fichamento_hall_quando foi o pos-colonial
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Universidade Federal do ParáPrograma de Pós Graduação em ArtesTópicos Especiais em Antropologia:
Estudos Pós-Coloniais em Perspectiva InterdisciplinarDocente: Prof. Dr. Agenor Sarraf
Discente: Vanessa Simões
1-Dados bibliográficos do texto:HALL, Stuart. Quando foi o pós-colonial? In: Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução Adelaine La Guardiã Resende... [et. al]. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003, pp. 101-128.
2-Sobre o autor:“Stuart Hall nasceu em Kingston, na Jamaica, em 1932, mas se
mudou para o Reino Unido em 1951, onde vive atualmente. Ele foi
professor da Open University, na Inglaterra, entre os anos de 1979
e 1997. É um dos grandes nomes da área das ciências sociais,
sendo conhecido e bastante respeitado na Europa e América do
Norte. Suas obras representam uma grande contribuição para a
área dos estudos culturais e estudos dos meios de comunicação,
ganhando ainda destaque por tratarem de questões políticas
e dialogarem com outros grandes autores como o também teórico
cultural, Raymond Williams.”
Fonte:
http://revistaliter.dominiotemporario.com/doc/aidentidadeculturah
all.pdf
3-Objeto de estudo Neste capítulo do livro Da Diáspora, Hall discute a configuração da
questão pós-colonial partindo de críticas direcionadas a ele,
críticas essas que ele se propõe a desconstruir e ponderar.
4-Problemática“Se o momento pós-colonial é aquele que vem após o colonialismo,
e sendo este definido em termos de uma divisão binária entre
colonizadores e colonizados, por que o pós-colonial é também um
tempo de ‘diferença’? Que tipo de diferença é essa e quais as suas
implicações para a política e para a formação dos sujeitos na
modernidade tardia?”.
5-Objetivos“O objetivo central deste ensaio é explorar os pontos de
interrogação que começam rapidamente a se aglutinar em torno
da questão ‘pós-colonial’ e da ideia de uma era pós-colonial. [...]”.
- Contrapor as críticas levantadas contra o “pós-colonial” de modo
a delinear com mais clareza as implicações desse conceito e sua
relevância para a compreensão da sociedade atual.
6-Aporte teórico:Neste ensaio, Hall utiliza nomes dos estudos pós-coloniais como
Homi Bhabha, Paul Gilroy, Mary Louise Pratt e Peter Hulme, bem
como de críticos a este pensamento como Ella Shohat, Arif Dirlik,
Anne McClintock, Lata Mani e Ruth Frankenberg. Também recorre
aos nomes de Jacques Derrida e Michel Foucault.
7-Tese: O “pós-colonial” como uma reescrita dos encontros entre
colonizadores e colonizados de uma perspectiva descentrada de
binarismos.
“Ele relê a ‘colonização’ como parte de um processo global
essencialmente transnacional e transcultural – e produz uma
reescrita descentrada, diaspórica ou ‘global’ das grandes
narrativas imperiais do passado, centradas na nação. Seu valor
teórico, portanto, recai precisamente sobre sua recusa de uma
perspectiva do ‘aqui’ e ‘lá’, de um ‘então’ e ‘agora’, de um ‘em
casa’ e ‘no estrangeiro’. ‘Global’ neste sentido não significa
universal, nem tampouco é algo específico a alguma nação ou
sociedade. Trata-se de como as relações transversais e laterais que
Gilroy denomina ‘diaspóricas’ (Gilroy, 1993) complementam e ao
mesmo tempo des-locam as noções de centro e periferia, e de
como o global e o local reorganizam e moldam um ao outro. Como
Mani e Frankenberg afirmam, o ‘colonialismo’, como o ‘pós-
colonial’, diz respeito às formas distintas de ‘encenar os encontros’
entre sociedades colonizadoras e seus ‘outros’ – ‘embora nem
sempre da mesma forma ou no mesmo grau’ (Mani e Frankenberg,
1993: 301).” p. 102-103
8-Tópicos para o debate Contra crítica ao argumento de Shohat sobre a “multiplicidade
vertiginosa de posições” e “deslocamentos universalizantes e
anistóricos” do “pós-colonial”, que na visão dela “obscurece as
distinções nítidas entre colonizadores e colonizados”:
“Uma certa nostalgia percorre alguns desses argumentos que
anseiam pelo retorno a uma política bem definida de oposições
binárias, onde se possa ‘traçar linhas claras na areia’ que separem
os bonzinhos dos malvados. [...] Os ‘efeitos de fronteira’ não são
gratuitos, mas construídos; consequentemente, as posições
políticas não são fixas, não se repetem de uma situação histórica a
outra, nem de um teatro de antagonismos a outro, sempre ‘em seu
lugar’, em uma infinita iteração.” p. 98
Complexidades do pós-colonial usando o exemplo da Guerra do
Golfo: desconstrução dos binarismos e fronteiras
“Há uma ‘política’ nisso; mas não uma política cuja complexidade e
ambiguidade podem ser convenientemente eliminadas. Tampouco
é um exemplo atípico, escolhido aleatoriamente, mas algo
característico de um certo tipo de evento político dos ‘novos
tempos’, no qual a crise da luta inconclusa pela ‘descolonização’,
bem como a crise do estado ‘pós-independência’ estão
profundamente inscritas. Em suma, não foi a Guerra do Golfo,
neste sentido, um clássico evento ‘pós-colonial’?” p. 99
Sobre a crítica de uma tendência de universalismo/ culturalismo:
“Quanto ao fato de o ‘pós-colonial’ ser um conceito confusamente
universalizado, sem dúvida certo descuido e homogeneização têm
ocorrido, devido à popularidade crescente do termo, seu uso
extenso, o que às vezes tem gerado sua aplicação inapropriada. Há
sérias distinções a serem feitas, as quais têm sido negligenciadas,
o que tem causado um enfraquecimento do valor conceitual do
termo.” p. 99 - 100
Ponderações para aplicação do termo “pós-colonial”:
“[...] à luz da crítica ‘pós-colonial’, aqueles que utilizam o conceito
devem atentar mais para as suas discriminações e especificidades
e/ou estabelecer com mais clareza em qual nível de abstração o
termo está sendo aplicado e como isso evita uma ‘universalização’
espúria.” p. 100
“Já Lata Mani e Ruth Frankenberg (1993), em uma avaliação
bastante cuidadosa, alertam para o fato de que nem todas as
sociedades são ‘pós-coloniais’ num mesmo sentido e que, em todo
caso o ‘pós-colonial’ não opera isoladamente, mas ‘é de fato uma
construção internamente diferenciada por suas interseções com
outras relações dinâmicas’.” p. 100
“Portanto, uma discriminação mais criteriosa está por se fazer
entre as distintas formações sociais e raciais. A Austrália e o
Canadá, de um lado, a Nigéria, a Índia e a Jamaica, de outro,
certamente não são ‘pós-coloniais’ num mesmo sentido. Mas isso
não significa que esses países não sejam de maneira alguma ‘pós-
coloniais’. Suas relações com o centro imperial e as formas pelas
quais lhes é permitido ‘estar no Ocidente sem ser dele’, tal como
C. L. R. James caracterizou o Caribe, os definiram claramente
como ‘coloniais’ e os fazem ser hoje designados ‘pós-coloniais’,
muito embora a maneira, o momento e as condições de sua
colonização e independência variem bastante.” p. 100-101
“O que o conceito pode nos ajudar a fazer é descrever ou
caracterizar a mudança nas relações globais, que marca a
transição (necessariamente irregular) da era dos Impérios para o
momento da pós-independência ou da pós-descolonização. Pode
ser útil também (embora aqui seu valor seja mais simbólico) na
identificação do que são as novas relações e disposições poder que
emergem nesta nova conjuntura.” p. 101
Conceito de “pós-colonial”
Por Peter Hulme (1995): “Se ‘pós-colonial’ é uma palavra útil, esta
se refere a um processo de desvinculação da síndrome colonial
como um todo, que assume diversas formas e que provavelmente é
inevitável para todos aqueles cujo mundo foi marcado por um
conjunto de fenômenos, o ‘pós-colonial’ é (ou deveria ser) não um
termo avaliativo, mas descritivo... [Não é] uma espécie de
emblema de honra ao mérito.” p.101
“O termo se refere ao processo geral de descolonização que, tal
como a própria colonização, marcou com igual intensidade as
sociedades colonizadoras e as colonizadas (de formas distintas, é
claro). Daí a subversão do antigo binarismo colonizador/colonizado
na nova conjuntura. De fato, uma das principais contribuições do
termo “pós-colonial” tem sido dirigir nossa atenção para o fato de
que a colonização nunca foi algo externo às sociedades das
metrópoles imperiais. Sempre esteve profundamente inscrita nelas
– da mesma forma como se tornou indelevelmente inscrita nas
culturas dos colonizados.” p. 101-102
O “pós-colonial”: “Ele relê a ‘colonização’ como parte de um
processo global essencialmente transnacional e transcultural – e
produz uma reescrita descentrada, diaspórica ou ‘global’ das
grandes narrativas imperiais do passado, centradas na nação. Seu
valor teórico, portanto, recai precisamente sobre sua recusa de
uma perspectiva do ‘aqui’ e ‘lá’, de um ‘então’ e ‘agora’, de um ‘em
casa’ e ‘no estrangeiro’. ‘Global’ neste sentido não significa
universal, nem tampouco é algo específico a alguma nação ou
sociedade. Trata-se de como as relações transversais e laterais que
Gilroy denomina ‘diaspóricas’ (Gilroy, 1993) complementam e ao
mesmo tempo des-locam as noções de centro e periferia, e de
como o global e o local reorganizam e moldam um ao outro. Como
Mani e Frankenberg afirmam, o ‘colonialismo’, como o ‘pós-
colonial’, diz respeito às formas distintas de ‘encenar os encontros’
entre sociedades colonizadoras e seus ‘outros’ – ‘embora nem
sempre da mesma forma ou no mesmo grau’ (Mani e Frankenberg,
1993: 301).” p. 102-103
Identidade pós-colonial
“Contudo, no que diz respeito ao retorno absoluto a um conjunto
puro de origens não contaminadas, os efeitos culturais e históricos
a longo prazo do ‘transculturalismo’ que caracterizou a
experiência colonizadora demonstraram ser irreversíveis. As
diferenças entre as culturas colonizadora e colonizada
permanecem profundas. Mas nunca operaram de forma
absolutamente binária, nem certamente o fazem mais. Essa
mudança de circunstâncias nas quais as lutas anticoloniais
pareciam assumir uma forma binária de representação para o
presente momento em que já não podem mais ser representadas
dentro de uma estrutura binária, eu descreveria como um
movimento que parte de uma concepção de diferença para outra
(ver Hall, 1992), de diferença para différance, e essa mudança é
precisamente o que a transição em série ou titubeante para o ‘pós-
colonial’ designa.” p. 102
“É precisamente essa ‘dupla inscrição’ – que rompe com as
demarcações claras que separam o dentro/fora do sistema
colonial, sobre as quais as histórias do imperialismo floresceram
por tanto tempo – que o conceito de ‘pós-colonial’ traz à tona.” p.
102
O colonialismo como reencenado pelo pós-colonial:
“Na narrativa reencenada do pós-colonial, a colonização assume o
lugar e a importância de um amplo evento de ruptura histórico-
mundial. O pós-colonial se refere à ‘colonização’ como algo mais
do que um domínio direto de certas regiões do mundo pelas
potências imperiais. Creio que significa o processo inteiro de
expansão, exploração, conquista, colonização e hegemonia
imperial que constituiu a ‘face mais evidente’, o exterior
constitutivo, da modernidade capitalista europeia e, depois,
ocidental, após 1492.” p. 106
“Essa renarração desloca a ‘estória’ da modernidade capitalista de
seu centramento europeu para suas periferias dispersas em todo o
globo; a evolução pacífica para a violência imposta; a transição do
feudalismo para o capitalismo (que exerceu uma função
talismânica, por exemplo, no marxismo ocidental) para a formação
do mercado mundial, usando termos simplistas por um momento;
ou desloca essa estória para novas formas de conceituar o
relacionamento entre esses distintos ‘eventos’ – as fronteiras
permeáveis do tipo dentro/fora da emergente modernidade
capitalista ‘global’. A reformulação retrospectiva da Modernidade
no interior de uma estrutura de ‘globalização’, em todas as suas
formas de ruptura e em todos os seus momentos (desde a entrada
portuguesa no Oceano Índico e a conquista do Novo Mundo, até a
internacionalização dos mercados financeiros e dos fluxos de
informação), constitui o elemento verdadeiramente distintivo de
uma periodização ‘pós-colonial’.” p. 106
Relações entre colonizados e colonizadores não de modo vertical,
mas sim, “deslocado e diferenciado”:
“Isto quer dizer que a colonização teve de ser compreendida
naquele momento, e certamente só pode ser compreendida nos
dias de hoje, não só pelos termos das relações verticais entre
colonizadores e colonizados, mas também em termos de como
essas e outras formas de relações de poder sempre foram
deslocadas e descentradas por um outro conjunto de vetores – as
ligações transversais ou que cruzam as fronteiras dos Estados-
nação e os inter-relacionamentos global/local que não podem ser
inferidos nos moldes de um Estado-nação.” p. 107
Todas as sociedades passaram por alguma diáspora
“Compreendida em seu contexto global e transcultural, a
colonização tem transformado o absolutismo étnico em uma
estratégia cultural cada vez mais insustentável. Transformou as
próprias ‘colônias’, ou mesmo grandes extensões do mundo ‘pós-
colonial’, em regiões desde já e sempre ‘diaspóricas’, em relação
ao que se poderia imaginar como suas culturas de origem.” p. 107
Identidade construída em relação ao Outro:
“Nenhum local, seja ‘lá’ ou ‘aqui’, em sua autonomia fantasiada ou
in-diferença, poderia se desenvolver sem levar em consideração
seus ‘outros’ significativos e/ou abjetos. A própria noção de uma
identidade cultural idêntica a si mesma, autoproduzida e
autônoma, tal como a de uma economia autossuficiente ou de uma
comunidade política absolutamente soberana, teve que ser
discursivamente construída no ‘Outro’ ou através dele, por um
sistema de similaridades e diferenças, pelo jogo da différance e
pela tendência que esses significados fixos possuem de oscilar e
deslizar. O ‘Outro’ deixou de ser um termo fixo no espaço e no
tempo externo ao sistema de identificação e se tornou uma
‘exterioridade constitutiva’ simbolicamente marcada, uma posição
marcada de forma diferencial dentro da cadeia discursiva.” p. 109
Sobre a “colonização” do termo “pós-colonial”:
“Mas, sim, que a colonização reconfigurou o terreno de tal
maneira que, desde então, a própria ideia de um mundo composto
por identidades isoladas, por culturas e economias separadas e
autossuficientes tem tido que ceder a uma variedade de
paradigmas destinados a captar essas formas distintas e afins de
relacionamento, interconexão e descontinuidade. Essa foi a forma
evidente de disseminação-e-condensação que a colonização
colocou em jogo. É privilegiando essa dimensão ausente ou
desvalorizada da narrativa oficial da ‘colonização’ que o discurso
‘pós-colonial’ se torna conceitualmente distinto.” p. 110
“O colonialismo se refere a um momento histórico específico (um
momento complexo e diferenciado, como tentamos sugerir); mas
sempre foi também uma forma de encenar ou narrar a história, e
seu valor descritivo sempre foi estruturado no interior de um
paradigma teórico e definidor distinto.” p. 111
Sobre o prefixo “pós” do termo “pós-colonial”
Segundo Peter Hulme: “possui duas dimensões em tensão uma
com a outra: uma dimensão temporal, na qual há um
relacionamento pontual no tempo, por exemplo, entre uma colônia
e um estado pós-colonial; e uma dimensão crítica na qual, por
exemplo, uma teoria pós-colonial passa a existir através de uma
crítica de um corpo técnico.” p. 111
“Não se trata apenas de ser ‘posterior’ mas de ‘ir além’ do
colonial, tanto quanto o ‘pós-modernismo’ é posterior e vai além do
modernismo, e o pós-estruturalismo segue cronologicamente e
obtém seus ganhos teóricos ao ‘subir nas costas’ do
estruturalismo.” p. 111
“Uma vez que as relações que caracterizam o ‘colonial’ não mais
ocupam o mesmo lugar ou a mesma posição relativa, podemos não
somente nos opor a elas mas também criticar, desconstruir e
tentar ‘ir além’ delas. [...] Mas o que significa este ‘posterior’ e
este ‘ir além’? [...] ‘Posterior’ significa o momento que sucede o
outro (colonial), no qual predomina a relação colonial. Não
significa, conforme tentamos demonstrar anteriormente, que o que
chamamos de ‘efeitos secundários’ do domínio colonial foram
suspensos. Certamente não significa que passamos de um regime
de poder-saber para um fuso horário sem conflitos e sem poder.”
p. 112
“Aquilo que, de formas distintas, essas descrições teóricas tentam
construir é uma noção de mudança ou transição concebida como
uma reconfiguração de um campo, em vez de um movimento de
transcendência linear entre dois estados mutuamente exclusivos.”
p. 112-113
Reordenação no lugar de fragmentação
“Certos críticos pós-modernos podem acreditar que o global se
fragmentou no local, mas a maioria dos que são sérios afirma que
o que está ocorrendo é uma reorganização mútua do local e do
global, uma proposição muito diferente.” p. 115
Dirlik (1992, p. 353) sobre a importância do pensamento pós-
colonial para a compreensão do mundo em sua configuração atual
“O pós-colonial representa uma resposta a uma necessidade
genuína, uma necessidade de superar a crise de compreensão
produzida pela incapacidade das velhas categorias de explicar o
mundo.” p. 116
Crítica fundamental sobre o “pós-colonial”: ausência da discussão
da relação pós-colonialismo e capitalismo global nos textos dos
pós-colonialistas
“[...] de fato, a crítica mais séria que os críticos e teóricos pós-
coloniais precisam urgentemente encarar – e ela é colocada
sucintamente por Dirlik: ‘É notável... que uma consideração do
relacionamento entre o pós-colonialismo e o capitalismo global
esteja ausente dos textos dos intelectuais pós-coloniais.’ Não
vamos sofismar e dizer alguns críticos pós-coloniais. Realmente, é
notável. E isso tem prejudicado seriamente tudo de positivo que o
paradigma pós-colonial pode e tem a ambição de alcançar.” p. 116-
117