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Universidade Federal do ParáPrograma de Pós Graduação em ArtesTópicos Especiais em Antropologia:
Estudos Pós-Coloniais em Perspectiva InterdisciplinarDocente: Prof. Dr. Agenor Sarraf
Discente: Vanessa Simões
1-Dados bibliográficos do texto:MIGNOLO, Histórias Locais/Projetos Globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Tradução de Solange Ribeiro de Oliveira. Belo Horizonte: UFMG, 2003, pp. 09-130.
2-Sobre o autor:Mignolo nasceu na província de Córdoba (Argentina), em uma
família de imigrantes italianos. Ele estudou filosofia na
Universidade de Córdoba e, em seguida, ganhou uma bolsa para
viajar para a França e estudar semiótica, estudando com Roland
Barthes e Gennete Gérard. Ele recebeu seu doutorado na École
des Hautes Etudes. Inicialmente ficou interessado na filosofia da
linguagem e semiótica e fez algumas contribuições para a
compreensão do século XVI em textos coloniais. Veio para os
Estados Unidos por volta de 1973, primeiro como professor na
Universidade de Indiana e Michigan. A partir de estudos coloniais
tornou-se interessado em teorias pós-coloniais, que eram muito
populares nos Estados Unidos durante a década de noventa. Em
1995, ele publicou seu livro “O lado mais escuro do
Renascimento”, que foi anunciado a nível mundial no campo dos
estudos pós-coloniais e subalternos, bem como no campo da
filosofia da América Latina devido a suas constantes referências ao
trabalho de filósofos como Edmund O O'Gorman, Rodolfo Kusch,
Leopoldo Zea e Enrique Dussel. Neste livro, Mignolo defende a
tese de que o Renascimento europeu do século XVI e XVI teve
"outro lado" esquecido e invisível: a colonização das Américas.
Esta seria uma das teses centrais da modernidade Grupo /
colonialidade, cuja formação Mignolo desempenhou um papel
fundamental. O grupo foi composto por personalidades da
intelectualidade acadêmica latino-americana como Aníbal Quijano,
Enrique Dussel, Arturo Escobar, Santiago Castro-Gomez, Edgardo
Lander e outros. Seus escritos alimentaram grande parte do
trabalho coletivo do grupo. Entre suas contribuições mais
importantes estão as categorias de análise como "diferença
colonial", "pensamento de fronteira", "colonialidade do saber".
Desde 1993, trabalha na Universidade Duke (EUA), onde
atualmente é diretor do Instituto Franklin.
Fonte: http://es.wikipedia.org/wiki/Walter_Mignolo
3-Objeto de estudo O objeto de estudo trabalhado por Mignolo neste livro diz respeito
ao sistema mundial colonial/moderno onde se configura a
diferença colonial problematizada por ele partindo da
institucionalização do conhecimento epistemológico e
hermenêutico que silenciou outras formas de saber da ordem da
gnose, expressas pelo pensamento liminar.
4-Problemática- De que maneira se configurou o imaginário do sistema mundial
colonial/moderno pautado no ocidentalismo e como a evidenciação
da diferença colonial pode favorecer a elevação das vozes
subalternas, do pensamento liminar e das histórias locais?
5-Objetivos- Analisar em que medida a “colonialidade do poder” compõe a
modernidade tanto na esfera dos colonizados quanto dos
colonizadores;
- Analisar como as ciências humanas no ocidente estão
contaminadas por um olhar ocidental e como isso se relaciona a
colonização do pensamento;
- Ressaltar a importância de pesquisas conduzidas por vozes
subalternas falando a partir de seu lugar de estudo;
- Apresentar a importância do pensamento liminar para oferecer
novos horizontes críticos às cosmologias hegemônicas e, com isso,
pode conduzir a um processo de descolonização intelectual.
6-Aporte teórico:O autor adotou um corpo de intelectuais de variados campos do
conhecimento, como sociólogos, antropólogos, filósofos, críticos
literários e ainda diversos estudiosos de perspectiva subalterna
como intelectuais de estudam fora do circuito hegemônico, a saber
pesquisadores dedicados a compreender o colonialismo na África,
Ásia, América Latina e Oriente Médio. Alguns nomes: Aníbal
Quijano, Hélè Béji, Enrique Dussel, Silvia Rivera Cusicanti, Salazar
Bondy, Samuel Huntington, Gyan Prakash, Immanuel Wallerstein,
Édouard Glissant, Edward Said, Néstor García Canclini, Fernando
Ortiz, Renato Ortiz, Weber, Patrícia Seed, Tu Wei-ming, Vine
Deloria Jr., Foucault e vários outros.
7-Teses: As modernidades coloniais construíram uma concepção do
conhecimento baseado na epistemologia e hermenêutica,
subjugando, assim, outras formas de conhecimento que agora
estão emergindo em novos lócus de enunciação, conceituados pelo
autor como “gnose liminar”. p. 36
A diferença colonial só pode ser transposta por via da
subalternidade expressa via pensamento liminar.
“[...] somente se pode transcender a diferença colonial da
perspectiva da subalternidade, da descolonização e, portanto, de
um novo terreno epistemológico que o pensamento liminar está
descortinando. [...] O pensamento liminar, na perspectiva da
subalternidade, é uma máquina para a descolonização intelectual,
e, portanto, para a descolonização política e econômica.” p. 76
8-Tópicos para o debate8.1- Prefácio e agradecimentos
Hoje a diferença colonial está em toda a parte
“Até o meio do século 20 a diferença colonial respeitava a
distinção clássica entre centros e periferias. Na segunda metade
do século 20, a emergência do colonialismo global, gerenciado
pelas corporações transnacionais, apagou a distinção que era
válida para as formas iniciais de colonialismo e a colonialidade do
poder. No passado a diferença colonial situava-se lá fora, distante
do centro. Hoje emerge em toda parte, nas periferias dos centros e
nos centros da periferia”. p.09
Conceito de “diferença colonial”
“A diferença colonial é o espaço onde emerge a colonialidade do
poder. A diferença colonial é o espaço onde as histórias locais que
estão inventando e implementando os projetos, globais encontram
aquelas histórias locais que os recebem; é o espaço onde os
projetos globais são forçados a adaptar-se; integrar-se, ou onde
são adotados, rejeitados ou ignorados. A diferença colonial é,
finalmente, o local ao mesmo tempo físico e imaginário onde atua
a colonialidade do poder, no confronto de duas espécies de
histórias locais visíveis em diferentes espaços e tempos do
planeta”. p.10
Ocidentalismo é configurado na diferença colonial
“A diferença colonial no/do mundo colonial/moderno é também o
lugar onde se articulou o ‘ocidentalismo’, como imaginário
dominante do mundo colonial/moderno”. p.10
Conceito de colonialismo global
“O fim da Guerra Fria e, conseqüentemente, a falência dos
estudos de área correspondem ao momento no qual uma nova
forma de colonialismo, um colonialismo global, continua
reproduzindo a diferença colonial em escala mundial, embora sem
localizar-se em um determinado estado-nação. O colonialismo
global revela a diferença colonial em escala mundial quando o
‘ocidentalismo’ se defronta com o Oriente como precisamente sua
própria condição de possibilidade - da mesma forma que,
paradoxalmente, nos séculos 18 e 19, o Ocidentalismo foi a
condição da possibilidade do Orientalismo”. p.10
Conceito de “pensamento liminar”
“O pensamento liminar (ou a ‘gnose liminar’ como logo explicarei)
é uma conseqüência lógica da diferença colonial”. p.10
“[...] visto da perspectiva subalterna, o lócus fraturado da
enunciação define o pensamento liminar como uma reação à
diferença colonial”. p.11
“A diferença colonial cria condições para situações dialógicas nas
se encena, do ponto de vista subalterno, uma enunciação,
fraturada, como reação ao discurso e à perspectiva hegemônica”.
p.11
“Oferece novos horizontes críticos em face das limitações às
críticas internas às cosmologias hegemônicas (tais como
marxismo, desconstrucionismo pós-moderno, ou análise de
sistemas mundiais)”. p.11
Período colonial diferente de colonialidade do poder
“[...] o ‘período colonial’ (expressão referente sobretudo à
colonização espanhola e portuguesa) da ‘colonialidade do poder’
que hoje continua viva e saudável sob a nova forma da
‘colonialidade global’ ”. p.16
8.2-A gnose e o imaginário do sistema mundial colonial/ moderno
Ponto de vista de Patricia Seed (1991) sobre os estudos coloniais e
pós-coloniais como locus de enunciação liminar
“Minha preocupação é enfatizar a idéia de que ‘o discurso colonial
e pós-colonial’ não é apenas um novo campo de estudo ou uma
mina de ouro para a extração de novas riquezas, mas condição
para a possibilidade de se construírem novos loci de enunciação e
para a reflexão de que o ‘conhecimento e compreensão’
acadêmicos devem ser complementados pelo ‘aprender com’
aqueles que vivem e refletem a partir de legados coloniais e pós-
coloniais, de Rigoberta Menchú a Angel Rama. Do contrário,
corremos o risco de estimular a macaqueação, a exportação de
teorias, o colonialismo (cultural) interno, em vez de promover
novas formas de crítica cultural de emancipação intelectual e
política — de transformar os estudos coloniais e pós-coloniais em
um campo de estudo em vez de lócus de enunciação liminar e
crítico”. p.26
A importância de considerar os intelectuais “nativos” (por Patricia
Seed, 1991)
“O ‘ponto de vista nativo’ também inclui os intelectuais. Na divisão
de trabalho científico depois da Segunda Guerra Mundial, tão bem
descrita por Carl Pletsch (1981), o Terceiro Mundo produz não
apenas ‘culturas’ a serem estudadas por antropólogos e etno-
historiadores, mas também intelectuais que geram teorias e
refletem sobre sua própria história e Cultura (Mignolo, 1993a:
129-131)”. p.26
Choque de cosmovisões no sistema mundial colonial/ moderno
“Muitos têm sido os choques de cosmovisões em épocas diversas
no planeta. Precisamente aí é que residem a densidade geoistórica
do sistema mundial colonial/moderno e as contradições
diacrônicas de suas fronteiras, tanto internas (conflitos entre
impérios dentro da mesma cosmovisão), quanto externas (choques
de cosmovisões)”. p.29
Conceito de gnose
“Mudimbe introduziu a palavra gnose para captar uma ampla
gama de formas de conhecimento que a ‘filosofia’ e a
‘epistemologia’ haviam descartado”. p.33
Conceito de gnose liminar
“Utilizando a configuração anterior do campo do conhecimento na
memória ocidental, usarei a palavra gnosiologia para indicar o
discurso sobre a gnose e tomarei gnose no sentido de
conhecimento em geral, incluindo doxa e episteme. A gnose
liminar, enquanto conhecimento em uma perspectiva subalterna, é
o conhecimento concebido das margens externas do sistema
mundial colonial/moderno; gnosiologia marginal, enquanto
discurso sobre o saber colonial, concebe-se na intercessão
conflituosa de conhecimento produzido na perspectiva dos
colonialismos modernos (retórica, filosofia, ciência) e do.
conhecimento produzido na perspectiva das modernidades
coloniais na Ásia, África, nas Américas e no Caribe. A gnosiologia
liminar é uma reflexão crítica sobre a produção do conhecimento,
a partir tanto das margens internas do sistema mundial colonial/
moderno (conflitos imperiais, línguas hegemônicas,
direcionalidade de traduções etc), quanto das margens externas
(conflitos imperiais com culturas que estão sendo colonizadas, bem
como as etapas subsequentes de independência ou
descolonização)”. p.34
“Enquanto a epistemologia é uma conceitualização e reflexão
sobre o conhecimento articulado em harmonia com a coesão das
línguas nacionais e a formação do estado-nação (ver Capítulo VI),
a gnose liminar constrói-se em dialogo com a epistemologia a
partir de saberes que foram subalternizados nos processos
imperiais coloniais”. p.34
“[...] argumentando-se que a ‘gnose liminar’ é a razão subalterna
lutando para colocar em primeiro plano a força e a criatividade de
saberes, subalternizados durante um longo processo de
colonização do planeta que foi, simultaneamente, o processo
através do qual se construíram a modernidade e a razão
moderna”. p.36
Conceito de “diferenças coloniais”
“Conforme as defino, as ‘diferenças coloniais’ significam, em todo
o meu argumento (talvez eu devesse dizer ‘a diferença colonial’), a
classificação do planeta no imaginário colonial/ moderno praticada
pela colonialidade do poder, uma energia e um maquinário que
transformam diferenças em valores”. p.37
Conceito de semiose colonial como alternativa a transculturação
“Em vez disso, a semiose colonial enfatizava os conflitos gerados
pela colonialidade no nível das interações sócio-semióticas, isto é,
no terreno dos signos. No século 16, o conflito dos sistemas
escriturais relacionados com a religião, a educação e a conversão
foi um aspecto fundamental da colonialidade (Gruzinsky, 1988;
Mignolo, 1995a). A semiose colonial procurou, embora talvez não
com total êxito, banir a noção de ‘cultura’. Por quê? Porque essa é
precisamente uma palavra-chave dos discursos coloniais que
classificavam o planeta, especialmente depois da segunda onda de
expansão colonial, de acordo com a etnicidade (pele, cor, lugar
geográfico) e um sistema de signos (língua, alimentação, vestuário,
religião etc.). Do século 18 até aproximadamente 1950, a palavra
cultura tornou-se algo entre ‘natureza’ e ‘civilização’.
Ultimamente, a cultura tornou-se a outra extremidade, ou o outro
lado, dos interesses financeiros e do capital”. p.38
Conceito de “hermenêutica pluritópica”
“De qualquer forma, a hermenêutica pluritópica foi necessária
para indicar que a semiose colonial ‘acontece’ no entrelugar de
conflitos de saberes e estruturas de poder”. p.40
Colonialidade do poder como a imposição de projetos globais
cunhados em uma perspectiva eurocêntrica
“Isso é, em suma, o que para Quijano constitui a colonialidade do
poder através do qual o planeta inteiro, incluindo sua divisão
continental (África, América, Europa) se articula para a produção
de conhecimento e seu aparato classificatório. O eurocentrismo
torna-se, portanto, uma metáfora para descrever a colonialidade
do poder, na perspectiva da subalternidade. Da perspectiva
epistemológica, o saber e as histórias locais européias foram vistos
como projetos globais”. p.41
Semiose colonial evidencia os conflitos presentes na diferença
colonial
“A semiose colonial visa identificar momentos precisos de tensão
no conflito entre duas histórias e saberes locais, urna reagindo no
sentido de avançar para um projeto global planejado para se
impor, e outros visando às histórias e saberes locais forçados a se
acomodai. a essas novas realidades. Assim, a semiose colonial
exige uma hermenêutica pluritópica pois, no conflito, nas fendas e
fissuras onde se origina o conflito, é inaceitável uma descrição
unilateral”. p.42
Posicionamento de Foucault sobre os saberes subjugados na
leitura de Mignolo
“Denominava genealogia a união de ‘saber erudito e memórias
locais’ e especificava que o que a genealogia realmente faz é
‘apoiar o direito à atenção dos saberes locais, descontínuos,
desqualificados, ilegítimos, contra as pretensões de um corpo
unitário de teoria que pretendia filtrar hierarquias e ordená-las em
nome de um saber verdadeiro e uma idéia arbitrária do que
constitui uma ciência e seus objetos’ ([1972-1977] 1980: 83)”. p.45
Conceito de “pensamento liminar”
“Defino o pensamento liminar como os momentos de fissura no
imaginário do sistema mundial colonial/moderno. O ‘pensamento
liminar’ situa-se ainda dentro do imaginário do sistema mundial
moderno, mas reprimido pelo domínio da hermenêutica e da
epistemologia enquanto palavras-chave que controlam a
conceitualização do saber”. p.49
Como se configura o imaginário do sistema mundial colonial/
moderno para Mignolo
“De acordo com minha argumentação, o imaginário do sistema
mundial colonial/ moderno é o discurso sobrepujante do
ocidentalismo, com sua transformação geoistórica, em tensão e
conflito com as forças da subalternidade geradas pelas reações
iniciais dos escravos ameríndios e africanos e agora pelo ataque
intelectual ao ocidentalismo e pelos movimentos sociais em busca
de novos caminhos para um imaginário democrático”. p.50
“O imaginário do sistema mundial colonial/ moderno não é apenas
o visível sobre o ‘solo’, mas o que permanece escondido da vista no
‘subsolo’ por sucessivas camadas de povos e territórios
mapeados”. p.51
Mudança no imaginário do sistema mundial colonial moderno: de
uma segregação pela “pureza de sangue” para uma distinção por
cor de pele
“Se os séculos 16 e 17 foram dominados pelo imaginário cristão
(cuja missão se estendia dos católicos e protestantes nas Américas
até os jesuítas na China), o fim do 19 testemunhou uma mudança
radical. A ‘pureza de sangue’ já não era mais medida em termos de
religião, mas da cor da pele, e começou a ser usada para distinguir
a raça ‘ariana’ das outras ‘raças’ e, cada vez mais, para justificar a
superioridade da ‘raça’ anglo-saxônica sobre todas as outras (de
Gobineau, 1853-1855; Arenclt, [1948] 1968: 173-180). Proponho
que o momento da virada ocorreu em 1898, quando a guerra EUA-
Espanha foi justificada, na perspectiva dos EUA, pela
superioridade da ‘raça branca anglo-saxônica’, cujo destino era
civilizar o mundo, sobre os ‘brancos cristãos católicos e latinos’
(Mahan, 1890; Burgess, 1890; Fiske, 1902b). A idéia do ‘latino’ foi
introduzida pela intelectualidade política francesa e usada na
época para traçar as fronteiras, tanto na Europa como nas
Américas, entre anglo-saxônicos e latinos”. p.59
Impacto sobre o discurso racial e multicultural norte-americano
“Os acontecimentos sofreram uma virada significativa, cujas
consequências não podem passar despercebidas para o atual
discurso racial e multicultural nos Estados Unidos. Não apenas
W.E.B. Du Bois escreveu The Souls of Black Folk ([1905] 1990) nos
primeiros anos do século 20 quando o discurso racial sobre a
supremacia dos brancos justificava a expansão imperial dos
Estados Unidos, mas o ano de 1898 também se tornou a âncora
para a perspectiva dos norte-americanos sobre os ‘latinos’, que até
hoje se mantém”. p.60
Sobre o sistema mundial colonial/ moderno
“Em primeiro lugar, entendo o sistema em termos de fronteiras
externas e internas, não de centros, semiperiferias e periferias. As
fronteiras internas e externas não são entidades distintas, mas sim
momentos dentro de um continuum na expansão colonial e nas
mudanças de hegemonias imperiais”. p.62
Perspectiva não-linear de análise
“A decisão de acomodar minha argumentação dentro do modelo
mundial colonial/moderno, e não numa cronologia linear, partindo
da modernidade inicial para o moderno e a modernidade tardia
(como fiz em Tbe Darker Side of the Renaissance), foi
impulsionada pela necessidade de refletir além da linearidade da
história e além do mapeamento geoistórico ocidental. A densidade
geoistórica do sistema mundial colonial/moderno, suas fronteiras
internas (conflitos entre impérios) e externas (conflitos entre
cosmologias) não podem ser percebidas e teorizadas em uma
perspectiva interior à própria modernidade”. p.65
Cultura mundial e pensamento liminar
“A cultura mundial, segundo meu argumento, resultaria do
pensamento liminar, que rearticula ‘a razão universal da
civilização’ do ponto de vista subalterno da ‘razão cultural’, desde
que em ‘cultura’ incluamos um componente epistemológico”. p.68
“A ‘cultura’ de Béji caminha paralelamente com minhas ‘histórias
locais’, tanto hegemônicas, quanto subalternas, e, portanto,
‘cultura mundial’ poderia ser traduzida em meu vocabulário como
a rearticulação e apropriação dos projetos globais pela e na
perspectiva das histórias locais, que precisam ocupar-se dos
projetos globais mas não podem, em si mesmas, produzir tais
projetos”. p.69
Definição de “cultura mundial” por Bégi (1997: 47)
“A ‘cultura mundial’ é uma entidade anónima na qual o Oriente e o
Ocidente, ao se confrontar, adquirem (développent) traços comuns
instigantes. A ascensão e a queda periódicas da civilização estão
agora entrando na metamorfose de uma cultura mundial sem
nome, sem lugar, sem época”. p.70
Diferença entre mundialização e globalização elaborada por
Glissant (1998: 2): mundialização como estar em relação e
globalização como estandardização
“A mundialização é precisamente o que todos temos hoje em
comum: a dimensão onde me vejo habitando e a relação na qual
todos bem nos podemos perder. O infeliz outro lado da
mundialização é a chamada globalização ou mercado global: a
redução ao mínimo, a corrida em direção ao fundo, a
estandardização, a imposição de corporações multinacionais com
seu éthos (demasiadamente próprio do homem) de lucro bestial,
círculos de circunferência ubíqua e sem centro em lugar algum
(Glissant, 1998: 2)”. p.70
Emergência de identidades diversas
“A abertura de novas e diversas identidades da mundialização que
emergem do choque entre projetos globais atuais (a civilização do
mercado) para Glissant, a metamorfose de um ‘mundo em
crioulização’”. p.70
Crioulização x hibridismo
“Se a crioulização não é uma ‘enxertadura’ é porque concebe-se
não como híbrida, mas novamente como uma rearticulação de
projetos globais na perspectiva das histórias locais. A história local
a partir da qual e sobre a qual fala Glissant é a colonização do
Caribe; ele está pensando a partir da diferença colonial. Em
contraste com isso, a hibridez é o resultado visível que não revela
a colonialidade do poder inscrita no imaginário do mundo
colonial/moderno”. p.71
8.3-Pensamento liminar e diferença colonial
Naspala Vras de Quijano (1997: 117) a colonialidade do poder
também impõe uma identidade “pronta”
“A colonialidacle do poder e a dependência histórico-estrutural
implicam ambas a hegemonia do eurocentrismo como perspectiva
epistemológica... No contexto da colonialidade do poder, a
população dominada, nas novas identidades que lhes haviam sido
atribuídas, foram também submetidas à hegemonia eurocêntrica
como maneira de conhecer (Quijano explica como ‘Índio’ e ‘Negro’
foram identidades homogeneizantes estabelecidas pela
colonialidade do poder, apagando a diversidade das identidades
‘índia’ e ‘negra’)”. p.85
A América Latina passa a ser “extremo Ocidente”
“Alguns anos depois que os Estados Unidos da América do Norte
conquistaram sua independência da Inglaterra, houve a Revolução
Francesa, seguindo-se a Revolução Haitiana. No entanto, nesse
momento de transição do sistema mundial moderno, a
independência dos EUA e a Revolução Francesa tornaram-se os
padrões de modernidade e modernização e estabeleceram os
padrões econômicos, políticos e epistemológicos. Assim, estava
claro que a ‘América Latina’ não era o Oriente mas o ‘extremo
Ocidente’, e seus próprios intelectuais, como Domingo Faustino-
Sarmiento, da Argentina, se auto-intitularam líderes de uma
missão civilizadora em seu próprio país, abrindo assim as portas
para uma longa história de colonialismo intelectual interno, que
começou a desmoronar em 1898, quando o sistema chega a um
ponto de inflexão”. p.87
América como extensão do Ocidente e a elaboração do
ocidentalismo
“É verdade, como afirma Said, que o Oriente se tornou uma das
imagens recorrentes do outro europeu após o século 18. O
Ocidente, no entanto, nunca foi o outro para a Europa, mas a
diferença dentro do mesmo: as Índias Ocidentais (como se pode
ver no próprio nome) e mais tarde a América (em Buffon, Hegel
etc.) era o Extremo Ocidente, não sua alteridade. A América, ao
contrário da Ásia e da África, incluía-se como parte da extensão da
Europa e não como sua diferença. Eis porque, uma vez mais, sem
ocidentalismo não há orientalismo. O ocidentalismo foi uma
construção transatlântica precisamente no sentido em que as
Américas foram concebidas como a expansão da Europa, a terra
ocupada pelos descendentes de Jafé, cujo nome traz inscrito seu
próprio destino: ‘fôlego’, ‘crescimento’, e, como tal, eles reinarão
sobre Sem (localizado na Ásia) e Cam (‘forte não em sabedoria
mas em determinação’, localizado na África) (Hay, 1957: 12)”. p.91
Ocidentalismo e a subalternização do conhecimento
“[...] o ocidentalismo - como afirmei - como o imaginário dominante
do sistema mundial moderno foi uma máquina poderosa para
subalternizar o conhecimento (dos primeiros missionários da
Renascença aos filósofos do Iluminismo) estabelecendo, ao mesmo
tempo, um padrão epistemológico planetário”. p.92
Crítica ao iluminismo por D’Alembert
“Nosso século é chamado... o século da filosofia por excelência... O
resultado ou seqüência dessa efervescência geral de mentes foi
lançar nova luz sobre alguns assuntos e novas sombras sobre
outros, assim como o efeito do fluxo das marés é deixar algo na
praia e levar outras coisas para longe (Citado em Cassirer, 1951:
4, grifos nossos)”. p.96
Pensamento liminar e revolução das histórias locais
“Minha segunda intenção é usar o sistema mundial
colonial/moderno para situar a emergência do ‘pensamento
liminar’ a partir da diferença Colonial como uma revolução
equivalente à descrita por D'Alembert, mas ocorrendo
simultaneamente em diversos lugares, reagindo a uma
impressionante diversidade de histórias locais e invertendo a
tendência pós-Iluminismo de referir todos os tipos de
conhecimento ao ‘século da filosofia por excelência’
convincentemente descrito por D'Alembert”. p.97
Formas de pensamento coexistentes
“Essa tarefa é mediar entre as práticas filosóficas no interior das
histórias coloniais modernas (por exemplo, a prática da filosofia na
África, América Latina e América do Norte, como veremos no
Capítulo II) e formas ‘tradicionais’ de pensamento - isto é, formas
de pensamento coexistentes com a definição institucional de
filosofia mas não consideradas como tal na perspectiva
institucional que define a filosofia”. p.98
Tradição e modernidade
“‘Tradição’ não significa aqui algo ‘anterior’ à modernidade, mas a
persistência da memória. A este respeito, não há diferença entre
as ‘tradições’ africanas e européias. Tanto a África como a Europa
as têm, e ambas têm ‘modernidades’ e ‘colonialidades’, embora em
diferentes configurações. Enquanto a primeira preocupação pode
ser concebida como descolonização intelectual, a segunda conduz
ao ‘pensamento liminar’, como argumentaram claramente Wiredu
(1997: 303- 312), Eze (1997c) e Makang (1997)”. p.98
Histórias locais não se referem exclusivamente ao Terceiro Mundo
“Não estou, portanto, montando um cenário no qual as histórias
locais são as dos países colonizados ou do Terceiro Mundo, e os
projetos globais se situam nos países colonizadores do Primeiro
Mundo. Os projetos globais, em outras palavras, são fermentados,
por assim dizer, nas histórias locais dos países metropolitanos; são
implementados, exportados e encenados de maneira diferente em
locais particulares (por exemplo, na França e na Martinica no
século 19)”. p.99
Conceito de “une pensée autre”: diz respeito a pensar sem que
exista um “outro” na relação
“[...] um outro pensamento é uma maneira de pensar sem o outro”.
p.102
Conceito de “dupla crítica”
“Nessa interseção uma dupla crítica torna-se um pensamento
liminar, já que criticar a ambos, ao fundamentalismo ocidental e
ao islâmico, implica em pensar a partir de ambas as tradições, e,
ao mesmo tempo, de nenhuma delas. Esse pensamento liminar e
essa dupla crítica são as condições necessárias para ‘um outro
pensamento’”. p.102
Conceito de “um outro pensamento”
“Assim, uma descrição conseqüente de ‘um outro pensamento’ é a
seguinte: uma maneira de pensar que não é inspirada em suas
próprias limitações e não pretende dominar e humilhar; uma
maneira de pensar que é universalmente marginal, fragmentária e
aberta; e, como tal, uma maneira de pensar que, por ser
universalmente marginal e fragmentária, não é etnocida (Khatibi,
1983: 19). Aqui reside o potencial ético de um outro pensamento”.
p.104
Sobre o “Mito da Modernidade segundo Dussel (1995: 61)
“Dussel, independentemente de Khatibi, caracterizou a razão
moderna e instrumental por seu pendor genocida. Ele tenta
revelar isso em seu conceito do ‘mito da modernidade’: ‘A
modernidade inclui um conceito ‘racional’ de emancipação que
afirmamos e presumimos. Mas, ao mesmo tempo, desenvolve um
mito irracional, uma justificativa para a violência genocida. Os pós-
modernistas criticam a razão moderna como uma razão do terror;
nós criticamos a razão Moderna por causa do mito irracional que
ela esconde.’ (Dussel, - [1993] 1995: 67)”. p.104-105