fichamento_pratt_os olhos do imperio
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Universidade Federal do ParáPrograma de Pós Graduação em ArtesTópicos Especiais em Antropologia:
Estudos Pós-Coloniais em Perspectiva InterdisciplinarDocente: Prof. Dr. Agenor Sarraf
Discente: Vanessa Simões
1-Dados bibliográficos do texto:PRATT, Mary Louise. Os olhos do Império: relatos de viagem e transculturação. Tradução Jézio Hernani Bonfim Gutierre. Bauru, SP: EDUSC, 1999, pp. 11-75.
2-Sobre o autor:“Mary Louise Pratt nasceu no Canadá, em 1948, e hoje reside em
Palo Alto, no estado da Califórnia, onde é professora de Literatura
Latino-americana e Literatura Comparada na Universidade de
Stanford, e desenvolve pesquisas sobre Literatura Latino-
americana, crítica e teoria literária pós-colonial; mulher e cultura
na América Latina; e multiculturalismos. Entre 1998-99 atuou
como pesquisadora-visitante no Centro de Investigación y Estúdios
Superiores de Antropologia Social (CIESAS-Occidente) em
Guadalajara, México. Seus livros incluem Toward a Speech Act
Theory of Literary Discourse (1980) e Imperial Eyes: Travel
Writing and Transculturation (1992) – publicado no Brasil pela
EDUSC, em 2005, com o título Olhos do Império relatos de viagem
e transculturação. Mary Louise Pratt é considerada um dos
principais expoentes da chamada "virada literária" ocorrida na
Antropologia.
Fonte: http://www.ifcs.ufrj.br/~habitus/3pratt.htm
3-Objeto de estudo “Seu principal, embora não único, objeto é a viagem de europeus e
os escritos de expedições analisados em conexão com a expansão
política e econômica europeia a partir de 1750.” p. 28
4-ProblemáticaA problemática que se estabelece no segundo capítulo que aqui é
analisado compreende entender: “[...] como o relato de viagem e a
história natural iluminista se aliaram para criar uma forma
eurocêntrica de consciência global ou, como a chamo,
‘planetária’.” p. 29
5-Objetivos- “Realizar uma crítica da ideologia subjacente aos relatos de
viagem” (p.12);
- Analisar o gênero literário dos relatos de viagem produzido em
zona de contato, ou seja, considerando as mútuas trocas culturais
entre colonizadores e colonizados;
6-Aporte teórico:A autora utiliza contribuições de críticos literários como Rolena
Adorno e Gloria Treviño; teóricos da linguagem como Ron Carter;
sociólogos como Fernando Ortiz; historiadores como Martin
Bernal; antropólogos como Victor Von Hagen; filósofos como
Michel Foucault, relatos de viagem de M. Frézier, Capitão Betagh,
Pierre Bouguer, Charles-Marie de la Condamine, Alonso de Ovalle,
John Adams, Luis Godin des Odonais, Messrs. Saugnier e Brisson,
Alexander Von Humboldt, entre outros.
7-Tese: O imperialismo se impõe por uma dominação ideológica,
utilizando-se da literatura e da ciência para construir uma
consciência global eurocêntrica.
“[...] a Autora nos leva a perceber o imperialismo, antes
considerado e analisado primordialmente na forma de um
fenômeno político e/ou econômico, como produto e como agente
responsável pela construção de visões de mundo, auto-imagens,
estereótipos étnicos, sociais, geográficos entre outros, e que se
legitima não apenas pela dominação externa, visível através de
relações econômicas e políticas, mas pela interferência direta nas
mentes das pessoas com ele envolvidas.” p. 11
8-Tópicos para o debate8.1- Capítulo 1 – Introdução: Crítica na Zona de Contato
Estratégia da autora na pesquisa de modo a evitar uma visão
reducionista
“De outra parte, instâncias da história da expressão indígena
andina (como a carta de Guaman Poma) são introduzidas com o
fito de se esboçar a dinâmica da auto-representação no contexto
da subordinação e resistências coloniais. Ainda que as práticas de
representação dos europeus permaneçam sendo a temática
principal deste livro, procurei formas de mitigar uma perspectiva
reducionista e difusionista.” p. 30
“Ao escrever este livro, procurei evitar a simples reprodução da
dinâmica de posse inocência cujos efeitos analiso nos textos.” p. 30
Conceito de “zona de contato”
“[...] espaços sociais onde culturas díspares se encontram, se
chocam, se entrelaçam uma com a outra, frequentemente em
relações extremamente assimétricas de dominação e subordinação
– como o colonialismo, o escravagismo, ou seus sucedâneos ora
praticados em todo o mundo.” p. 27
“Um desses casos, recorrente ao longo de todo o livro, é o da
expressão ‘zona de contato’, que uso para me referir ao espaço de
encontros coloniais, no qual as pessoas geográfica e
historicamente separadas entram em contato umas com as outras
e estabelecem relações contínuas, geralmente associadas a
circunstâncias de coerção, desigualdade radical e obstinada. Aqui,
tomo emprestado o termo ‘contato’ de seu uso em linguística, onde
a expressão ‘linguagem de contato’ se refere a linguagens
improvisadas que se desenvolvem entre locutores de diferentes
línguas nativas que precisam se comunicar entre si de modo
consistente, um com o outro, usualmente no âmbito comercial.
Tais linguagens surgem como jargões, e são consideradas crioulas
quando chegam a ter falantes nativos de seu próprio lugar. Como
as sociedades das zonas de contato, tais linguagens são
normalmente consideradas caóticas, bárbaras e amorfas.” p. 31-32
Contraponto entre os conceitos de “zona de contato” e “fronteira
colonial”: aproximações e diferenças
“O conceito ‘zona de contato’ é utilizado frequentemente em
minha discussão como sinônimo de ‘fronteira colonial’. Mas
enquanto este último termo está baseado numa perspectiva
expansionista europeia (a fronteira é uma fronteira apenas no que
diz respeito à Europa), ‘zona de contato’ é uma tentativa de se
invocar a presença espacial e temporal conjunta de sujeitos
anteriormente separados por descontinuidades históricas e
geográficas cujas trajetórias agora se cruzam. Ao utilizar o termo
‘contato’, procuro enfatizar as dimensões interativas e
improvisadas dos encontros coloniais, tão facilmente ignoradas ou
suprimidas pelos relatos difundidos de conquista e dominação.” p.
32
A questão da identidade na zona de contato
“Uma ‘perspectiva de contato’ põe em relevo a questão de como os
sujeitos são constituídos nas e pelas suas relações uns com os
outros. Trata as relações entre colonizadores e colonizados, ou
viajantes e ‘visitados’, não em termos da separação ou segregação,
mas em termos da presença comum, interação, entendimentos e
práticas interligadas, frequentemente dentro de relações
radicalmente assimétricas de poder.” p. 32
Conceito de transculturação
“Etnógrafos tem usado este termo para descrever como grupos
subordinados ou marginais selecionam e inventam a partir de
materiais a eles transmitidos por uma cultura dominante ou
metropolitana. Se os povos subjugados não podem controlar
facilmente aquilo que emana da cultura dominante, eles
efetivamente determinam, em graus variáveis, o que absorvem em
sua própria cultura e no que utilizam. Transculturação é um
fenômeno da zona de contato.” p. 30-31
A Metrópole é cega para como a periferia também a determina
“Se a metrópole imperial tende a ver a si mesma como
determinando a periferia (seja, por exemplo, no brilho luminoso da
missão civilizatória ou na fonte dos recursos para o
desenvolvimento econômico), ela é habitualmente cega para as
formas como a periferia determina a metrópole – começando,
talvez, por sua obsessiva necessidade de continuadamente
apresentar e re-apresentar para si mesma suas periferias e os
‘outros’. O relato de viagem, entre outras instituições, está
fundamentalmente elaborado a serviço daquele imperativo; da
mesma forma, poder-se-ia dizer, que grande parte da história
literária europeia.” p. 31
Conceito de “anticonquista”
“Um segundo termo que usarei bastante é ‘anticonquista’, com o
qual me refiro às estratégias de representação por meio das quais
os agentes burgueses europeus procuram assegurar sua inocência
ao mesmo tempo em que asseguram a hegemonia europeia. O
termo ‘anticonquista’ foi escolhido porque, como procuro
justificar, nos relatos de viagem e exploração, estas estratégias de
afirmação de inocência são constituídas tendo por base a velha
retórica imperial de conquista associada à era absolutista.” p. 32-
33
Conceito de “auto-etnografia”
“Emprego tais expressões para me referir a instâncias nas quais os
indivíduos das colônias empreendem a representação de si
mesmos de forma comprometida com os termos do colonizador. Se
os textos etnográficos são o meio pelo qual os europeus
representam para si os (usualmente subjugados) outros, textos
auto-etnográficos são aqueles que os demais constroem em
resposta àquelas, ou no diálogo com as representações
metropolitanas.” p. 33
“Na verdade, a auto-etnografia envolve colaboração parcial com a
apropriação do léxico do conquistador. Muitas vezes, como no caso
de Guaman Poma, o léxico apropriado e transformado é aquele dos
relatos de exploração e viagem, que, em graus variáveis, estão
amalgamados ou infiltrados pelos estilos indígenas.
Frequentemente, como na carta de Guaman Poma, eles são
bilíngues e dialógicos. Textos auto-etnográficos são tipicamente
heterogêneos também no âmbito da recepção, são normalmente
endereçados tanto aos leitores metropolitanos, como aos setores
letrados do grupo social a que pertence o narrador; e estão
fadados a ser recebidos de maneira muito diferente por eles. Não
raro, tais textos constituem ponto de entrada de um grupo na
cultura letrada metropolitana.” p. 33-35
8.2- Capítulo 2 – Ciência, consciência planetária, interiores
Dois eventos desencadeiam uma nova “consciência global”: a
publicação do sistema de classificação natural de Lineu (Systema
Naturae) e a inauguração da primeira expedição científica
internacional:
“Como pretendo argumentar, estes dois eventos, e sua
coincidência, sugerem a importante magnitude das mudanças no
entendimento que as elites europeias tinham de si mesmas e de
suas relações com o resto do mundo. Este capítulo se volta para a
emergência de uma nova versão do que gosto de chamar
‘consciência planetária’ da Europa, uma versão marcada pela
tendência à exploração do interior e pela construção do significado
em nível global por meio dos aparatos descritivos da história
natural. Esta nova consciência planetária, como sugiro, é elemento
básico na construção do moderno eurocentrismo, o reflexo
hegemônico que incomoda os ocidentais, continuando mesmo a ser
uma segunda natureza para eles.” p. 42
Discurso da ideologia dominante
“Por um lado, as ideologias dominantes traçavam uma clara
distinção entre a (interessada) busca de riqueza e a
(desinteressada) procura de conhecimento; por outro lado, a
competição entre as nações continuou a ser o momento da
expansão europeia no exterior.” p. 46
Sobre a obra de La Condamine: narrativa das viagens através do
interior da América do Sul
“O texto é escrito essencialmente não como um relatório científico,
mas no gênero popular da literatura de sobrevivência. Ao lado das
navegações, os dois grandes temas da literatura da sobrevivência
são os sofrimentos e perigos, de um lado, e as maravilhas exóticas
e as curiosidades, de outro. Na narrativa de La Condamine, o
drama das expedições do século XVI na região – Orellana, Raleigh,
Aguirre – é recapitulado com todas as suas associações míticas. Ao
adentrar na selva, La Condamine se encontra ‘num novo mundo,
longe de todo comércio humano, sobre um mar de água fresca...
Lá me encontrei com novas plantas, novos animais e novos
homens. ’ Ele especula, como já haviam feito todos os seus
precursores, sobre a localização do El Dorado e a existência das
amazonas, as quais, ainda que bem possam ter existido, muito
provavelmente ‘tenham hoje em dia abandonado seus costumes
primevos.’ A selva permanece sendo um mundo de fascinação e
perigo” p. 48-49
Expedição científica como aparato ideológico
“Na segunda metade do século XVIII, a expedição científica tornar-
se-ia um catalisador das energias e recursos de intrincadas
alianças das elites comerciais e intelectuais por toda a Europa.
Igualmente relevante é que a exploração científica haveria de se
tornar um foco de intenso interesse público e fonte de alguns dos
mais poderosos aparatos ideológicos e de idealização, por meio
dos quais os cidadãos europeus se relacionaram com outras partes
do mundo.” p. 52-53
Contribuição da expedição de La Condamine para o imaginário
europeu do Além-mar
“[...] a expedição La Condamine também possui um significado
específico, pois foi um dos primeiros exemplos de uma nova
tendência no que se refere à exploração e à documentação dos
interiores continentais, em contraste com o paradigma marítimo
que havia ocupado o centro do palco por trezentos anos. Nos
últimos anos do século XVIII, a exploração do interior havia se
transformado no objeto principal das energias e imaginação
expansionistas. Esta mudança teve consequências significativas
para os relatos de viagem, exigindo e dando vazão a novas formas
de conhecimento e autoconhecimento europeus, novos modelos
para os contatos europeus além-fronteiras e novas formas de
codificação das ambições imperiais europeias.” p. 53-54
Sobre o “Sistema Natural” de Lineu e seu desdobramento
ideológico
“Assim como a Cristandade havia inaugurado um trabalho global
de conversão religiosa que se verificava a cada contato com outras
sociedades, assim também a história natural iniciou um esforço de
escala mundial que, entre outras coisas, tornou as zonas de
contato um local de trabalho tanto intelectual quanto manual, e lá
instalou a distinção entre estes dois.” p. 58
A narrativa de “anticonquista” presente no projeto naturalista
“[...] o que também está em elaboração é uma narrativa de
‘anticonquista’, na qual o naturalista naturaliza a própria presença
mundial e a autoridade do burguês europeu. Esta narrativa
naturalista manteria uma enorme força ideológica por todo o
século XIX, e permanece muito presente hoje em dia, entre nós.”
p. 59-61
Cientista ordenador do caos
“Diferentemente do mapeamento de navegação, todavia; a história
natural concebeu o mundo como um caos a partir do qual o
cientista produzia uma ordem. Não é, portanto, uma simples
questão de representar o mundo tal como ele era.” p 65
Sistema de classificação natural impõe uma ordem que é
eurocêntrica
“Uma a uma, as formas de vida do planeta haveriam de ser
extraídas do emaranhado de seu ambiente e reagrupadas
conforme os padrões europeus de unidade global e ordem. O olhar
(letrado, masculino, europeu) que empregasse o sistema poderia
tornar familiar (‘naturalizar’) novos lugares/ novas visões
imediatamente após o contato, por meio de sua incorporação à
linguagem do sistema.” p. 66
“A história natural não apenas extraía os espécimes de suas
relações orgânicas e ecológicas um com o outro, mas também de
seus lugares nas economias, histórias, sistemas simbólicos e
sociais de outras populações.” p. 66
“A história natural, como um processo de pensamento, rompeu
redes efetivas de relações materiais entre pessoas, plantas e
animais onde quer que fosse aplicada.” p. 67
A categorização do ser humano proposta por Lineu reforça o mito
de superioridade europeia como algo “natural”
“A categorização dos humanos, como se pode notar, é
explicitamente comparativa. Dificilmente se poderia ter uma
tentativa mais evidente de ‘naturalizar’ o mito da superioridade
europeia.” p. 68
Imposição de uma matriz de pensamento europeia na atividade de
nomear da história natural
“Mas mesmo assim, é certo que o nomear característico da
história natural é mais diretamente transformador. Ele extrai
todas as coisas do mundo e as recoloca em uma nova estrutura de
conhecimento cujo valor repousa precisamente naquilo que a
distancia do original caótico. Aqui, o nomear, o representar e o
reivindicar são todos a mesma coisa; o nomear dá origem à
realidade da ordem.” p. 69
Impacto da história natural sobre o imaginário global
“No entanto, no nível da ideologia, a ciência – ‘a descrição exata
de tudo’, como a caracterizou Buffon – criou um imaginário global
que transcendia o comércio. Ela funcionou como um espelho rico e
multifacetado no qual toda a Europa pôde projetar a si mesma
como constituindo um ‘processo planetário’ em expansão,
enquanto abstraía desta imagem a competição, exploração e
violência acarretadas pela expansão comercial e política e pelo
domínio colonial.” p. 71