fevereiro 2016

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E D I T O R I A L ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, FEVEREIRO/2016 - ANO XIX - N o 229 O ESTAFETA Foto Arquivo Pró-Memória O mundo se vê assombrado com a epidemia de zica que se alastra causan- do microcefalia em recém-nascidos, além da síndrome neurológica de Guillain-Barré. As doenças transmitidas pelo Aedes-aegypti são um desafio a ser enfrentado por todos os países. No Brasil, há décadas o governo brasilei- ro vem se empenhando no combate à dengue, mas todo o trabalho feito até agora tem se mostrado ineficaz. É la- mentável que, em pleno século 21, es- tejamos sujeitos a contrair doenças transmitidas por mosquitos que não são eliminados, em muitos casos de- vido à omissão e à displicência da po- pulação, que não dá a devida atenção às orientações de especialistas. É pre- ciso que cada um faça sua parte e man- tenha vigilância constante na elimina- ção de criadouros do mosquito. Transmitidos da mesma forma, mas com sintomas diferentes, dengue, chikungunya e zica podem ser fatais. A atual epidemia de zica amedronta o mundo e chama a atenção para as ques- tões do saneamento básico e do dese- quilíbrio ambiental. A proliferação dos mosquitos é um problema ecológico. Providencial, a atual Campanha da Fraternidade da Igreja Católica concla- ma todos a cuidar do meio ambiente. A Campanha deste ano tem como objeti- vos assegurar o direito ao saneamento básico para todas as pessoas e traba- lhar por políticas públicas e atitudes que garantam a integridade e o futuro do planeta. Daí a necessidade do engajamento de toda a sociedade, pois a escolha das atitudes para a preserva- ção da vida no planeta Terra deve ser orientada por critérios coerentes com o propósito de mais justiça e paz. Tal es- colha deve contribuir para segurança e diminuição das desigualdades e das agressões à criação. Por isso, hoje, as preocupações e consequentes ações no âmbito do saneamento passam a in- corporar não somente questões de or- dem sanitária, mas também de justiça social e ambiental. É, portanto, neces- sário e urgente que as ações para a pre- servação ambiental busquem também construir a justiça, principalmente para os pequenos e os mais pobres. A Campanha da Fraternidade deste ano tem como objetivo geral assegurar o direito ao saneamento básico a todas as pessoas e o nosso empenho, à luz da fé, por políticas públicas e atitudes responsáveis que ga- rantam a integridade e o futuro do Planeta Terra, nossa Casa Comum. As reflexões sobre o saneamento bási- co contidas no texto-base demonstram que ele é um direito humano fundamental e, como todos os outros direitos, requer a união de esforços entre sociedade e poder público no planejamento e na prestação de serviços e de cuidados. Por isso, esta é uma campanha ecumênica, pois a questão do saneamento atinge não apenas os cató- licos, mas todas as pessoas, independen- temente da fé que professem. Abastecimento de água potável, esgoto sanitário, limpeza urbana, manejo de resídu- os sólidos, controle de meios transmisso- res de doenças e drenagem de águas pluvi- ais são necessários para que todas as pes- soas tenham saúde e vida digna. Por isso, há que se ter em mente que justiça ambiental é parte integrante da justiça social. Cuidar do planeta como casa comum é responsabilidade de todos. Devemos nos unir num trabalho continuado e cuidadoso de proteção ao meio ambiente como fonte inesgotável de vida. Quando falamos em bem comum, não podemos restringi-lo à re- lação dos seres humanos entre si, mas tam- bém destes com a natureza, que deve ser cuidada com gratidão e respeito. E o uso da natureza e de todos os bens materiais deve acontecer de forma justa e voltada para a construção de uma coletividade com mais igualdade, ao invés de serem utilizados para suprir a ganância de alguns. Voltando os olhos para nossas cidades, observamos que o descaso com o meio am- biente é gritante. O uso e a ocupação irre- gulares do solo produziram, ao longo dos anos, agravos irreparáveis na natureza. A ocupação das encostas e margens de córregos, decorrente da falta de planeja- mento urbano, concorre para que o esgoto doméstico e outros tantos efluentes conti- nuem sendo lançados em nossos rios. Ain- da, o desmatamento das encostas e a per- da da mata ciliar, que contribuem para o assoreamento dos ribeirões, facilitando en- chentes e colocando moradores em risco permanente. A Campanha da Fraternidade é um cha- mamento para a mudança de postura e de hábitos de toda a sociedade, que deve se voltar para o cuidado de nossa Casa Co- mum, atuando de forma coletiva, empenhan- do-se em favor da elaboração, imple- mentação e acompanhamento de ações preservacionistas. Cabe ao poder público a tarefa de realizar as obras de infraestrutura, garantir a implantação do plano municipal de saneamento básico, a limpeza do espaço público e a coleta de lixo. Os cidadãos têm a tarefa de não jogar lixo nas ruas e zelar pe- los espaços coletivos. É vergonhoso olhar- mos para nossos ribeirões e vermos lixo de toda espécie neles lançado. Vamos aderir e nos engajar nessa grande Campanha! “Planeta Terra: nossa responsabilidade” Abastecimento de água potável, esgoto sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, controle de meios transmissores de doenças e drenagem de águas pluviais são necessários para que todas as pessoas tenham saúde e vida digna.

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Edição 229, de fevereiro de 2016, do informativo O ESTAFETA, órgão da Fundação Christiano Rosa, de Piquete/SP.

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Page 1: FEVEREIRO 2016

E D I T O R I A L

ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, FEVEREIRO/2016 - ANO XIX - No 229

O ESTAFETAFoto Arquivo Pró-Memória

O mundo se vê assombrado com aepidemia de zica que se alastra causan-do microcefalia em recém-nascidos,além da síndrome neurológica deGuillain-Barré.

As doenças transmitidas peloAedes-aegypti são um desafio a serenfrentado por todos os países. NoBrasil, há décadas o governo brasilei-ro vem se empenhando no combate àdengue, mas todo o trabalho feito atéagora tem se mostrado ineficaz. É la-mentável que, em pleno século 21, es-tejamos sujeitos a contrair doençastransmitidas por mosquitos que nãosão eliminados, em muitos casos de-vido à omissão e à displicência da po-pulação, que não dá a devida atençãoàs orientações de especialistas. É pre-ciso que cada um faça sua parte e man-tenha vigilância constante na elimina-ção de criadouros do mosquito.

Transmitidos da mesma forma, mascom sintomas diferentes, dengue,chikungunya e zica podem ser fatais. Aatual epidemia de zica amedronta omundo e chama a atenção para as ques-tões do saneamento básico e do dese-quilíbrio ambiental. A proliferação dosmosquitos é um problema ecológico.Providencial, a atual Campanha daFraternidade da Igreja Católica concla-ma todos a cuidar do meio ambiente. ACampanha deste ano tem como objeti-vos assegurar o direito ao saneamentobásico para todas as pessoas e traba-lhar por políticas públicas e atitudesque garantam a integridade e o futurodo planeta. Daí a necessidade doengajamento de toda a sociedade, poisa escolha das atitudes para a preserva-ção da vida no planeta Terra deve serorientada por critérios coerentes com opropósito de mais justiça e paz. Tal es-colha deve contribuir para segurança ediminuição das desigualdades e dasagressões à criação. Por isso, hoje, aspreocupações e consequentes açõesno âmbito do saneamento passam a in-corporar não somente questões de or-dem sanitária, mas também de justiçasocial e ambiental. É, portanto, neces-sário e urgente que as ações para a pre-servação ambiental busquem tambémconstruir a justiça, principalmente paraos pequenos e os mais pobres.

A Campanha da Fraternidade deste anotem como objetivo geral assegurar o direitoao saneamento básico a todas as pessoas eo nosso empenho, à luz da fé, por políticaspúblicas e atitudes responsáveis que ga-rantam a integridade e o futuro do PlanetaTerra, nossa Casa Comum.

As reflexões sobre o saneamento bási-co contidas no texto-base demonstram queele é um direito humano fundamental e,como todos os outros direitos, requer aunião de esforços entre sociedade e poderpúblico no planejamento e na prestação deserviços e de cuidados. Por isso, esta éuma campanha ecumênica, pois a questãodo saneamento atinge não apenas os cató-licos, mas todas as pessoas, independen-temente da fé que professem.

Abastecimento de água potável, esgotosanitário, limpeza urbana, manejo de resídu-os sólidos, controle de meios transmisso-res de doenças e drenagem de águas pluvi-ais são necessários para que todas as pes-soas tenham saúde e vida digna. Por isso,há que se ter em mente que justiça ambientalé parte integrante da justiça social.

Cuidar do planeta como casa comum éresponsabilidade de todos. Devemos nosunir num trabalho continuado e cuidadosode proteção ao meio ambiente como fonteinesgotável de vida. Quando falamos embem comum, não podemos restringi-lo à re-lação dos seres humanos entre si, mas tam-bém destes com a natureza, que deve sercuidada com gratidão e respeito. E o uso danatureza e de todos os bens materiais deve

acontecer de forma justa e voltada para aconstrução de uma coletividade com maisigualdade, ao invés de serem utilizados parasuprir a ganância de alguns.

Voltando os olhos para nossas cidades,observamos que o descaso com o meio am-biente é gritante. O uso e a ocupação irre-gulares do solo produziram, ao longo dosanos, agravos irreparáveis na natureza. Aocupação das encostas e margens decórregos, decorrente da falta de planeja-mento urbano, concorre para que o esgotodoméstico e outros tantos efluentes conti-nuem sendo lançados em nossos rios. Ain-da, o desmatamento das encostas e a per-da da mata ciliar, que contribuem para oassoreamento dos ribeirões, facilitando en-chentes e colocando moradores em riscopermanente.

A Campanha da Fraternidade é um cha-mamento para a mudança de postura e dehábitos de toda a sociedade, que deve sevoltar para o cuidado de nossa Casa Co-mum, atuando de forma coletiva, empenhan-do-se em favor da elaboração, imple-mentação e acompanhamento de açõespreservacionistas. Cabe ao poder público atarefa de realizar as obras de infraestrutura,garantir a implantação do plano municipalde saneamento básico, a limpeza do espaçopúblico e a coleta de lixo. Os cidadãos têm atarefa de não jogar lixo nas ruas e zelar pe-los espaços coletivos. É vergonhoso olhar-mos para nossos ribeirões e vermos lixo detoda espécie neles lançado. Vamos aderir enos engajar nessa grande Campanha!

“Planeta Terra: nossa responsabilidade”

Abastecimento de água potável, esgoto sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, controlede meios transmissores de doenças e drenagem de águas pluviais são necessários para que todas aspessoas tenham saúde e vida digna.

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Página 2 Piquete, fevereiro de 2016

Fotos Arquivo Pró-Memória

A Redação não se responsabiliza pelos artigos assinados.

Diretor Geral:Antônio Carlos Monteiro ChavesJornalista Responsável:Rosi Masiero - Mtd-20.925-86Revisor: Francisco Máximo Ferreira Netto

Redação:Rua Professor Luiz de Castro Pinto, 22Tels.: (12) 3156-1207Correspondência:Caixa Postal no 10 - Piquete SP

Editoração: Marcos R. Rodrigues RamosLaurentino Gonçalves Dias Jr.

Tiragem: 1000 exemplares

O ESTAFETA

Fundado em fevereiro / 1997

O ESTAFETA

Imagem - Memória

Um desfile de fantasias em PiquetePara resgatar velhos carnavais, recorda-

mos os desfiles de fantasias coloridas, ricase originais, comuns em todo o país duranteo reinado de Momo.

As fantasias sempre deram o tom às brin-cadeiras de carnaval, fosse nos desfiles deblocos e escolas de samba ou nos bailes desalão. A criatividade na escolha dos trajescontribui para o clima de descontração queenvolve os foliões. O hábito de se fantasiarfoi introduzido no Brasil durante o Impérioatravés dos bailes de fantasias e máscaras,inspirados na cultura italiana. Naquela épo-ca, os clubes resgatavam os carnavais deVeneza. Esses bailes se tornaram uma tradi-ção, perduraram durante décadas e deramorigem aos concursos de fantasia, nos quaiso imperava o luxo e provocava muita brigaentre os concorrentes perdedores.

Nos antigos carnavais, as pessoas seadornavam com glamour e criatividade parairem aos bailes e agremiações. Foram famo-sos, em Piquete, os concursos de fantasiano Casino da Estrela e no Grêmio GeneralCarneiro. No clube da Associação Comer-cial, no Elefante Branco e no Clube dos Ex-Alunos também eram premiadas as fantasi-as mais luxuosas e as mais originais. Nosbailes mais sofisticados, destacavam-se asfantasias de pierrot, arlequim e colombina,personagens criados no sáculo 16 para sa-tirizar os costumes sociais da época e queconquistaram o público.

Em Piquete, as primeiras brincadeirasde carnaval aconteceram, de maneira com-portada, nas casas de família, enquanto nas

ruas, o entrudo, uma espécie de trote, bemmais descontraído e irreverente, atraía aatenção do povo. Com as obras da Fábricae a chegada de operários de diferentes lu-gares, o Carnaval sofreu diversas influên-cias. No Hotel das Palmeiras, animados pormúsicos da Euterpe Piquetense, militaresgraduados da Fábrica se juntavam a hós-pedes e famílias tradicionais da cidade parabrincar o Carnaval.

Foi para quebrar o sossego de Piqueteque, em 1926, um grupo de jovens criou oprimeiro rancho a desfilar pelas poucasruas da cidade. Os componentes do Flordo Indaiá exibiam fantasias simples, po-rém elaboradas, em lamê e cetim, algumasbordadas. Nas fantasias das mulheresdesse rancho, lantejoulas e tiaras feitascom aljôfar lhes davam certo brilho. Nosbailes que aconteciam no Cine Glória e noprédio da Sociedade Beneficente da Fá-brica, na década de 1930, muitos foliõesse divertiam fantasiados, e havia, ainda, oanonimato do grupo de mascarados. Nadécada seguinte, com a criação, pelo De-partamento Social da Fábrica, de agre-miações e clubes para os operários efamilias, o Carnaval tomou novas cores ese sofisticou ainda mais. Na Vila Duquehouve, certa vez,uma famosa batalha deconfetes.Um palanque para as autorida-des foi erguido, de onde se podia assistiraos animados grupos fantasiados repre-sentando os diversos clubes, numa bata-lha com muito confete, serpentina e lançaperfume – permitido naquele tempo.

Os apaixonados por Carnaval com cer-teza se recordam de que as maiores festasde Carnaval em Piquete foram organizadasno período em que o General Adhemar Pin-to foi diretor da FPV. O Carnaval de 1966ficou na história: uma imensa passarela foimontada pela rua que, partindo da Vila Du-que, passava em frente ao Cine Estrela. Porela desfilaram, nos três dias de folia, esco-las de samba e agremiações do Vale doParaíba e do Rio de Janeiro. No domingo,pela manhã, na piscina da Fábrica, um con-corrido banho a fantasia de papel crepomfoi um sucesso. Houve, também, naqueleCarnaval um desfile de fantasias de luxo eoriginalidade que atraíu concorrentes de vá-rias cidades da região. Para delírio da torci-da que assistiu àquele espetáculo de bomgosto, arte e criatividade, saíram vencedo-res os piquetenses Miguel da Silva Castro eAntônio Domingos de Paula.

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O ESTAFETA Página 3Piquete, fevereiro de 2016

Professora WandaGENTE DA CIDADEGENTE DA CIDADE

Neste mês de fevereiro saiu novo re-latório internacional sobre o rendimentoescolar elaborado pela Organização paraa Cooperação e Desenvolvimento Econô-mico – OCDE. O resultado não é nada ani-mador. O Brasil, embora tenha apresenta-do melhora, permanece entre os dez pio-res do ranking.

O estudo avaliou 64 países e consta-tou que 4,5 milhões de estudantes até 15anos de idade não atingiram o nível bá-sico de aprendizado. Isso equivale a umem cada quatro estudantes. Muita coi-sa!!! O Peru e a Indonésia são os paísescom maior porcentagem de estudantesnessa condição.

Além do Brasil, aqui na América LatinaArgentina, Peru e Colômbia aparecem en-tre os países com baixíssimo rendimentoescolar em matemática, leitura e ciência.China, Cingapura e Coréia do Sul são osmelhores da lista.

A boa notícia é que o Brasil está entreos cinco países que mais conseguiram re-duzir o número de alunos com baixo rendi-mento entre 2003 e 2012.

O estudo mostra, também, que bonsresultados em educação dependem demuitos mais fatores do que simplesmentea renda per capita de um país. Desta for-ma, todas os países podem melhorar orendimento de seus alunos seimplementarem políticas adequadas. E oque temos no Brasil? De maneira geral,políticas públicas equivocadas. Nossaeducação está recheada de discursos ide-ológicos, de práticas sem respaldo da ci-ência, de professores mal formados e malremunerados, de gestores despreparados,de escolas feias e pouco atraentes, entretantas outras coisas. O aluno é o coitadi-nho, estudar é castigo, prova é bichopapão, disciplina é vista como repressão...E assim vamos fazendo educação comensino de baixa qualidade.

Para os que acham que isso não é im-portante, vale lembrar que pesquisas re-centes revelam que jovens de 15 anos semo nível mínimo têm risco maior de abando-nar os estudos, costumam acabar em tra-balhos mal pagos e pouco gratificantes,participam menos da política e apresentamsaúde pior. Além disso, o crescimento eco-nômico de todo o país fica severamentecomprometido, pois políticas públicas deeducação ruins levam o país a um estadode permanente recessão. Portanto, educa-ção de baixa qualidade afeta o bolso detodo mundo!

Brasil permanece entreos dez piores em ranking

de rendimento escolar

Laura Chaves

Apesar das inúmeras dificuldades porque passa o ensino brasileiro, há muitosprofessores que entendem ser sempre umdesafio e um imenso prazer poder ensinar eacompanhar o educando em sua formação eprepará-lo para vida. Relatam grande emo-ção quando casualmente se encontram e sãoreconhecidos por um ex-aluno, mesmo ten-do passado décadas do tempo de escola.

Em Piquete, tivemos um período áureoda educação, em que, da pré-escola à for-mação de professores, a cidade foi referên-cia no Vale do Paraíba. Nossas escolas nes-se período eram modelares. Entre elas, des-tacava-se o Grupo Escolar Antônio João, omais antigo da cidade, que sempre contoucom excepcional corpo docente que se pre-ocupava com a formação integral de seusalunos. Entre os inúmeros professores quese dedicaram e contribuíram para o bomnome dessa instituição é sempre lembradoo da professora Wanda Motta Guedes.

Nascida em Caçapava, em 23 de novem-bro de 1934, é filha do casal Raul Soares deOliveira e Rafaelina Araújo Motta de Olivei-ra. Seu pai, natural do estado da Paraíba,veio para Piquete junto com uma força mili-tar quando da Revolução de 1932. Após esseconflito, foi transferido para Caçapava, ondese casou. Em 1938, com a esposa e dois fi-lhos, retornou para Piquete, a fim de traba-lhar na fábrica do trotil. Wanda tinha quatroanos. Wanda conta que os pais sempre va-lorizaram o estudo. Antes mesmo de fre-quentar o grupo escolar, teve aulas particu-lares com a professora Tereza de Mello, nohotel de dona Maria Eufrázia. Matriculadano Antônio Joao, foi, por quatro anos, alu-na da professora Leonor Guimarães. Refe-re-se a ela como exemplo de educadoravocacionada para o ensino. Aprendeu comela a importância do respeito entre o profes-sor e os alunos e familiares. “Catequista, aprofessora Leonor Guimarães assistia mui-tas pessoas carentes”, conta Wanda. “Al-gumas vezes, eu a acompanhava nessas vi-sitas”, afirma. Essas observações ficaramgravadas na sua memória e concorreram parasua formação humanitária.

Após a conclusão do ensino primário,Wanda matriculou-se no Ginásio da FPV eem seguida cursou a Escola Normal LivreDuque de Caxias. É da segunda turma destagrande escola. Conta que o diretor da Es-cola Normal, professor Leopoldo, mantinhadisciplina militar e primava pela boa quali-dade do ensino. O corpo docente era primo-roso. Wanda destaca a professora Ricarda

Godoy. Foram seus colegas de Escola Nor-mal Vonir Gomes, Rita Câmara, Lúcia Guima-rães, Maria José (Bagé), Maurício Seraphim,Airton, Manoel Jansen Villar, Luiz Carlos eAgenor Ferreira. Após a conclusão do Nor-mal, lecionou por muito tempo em escolasrurais. Iniciou sua vida de professora noBairro dos Gonçalves e depois, nos dosMarins e Boa Vista. Efetiva, escolheu Bana-nal, SP, onde lecionou por três anos em es-cola rural. Em 1959, Wanda veio removidapara Piquete. Lecionou por três anos noDarwin Felix, transferindo-se para o Antô-nio João. Conta que foi uma grande emoçãoquando passou a lecionar na escola em quehavia estudado e que esta mantinha o mes-mo padrão de ensino. O diretor era o profes-sor Carlos Ramos, substituído por OsmarRocha Simas, este, segundo ela, um grandeidealista que dinamizou ainda mais a escola:promoveu diversas atividades, desfiles eencontros cívicos memoráveis que elevaramo nome dessa instituição. Foram seus cole-gas de trabalho as professoras Maria Cipolli,Conceição Godoy, Maria do Carmo Pascoal,Milita Villar, Mariinha Motta, Yolanda Luz,Eunice Fernandes, Olga Ecklund, MirthesChaves e tantas outras...

Em 1961, Wanda casou-se com LuteroGuedes. Tiveram quatro filhos e sete netos.

Depois de mais de trinta anos dedica-dos ao Magistério, Wanda Motta se apo-

sentou em 1986.Sente-se, porém, an-tenada com os ru-mos da educação.Fala da importânciados professores pe-las possibilidadesque a profissãoproporciona de co-laborar na forma-ção de cidadãosconscientes, pois,apesar de toda amodernidade edos avanços tec-nológicos, nenhu-ma máquina subs-tituirá os profes-sores.

Professoras do Grupo Escolar Antônio JoãoProfessoras do Grupo Escolar Antônio João

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O ESTAFETA Piquete, fevereiro de 2016Página 4

A Segunda Guerra Mun-dial deu-se entre 1939 e 1945.Não esteve, portanto, muitodistante da Primeira (1914-1918). As consequênciasdesta geraram motivaçõespara o desenrolar da Segun-da. O tratado de Paris emVersalhes, que selara a pazapós a Primeira, não satisfezplenamente os conflitantes,principalmente os perdedo-res, particularmente a Alema-nha. Esta, despojada de seusdomínios coloniais, foi-se re-fazendo das perdas e permi-tindo um jogo político que engendrou a as-censão de Hitler por meio de reviravoltaspolíticas disputantes do poder. Além dis-so, um nacionalismo exacerbado alimenta-va o povo numa tradição baseada em ra-cismo e superioridade de brancos, arianose “raça pura” que justificava a ocupaçãode espaços considerados “livres”, mas nãoprodutivos, segundo as normas do capita-lismo. Este, que se impunha como doutrinaeconômica. Principalmente num momentohistórico no qual os velhos impérios foramesfacelados, entre eles o Otomano, comojá havia acontecido com o Romano. Masesse era o método generalizado entre osparticipantes dos domínios imperiais.

Pelo tratado de Sykes-Picot, a serviçodesses novos impérios, a Inglaterra e a Fran-ça, dadas como vitoriosas, dividiam o botimda guerra entre si, ou seja, as partes cons-tituintes daquele florescente ImpérioOtomano. E, numa cartografia de interes-ses e disputas pelo poder, traçaram fron-teiras ignorando etnias, culturas, tradiçõese povos, situação que, se aprofundarmoso questionamento, entenderemos o que sepassa hoje no Oriente Médio, cujas ruptu-ras e conflitos se dramatizaram para dar ori-gem aos fanatismos, aos extremismos reli-giosos e culturais, e ao vandalismo. As-sim, podemos buscar, por exemplo, as cau-sas da eclosão jihadista e do EstadoIslâmico.

A Segunda Guerra Mundial1939 – 1945

As guerras mundiais marcaram forte-mente o século XX e transformaram o mun-do, cuja estrutura, herdada do século ante-rior, caracterizou-se pelo avanço tecnoló-gico. A bomba atômica com seu alto poderdestrutivo é uma das provas do que foi afir-mado. Hiroshima e Nagasaki, no Japão, sãosimbólicas dessa influência nefasta do mo-delo avançado da indústria instalada pe-los pesquisadores alemães na ilha dePeenemunde. A vitória norte-americanaapoderou-se dessas pesquisas, e seus cien-tistas a serviço do Nazismo foram levadosao oeste norte-americano, onde o projetoacabou por se desenvolver para criar asbombas mortíferas e inaugurar uma novaera na história da humanidade.

Neste artigo não há possibilidade decomentar as etapas da guerra desde os seusinícios, com a invasão repentina e rápida daPolônia, até ao seu final em Berlim, com aqueda do aparelho bélico liderado por Hitler.

O nazifascismo é um evento de elevadaimportância para se discutir as ideias nelecontidas e merece tantas interpretações quenão se esgotam em poucas pesquisas. Es-tão sempre renovadas as ocorrências quemarcaram os dois eventos bélicos, particu-larmente o segundo. O Holocausto (geno-cídio judaico) representa um estudo contí-nuo entre os judeus, principalmente sobreos campos de concentração, torturas e mor-tes. Mas, não apenas extermínios de judeus.

Também de dissidentes, me-mórias traumaticamente lem-bradas em cada vez mais pro-fundas análises. Os testemu-nhos são inúmeros. Uma am-pla literatura de fonte traumá-tica emerge desses campos,vistos como memórias e res-sentimentos para que pre-tensos “esquecimentos” nãodeixem apagar seus símbolose significados. E com o tem-po, e novas pesquisas, fica-mos conhecendo os camposde concentração dados emoutras partes do mundo, en-

tre elas, o Brasil.Relatos apresentados em periódicos

valeparaibanos dão conta de que houvedesses campos em Guaratinguetá - SP, ondese encontraram retidos alemães e japone-ses. Reclusão realizada em parceria com aSecretaria de Agricultura a partir de 1942.Artigo assinado por Manoel FernandoMoreira no jornal “O Lince” (Aparecida,20/10/2015), mostra que a Escola Prática deAgricultura Paulo Corrêa Lima foi um des-ses campos. Este aqui citado teve internostripulantes de um navio alemão, oWindthuk, aportado em Santos em 7 de de-zembro de 1939, ocorrência segundo o arti-culista, por desvio de rota, cujo destinoera a Argentina. O navio, que teria estadono continente africano, na impossibilidadepela declaração de guerra de se mover peloAtlântico Sul – dominado por ingleses,quando da guerra ao Eixo – (Alemanha, Itá-lia e Japão), dirigiu-se no sentido latitudinalao continente americano. Os Estados Uni-dos, em guerra com o Japão, não ofereciamalternativa. A busca pela Argentina (neu-tra na guerra) teria se dado sob o pretensopretexto da “simpatia” do peronismo (deJuan Perón) pelas propostas nazifascistas.Mas, camuflado, aportou em Santos. E daí,conduzidos os tripulantes ao campo cita-do. Uma história que ainda requer apro-fundamento da pesquisa.

Dóli de Castro Ferreira

HamartiaHamartia – na tragédia grega, erro de julgamento do herói – e do que o leva à catástrofe

Aeroporto desolado.Aviões deslocados no espaço ansian-

do por cumprir horários no serviçodiuturno. As vidas contadas no esgota-mento premeditado. Estrelas espreitandodestinos humanos. Revelam alguma coi-sa? Os signos zodiacais enganam ou sãoprecisos? Quem deles precisa? Talvez ocumprimento de uma destinação trágica.Na terra, seres envolvidos por paixões de-batem-se. Pressionadas?

Ela encontrou ele. A loura, delicada, fren-te ao musculoso mulato, pele tisnada dosvislumbres inusitados das frustrações e dosestereótipos.

Acharam-se. Complementados e en-tendidos. Casaram-se. Destinos-Desati-nos espreitando. A felicidade sonhadaescoou no tempo trapaceada pelas dúvi-das cruéis. A casa comum dividida agoradisputada.

Na separação, o desarranjo. Os deu-ses onde estão? Ele passou a bombardeá-la via torpedos. Ameaçou matá-la. A polí-cia, informada, nada fez. Oito tentativasfalharam.

Finalmente, o dia.No salão de beleza, ela trabalhava. Ca-

beleireira. Ele caminhava resoluto na dire-ção. O endereço a gotejar suor gelado. Lá-

grimas reprimidas nos olhos vazios. QueZeus impotente sucumbira às graças de-sesperadas da antiga garota que, final-mente, cedera ao afrodisíaco fauno. Ca-samento, filhos, quem sabe? O secadornas mãos. Aterrorizada, vê o monstro seaproximar, sacar da arma e atirar – oitovezes. Para nada sobrar, a não ser ocatártico desfalecer em forma fetal. A câ-mara do ciclópico olho eletrônico gravoutudo. No espaço infinito, estrelas desar-ticuladas dos Zodíacos, em seus escon-derijos diurnos, emudeciam.

Dóli de Castro Ferreira

Hiroshima destruída na II Guerra Mundial

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O ESTAFETA Página 5Piquete, fevereiro de 2016

Joana chegava todos os dias às 8h. Abriao saco preto cheio de recicláveis e se metiaa xeretar nas bugigangas descartadas. Pe-gava uma garrafa de plástico aqui, uma latade qualquer coisa ali e, elegantemente, comum bom dia sorridente, enfiava tudo numsaco branco. Agradecendo, partia para apróxima casa. Quanta embalagem plástica elajuntava! Quanta lata de alumínio e latão!Deixava para trás papéis, plásticos e pape-lão, pois isso rendia pouco. Joana, então, iapara casa empurrando um carrinho pelasruas. Lotado. E fazia diversas viagens. In-crível, pois nem sua gravidez a fazia reduziro ritmo. Num lugar qualquer escondido emalguma viela envolta em mistério, ela des-carregava a tralha toda. Separava as coisasconforme seu lugar. Isso aqui, isso lá.Tilintava os objetos uns sobre os outros.Um ou outro recipiente teimoso jazia quietofora dos diques de separação. Na chuva elesficavam. Cheios de água boa e limpa.

Pedro nasceu no interior gaúcho. Aindapequeno, seus pais souberam de terras dogoverno no norte do Mato Grosso. Pedro

foi com os pais. Pequeno. Havia muita matae bichos. Lagartos, pererecas, sapos e inse-tos. As coisas pareciam em ordem. Pedro sedeliciava com o verde. O pai foi tirando afloresta. Coivara. Aprendeu com os ribeiri-nhos, que a faziam em pequenas áreas. Osribeirinhos e índios plantavam sua hortinha.Mandioca e milho. O Pai de Pedro o ourodo oeste. A soja. A mata queimada se foi.Pedro cresceu aprendendo as técnicas dopai. E a floresta se foi. Com ela foram-se osbichos. O canto da perereca sumiu com osecar das águas. A libélula foi para outrasparagens. Lagartos foram pro norte. Atémesmo os insetos ficaram desorientados.Foram pra cidade grande. Lá havia água.Não havia as pererecas, nem sapos, nemlagartos ou libélulas.

Raimunda nasceu pobre. Andava des-calça pelas ruas de Recife. Vivia cheia deferidas e alergias. Seriam aqueles esgotosnas ruas de terra? Nunca saberia. Nunca foiao médico. A velha Soraia, benzedeira dobairro, pegava uma folhinha de laranjeira,passava numa bacia com água benta e, di-

zendo orações estranhas, embalava a folhi-nha por sobre as chagas. Depois receitavaum chá de mato e mandava lavar as pernasvirulentas com chá de picão. As feridas se-cavam por um tempo. Raimunda cresceu ali.Parecia não haver esperanças. Mas, comotodo nordestino, ela lutava. Cresceu e, ape-sar das marcas do tempo, parecia linda emseu vestido de chita florido. Conheceu Ari-ano. Cabloco do interior. Mestre do mara-catu. Forte como um touro, apesar dos bra-ços finos e pernas bambas. Casaram-se.Veio Gislene. Gislene nasceu miúda. Chora-va pouco. Nasceu doente. Em seu corpinho,um vírus havia estragado a formação. Umvírus carregado por um mosquito que veiodas matas onde já não se podia viver. Ondeos predadores o controlavam.

Ariano e Raimunda vieram para São Pau-lo com Gislene. Quem sabe aqui eles fariamvida nova e Gislene teria esperança. Vierammorar num lugar qualquer escondido em al-guma viela envolta em mistério. Foi lá queconheceram Joana, a catadora, grávida.

Luiz Flávio Rodrigues

Foi assim...

Por mais preservação e recuperação de matas ciliaresA preocupação com a destruição ace-

lerada de extensas áreas florestais e a es-cassez de água que ameaça um futuro pró-ximo fizeram com que a Fundação Chris-tiano Rosa tenha, há mais de uma década,se voltado para este tema. Busca criar umaconsciência ambientalista na comunidadepiquetense, em particular nos mais jovens.Nesse sentido, tem elaborado e executa-do projetos voltados para o plantio e arecuperação de matas ciliares. Essas ma-tas protegem os recursos hídricos e o solo,reduzindo o assoreamento dos rios, per-

mitindo a formação de corredores ecoló-gicos.

Em Piquete, as microbacias precisam serrecuperadas. É política do governo paulistarevegetar matas ciliares em todo o estado.Há dez anos, a Fundação adotou o ribeirãoda Limeira num projeto ambicioso de recu-perar suas margens com espécies da MataAtlântica. Em parceria com a IMBEL, plan-tou, em toda a extensão desse ribeirão, notrecho em que o rio corta terras da FPV. Ape-sar de inúmeras dificuldades encontradasna execução desse trabalho, sendo uma de-

las a seca dos últimos anos, o resultadoobservado é satisfatório. É necessário, po-rém, plantar ainda mais, e que se faça cum-prir a legislação vigente, sensibilizando osproprietários de terras no município para anecessidade de recuperação de nascentese cursos d’água em suas propriedades, paraque no futuro tenhamos água de qualidade.

A preservação e a recuperação de matasciliares aliadas às práticas de conservaçãoe ao manejo adequado do solo garantem aproteção de um dos mais preciosos recur-sos naturais: a água.

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Antes (01)

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Antes (02)

Depois (02)

Page 6: FEVEREIRO 2016

O ESTAFETAPágina 6 Piquete, fevereiro de 2016

Crônicas Pitorescas

Palmyro Masiero

Expiação afetiva...

Concentrara toda sua força e vontadenaquele encontro. Não podia falhar!

Sentia-se tão sem expressão como um“i” maiúsculo isolado. Mas, num instanteque não consegue explicar como, resolveraaquilo e agora, que tinha vencido um míni-mo de sua timidez, em pelo menos tentar,não voltaria atrás. Suava cascatas! Calafri-os passeavam pelo seu corpo tão ereto quan-to permitia o pesado fardo de seu acanha-mento.

Acendeu um cigarro. Engolia fumaça aosborbotões. “Afinal de contas, pensou, nãosou obrigado a fazer isso!” Não era. Toda-via, algo superior as suas forças tentava-oaquilo. Enxugava o rosto a todo instante,num gesto quase mecânico. Olhava o reló-gio. Estava quase na hora de acontecer. Maisuma vez ensaiou as palavras que diria.

Resolveu mudar o pensamento e deixar-se à vontade, como se tudo andasse natu-ralmente. Mas não conseguia. Estava gela-do! Colocou o cigarro ao contrário nos lábi-os e soltou um gemido. Esquecera-se do quepretendia dizer. “Deixaria para outro dia?”Seu pensamento permanecia mudo, sem res-posta. Nisto, avistou-a. Ficou paralisado,mortificado, assorvetado. Cada passo delaem sua direção era como se um estilete fos-se-lhe penetrando o coração em pequenostrancos. E este dava batidas que deveriamser ouvidas à léguas. Sua cor era de ceravagabunda. Quase toda parte líquida de seucorpo escorria-lhe pelo rosto. Ela chegou!

– Você mandou recado para que eu oencontrasse aqui. Pois não.

O instante era por demais trágico. O ca-lor do inferno envolvia-o. fitava-a e não avia. Onde se meteram as palavras que hápouco ensaiara? Aonde teriam ido?

– Sim... Respodeu, como se, desespera-do por uma tortura terrível, um prisioneirodissesse sua última palavra.

– Pode falar.Novo tormento. Era sua vez de falar no-

vamente. Em frações de segundosreflexionava: conhecia-a do escritório. E seela achasse graça em sua declaração e co-mentasse com o resto da turma? Ah! Ele seriaobrigado a abandonar o emprego. Morreriade vergonha se tal acontecesse. Abando-nou-se.

– Soube que você andou falando mal demim... Disse tremulamente a tolice que logoreconheceu. Teve vontade de derreter-se.Ela iria rir-se dele ali mesmo. Ah! Se caísseum raio!

– Nunca seria capaz de falar mal de você.Uma porque não o conheço bastante, e ou-tra...

Parou. Ele olhou-a mais valentemente eteve ânsias de gritar-lhe qual era a outra. Jáconseguia até divisá-la...

... Outra, continuou ela, abaixando a ca-beça, porque simpatizo com você.

Estremeceu... Não, aquilo não era calordo inferno. Era do paraíso. Via-se mental-mente ao lado dela nos cinemas, nos pas-seios...

– Jura?! disse estupidamente.– Sim! Meigamente ela respondeu.“Ô idiota, vê se fala algo que se aprovei-

ta e não bobagens!”, xingava-se a si mes-mo.

– Eu também simpatizo muito com você– disse admirando-se de sua coragem.

– Bem – ela falou –, tenho que ir senãofica tarde.

– Eu também – calhordamente replicouele.

– Então, até amanhã!– Vamos nos encontrar amanhã? – per-

guntou, numa reunião monstro de coragem.– Você me espera na saída do escritório?– Está bem! Até amanhã, então.Ela partiu. Ele ficou. Não sentia o asfal-

to, era algodão. O ar era puro perfume. Seucorpo uma bolha alando-se no espaço. Erao único no mundo.

Arranjara sua primeira namorada...

A Fundação Christiano Rosa parabeniza a

equipe de articulistas e os leitores deste informa-

tivo pelo 19o ano de circulação ininterrupta d’O

ESTAFETA.

São quase duas décadas de informação, cultu-

ra e diversão apresentadas em textos de quali-

dade. A história de Piquete e de sua gente

vem sendo contada em suas páginas

com seriedade e embasamento.

Que venham novas edições!

A comunicação entre as pessoas sem-pre foi uma necessidade. Mas a comunica-ção a distância apresentou problemas du-rante muito tempo.

Na Antiguidade, utilizavam-se métodosnaturais como acender fogueiras no cimodos montes para comunicar a distância.

Samuel Finley Breese Morse, em 1832,inventou um telégrafo eletromagnético e emmeados de 1838 finalmente estava com umcódigo de sinais realmente funcional cha-mado Código Morse.

Ainda hoje, apesar da facilidade dainternet, o código morse é utilizado no mun-do inteiro pelo radioamadorismo.

Acompanhada por mim, a estória quepasso a contar transcorreu em meados dadécada de 1940, na cidade de Piquete.

“Morávamos na avenida General GomesCarneiro, na casa de número 14. Na sub-sequente morava seu Chico Carvalho e fa-mília. Por serem compadres dos meus pais,volta e meia eles estavam juntos. Ora noportão de casa, ora no deles.

Certa tardezinha, de passagem, ouviquando seu Chico falou:

– Norival! Amanhã é meu aniversário,quero ganhar um bom presente.

– Tá bom, compadre! Pode esperar.No dia seguinte, pela manhã, papai cor-

reu ao correio, já que este ficava na mesmaavenida em que morávamos. Quando regres-sou, o ouvi dizendo a mamãe que tinha pas-sado um telegrama ao compadre, felicitan-do-o pela passagem do aniversário. Por voltadas 12h, papai encontrou-se com o seuChico. Além de felicitá-lo pela data, falou-lhe do telegrama. Ele ficou apreensivo. Pos-tou-se no alpendre da sua casa esperandoo dito-cujo.

Por volta das 16h, o carteiro Lima, comsua pasta a tiracolo, não precisou bater pal-mas: o seu Chico Carvalho esperava-o. As-sinou o recebimento do telegrama e, sorrin-do, o abriu. Leu e releu – aquietou-se. Pas-sou a mão na face para cercar as lágrimas.

O telegrama é um veículo emocional,sempre provoca choque em quem o recebe.

Passado quase um mês, a convite doseu Chico, papai foi até à casa dele tratarde assuntos diversos. Quando adentrou asala, ficou pasmo. Na parede, acima dumsofá, numa moldura simples, o telegramaencontrava-se à vista. Os dizeres eramoportunos:

– Compadre Chico VG Deus lhe dê mui-tos anos de vida PT (ASS) Norival e famí-lia”.

Aos olhos da saudadeEdival da Silva Castro

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O ESTAFETAPiquete, fevereiro de 2016 Página 7

O aumento do número de casos de den-gue em 2015 e o aparecimento de novas do-enças transmitidas pelo Aedes aegypt – zikae chikungunya – reforçam a necessidade deque as famílias não forneçam em suas casasas condições para o nascimento e prolifera-ção desses mosquitos. Nada mais correto.No entanto, é preciso observar que a difi-culdade do Brasil em lidar com essa questãonão tem relação somente com o descuidodas famílias. Parte importante da responsa-bilidade do tema recai sobre o poder públi-co, especialmente na sua incapacidade deavançar, a passos mais largos, num serviçoessencial: o saneamento básico.

Segundo o Instituto Trata Brasil, en-quanto 82,5% dos brasileiros recebem águatratada, apenas 48,5% possuem coleta deesgoto em suas casas. E pior, quando fala-mos do tratamento desse resíduo, o núme-ro é ainda mais baixo: apenas 39% dos es-gotos do país são tratados. O resultadodesses números não nos é segredo: espe-cialmente nas regiões mais pobres, vê-se atransformação de córregos e rios em focos

de proliferação de inúmeras doenças – nãoapenas aquelas transmitidas pelo Aedes, mastambém as provenientes de outros animais.

Quando trazemos a questão do sanea-mento para Piquete, a história ganha umagravante. Combinado com o fato de nun-ca termos contado com tratamento de es-goto no município, a empresa CAB, quehoje tem sob sua responsabilidade essatarefa, simplesmente não a cumpre. Segun-do notícia veiculada no próprio site dacompanhia, a partir de março de 2010 a CABinvestiria R$ 6 milhões na cidade com o in-tuito de, até 2015, universalizar o tratamen-to de esgoto às famílias. Nas palavras deentão do presidente da empresa, YvesBesse, “em pouco tempo Piquete vai en-trar na lista das poucas cidades brasileirasque tratam 100% dos seus esgotos...”.Estamos em 2016 e nós, piquetenses, jásabemos do desfecho dessa promessa. Oesgoto continua sem nenhum tratamento eescorre dos canos de nossas casas direta-mente para os rios da cidade – pobres dosrios Benfica, Sertão e Piquete.

Acrescento mais um ponto: apesar deaté hoje não termos tratamento de esgoto,se olharmos em nossas faturas, veremos acobrança de “serviço de esgoto”. Prova-velmente, se questionados, dirão que essataxa se refere ao afastamento do resíduodas casas. No entanto, cabe notar que nãoexiste manutenção mensal dessas tubula-ções que, aliás, existem muito antes da che-gada da empresa ao município. O que tor-na, no mínimo, questionável a cobrançamensal dessa tarifa.

Por fim, cabe dizer mais uma coisa. Atéagora, e esperamos que assim prossiga,nossa cidade não observa um surto de ne-nhuma das doenças relacionadas com onão-tratamento de esgoto. No entanto, da-das as promessas da dita empresa, seriaprudente que essa receba duas visitas: dopoder público municipal – a fim de saber asrazões pelas quais os munícipes seguemsem o tal serviço – e outra dos agentes decombate à dengue – afinal, quem transfor-ma rios em esgoto também contribui com omosquito. Rafael Domingues de Lima

A CAB merece uma visita!

Analisando superficialmente os signifi-cados, dizemos que país é território, naçãoé a gente que aceita a vida em comunidade epovo é a gente que se submete voluntaria-mente a um governo.

Ao conjunto de todas as aspirações deuma gente, dos infortúnios, das vitórias, dosentir-se diferente e uno nas dificuldadeschamamos pátria.

Bem próxima de nós está a noção deetnia por causa dos nossos indígenas. Avida tribal acrescenta a origem, o sangue eo isolamento que leva a particularidades deuma cultura – um tupi não é um jê, não umaruak, não é um Karib.

As aproximações e divisões artificiaisgeralmente não perduram. Agora, nas com-petições esportivas, estamos conhecendoatletas sérvios e croatas.

Quantas e quantas vezes recebemosnotícias dos bascos dos Pirineus, entre aEspanha e a França. Etnia distinta, de lín-gua não ariana, sonha com um território parachamar de seu.

Na África Subsaariana, os colonizado-res forçaram a divisão e aproximação de tri-bos em unidades territoriais, o que trouxesérias consequências.

Entendemos com facilidade o que é umChefe de Estado ou um Chefe de Governo –que são as atribuições do Monarca e doPresidente da República e as do Primeiro-Ministro; e também, as circunstâncias emque as atribuições se acumulam na mão deum só; como no presidencialismo brasilei-ro. São atribuições que orientam a condu-ção da vida de uma gente tornada povo.

Para criar obstáculos à ambição de gru-

pos internos ou estrangeiros, o povo aceitaa criação de forças de defesa. Os militaressão pessoas do povo e seu soldo vem dosimpostos pagos pelo povo.

É, portanto, ao povo, através de seusrepresentantes, que cabe decidir quando ecomo estas forças serão empregadas.

Quanto custa um míssil, quanto custamas instalações utilizadas para dispará-lo?

Qual o povo que permite que seugovernante utilize o míssil que custou seusuor para ajudar um parceiro político queestá destruindo o próprio país?

Que poder sobrenatural é capaz de con-vencer comandantes militares a transformarem pó o que foi construído com o suor deseu povo durante milênios?

Se o país está destruído, ninguém pro-duz, ninguém planta, ninguém paga impos-tos.

Que força milagrosa sustenta os milita-res e repõe as armas?

Urge uma redefinição de povo.A gente que é obrigada a sair do seu

próprio país para não morrer não é povo. Sóhá povo quando vige o Estado Democráti-co de Direito.

Causa espanto o fato de que o Parla-mento e os Tribunais de um país dito civili-zado não tenham autoridade suficiente paraimpedir que um Primeiro-Ministro, um Pre-sidente ou um Chefe Religioso contrariem avontade do povo expressa na Constituiçãodo país, nos plebiscitos e nas manifesta-ções de rua – e utilizem armas destinadas àsua proteção e pagas com seus impostospara destruir um país que não é inimigo. Emoutras épocas, os poderosos invadiam ter-

ritórios, exterminavam ou escravizavam po-pulações e se apossavam de suas riquezas.Eram chamados colonizadores.

Locupletados, aceitaram a independên-cia das colônias, e, nas desavenças comoutros países criaram a Declaração de Guer-ra. Os brasileiros chegamos a ver a canetacom que o presidente Wenceslau Braz assi-nou a declaração em 1914.

Ainda na primeira metade do Século XXa Declaração de Guerra do Eixo tornou pos-sível a inclusão de três verbetes ao Dicio-nário da Estupidez Humana – em ordem al-fabética, Hiroshima, Holocausto e Nagasaki.

Na sequência, a guerra química não pou-pou sequer os elefantes do Laos.

Já na passagem para o XXI, uma inova-ção – ataques surpresa, pessoas fanáticasque detonam armas amarradas ao corpo.

Os poderosos clamam contra a nova clas-se de destruidores: os Terroristas.

A humanidade assiste perplexa. Organis-mos Internacionais se revezam nas declara-ções e nas sanções. É criado até um Tribu-nal Penal Internacional.

Quantos seres humanos precisam sermortos para que alguém chegue diante dosjuízes; quantas cidades precisam sucumbirpara que se formalize uma culpa?

Até quando as autoridades internacio-nais vão sapatear sobre a Declaração dosDireitos do Homem?

Ao povo, a mim, que sou povo, só nosresta chorar sobre Damasco com o repórter,que também se considera povo?

“Quem não viu a bela cidade lamente.Porque ela não existe mais”.

Abigayl Lea da Silva

Povo – um significante em busca de significado

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O ESTAFETA Piquete, fevereiro de 2016Página 8

Comissão de Bens CulturaisA Diocese de Lorena criou, no ano pas-

sado, a “Comissão de Bens Culturais, divi-são de sua Comissão para a cultura, educa-ção e comunicação social. Essa Comissão,coordenada pelos padres Fábio Nogueira deSá e Fabrício Beckmann, reuniu, em 20 defevereiro, em Cunha um grupo de leigos queparticipará de um inventário dos bens mó-veis, imóveis e integrados de todas as paró-quias da Diocese. No encontro, o Frei RogerBrunório, franciscano do Rio de Janeiro, deutreinamento para capacitar o grupo para aexecução dos trabalhos. Tendo como “salade aula” a bela e histórica Matriz de NossaSenhora da Conceição, de Cunha, Frei Rogerdiscorreu sobre a importância da história daarte e sobre a metodologia necessária paraa catalogação desses bens.

Segundo Cláudio Pastro, artista plásti-co brasileiro dedicado a trabalhos de artesacra, existem dois conceitos sobre arte, ra-dicalmente diferentes: a arte sacra e a artereligiosa. Para Pastro, “a arte sacra, discre-ta e em estrita ligação com a liturgia, fazum todo com o espaço sagrado. A arte reli-

giosa, ao contrário, pode decorar umasala, um quarto... e até uma capelinha”. O

trabalho da Comissão de Bens Culturais pre-tende formar um banco de dados com infor-mações sobre ambas – a sacra e a religiosa.Essas obras estão espalhadas pelas igrejase capelas da Diocese, que reúne temploscentenários, os quais, por sua vez, detêmimagens que retratam a devoção da popula-ção e contam a história da região.

Convidado pelo padre Fabrício, fareiparte dessa Comissão representando a ci-dade de Piquete. Já agendados, os dois pró-ximos encontros ocorrerão em Cunha eSilveiras e permitirão a realização do inven-tários das duas igrejas matrizes daquelas ci-dades, em atividades supervisionadas peloespecialista Frei Roger. Esses dois inventá-rios servirão como modelo para ser apre-sentados ao bispo da diocese e aos páro-cos das demais paróquias. Pretendo regis-trar aqui os resultados desse trabalho, que,certamente, proporcionará a toda a Dioceseum rico acervo documental que garantirámaior segurança do patrimônio da IgrejaCatólica na Diocese de Lorena, o qual, re-presenta, na verdade, o patrimônio históri-co, artístico e cultural de todos os católi-cos. Laurentino Gonçalves Dias Jr.

Grupo reunido na casa paroquial de Cunha Detalhe da Matriz de Cunha

Antiga Matriz de São Miguel

Matriz de São Miguel

O mês de fevereiro se inicia com a floradadas quaresmeiras. A natureza se veste deroxo, se apronta para a Quaresma... Com acelebração da Quarta-feira de Cinzas, nós,cristãos, iniciamos um tempo de penitência:nosso coração se volta de forma mais inten-sa para Deus e pedimos que Ele nos con-verta, que nos faça mais santos.

Hoje, fala-se bastante da necessidade deum encontro pessoal com Jesus. De fato,isso é fundamental para que sejamos bonscristãos. Precisamos conhecer Jesus comouma pessoa que viveu entre nós, que teveconcepções sobre Deus, a sociedade, aspessoas, a vida... Jesus de Nazaré não foium espírito desencarnado: foi alguém con-creto. Viveu e morreu em carne humana. Opensamento cristão dos primeiros séculosfloresceu de modo mais relevante no mun-do de cultura grega. A grande preocupaçãonesse contexto foi compreender o ser deJesus – se era humano ou divino; como sedava sua relação com Deus Pai e com o Es-pírito Santo. Foram esses, basicamente, ostemas da Teologia cristã produzida no mun-

Conhecer o Jesus dos Evangelhosdo grego. A fé em Jesus foi se tornando umaontologia. O discurso sobre o ser de Jesusprevaleceu sobre as narrativas acerca da vidade Jesus de Nazaré. O Jesus ontológico tor-nou-se mais relevante que o Jesus históri-co. Isso foi se perpetuando no cristianismoaté os nossos dias.

Um Jesus sem história gera um cristia-nismo etéreo, desvinculado da vida. Um cris-tianismo de muita reza, muita doutrina, quese perde em um falatório vazio, em prega-ções infindas desprovidas de sentido e detestemunho. Um cristianismo que se ocupameramente de rituais suntuosos e, atualmen-te, se torna promotor de eventos e showsda fé. Uma verdadeira aberração!

Jesus de Nazaré passou sua vida per-correndo povoados, anunciando a Palavrade Deus com a boca e com o testemunho deamor às pessoas. Fez-se humilde servidordos injustiçados, dos fracos e dos pobres.Ficou ao lado de excluídos e débeis. Viveu emorreu servindo a Deus e aos seus filhos.Denunciou, com coragem, as estruturas depecado presentes no mundo e as origens

das injustiças e dos sofrimentos de tantosseres humanos. Por isso foi crucificado pe-los poderosos de seu tempo.

Não se pode, de fato, ser cristão, sem amemória das narrativas acerca de Jesus deNazaré. A genuína espiritualidade cristã nadamais é que conhecer a Jesus como uma pes-soa concreta e segui-lo em suas opções, emsua maneira de pensar e de agir. O segui-mento de Jesus é o ponto mais elevado nes-se caminho espiritual que nós, cristãos ecristãs, estamos a empreender.

Compreender mais e melhor o Jesus his-tórico, como os primeiros cristãos, que sim-plesmente narravam histórias de sua vida, ese ocupar menos com doutrinas ontológicasem relação a Jesus, tornam nosso cristianis-mo mais saudável e relevante no mundo dehoje. Conhecer o Jesus dos Evangelhos –eis um bom exercício para a quaresma! Nãoexiste maior conversão do que nos tornar-mos semelhantes a Jesus, crer no que Elecreu, viver o que Ele viveu.

Pe. Fabrício Beckmann