ficha de patrimÓnio - o alambique

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FICHA DE PATRIMÓNIO TRABALHO PARA HISTÓRIA E FENOMENOLOGIA DAS RELIGIÕES V – O ISLÃO PATRIMÓNIO ARTESANAL E CULTURAL ISLÂMICO EM PORTUGAL O ALAMBIQUE = ا نبيـــــــقDocente Professor Doutor Paulo Mendes Pinto Discente Marco Randal Costa Marçal Aluno nº 21000250 do 1º ano do Curso de História Lisboa, 22 de Dezembro de 2010

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FICHA DE PATRIMÓNIO

TRABALHO PARA HISTÓRIA E FENOMENOLOGIA DAS RELIGIÕES V – O ISLÃO

PATRIMÓNIO ARTESANAL E CULTURAL ISLÂMICO EM PORTUGAL

O ALAMBIQUE = ـــــــق ا�نبي

Docente Professor Doutor Paulo Mendes Pinto

Discente Marco Randal Costa Marçal Aluno nº 21000250 do 1º ano do Curso de História

Lisboa, 22 de Dezembro de 2010

Gravura referente a Jabir ibn Hayyan (Geber)

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INTRODUÇÃO

Depois do desafio que o Professor Paulo Mendes Pinto nos fez na aula de HFR-V, considerei

várias hipóteses de estudo. A proposta seria fazer uma ficha de património, sobre qualquer

objecto Islâmico com presença em Portugal. O que entendi por ficha de património? Em

primeiro lugar, uma espécie de ficha técnica, que nos possa dar a conhecer, em pormenor, o

objecto tratado. Depois, relacionando o objecto, com a sua presença, no que é hoje o

território português, e por fim, o que influenciou e ainda influencia os nossos hábitos e

costumes.

Assim, propus-me perante o Professor, abordar um objecto que sai um pouco do âmbito de

“coisa” antiga e objecto de estudo histórico. Como tudo tem a sua história, porque não usar

para este trabalho algo que ainda nos é contemporâneo? E afinal tão antigo!

Poderemos perguntar a qualquer português, quem inventou o Alambique, não deverá saber

responder, mas dir-nos-á que, “deve ser qualquer coisa árabe”, percebe-se porquê, a própria

nomenclatura da palavra leva-nos à ideia de árabe, ou seja, começa por AL. Realmente quase

todas as nossas palavras começadas por AL são de inspiração árabe, mas provavelmente nem

todas o serão. Assunto este que não me traz aqui. O que se confirma é que, o ALAMBIQUE é

mesmo árabe!

Partindo do que atrás referi, começo por dizer que realmente perguntei a várias pessoas se

sabiam o que era um Alambique e quem o inventou. Nem todas souberam dizer o que era e

muito menos quem o inventou, mas quase todas disseram que deveria ser algo árabe. Muito

bem, já temos qualquer coisa. Agora, fazendo este trabalho, espero contribuir para um melhor

esclarecimento deste objecto/utensílio e de que forma, sendo realmente árabe, ainda hoje

está presente no nosso quotidiano.

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O que é o Alambique?

O alambique é um aparelho utilizado para destilações, formado pela caldeira, um recipiente

fechado onde é colocado o líquido, e pelo capacete ou capitel, de onde sai um tubo dirigido

para baixo por onde passam os vapores. É normalmente feito de cobre, mas também há de

vidro. Não tem um tamanho definido, e varia consoante os litros que a sua caldeira suporta.

Está acessível ao grande público em feiras e fábricas da especialidade. Ainda hoje, na sua

grande maioria, é manufacturado de forma artesanal.

Alambique de fabrico português - já bastante usado

“O alambique é um equipamento de destilação. Foi utilizado desde tempos remotos,

encontrando-se frequentemente relacionado com a alquimia. Embora os Egípcios fossem os

primeiros povos a construir utensílios semelhantes a alambiques, cujos desenhos adornam um

velho Templo de Mênfis [foto1], foi da língua Árabe que nasceram os termos alambique (“al

ambic”) e álcool (“al cóhol”) significando, o primeiro, vaso destilatório, e o segundo, embora

querendo designar um pó muito duro à base de chumbo ou antimónio, exprime a ideia de

ténue e subtil, significando vapores e destilação. O alambique foi desenvolvido por volta do

ano c.800 d.C. pelo Alquimista Árabe Jabir ibn Hayyan. A palavra alambique derivou do

significado metafórico de “algo que refina; que transmuta”, mediante a destilação (…) Os

primeiros estudos científicos documentados acerca da destilação surgiram ainda antes da

Idade Média, por volta do ano 800, com o alquimista atrás referido (Geber).

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As origens da alquimia podem situar-se na Grécia, fazia o ano de 300 AC, recorrendo aos

registos egípcios e babilónicos. O seu maior esplendor na antiguidade pareceu ter sido

alcançado em Alexandria entre os anos c.200-300 d.C.

Existem provas documentais de que os trabalhos destes alquimistas chegaram aos Árabes e os

aparelhos que utilizavam para a destilação foram descritos por Marco Graco no século VIII,

podendo considerar-se este como o primeiro documento histórico sobre a destilação de

vinhos, ainda que não mencione nada sobre as características do resultado obtido na

destilação.

Em meados do século IX, tem início o desenvolvimento da alquimia Árabe, que recebe a sua

influência da escola de Alexandria.

Sendo assim, os árabes compilaram os conhecimentos dos alquimistas existentes até essa

época, num livro intitulado “Livro de Crates”. No entanto, será a obra de Geber, que foi

publicada no ano de 850 e traduzida para o latim como “De Summa Perfectionis”, que fará

com que a Europa recorra ao pensamento e métodos da química.” 1

Estamos então, perante um objecto que serve para destilar, o que é a destilação?

“A destilação é o modo de separação baseado no fenómeno de equilíbrio liquido-vapor de

misturas. Em termos práticos, quando temos duas ou mais substâncias formando uma mistura

líquida, a destilação pode ser um método adequado para purificá-las: basta que tenham

volatilidades razoavelmente diferentes entre si.” In – Wikipédia verificado em

http://www.nt.ntnu.no/users/skoge/publications/1999/DistillationTheory/original/distillationthe

ory.pdf

Para que serve?

“Talvez a grande conquista de Geber, foi a descoberta dos ácidos minerais e outros, que ele

preparou para a primeira vez no seu alambique (al-Ambique). Além de diversas contribuições

de natureza básica da alquimia, envolvendo grande parte da preparação e desenvolvimento de

métodos químicos, ele também desenvolveu uma série de processos químicos aplicados,

tornando-se um pioneiro no campo da ciência aplicada.

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Suas realizações neste domínio incluem a preparação de vários metais, o desenvolvimento do

aço, tingimento de tecidos e curtumes de couro, de pano à prova de água, utilização de

dióxido de manganês, na fabricação de vidro, prevenção de oxidação, em letras de ouro, a

identificação de tintas, graxas, etc. Durante o curso desses esforços práticos, ele também

desenvolveu água-régia para dissolver o ouro. O alambique é a sua grande invenção, que

torna mais fácil e sistemático o processo de destilação. Geber deu grande ênfase à

experimentação e precisão no seu trabalho.” 1

Os egípcios já usavam a destilação para “refinar” essências de plantas e flores para o fabrico

de perfumes. Nos dias de hoje utiliza-se para as mais variadas aplicações químicas, mas muito

próximo de nós estão as “aguardentes”, principalmente as caseiras, destiladas a partir dos

mais variados frutos e que utilizam o Alambique para esse processo.

Mas porque Jabir ibn Hayyan inventou o Alambique?

Como atrás percebemos, já havia quem usasse a destilação antes dos árabes, mas não com o

Alambique, seria, provavelmente, um instrumento mais rústico e que até necessitaria de mais

mão-de-obra disponível, para o manietar. (ver figura [1]) Provavelmente, Jabir ibn Hayyan,

conhecendo estes utensílios mais arcaicos e utilizando os princípios que os geriam, inventou o

Alambique! Podemos dizer que o inventou, pois antes não havia alambique, nem com esse

nome nem com o mesmo formato.

Esta personagem da história, bem referenciado a nível mundial, era, entre outras coisas, o

que hoje poderemos chamar, um químico, farmacêutico e até médico, ele era alquimista.

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“Abu Musa Jabir ibn Hayyan, conhecido na Europa como Geber (uma versão do latinizada

Jabir) foi um dos maiores génios da Alta Idade Média: químico, médico, farmacêutico,

astrónomo, engenheiro, filósofo… também realizou trabalhos noutras áreas, como alquimia e

astrologia, (…)

Não se sabe muito bem se era árabe ou de origem persa, mas era xiita e nasceu na cidade de

Tus, no moderno Irão, c.721-722 d.C. A sua família vivia antes em Kufa, mas acredita-se que

o seu pai se mudou, para procurar apoio para a dinastia Abássida e se apoiar em sua revolta

contra o Umayyad. O pai de Geber provavelmente foi executado por esta última no seu

próprio país, e a família fugiu para o Iémen, onde Abu Musa cresceu, estudou, além do

Alcorão, naturalmente, a ciência e a matemática com o seu professor, al-Harbi Himyari.

Quando os Abássidas finalmente alcançaram o poder, Geber retornou para Kufa, onde

desenvolveu quase todos os seus trabalhos. Sua vida foi dedicada quase exclusivamente à

investigação, embora as suas conexões políticas tenham custado a vida do seu próprio pai. No

entanto, Geber foi protegido pelo Vizir Barmecides, servidor do célebre Califa Harun Yahiya Al

Rashid. Quando a família do Vizir caiu em desgraça c.803 d.C., Geber também sofreu mas não

foi executado - sofreu uma espécie de prisão domiciliar ao longo de doze anos, até sua morte

em torno de 815. Esta meta poderia ter sido terrível para os outros, mas Geber tinha vivido

quase da mesma forma toda a sua vida, e os seus estudos e investigações encheram todo o

seu tempo. À semelhança de outros génios, era versado em quase qualquer coisa que se

possa imaginar, e teve avanços científicos realizados em muitas áreas.”

In telmociencias.blogspot.com (trechos retirados de

httpwww.muslimheritage.comtopicsdefault.cfmarticleID=1004) [Alterei o texto para português de Portugal]

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Já entre os séculos, X e XI d.C. o médico e filósofo árabe Ibn Sina (Avicenna) desenvolveu,

uma grande obra, abrangendo a descrição e todas as aplicações do alambique. Como refere

no seu livro, Kitab al-Shifa, indo beber aos conhecimentos de Geber e aumentando o potencial

científico desta tecnologia.

Ibn Sina

Tratado ciêntifico árabe de destilação patente na British Library em Londres.

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Alambique de fabrico português – ainda sem uso

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em Portugal encontramos o alambique em quase todas a regiões, ou mesmo todas, no

entanto quero referir uma região, que normalmente não é conhecida e reconhecida pelas suas

destilações, pois normalmente são caseiras. Estamos perante um facto que, eventualmente

poderá ser estudado e trabalhado no futuro, principalmente ao nível do Turismo. Trata-se da

região sul da antiga Beira Baixa, zona que vai de Oleiros à Sertã e que é fértil em

Medronheiros (Arbutos unedo), árvore normalmente ligada ao Algarve e respectivamente à

aguardente de medronho. Zona onde, temos já uma grande quantidade de produtores e

especialistas interessados no seu desenvolvimento ligado exactamente ao Turismo. Ali,

naquela região, da Beira Baixa, encontramos uma vasta floresta autóctone de Medronheiros,

que agora se revela, após os grandes incêndios de 2005. Desaparecendo o pinhal que retirava

fulgor a estas árvores, vemos renascer a verdadeira floresta daquela região. Deixo aqui um

exemplar do fruto e do produto final da sua destilação artesanal, usando o Alambique.

“Medronho”

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“Aguardente de medronho” com o fruto no interior do copo

Estamos perante um aparato, que tendo a sua génese em local e data desconhecida, se

desenvolveu através de um cientista islâmico. Sendo este, contemporâneo das conquistas

árabes no sul da Europa, não será difícil de imaginar a forma como o alambique entrou na

Península Ibérica. Foi com a intenção de fazer ciência que ele foi criado, e nos dias de hoje,

para os grandes apreciadores das chamadas bebidas espirituosas destiladas, a aplicação e uso

do Alambique não será de somenos importância.

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Curiosidades “Legais”:

Sabemos que o Corão proíbe o consumo de álcool:

«Ó crentes: Na verdade o vinho (bebidas tóxicas), os jogos de azar, os ídolos e as flechas de adivinhação são obras abomináveis de satanás. Evitai-os para assim poderdes prosperar. O satanás quer apenas introduzir a inimizade e o ódio entre vós por meio do vinho e do jogo de azar e desviar-vos da recordação de ALLAH e de Salah. Não vos abstereis deles? Obedecei a ALLAH e obedecei ao mensageiro e tende cuidado» (Cap. 5, vers. 90-92)

Logo sendo o alambique inventado por um Islâmico, podemos partir do princípio de que, o álcool, destilado pelos seus alambiques, não seria para consumo “espirituoso”, mas sim científico e medicinal.

A lei portuguesa, apesar de recente, tem em conta a quantidade de cobre (material com é que

é feito o Alambique) presente na destilação de aguardente de medronho.

“A 26 de Setembro de 2000 surge o Decreto-Lei nº 238/2000 que define o que é uma aguardente de medronho

no seu Artº 2 (“entende-se por aguardente de medronho a aguardente de frutos obtida exclusivamente por

fermentação alcoólica e destilação do fruto carnudo do Arbutus unedo L. ou do seu respectivo mosto”) e quais

as suas características no Artº 3 (nº 2 - Na aguardente de medronho o teor máximo admissível de cobre é de 15

mg/L).

Aviso legal : “se beber, faça-o com moderação”

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Referência bibliográfica com a legenda [1] www.lusiancoppers.com – tradução minha do

inglês.

Foto [1]

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