelecimento da

concorrência no setor, estipulando as regras básicas para abertura do mercado e

autorizações futuras para exploração dos serviços.

A criação da Anatel, agência de regulação setorial, prevista na LGT, tinha com

o objetivo de controlar e coordenar as ações e responsabilidades dos operadores de

serviços. Ela foi constituída como uma autarquia especial vinculada ao Ministério das

Comunicações, tornando-se o poder concedente, responsável pela celebração e

gerenciamento dos contratos de concessão (SZAPIRO, 2005). Além disso, tinha a

competência de elaborar normas para assegurar a aplicação das leis, zelar pelo

cumprimento da regulamentação das telecomunicações e expedir atos

administrativos, além de ser responsável pela fiscalização, intervenção e aplicação de

sanções.

Naquele momento, conforme aponta Soares (2007), os objetivos centrais da

reforma do setor eram eliminar o Estado empresário, inserir o modelo competitivo e

maximizar o valor de venda da Telebrás, com a pretensão de gerar receitas para o

Tesouro. Essa preparação da Telebrás para a privatização foi baseada num aumento

significativo dos investimentos do Sistema. Szapiro (2005) aponta que o investimento

da Telebrás em termos de participação do PIB subiu de 0,4% no período de 1990 a

1994 para 0,6% no período de 1995 a 1997, sendo esse crescimento dos investimentos

decorrente dos aumentos tarifários de 1995 e 1997, determinados pelo governo.

Observando de forma panorâmica a evolução dos acontecimentos descrita até

aqui, é possível identificar quatro etapas distintas apontas por Wohlers (2004).

188

1974-1982: época de “ouro” da formação do Sistema Telebrás;

1983-1987: ajuste da década de 1980;

1988-1995: retomada do investimento;

1996-1997: elevação estratégica como preparação para a privatização e

concorrência.

Estas etapas em conjunto com as informações acerca do investimento total

agregado do sistema Telebrás são apresentadas resumidas na figura 9.1.

Figura 9-1: Evolução do sistema Telebrás dividido em quatro etapas segundo o seu investimento total agregado

Fonte: Produzido com base em Wohlers (2004).

9.2 A privatização do setor de telecomunicações

Com o objetivo de reestruturar o setor o Sistema Telebrás foi privatizado em

29 de julho de 1998. A estatal foi desmembrada em três grandes holdings de

concessionárias de serviços locais de telefonia fixa para atender a distintas regiões

geográficas definidas pelo PGO. Assim, após a aquisição das concessões pelos grupos

empresariais, o território nacional ficou dividido em três grandes regiões:

Tele-Norte/Nordeste/Leste, com área de atuação na Região I, que corresponde

aos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, à região Nordeste

e aos Estados do Pará, Amapá, Amazonas e Roraima;

189

Tele Centro-Sul, com área de atuação na Região II, que corresponde ao Distrito

Federal, à região Sul, e aos Estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás,

Tocantins, Rondônia e Acre;

Telesp, com área de atuação na Região III, que corresponde ao Estado de São

Paulo.

Para garantir a competição imediata, foi prevista a exploração em regime de

duopólio para a telefonia local. Assim, haveria necessidade da atuação de novas

empresas autorizadas, denominadas “empresas espelho”, ou entrantes, que

começariam a competir com as que faziam parte do sistema Telebrás. Assim,

passamos a ter a Vésper como a empresa espelho da Região I e a GVT da Região II,

enquanto a Vésper SP atua na Região III. Cabe ressaltar que, nesta reestruturação

ficou mantida a Embratel em sua configuração tradicional. Essa configu ração do

território nacional é apresentada no quadro 9.1

Região Concessionária Autorizatária (espelho)

I Tele Norte-Leste (Telemar) Vésper

II Tele Centro Sul (Brasil Telecom) GVT

III Telesp (Telefônica) Vésper SP

IV Embratel Intelig

Quadro 9-1: Configuração do território Nacional após a privatização em 1998

Conforme ressalta Amorim (2006), dentro desse modelo, as três hold ings

regionais, ou as incumbents, estariam restritas à prestação de serviços locais e de

longa-distância dentro de suas regiões, explorando as redes já existentes das

concessionárias estaduais que operavam na respectiva região.

No processo de reestruturação da telefonia móvel, o território nacional foi

dividido em dez áreas e em cada uma delas, o serviço poderia ser ofertado em duas

faixas de frequência (bandas A e B). Em 1997, foram concedidas as primeiras

autorizações para a banda B. No ano seguinte, as operadoras do Sistema Telebrás

foram agrupadas por área, formando as operadoras da banda A, e privat izadas

separadamente, conforme aponta o quadro 9.2:

190

Quadro 9-2: Operadoras de telefonia móvel por área e banda: 1996 -1999

Fonte: Miranda et al. (2011)

Após a privatização, o setor de telecomunicações brasileiro passou por u m

revolucionário processo de expansão. É possível identificar um período de transição

pós-privatização, que durou até 2002, caracterizado por uma competição limitada e

concentrada na telefonia interurbana. A partir de 2002, ocorreu liberação das

concessionárias para a prestação de todos os serviços de telecomunicações.

Como ressalta Soares (2007), a Anatel, antes de privatizar as empresas, assinou

contratos de concessão com todas as operadoras, em vigor até dezembro de 2005,

que incorporou o plano de metas de universalização do serviço de telecomunicações

a ser cumprido até 2005 e metas de qualidade a serem cumpridas por todas as

empresas a partir de 2000. O Plano de Metas de Universalização do Serviço de

Telecomunicações envolvia, entre outros itens, o número de telefones instalados, a

quantidade de telefones públicos que devia ser disponibilizada, os prazos para

atender aos clientes que solicitam linhas fixas, priorização do atendimento a escolas

e instituições de saúde e deficientes. O plano de metas de qualidade, por sua vez,

definiu parâmetros mínimos para os serviços de telefonia fixa, essencialmente no que

diz respeito à qualidade do serviço, atendimento às solicitações de mudança de

endereço, atendimento por telefone ao usuário, informações do código de acesso ao

usuário, emissão de contas e modernização das redes. Ficou também estabelecido

que as concessionárias que antecipassem as metas do final de 2003 para o final de

2001 seriam liberadas do impedimento de obter novas outorgas de telefonia fixa em

regime privado ou ainda outorgas de outros serviços.

Tendo em vista tal regulamentação, o período de transição, entre os anos de

1999 e 2002, conforme apontam Miranda et al. (2011), é o período de maior

191

crescimento, com destaque para 1999, quando o número total de acessos cresceu

46%. Parte deste aumento está associada ao esforço de antecipação das metas de

universalização definidas pela ANATEL.

Após 2002, com a abertura, o número de autorizatárias aumentou

significativamente, tanto na telefonia fixa (local e longa distância), quanto na

telefonia móvel. Assim, em relação e estrutura de mercado, o processo de

reestruturação do setor estimulou a entrada de novas prestadoras de serviços e uma

participação elevada do capital estrangeiro.

As dinâmicas aqui descritas podem ser vistas ao observar os investimentos no

setor. No período de 1998 a 2001, os investimentos aumentaram substancialmente,

alcançando o pico em 2001 atingindo R$24,5 bilhões. Nos anos de 2002 e 2003, os

investimentos caíram para cerca de R$ 10 bilhões, recuperando-se posteriormente,

voltando a atingir o patamar próximo a R$ 20 bilhões em 2008.

Gráfico 9-2: Investimentos e sua relação com formação Bruta de Capital Fixo Fonte: Teleco

9.3 Desenvolvimento do setor pós-privatização

Conforme mencionado, após a privatização, surgiram diversas novas empresas

operadoras de rede para prestação de serviços de telecomunicações. Entretanto,

como aponta Vasconcellos (2015), a distribuição de mercado permanece ainda

bastante concentrada, bem como há evidências da necessidade de constante

melhoria na qualidade do serviço prestado.

Especificamente no segmento de telefonia móvel, temos uma concentração do

mercado em quatro grandes operadoras: VIVO, TIM, CLARO e OI. Apesar de cer ca de

192

35 outras operadoras estarem atualmente autorizadas pela Anatel para ofertar o

serviço, as quatro grandes detêm 98,35 % do mercado (ANATEL,2015), conforme

mostra o gráfico 9.3

Gráfico 9-3: Distribuição do Mercado Fonte: ANATEL (2015)

Dessa forma, o processo de liberalização, que visava a aumentar a competição,

resultou em reconcentração das empresas prestadoras de serviços de

telecomunicações. Isso porque, mesmo com reduções nos custos decorrentes do

progresso técnico em telecomunicações, as economias de escala e de escopo e

elevados volumes iniciais de investimento requeridos ainda constituem fortes

barreiras à entrada para o setor (SOARES, 2007).

Assim, conforme Amorim (2006) realça, mesmo que em decorrência dessa nova

dinâmica tecnológica se tenha uma grande variedade de potenciais players,

proveniente de outros setores, esses entrantes necessitam do acesso à infraestrutura

básica de redes de telecomunicações para ofertar seus serviços. Essa rede geralmente

encontra-se sobre a propriedade e o controle de poucos agentes. Assim, o contro le

sobre esses ativos representa ainda uma barreira para a introdução da concorrência

nas telecomunicações.

Desta forma, o crescimento por fusões e aquisições no setor é o preferível já

que a instalação de infraestrutura requer um alto investimento e, muitas vezes requer

pedir licenças aos municípios. Amorim (2006) relata alguns outros objetivos

específicos da realização de fusões e aquisições no setor de telecomunicações, dentre

eles a redução o grau de incerteza tecnológica e a combinação de competências tanto

tecnológicas como mercadológicas específicas.

193

Tendo em vista essa concentração no setor, Amorim (2006) aponta que um dos

principais problemas que a intervenção regulatória se defronta hoje para a transição

de monopólios para uma real concorrência em telecomunicações é a assimetria de

poder de mercado que pode perdurar nas relações que se estabelecem entre as

empresas.

Em relação ao papel do governo na formação deste mercado concentrado, Piazi

(2014), ao analisar longitudinalmente a estratégia do governo brasileiro para a

preparação do setor para a privatização, afirma que a alta concentração de mercado

não parece ter sido um efeito desejado pelo governo, que tomou diversas decis ões

visando a dispersão do mercado, como a divisão das licenças por regiões e tipos de

serviço e a criação de regras que facilitam a entrada de novos competidores. No

entanto a concentração do mercado é um fato e quanto a isso, a autora explica que

a complexidade dos fatores envolvidos, o imperativo do interesse imediato e a falta

de conhecimento por parte do governo sobre a direção e a intensidade que outros

fatores desconhecidos tinham sobre o resultado, são aspectos que podem explicar a

criação de um mercado altamente concentrado, apesar de não ser este o objetivo

pretendido. A autora comenta que a busca por um dos extremos do trade-off que

seriam ou minimizar a concentração de um mercado ou maximizar economias de

escala e escopo, podem trazer consequências negativas para a sociedade. Assim, a

complexidade da questão fica evidente quando se sugere que o governo não deteve

de conhecimento suficiente para planejar ações que gerassem um equilíbrio.

9.4 Evolução Tecnológica das Redes de Telecomunicações e as implicações

estratégias competitivas das firmas

Como visto, a análise das mudanças relacionadas com a desregulamentação,

privatização e liberalização do setor de telecomunicações, esclarecem muito a

situação atual. Entretanto, é imprescindível considerar que as telecomunicações

experimentaram inovações constantes no decorrer do século já que o regime

tecnológico vigente em cada período histórico é parte fundamental para o

entendimento das mudanças ocorridas na indústria de telecomunicações.

Segundo Amorim (2006), é prática comum dividir a evolução das

telecomunicações em três importantes períodos evolutivos: a invenção e

194

universalização do telefone; a digitalização do sistema de telefonia; e a convergência

total das plataformas de telecomunicações.

A primeira fase que se estende até 1970, é caracterizada por uma estrutura

clássica de telefone fixo. Tendo como base tecnológica a eletromecânica, nesse

período o setor era caracterizado por relativa estabilidade tecnológica e baixa

intensidade de interação com outros setores (SZAPIRO, 2005). Assim, o setor se

desenvolveu centrado na sua própria tecnologia, onde os serviços eram fundidos à

infraestrutura de rede que os suportavam. Neste cenário, não existia nenhuma

possibilidade de se utilizar a rede de telefonia fixa, para, por exemplo, transmissão

de imagens. Isso porque, tradicionalmente, no setor de telecomunicações as

transmissões de serviços e conteúdos eram essencialmente associadas a uma

plataforma tecnológica, ou seja, a comunicação de voz à telefonia fixa, onde os

equipamentos terminais (telefone), redes de transmissão (cabos e centrais

telefônicas) foram projetados exclusivamente para a transmissão de um único ti po de

serviço e conteúdo, a voz (QUINTELLA E CUNHA, 2009). Desta forma, com a evolução

dos serviços, criavam-se redes distintas para cada serviço (AMORIM, 2006).

O segundo período evolutivo é marcado pelo surgimento da microeletrônica e

dos microprocessadores que levou à digitalização dos diversos equipamentos que

compõem a infraestrutura de rede de telecomunicações, os quais se voltam para a

transmissão digital dos serviços de telecomunicações (SZAPIRO, 2005). A partir da

década de 80, a evolução ficou clara, tendo em vista a utilização de todos novos meios

de transmissão e comutação, como centrais digitais, satélites, fibras ópticas, o novo

aproveitamento do espectro de rádio frequências, entre outros.

As centrais analógicas das redes de telefonia e os cabos metálicos foram sendo

substituídos, gradativamente, por centrais de comutação digital e cabos de fibra ótica

(AMORIM, 2006). Além disso, nota-se o desenvolvimento de novos serviços para o

usuário, como fax, telefone móvel, videoconferência, culminando na explosão dos

serviços viabilizados pela Internet.

Com a evolução da transmissão digital, anuncia-se a convergência total das

plataformas de telecomunicações, correspondente ao terceiro período evolutivo.

Com a transmissão digital, os diversos tipos de informação, seja ela voz, dados ou

vídeos, são todos convertidos num mesmo código digital (sequência de bits) que pode

195

ser transmitido do mesmo modo independentemente da plataforma de

telecomunicações e a distinção entre os diferentes tipos de rede não existe mais.

(AMORIM, 2006).

Com a unificação dos sistemas, passa a existir concorrência entre as

tecnologias de telecomunicações e, com isso, as estratégias competitivas das

empresas estão tendo que ser amplamente modificadas. Isso fica claro quando se

atenta para o fato claro que serviços de telefonia fixa vêm perdendo espaço relativo

nas receitas das operadoras para novos serviços de maior potencial de crescimento e

rentabilidade, como telefonia móvel, dados e internet, importantes para a captação

e fidelização de clientes e para o aumento da receita média por assinante (LOURAL E

LEAL,2010).

Além disso, a nova infraestrutura, que permite oferecer não somente os

serviços de telecomunicações tradicionais, como telefonia, mas também outros

serviços, como navegação à internet e TV a cabo, apontam para mudanças ainda mais

significativas no setor. Isso porque, com o cenário tecnológico atual, os modelos de

negócio completamente verticais adotados, onde cada prestador de serviço investia

e operava sua rede de forma particular, passam a não fazer sentido, uma vez que

gerará uma superposição e redundância de redes de infraestrutura. Percebemos

assim que o domínio de uma infraestrutura física deve deixar de ser o responsável

pela dinâmica econômica do setor.

Já anunciando a consolidação da tendência de compartilhamento de redes e

infraestrutura, no segmento de telefonia móvel, um novo cenário baseado no modelo

comum nos Estados Unidos no qual as operadoras de telefonia móvel não são

proprietárias de suas ERB’s (estação rádio base, que são equipamentos que fazem a

conexão entre os telefones celulares e a companhia telefônica) já estão ganhando

espaço no Brasil. Atualmente, empresas, denominadas empresas sharing, que não

possuem concessão para operar linhas telefônicas, constroem toda infraestrutura

física da rede, incluindo as ERB`s. Assim, as empresas sharing são responsáveis por

todos os grupos de processos do projeto de uma nova estação, passando pela

aquisição e instalações de infraestrutura e locam os espaços para as antenas e

equipamentos das operadoras.

196

Segundo Pedroso (2015), a vantagem em curto prazo deste novo arranjo é que

a operadora reduz o investimento em ativos fixos ao mesmo tempo em que aumenta

sua área de cobertura. No longo prazo a vantagem é que a diminuição no custo de

aquisição de ativo, principalmente gastos com a construção civil, e diminuição no

custo de operação, pois toda despesa de manutenção é terceirizada, ou seja,

convertendo despesas de investimento inicial em infraestrutura, em despesas

operacionais.

Se por um lado, o setor apresenta diversas oportunidades oriundas da

crescente demanda de serviços e suas aplicações na internet, suportada pelo

crescimento da capacidade da rede, por meio da fibra ótica, por outro, ainda existem

muitas incertezas em como se dará os modelos competitivos na indústria, visto que

o fenômeno convergência possibilita a entrada de players tradicionalmente não

vinculados às telecomunicações. Assim, a evolução tecnológica recente implica a

necessidade de mudanças na perspectiva institucional e regulatória do setor.

9.5 A prática da terceirização no setor de telecomunicações

No Brasil, a adoção da terceirização foi inicialmente gradual, mas ganhou força

a partir do início da década de 1990 com a privatização do setor e a abertura do

mercado à competição. Em um ambiente de alta competitividade, as empresas

passaram a buscar a redução de custos, aumento da produtividade e lucro e uma das

alternativas foi o processo de terceirização que estabeleceu a configuração de uma

rede de empresas.

A terceirização foi implementada no setor de telecomunicações

brasileiro em três etapas, conforme aponta Mocelin (2005):

Na primeira etapa, na década de 1980, foram terceir izados os serviços de

apoio, desde alimentação e segurança até instalação e manutenção de rede

em alguns municípios.

Na segunda etapa, num momento pré-privatização, se ensaiou a terceirização

de alguns serviços de rede, que se intensificam com a privatização, quando

foram terceirizados desde o projeto de redes, passando pelos serviços de

instalações, ampliando-se até os serviços de manutenção. Este período se

197

estende até 2000 Durante o período ainda estatal, esse período foi marcado

pelos planos de demissão voluntária.

Na terceira etapa, após 2001, há uma ampliação e intensificação da

terceirização, com transferência acentuada de trabalhadores para outras

empresas, atingindo serviços administrativos, de controle e supervisão técnica

e também a criação de trabalhadores pessoa jurídica, ou seja, empresas

formadas por um único trabalhador que antes era empregado da empresa.

Ao analisar a literatura nacional sobre terceirização, Garcia (2000) entende que

ela aponta para a existência de distintos modelos de terceirização: o primeiro tem

por objetivo a elevação da qualidade do produto, como forma de alcançar novas

condições de competitividade pela satisfação do cliente, oferecendo estabilidade

para os empregados, que, em geral, seriam qualificados, e utilizan do tecnologia

avançada. Já o segundo modelo tem como modelo que tem como objetivo a redução

de custos, através de estratégias restritivas, tais como a redução de pessoal, a

ausência de investimentos em formação ou em tecnologia e a precariedade das

condições de emprego. Segundo o autor, apenas o primeiro modelo levaria a uma

reação de parceria entre a empresa contratante e seus fornecedores.

O autor relata ainda que, a partir de 2001, a terceirização no setor de

telecomunicações tornou-se mais abrangente, incluindo não apenas serviços de

instalação e manutenção da rede externa, mas também vendas de serviços de valor

agregado, manutenção da rede interna e controle virtual da planta telefônica. As

concessionárias assim transformaram-se em empresas mais enxutas, e voltaram sua

atenção a determinadas atividades transferindo outras funções para empresas que se

reportam a elas, formando uma rede.

Na segunda fase, percebe-se que o fenômeno da terceirização se deu em meio

à crise econômica, o que pressionaram as empresas brasileiras a buscarem a

terceirização para a redução de custos e não para a qualificação dos seus produtos e

serviços, conforme aponta Garcia (2000). Além disso, o autor ao investigar as

mudanças técnico organizacionais ocorridas na CRT em meados do ano 2000, percebe

que a terceirização ocorreu de modo a levar à queda brusca de qualidade nos serviços

executados, num cenário onde, a fiscalização por parte das concessionárias era

escassa.

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Nesta fase, o setor sofreu com a qualidade dos empregos, predominando a

presença de vínculos empregatícios informais e temporários, por produção e sem

registro na carteira as empresas terceiras, como forma de cortar gastos. Observa -se

também a pulverização dos trabalhadores, que passam a ser incluídos em outras

categorias não abrangidas pelos sindicatos de telecomunicações, como no caso dos

trabalhadores de manutenção de cabos, que podiam se filiar ao sindicato da

construção civil, cuja lógica e funcionamento são diferentes das adotadas pelos

sindicatos de telecomunicações.

Na terceira fase, como aponta Mocelin (2005), as empreiteiras, que foram

formadas para executar atividades de manutenção e instalação, também passaram a

assumir outras responsabilidades, o que favoreceu a constituição de empresas

maiores e mais complexas. Essa maior abrangência da terceirização implica em

transformações nas relações que se estabeleceram no âmbito da rede de empresas,

com as empresas terceiras ganhando certo poder nas negociações com as operadoras

no caso de prestarem serviços de maior complexidade técnica ou no caso de serem

responsáveis por se relacionar com o cliente final da operadora (MOCELIN, 2005) .