fichamento mignolo historias locais projetos globais

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Universidade Federal do Pará Programa de Pós Graduação em Artes Tópicos Especiais em Antropologia: Estudos Pós-Coloniais em Perspectiva Interdisciplinar Docente: Prof. Dr. Agenor Sarraf Discente: Vanessa Simões 1- Dados bibliográficos do texto: MIGNOLO, Histórias Locais/Projetos Globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Tradução de Solange Ribeiro de Oliveira. Belo Horizonte: UFMG, 2003, pp. 09-130. 2- Sobre o autor: Mignolo nasceu na província de Córdoba (Argentina), em uma família de imigrantes italianos. Ele estudou filosofia na Universidade de Córdoba e, em seguida, ganhou uma bolsa para viajar para a França e estudar semiótica, estudando com Roland Barthes e Gennete Gérard. Ele recebeu seu doutorado na École des Hautes Etudes. Inicialmente ficou interessado na filosofia da linguagem e semiótica e fez algumas contribuições para a compreensão do século XVI em textos coloniais. Veio para os Estados Unidos por volta de 1973, primeiro como professor na Universidade de Indiana e Michigan. A partir de estudos coloniais tornou-se interessado em teorias pós-coloniais, que eram muito populares nos Estados Unidos durante a década de noventa. Em 1995, ele publicou seu livro “O lado mais escuro do Renascimento”, que foi anunciado a nível mundial no campo dos estudos pós- coloniais e subalternos, bem como no campo da filosofia

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Page 1: Fichamento MIGNOLO Historias Locais Projetos Globais

Universidade Federal do ParáPrograma de Pós Graduação em ArtesTópicos Especiais em Antropologia:

Estudos Pós-Coloniais em Perspectiva InterdisciplinarDocente: Prof. Dr. Agenor Sarraf

Discente: Vanessa Simões

1-Dados bibliográficos do texto:MIGNOLO, Histórias Locais/Projetos Globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Tradução de Solange Ribeiro de Oliveira. Belo Horizonte: UFMG, 2003, pp. 09-130.

2-Sobre o autor:Mignolo nasceu na província de Córdoba (Argentina), em uma

família de imigrantes italianos. Ele estudou filosofia na

Universidade de Córdoba e, em seguida, ganhou uma bolsa para

viajar para a França e estudar semiótica, estudando com Roland

Barthes e Gennete Gérard. Ele recebeu seu doutorado na École

des Hautes Etudes. Inicialmente ficou interessado na filosofia da

linguagem e semiótica e fez algumas contribuições para a

compreensão do século XVI em textos coloniais. Veio para os

Estados Unidos por volta de 1973, primeiro como professor na

Universidade de Indiana e Michigan. A partir de estudos coloniais

tornou-se interessado em teorias pós-coloniais, que eram muito

populares nos Estados Unidos durante a década de noventa. Em

1995, ele publicou seu livro “O lado mais escuro do

Renascimento”, que foi anunciado a nível mundial no campo dos

estudos pós-coloniais e subalternos, bem como no campo da

filosofia da América Latina devido a suas constantes referências ao

trabalho de filósofos como Edmund O O'Gorman, Rodolfo Kusch,

Leopoldo Zea e Enrique Dussel. Neste livro, Mignolo defende a

tese de que o Renascimento europeu do século XVI e XVI teve

"outro lado" esquecido e invisível: a colonização das Américas.

Esta seria uma das teses centrais da modernidade Grupo /

colonialidade, cuja formação Mignolo desempenhou um papel

fundamental. O grupo foi composto por personalidades da

Page 2: Fichamento MIGNOLO Historias Locais Projetos Globais

intelectualidade acadêmica latino-americana como Aníbal Quijano,

Enrique Dussel, Arturo Escobar, Santiago Castro-Gomez, Edgardo

Lander e outros. Seus escritos alimentaram grande parte do

trabalho coletivo do grupo. Entre suas contribuições mais

importantes estão as categorias de análise como "diferença

colonial", "pensamento de fronteira", "colonialidade do saber".

Desde 1993, trabalha na Universidade Duke (EUA), onde

atualmente é diretor do Instituto Franklin.

Fonte: http://es.wikipedia.org/wiki/Walter_Mignolo

3-Objeto de estudo O objeto de estudo trabalhado por Mignolo neste livro diz respeito

ao sistema mundial colonial/moderno onde se configura a

diferença colonial problematizada por ele partindo da

institucionalização do conhecimento epistemológico e

hermenêutico que silenciou outras formas de saber da ordem da

gnose, expressas pelo pensamento liminar.

4-Problemática- De que maneira se configurou o imaginário do sistema mundial

colonial/moderno pautado no ocidentalismo e como a evidenciação

da diferença colonial pode favorecer a elevação das vozes

subalternas, do pensamento liminar e das histórias locais?

5-Objetivos- Analisar em que medida a “colonialidade do poder” compõe a

modernidade tanto na esfera dos colonizados quanto dos

colonizadores;

- Analisar como as ciências humanas no ocidente estão

contaminadas por um olhar ocidental e como isso se relaciona a

colonização do pensamento;

- Ressaltar a importância de pesquisas conduzidas por vozes

subalternas falando a partir de seu lugar de estudo;

Page 3: Fichamento MIGNOLO Historias Locais Projetos Globais

- Apresentar a importância do pensamento liminar para oferecer

novos horizontes críticos às cosmologias hegemônicas e, com isso,

pode conduzir a um processo de descolonização intelectual.

6-Aporte teórico:O autor adotou um corpo de intelectuais de variados campos do

conhecimento, como sociólogos, antropólogos, filósofos, críticos

literários e ainda diversos estudiosos de perspectiva subalterna

como intelectuais de estudam fora do circuito hegemônico, a saber

pesquisadores dedicados a compreender o colonialismo na África,

Ásia, América Latina e Oriente Médio. Alguns nomes: Aníbal

Quijano, Hélè Béji, Enrique Dussel, Silvia Rivera Cusicanti, Salazar

Bondy, Samuel Huntington, Gyan Prakash, Immanuel Wallerstein,

Édouard Glissant, Edward Said, Néstor García Canclini, Fernando

Ortiz, Renato Ortiz, Weber, Patrícia Seed, Tu Wei-ming, Vine

Deloria Jr., Foucault e vários outros.

7-Teses: As modernidades coloniais construíram uma concepção do

conhecimento baseado na epistemologia e hermenêutica,

subjugando, assim, outras formas de conhecimento que agora

estão emergindo em novos lócus de enunciação, conceituados pelo

autor como “gnose liminar”. p. 36

A diferença colonial só pode ser transposta por via da

subalternidade expressa via pensamento liminar.

“[...] somente se pode transcender a diferença colonial da

perspectiva da subalternidade, da descolonização e, portanto, de

um novo terreno epistemológico que o pensamento liminar está

descortinando. [...] O pensamento liminar, na perspectiva da

subalternidade, é uma máquina para a descolonização intelectual,

e, portanto, para a descolonização política e econômica.” p. 76

8-Tópicos para o debate8.1- Prefácio e agradecimentos

Page 4: Fichamento MIGNOLO Historias Locais Projetos Globais

Hoje a diferença colonial está em toda a parte

“Até o meio do século 20 a diferença colonial respeitava a

distinção clássica entre centros e periferias. Na segunda metade

do século 20, a emergência do colonialismo global, gerenciado

pelas corporações transnacionais, apagou a distinção que era

válida para as formas iniciais de colonialismo e a colonialidade do

poder. No passado a diferença colonial situava-se lá fora, distante

do centro. Hoje emerge em toda parte, nas periferias dos centros e

nos centros da periferia”. p.09

Conceito de “diferença colonial”

“A diferença colonial é o espaço onde emerge a colonialidade do

poder. A diferença colonial é o espaço onde as histórias locais que

estão inventando e implementando os projetos, globais encontram

aquelas histórias locais que os recebem; é o espaço onde os

projetos globais são forçados a adaptar-se; integrar-se, ou onde

são adotados, rejeitados ou ignorados. A diferença colonial é,

finalmente, o local ao mesmo tempo físico e imaginário onde atua

a colonialidade do poder, no confronto de duas espécies de

histórias locais visíveis em diferentes espaços e tempos do

planeta”. p.10

Ocidentalismo é configurado na diferença colonial

“A diferença colonial no/do mundo colonial/moderno é também o

lugar onde se articulou o ‘ocidentalismo’, como imaginário

dominante do mundo colonial/moderno”. p.10

Conceito de colonialismo global

“O fim da Guerra Fria e, conseqüentemente, a falência dos

estudos de área correspondem ao momento no qual uma nova

forma de colonialismo, um colonialismo global, continua

reproduzindo a diferença colonial em escala mundial, embora sem

localizar-se em um determinado estado-nação. O colonialismo

global revela a diferença colonial em escala mundial quando o

‘ocidentalismo’ se defronta com o Oriente como precisamente sua

própria condição de possibilidade - da mesma forma que,

Page 5: Fichamento MIGNOLO Historias Locais Projetos Globais

paradoxalmente, nos séculos 18 e 19, o Ocidentalismo foi a

condição da possibilidade do Orientalismo”. p.10

Conceito de “pensamento liminar”

“O pensamento liminar (ou a ‘gnose liminar’ como logo explicarei)

é uma conseqüência lógica da diferença colonial”. p.10

“[...] visto da perspectiva subalterna, o lócus fraturado da

enunciação define o pensamento liminar como uma reação à

diferença colonial”. p.11

“A diferença colonial cria condições para situações dialógicas nas

se encena, do ponto de vista subalterno, uma enunciação,

fraturada, como reação ao discurso e à perspectiva hegemônica”.

p.11

“Oferece novos horizontes críticos em face das limitações às

críticas internas às cosmologias hegemônicas (tais como

marxismo, desconstrucionismo pós-moderno, ou análise de

sistemas mundiais)”. p.11

Período colonial diferente de colonialidade do poder

“[...] o ‘período colonial’ (expressão referente sobretudo à

colonização espanhola e portuguesa) da ‘colonialidade do poder’

que hoje continua viva e saudável sob a nova forma da

‘colonialidade global’ ”. p.16

8.2-A gnose e o imaginário do sistema mundial colonial/ moderno

Ponto de vista de Patricia Seed (1991) sobre os estudos coloniais e

pós-coloniais como locus de enunciação liminar

“Minha preocupação é enfatizar a idéia de que ‘o discurso colonial

e pós-colonial’ não é apenas um novo campo de estudo ou uma

mina de ouro para a extração de novas riquezas, mas condição

para a possibilidade de se construírem novos loci de enunciação e

para a reflexão de que o ‘conhecimento e compreensão’

acadêmicos devem ser complementados pelo ‘aprender com’

aqueles que vivem e refletem a partir de legados coloniais e pós-

coloniais, de Rigoberta Menchú a Angel Rama. Do contrário,

corremos o risco de estimular a macaqueação, a exportação de

Page 6: Fichamento MIGNOLO Historias Locais Projetos Globais

teorias, o colonialismo (cultural) interno, em vez de promover

novas formas de crítica cultural de emancipação intelectual e

política — de transformar os estudos coloniais e pós-coloniais em

um campo de estudo em vez de lócus de enunciação liminar e

crítico”. p.26

A importância de considerar os intelectuais “nativos” (por Patricia

Seed, 1991)

“O ‘ponto de vista nativo’ também inclui os intelectuais. Na divisão

de trabalho científico depois da Segunda Guerra Mundial, tão bem

descrita por Carl Pletsch (1981), o Terceiro Mundo produz não

apenas ‘culturas’ a serem estudadas por antropólogos e etno-

historiadores, mas também intelectuais que geram teorias e

refletem sobre sua própria história e Cultura (Mignolo, 1993a:

129-131)”. p.26

Choque de cosmovisões no sistema mundial colonial/ moderno

“Muitos têm sido os choques de cosmovisões em épocas diversas

no planeta. Precisamente aí é que residem a densidade geoistórica

do sistema mundial colonial/moderno e as contradições

diacrônicas de suas fronteiras, tanto internas (conflitos entre

impérios dentro da mesma cosmovisão), quanto externas (choques

de cosmovisões)”. p.29

Conceito de gnose

“Mudimbe introduziu a palavra gnose para captar uma ampla

gama de formas de conhecimento que a ‘filosofia’ e a

‘epistemologia’ haviam descartado”. p.33

Conceito de gnose liminar

“Utilizando a configuração anterior do campo do conhecimento na

memória ocidental, usarei a palavra gnosiologia para indicar o

discurso sobre a gnose e tomarei gnose no sentido de

conhecimento em geral, incluindo doxa e episteme. A gnose

liminar, enquanto conhecimento em uma perspectiva subalterna, é

o conhecimento concebido das margens externas do sistema

mundial colonial/moderno; gnosiologia marginal, enquanto

Page 7: Fichamento MIGNOLO Historias Locais Projetos Globais

discurso sobre o saber colonial, concebe-se na intercessão

conflituosa de conhecimento produzido na perspectiva dos

colonialismos modernos (retórica, filosofia, ciência) e do.

conhecimento produzido na perspectiva das modernidades

coloniais na Ásia, África, nas Américas e no Caribe. A gnosiologia

liminar é uma reflexão crítica sobre a produção do conhecimento,

a partir tanto das margens internas do sistema mundial colonial/

moderno (conflitos imperiais, línguas hegemônicas,

direcionalidade de traduções etc), quanto das margens externas

(conflitos imperiais com culturas que estão sendo colonizadas, bem

como as etapas subsequentes de independência ou

descolonização)”. p.34

“Enquanto a epistemologia é uma conceitualização e reflexão

sobre o conhecimento articulado em harmonia com a coesão das

línguas nacionais e a formação do estado-nação (ver Capítulo VI),

a gnose liminar constrói-se em dialogo com a epistemologia a

partir de saberes que foram subalternizados nos processos

imperiais coloniais”. p.34

“[...] argumentando-se que a ‘gnose liminar’ é a razão subalterna

lutando para colocar em primeiro plano a força e a criatividade de

saberes, subalternizados durante um longo processo de

colonização do planeta que foi, simultaneamente, o processo

através do qual se construíram a modernidade e a razão

moderna”. p.36

Conceito de “diferenças coloniais”

“Conforme as defino, as ‘diferenças coloniais’ significam, em todo

o meu argumento (talvez eu devesse dizer ‘a diferença colonial’), a

classificação do planeta no imaginário colonial/ moderno praticada

pela colonialidade do poder, uma energia e um maquinário que

transformam diferenças em valores”. p.37

Conceito de semiose colonial como alternativa a transculturação

“Em vez disso, a semiose colonial enfatizava os conflitos gerados

pela colonialidade no nível das interações sócio-semióticas, isto é,

Page 8: Fichamento MIGNOLO Historias Locais Projetos Globais

no terreno dos signos. No século 16, o conflito dos sistemas

escriturais relacionados com a religião, a educação e a conversão

foi um aspecto fundamental da colonialidade (Gruzinsky, 1988;

Mignolo, 1995a). A semiose colonial procurou, embora talvez não

com total êxito, banir a noção de ‘cultura’. Por quê? Porque essa é

precisamente uma palavra-chave dos discursos coloniais que

classificavam o planeta, especialmente depois da segunda onda de

expansão colonial, de acordo com a etnicidade (pele, cor, lugar

geográfico) e um sistema de signos (língua, alimentação, vestuário,

religião etc.). Do século 18 até aproximadamente 1950, a palavra

cultura tornou-se algo entre ‘natureza’ e ‘civilização’.

Ultimamente, a cultura tornou-se a outra extremidade, ou o outro

lado, dos interesses financeiros e do capital”. p.38

Conceito de “hermenêutica pluritópica”

“De qualquer forma, a hermenêutica pluritópica foi necessária

para indicar que a semiose colonial ‘acontece’ no entrelugar de

conflitos de saberes e estruturas de poder”. p.40

Colonialidade do poder como a imposição de projetos globais

cunhados em uma perspectiva eurocêntrica

“Isso é, em suma, o que para Quijano constitui a colonialidade do

poder através do qual o planeta inteiro, incluindo sua divisão

continental (África, América, Europa) se articula para a produção

de conhecimento e seu aparato classificatório. O eurocentrismo

torna-se, portanto, uma metáfora para descrever a colonialidade

do poder, na perspectiva da subalternidade. Da perspectiva

epistemológica, o saber e as histórias locais européias foram vistos

como projetos globais”. p.41

Semiose colonial evidencia os conflitos presentes na diferença

colonial

“A semiose colonial visa identificar momentos precisos de tensão

no conflito entre duas histórias e saberes locais, urna reagindo no

sentido de avançar para um projeto global planejado para se

impor, e outros visando às histórias e saberes locais forçados a se

Page 9: Fichamento MIGNOLO Historias Locais Projetos Globais

acomodai. a essas novas realidades. Assim, a semiose colonial

exige uma hermenêutica pluritópica pois, no conflito, nas fendas e

fissuras onde se origina o conflito, é inaceitável uma descrição

unilateral”. p.42

Posicionamento de Foucault sobre os saberes subjugados na

leitura de Mignolo

“Denominava genealogia a união de ‘saber erudito e memórias

locais’ e especificava que o que a genealogia realmente faz é

‘apoiar o direito à atenção dos saberes locais, descontínuos,

desqualificados, ilegítimos, contra as pretensões de um corpo

unitário de teoria que pretendia filtrar hierarquias e ordená-las em

nome de um saber verdadeiro e uma idéia arbitrária do que

constitui uma ciência e seus objetos’ ([1972-1977] 1980: 83)”. p.45

Conceito de “pensamento liminar”

“Defino o pensamento liminar como os momentos de fissura no

imaginário do sistema mundial colonial/moderno. O ‘pensamento

liminar’ situa-se ainda dentro do imaginário do sistema mundial

moderno, mas reprimido pelo domínio da hermenêutica e da

epistemologia enquanto palavras-chave que controlam a

conceitualização do saber”. p.49

Como se configura o imaginário do sistema mundial colonial/

moderno para Mignolo

“De acordo com minha argumentação, o imaginário do sistema

mundial colonial/ moderno é o discurso sobrepujante do

ocidentalismo, com sua transformação geoistórica, em tensão e

conflito com as forças da subalternidade geradas pelas reações

iniciais dos escravos ameríndios e africanos e agora pelo ataque

intelectual ao ocidentalismo e pelos movimentos sociais em busca

de novos caminhos para um imaginário democrático”. p.50

“O imaginário do sistema mundial colonial/ moderno não é apenas

o visível sobre o ‘solo’, mas o que permanece escondido da vista no

‘subsolo’ por sucessivas camadas de povos e territórios

mapeados”. p.51

Page 10: Fichamento MIGNOLO Historias Locais Projetos Globais

Mudança no imaginário do sistema mundial colonial moderno: de

uma segregação pela “pureza de sangue” para uma distinção por

cor de pele

“Se os séculos 16 e 17 foram dominados pelo imaginário cristão

(cuja missão se estendia dos católicos e protestantes nas Américas

até os jesuítas na China), o fim do 19 testemunhou uma mudança

radical. A ‘pureza de sangue’ já não era mais medida em termos de

religião, mas da cor da pele, e começou a ser usada para distinguir

a raça ‘ariana’ das outras ‘raças’ e, cada vez mais, para justificar a

superioridade da ‘raça’ anglo-saxônica sobre todas as outras (de

Gobineau, 1853-1855; Arenclt, [1948] 1968: 173-180). Proponho

que o momento da virada ocorreu em 1898, quando a guerra EUA-

Espanha foi justificada, na perspectiva dos EUA, pela

superioridade da ‘raça branca anglo-saxônica’, cujo destino era

civilizar o mundo, sobre os ‘brancos cristãos católicos e latinos’

(Mahan, 1890; Burgess, 1890; Fiske, 1902b). A idéia do ‘latino’ foi

introduzida pela intelectualidade política francesa e usada na

época para traçar as fronteiras, tanto na Europa como nas

Américas, entre anglo-saxônicos e latinos”. p.59

Impacto sobre o discurso racial e multicultural norte-americano

“Os acontecimentos sofreram uma virada significativa, cujas

consequências não podem passar despercebidas para o atual

discurso racial e multicultural nos Estados Unidos. Não apenas

W.E.B. Du Bois escreveu The Souls of Black Folk ([1905] 1990) nos

primeiros anos do século 20 quando o discurso racial sobre a

supremacia dos brancos justificava a expansão imperial dos

Estados Unidos, mas o ano de 1898 também se tornou a âncora

para a perspectiva dos norte-americanos sobre os ‘latinos’, que até

hoje se mantém”. p.60

Sobre o sistema mundial colonial/ moderno

“Em primeiro lugar, entendo o sistema em termos de fronteiras

externas e internas, não de centros, semiperiferias e periferias. As

fronteiras internas e externas não são entidades distintas, mas sim

Page 11: Fichamento MIGNOLO Historias Locais Projetos Globais

momentos dentro de um continuum na expansão colonial e nas

mudanças de hegemonias imperiais”. p.62

Perspectiva não-linear de análise

“A decisão de acomodar minha argumentação dentro do modelo

mundial colonial/moderno, e não numa cronologia linear, partindo

da modernidade inicial para o moderno e a modernidade tardia

(como fiz em Tbe Darker Side of the Renaissance), foi

impulsionada pela necessidade de refletir além da linearidade da

história e além do mapeamento geoistórico ocidental. A densidade

geoistórica do sistema mundial colonial/moderno, suas fronteiras

internas (conflitos entre impérios) e externas (conflitos entre

cosmologias) não podem ser percebidas e teorizadas em uma

perspectiva interior à própria modernidade”. p.65

Cultura mundial e pensamento liminar

“A cultura mundial, segundo meu argumento, resultaria do

pensamento liminar, que rearticula ‘a razão universal da

civilização’ do ponto de vista subalterno da ‘razão cultural’, desde

que em ‘cultura’ incluamos um componente epistemológico”. p.68

“A ‘cultura’ de Béji caminha paralelamente com minhas ‘histórias

locais’, tanto hegemônicas, quanto subalternas, e, portanto,

‘cultura mundial’ poderia ser traduzida em meu vocabulário como

a rearticulação e apropriação dos projetos globais pela e na

perspectiva das histórias locais, que precisam ocupar-se dos

projetos globais mas não podem, em si mesmas, produzir tais

projetos”. p.69

Definição de “cultura mundial” por Bégi (1997: 47)

“A ‘cultura mundial’ é uma entidade anónima na qual o Oriente e o

Ocidente, ao se confrontar, adquirem (développent) traços comuns

instigantes. A ascensão e a queda periódicas da civilização estão

agora entrando na metamorfose de uma cultura mundial sem

nome, sem lugar, sem época”. p.70

Page 12: Fichamento MIGNOLO Historias Locais Projetos Globais

Diferença entre mundialização e globalização elaborada por

Glissant (1998: 2): mundialização como estar em relação e

globalização como estandardização

“A mundialização é precisamente o que todos temos hoje em

comum: a dimensão onde me vejo habitando e a relação na qual

todos bem nos podemos perder. O infeliz outro lado da

mundialização é a chamada globalização ou mercado global: a

redução ao mínimo, a corrida em direção ao fundo, a

estandardização, a imposição de corporações multinacionais com

seu éthos (demasiadamente próprio do homem) de lucro bestial,

círculos de circunferência ubíqua e sem centro em lugar algum

(Glissant, 1998: 2)”. p.70

Emergência de identidades diversas

“A abertura de novas e diversas identidades da mundialização que

emergem do choque entre projetos globais atuais (a civilização do

mercado) para Glissant, a metamorfose de um ‘mundo em

crioulização’”. p.70

Crioulização x hibridismo

“Se a crioulização não é uma ‘enxertadura’ é porque concebe-se

não como híbrida, mas novamente como uma rearticulação de

projetos globais na perspectiva das histórias locais. A história local

a partir da qual e sobre a qual fala Glissant é a colonização do

Caribe; ele está pensando a partir da diferença colonial. Em

contraste com isso, a hibridez é o resultado visível que não revela

a colonialidade do poder inscrita no imaginário do mundo

colonial/moderno”. p.71

8.3-Pensamento liminar e diferença colonial

Naspala Vras de Quijano (1997: 117) a colonialidade do poder

também impõe uma identidade “pronta”

“A colonialidacle do poder e a dependência histórico-estrutural

implicam ambas a hegemonia do eurocentrismo como perspectiva

epistemológica... No contexto da colonialidade do poder, a

população dominada, nas novas identidades que lhes haviam sido

Page 13: Fichamento MIGNOLO Historias Locais Projetos Globais

atribuídas, foram também submetidas à hegemonia eurocêntrica

como maneira de conhecer (Quijano explica como ‘Índio’ e ‘Negro’

foram identidades homogeneizantes estabelecidas pela

colonialidade do poder, apagando a diversidade das identidades

‘índia’ e ‘negra’)”. p.85

A América Latina passa a ser “extremo Ocidente”

“Alguns anos depois que os Estados Unidos da América do Norte

conquistaram sua independência da Inglaterra, houve a Revolução

Francesa, seguindo-se a Revolução Haitiana. No entanto, nesse

momento de transição do sistema mundial moderno, a

independência dos EUA e a Revolução Francesa tornaram-se os

padrões de modernidade e modernização e estabeleceram os

padrões econômicos, políticos e epistemológicos. Assim, estava

claro que a ‘América Latina’ não era o Oriente mas o ‘extremo

Ocidente’, e seus próprios intelectuais, como Domingo Faustino-

Sarmiento, da Argentina, se auto-intitularam líderes de uma

missão civilizadora em seu próprio país, abrindo assim as portas

para uma longa história de colonialismo intelectual interno, que

começou a desmoronar em 1898, quando o sistema chega a um

ponto de inflexão”. p.87

América como extensão do Ocidente e a elaboração do

ocidentalismo

“É verdade, como afirma Said, que o Oriente se tornou uma das

imagens recorrentes do outro europeu após o século 18. O

Ocidente, no entanto, nunca foi o outro para a Europa, mas a

diferença dentro do mesmo: as Índias Ocidentais (como se pode

ver no próprio nome) e mais tarde a América (em Buffon, Hegel

etc.) era o Extremo Ocidente, não sua alteridade. A América, ao

contrário da Ásia e da África, incluía-se como parte da extensão da

Europa e não como sua diferença. Eis porque, uma vez mais, sem

ocidentalismo não há orientalismo. O ocidentalismo foi uma

construção transatlântica precisamente no sentido em que as

Américas foram concebidas como a expansão da Europa, a terra

Page 14: Fichamento MIGNOLO Historias Locais Projetos Globais

ocupada pelos descendentes de Jafé, cujo nome traz inscrito seu

próprio destino: ‘fôlego’, ‘crescimento’, e, como tal, eles reinarão

sobre Sem (localizado na Ásia) e Cam (‘forte não em sabedoria

mas em determinação’, localizado na África) (Hay, 1957: 12)”. p.91

Ocidentalismo e a subalternização do conhecimento

“[...] o ocidentalismo - como afirmei - como o imaginário dominante

do sistema mundial moderno foi uma máquina poderosa para

subalternizar o conhecimento (dos primeiros missionários da

Renascença aos filósofos do Iluminismo) estabelecendo, ao mesmo

tempo, um padrão epistemológico planetário”. p.92

Crítica ao iluminismo por D’Alembert

“Nosso século é chamado... o século da filosofia por excelência... O

resultado ou seqüência dessa efervescência geral de mentes foi

lançar nova luz sobre alguns assuntos e novas sombras sobre

outros, assim como o efeito do fluxo das marés é deixar algo na

praia e levar outras coisas para longe (Citado em Cassirer, 1951:

4, grifos nossos)”. p.96

Pensamento liminar e revolução das histórias locais

“Minha segunda intenção é usar o sistema mundial

colonial/moderno para situar a emergência do ‘pensamento

liminar’ a partir da diferença Colonial como uma revolução

equivalente à descrita por D'Alembert, mas ocorrendo

simultaneamente em diversos lugares, reagindo a uma

impressionante diversidade de histórias locais e invertendo a

tendência pós-Iluminismo de referir todos os tipos de

conhecimento ao ‘século da filosofia por excelência’

convincentemente descrito por D'Alembert”. p.97

Formas de pensamento coexistentes

“Essa tarefa é mediar entre as práticas filosóficas no interior das

histórias coloniais modernas (por exemplo, a prática da filosofia na

África, América Latina e América do Norte, como veremos no

Capítulo II) e formas ‘tradicionais’ de pensamento - isto é, formas

de pensamento coexistentes com a definição institucional de

Page 15: Fichamento MIGNOLO Historias Locais Projetos Globais

filosofia mas não consideradas como tal na perspectiva

institucional que define a filosofia”. p.98

Tradição e modernidade

“‘Tradição’ não significa aqui algo ‘anterior’ à modernidade, mas a

persistência da memória. A este respeito, não há diferença entre

as ‘tradições’ africanas e européias. Tanto a África como a Europa

as têm, e ambas têm ‘modernidades’ e ‘colonialidades’, embora em

diferentes configurações. Enquanto a primeira preocupação pode

ser concebida como descolonização intelectual, a segunda conduz

ao ‘pensamento liminar’, como argumentaram claramente Wiredu

(1997: 303- 312), Eze (1997c) e Makang (1997)”. p.98

Histórias locais não se referem exclusivamente ao Terceiro Mundo

“Não estou, portanto, montando um cenário no qual as histórias

locais são as dos países colonizados ou do Terceiro Mundo, e os

projetos globais se situam nos países colonizadores do Primeiro

Mundo. Os projetos globais, em outras palavras, são fermentados,

por assim dizer, nas histórias locais dos países metropolitanos; são

implementados, exportados e encenados de maneira diferente em

locais particulares (por exemplo, na França e na Martinica no

século 19)”. p.99

Conceito de “une pensée autre”: diz respeito a pensar sem que

exista um “outro” na relação

“[...] um outro pensamento é uma maneira de pensar sem o outro”.

p.102

Conceito de “dupla crítica”

“Nessa interseção uma dupla crítica torna-se um pensamento

liminar, já que criticar a ambos, ao fundamentalismo ocidental e

ao islâmico, implica em pensar a partir de ambas as tradições, e,

ao mesmo tempo, de nenhuma delas. Esse pensamento liminar e

essa dupla crítica são as condições necessárias para ‘um outro

pensamento’”. p.102

Conceito de “um outro pensamento”

Page 16: Fichamento MIGNOLO Historias Locais Projetos Globais

“Assim, uma descrição conseqüente de ‘um outro pensamento’ é a

seguinte: uma maneira de pensar que não é inspirada em suas

próprias limitações e não pretende dominar e humilhar; uma

maneira de pensar que é universalmente marginal, fragmentária e

aberta; e, como tal, uma maneira de pensar que, por ser

universalmente marginal e fragmentária, não é etnocida (Khatibi,

1983: 19). Aqui reside o potencial ético de um outro pensamento”.

p.104

Sobre o “Mito da Modernidade segundo Dussel (1995: 61)

“Dussel, independentemente de Khatibi, caracterizou a razão

moderna e instrumental por seu pendor genocida. Ele tenta

revelar isso em seu conceito do ‘mito da modernidade’: ‘A

modernidade inclui um conceito ‘racional’ de emancipação que

afirmamos e presumimos. Mas, ao mesmo tempo, desenvolve um

mito irracional, uma justificativa para a violência genocida. Os pós-

modernistas criticam a razão moderna como uma razão do terror;

nós criticamos a razão Moderna por causa do mito irracional que

ela esconde.’ (Dussel, - [1993] 1995: 67)”. p.104-105