fichamento do livro direito administrativo da ordem pública

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Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública 2ª Edição. Editora Forense, 1987 Apresentação Na terminologia jurídica a expressão ordem pública assume duas significações. Ora aparece como designativa de parâmetros basilares de comportamento social (no mais amplo sentido, isto é, com relação aos costumes morais, à estrutura e vida de família, à economia geral etc.), ora diz com o clima de equilíbrio e paz indispensável à convivência coletiva do dia a dia. Sob o prima do Direito Administrativo ambos esses aspectos podem ser cogitados, mas é, sobretudo, no concernente à ordem pública como condição de paz para a realização dos objetivos do Estado e do seu papel perante a sociedade (preservação da lei pela obediência e restauração da lei por imposição coercitiva), que mais interessa analisá-la, estudá-la e caracterizá-la. E é vista como estado de paz, por oposição ao estado de ameaça à tranqüilidade social ou de perturbação dela, que a ordem pública se relaciona de imediato, com a atividade policial. Polícia de manutenção da Ordem Pública e a Justiça Alvaro Lazzarini

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Page 1: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

2ª Edição. Editora Forense, 1987

Apresentação

Na terminologia jurídica a expressão ordem pública assume duas significações.

Ora aparece como designativa de parâmetros basilares de comportamento social (no

mais amplo sentido, isto é, com relação aos costumes morais, à estrutura e vida de

família, à economia geral etc.), ora diz com o clima de equilíbrio e paz indispensável à

convivência coletiva do dia a dia.

Sob o prima do Direito Administrativo ambos esses aspectos podem ser

cogitados, mas é, sobretudo, no concernente à ordem pública como condição de paz

para a realização dos objetivos do Estado e do seu papel perante a sociedade

(preservação da lei pela obediência e restauração da lei por imposição coercitiva), que

mais interessa analisá-la, estudá-la e caracterizá-la. E é vista como estado de paz, por

oposição ao estado de ameaça à tranqüilidade social ou de perturbação dela, que a

ordem pública se relaciona de imediato, com a atividade policial.

Polícia de manutenção da Ordem Pública e a Justiça –

Alvaro Lazzarini

1. Introdução

Reunidas em Caruaru (as policias militares), formularam “Moção e Propostas”,

nas quais consideram que não podem a violência e a criminalidade ser controladas

somente com os meios tradicionais, exigindo-se, isto sim, o enfrentamento, a

participação de toda a comunidade, pois é preciso considerar que a criminalidade é

somente uma das faces da violência, realimentadora de suas causas, lidando as

Policias Militares com a só criminalidade violenta, isto em no campo dos efeitos,

com pouca influência no que diz respeito à violência não criminalizada.

Há necessidade de convoca-se todos os segmentos da comunidade, que

possam participar utilmente de um grande esforço nesse sentido, com o objetivo

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de definir situações a respeito do momentoso tema, sem prejuízo de alterações

legislativas necessárias.

2. Ordem Pública e Segurança Pública

Na verdade, nada mais incerto em direito do que a noção de ordem pública.

Ela varia no tempo e no espaço, de um para outro país e, até mesmo, em

determinado país de uma época para outra. Nos anais da jurisprudência, aliás,

tornou-se conhecida a frase do Conselheiro Tillon, da Corte de Cassação de Paris, de

que procurar definir o termo ordem pública é aventurar-se a pisar em areias

movediças.

Todos, porém, compreendem e sentem que ela se constitui dos princípios

superiores que formam a base da vida jurídica e moral de cada povo, formando um

sistema institucional destinado a defender, como disse CALANDRELLI, altas

concepções morais, políticas, religiosas e econômicas que fundamentam a

organização do Estado, dentro do equilíbrio normal da vida do indivíduo e da nação.

De Plácido e Silva diz entender-se por ordem pública “a situação e o estado de

legalidade normal, em que as autoridades exercem suas precípuas atribuições e os

cidadãos as respeitam e acatam, sem constrangimento ou protesto. Não se

confunde com a ordem jurídica, embora seja uma conseqüência desta e tenha sua

existência formal justamente dela derivada.

E desse sentir é, também, JOSÉ CRETELLA JUNIOR quando com apoio em

WALINE, diz: “A noção de ordem pública é extremamente vaga e ampla. Não se

trata, apenas, da manutenção material da ordem na rua, mas também da

manutenção de uma certa ordem moral.”.

VEDEL traz que “a noção de ordem pública é básica em direito adminsitrativo,

sendo constituída por um mínimo de condições essenciais a uma vida social

conveniente. A segurança dos bens e das pessoas, a salubridade e a tranqüilidade

formam-lhe o fundamento. A ordem pública reveste-se também de aspectos

econômicos (luta contra o monopólio, o açambarcamento, a carestia) e também

estéticos (proteção de lugares e monumentos)”.

LOUIS ROLLAND, professor de Direito Público Geral da Faculdade de Direito de

Paris, ao cuidar da política administrativa, enfatizou ser a noção de ordem pública

Page 3: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

extremamente vaga. Mas, partindo de textos legais, diz ter a polícia por objeto

assegurar a boa ordem, isto é, a tranqüilidade pública, a segurança pública e

salubridade pública, concluindo, então, por asseverar que assegurar a ordem

pública é, em suma, assegurar essas três coisas, pois a ordem pública é tudo aquilo,

nada mais do que aquilo.

A ordem pública é mais fácil de ser sentida do que definida, mesmo porque ela

varia de entendimento no tempo e no espaço. Aliás, nessa última hipótese, pode

variar, inclusive, dentro de um determinado país. Mas sentir-se-á a ordem pública

segundo um conjunto de critérios de ordem superior, políticos, econômicos, morais

e, até mesmo, religiosos. A ordem pública não deixa de ser uma situação de

legalidade e moralidade normal, apurada por quem tenha competência para isso

sentir e valorar. A ordem pública, em outras palavras, existirá onde estiver ausente

a desordem, isto é, os atos de violência, de que espécie for, contra as pessoas, bens

ou o próprio Estado.

E, no que interessa à Polícia, a ordem pública, que elas tem por missão

assegurar, definir-se-á pelo seu caráter principalmente material, cuidando de evitar

desordens visíveis, isto é, só as manifestações exteriores de desordem justificam a

sua intervenção. A polícia não respeita o foro íntimo, como ainda o domicílio

privado, exceto na medida em que as atividades que aí se desenrolarem tiverem

efeitos externos, havendo, até mesmo, um caráter limitado nessa ação à

tranqüilidade, segurança e a salubridade.

De tudo que foi focalizado até agora, tem-se a firme e inabalável convicção de

que a noção ampla de ordem pública envolve outra polêmica noção, a da segurança

pública, e não ao contrário, como já se disse alhures.

Segundo Mario Pessoa, “a Segurança Pública é o estado antidelitual, que

resulta da observância dos preceitos tutelados pelos códigos penais comuns e pela

lei das contravenções. As ações que promovem a Segurança Pública são ações

policiais repressivas ou preventivas típicas. As mais comuns são as que reprimem os

crimes contra a vida e a propriedade. Todavia, a Segurança Pública pode resultar da

simples ausência, mesmo temporária, dos delitos e contravenções.

Paul Bernard diz ser a segurança pública um aspecto da ordem pública

(anteriormente, examinamos a sua lição no sentido de que a ordem pública está

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constituída de três elementos: a tranqüilidade ou boa ordem, a segurança e a

salubridade), aspecto esse concreto de um mesmo objetivo modelado pelas

exigências da realidade.

3. Poder de Polícia, Poder da Polícia e Polícia

Polícia é o vocábulo que designa o conjunto de instituições, fundadas pelo

Estado, para que, segundo as prescrições legais e regulamentares estabelecidas,

exerçam vigilância para que se mantenham a ordem pública, a moralidade, a saúde

pública e se assegure o bem estar coletivo, garantindo-se a propriedade e outros

direitos individuais.

JOSÉ CRETELLA JÚNIOR acrescenta que “se a polícia é uma atividade ou

aparelhamento, o poder de polícia é o princípio jurídico que informa essa atividade,

justificando a ação policial, nos Estados de Direito”, certo que, por sua vez, o “o

Poder da Polícia é a possibilidade atuante da polícia, é a polícia quando age. Numa

expressão maior, que abrigasse as designações que estamos esclarecendo,

diríamos: em virtude do poder de polícia o poder da polícia é empregado pela

polícia a fim de assegurar o bem-estar público ameaçado.”

A fiscalização só pode, em verdade, ser exercida pela Polícia, diante do Poder

de Polícia que é o que fundamenta o Poder da Polícia em assim fiscalizar o que seja

de interesse da ordem pública.

JOSÉ CRETELLA JÚNIOR sustenta que é necessário que tenha um mínimo de

segurança. Seguro, o homem pode trabalhar melhor. Para isso, em todos os países,

uma determinada parte do Estado especializou-se e constituiu um corpo

diferenciado, a que dá o nome de Polícia. A Polícia é encarregada de assegurar a

ordem pública e promover a segurança humana. Sem ordem, é impossível o

funcionamento do Estado.

4. Polícia Administrativa (preventiva) e Polícia Judiciária (repressiva)

A Polícia Militar do Rio de Janeiro determinou viagens de estudos aos seus

Oficiais Alunos. Em seus relatórios apresentaram que “um fato é comum em todos os

países: seja uma, dias, três, quatro ou cinco policias, e sejam essas policiais de

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estrutura militar ou de características militares, mesmo agindo na mesma região, todas

elas, e sem que haja qualquer problema, fazem o ciclo completo de polícia, ou seja,

polícia preventiva, repressiva, investigatória e judiciária.

A Polícia Administrativa é preventiva. A Polícia Judiciária é repressiva. A

primeira desenvolve a sua atividade, procurando evitar a ocorrência do ilícito e daí ser

denominada preventiva. A segunda é repressiva, porque atua após a eclosão do ilícito

penal, funcionando como auxiliar do Poder Judiciário.

Mas, o mesmo órgão policial pode ser eclético, porque age preventivamente e

repressivamente. A linha de diferenciação, portanto, estará sempre na ocorrência ou

não do ilícito penal. Se um órgão estiver no exercício da atividade policial preventiva

(policia administrativa) e ocorrer a infração penal, nada justifica que ele não passe,

imediatamente, a desenvolver a atividade policial repressiva (polícia judiciária)

fazendo, então, atuar as normas de Direito Processual Penal, com vistas ao sucesso da

persecução criminal.

5. Polícia de Manutenção da Ordem Pública e Polícia de Segurança Pública

CARLO CONSONNI FOLCIERI, Presidente do Tribunal de Pesaro, Itália, no

verbete “Policia Judiciaria”, do Novissimo Digesto Italiano, distingue a Judiciária da

Policia de Segurança, salientando que “Enquanto compreensiva de toda atividade

discircionária de prevenção no resguardo de qualquer lei limitadora da liberdade e

penalmente sancionada, a polícia em sentido lato tem sempre caráter de atividade

administrativa pelo qual é pleonasticamente a qualificação de polícia administrativa,

constantemente usada. Ao lado do esboçado conceito de policia administrativa, em

sentido genérico, se deve ter presente um outro que se pode dizer da polícia em

sentido estrito e que, compreendendo apenas a atividade de prevenção referente às

leis administrativas sancionadas penalmente, se divide em tantas partes quantas são

as leis a que serve de atuação. A principal das referidas partes é a polícia de segurança,

orientada a proteger os bens supremos de ordem pública, da segurança geral, da

moralidade pública, da paz e da tranqüilidade social; considerada a sua importância

preponderando entre vários ramos da polícia administrativa, muitas das suas normas

Page 6: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

contém uma série de princípios gerais aplicáveis a qualquer outro ramo (polícia

sanitária, polícia industrial, polícia comercial)”.

ALDO M. SANDULLI, Professor da Universidade de Roma, Itália, lembra que a

polícia de segurança não é outra coisa senão uma parte da polícia administrativa, pois

esta não compreende só aquela, que é exercida pelas autoridades de segurança

pública e está voltada a garantir a preservação da ordem pública.

A noção de ordem pública é muito mais ampla e envolvente do que a de

segurança pública, como estado antidelitual, que resulta da observância dos preceitos

tutelados pela legislação penal comum, compreende-se na de ordem pública, no

sentido de ausência de desordem, isto é, de atos de violência, de que espécie for,

contra pessoas, bens ou o próprio Estado.

Portanto, em termos, estando de acordo com JOSÉ LOPES ZARZUELA para,

considerando todos os ensinamentos a respeito, sopesando-os com a realidade

brasileira, afirmar, como já afirmamos em anteriores trabalhos, que a denominada

Polícia de Manutenção da Ordem Pública ( a Polícia de Segurança Pública está incluída

na noção da de Ordem Pública) é exteriorização não só da Polícia Administrativa, na

exata medida em que previne a desordem, mantendo a ordem pública nas suas

múltiplas facetas, procurando evitar a eclosão delitual em sentido amplo (delitos e

contravenções penais), no que é exercício da denominada Policia de Segurança, como

também é exteriorização de Policia Judiciária, quando cuida da repressão delitual,

igualmente no seu sentido amplo, como auxiliar de Justiça Criminal, ficando, então,

regida pelas normas de Direito Processual Penal e, assim, controlada e fiscalizada pela

autoridade judiciária competente, a quem, sem que tenha natureza jurisdicional, deve

fornecer um primeiro material de averiguação e de exame.

6. Polícia e Autoridade Policial (civil e/ou militar)

Ficou bem assentado que toda Polícia, seja a Administrativa ou a Judiciária, é

exteriorização de atividade administrativa, não se confundindo, sequer, a de Polícia

Judiciária com atividade jurisdicional, própria do Poder Judiciário.

Os agentes públicos, que exerçam atividade de polícia, assim, são autoridades

administrativas e não autoridades judiciárias.

Page 7: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

GODOFFREDO DA SILVA TELES JÚNIOR traz que “nos domínios do direito, as

capacidades especiais são os fundamentos da autoridade. Autoridades, para o direito,

é o poder pela qual uma pessoa ou entidade se impõe às outras, em razão de seu

estado ou situação. É o poder de direito de uma pessoa, em virtude de sua especial

capacidade de fato. (...) Em razão de seu estado ou de sua situação em razão de suas

especiais capacidades de fato – pode uma pessoa ter o poder de se impor as outras,

nos termos da lei. Esse poder é que, nos domínios do direito, se denomina

autoridade.”

Assim, a pessoa que tem o poder de se impor a outrem nos termos da lei tem

esse poder em razão do consenso daqueles mesmos sobre os quais a sua autoridade é

exercida, consenso esse que se resume nos poderes que lha são atribuídos pela

mesma lei, emanada pelo Estado em nome dos concidadãos.

HÉLIO TORNAGHI a respeito de quem é autoridade policial, útil se torna

transcrever parecer seu, encomendado por associação de classe, devidamente

espancadas as citações em alemão. Para esse ilustre processualista, “O conceito de

autoridade está diretamente ligado ao poder do Estado. Os juristas alemães, que mais

profundamente do que quaisquer outros estudaram o assunto, consideram autoridade

(...) todo aquele que com fundamento em lei (...) é parte integrante da estrutura do

Estado (...) é órgão do poder público (...), instituído especialmente para alcançar os fins

do Estado (...) agindo por iniciativa própria, mercê de ordens e normas expedidas

segundo sua discrição (...). Daí se vê que autoridade: a) é órgão do Estado; b) exerce o

poder público; c) age motu próprio; d) guia-se por sua prudência, dentro dos limites da

lei; e) pode ordenar e traçar normas; f) e sua atividade não visa apenas os meios, mas

aos próprios fins do Estado.

Com base em tudo isso, ao certo, malgrado se saiba que os comentários ao

Código de Processo Penal vigente entendem que autoridades policiais são somente os

integrantes superiores da carreira policial civil, isto é, os delegados de qualquer grau,

e, onde houver o Chefe da Polícia Civil, na verdade, como focalizado, não há

sustentação filosófica e jurídico administrativa para esse entendimento

processualístico penal.

Page 8: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

Estão preenchidos todos os requisitos que os juristas alemães sugeriram a

HÉLIO TORNAGHI, no seu aludido parecer, acima transcrito.

Em razão disso, o órgão singular da Polícia Militar, isto é, o policial militar

considerado isoladamente, também, tem a parcela de autoridade administrativa de

acordo com a posição hierárquica que ocupa e as funções cometidas a ele para o

desempenho, no plano administrativo, da atividade de polícia de manutenção da

ordem pública, da qual é parte a polícia de segurança. O policial militar, como agente

público, é servidor denominado como tal, isto é, policial militar, como o considera a

legislação federal pertinente.

E, também, mão será demais lembrar HELY LOPES MEIRELLES, segundo o qual

esses gestores da coisa pública, investidos de competência decisória, passam a ser

autoridades, com poderes e deveres específicos do cargo ou da função, e,

conseqüentemente com responsabilidades próprias de suas atribuições, tendo um

poder-dever de agir, hoje reconhecido pacificamente pela jurisprudência e pela

doutrina administrativa, porque o poder tem para o agente público o significado de

dever para com a comunidade e para com os indivíduos, no sentido de que quem o

detém está sempre na obrigação de exercitá-lo, defendendo-o até onde necessário.

O policial militar faz todo o ciclo da polícia preventiva e o da políca repressiva,

só levando a ocorrência policial à autoridade policial civil, para que esta ultime a

atividade repressiva da polícia, fazendo a sua parte cartorária e, eventualmente,

investigatória, consubstanciada na peça meramente informativa a que se denomina

inquérito policial.

Em outras e finais palavras, só cessa a autoridade policial militar no momento

em que a ocorrência é passada para a autoridade policial civil, cessando a desta

quando ela, agora na forma de inquérito policial, é remetida, assim, formalizada

burocraticamente, à Justiça Criminal, tudo considerado que no lugar haja autoridade

policial civil de carreira.

Nas missões de manutenção da ordem pública são autoridades competentes,

para efeito de planejamento e execução do emprego das Polícias Militares, os seus

Page 9: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

respectivos Comandantes Gerais e, por delegação destes, os Comandantes de

Unidades e suas frações, quando for o caso, nos termos do § 3° do art. 10 do

Regulamento para as Polícias Militares (R-200), aprovado pelo Decreto Federal n°

88.777, de 30 de setembro de 1983.

A propósito, costuma-se atribuir ao policial militar a qualidade de agente da

autoridade e não a de autoridade policial.

Demonstramos o equívoco dessa colocação por parte de ilustres

processualistas, não afeitos ao Direito Administrativo, ramo da ciência jurídica do qual

deriva o poder instrumental da Administração Pública, que é o Poder de Polícia, como

também a noção de que seja autoridade administrativa, como o são aqueles que

exercem atividades policiais, sejam administrativas ou judiciárias. E lembremos que

mesmo a atividade de polícia judiciária é administrativa, por excelência, não se

confundindo com a atividade judiciário-criminal, exercida por autoridade judiciária, do

Poder Judiciário, do qual o agente policial é mero auxiliar, seja qual for o seu grau

hierárquico ou detenha o título universitário com o qual se habilitou para o exercício

da atividade policial em que esteja investido legalmente.

O policial militar é a própria força pública, ou melhor, integra a própria força

pública do Estado, onde está investido legalmente. Não é nenhum encarregado ou

empregado particular. Os seus direitos e deveres, as suas prerrogativas decorrem da

sua própria e específica situação estatutária, que o vincula à Administração Pública, do

qual é servidor público. Não é simples colaborador de um serviço público de polícia. É,

isto sim, quem o exerce, na forma da lei.

7. Polícia e a Justiça (o Juizado de Instrução).

Pensamos que os policiais militares, como integrantes da Polícia de

Manutenção da Ordem Pública, não só devem atender a ocorrência policial criminal,

como também, ao invés de levar as partes e o que mais possa interessar à distribuição

da Justiça Criminal a um órgão policial intermediário para elaboração de uma mera

peça informativa, de pouco valor jurídico-processual, deve ir, diretamente, à Justiça

Criminal, tudo isso levando.

Page 10: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

Em síntese apertada, feita pelo próprio Professor VICENTE RÁO, “as

autoridades policiais compete, mais detalhadamente: a) evitar a continuação, ou,

quando possível, a consumação do fato criminoso; b) efetuar a prisão em flagrante; c)

conservar os vestígios de crime e apresentar ato contínuo ao juiz formador do

processo os demais elementos de convicção, inclusive as testemunhas; d) auxiliar a

apuração judiciária do fato criminoso e da responsabilidade – tudo, é óbvio, além da

sua função geral preventiva e repressiva, em matéria de ordem pública.

Os óbices apontados na “Exposição de Motivos” de FRANCISCO CAMPOS,

retrotranscritos, não mais subsistem. A extensão territorial brasileira já está superada

pelos modernos meios de transporte e de comunicações. As rodovias cortam nosso

país de norte a sul, de leste a oeste. Há uma malha rodoviária federal, estadual e

municipal. As aeronaves pousam em grandes e pequenos aeroportos. Há, até mesmo.

Os clandestinos, não homologados, mas que servem para pouso e decolagem de

aviões. Há os heliportos e helipontos. Há a navegação fluvial etc. Enfim, sob esse

prisma, não mais subsistem os motivos que levaram a ditadura Vargas a conservar o

inquérito policial, embora reconhecesse as proclamadas vantagens do juízo de

instrução.

O juizado de instrução, assim, estaria a atender aos problemas éticos da polícia,

eliminando o inquérito policial. Ninguém, tenha-se coragem para dizer como o fez

VICENTE RÁO, desconhece a inutilidade jurídico processual do inquérito policial, e isso

com a devida vênia dos que nele vislumbram alguma utilidade.

LAERTES DE MACEDO TORRENS, firmou as teses no sentido de “a admissão e a

introdução do Juizado de Instrução na Legislação Processual Brasileira viria corrigir as

distorções ocasionadas pelo poder discricionário da polícia judiciária, ao mesmo tempo

que estaria garantida a efetividade da ação acusatória e os legítimos interesses

individuais da defesa ampla”, pois “a exclusão definitiva do inquérito policial permitiria

maior desempenho da polícia preventiva, e auxílio mais eficiente ao Poder Judiciário,

diminuindo-se, dest’arte, os altos índices de criminalidade, contribuindo, assim, a

polícia administrativa de forma eficaz para a justiça social, a paz e a harmonia coletivas

e a distribuição da Justiça”.

Com isso a polícia estará reconduzida à função auxiliar que lhe é peculiar, e ao

Judiciário se restituirá a plenitude de sua real competência, evitando-se, pois, um

Page 11: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

duplo prejuízo, ou seja, o da sociedade não receber proteção suficiente contra o

elemento dissolvente e o do acusado ter de socorrer-se de meios de defesa aleatórios.

8. Conclusões

A ordem pública – ainda preferimos dizer – é a ausência de desordens

consubstancidas nos atos de violência a que nos referimos. Na sua ampla e vaga

noção, encontramos a de segurança pública, como estado antidelitual. Em outras

palavras, segurança pública é um dos aspectos da ordem pública.

A Polícia de Manutenção da Ordem Pública – e por isso a Polícia de Segurança -,

em princípio, é modalidade da espécie Polícia Administrativa, por preventiva que é.

Todavia, em ocorrendo o ilícito que se procurava evitar, a Polícia de Manutenção da

Ordem Pública, imediata e automaticamente, passa à repressão, assim entendida a

colaboração que deve ao Poder Judiciário para a plena realização da Justiça Criminal.

A estética militar dessas instituições policiais brasileiras, baseada na estrita

obediência à hierarquia e à disciplina, não as inibe de bem executar o policiamento de

manutenção da ordem pública, que o fazem de modo ostensivo, fardado e armado, a

exemplo de sua congêneres dos denominados países desenvolvidos da Europa, como

também as dos Estados Unidos da América do Norte e do Japão, igualmente militares

ou, então, estruturadas militarmente.

A competência das Polícias Militares deriva da Constituição da República. Daí

por que os seus integrantes, respeitado o seu grau hierárquico e as atribuições que

lhes forem cometidas, tem a autoridade policial correspondente à sua missão

constitucional de manutenção da ordem pública, quer quando em ação preventiva

típica, quer quando em ação repressiva, auxiliando a realização da Justiça, após a

eclosão da infração criminal que não conseguiram evitar. Essa autoridade policial –

conhecida por autoridade policial militar – só cessa quando, onde houver a ocorrência

é entregue a outra autoridade policial, a civil, encarregada da feitura do inquérito

policial, mera peça informativa que encerra as diligências investigatórias e tudo o mais

que possa interessar à realização da Justiça Criminal.

O ideal, na luta contra a violência de início indicada, será suprimir-se a figura do

inquérito policial, possibilitando-se a apresentação do caso criminal, diretamente ao

Juiz Instrutor, com todos os elementos que o policial militar possa colher para a plena

Page 12: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

realização da Justiça Criminal, com o que se realizará, a exemplo do que ocorre nos

denominados países civilizados da Europa, como também nos Estados Unidos e Japão,

o “ciclo completo de polícia”, evitando-se a sua cisão com os graves prejuízos que hoje

se verificam.

Poder de Polícia e Polícia do Poder –

Caio Tácito

As bases do liberalismo político tiveram como centro de irradiação as duas

Revoluções que, rompendo definitivamente a era do Absolutismo, consolidam o

esquema da limitação do poder, a ele opondo a garantia do indivíduo, como sujeito de

direito. Ao mesmo passo, na ordem econômica, a liberdade de comércio e de iniciativa

fortalece a burguesia e antecipa a presença da empresa, como célula do capitalismo.

O poder absoluto se retrai perante o domínio dos direitos do indivíduo na

mutação da sociedade presumidamente livre e igualitária. A implantação do

liberalismo e a subordinação da autoridade ao princípio da supremacia da lei

possibilitam a afirmação de direitos públicos subjetivos reconhecidos e resguardados

pela ordem constitucional.

Na ordem nova da sociedade, retratada nas Declarações de Direito, o Estado

opera, unicamente, como um fator de equilíbrio nos conflitos entre direitos individuais

superiormente protegidos nas Constituições. À autoridade cabe somente um papel

negativo, de evitar a perturbação da ordem e assegurar a livre fruição dos direitos de

cada um.

Esta competência de arbitragem caracteriza o conceito clássico de poder de

polícia, simples processo de contenção de excessos do individualismo. O poder de

polícia consiste, em suma, na ação da autoridade pública para fazer cumprir a todos os

indivíduos o dever de não perturbar. Um dos mestres do direito administrativo alemão

assim definia o papel da administração: “O resultado de cada aplicação do poder de

polícia mão será jamais outro: que esse homem não perturbe”.

O poder de polícia tinha como estrita finalidade e garantia da segurança, da

tranqüilidade e da salubridade públicas.

Page 13: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

A evidência dessa desigualdade entre homens supostamente iguais colocaria a

primeira dúvida sobre a equidade da regra invariável de igualdade de todos perante a

lei.

Daí por que, como ensina GABINO FRAGA, o regime de polícia que, em sentido

restrito, apenas compreende os três interesses primários da ordem, segurança e

salubridade, se vai estendendo para alcançar outras formas de conciliação de

interesses individuais.

A ordem econômica passou a um crescente relevo na sociedade moderna,

convertendo o Estado em agente de intervenção, com o objetivo de promover o bem-

estar social. Nos Estados Unidos, desde meados do século passado, a velocidade do

crescimento da economia tornou necessária a presença do Estado na disciplina de

direitos individuais.

Na medida, porém, em que se desfaz a auréola quase romântica dos capitães

de indústria e os conflitos sociais dia a dia se exacerbam, os sindicatos se fortalecem e

despontam os primeiros sinais da crise afinal deflagrada em 1929, retorna a primazia

do poder de polícia como instrumento de intervenção do Estado na ordem econômica

e social.

No equilíbrio entre os princípios – de certa forma antagônicos – da liberdade e

da autoridade, o poder de polícia se coloca como uma das faculdades discricionárias

do Poder Público, visando à proteção da ordem, da paz e do bem estar social.

O fortalecimento do poder discricionário – do qual o poder de polícia é uma das

manifestações mais atuantes – colocou em destaque a necessidade de

aperfeiçoamento do controle de legalidade de modo a conter, oportunamente, os

excessos ou violências da Administração Pública.

Certamente, a via tradicional de garantia no sistema de freios e contrapesos,

incumbe, por excelência, ao Poder Judiciário, guardião da legalidade e protetor dos

direitos e liberdades. Aprofundou-se o controle de legalidade dos atos administrativos

mediante a construção, a princípio doutrinária e jurisprudencial, da teoria do desvio do

poder, notável criação do Conselho de Estado da França (que logo se

internacionalizou) a qual permite condicionar a competência da autoridade,

impedindo que possa ser posta a serviço de interesses que não se compatibilizem com

Page 14: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

a finalidade específica que, em cada caso, autoriza a ação unilateral e imperativa da

Administração Pública.

Já agora, no cenário dos direitos humanos, desponta a reação contra o risco da

presença esmagadora do Estado. A título de servir ao homem e à coletividade, o

Estado ameaça tornar-se opressivo, substituindo a personalidade pela uniformidade.

No painel da liberdade, acendem-se as luzes de advertência do perigo do autoritarismo

emergente. Ao abuso do direito individual ou aos malefícios da concentração

econômica, que a lei habilita o Estado a prevenir ou reprimir, sucede-se o abuso da

burocracia, perante a qual ficam desarmados tanto as pessoas como os próprios

setores da sociedade.

A consciência, que se generaliza, de que a expansão do poder do Estado

constrange a liberdade e padroniza a sociedade, não se limita atualmente à

criatividade de meios de defesa da privacidade do indivíduo e do espírito de iniciativa,

aquilo a que chamamos de polícia do poder.

Ao poder de policia, símbolo da abstração do Estado, se contrapõe o poder das

idéias, expressão mais alta da individualidade. A limitação do Poder é um problema de

técnica jurídica, que tem seu molde nas Constituições. Também é, no entanto, um

estado de espírito coletivo que tem como termômetro a opinião pública, a se traduzir

tanto pelo voto como pelos métodos informais de contestação e de consenso.

Direito Administrativo da Segurança Pública –

Diogo de Figueiredo Moreira Neto

1. Introdução

Organização e ação submetidas ao Direito não significam, entretanto, que todo

comportamento deve estar necessariamente prescrito em lei; há uma vasta área de

atuação que não se compadece com a geometria social de prévias definições

vinculativas e que, assim, demandarão juízos casuísticos de conveniência e de

oportunidade – o que se denomina de discricionariedade – ou, até, além dos

parâmetros da própria órbita jurídica -, o que se denomina de liberdade.

Page 15: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

O que se pretende, com a sujeição do Estado à lei, é que ele aja de acordo com

a lei (ou deixe de agir) quando ela o determina; que aja dentro dos limites da lei,

quando ela abra alternativas de opção de tempo e de modo, e que não aja contra a lei,

quando sua ação for livre.

Desta maneira, o Direito Administrativo tem a seu cargo disciplinar a segurança

que o Estado proporciona através de todas as ações, juridicamente prescritas ou não

defesas, que não sejam através da edição de norma legal (competência legislativa) ou

de sua aplicação contenciosa nos casos concretos (competência jurisdicional), reservas

dos Poderes Legislativo e Judiciário, respectivamente.

A primeira expressão da atividade administrativa do Estado manifesta-se, em

seus albores, no campo da segurança; mais precisamente, da segurança pública, como

será examinado adiante, através de medidas restritivas e condicionadoras do exercício

das liberdades e dos direitos individuais, visando a assegurar um mínimo aceitável de

convivência social, ampliando-se até chegar à dimensão atual do Poder de Polícia.

Embora muito antigo, o Poder de Polícia veio a caracterizar o Estado liberal por

se constituir no máximo de atividade interventiva que lhe reconhecia o liberalismo

burguês.

2. O poder de polícia

O conceito de segurança, inicialmente circunscrito ao âmbito da convivência

pública, se foi ampliando para acomodar todas as garantias que o Estado deveria

propiciar, em todos os campos do agir humano. A necessidade de ordem abrangeria

desde as relações interindividuais, passando por intergrupais, até à Nação e ao

concerto internacional.

O poder de polícia, em suas manifestações arcaicas, nada mais era que a

atividade destinada a manter uma ordem interna do grupo, indispensável à sua própria

sobrevivência.

Os progressos jurídicos produziram, no campo do Direito Público, o conceito do

Estado de Direito, no qual um dos indispensáveis suportes veio a ser a diferenciação e

Page 16: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

a separação das grandes atividades funcionais do Estado – a divisão de poderes: a

partilha institucional do poder estatal.

Esta evolução não só localizou, definitivamente, o poder de polícia, como uma

expansão dos poderes administrativos, que nas partilhas constitucionais cabem,

maciçamente, ao Poder Executivo, como submeteram-no à ordem jurídica. Em outras

palavras, a ordem pública deveria ser mantida através de atividades administrativas

dentro dos limites da lei.

Para justificar a intervenção corretiva dos desajustamentos, hipertrofias e

deformações causados pelo liberalismo, o conceito de ordem pública, que adiante

estudaremos, teve que se estender sobre várias formas de relações jurídicas, até

mesmo sobre aquelas consideradas bastiões sagrados do Direito Privado.

Este segundo surto histórico expansionista do poder de polícia, já doravante

diferenciado dentre as atividades administrativas do Estado, já perfeitamente balizado

pelo Estado de Direito, é o que produziu sua atual concepção e presente dimensão nos

Estados democráticos contemporâneos.

Por outro lado, o antigo conceito de segurança ultrapassa os limites do Poder

de Polícia. A segurança passou a ser uma preocupação em todos os campos e setores

da vida humana, do indivíduo à sociedade nacional e desta à sociedade universal,

enquanto que o Poder de Polícia, como atividade administrativa do Estado,

juridicamente referida, necessitava conter-se em seu conceito próprio, para continuar

a distingui-lo de outras manifestações coercitivas do poder do Estado, como, por

exemplo, o poder de aplicar sanções individuais (repressão judiciária, prerrogativa do

Poder Judiciário através de seus órgãos jurisdicionais) e como o poder de empregar

toda a força disponível em ações de defesa (repressão operativa, prerrogativa do

Poder Executivo através de suas Forças Armadas), o poder de intervir coercitivamente

nos processos econômicos (ordenamento econômico), etc.

O Poder de Polícia pode ser conceituado, assim, acrescentados esses aspectos,

como a atividade administrativa do Estado que tem por fim limitar e condicionar o

exercício das liberdades e direitos individuais visando a assegurar, em nível capaz de

Page 17: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

preservar a ordem pública, o atendimento de valores mínimos da convivência social,

notadamente a segurança, a salubridade, o decoro e a estética.

Mas é necessário um alerta: a repressão que recai sobre a liberdade e

incolumidade da pessoa não pode exceder, nem em intensidade nem em duração, o

mínimo absolutamente indispensável à manutenção ou reposição da ordem pública.

Somente em estado de necessidade e legítima defesa de seus agentes pode o Estado

usar da força, além dos limites do Poder de Polícia, comprometendo a liberdade (e a

vida) dos responsáveis por perturbação violenta da ordem pública, sujeitando-se,

assim, à apreciação da existência desses pressupostos pela Justiça.

Esta distinção nos leva naturalmente às duas clássicas subdivisões de Polícia,

em Polícia Administrativa e Polícia Judiciária e em Polícia Administrativa Geral e Polícia

Administrativa da Segurança Pública.

Embora em todos os casos esteja em jogo a segurança de valores de

convivência social, a classificação em Polícia Administrativa e Polícia Judiciária atende

ao modo de atuação da Administração e a classificação em Polícia Administrativa Geral

e Policia Administrativa de Segurança Pública atende ao objeto da atuação da

Administração.

Quanto à Polícia Judiciária, esta se distingue nitidamente da Polícia

Administrativa, pelo objeto e pela finalidade da atuação.

Quanto à finalidade, a diferença está na repressão: enquanto no exercício da

Policia Administrativa a repressão é própria da Administração que emprega

discrionária e executoriamente até restabelecer a ordem pública, no exercício da

Polícia Judiciária a repressão é própria e exclusiva do Poder Judiciário, não cabendo o

uso da discricionariedade e da executoriedade senão instrumentalmente, no estrito

limite para a Administração lograr a apresentação do responsável pela violação à

ordem pública, eventualmente tipificada como conduta punível, à Justiça.

Quanto ao objeto, a diferença reside na amplitude de ação da Polícia

Administrativa que, para manter todos os aspectos da Ordem Pública, pode incidir

sobre pessoas, individual ou coletivamente consideradas, sobre direitos, bens e

Page 18: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

atividades, enquanto que a ação da Polícia Judiciária, para submeter ao Poder

Judiciário aquelas violações específicas da Ordem Pública, tipificadas como crimes e

contravenções penais, recai apenas sobre a pessoa dos indivíduos, singularmente

considerados.

Observe-se, de importância, que o poder repressivo do Estado contra a

perturbação da ordem se esgota na ação discricionária e executória da Administração,

sempre que o interesse protegido for o amplo campo da ordem pública – e aí temos a

Polícia Administrativa; diferentemente, o poder repressor do Estado contra a

perturbação da ordem não se esgota na ação discricionária e executória da

Administração, através da Polícia Judiciária, sempre que se tratar de perturbações que

se inscrevam no campo mais restrito da ordem jurídica, que tipifica condutas puníveis.

Neste caso, a Polícia Judiciária age como instrumento da repressão reservada ao Poder

Judiciário, este, sim, que a esgota.

Para a Polícia Judiciária, o poder de polícia é um meio, um instrumento de ação,

para atingir a um objetivo: apresentar um delinqüente à Justiça. Para a Policia

Administrativa, o poder de policia é um meio, um instrumento, para restabelecer

executoriamente, pela dissuasão, de preferência, pela força, se necessário, o império

da ordem pública.

Outra conseqüência diferenciatória, é que o uso da força pela Polícia Judiciária

se volta à coação legal de pessoas singularmente consideradas (indiciados e acusados)

absolutamente necessária à sua condução à barra dos tribunais, que faz a repressão a

posteriori. O uso de força pela Policia Administrativa, preventiva e repressivamente, se

dirige contra a ação de pessoas, singularmente ou coletivamente consideradas, que, na

prática de ações, criminais ou não, ocasionem perturbação da ordem pública, fazendo

a repressão no momento em que ela ocorra, até restabelecê-la.

Estas observações põem em evidência um aspecto bastante interessante: a

Polícia Administrativa é preponderantemente preventiva e excepcionalmente

repressiva; sua maneira normal de atuar é a prevenção – evitar perturbação é ao que

ela visa. A Polícia Judiciária, embora possa usar de meios coercitivos, não é preventiva

nem repressiva (senão na medida em que sua atuação possa dissuadir a prática de

Page 19: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

delitos), ela é preparatória da repressão – levar o responsável punível pela

perturbação à Justiça é ao que ela visa.

3. Segurança Pública

Dizer que alguém ou algo estão seguros equivale a afirmar que estão garantidos

contra tudo o que, previsivelmente, possa se lhes opor.

Estão, assim, implícitos na idéia:

a) O que se garante (valor);

b) Quem garante (autor da garantia);

c) Contra quem (ou contra o que) se garante (perigo);

d) Com o que se garante (fator da garantia).

a) O que se garante (o valor);

A segurança pode se referir à vida e à incolumidade das pessoas, valores

básicos na sociedade civilizada, e ao funcionamento das instituições, principalmente

do Estado, valores imprescindíveis à existência da civilização tal como a temos.

b) Quem garante ( o autor da garantia)

Com o monopólio do uso da força nas sociedades organizadas, o Estado tomou

a si a responsabilidade de proporcionar onímodas garantias.

c) Contra quem (ou o que) se garante (perigo)

O perigo é o antivalor. No campo da Segurança Nacional, se dirige à contenção

das manifestações antagônicas, com ou sem uso da força, contra os valores expressos

nos objetivos nacionais.

d) Com o que se garante (fator de garantia)

O meio empregado como fator de garantia há de ser distinto, conforme se trate

de cada um dos tipos de segurança acima referidos. Na Segurança Interna, o fator de

garantia está no uso preventivo e repressivo de todos os meios do Poder Executivo, em

Page 20: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

ações diretas e o mais imediatamente possível, e na atividade do Poder Judiciário, em

ações penais contra as pessoas dos responsáveis por atos delituosos.

É dentro da amplitude da Segurança Interna que se insere a esfera menor, me

que o valor de referência é a convivência pacífica e harmoniosa, aquele que exclui a

violência e se obtém pela manutenção de uma satisfatória “ordem da coisa pública”: é,

por isto, a Segurança Pública.

Na Segurança Pública:

a) O que se garante é o inefável valor da convivência pacífica e

harmoniosa, que exclui a violência nas relações sociais, que se contém no conceito de

Ordem Pública;

b) Quem garante é o Estado, já que tomou a si o monopólio do uso da

força na sociedade e é, pois, o responsável pela Ordem Pública;

c) Garante-se a Ordem Pública contra a ação de seus perturbadores;

d) Garante-se a Ordem Pública através do exercício, pela Administração,

do Poder de Polícia.

4. Ordem Pública

Se, sinteticamente, Segurança Pública é a garantia da Ordem Pública, esta é o

objeto daquela.

A noção de Ordem Pública não é nova. Vamos encontrá-la mencionada desde o

Direito Romano. O termo ainda não havia sido cunhado, mas seu conteúdo

correspondia ao conceito de mores. A ordem fundada no mores populi romani, idéia

mais próxima aos costume que à lei, tinha até um agente público para controlá-la, o

censor, que detinha o poder repressivo exercendo a sanção na modalidade de

repreensão pública – a nota censoria. No Direito Intermédio, a expressão surge commo

sinônimo de “bons costumes” e “interesses públicos”, na linguagem dos legistas e dos

glosadores, com um lastro moral muito profundo no cristianismo. Ao chegar ao século

dezenove, o liberalismo reliberta o conceito laico mas o restringe, como seria de se

esperar, a aspectos quase casuísticos. Com o advento do Estado do Bem Estar Social, a

Page 21: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

Ordem Pública se hipertrofia e passa a ser o conceito instrumental para o alargamento

do papel interventivo do Estado nos vários campos de atividade humana; passa a servir

não só ao Poder de Polícia e aos Serviços Públicos como ao Ordenamento Econômico e

ao Ordenamento Social, as novas modalidades de ação do Estado presentes nas

constituições do século XX.

Mas, ainda assim, cumpre observar que a Ordem Pública é desses conceitos

extremamente usados mas pouco estudados.

Entretanto, a Ordem Pública, aguçando ainda mais este intrigante paradoxo,

pode aparecer, às vezes, como um conceito tão abrangente que PONTES DE MIRANDA

chega a defini-la como um “sobredireito” (Comentários à Constituição de 1967, tomo I,

p. 124).

Se o conceito serve ao Legislativo e ao Judiciário, com a amplitude a que

PONTES se refere, para o Executivo é que se apresenta como noção de uso

permanente, diuturno, demandando menos rarefação, descendo ao universo jurídico

da aplicação corriqueira, quase legal, para servir de suporte para as ações

discricionárias que o Estado deve executar para proporcionar a segurança pública.

Ora, se a segurança pública se perfaz com a manutenção da Ordem Pública,

este conceito deve ser suficientemente preciso para ser jurídico (distinção) sem ser

excessivamente limitado para ser legal (restrição).

Esta Ordem Pública, na lição de MARCELLO CAETANO, se conota aos “danos

sociais”, como “os prejuízos causados à vida em sociedade ou que ponham em causa a

convivência de todos os membros dela” no substrato do conceito está, assim, o dano

social.

Tome-se, a propósito, a observação de MARCEL WALINE em seu Direito

Administrativo:

“A noção de Ordem Pública é extremamente vaga e ampla. Não setrata apenas

de manutenção normal da ordem na rua, mas também de manter uma certa ordem

moral.” (Droit administratif, Paris, 9ª Ed., 1963, p. 642)

Page 22: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

A Ordem Jurídica, em suas atuais dimensões, ultrapassa a antiga idéia de

conjunto de normas. Assimilar-se a Ordem Jurídica à ordem legal normativa não é

errado mas é insuficiente. Por outro lado, a Ordem Pública é uma situação visível,

prática, resultante da observância da Ordem Jurídica. Desse conceito, assim entendido,

com esta imensa riqueza conteudística, da Ordem Jurídica, chega-se à Ordem Pública

como um aspecto visível de sua realização, como uma idéia que tem vocação de um

endereçamento prático, que tem a ver com a harmoniosa convivência diária, com o

clima de paz social, com a exclusão da violência e com o trabalho permanente dos

agentes de segurança pública na guarda desses valores.

Nestes termos, a Ordem Pública é a concretização em tempo e lugar

determinados, dos valores convivenciais postulados pela Ordem Jurídica.

O Poder Executivo, embora com a preocupação válida de objetivar melhor a

“vaga e ampla” noção de Ordem Pública, como diz WALINE, acabou por sucumbir à

tentação da definição, assim decretando (Decreto n 88.777, de 30 de setembro de

1983, art 2°, 21):

Ordem Pública: Conjunto de regras formais que emanam do ordenamento

jurídico da nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do

interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica,

fiscalizada pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduz

ao bem comum.

Empolada, confusa, cheia de erros; uma boa intenção que presta um desserviço

ao Direito e ofende a sua ciência.

Primeiramente, conceitua-se Ordem Pública como “conjunto de regras

formais”. Erro. Ordem Pública não são regras, mas o resultado apreciável de sua

observância. Mas, ainda que a Ordem Pública fosse reduzida a um “conjunto de regras

formais”, não fica claro como este conjunto poderia “regular as relações sociais de

todos os níveis, do interesse público”.

Prossegue o texto fazendo menção à “fiscalização do Poder de Polícia” como

integrante do conceito. Desde logo, o Poder de Polícia é prescindível na armação do

Page 23: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

conceito de Ordem Pública; nele poderia ter ingresso apenas para esclarecer que

meios o Estado emprega para mantê-lo. O que não tem nenhum cabimento é

mencionar-se apenas um modo de atuação intermediária do Poder de Polícia: a

fiscalização. Ora, se os modos são quatro: ordem de polícia, consentimento de polícia,

fiscalização de polícia e sanção de polícia, por que a menção específica a um deles?

Finalmente, a menção ao “bem comum”, como a finalidade de manter a

situação de Ordem Pública,, é supérflua e desnecessária. Sua presença neste conceito

é tão exabundante como reproduzi-la e, cada conceito técnico do Direito Público:

Poderes do Estado, Poder de Polícia, ato administrativo, licença etc.

Se se trata de buscar um conceito operativo, muito melhor foi a solução da

Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, que escolheu um documento doutrinário

para expô-lo. O Manual de Bases Doutrinárias para o emprego da Força.

“Ordem Pública é o estado de paz social que experimenta a população,

decorrente do grau de garantia individual ou coletiva propiciado pelo poder público,

que envolve, além das garantias de segurança, tranqüilidade e salubridade, as noções

de ordem moral, estética, política e econômica, independentemente de manifestações

visíveis de desordem”.

Não parece apropriado, todavia, o apêndice “independentemente de

manifestações visíveis de desordem” que ficou sem antecedente claro. Afinal,

“independentemente” modifica que verbo? “Que experimenta a população” ou

“propiciado pelo Poder Público” ou “que envolve”?

A esta altura já se pode armar um conceito doutrinário à meditação do leitor

preocupado com um sentido prático de Ordem Pública.

Ordem pública, objeto da Segurança Pública, é a situação de convivência

pacífica e harmoniosa da população, fundada nos princípios éticos vigentes na

sociedade.

5. Direito Administrativo da Segurança Pública

Page 24: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

A ação do Estado contemporâneo está pautada pelo Direito. Seja ela vinculada

(segundo a lei), discricionária (dentro dos limites da lei) ou livre (não impedida pela

lei), sempre estará juridicamente referida.

Em princípio, ou o Estado age individual, coletiva, discricionária e

executoriamente, na preservação dos valores da Segurança Interna, no uso de suas

atribuições administrativas (Poder Executivo) ou age individual, vinculada e

executoriamente, na preservação destes valores protegidos por preceitos punitivos, no

uso de suas atribuições jurisdicionais (Poder Judiciário).

Direito Administrativo da Segurança Pública é, em consequência, o ramo do do

Direito Administrativo que disciplina as atividades do Estado, no exercício do poder de

polícia, na manutenção e restauração da Ordem Pública.

Ao qualificar-se de administrativo este ramo do Direito de Segurança, excluímos

as demais áreas disciplinares do Direito que tratam do mesmo fenômeno, contidos no

gênero Direito de Segurança.

A menção à segurança pública exclui os esgalhamentos do Direito

Administrativo que não se referem diretamente à Ordem Pública, mas às demais

ordens político-jurídicas existentes na nação.

A referência ao Poder de Polícia já estabelece que instrumentos o Estado está

autorizado a usar na tutela do valor Ordem Pública enquanto Administração Pública.

Finalmente, a menção à manutenção e restauração da Ordem Pública, ao

mesmo tempo que referencia todo este ramo didático à Ordem Pública, indica os

modos de atuação preventiva (manutenção) e repressiva (restauração) que deve

disciplinar.

A ação de Polícia Administrativa de Segurança Pública, que tem a seu cargo

todos os modos e formas de prevenção e de repressão remanescentes no exercício do

Poder de Polícia, se subordina integralmente ao Direito Administrativo de Segurança

Pública e seu limite é, precisamente, onde começa o Direito Processual Penal,

esgotando-se com a apresentação de transgressores da lei penal à Polícia Judiciária.

Page 25: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

Em outras palavras: a autoridade policial administrativa de segurança pública

vai até onde começa a autoridade policial judiciária e esta, por sua vez, até onde

começa a autoridade judiciária.

6. Prevenção e Repressão no Direito Administrativo da Segurança Pública

Quadro de Ação do Estado no campo da Segurança Pública

1. Prevenção na Ordem Pública

1.1. Dissuasão pela presença: é a missão típica do policiamento

ostensivo; trata-se de evitar a perturbação potencial da Ordem Pública;

a competência é da força pública dos Estados membros (polícias

militares)

1.2. Dissuasão pela força: é a missão típica do policiamento

operativo; trata-se de impedir a perturbação iminente da Ordem

Pública; a competência é da força pública dos Estados-membros

(Polícias Militares), aplicada como força de dissusão.

2. Repressão na ordem pública

2.1. Repressão por contenção: é também missão do policiamento

operativo; trata-se de restabelecer a Ordem Pública, contendo a

perturbação deflagrada; a competência é ainda da força pública dos

Estados-membros (Polícias Militares), aplicada como força de repressão,

precedendo ao eventual emprego das Forças Armadas.

2.2. Repressão por eliminação: é a missão de emprego operativo das

Forças Armadas; trata-se de reconstituir a Ordem Pública eliminando a

grave perturbação que a sacrificou, no todo ou em parte, empregando

meios além da capacidade operativa das forças públicas dos Estados,

que, não obstante, continuam a ser empenhadas em missões que lhes

forem destinadas pela Força Terrestre à qual passam a integrar-se como

Forças Auxiliares; neste nível de gravidade de perturbação da ordem, a

competência passa à União e a doutrina tem considerado que,

caracterizado o grave comprometimento da Ordem Pública, passa-se da

Page 26: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

Segurança Pública para a Segurança Interna, com todas as implicações

políticas conseqüentes, especialmente a possibilidade de decretação do

estado de sítio.

Polícia de Manutenção da Ordem Pública e suas atribuições –

Hely Lopes Meirelles

1. O Poder de Polícia

O Estado, na sua acepção mais ampla – União, Estado, Municípios e Distrito

Federal -, é dotado de poderes políticos exercidos pelo Legislativo, Judiciário e

Executivo no desempenho de suas atribuições constitucionais, e de poderes

administrativos que surgem, secundariamente, com seus órgãos da Administração e se

efetivam consoante as exigências do serviço público e dos interesses da comunidade.

Assim, enquanto os poderes políticos se originam dos Poderes do Estado, e só

são exercidos pelos respectivos órgãos constitucionais do Governo, os poderes

administrativos se difundem por toda a Administração Pública e se apresentam como

meios de sua atuação. Aqueles são poderes imanentes e estruturais do Estado; estes

são contingentes e instrumentais da Administração em geral.

Dentre os poderes administrativos figura, com especial destaque, o poder de

polícia administrativa, que a Administração Pública exerce sobre todas as atividades e

bens que afetam ou possam afetar a coletividade. Para esse policiamento há

competências exclusivas e competências concorrentes de todas as esferas estatais.

Discorrendo sobre o ato de polícia chamamos a atenção para os seus três

atributos: discricionariedade, auto executoriedade e coercibilidade.

A discricionariedade traduz-se na livre escolha, pela Administração, da

oportunidade e conveniência de exercer o poder de polícia, bem como de aplicar as

sanções e empregar os meios conducentes a atingir o fim colimado, que é a proteção

de algum interesse público.

A auto-executoriedade é a faculdade de a Administração julgar e executar

diretamente a sua decisão, por seus próprios meios, sem intervenção do Poder

Judiciário. (fora do contexto constitucional e legal atual).

Page 27: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

A coercibilidade é a imposição coativa das medidas adotadas pela

Administração. Realmente, todo ato de polícia é imperativo para o seu destinatário,

admitindo até mesmo o emprego da força pública para o seu cumprimento, quando

resistido pelo administrado, mas, todavia, não legaliza a violência desnecessária ou

desproporcional à resistência oferecida.

O poder de polícia estende-se a vários setores na defesa do cidadão, da

coletividade e do próprio Estado. Temos, assim, a polícia administrativa, a polícia

judiciária e a polícia de manutenção da ordem pública. Todo esse mecanismo

administrativo e judiciário visa a preservar o que genericamente se conceitua como

direito à segurança, a que fazem jus todos os integrantes dos Estados civilizados, sem

distinção de pessoa, raça ou credo.

2. Polícia Administrativa e Polícia Judiciária

Sempre se distinguiu a polícia administrativa da polícia judiciária, porque

aquela atua preventivamente sobre os bens e atividades que afetam a comunidade e

esta incide direta e repressivamente sobre as pessoas que atentam contra as

instituições e a sociedade ou agridem individualmente qualquer de seus membros.

A polícia administrativa reparte-se em: geral e especial. Dentre as polícias

administrativas especiais está a polícia de manutenção da ordem pública, com

características próprias, como veremos adiante.

Com efeito, a ordem pública há que ser mantida, preventiva ou

repressivamente, quando o indivíduo ou uma parcela da coletividade põe em risco a

tranqüilidade social ou atenta contra pessoas o bens, públicos ou particulares.

3. Polícia de Manutenção da Ordem Pública

A polícia de manutenção da ordem pública, atribuída precipuamente às Polícias

Militares, tem embasamento constitucional.

A missão primordial das Polícias Militares é a manutenção da ordem pública em

policiamento ostensivo, com elementos fardados, que, pela sua presença, como força

de dissuasão, previne ou reprime movimentos perturbadores da tranqüilidade pública.

Page 28: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

Contudo, em circunstâncias excepcionais, pode a Polícia Militar desempenhar função

de polícia judiciária, tal como na perseguição e detenção de criminosos, apresentando-

os à Polícia Civil, para o devido inquérito a ser remetido, oportunamente, à Justiça

Criminal.

Pode-se dizer que a policia de manutenção da ordem pública é a que se destina

a impedir os atos individuais ou coletivos que atentem contra a segurança internam as

atividades lícitas, os bens públicos ou particulares, a saúde e o bem-estar das

populações, e a vida dos cidadãos, mantendo a situação de garantia e normalidade que

o Estado assegura, ou deva assegurar, a todos os membros da sociedade.

4. Conceito de Ordem Pública

Ordem Pública é a situação de tranqüilidade e normalidade que o Estado

assegura – ou deve assegurar – às instituições e a todos os membros da sociedade,

consoante as normas jurídicas legalmente estabelecidas.

O conceito de ordem pública não se restringe apenas à estabilidade das

instituições, pois abrange e protege também os direitos individuais e a conduta ilícita

de todo cidadão, para a coexistência pacífica na comunidade.

Finalizando, diremos que a ordem pública não é figura jurídica, nem instituição

política ou social. É situação fática de respeito ao interesse da coletividade e aos

direitos individuais que o Estado assegura, pela Constituição da República e pelas leis,

a todos os membros da comunidade.

Polícia Militar e Poder de Polícia no Direito Brasileiro –

José Cretella Júnior

1. Segurança Individual e Polícia

A segurança das pessoas e das coisas é elemento básico das condições

universais, fator absolutamente indispensável para o natural desenvolvimento da

personalidade humana. Proclamada inviolável pelo direito, não fica, porém, livre de

forças exteriores, pessoais e impessoais, que ameaçam a todo instante a paz física e

Page 29: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

espiritual dos indivíduos. Tais ameaças que se erigem em perigo contra o qual a

personalidade oferece, primeiro, a própria força particular, em seguida, a força

organizada do meio social, pelo motivo muito simples de que a ameaça dirigida a uma

pessoa constitui ameaça indireta a toda a coletividade, precisam ser coibidas.

Dum modo geral, polícia é termo genérico com que se designa a força

organizada que protege a sociedade, livrando-a de toda vis inquietativa, mas “a livre

atividade dos particulares, na sociedade organizada, tem necessariamente limites, cujo

traçado cabe à autoridade pública” (RIVERO, Droit Administratif, 9ª Ed., 1980, p. 424).

2. Conceito de Polícia

Numa primeira acepção, polícia é sinônimo de regras de polícia, conjunto de

normas impostas pela autoridade pública aos cidadãos, seja no conjunto da vida

normal diária, seja no exercício de atividade específica. Desse modo, toda regra de

direito poderia ser compreendida como regra de polícia, no sentido mais amplo do

termo. Numa segurança acepção, denomina-se polícia o conjunto de atos de execução

dos regulamentos assim feitos, bem como das leis. É nesta segunda acepção que se

distingue, como veremos, a polícia administrativa da polícia judiciária. Numa terceira

acepção, polícia é o nome que se reserva às forças públicas encarregadas da execução

das leis e regulamentos, isto é, aos agentes públicos, ao pessoal de cuja atividade

resulta a ordem pública (MARCEL WALINE, Traité élémentaire de droit administratif, 6ª

Ed., 1952, p. 272-273).

3. Elementos Integrantes do Conceito de Polícia

O primeiro elemento, de obrigatória presença na definição de polícia, e o da

fonte de que provém, o Estado, ficando, pois, de lado, qualquer proteção de natureza

particular. Isso porque o exercício do poder de polícia é indelegável sob pena de

falência virtual do Estado; o segundo elemento, o escopo, de natureza teleológica,

também é essencial para caracterizar a polícia, ou seja, não existe o instituto se o fim

que se propõe for outro que não o de assegurar a paz, a tranqüilidade, a boa ordem,

para cada um e para todos os membros da comunidade; o terceiro elemento que não

Page 30: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

pode faltar na definição de polícia é o que diz respeito, in concreto, às limitações a

qualquer tipo de atividade que possa perturbar a vida em comum.

4. Nossa definição de Polícia

Conjunto de poderes coercitivos exercidos pelo Estado sobre as atividades do

cidadão mediante restrições legais impostas a essas atividades quando abusivas, a fim

de assegurar-se a ordem pública.

5. Análise da definição de Polícia

6. Divisão da Polícia

A Polícia pode ser considerada sob diversos prismas, daí advindo esta ou aquela

divisão. Nesse particular, tornou-se clássica a divisão da polícia em três ramos

principais: a polícia administrativa ou preventiva, a polícia repressiva ou judiciária e a

polícia mista.

Polícia administrativa, objeto particular de nosso estudo, é a que tem por

objetivo tomar providências e fazer respeitar todas as medidas necessárias para a

manutenção da ordem, da segurança e da salubridade pública.

7. Polícia Administrativa

A Polícia Administrativa é também denominada policia preventiva. Exerce

atividades a priori, antes dos acontecimentos, procurando evitar que as perturbações

se verifiquem.

A atividade da policia administrativa é multiforme, imprevisível, não podendo

estar limitada em todos os setores em que deve desdobrar-se. Sendo infinitos os

recursos de que lança mão o gênero humano, a polícia precisa intervir sem restrições,

no momento oportuno, pois que sua ação é indefinida como a própria vida, não sendo

possível aprisioná-la em fórmulas, motivo por que certa flexibilidade ou a livre escolha

dos meios é inseparável da polícia.

8. Arbitrariedade e Discricionariedade da Ação Policial

Page 31: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

A legislação que pretendesse regular de antemão todos os atos da polícia seria

impraticável e desastrosa. Esse arbítrio, sem dúvida, não é absoluto; move-se no

quadro das leis e a polícia não deve lesar ou violar direitos adquiridos, sem que haja

verdadeira necessidade.

9. Polícia Judiciária

No Brasil, a distinção da polícia em judiciária e administrativa, de procedência

francesa e universalmente aceita, menos pelos povos influenciados pelo direito inglês

(Grã Bretanha e Estados Unidos), defeituosa e arbitrária (ALCIDES CRUZ, Direito

Administrativo Brasileiro, 2ªed., 1914, p. 163-164), não tem integral aplicação, porque

a nossa polícia é mista, cabendo ao mesmo órgão, como dissemos, atividades

preventivas e repressivas.

RIVERO mostra com grande propriedade a identificação, no mesmo agente, de

atividades administrativas e judiciárias, de tal modo que se percebem os traços típicos

das duas modalidades de polícia, a polícia administrativa e a polícia judiciária: “Na

prática, a distinção é muitas vezes delicada, primeiro, em razão de certa identidade

pessoal: as autoridades encarregadas da polícia administrativa participam, às vezes, do

exercício de polícia judiciária. Por exemplo, o agente que dirige o trânsito passa de

polícia administrativa à polícia judiciária, no instante em que lavra o auto de

contravenção.

10. Polícia nas Três Esferas

O poder de polícia federal é exercido pelo Presidente da República, bem como

pelos Ministros de Estado; o poder de polícia estadual é exercido pelo Governador,

bem como pelo Secretário de Estado, através do Comandante-Geral da Polícia Militar;

o poder de polícia municipal é exercido pelo Prefeito, auxiliado, em alguns casos, pelo

Secretário da Prefeitura.

Na expressão polícia federal, considere-se, primeiro, o elemento “polícia” e

depois o elemento “federal”. O segundo elemento “federal” contrapõe esse tipo de

polícia à “polícia estadual”, ao policiamento exercido pelo Estado-membro. O poder de

polícia, “facultas” do Estado, em sentido amplo, de restringir a atividade nefasta do

Page 32: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

cidadão, quando esta prejudica outro cidadão, vários cidadãos ou a coletividade, é

concretizado na “polícia”, força organizada que atua, na prática, fundamentada no

“poder de polícia”. A polícia pode ser preventiva ou administrativa, quando age a

priori, antes que ocorram as perturbações ou judiciária, quando age a posteriori,

depois que o delito ocorreu, também se denominando, sem rigor técnico, de

“repressiva”, ao invés de “auxiliar”, denominação mais correta. A manutenção da

ordem pública interna é, primeiro, de competência do Estado membro, mediante ação

da Polícia Militar.

11. Ramos da Polícia Administrativa

Em primeiro lugar, divide-se a polícia administrativa em dois ramos: geral e

especial.

Polícia administrativa geral é a que tem por objetivo a consecução direta de

certos fins preventivos, que não estão ligados a nenhum outro serviço público, como a

polícia de jogos. Polícia administrativa especial é a que aparece como acessória a

outros serviços públicos, como, por exemplo, a polícia ferroviária.

Divide-se a polícia geral em dois ramos: polícia de segurança e polícia de

costumes. A primeira tem por objeto prevenir a criminalidade em relação à

incolumidade pessoal, à propriedade, à tranqüilidade pública e social. Nela se incluem

a de roubos, a de estrangeiros, a do exercício de profissões. A segunda abrange várias

modalidades, como as relativas a jogos, a diversões, ao lenocínio, à prostituição, ao

alcoolismo, aos entorpecentes, à mendicância.

As modalidades da polícia especial são inúmeras, e se desdobram de acordo

com o desenvolvimento dos serviços públicos em cada país. As principais são a

mortuária ou dos cemitérios, a do trânsito, a ferroviária, a portuária, a aduaneira, a

edilícia (MÁRIO MASAGÃO, Curso de Direito Administrativo, 5ªed., 1974, p. 169).

GEORGES VEDEL, que aceita a divisão da polícia administrativa em geral e

especial, assinala que a primeira “compreende tudo que está abrangido nos três

termos “segurança”, “tranqüilidade” e “salubridade” e a segunda tem dois sentidos,

Page 33: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

compreendendo o primeiro “as atividades de polícia cujos fins não são diferentes

daqueles que a polícia geral persegue, mas que são submetidos a regime particular.”

12. Incidência da Ação Policial

A ação policial manifesta-se por meio de fatos e atos administrativos. O ato de

polícia, como ato administrativo, é dotado de auto-executoriedade, podendo ser

executado direta e imediatamente pela Administração, sem recorrer a qualquer outro

Poder.

A ação policial é atividade concreta, fundamentada no poder de polícia.

Utilizando a terminologia aristotélico-tomista, podemos dizer que poder de polícia PE

algo “in potentia”; é a facultas do Estado de Direito. A atividade policial é algo “in

actu”, que se projeta no munco jurídico, transformando a potencialidade em

realidade.

Este assunto básico guarda relação íntima com as liberdades públicas, com os

direitos do cidadão, e com as prerrogativas individuais, precisamente as três barreiras

de bronze que se erguem contra o poder de polícia, quando este, por exceção, se torna

arbitrário, ultrapassando ou tentando ultrapassar aquele campo sagrado dos direitos

subjetivos públicos garantidos pela Carta Magna e pelas leis fundamentais.

Mediante o exercício do poder de polícia, o Estado toma uma série de

providências que recaem sobre os administrados, garantindo-lhes o bem-estar,

mediante o policiamento da conduta exorbitante de cada um dos componentes do

grupo.

Desde que surgiu, na primeira metade do século XIX, a expressão “poder de

polícia” tem sido entendida de diversas maneiras, porque os elementos vocabulares

integrantes da denominação, por sua vez, são suscetíveis de significados diferentes.

Contudo, a expressão “poder de polícia” foi universalmente aceita e é empregada em

todas as obras especializadas de direito público que versam este complexo tema. O

que se não pode negar, no mundo fático, é a existência, na face da terra, de um

organismo repressivo, de uma força organizada – a polícia. Cabe ao direito indagar em

que se baseia esse organismo.

Page 34: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

Concorre, para dificultar o assunto, a dualidade reconhecida de concepções a

respeito existentes, distinguindo-se a chamada concepção européia continental, bem

distinta da concepção norte americana.

Na França, por exemplo, predomina a idéia de proteção imediata da ordem

pública, resolvendo-se, pois, a ação policial em atividade administrativa assecuratória

daquela ordem, no sentido de ordem exterior dos fatos, mais do que do direito, pois o

conceito de ordem pública, referente aos limites da atividade jurídica dos indivíduos, é

noção distinta.

Nos Estados Unidos, o poder de polícia tem considerável extensão, não se

limitando à segurança pessoal contra as vias de direito, nem à salubridade e à

moralidade pública, mas compreendendo também os meios protetores da condição

econômica e social dos indivíduos no fomento do bem-estar da comunidade e na

regulamentação de sua vida econômica (BIELSA, Ciencia de La administracion, 2ª Ed.,

1952, p. 351).

Ao passo que, na França, seguida de perto pela Itália, a defesa da ordem

pública, da segurança, da salubridade, é o objetivo preciso do poder de polícia, na

jurisprudência e doutrina norte americanas, aquele poder transcende às formas

construtivas de direitos individuais, promanadas da Administração para estender-se,

principalmente, até o exercício da função legislativa.

Se polícia é espécie de atividade administrativa, poder de polícia é a

manifestação do poder público próprio de tal atividade.

A noção de polícia é menos ampla do que a de poder de polícia. Esta é a

manifestação do poder público tendente a fazer executar o dever geral do súdito.

Consiste o poder de polícia na ação da autoridade para fazer cumprir o dever, que se

supõe geral, de não perturbar, de modo algum, a boa ordem da coisa pública. (OTTO

MAYER, Derecho administrativo alemán).

O poder de polícia, ensina LAUBADÉRE, define-se pelo fim que tem em mira e

que é o de assegurar a tranquilidade (ausência de riscos, de desordem), a segurança

( ausência de riscos, de acidentes) ou a salubridade pública (ausência de riscos de

Page 35: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

moléstias) (cf. Traité élémentaire de droit administratif, 1953, p. 539, cf 3ª Ed. 1963, v.

I, p. 506).

Para precisar o conceito do poder de policia, é indispensável, portanto, definir o

que deve entender-se por bem estar público, que se decompõe em grande variedade

de interesses que compreendem os interesses fundamentais da ordem, segurança e

salubridade públicas, chegando até a abranger os interesses de natureza econômica

(GABINO FRAGA, Derecho administrativo, 12ª Ed. 1968, p 456).

13. Poder “de” e poder “da” Polícia

O poder “de” polícia é que fundamenta o poder “da” polícia. Este sem aquele

seria o arbitrário, verdadeira ação policial divorciada do Estado de direito.

14. Poder de Polícia na Doutrina Brasileira

Estamos agora em condições de estruturar definição universal do poder de

polícia, mediante o qual os Estados de direito, de nossos dias, satisfazem a tríplice

objetivo, qual seja, o de assegurar a tranqüilidade, a segurança, a salubridade,

mediante uma restritiva série de medidas, traduzidas, na prática, pela ação policial,

que se propõe a atingir tal desideratum.

Relembrando tradicional divisão de KANT a respeito do direito natural e da

legislação positiva, quando aquele pensador mostra que ambos não se confundem,

mas que o primeiro, o “noumenos”, é o conjunto de princípios que informam e que

dão nascimento à legislação positiva, o “fenômeno”, que é a legislação, varia de

sistema para sistema, de época para época. O direito natural, em si, o “noumenos” é

imutável, atravessando os séculos. Podemos, relativamente “ao poder de polícia”,

dizer que o poder de policia, condição sine qua non para a existência dos

agrupamentos humanos, é o “noumenos” kantiano ou a potestas aristotélica, que

paira acima dos aparelhamentos policiais dos diversos povos, assentando em

postulados da razão prática e que a polícia é o “fenômeno” a que se refere KANT,

variando de Estado a Estado. A aplicação do “poder de polícia”, na prática, constitui a

“polícia”.

15. Direito Positivo e Jurisprudência

Page 36: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

Podem variar as “aplicações” do poder de polícia, de sistema para sistema, de

direito para direito, de governo para governo, mas a potestas politiae é imutável, de

nada depende, porque é princípio que se exaure em si mesmo, pondo-se como pedra

angular do mundo jurídico, fiel da balança que impede a confusão entre o arbitrário e

o discricionário, autorizando a ação policial, mas limitando-a, permitindo que a

atividade do particular se desenvolva no mais alto grau, sem que interfira em outro

particular ou na coletividade, de tal modo que se concilie o arbítrio de um com o

arbítrio de outro, numa expressão total de esforços disciplinados.

16. Poder de Polícia, causa; Polícia, conseqüência

O poder de polícia é a causa, a condição, o fundamento; a polícia é a

conseqüência. Para usar a linguagem aristotélico-tomista, diremos que o poder de

polícia é algo in potentia, traduzindo, in actu, pela ação policial.

O poder de policia é a faculdade discricionária da Administração de limitar a

liberdade individual, ou coletiva, em prol do interesse público.

Polícia, numa primeira acepção, é o modo de dizer regras de polícia, complexo

de preceitos que impõem determinada conduta ao cidadão, ou na conjuntura da vida

corrente, ou no exercício de determinada atividade. Numa segunda acepção, polícia é

o conjunto dos atos de execução dos regulamentos assim feitos, bem como as leis,

sendo, neste sentido, que se distingue a polícia administrativa da polícia judiciária.

Polícia ainda pode ser compreendida como as forças públicas, a força policial,

os agentes, os inspetores de polícia, isto é, todo o aparelhamento policial, o pessoal, a

repartição, o instrumental, a rede. Polícia, no Brasil, é a Polícia Militar, organização a

quem cabe manter a ordem pública no Estado-membro.

17. Limites ou Barreiras do Poder de Polícia

No regime de legalidade, o poder de polícia é limitado pela barreira legal,

exercendo-se em esfera que o direito assinala. O poder de polícia deve ser

discricionário, não arbitrário.

Page 37: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

Fixando a definição, estamos diante do mais crucial, relevante e moderno

problema do direito público. Onde termina o “discricionário”? Onde principia o

“arbitrário”? Em que momento a ação administrativa se deterá diante das faculdades

ou liberdades que pertencem aos indivíduos? A que área se circunscreve a ação

administrativa, detendo-se, a fim de não ultrapassar os direitos do administrado?

Partindo-se da premissa de que toda decisão administrativa, em matéria de

polícia, como em qualquer outro setor, é informada pelo princípio da legalidade, é

bem de ver-se que a Administração tem a faculdade de intervir apenas no âmbito

demarcado pela norma jurídica. Qualquer medida administrativa tem de estar de

acordo com a lei, “secundum legem”.

Do mesmo modo que os direitos individuais são relativos, assim também

acontece com o poder de polícia que, longe de ser onipotente, incontrolável, é

circunscrito, jamais podendo por em perigo a liberdade e a propriedade. Importando,

regra geral, o poder de polícia, restrições a direitos individuais, a sua utilização não

deve ser excessiva ou desnecessária, para que não se configure o “abuso de poder”. A

coexistência da liberdade individual e do poder público repousa na conciliação entre a

necessidade de respeitar essa liberdade e a de assegurar a ordem social. O requisito de

conveniência ou de interesse público é, assim, pressuposto necessário à limitação dos

direitos do indivíduo.

De modo genérico, o respeito à legalidade, à Constituição, às leis vigentes são

as barreiras intransponíveis, que se erguem contra o exercício arbitrário do poder de

polícia, concretizado na ação policial. Em uma só palavra: a legalidade é o limite ou

barreira da ação policial.

Poder e Autoridade de Polícia Administrativa –

Sérgio de Andrea Ferreira

2. O poder de polícia é um poder instrumental do Estado, ou seja, um conjunto

de atribuições, de prerrogativas do Poder Político.

Page 38: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

Como primeira noção pode ser explicitado que, através dele, o Governo

disciplina e limita, me geral, de interesse público e social adequado, o exercício dos

direitos individuais.

3. Conteúdo e Exercício dos Direitos. Limites e Limitações. Institucionalização

dos Direitos. Poder de Polícia Constitucional, Legislativa e Administrativa. Limitações

Administrativas ao Exercício dos Direitos. Assim como o Poder Público não pode ser

absoluto, tampouco podem sê-los os direitos dos particulares. O Poder Público

competente, ao legislar sobre o Direito, estabelecendo o seu estatuto jurídico, forma o

respectivo conteúdo, e configura seu exercício, dotando-o de poderes e faculdades e

traçando-lhe os seus limites positivos, com a indicação de até onde pode ir o titular do

direito. Estabelece ainda limites negativos, ao conferir a terceiros direitos de incursão,

de ingerência no direito que está sendo regulado. Essa configuração institucional do

direito decorre da noção de que, não sendo este absoluto, vigora o princípio de sua

relatividade, necessária à própria coexistência e ao próprio co-exercício dos direitos

iguais ou conexos.

Tais limites não são, todavia, suficientes, porque o exercício dos direitos não

deve ir de encontro a outros interesses públicos e sociais, tais como a tranqüilidade

pública, a salubridade pública, a segurança pública, os bons costumes etc.

As limitações de polícia ao exercício dos direitos são desenvolvidas pela

legislação ordinária (poder de polícia legislativa), expedida pelo Poder Público

competente para tutelar aqueles mencionados interesses públicos, que pode não ser,

aliás, o mesmo Poder Público competente para institucionalizar o direito limitado.

4. Evolução histórica do Poder de Polícia Administrativa –

5. Como segmento da função administrativa, o exercício do poder de polícia é

uma atividade-fim, que se coloca ao lado da prestação dos serviços públicos e da

intervenção do Poder Público no domínio econômico e social.

A expressão poder de polícia, como parcela da função administrativa, abrange

várias atuações do Poder Público, envolvendo atividades de disciplina preventiva,

fiscalização, repressão ou punição de abusos e transgressões, todas ligadas ao

Page 39: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

exercício de poderes, faculdades, ao cumprimento de imposições, ao respeito a

proibições e sujeições que cada pessoa tem nas várias situações jurídicas de que é

titular, de acordo com as normas jurídicas estatutárias legais regulamentares

pertinentes. É o caso daquelas atuações estatais no que dizem respeito a nosso

estatuto como cidadãos, como titulares dos chamados direitos públicos subjetivos, ao

exercício dos mesmos.

Com destaque, os autores costumam tratar de poder de polícia administrativa

em sentido restrito, de caráter preventivo, de disciplina do exercício de poderes e

faculdades, e de busca de impedimento de abusos naquele, e de transgressões a

imposições, a proibições e a sujeições.

O poder de polícia administrativa reparte-se, praticamente, entre todas as

autoridades administrativas, desde o Presidente da República, os Governadores, os

Prefeitos, até as de menor hierarquia, e entre as várias esferas federativas.

Conceitua-se, destarte, o poder de polícia administrativa, como sendo o

conjunto de atribuições concedidas à Administração Pública para, em prol do interesse

público ou social adequado, disciplinar e fiscalizar o exercício de poderes e faculdades

inerentes aos direitos individuais, políticos e econômico-sociais.

6. Atos Administrativos de Polícia

7. Características do Poder de Polícia – O poder de polícia é eminentemente

preventivo e seus atos ostentam, em geral, o atributo da executoriedade.

A executoriedade da polícia administrativa faz com que, desobedecido o ato,

passe a autoridade pública, conforme salientado, para a prática dos fatos materiais de

polícia administrativa, como as interdições, as apreensões, as detenções.

8. Limites do Poder de Polícia – Embora com forte dose de discriocionariedade,

o exercício do poder de polícia está limitado pela vinculação, que é inerente a todo ato

administrativo e diz respeito, obrigatoriamente, à competência do agente, à finalidade

do interesse público ou social e à existência dos motivos do ato.

Page 40: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

Além dos limites comuns a toda atividade administrativa, os atos de polícia

estão submetidos a uma restrição especial: a de proporcionalidade.

Excedidos os limites do poder de polícia, configurar-se-á o abuso do poder, o

arbítrio, o que ensejará o acionamento do mecanismo de controle da Administração

Pública, inclusive através do emprego de remédios judiciais, como o habeas corpus e o

mandado de segurança.

10. O exercício do poder de polícia é, tipicamente, parcela da função

administrativa, e não, apenas, uma atividade administrativa. Assim, deve caber às

pessoas públicas.

Quando se alude a pessoas públicas, isto é, de direito público, a referência não

se limita às pessoas políticas, à Administração Direta da União Federal, dos Estados

Membros, os Municípios, do Distrito Federal e dos Territórios Federais, mas também,

às suas autarquias.

A Polícia Militar, como Corporação, insere-se, como podemos ver, entre as

instituições que exercem poder de polícia administrativa, praticando atos

administrativos de polícia, notadamente ordens e proibições, que envolvem, não

apenas a atuação estritamente preventiva, mas, igualmente, a fiscalização e o combate

aos abusos e às rebeldias às mesmas ordens e proibições, no campo, por exemplo, da

polícia dos costumes, do trânsito e do tráfego, das reuniões, dos jogos, das armas, dos

bens públicos etc.

11. Os ilícitos de Polícia – As contravenções são tipicamente ilícitos de polícia

administrativa transpostos para o campo penal, sendo acentuada a tendência

moderna de fazê-las retornar ao campo do Direito Administrativo. A lei das

contravenções penais tem, como título de seu capítulo VII, “Das Contravenções

relativas à Polícia de Costumes”, a abranger ilícitos como os jogos de azar (o “jogo do

bi ho” está tratado no Decreto Lei n° 6259/44), a vadiagem, a mendicância, a

importunação ofensiva ao pudor, a embriaguez, a perturbação da tranqüilidade, de

cuja prevenção e repressão participa ativamente a Polícia Militar.

Page 41: Fichamento do livro Direito Administrativo da Ordem Pública

12. Cabe, finalmente, sublinhar que, quanto mais civilizada uma comunidade,

menos atos de polícia administrativa têm de ser praticados, pois a autolimitação no

respeito ao direito alheio é ordinária.

O poder de polícia nada mais traduz do que especificações do princípio geral de

que o abuso é a negação do direito (artigo 160, I, do Código Civil). (Atual Art 180, I).