fichamento do livro direito administrativo da ordem pública
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Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública
2ª Edição. Editora Forense, 1987
Apresentação
Na terminologia jurídica a expressão ordem pública assume duas significações.
Ora aparece como designativa de parâmetros basilares de comportamento social (no
mais amplo sentido, isto é, com relação aos costumes morais, à estrutura e vida de
família, à economia geral etc.), ora diz com o clima de equilíbrio e paz indispensável à
convivência coletiva do dia a dia.
Sob o prima do Direito Administrativo ambos esses aspectos podem ser
cogitados, mas é, sobretudo, no concernente à ordem pública como condição de paz
para a realização dos objetivos do Estado e do seu papel perante a sociedade
(preservação da lei pela obediência e restauração da lei por imposição coercitiva), que
mais interessa analisá-la, estudá-la e caracterizá-la. E é vista como estado de paz, por
oposição ao estado de ameaça à tranqüilidade social ou de perturbação dela, que a
ordem pública se relaciona de imediato, com a atividade policial.
Polícia de manutenção da Ordem Pública e a Justiça –
Alvaro Lazzarini
1. Introdução
Reunidas em Caruaru (as policias militares), formularam “Moção e Propostas”,
nas quais consideram que não podem a violência e a criminalidade ser controladas
somente com os meios tradicionais, exigindo-se, isto sim, o enfrentamento, a
participação de toda a comunidade, pois é preciso considerar que a criminalidade é
somente uma das faces da violência, realimentadora de suas causas, lidando as
Policias Militares com a só criminalidade violenta, isto em no campo dos efeitos,
com pouca influência no que diz respeito à violência não criminalizada.
Há necessidade de convoca-se todos os segmentos da comunidade, que
possam participar utilmente de um grande esforço nesse sentido, com o objetivo
de definir situações a respeito do momentoso tema, sem prejuízo de alterações
legislativas necessárias.
2. Ordem Pública e Segurança Pública
Na verdade, nada mais incerto em direito do que a noção de ordem pública.
Ela varia no tempo e no espaço, de um para outro país e, até mesmo, em
determinado país de uma época para outra. Nos anais da jurisprudência, aliás,
tornou-se conhecida a frase do Conselheiro Tillon, da Corte de Cassação de Paris, de
que procurar definir o termo ordem pública é aventurar-se a pisar em areias
movediças.
Todos, porém, compreendem e sentem que ela se constitui dos princípios
superiores que formam a base da vida jurídica e moral de cada povo, formando um
sistema institucional destinado a defender, como disse CALANDRELLI, altas
concepções morais, políticas, religiosas e econômicas que fundamentam a
organização do Estado, dentro do equilíbrio normal da vida do indivíduo e da nação.
De Plácido e Silva diz entender-se por ordem pública “a situação e o estado de
legalidade normal, em que as autoridades exercem suas precípuas atribuições e os
cidadãos as respeitam e acatam, sem constrangimento ou protesto. Não se
confunde com a ordem jurídica, embora seja uma conseqüência desta e tenha sua
existência formal justamente dela derivada.
E desse sentir é, também, JOSÉ CRETELLA JUNIOR quando com apoio em
WALINE, diz: “A noção de ordem pública é extremamente vaga e ampla. Não se
trata, apenas, da manutenção material da ordem na rua, mas também da
manutenção de uma certa ordem moral.”.
VEDEL traz que “a noção de ordem pública é básica em direito adminsitrativo,
sendo constituída por um mínimo de condições essenciais a uma vida social
conveniente. A segurança dos bens e das pessoas, a salubridade e a tranqüilidade
formam-lhe o fundamento. A ordem pública reveste-se também de aspectos
econômicos (luta contra o monopólio, o açambarcamento, a carestia) e também
estéticos (proteção de lugares e monumentos)”.
LOUIS ROLLAND, professor de Direito Público Geral da Faculdade de Direito de
Paris, ao cuidar da política administrativa, enfatizou ser a noção de ordem pública
extremamente vaga. Mas, partindo de textos legais, diz ter a polícia por objeto
assegurar a boa ordem, isto é, a tranqüilidade pública, a segurança pública e
salubridade pública, concluindo, então, por asseverar que assegurar a ordem
pública é, em suma, assegurar essas três coisas, pois a ordem pública é tudo aquilo,
nada mais do que aquilo.
A ordem pública é mais fácil de ser sentida do que definida, mesmo porque ela
varia de entendimento no tempo e no espaço. Aliás, nessa última hipótese, pode
variar, inclusive, dentro de um determinado país. Mas sentir-se-á a ordem pública
segundo um conjunto de critérios de ordem superior, políticos, econômicos, morais
e, até mesmo, religiosos. A ordem pública não deixa de ser uma situação de
legalidade e moralidade normal, apurada por quem tenha competência para isso
sentir e valorar. A ordem pública, em outras palavras, existirá onde estiver ausente
a desordem, isto é, os atos de violência, de que espécie for, contra as pessoas, bens
ou o próprio Estado.
E, no que interessa à Polícia, a ordem pública, que elas tem por missão
assegurar, definir-se-á pelo seu caráter principalmente material, cuidando de evitar
desordens visíveis, isto é, só as manifestações exteriores de desordem justificam a
sua intervenção. A polícia não respeita o foro íntimo, como ainda o domicílio
privado, exceto na medida em que as atividades que aí se desenrolarem tiverem
efeitos externos, havendo, até mesmo, um caráter limitado nessa ação à
tranqüilidade, segurança e a salubridade.
De tudo que foi focalizado até agora, tem-se a firme e inabalável convicção de
que a noção ampla de ordem pública envolve outra polêmica noção, a da segurança
pública, e não ao contrário, como já se disse alhures.
Segundo Mario Pessoa, “a Segurança Pública é o estado antidelitual, que
resulta da observância dos preceitos tutelados pelos códigos penais comuns e pela
lei das contravenções. As ações que promovem a Segurança Pública são ações
policiais repressivas ou preventivas típicas. As mais comuns são as que reprimem os
crimes contra a vida e a propriedade. Todavia, a Segurança Pública pode resultar da
simples ausência, mesmo temporária, dos delitos e contravenções.
Paul Bernard diz ser a segurança pública um aspecto da ordem pública
(anteriormente, examinamos a sua lição no sentido de que a ordem pública está
constituída de três elementos: a tranqüilidade ou boa ordem, a segurança e a
salubridade), aspecto esse concreto de um mesmo objetivo modelado pelas
exigências da realidade.
3. Poder de Polícia, Poder da Polícia e Polícia
Polícia é o vocábulo que designa o conjunto de instituições, fundadas pelo
Estado, para que, segundo as prescrições legais e regulamentares estabelecidas,
exerçam vigilância para que se mantenham a ordem pública, a moralidade, a saúde
pública e se assegure o bem estar coletivo, garantindo-se a propriedade e outros
direitos individuais.
JOSÉ CRETELLA JÚNIOR acrescenta que “se a polícia é uma atividade ou
aparelhamento, o poder de polícia é o princípio jurídico que informa essa atividade,
justificando a ação policial, nos Estados de Direito”, certo que, por sua vez, o “o
Poder da Polícia é a possibilidade atuante da polícia, é a polícia quando age. Numa
expressão maior, que abrigasse as designações que estamos esclarecendo,
diríamos: em virtude do poder de polícia o poder da polícia é empregado pela
polícia a fim de assegurar o bem-estar público ameaçado.”
A fiscalização só pode, em verdade, ser exercida pela Polícia, diante do Poder
de Polícia que é o que fundamenta o Poder da Polícia em assim fiscalizar o que seja
de interesse da ordem pública.
JOSÉ CRETELLA JÚNIOR sustenta que é necessário que tenha um mínimo de
segurança. Seguro, o homem pode trabalhar melhor. Para isso, em todos os países,
uma determinada parte do Estado especializou-se e constituiu um corpo
diferenciado, a que dá o nome de Polícia. A Polícia é encarregada de assegurar a
ordem pública e promover a segurança humana. Sem ordem, é impossível o
funcionamento do Estado.
4. Polícia Administrativa (preventiva) e Polícia Judiciária (repressiva)
A Polícia Militar do Rio de Janeiro determinou viagens de estudos aos seus
Oficiais Alunos. Em seus relatórios apresentaram que “um fato é comum em todos os
países: seja uma, dias, três, quatro ou cinco policias, e sejam essas policiais de
estrutura militar ou de características militares, mesmo agindo na mesma região, todas
elas, e sem que haja qualquer problema, fazem o ciclo completo de polícia, ou seja,
polícia preventiva, repressiva, investigatória e judiciária.
A Polícia Administrativa é preventiva. A Polícia Judiciária é repressiva. A
primeira desenvolve a sua atividade, procurando evitar a ocorrência do ilícito e daí ser
denominada preventiva. A segunda é repressiva, porque atua após a eclosão do ilícito
penal, funcionando como auxiliar do Poder Judiciário.
Mas, o mesmo órgão policial pode ser eclético, porque age preventivamente e
repressivamente. A linha de diferenciação, portanto, estará sempre na ocorrência ou
não do ilícito penal. Se um órgão estiver no exercício da atividade policial preventiva
(policia administrativa) e ocorrer a infração penal, nada justifica que ele não passe,
imediatamente, a desenvolver a atividade policial repressiva (polícia judiciária)
fazendo, então, atuar as normas de Direito Processual Penal, com vistas ao sucesso da
persecução criminal.
5. Polícia de Manutenção da Ordem Pública e Polícia de Segurança Pública
CARLO CONSONNI FOLCIERI, Presidente do Tribunal de Pesaro, Itália, no
verbete “Policia Judiciaria”, do Novissimo Digesto Italiano, distingue a Judiciária da
Policia de Segurança, salientando que “Enquanto compreensiva de toda atividade
discircionária de prevenção no resguardo de qualquer lei limitadora da liberdade e
penalmente sancionada, a polícia em sentido lato tem sempre caráter de atividade
administrativa pelo qual é pleonasticamente a qualificação de polícia administrativa,
constantemente usada. Ao lado do esboçado conceito de policia administrativa, em
sentido genérico, se deve ter presente um outro que se pode dizer da polícia em
sentido estrito e que, compreendendo apenas a atividade de prevenção referente às
leis administrativas sancionadas penalmente, se divide em tantas partes quantas são
as leis a que serve de atuação. A principal das referidas partes é a polícia de segurança,
orientada a proteger os bens supremos de ordem pública, da segurança geral, da
moralidade pública, da paz e da tranqüilidade social; considerada a sua importância
preponderando entre vários ramos da polícia administrativa, muitas das suas normas
contém uma série de princípios gerais aplicáveis a qualquer outro ramo (polícia
sanitária, polícia industrial, polícia comercial)”.
ALDO M. SANDULLI, Professor da Universidade de Roma, Itália, lembra que a
polícia de segurança não é outra coisa senão uma parte da polícia administrativa, pois
esta não compreende só aquela, que é exercida pelas autoridades de segurança
pública e está voltada a garantir a preservação da ordem pública.
A noção de ordem pública é muito mais ampla e envolvente do que a de
segurança pública, como estado antidelitual, que resulta da observância dos preceitos
tutelados pela legislação penal comum, compreende-se na de ordem pública, no
sentido de ausência de desordem, isto é, de atos de violência, de que espécie for,
contra pessoas, bens ou o próprio Estado.
Portanto, em termos, estando de acordo com JOSÉ LOPES ZARZUELA para,
considerando todos os ensinamentos a respeito, sopesando-os com a realidade
brasileira, afirmar, como já afirmamos em anteriores trabalhos, que a denominada
Polícia de Manutenção da Ordem Pública ( a Polícia de Segurança Pública está incluída
na noção da de Ordem Pública) é exteriorização não só da Polícia Administrativa, na
exata medida em que previne a desordem, mantendo a ordem pública nas suas
múltiplas facetas, procurando evitar a eclosão delitual em sentido amplo (delitos e
contravenções penais), no que é exercício da denominada Policia de Segurança, como
também é exteriorização de Policia Judiciária, quando cuida da repressão delitual,
igualmente no seu sentido amplo, como auxiliar de Justiça Criminal, ficando, então,
regida pelas normas de Direito Processual Penal e, assim, controlada e fiscalizada pela
autoridade judiciária competente, a quem, sem que tenha natureza jurisdicional, deve
fornecer um primeiro material de averiguação e de exame.
6. Polícia e Autoridade Policial (civil e/ou militar)
Ficou bem assentado que toda Polícia, seja a Administrativa ou a Judiciária, é
exteriorização de atividade administrativa, não se confundindo, sequer, a de Polícia
Judiciária com atividade jurisdicional, própria do Poder Judiciário.
Os agentes públicos, que exerçam atividade de polícia, assim, são autoridades
administrativas e não autoridades judiciárias.
GODOFFREDO DA SILVA TELES JÚNIOR traz que “nos domínios do direito, as
capacidades especiais são os fundamentos da autoridade. Autoridades, para o direito,
é o poder pela qual uma pessoa ou entidade se impõe às outras, em razão de seu
estado ou situação. É o poder de direito de uma pessoa, em virtude de sua especial
capacidade de fato. (...) Em razão de seu estado ou de sua situação em razão de suas
especiais capacidades de fato – pode uma pessoa ter o poder de se impor as outras,
nos termos da lei. Esse poder é que, nos domínios do direito, se denomina
autoridade.”
Assim, a pessoa que tem o poder de se impor a outrem nos termos da lei tem
esse poder em razão do consenso daqueles mesmos sobre os quais a sua autoridade é
exercida, consenso esse que se resume nos poderes que lha são atribuídos pela
mesma lei, emanada pelo Estado em nome dos concidadãos.
HÉLIO TORNAGHI a respeito de quem é autoridade policial, útil se torna
transcrever parecer seu, encomendado por associação de classe, devidamente
espancadas as citações em alemão. Para esse ilustre processualista, “O conceito de
autoridade está diretamente ligado ao poder do Estado. Os juristas alemães, que mais
profundamente do que quaisquer outros estudaram o assunto, consideram autoridade
(...) todo aquele que com fundamento em lei (...) é parte integrante da estrutura do
Estado (...) é órgão do poder público (...), instituído especialmente para alcançar os fins
do Estado (...) agindo por iniciativa própria, mercê de ordens e normas expedidas
segundo sua discrição (...). Daí se vê que autoridade: a) é órgão do Estado; b) exerce o
poder público; c) age motu próprio; d) guia-se por sua prudência, dentro dos limites da
lei; e) pode ordenar e traçar normas; f) e sua atividade não visa apenas os meios, mas
aos próprios fins do Estado.
Com base em tudo isso, ao certo, malgrado se saiba que os comentários ao
Código de Processo Penal vigente entendem que autoridades policiais são somente os
integrantes superiores da carreira policial civil, isto é, os delegados de qualquer grau,
e, onde houver o Chefe da Polícia Civil, na verdade, como focalizado, não há
sustentação filosófica e jurídico administrativa para esse entendimento
processualístico penal.
Estão preenchidos todos os requisitos que os juristas alemães sugeriram a
HÉLIO TORNAGHI, no seu aludido parecer, acima transcrito.
Em razão disso, o órgão singular da Polícia Militar, isto é, o policial militar
considerado isoladamente, também, tem a parcela de autoridade administrativa de
acordo com a posição hierárquica que ocupa e as funções cometidas a ele para o
desempenho, no plano administrativo, da atividade de polícia de manutenção da
ordem pública, da qual é parte a polícia de segurança. O policial militar, como agente
público, é servidor denominado como tal, isto é, policial militar, como o considera a
legislação federal pertinente.
E, também, mão será demais lembrar HELY LOPES MEIRELLES, segundo o qual
esses gestores da coisa pública, investidos de competência decisória, passam a ser
autoridades, com poderes e deveres específicos do cargo ou da função, e,
conseqüentemente com responsabilidades próprias de suas atribuições, tendo um
poder-dever de agir, hoje reconhecido pacificamente pela jurisprudência e pela
doutrina administrativa, porque o poder tem para o agente público o significado de
dever para com a comunidade e para com os indivíduos, no sentido de que quem o
detém está sempre na obrigação de exercitá-lo, defendendo-o até onde necessário.
O policial militar faz todo o ciclo da polícia preventiva e o da políca repressiva,
só levando a ocorrência policial à autoridade policial civil, para que esta ultime a
atividade repressiva da polícia, fazendo a sua parte cartorária e, eventualmente,
investigatória, consubstanciada na peça meramente informativa a que se denomina
inquérito policial.
Em outras e finais palavras, só cessa a autoridade policial militar no momento
em que a ocorrência é passada para a autoridade policial civil, cessando a desta
quando ela, agora na forma de inquérito policial, é remetida, assim, formalizada
burocraticamente, à Justiça Criminal, tudo considerado que no lugar haja autoridade
policial civil de carreira.
Nas missões de manutenção da ordem pública são autoridades competentes,
para efeito de planejamento e execução do emprego das Polícias Militares, os seus
respectivos Comandantes Gerais e, por delegação destes, os Comandantes de
Unidades e suas frações, quando for o caso, nos termos do § 3° do art. 10 do
Regulamento para as Polícias Militares (R-200), aprovado pelo Decreto Federal n°
88.777, de 30 de setembro de 1983.
A propósito, costuma-se atribuir ao policial militar a qualidade de agente da
autoridade e não a de autoridade policial.
Demonstramos o equívoco dessa colocação por parte de ilustres
processualistas, não afeitos ao Direito Administrativo, ramo da ciência jurídica do qual
deriva o poder instrumental da Administração Pública, que é o Poder de Polícia, como
também a noção de que seja autoridade administrativa, como o são aqueles que
exercem atividades policiais, sejam administrativas ou judiciárias. E lembremos que
mesmo a atividade de polícia judiciária é administrativa, por excelência, não se
confundindo com a atividade judiciário-criminal, exercida por autoridade judiciária, do
Poder Judiciário, do qual o agente policial é mero auxiliar, seja qual for o seu grau
hierárquico ou detenha o título universitário com o qual se habilitou para o exercício
da atividade policial em que esteja investido legalmente.
O policial militar é a própria força pública, ou melhor, integra a própria força
pública do Estado, onde está investido legalmente. Não é nenhum encarregado ou
empregado particular. Os seus direitos e deveres, as suas prerrogativas decorrem da
sua própria e específica situação estatutária, que o vincula à Administração Pública, do
qual é servidor público. Não é simples colaborador de um serviço público de polícia. É,
isto sim, quem o exerce, na forma da lei.
7. Polícia e a Justiça (o Juizado de Instrução).
Pensamos que os policiais militares, como integrantes da Polícia de
Manutenção da Ordem Pública, não só devem atender a ocorrência policial criminal,
como também, ao invés de levar as partes e o que mais possa interessar à distribuição
da Justiça Criminal a um órgão policial intermediário para elaboração de uma mera
peça informativa, de pouco valor jurídico-processual, deve ir, diretamente, à Justiça
Criminal, tudo isso levando.
Em síntese apertada, feita pelo próprio Professor VICENTE RÁO, “as
autoridades policiais compete, mais detalhadamente: a) evitar a continuação, ou,
quando possível, a consumação do fato criminoso; b) efetuar a prisão em flagrante; c)
conservar os vestígios de crime e apresentar ato contínuo ao juiz formador do
processo os demais elementos de convicção, inclusive as testemunhas; d) auxiliar a
apuração judiciária do fato criminoso e da responsabilidade – tudo, é óbvio, além da
sua função geral preventiva e repressiva, em matéria de ordem pública.
Os óbices apontados na “Exposição de Motivos” de FRANCISCO CAMPOS,
retrotranscritos, não mais subsistem. A extensão territorial brasileira já está superada
pelos modernos meios de transporte e de comunicações. As rodovias cortam nosso
país de norte a sul, de leste a oeste. Há uma malha rodoviária federal, estadual e
municipal. As aeronaves pousam em grandes e pequenos aeroportos. Há, até mesmo.
Os clandestinos, não homologados, mas que servem para pouso e decolagem de
aviões. Há os heliportos e helipontos. Há a navegação fluvial etc. Enfim, sob esse
prisma, não mais subsistem os motivos que levaram a ditadura Vargas a conservar o
inquérito policial, embora reconhecesse as proclamadas vantagens do juízo de
instrução.
O juizado de instrução, assim, estaria a atender aos problemas éticos da polícia,
eliminando o inquérito policial. Ninguém, tenha-se coragem para dizer como o fez
VICENTE RÁO, desconhece a inutilidade jurídico processual do inquérito policial, e isso
com a devida vênia dos que nele vislumbram alguma utilidade.
LAERTES DE MACEDO TORRENS, firmou as teses no sentido de “a admissão e a
introdução do Juizado de Instrução na Legislação Processual Brasileira viria corrigir as
distorções ocasionadas pelo poder discricionário da polícia judiciária, ao mesmo tempo
que estaria garantida a efetividade da ação acusatória e os legítimos interesses
individuais da defesa ampla”, pois “a exclusão definitiva do inquérito policial permitiria
maior desempenho da polícia preventiva, e auxílio mais eficiente ao Poder Judiciário,
diminuindo-se, dest’arte, os altos índices de criminalidade, contribuindo, assim, a
polícia administrativa de forma eficaz para a justiça social, a paz e a harmonia coletivas
e a distribuição da Justiça”.
Com isso a polícia estará reconduzida à função auxiliar que lhe é peculiar, e ao
Judiciário se restituirá a plenitude de sua real competência, evitando-se, pois, um
duplo prejuízo, ou seja, o da sociedade não receber proteção suficiente contra o
elemento dissolvente e o do acusado ter de socorrer-se de meios de defesa aleatórios.
8. Conclusões
A ordem pública – ainda preferimos dizer – é a ausência de desordens
consubstancidas nos atos de violência a que nos referimos. Na sua ampla e vaga
noção, encontramos a de segurança pública, como estado antidelitual. Em outras
palavras, segurança pública é um dos aspectos da ordem pública.
A Polícia de Manutenção da Ordem Pública – e por isso a Polícia de Segurança -,
em princípio, é modalidade da espécie Polícia Administrativa, por preventiva que é.
Todavia, em ocorrendo o ilícito que se procurava evitar, a Polícia de Manutenção da
Ordem Pública, imediata e automaticamente, passa à repressão, assim entendida a
colaboração que deve ao Poder Judiciário para a plena realização da Justiça Criminal.
A estética militar dessas instituições policiais brasileiras, baseada na estrita
obediência à hierarquia e à disciplina, não as inibe de bem executar o policiamento de
manutenção da ordem pública, que o fazem de modo ostensivo, fardado e armado, a
exemplo de sua congêneres dos denominados países desenvolvidos da Europa, como
também as dos Estados Unidos da América do Norte e do Japão, igualmente militares
ou, então, estruturadas militarmente.
A competência das Polícias Militares deriva da Constituição da República. Daí
por que os seus integrantes, respeitado o seu grau hierárquico e as atribuições que
lhes forem cometidas, tem a autoridade policial correspondente à sua missão
constitucional de manutenção da ordem pública, quer quando em ação preventiva
típica, quer quando em ação repressiva, auxiliando a realização da Justiça, após a
eclosão da infração criminal que não conseguiram evitar. Essa autoridade policial –
conhecida por autoridade policial militar – só cessa quando, onde houver a ocorrência
é entregue a outra autoridade policial, a civil, encarregada da feitura do inquérito
policial, mera peça informativa que encerra as diligências investigatórias e tudo o mais
que possa interessar à realização da Justiça Criminal.
O ideal, na luta contra a violência de início indicada, será suprimir-se a figura do
inquérito policial, possibilitando-se a apresentação do caso criminal, diretamente ao
Juiz Instrutor, com todos os elementos que o policial militar possa colher para a plena
realização da Justiça Criminal, com o que se realizará, a exemplo do que ocorre nos
denominados países civilizados da Europa, como também nos Estados Unidos e Japão,
o “ciclo completo de polícia”, evitando-se a sua cisão com os graves prejuízos que hoje
se verificam.
Poder de Polícia e Polícia do Poder –
Caio Tácito
As bases do liberalismo político tiveram como centro de irradiação as duas
Revoluções que, rompendo definitivamente a era do Absolutismo, consolidam o
esquema da limitação do poder, a ele opondo a garantia do indivíduo, como sujeito de
direito. Ao mesmo passo, na ordem econômica, a liberdade de comércio e de iniciativa
fortalece a burguesia e antecipa a presença da empresa, como célula do capitalismo.
O poder absoluto se retrai perante o domínio dos direitos do indivíduo na
mutação da sociedade presumidamente livre e igualitária. A implantação do
liberalismo e a subordinação da autoridade ao princípio da supremacia da lei
possibilitam a afirmação de direitos públicos subjetivos reconhecidos e resguardados
pela ordem constitucional.
Na ordem nova da sociedade, retratada nas Declarações de Direito, o Estado
opera, unicamente, como um fator de equilíbrio nos conflitos entre direitos individuais
superiormente protegidos nas Constituições. À autoridade cabe somente um papel
negativo, de evitar a perturbação da ordem e assegurar a livre fruição dos direitos de
cada um.
Esta competência de arbitragem caracteriza o conceito clássico de poder de
polícia, simples processo de contenção de excessos do individualismo. O poder de
polícia consiste, em suma, na ação da autoridade pública para fazer cumprir a todos os
indivíduos o dever de não perturbar. Um dos mestres do direito administrativo alemão
assim definia o papel da administração: “O resultado de cada aplicação do poder de
polícia mão será jamais outro: que esse homem não perturbe”.
O poder de polícia tinha como estrita finalidade e garantia da segurança, da
tranqüilidade e da salubridade públicas.
A evidência dessa desigualdade entre homens supostamente iguais colocaria a
primeira dúvida sobre a equidade da regra invariável de igualdade de todos perante a
lei.
Daí por que, como ensina GABINO FRAGA, o regime de polícia que, em sentido
restrito, apenas compreende os três interesses primários da ordem, segurança e
salubridade, se vai estendendo para alcançar outras formas de conciliação de
interesses individuais.
A ordem econômica passou a um crescente relevo na sociedade moderna,
convertendo o Estado em agente de intervenção, com o objetivo de promover o bem-
estar social. Nos Estados Unidos, desde meados do século passado, a velocidade do
crescimento da economia tornou necessária a presença do Estado na disciplina de
direitos individuais.
Na medida, porém, em que se desfaz a auréola quase romântica dos capitães
de indústria e os conflitos sociais dia a dia se exacerbam, os sindicatos se fortalecem e
despontam os primeiros sinais da crise afinal deflagrada em 1929, retorna a primazia
do poder de polícia como instrumento de intervenção do Estado na ordem econômica
e social.
No equilíbrio entre os princípios – de certa forma antagônicos – da liberdade e
da autoridade, o poder de polícia se coloca como uma das faculdades discricionárias
do Poder Público, visando à proteção da ordem, da paz e do bem estar social.
O fortalecimento do poder discricionário – do qual o poder de polícia é uma das
manifestações mais atuantes – colocou em destaque a necessidade de
aperfeiçoamento do controle de legalidade de modo a conter, oportunamente, os
excessos ou violências da Administração Pública.
Certamente, a via tradicional de garantia no sistema de freios e contrapesos,
incumbe, por excelência, ao Poder Judiciário, guardião da legalidade e protetor dos
direitos e liberdades. Aprofundou-se o controle de legalidade dos atos administrativos
mediante a construção, a princípio doutrinária e jurisprudencial, da teoria do desvio do
poder, notável criação do Conselho de Estado da França (que logo se
internacionalizou) a qual permite condicionar a competência da autoridade,
impedindo que possa ser posta a serviço de interesses que não se compatibilizem com
a finalidade específica que, em cada caso, autoriza a ação unilateral e imperativa da
Administração Pública.
Já agora, no cenário dos direitos humanos, desponta a reação contra o risco da
presença esmagadora do Estado. A título de servir ao homem e à coletividade, o
Estado ameaça tornar-se opressivo, substituindo a personalidade pela uniformidade.
No painel da liberdade, acendem-se as luzes de advertência do perigo do autoritarismo
emergente. Ao abuso do direito individual ou aos malefícios da concentração
econômica, que a lei habilita o Estado a prevenir ou reprimir, sucede-se o abuso da
burocracia, perante a qual ficam desarmados tanto as pessoas como os próprios
setores da sociedade.
A consciência, que se generaliza, de que a expansão do poder do Estado
constrange a liberdade e padroniza a sociedade, não se limita atualmente à
criatividade de meios de defesa da privacidade do indivíduo e do espírito de iniciativa,
aquilo a que chamamos de polícia do poder.
Ao poder de policia, símbolo da abstração do Estado, se contrapõe o poder das
idéias, expressão mais alta da individualidade. A limitação do Poder é um problema de
técnica jurídica, que tem seu molde nas Constituições. Também é, no entanto, um
estado de espírito coletivo que tem como termômetro a opinião pública, a se traduzir
tanto pelo voto como pelos métodos informais de contestação e de consenso.
Direito Administrativo da Segurança Pública –
Diogo de Figueiredo Moreira Neto
1. Introdução
Organização e ação submetidas ao Direito não significam, entretanto, que todo
comportamento deve estar necessariamente prescrito em lei; há uma vasta área de
atuação que não se compadece com a geometria social de prévias definições
vinculativas e que, assim, demandarão juízos casuísticos de conveniência e de
oportunidade – o que se denomina de discricionariedade – ou, até, além dos
parâmetros da própria órbita jurídica -, o que se denomina de liberdade.
O que se pretende, com a sujeição do Estado à lei, é que ele aja de acordo com
a lei (ou deixe de agir) quando ela o determina; que aja dentro dos limites da lei,
quando ela abra alternativas de opção de tempo e de modo, e que não aja contra a lei,
quando sua ação for livre.
Desta maneira, o Direito Administrativo tem a seu cargo disciplinar a segurança
que o Estado proporciona através de todas as ações, juridicamente prescritas ou não
defesas, que não sejam através da edição de norma legal (competência legislativa) ou
de sua aplicação contenciosa nos casos concretos (competência jurisdicional), reservas
dos Poderes Legislativo e Judiciário, respectivamente.
A primeira expressão da atividade administrativa do Estado manifesta-se, em
seus albores, no campo da segurança; mais precisamente, da segurança pública, como
será examinado adiante, através de medidas restritivas e condicionadoras do exercício
das liberdades e dos direitos individuais, visando a assegurar um mínimo aceitável de
convivência social, ampliando-se até chegar à dimensão atual do Poder de Polícia.
Embora muito antigo, o Poder de Polícia veio a caracterizar o Estado liberal por
se constituir no máximo de atividade interventiva que lhe reconhecia o liberalismo
burguês.
2. O poder de polícia
O conceito de segurança, inicialmente circunscrito ao âmbito da convivência
pública, se foi ampliando para acomodar todas as garantias que o Estado deveria
propiciar, em todos os campos do agir humano. A necessidade de ordem abrangeria
desde as relações interindividuais, passando por intergrupais, até à Nação e ao
concerto internacional.
O poder de polícia, em suas manifestações arcaicas, nada mais era que a
atividade destinada a manter uma ordem interna do grupo, indispensável à sua própria
sobrevivência.
Os progressos jurídicos produziram, no campo do Direito Público, o conceito do
Estado de Direito, no qual um dos indispensáveis suportes veio a ser a diferenciação e
a separação das grandes atividades funcionais do Estado – a divisão de poderes: a
partilha institucional do poder estatal.
Esta evolução não só localizou, definitivamente, o poder de polícia, como uma
expansão dos poderes administrativos, que nas partilhas constitucionais cabem,
maciçamente, ao Poder Executivo, como submeteram-no à ordem jurídica. Em outras
palavras, a ordem pública deveria ser mantida através de atividades administrativas
dentro dos limites da lei.
Para justificar a intervenção corretiva dos desajustamentos, hipertrofias e
deformações causados pelo liberalismo, o conceito de ordem pública, que adiante
estudaremos, teve que se estender sobre várias formas de relações jurídicas, até
mesmo sobre aquelas consideradas bastiões sagrados do Direito Privado.
Este segundo surto histórico expansionista do poder de polícia, já doravante
diferenciado dentre as atividades administrativas do Estado, já perfeitamente balizado
pelo Estado de Direito, é o que produziu sua atual concepção e presente dimensão nos
Estados democráticos contemporâneos.
Por outro lado, o antigo conceito de segurança ultrapassa os limites do Poder
de Polícia. A segurança passou a ser uma preocupação em todos os campos e setores
da vida humana, do indivíduo à sociedade nacional e desta à sociedade universal,
enquanto que o Poder de Polícia, como atividade administrativa do Estado,
juridicamente referida, necessitava conter-se em seu conceito próprio, para continuar
a distingui-lo de outras manifestações coercitivas do poder do Estado, como, por
exemplo, o poder de aplicar sanções individuais (repressão judiciária, prerrogativa do
Poder Judiciário através de seus órgãos jurisdicionais) e como o poder de empregar
toda a força disponível em ações de defesa (repressão operativa, prerrogativa do
Poder Executivo através de suas Forças Armadas), o poder de intervir coercitivamente
nos processos econômicos (ordenamento econômico), etc.
O Poder de Polícia pode ser conceituado, assim, acrescentados esses aspectos,
como a atividade administrativa do Estado que tem por fim limitar e condicionar o
exercício das liberdades e direitos individuais visando a assegurar, em nível capaz de
preservar a ordem pública, o atendimento de valores mínimos da convivência social,
notadamente a segurança, a salubridade, o decoro e a estética.
Mas é necessário um alerta: a repressão que recai sobre a liberdade e
incolumidade da pessoa não pode exceder, nem em intensidade nem em duração, o
mínimo absolutamente indispensável à manutenção ou reposição da ordem pública.
Somente em estado de necessidade e legítima defesa de seus agentes pode o Estado
usar da força, além dos limites do Poder de Polícia, comprometendo a liberdade (e a
vida) dos responsáveis por perturbação violenta da ordem pública, sujeitando-se,
assim, à apreciação da existência desses pressupostos pela Justiça.
Esta distinção nos leva naturalmente às duas clássicas subdivisões de Polícia,
em Polícia Administrativa e Polícia Judiciária e em Polícia Administrativa Geral e Polícia
Administrativa da Segurança Pública.
Embora em todos os casos esteja em jogo a segurança de valores de
convivência social, a classificação em Polícia Administrativa e Polícia Judiciária atende
ao modo de atuação da Administração e a classificação em Polícia Administrativa Geral
e Policia Administrativa de Segurança Pública atende ao objeto da atuação da
Administração.
Quanto à Polícia Judiciária, esta se distingue nitidamente da Polícia
Administrativa, pelo objeto e pela finalidade da atuação.
Quanto à finalidade, a diferença está na repressão: enquanto no exercício da
Policia Administrativa a repressão é própria da Administração que emprega
discrionária e executoriamente até restabelecer a ordem pública, no exercício da
Polícia Judiciária a repressão é própria e exclusiva do Poder Judiciário, não cabendo o
uso da discricionariedade e da executoriedade senão instrumentalmente, no estrito
limite para a Administração lograr a apresentação do responsável pela violação à
ordem pública, eventualmente tipificada como conduta punível, à Justiça.
Quanto ao objeto, a diferença reside na amplitude de ação da Polícia
Administrativa que, para manter todos os aspectos da Ordem Pública, pode incidir
sobre pessoas, individual ou coletivamente consideradas, sobre direitos, bens e
atividades, enquanto que a ação da Polícia Judiciária, para submeter ao Poder
Judiciário aquelas violações específicas da Ordem Pública, tipificadas como crimes e
contravenções penais, recai apenas sobre a pessoa dos indivíduos, singularmente
considerados.
Observe-se, de importância, que o poder repressivo do Estado contra a
perturbação da ordem se esgota na ação discricionária e executória da Administração,
sempre que o interesse protegido for o amplo campo da ordem pública – e aí temos a
Polícia Administrativa; diferentemente, o poder repressor do Estado contra a
perturbação da ordem não se esgota na ação discricionária e executória da
Administração, através da Polícia Judiciária, sempre que se tratar de perturbações que
se inscrevam no campo mais restrito da ordem jurídica, que tipifica condutas puníveis.
Neste caso, a Polícia Judiciária age como instrumento da repressão reservada ao Poder
Judiciário, este, sim, que a esgota.
Para a Polícia Judiciária, o poder de polícia é um meio, um instrumento de ação,
para atingir a um objetivo: apresentar um delinqüente à Justiça. Para a Policia
Administrativa, o poder de policia é um meio, um instrumento, para restabelecer
executoriamente, pela dissuasão, de preferência, pela força, se necessário, o império
da ordem pública.
Outra conseqüência diferenciatória, é que o uso da força pela Polícia Judiciária
se volta à coação legal de pessoas singularmente consideradas (indiciados e acusados)
absolutamente necessária à sua condução à barra dos tribunais, que faz a repressão a
posteriori. O uso de força pela Policia Administrativa, preventiva e repressivamente, se
dirige contra a ação de pessoas, singularmente ou coletivamente consideradas, que, na
prática de ações, criminais ou não, ocasionem perturbação da ordem pública, fazendo
a repressão no momento em que ela ocorra, até restabelecê-la.
Estas observações põem em evidência um aspecto bastante interessante: a
Polícia Administrativa é preponderantemente preventiva e excepcionalmente
repressiva; sua maneira normal de atuar é a prevenção – evitar perturbação é ao que
ela visa. A Polícia Judiciária, embora possa usar de meios coercitivos, não é preventiva
nem repressiva (senão na medida em que sua atuação possa dissuadir a prática de
delitos), ela é preparatória da repressão – levar o responsável punível pela
perturbação à Justiça é ao que ela visa.
3. Segurança Pública
Dizer que alguém ou algo estão seguros equivale a afirmar que estão garantidos
contra tudo o que, previsivelmente, possa se lhes opor.
Estão, assim, implícitos na idéia:
a) O que se garante (valor);
b) Quem garante (autor da garantia);
c) Contra quem (ou contra o que) se garante (perigo);
d) Com o que se garante (fator da garantia).
a) O que se garante (o valor);
A segurança pode se referir à vida e à incolumidade das pessoas, valores
básicos na sociedade civilizada, e ao funcionamento das instituições, principalmente
do Estado, valores imprescindíveis à existência da civilização tal como a temos.
b) Quem garante ( o autor da garantia)
Com o monopólio do uso da força nas sociedades organizadas, o Estado tomou
a si a responsabilidade de proporcionar onímodas garantias.
c) Contra quem (ou o que) se garante (perigo)
O perigo é o antivalor. No campo da Segurança Nacional, se dirige à contenção
das manifestações antagônicas, com ou sem uso da força, contra os valores expressos
nos objetivos nacionais.
d) Com o que se garante (fator de garantia)
O meio empregado como fator de garantia há de ser distinto, conforme se trate
de cada um dos tipos de segurança acima referidos. Na Segurança Interna, o fator de
garantia está no uso preventivo e repressivo de todos os meios do Poder Executivo, em
ações diretas e o mais imediatamente possível, e na atividade do Poder Judiciário, em
ações penais contra as pessoas dos responsáveis por atos delituosos.
É dentro da amplitude da Segurança Interna que se insere a esfera menor, me
que o valor de referência é a convivência pacífica e harmoniosa, aquele que exclui a
violência e se obtém pela manutenção de uma satisfatória “ordem da coisa pública”: é,
por isto, a Segurança Pública.
Na Segurança Pública:
a) O que se garante é o inefável valor da convivência pacífica e
harmoniosa, que exclui a violência nas relações sociais, que se contém no conceito de
Ordem Pública;
b) Quem garante é o Estado, já que tomou a si o monopólio do uso da
força na sociedade e é, pois, o responsável pela Ordem Pública;
c) Garante-se a Ordem Pública contra a ação de seus perturbadores;
d) Garante-se a Ordem Pública através do exercício, pela Administração,
do Poder de Polícia.
4. Ordem Pública
Se, sinteticamente, Segurança Pública é a garantia da Ordem Pública, esta é o
objeto daquela.
A noção de Ordem Pública não é nova. Vamos encontrá-la mencionada desde o
Direito Romano. O termo ainda não havia sido cunhado, mas seu conteúdo
correspondia ao conceito de mores. A ordem fundada no mores populi romani, idéia
mais próxima aos costume que à lei, tinha até um agente público para controlá-la, o
censor, que detinha o poder repressivo exercendo a sanção na modalidade de
repreensão pública – a nota censoria. No Direito Intermédio, a expressão surge commo
sinônimo de “bons costumes” e “interesses públicos”, na linguagem dos legistas e dos
glosadores, com um lastro moral muito profundo no cristianismo. Ao chegar ao século
dezenove, o liberalismo reliberta o conceito laico mas o restringe, como seria de se
esperar, a aspectos quase casuísticos. Com o advento do Estado do Bem Estar Social, a
Ordem Pública se hipertrofia e passa a ser o conceito instrumental para o alargamento
do papel interventivo do Estado nos vários campos de atividade humana; passa a servir
não só ao Poder de Polícia e aos Serviços Públicos como ao Ordenamento Econômico e
ao Ordenamento Social, as novas modalidades de ação do Estado presentes nas
constituições do século XX.
Mas, ainda assim, cumpre observar que a Ordem Pública é desses conceitos
extremamente usados mas pouco estudados.
Entretanto, a Ordem Pública, aguçando ainda mais este intrigante paradoxo,
pode aparecer, às vezes, como um conceito tão abrangente que PONTES DE MIRANDA
chega a defini-la como um “sobredireito” (Comentários à Constituição de 1967, tomo I,
p. 124).
Se o conceito serve ao Legislativo e ao Judiciário, com a amplitude a que
PONTES se refere, para o Executivo é que se apresenta como noção de uso
permanente, diuturno, demandando menos rarefação, descendo ao universo jurídico
da aplicação corriqueira, quase legal, para servir de suporte para as ações
discricionárias que o Estado deve executar para proporcionar a segurança pública.
Ora, se a segurança pública se perfaz com a manutenção da Ordem Pública,
este conceito deve ser suficientemente preciso para ser jurídico (distinção) sem ser
excessivamente limitado para ser legal (restrição).
Esta Ordem Pública, na lição de MARCELLO CAETANO, se conota aos “danos
sociais”, como “os prejuízos causados à vida em sociedade ou que ponham em causa a
convivência de todos os membros dela” no substrato do conceito está, assim, o dano
social.
Tome-se, a propósito, a observação de MARCEL WALINE em seu Direito
Administrativo:
“A noção de Ordem Pública é extremamente vaga e ampla. Não setrata apenas
de manutenção normal da ordem na rua, mas também de manter uma certa ordem
moral.” (Droit administratif, Paris, 9ª Ed., 1963, p. 642)
A Ordem Jurídica, em suas atuais dimensões, ultrapassa a antiga idéia de
conjunto de normas. Assimilar-se a Ordem Jurídica à ordem legal normativa não é
errado mas é insuficiente. Por outro lado, a Ordem Pública é uma situação visível,
prática, resultante da observância da Ordem Jurídica. Desse conceito, assim entendido,
com esta imensa riqueza conteudística, da Ordem Jurídica, chega-se à Ordem Pública
como um aspecto visível de sua realização, como uma idéia que tem vocação de um
endereçamento prático, que tem a ver com a harmoniosa convivência diária, com o
clima de paz social, com a exclusão da violência e com o trabalho permanente dos
agentes de segurança pública na guarda desses valores.
Nestes termos, a Ordem Pública é a concretização em tempo e lugar
determinados, dos valores convivenciais postulados pela Ordem Jurídica.
O Poder Executivo, embora com a preocupação válida de objetivar melhor a
“vaga e ampla” noção de Ordem Pública, como diz WALINE, acabou por sucumbir à
tentação da definição, assim decretando (Decreto n 88.777, de 30 de setembro de
1983, art 2°, 21):
Ordem Pública: Conjunto de regras formais que emanam do ordenamento
jurídico da nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do
interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica,
fiscalizada pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduz
ao bem comum.
Empolada, confusa, cheia de erros; uma boa intenção que presta um desserviço
ao Direito e ofende a sua ciência.
Primeiramente, conceitua-se Ordem Pública como “conjunto de regras
formais”. Erro. Ordem Pública não são regras, mas o resultado apreciável de sua
observância. Mas, ainda que a Ordem Pública fosse reduzida a um “conjunto de regras
formais”, não fica claro como este conjunto poderia “regular as relações sociais de
todos os níveis, do interesse público”.
Prossegue o texto fazendo menção à “fiscalização do Poder de Polícia” como
integrante do conceito. Desde logo, o Poder de Polícia é prescindível na armação do
conceito de Ordem Pública; nele poderia ter ingresso apenas para esclarecer que
meios o Estado emprega para mantê-lo. O que não tem nenhum cabimento é
mencionar-se apenas um modo de atuação intermediária do Poder de Polícia: a
fiscalização. Ora, se os modos são quatro: ordem de polícia, consentimento de polícia,
fiscalização de polícia e sanção de polícia, por que a menção específica a um deles?
Finalmente, a menção ao “bem comum”, como a finalidade de manter a
situação de Ordem Pública,, é supérflua e desnecessária. Sua presença neste conceito
é tão exabundante como reproduzi-la e, cada conceito técnico do Direito Público:
Poderes do Estado, Poder de Polícia, ato administrativo, licença etc.
Se se trata de buscar um conceito operativo, muito melhor foi a solução da
Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, que escolheu um documento doutrinário
para expô-lo. O Manual de Bases Doutrinárias para o emprego da Força.
“Ordem Pública é o estado de paz social que experimenta a população,
decorrente do grau de garantia individual ou coletiva propiciado pelo poder público,
que envolve, além das garantias de segurança, tranqüilidade e salubridade, as noções
de ordem moral, estética, política e econômica, independentemente de manifestações
visíveis de desordem”.
Não parece apropriado, todavia, o apêndice “independentemente de
manifestações visíveis de desordem” que ficou sem antecedente claro. Afinal,
“independentemente” modifica que verbo? “Que experimenta a população” ou
“propiciado pelo Poder Público” ou “que envolve”?
A esta altura já se pode armar um conceito doutrinário à meditação do leitor
preocupado com um sentido prático de Ordem Pública.
Ordem pública, objeto da Segurança Pública, é a situação de convivência
pacífica e harmoniosa da população, fundada nos princípios éticos vigentes na
sociedade.
5. Direito Administrativo da Segurança Pública
A ação do Estado contemporâneo está pautada pelo Direito. Seja ela vinculada
(segundo a lei), discricionária (dentro dos limites da lei) ou livre (não impedida pela
lei), sempre estará juridicamente referida.
Em princípio, ou o Estado age individual, coletiva, discricionária e
executoriamente, na preservação dos valores da Segurança Interna, no uso de suas
atribuições administrativas (Poder Executivo) ou age individual, vinculada e
executoriamente, na preservação destes valores protegidos por preceitos punitivos, no
uso de suas atribuições jurisdicionais (Poder Judiciário).
Direito Administrativo da Segurança Pública é, em consequência, o ramo do do
Direito Administrativo que disciplina as atividades do Estado, no exercício do poder de
polícia, na manutenção e restauração da Ordem Pública.
Ao qualificar-se de administrativo este ramo do Direito de Segurança, excluímos
as demais áreas disciplinares do Direito que tratam do mesmo fenômeno, contidos no
gênero Direito de Segurança.
A menção à segurança pública exclui os esgalhamentos do Direito
Administrativo que não se referem diretamente à Ordem Pública, mas às demais
ordens político-jurídicas existentes na nação.
A referência ao Poder de Polícia já estabelece que instrumentos o Estado está
autorizado a usar na tutela do valor Ordem Pública enquanto Administração Pública.
Finalmente, a menção à manutenção e restauração da Ordem Pública, ao
mesmo tempo que referencia todo este ramo didático à Ordem Pública, indica os
modos de atuação preventiva (manutenção) e repressiva (restauração) que deve
disciplinar.
A ação de Polícia Administrativa de Segurança Pública, que tem a seu cargo
todos os modos e formas de prevenção e de repressão remanescentes no exercício do
Poder de Polícia, se subordina integralmente ao Direito Administrativo de Segurança
Pública e seu limite é, precisamente, onde começa o Direito Processual Penal,
esgotando-se com a apresentação de transgressores da lei penal à Polícia Judiciária.
Em outras palavras: a autoridade policial administrativa de segurança pública
vai até onde começa a autoridade policial judiciária e esta, por sua vez, até onde
começa a autoridade judiciária.
6. Prevenção e Repressão no Direito Administrativo da Segurança Pública
Quadro de Ação do Estado no campo da Segurança Pública
1. Prevenção na Ordem Pública
1.1. Dissuasão pela presença: é a missão típica do policiamento
ostensivo; trata-se de evitar a perturbação potencial da Ordem Pública;
a competência é da força pública dos Estados membros (polícias
militares)
1.2. Dissuasão pela força: é a missão típica do policiamento
operativo; trata-se de impedir a perturbação iminente da Ordem
Pública; a competência é da força pública dos Estados-membros
(Polícias Militares), aplicada como força de dissusão.
2. Repressão na ordem pública
2.1. Repressão por contenção: é também missão do policiamento
operativo; trata-se de restabelecer a Ordem Pública, contendo a
perturbação deflagrada; a competência é ainda da força pública dos
Estados-membros (Polícias Militares), aplicada como força de repressão,
precedendo ao eventual emprego das Forças Armadas.
2.2. Repressão por eliminação: é a missão de emprego operativo das
Forças Armadas; trata-se de reconstituir a Ordem Pública eliminando a
grave perturbação que a sacrificou, no todo ou em parte, empregando
meios além da capacidade operativa das forças públicas dos Estados,
que, não obstante, continuam a ser empenhadas em missões que lhes
forem destinadas pela Força Terrestre à qual passam a integrar-se como
Forças Auxiliares; neste nível de gravidade de perturbação da ordem, a
competência passa à União e a doutrina tem considerado que,
caracterizado o grave comprometimento da Ordem Pública, passa-se da
Segurança Pública para a Segurança Interna, com todas as implicações
políticas conseqüentes, especialmente a possibilidade de decretação do
estado de sítio.
Polícia de Manutenção da Ordem Pública e suas atribuições –
Hely Lopes Meirelles
1. O Poder de Polícia
O Estado, na sua acepção mais ampla – União, Estado, Municípios e Distrito
Federal -, é dotado de poderes políticos exercidos pelo Legislativo, Judiciário e
Executivo no desempenho de suas atribuições constitucionais, e de poderes
administrativos que surgem, secundariamente, com seus órgãos da Administração e se
efetivam consoante as exigências do serviço público e dos interesses da comunidade.
Assim, enquanto os poderes políticos se originam dos Poderes do Estado, e só
são exercidos pelos respectivos órgãos constitucionais do Governo, os poderes
administrativos se difundem por toda a Administração Pública e se apresentam como
meios de sua atuação. Aqueles são poderes imanentes e estruturais do Estado; estes
são contingentes e instrumentais da Administração em geral.
Dentre os poderes administrativos figura, com especial destaque, o poder de
polícia administrativa, que a Administração Pública exerce sobre todas as atividades e
bens que afetam ou possam afetar a coletividade. Para esse policiamento há
competências exclusivas e competências concorrentes de todas as esferas estatais.
Discorrendo sobre o ato de polícia chamamos a atenção para os seus três
atributos: discricionariedade, auto executoriedade e coercibilidade.
A discricionariedade traduz-se na livre escolha, pela Administração, da
oportunidade e conveniência de exercer o poder de polícia, bem como de aplicar as
sanções e empregar os meios conducentes a atingir o fim colimado, que é a proteção
de algum interesse público.
A auto-executoriedade é a faculdade de a Administração julgar e executar
diretamente a sua decisão, por seus próprios meios, sem intervenção do Poder
Judiciário. (fora do contexto constitucional e legal atual).
A coercibilidade é a imposição coativa das medidas adotadas pela
Administração. Realmente, todo ato de polícia é imperativo para o seu destinatário,
admitindo até mesmo o emprego da força pública para o seu cumprimento, quando
resistido pelo administrado, mas, todavia, não legaliza a violência desnecessária ou
desproporcional à resistência oferecida.
O poder de polícia estende-se a vários setores na defesa do cidadão, da
coletividade e do próprio Estado. Temos, assim, a polícia administrativa, a polícia
judiciária e a polícia de manutenção da ordem pública. Todo esse mecanismo
administrativo e judiciário visa a preservar o que genericamente se conceitua como
direito à segurança, a que fazem jus todos os integrantes dos Estados civilizados, sem
distinção de pessoa, raça ou credo.
2. Polícia Administrativa e Polícia Judiciária
Sempre se distinguiu a polícia administrativa da polícia judiciária, porque
aquela atua preventivamente sobre os bens e atividades que afetam a comunidade e
esta incide direta e repressivamente sobre as pessoas que atentam contra as
instituições e a sociedade ou agridem individualmente qualquer de seus membros.
A polícia administrativa reparte-se em: geral e especial. Dentre as polícias
administrativas especiais está a polícia de manutenção da ordem pública, com
características próprias, como veremos adiante.
Com efeito, a ordem pública há que ser mantida, preventiva ou
repressivamente, quando o indivíduo ou uma parcela da coletividade põe em risco a
tranqüilidade social ou atenta contra pessoas o bens, públicos ou particulares.
3. Polícia de Manutenção da Ordem Pública
A polícia de manutenção da ordem pública, atribuída precipuamente às Polícias
Militares, tem embasamento constitucional.
A missão primordial das Polícias Militares é a manutenção da ordem pública em
policiamento ostensivo, com elementos fardados, que, pela sua presença, como força
de dissuasão, previne ou reprime movimentos perturbadores da tranqüilidade pública.
Contudo, em circunstâncias excepcionais, pode a Polícia Militar desempenhar função
de polícia judiciária, tal como na perseguição e detenção de criminosos, apresentando-
os à Polícia Civil, para o devido inquérito a ser remetido, oportunamente, à Justiça
Criminal.
Pode-se dizer que a policia de manutenção da ordem pública é a que se destina
a impedir os atos individuais ou coletivos que atentem contra a segurança internam as
atividades lícitas, os bens públicos ou particulares, a saúde e o bem-estar das
populações, e a vida dos cidadãos, mantendo a situação de garantia e normalidade que
o Estado assegura, ou deva assegurar, a todos os membros da sociedade.
4. Conceito de Ordem Pública
Ordem Pública é a situação de tranqüilidade e normalidade que o Estado
assegura – ou deve assegurar – às instituições e a todos os membros da sociedade,
consoante as normas jurídicas legalmente estabelecidas.
O conceito de ordem pública não se restringe apenas à estabilidade das
instituições, pois abrange e protege também os direitos individuais e a conduta ilícita
de todo cidadão, para a coexistência pacífica na comunidade.
Finalizando, diremos que a ordem pública não é figura jurídica, nem instituição
política ou social. É situação fática de respeito ao interesse da coletividade e aos
direitos individuais que o Estado assegura, pela Constituição da República e pelas leis,
a todos os membros da comunidade.
Polícia Militar e Poder de Polícia no Direito Brasileiro –
José Cretella Júnior
1. Segurança Individual e Polícia
A segurança das pessoas e das coisas é elemento básico das condições
universais, fator absolutamente indispensável para o natural desenvolvimento da
personalidade humana. Proclamada inviolável pelo direito, não fica, porém, livre de
forças exteriores, pessoais e impessoais, que ameaçam a todo instante a paz física e
espiritual dos indivíduos. Tais ameaças que se erigem em perigo contra o qual a
personalidade oferece, primeiro, a própria força particular, em seguida, a força
organizada do meio social, pelo motivo muito simples de que a ameaça dirigida a uma
pessoa constitui ameaça indireta a toda a coletividade, precisam ser coibidas.
Dum modo geral, polícia é termo genérico com que se designa a força
organizada que protege a sociedade, livrando-a de toda vis inquietativa, mas “a livre
atividade dos particulares, na sociedade organizada, tem necessariamente limites, cujo
traçado cabe à autoridade pública” (RIVERO, Droit Administratif, 9ª Ed., 1980, p. 424).
2. Conceito de Polícia
Numa primeira acepção, polícia é sinônimo de regras de polícia, conjunto de
normas impostas pela autoridade pública aos cidadãos, seja no conjunto da vida
normal diária, seja no exercício de atividade específica. Desse modo, toda regra de
direito poderia ser compreendida como regra de polícia, no sentido mais amplo do
termo. Numa segurança acepção, denomina-se polícia o conjunto de atos de execução
dos regulamentos assim feitos, bem como das leis. É nesta segunda acepção que se
distingue, como veremos, a polícia administrativa da polícia judiciária. Numa terceira
acepção, polícia é o nome que se reserva às forças públicas encarregadas da execução
das leis e regulamentos, isto é, aos agentes públicos, ao pessoal de cuja atividade
resulta a ordem pública (MARCEL WALINE, Traité élémentaire de droit administratif, 6ª
Ed., 1952, p. 272-273).
3. Elementos Integrantes do Conceito de Polícia
O primeiro elemento, de obrigatória presença na definição de polícia, e o da
fonte de que provém, o Estado, ficando, pois, de lado, qualquer proteção de natureza
particular. Isso porque o exercício do poder de polícia é indelegável sob pena de
falência virtual do Estado; o segundo elemento, o escopo, de natureza teleológica,
também é essencial para caracterizar a polícia, ou seja, não existe o instituto se o fim
que se propõe for outro que não o de assegurar a paz, a tranqüilidade, a boa ordem,
para cada um e para todos os membros da comunidade; o terceiro elemento que não
pode faltar na definição de polícia é o que diz respeito, in concreto, às limitações a
qualquer tipo de atividade que possa perturbar a vida em comum.
4. Nossa definição de Polícia
Conjunto de poderes coercitivos exercidos pelo Estado sobre as atividades do
cidadão mediante restrições legais impostas a essas atividades quando abusivas, a fim
de assegurar-se a ordem pública.
5. Análise da definição de Polícia
6. Divisão da Polícia
A Polícia pode ser considerada sob diversos prismas, daí advindo esta ou aquela
divisão. Nesse particular, tornou-se clássica a divisão da polícia em três ramos
principais: a polícia administrativa ou preventiva, a polícia repressiva ou judiciária e a
polícia mista.
Polícia administrativa, objeto particular de nosso estudo, é a que tem por
objetivo tomar providências e fazer respeitar todas as medidas necessárias para a
manutenção da ordem, da segurança e da salubridade pública.
7. Polícia Administrativa
A Polícia Administrativa é também denominada policia preventiva. Exerce
atividades a priori, antes dos acontecimentos, procurando evitar que as perturbações
se verifiquem.
A atividade da policia administrativa é multiforme, imprevisível, não podendo
estar limitada em todos os setores em que deve desdobrar-se. Sendo infinitos os
recursos de que lança mão o gênero humano, a polícia precisa intervir sem restrições,
no momento oportuno, pois que sua ação é indefinida como a própria vida, não sendo
possível aprisioná-la em fórmulas, motivo por que certa flexibilidade ou a livre escolha
dos meios é inseparável da polícia.
8. Arbitrariedade e Discricionariedade da Ação Policial
A legislação que pretendesse regular de antemão todos os atos da polícia seria
impraticável e desastrosa. Esse arbítrio, sem dúvida, não é absoluto; move-se no
quadro das leis e a polícia não deve lesar ou violar direitos adquiridos, sem que haja
verdadeira necessidade.
9. Polícia Judiciária
No Brasil, a distinção da polícia em judiciária e administrativa, de procedência
francesa e universalmente aceita, menos pelos povos influenciados pelo direito inglês
(Grã Bretanha e Estados Unidos), defeituosa e arbitrária (ALCIDES CRUZ, Direito
Administrativo Brasileiro, 2ªed., 1914, p. 163-164), não tem integral aplicação, porque
a nossa polícia é mista, cabendo ao mesmo órgão, como dissemos, atividades
preventivas e repressivas.
RIVERO mostra com grande propriedade a identificação, no mesmo agente, de
atividades administrativas e judiciárias, de tal modo que se percebem os traços típicos
das duas modalidades de polícia, a polícia administrativa e a polícia judiciária: “Na
prática, a distinção é muitas vezes delicada, primeiro, em razão de certa identidade
pessoal: as autoridades encarregadas da polícia administrativa participam, às vezes, do
exercício de polícia judiciária. Por exemplo, o agente que dirige o trânsito passa de
polícia administrativa à polícia judiciária, no instante em que lavra o auto de
contravenção.
10. Polícia nas Três Esferas
O poder de polícia federal é exercido pelo Presidente da República, bem como
pelos Ministros de Estado; o poder de polícia estadual é exercido pelo Governador,
bem como pelo Secretário de Estado, através do Comandante-Geral da Polícia Militar;
o poder de polícia municipal é exercido pelo Prefeito, auxiliado, em alguns casos, pelo
Secretário da Prefeitura.
Na expressão polícia federal, considere-se, primeiro, o elemento “polícia” e
depois o elemento “federal”. O segundo elemento “federal” contrapõe esse tipo de
polícia à “polícia estadual”, ao policiamento exercido pelo Estado-membro. O poder de
polícia, “facultas” do Estado, em sentido amplo, de restringir a atividade nefasta do
cidadão, quando esta prejudica outro cidadão, vários cidadãos ou a coletividade, é
concretizado na “polícia”, força organizada que atua, na prática, fundamentada no
“poder de polícia”. A polícia pode ser preventiva ou administrativa, quando age a
priori, antes que ocorram as perturbações ou judiciária, quando age a posteriori,
depois que o delito ocorreu, também se denominando, sem rigor técnico, de
“repressiva”, ao invés de “auxiliar”, denominação mais correta. A manutenção da
ordem pública interna é, primeiro, de competência do Estado membro, mediante ação
da Polícia Militar.
11. Ramos da Polícia Administrativa
Em primeiro lugar, divide-se a polícia administrativa em dois ramos: geral e
especial.
Polícia administrativa geral é a que tem por objetivo a consecução direta de
certos fins preventivos, que não estão ligados a nenhum outro serviço público, como a
polícia de jogos. Polícia administrativa especial é a que aparece como acessória a
outros serviços públicos, como, por exemplo, a polícia ferroviária.
Divide-se a polícia geral em dois ramos: polícia de segurança e polícia de
costumes. A primeira tem por objeto prevenir a criminalidade em relação à
incolumidade pessoal, à propriedade, à tranqüilidade pública e social. Nela se incluem
a de roubos, a de estrangeiros, a do exercício de profissões. A segunda abrange várias
modalidades, como as relativas a jogos, a diversões, ao lenocínio, à prostituição, ao
alcoolismo, aos entorpecentes, à mendicância.
As modalidades da polícia especial são inúmeras, e se desdobram de acordo
com o desenvolvimento dos serviços públicos em cada país. As principais são a
mortuária ou dos cemitérios, a do trânsito, a ferroviária, a portuária, a aduaneira, a
edilícia (MÁRIO MASAGÃO, Curso de Direito Administrativo, 5ªed., 1974, p. 169).
GEORGES VEDEL, que aceita a divisão da polícia administrativa em geral e
especial, assinala que a primeira “compreende tudo que está abrangido nos três
termos “segurança”, “tranqüilidade” e “salubridade” e a segunda tem dois sentidos,
compreendendo o primeiro “as atividades de polícia cujos fins não são diferentes
daqueles que a polícia geral persegue, mas que são submetidos a regime particular.”
12. Incidência da Ação Policial
A ação policial manifesta-se por meio de fatos e atos administrativos. O ato de
polícia, como ato administrativo, é dotado de auto-executoriedade, podendo ser
executado direta e imediatamente pela Administração, sem recorrer a qualquer outro
Poder.
A ação policial é atividade concreta, fundamentada no poder de polícia.
Utilizando a terminologia aristotélico-tomista, podemos dizer que poder de polícia PE
algo “in potentia”; é a facultas do Estado de Direito. A atividade policial é algo “in
actu”, que se projeta no munco jurídico, transformando a potencialidade em
realidade.
Este assunto básico guarda relação íntima com as liberdades públicas, com os
direitos do cidadão, e com as prerrogativas individuais, precisamente as três barreiras
de bronze que se erguem contra o poder de polícia, quando este, por exceção, se torna
arbitrário, ultrapassando ou tentando ultrapassar aquele campo sagrado dos direitos
subjetivos públicos garantidos pela Carta Magna e pelas leis fundamentais.
Mediante o exercício do poder de polícia, o Estado toma uma série de
providências que recaem sobre os administrados, garantindo-lhes o bem-estar,
mediante o policiamento da conduta exorbitante de cada um dos componentes do
grupo.
Desde que surgiu, na primeira metade do século XIX, a expressão “poder de
polícia” tem sido entendida de diversas maneiras, porque os elementos vocabulares
integrantes da denominação, por sua vez, são suscetíveis de significados diferentes.
Contudo, a expressão “poder de polícia” foi universalmente aceita e é empregada em
todas as obras especializadas de direito público que versam este complexo tema. O
que se não pode negar, no mundo fático, é a existência, na face da terra, de um
organismo repressivo, de uma força organizada – a polícia. Cabe ao direito indagar em
que se baseia esse organismo.
Concorre, para dificultar o assunto, a dualidade reconhecida de concepções a
respeito existentes, distinguindo-se a chamada concepção européia continental, bem
distinta da concepção norte americana.
Na França, por exemplo, predomina a idéia de proteção imediata da ordem
pública, resolvendo-se, pois, a ação policial em atividade administrativa assecuratória
daquela ordem, no sentido de ordem exterior dos fatos, mais do que do direito, pois o
conceito de ordem pública, referente aos limites da atividade jurídica dos indivíduos, é
noção distinta.
Nos Estados Unidos, o poder de polícia tem considerável extensão, não se
limitando à segurança pessoal contra as vias de direito, nem à salubridade e à
moralidade pública, mas compreendendo também os meios protetores da condição
econômica e social dos indivíduos no fomento do bem-estar da comunidade e na
regulamentação de sua vida econômica (BIELSA, Ciencia de La administracion, 2ª Ed.,
1952, p. 351).
Ao passo que, na França, seguida de perto pela Itália, a defesa da ordem
pública, da segurança, da salubridade, é o objetivo preciso do poder de polícia, na
jurisprudência e doutrina norte americanas, aquele poder transcende às formas
construtivas de direitos individuais, promanadas da Administração para estender-se,
principalmente, até o exercício da função legislativa.
Se polícia é espécie de atividade administrativa, poder de polícia é a
manifestação do poder público próprio de tal atividade.
A noção de polícia é menos ampla do que a de poder de polícia. Esta é a
manifestação do poder público tendente a fazer executar o dever geral do súdito.
Consiste o poder de polícia na ação da autoridade para fazer cumprir o dever, que se
supõe geral, de não perturbar, de modo algum, a boa ordem da coisa pública. (OTTO
MAYER, Derecho administrativo alemán).
O poder de polícia, ensina LAUBADÉRE, define-se pelo fim que tem em mira e
que é o de assegurar a tranquilidade (ausência de riscos, de desordem), a segurança
( ausência de riscos, de acidentes) ou a salubridade pública (ausência de riscos de
moléstias) (cf. Traité élémentaire de droit administratif, 1953, p. 539, cf 3ª Ed. 1963, v.
I, p. 506).
Para precisar o conceito do poder de policia, é indispensável, portanto, definir o
que deve entender-se por bem estar público, que se decompõe em grande variedade
de interesses que compreendem os interesses fundamentais da ordem, segurança e
salubridade públicas, chegando até a abranger os interesses de natureza econômica
(GABINO FRAGA, Derecho administrativo, 12ª Ed. 1968, p 456).
13. Poder “de” e poder “da” Polícia
O poder “de” polícia é que fundamenta o poder “da” polícia. Este sem aquele
seria o arbitrário, verdadeira ação policial divorciada do Estado de direito.
14. Poder de Polícia na Doutrina Brasileira
Estamos agora em condições de estruturar definição universal do poder de
polícia, mediante o qual os Estados de direito, de nossos dias, satisfazem a tríplice
objetivo, qual seja, o de assegurar a tranqüilidade, a segurança, a salubridade,
mediante uma restritiva série de medidas, traduzidas, na prática, pela ação policial,
que se propõe a atingir tal desideratum.
Relembrando tradicional divisão de KANT a respeito do direito natural e da
legislação positiva, quando aquele pensador mostra que ambos não se confundem,
mas que o primeiro, o “noumenos”, é o conjunto de princípios que informam e que
dão nascimento à legislação positiva, o “fenômeno”, que é a legislação, varia de
sistema para sistema, de época para época. O direito natural, em si, o “noumenos” é
imutável, atravessando os séculos. Podemos, relativamente “ao poder de polícia”,
dizer que o poder de policia, condição sine qua non para a existência dos
agrupamentos humanos, é o “noumenos” kantiano ou a potestas aristotélica, que
paira acima dos aparelhamentos policiais dos diversos povos, assentando em
postulados da razão prática e que a polícia é o “fenômeno” a que se refere KANT,
variando de Estado a Estado. A aplicação do “poder de polícia”, na prática, constitui a
“polícia”.
15. Direito Positivo e Jurisprudência
Podem variar as “aplicações” do poder de polícia, de sistema para sistema, de
direito para direito, de governo para governo, mas a potestas politiae é imutável, de
nada depende, porque é princípio que se exaure em si mesmo, pondo-se como pedra
angular do mundo jurídico, fiel da balança que impede a confusão entre o arbitrário e
o discricionário, autorizando a ação policial, mas limitando-a, permitindo que a
atividade do particular se desenvolva no mais alto grau, sem que interfira em outro
particular ou na coletividade, de tal modo que se concilie o arbítrio de um com o
arbítrio de outro, numa expressão total de esforços disciplinados.
16. Poder de Polícia, causa; Polícia, conseqüência
O poder de polícia é a causa, a condição, o fundamento; a polícia é a
conseqüência. Para usar a linguagem aristotélico-tomista, diremos que o poder de
polícia é algo in potentia, traduzindo, in actu, pela ação policial.
O poder de policia é a faculdade discricionária da Administração de limitar a
liberdade individual, ou coletiva, em prol do interesse público.
Polícia, numa primeira acepção, é o modo de dizer regras de polícia, complexo
de preceitos que impõem determinada conduta ao cidadão, ou na conjuntura da vida
corrente, ou no exercício de determinada atividade. Numa segunda acepção, polícia é
o conjunto dos atos de execução dos regulamentos assim feitos, bem como as leis,
sendo, neste sentido, que se distingue a polícia administrativa da polícia judiciária.
Polícia ainda pode ser compreendida como as forças públicas, a força policial,
os agentes, os inspetores de polícia, isto é, todo o aparelhamento policial, o pessoal, a
repartição, o instrumental, a rede. Polícia, no Brasil, é a Polícia Militar, organização a
quem cabe manter a ordem pública no Estado-membro.
17. Limites ou Barreiras do Poder de Polícia
No regime de legalidade, o poder de polícia é limitado pela barreira legal,
exercendo-se em esfera que o direito assinala. O poder de polícia deve ser
discricionário, não arbitrário.
Fixando a definição, estamos diante do mais crucial, relevante e moderno
problema do direito público. Onde termina o “discricionário”? Onde principia o
“arbitrário”? Em que momento a ação administrativa se deterá diante das faculdades
ou liberdades que pertencem aos indivíduos? A que área se circunscreve a ação
administrativa, detendo-se, a fim de não ultrapassar os direitos do administrado?
Partindo-se da premissa de que toda decisão administrativa, em matéria de
polícia, como em qualquer outro setor, é informada pelo princípio da legalidade, é
bem de ver-se que a Administração tem a faculdade de intervir apenas no âmbito
demarcado pela norma jurídica. Qualquer medida administrativa tem de estar de
acordo com a lei, “secundum legem”.
Do mesmo modo que os direitos individuais são relativos, assim também
acontece com o poder de polícia que, longe de ser onipotente, incontrolável, é
circunscrito, jamais podendo por em perigo a liberdade e a propriedade. Importando,
regra geral, o poder de polícia, restrições a direitos individuais, a sua utilização não
deve ser excessiva ou desnecessária, para que não se configure o “abuso de poder”. A
coexistência da liberdade individual e do poder público repousa na conciliação entre a
necessidade de respeitar essa liberdade e a de assegurar a ordem social. O requisito de
conveniência ou de interesse público é, assim, pressuposto necessário à limitação dos
direitos do indivíduo.
De modo genérico, o respeito à legalidade, à Constituição, às leis vigentes são
as barreiras intransponíveis, que se erguem contra o exercício arbitrário do poder de
polícia, concretizado na ação policial. Em uma só palavra: a legalidade é o limite ou
barreira da ação policial.
Poder e Autoridade de Polícia Administrativa –
Sérgio de Andrea Ferreira
2. O poder de polícia é um poder instrumental do Estado, ou seja, um conjunto
de atribuições, de prerrogativas do Poder Político.
Como primeira noção pode ser explicitado que, através dele, o Governo
disciplina e limita, me geral, de interesse público e social adequado, o exercício dos
direitos individuais.
3. Conteúdo e Exercício dos Direitos. Limites e Limitações. Institucionalização
dos Direitos. Poder de Polícia Constitucional, Legislativa e Administrativa. Limitações
Administrativas ao Exercício dos Direitos. Assim como o Poder Público não pode ser
absoluto, tampouco podem sê-los os direitos dos particulares. O Poder Público
competente, ao legislar sobre o Direito, estabelecendo o seu estatuto jurídico, forma o
respectivo conteúdo, e configura seu exercício, dotando-o de poderes e faculdades e
traçando-lhe os seus limites positivos, com a indicação de até onde pode ir o titular do
direito. Estabelece ainda limites negativos, ao conferir a terceiros direitos de incursão,
de ingerência no direito que está sendo regulado. Essa configuração institucional do
direito decorre da noção de que, não sendo este absoluto, vigora o princípio de sua
relatividade, necessária à própria coexistência e ao próprio co-exercício dos direitos
iguais ou conexos.
Tais limites não são, todavia, suficientes, porque o exercício dos direitos não
deve ir de encontro a outros interesses públicos e sociais, tais como a tranqüilidade
pública, a salubridade pública, a segurança pública, os bons costumes etc.
As limitações de polícia ao exercício dos direitos são desenvolvidas pela
legislação ordinária (poder de polícia legislativa), expedida pelo Poder Público
competente para tutelar aqueles mencionados interesses públicos, que pode não ser,
aliás, o mesmo Poder Público competente para institucionalizar o direito limitado.
4. Evolução histórica do Poder de Polícia Administrativa –
5. Como segmento da função administrativa, o exercício do poder de polícia é
uma atividade-fim, que se coloca ao lado da prestação dos serviços públicos e da
intervenção do Poder Público no domínio econômico e social.
A expressão poder de polícia, como parcela da função administrativa, abrange
várias atuações do Poder Público, envolvendo atividades de disciplina preventiva,
fiscalização, repressão ou punição de abusos e transgressões, todas ligadas ao
exercício de poderes, faculdades, ao cumprimento de imposições, ao respeito a
proibições e sujeições que cada pessoa tem nas várias situações jurídicas de que é
titular, de acordo com as normas jurídicas estatutárias legais regulamentares
pertinentes. É o caso daquelas atuações estatais no que dizem respeito a nosso
estatuto como cidadãos, como titulares dos chamados direitos públicos subjetivos, ao
exercício dos mesmos.
Com destaque, os autores costumam tratar de poder de polícia administrativa
em sentido restrito, de caráter preventivo, de disciplina do exercício de poderes e
faculdades, e de busca de impedimento de abusos naquele, e de transgressões a
imposições, a proibições e a sujeições.
O poder de polícia administrativa reparte-se, praticamente, entre todas as
autoridades administrativas, desde o Presidente da República, os Governadores, os
Prefeitos, até as de menor hierarquia, e entre as várias esferas federativas.
Conceitua-se, destarte, o poder de polícia administrativa, como sendo o
conjunto de atribuições concedidas à Administração Pública para, em prol do interesse
público ou social adequado, disciplinar e fiscalizar o exercício de poderes e faculdades
inerentes aos direitos individuais, políticos e econômico-sociais.
6. Atos Administrativos de Polícia
7. Características do Poder de Polícia – O poder de polícia é eminentemente
preventivo e seus atos ostentam, em geral, o atributo da executoriedade.
A executoriedade da polícia administrativa faz com que, desobedecido o ato,
passe a autoridade pública, conforme salientado, para a prática dos fatos materiais de
polícia administrativa, como as interdições, as apreensões, as detenções.
8. Limites do Poder de Polícia – Embora com forte dose de discriocionariedade,
o exercício do poder de polícia está limitado pela vinculação, que é inerente a todo ato
administrativo e diz respeito, obrigatoriamente, à competência do agente, à finalidade
do interesse público ou social e à existência dos motivos do ato.
Além dos limites comuns a toda atividade administrativa, os atos de polícia
estão submetidos a uma restrição especial: a de proporcionalidade.
Excedidos os limites do poder de polícia, configurar-se-á o abuso do poder, o
arbítrio, o que ensejará o acionamento do mecanismo de controle da Administração
Pública, inclusive através do emprego de remédios judiciais, como o habeas corpus e o
mandado de segurança.
10. O exercício do poder de polícia é, tipicamente, parcela da função
administrativa, e não, apenas, uma atividade administrativa. Assim, deve caber às
pessoas públicas.
Quando se alude a pessoas públicas, isto é, de direito público, a referência não
se limita às pessoas políticas, à Administração Direta da União Federal, dos Estados
Membros, os Municípios, do Distrito Federal e dos Territórios Federais, mas também,
às suas autarquias.
A Polícia Militar, como Corporação, insere-se, como podemos ver, entre as
instituições que exercem poder de polícia administrativa, praticando atos
administrativos de polícia, notadamente ordens e proibições, que envolvem, não
apenas a atuação estritamente preventiva, mas, igualmente, a fiscalização e o combate
aos abusos e às rebeldias às mesmas ordens e proibições, no campo, por exemplo, da
polícia dos costumes, do trânsito e do tráfego, das reuniões, dos jogos, das armas, dos
bens públicos etc.
11. Os ilícitos de Polícia – As contravenções são tipicamente ilícitos de polícia
administrativa transpostos para o campo penal, sendo acentuada a tendência
moderna de fazê-las retornar ao campo do Direito Administrativo. A lei das
contravenções penais tem, como título de seu capítulo VII, “Das Contravenções
relativas à Polícia de Costumes”, a abranger ilícitos como os jogos de azar (o “jogo do
bi ho” está tratado no Decreto Lei n° 6259/44), a vadiagem, a mendicância, a
importunação ofensiva ao pudor, a embriaguez, a perturbação da tranqüilidade, de
cuja prevenção e repressão participa ativamente a Polícia Militar.
12. Cabe, finalmente, sublinhar que, quanto mais civilizada uma comunidade,
menos atos de polícia administrativa têm de ser praticados, pois a autolimitação no
respeito ao direito alheio é ordinária.
O poder de polícia nada mais traduz do que especificações do princípio geral de
que o abuso é a negação do direito (artigo 160, I, do Código Civil). (Atual Art 180, I).