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Midias e autoritarismo

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  • MDIA E GOVERNOS AUTORITRIOS:60 ANOS DO SUICDIO DE GETLIO VARGAS E 50 ANOS DO GOLPE CIVIL-MILITAR NO BRASIL

    Carla Montuori FernandesGenira ChaGas

    (orGanizadoras)

    Joo Pessoa - 2014

  • FICHA TCNICA

    Coordenador do ProjetoMarcos Nicolau

    CapaRennam Virginio

    Editorao DigitalMarriett Albuquerque

    Alunos IntegrantesFabrcia GuedesFilipe AlmeidaKeila LourenoMarina MaracajMarriett AlbuquerqueRennam VirginioBruno Gomes

    Reviso:Carla Montuori Fernandes

    Genira Chagas

    Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Cultura das Mdias - UNIPNcleo de Estudo em Arte, Mdia e Poltica (NEAMP) - PUC-SP

    Livro produzido pelo ProjetoPara Ler o Digital: reconfigurao do livro na Cibercultura PIBIC/UFPB

    Departamento de Mdias Digitais DEMID / Ncleo de Arte, Mdia e Informao Digital NAMIDGrupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Miditicas Gmid/PPGC/UFPB

  • EDITORA

    av. nossa senhora de FtiMa, 1357, Bairro torre CeP.58.040-380 - Joo Pessoa, PB

    www.ideiaeditora.CoM.Br

    ateno: as iMaGens usadas neste traBalho o so Para eFeito de estudo,de aCordo CoM o artiGo 46 da lei 9610, sendo Garantida a ProPriedade

    das MesMas aos seus Criadores ou detentores de direitos autorais.

    M629 Mdia e governos autoritrios: 60 anos do suicdio de Getlio Vargas e 50 anos do golpe civil-militar no Brasil [recurso eletrnico] / Carla Montuori Fernandes, Genira Chagas, organizadoras.-- Joo Pessoa: Editora Idia, 2014.

    CD-ROM; 43/4pol. (1.600kb) ISBN: 978-85-7539-922-41. Mdia e governos autoritrios - Brasil. 2. Ditadura militar. 3. Estado

    novo. I.Fernandes, Carla Montuori. II. Chagas, Genira.

    CDU: 316.774:981.088(81)

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    SOBRE AS ORGANIZADORAS

    Carla Montuori Fernandes Ps-doutora e Doutora em Cincias Sociais pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP). docente do programa de Ps-Graduao em Comunicao e Cultura das Mdias na Universidade Paulista (UNIP) e do Centro Universitrio Assuno (UNIFAI). Escreveu as obras A liderana da presidente Dilma Rousseff na mdia interna-cional (Editora Scortecci) e Os contrapontos eleitorais e os cinco brasis em campanha pela Caravana JN (Editora Porto de Ideias).

    Genira ChaGas Doutora em Cincias Sociais e Mestre em Comunicao e Semitica pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP), pesquisadora do Ncleo de Estudos em Arte, Mdia e Poltica (NEAMP) da mesma instituio. jornalista e atua profis-sionalmente na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Publicou o livro Radiodifu-so no Brasil: poder, poltica, prestgio e influncia (Editora Atlas).

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    SUMRIO

    Apresentao ............................................................................................................................................................. 07

    PARTE I MDIA E ESTADO NOVO

    As trincheiras constitucionalistas nas ondas da PRB-9 Rdio Sociedade RecordAntonio Adami ............................................................................................................................................................. 12

    Vozes no Estado Novo: msica popular brasileira e o programa Hora do BrasilGenira Chagas ............................................................................................................................................................... 36

    Cultura Poltica: a revista do Estado NovoMarcelo Barbosa Cmara ........................................................................................................................................ 58

    Imagem de Getlio Vargas no cinemaVera Chaia ..................................................................................................................................................................... 80

    PARTE II MDIA E DITADURA MILITAR

    Entre letras e nmeros: uma anlise do jornal Folha de S.Paulo e de pesquisas de opinio do Ibope (1963-1964)Luiz Antonio Dias ..................................................................................................................................................... 97

    Mdia radiofnica e poltica: lgicas autoritrias e movimentos sociaisCarla Reis Longhi ....................................................................................................................................................... 126

    A ditadura miliar e o surgimento do Jornal Nacional: oficialismo e submisso na transmisso da notciaCarla Montuori Fernandes .................................................................................................................................... 153

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    APRESENTAO

    A presente obra uma coletnea de sete artigos nos quais seus autores buscaram refletir sobre a relao da mdia com os governos autoritrios, cujos desdobramentos marcaram a histria poltica brasileira. A publicao foi organizada tendo em vista os 60 anos do suicdio de Getlio Vargas e os 50 anos do golpe civil-militar de 1964.

    Intitulado Mdia e governos autoritrios: 60 anos do suicdio de Getlio Vargas e 50 anos do golpe civil-militar no Brasil, o livro est dividido em duas partes: Mdia e Estado Novo e Mdia e ditadura militar. Os trabalhos includos na primeira parte so dedicados ao perodo histrico sobre a influncia do lder poltico Getlio Vargas. Eles abordam a Revoluo Constitucionalista de 1932 e algumas das diversas estratgias do Estado Novo para consolidar-se enquanto projeto de poder. Os artigos includos na segunda parte mostram a atuao da imprensa na ditadura civil-militar em vigor no Brasil de 1964 a 1985.

    Em As trincheiras constitucionalistas nas ondas da PRB-9 Rdio Socieda-de Record, Antonio Adami resgata o envolvimento da emissora na Revolu-

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    o Constitucionalista de 1932, movimento deflagrado para forar o gover-no de Getlio Vargas a cumprir os compromissos assumidos na Revoluo de 1930. O texto recria a atmosfera da poca em que as rdios, enquanto atuavam no conflito, tambm buscavam afirmao comercial e artstica no cenrio da comunicao. A Record operava com um olho nas questes pol-ticas e outro na prpria projeo.

    Durante o Estado Novo, Getlio Vargas fez uso intensivo do rdio para divulgar seu projeto de nao. Por meio do Departamento de Imprensa e Propaganda, rgo criado especialmente para controlar a produo cultural da poca, os censores apertaram o cerco aos compositores populares. No artigo Vozes no Estado Novo: msica popular brasileira e o programa Hora do Brasil Genira Chagas mostra como o DIP se apropriou do samba como instrumento pedaggico visando difundir os valores do trabalho. A autora tambm elucida as artimanhas dos artistas para driblar a censura.

    Os intelectuais do Estado Novo tambm se preocupavam em disseminar os aspectos da organizao do Estado varguista para o pblico leitor. Assim, sob os pilares da crtica democracia liberal, da edificao da poltica ideal e da elevao do lder, promoveram entre 1941 e 1945 a publicao mensal de Cultura Poltica Revista de Estudos Brasileiros, em cujo artigo Marcelo Barbosa Cmara desvenda o pensamento do regime a partir da publicao.

    A intensidade e longevidade da liderana poltica de Getlio Vargas ain-

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    da inspiram uma infinidade de produtos culturais. Livros, documentrios e filmes sobre Vargas e seu tempo poltico continuam a ser produzidos. No texto Imagem de Getlio Vargas no cinema Vera Chaia discute as produ-es de Ana Carolina (1974) e de Joo Jardim (2014), apontando a fora do cinema como uma mdia fundamental para a construo da imagem pblica de governantes e governos.

    J na segunda parte da publicao, no artigo Entre letras e nmeros: uma anlise do jornal Folha de S.Paulo e de pesquisas de opinio do Ibo-pe (1963-1964), Luiz Antonio Dias chama a ateno para a forte campa-nha contra Joo Goulart, empreendida pelos meios de comunicao, com foco no editorial do jornal Folha de S.Paulo. Cotejando a campanha anti-Jango com resultados de pesquisa do Ibope, o autor aponta a dissintonia entre as letras impressas pelo jornal e os nmeros levantados pelo insti-tuto de pesquisa.

    Em Mdia radiofnica e poltica: lgicas autoritrias e movimentos so-ciais, Carla Reis Longhi retoma o contexto anterior ao golpe civilmilitar brasileiro, em 1964, para analisar o papel exercido pelo rdio no processo de mobilizao social e enfrentamento poltico. As ponderaes so realizadas a partir de narrativas do rdio no Brasil, luz dos estudos de Michel de Cer-teau, para comentar sobre lgicas de resistncia; e de Martn-Barbero, para a anlise das mediaes.

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    Concluindo a coletnea, o artigo de Carla Montuori Fernandes, A di-tadura miliar e o surgimento do Jornal Nacional: oficialismo e submisso na transmisso da notcia, expe a trajetria do Jornal Nacional, da TV Globo, e sua intimidade com os crculos de poder. O trabalho aponta que o envolvimento palaciano proporcionou o crescimento da emissora acima das condies normais da poca. Mas tal implicao repercutiu na linha editorial. No perodo tenso da ditadura civil-militar de 1964, enquanto a sociedade enfrentava os problemas de um pas da periferia do mundo, a linha editorial do noticioso limitava-se a compor um cenrio edificante e tranquilizador para a nao.

    As efemrides sobre as quais esta obra est pautada nos colocaram o desafio de buscar novas abordagens sobre perodos histricos j bastante estudados. Partindo do pressuposto de que exatamente este o ofcio do pesquisador, os artigos que compem Mdia e governos autoritrios: 60 anos do suicdio de Getlio Vargas e 50 anos do golpe civil-militar no Brasil trazem aspectos pouco examinados desses perodos e podem ser valiosos para os estudiosos do tema Mdia e leitores em geral.

    Carla Montuori FernandesGenira Chagas

    (Organizadoras)

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    PARTE I

    MDIA E ESTADO NOVO

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    AS TRINCHEIRAS CONSTITUCIONALISTAS NAS ONDAS DA PRB-9 RDIO SOCIEDADE RECORD

    Antonio ADAMI1

    ResumoEste artigo tem origem em pesquisa de ps-doutorado realizada em 2009-2010 na Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP) e na Universitat Autnoma de Barcelona (UAB) sob o ttulo: PRB-9 Rdio Record de So Paulo e EAJ-1 Rdio Bar-celona: produo radiofnica e discurso em tempos de turbulncia poltica. Tambm parte do livro O rdio com sotaque paulista. No Brasil, o estudo se concentrou no perodo de nascimento da PRB-9 Rdio Sociedade Record, que coincide com a tra-ma getulista para assumir de vez o poder e desarticular politicamente o Estado de So Paulo. Este, por sua vez, cobrava um perodo mais moderno e constitucional para o Brasil. Getlio Vargas ganhou a batalha, mas no a guerra!

    Palavras-chave: PRB-9 Rdio Sociedade Record. Revoluo Constitucionalista de 1932. Histria do rdio. Getlio Vargas.

    1 Ps-doutor pela PUC-SP e Universitat Autnoma de Barcelona e doutor pela FFLCH (USP). professor do curso Midialogia do Instituto de Artes da Unicamp e do Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Universidade Paulista. Atua nos grupos de pesquisa Mdia, Cultura e Memria da Unip e no Mediacom, da Universidad Complu-tense de Madrid.

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    Introduo

    A Rdio Record uma dessas emissoras cuja data de fundao incerta. Segundo vrios radialistas, inclusive em fontes escritas nos anais do rdio, ningum sabe ao certo, portanto, estabeleceu-se como sendo 11 de junho de 1929. O Almanaque do rdio paulistano traz que a Record j existia desde 1929, sendo propriedade de lvaro Liberato de Macedo. Em 1930 foi com-prada por Jorge Alves de Lima, Leonardo Jones, Joo Baptista do Amaral e Paulo Machado de Carvalho. No site da emissora a data que aparece 1927, mas no precisa. Segundo o Anurio Estatstico do Brasil, sua instalao oficial ocorreu em 1928.

    Em entrevista a Beth Carmona, sobre a histria do rdio (1979), Paulo Machado disse que a comprou em 1931. As datas se perderam na histria, mas nossa tendncia mesmo seguir os dados do Almanaque do rdio pau-listano. Na entrevista, Paulo Machado conta um pouco do incio da PRB-9:

    Mas as coisas iam prosseguindo, todo mundo ia procurando saber como que funciona isso e aquilo outro e ns tivemos, nesse principiozinho, com-panheiros muito bons. E eu sou obrigado a citar, que trabalhavam naqui-lo: eu e essa moa que... chamavam depois, veio a se chamar de Elizabeth Garcia e que era Natlia da Fonseca (...) e ento tinha um telefone, uma

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    mquina de escrever, tinha um arquivo, que talvez tivesse uns dez discos e ns tomamos conta de tudo, do faturamento que era irrisrio e nem havia faturamento, tomamos conta de arquivo e tomamos conta de tudo e a co-meamos a pensar em organizar um corpo de pessoas que fosse, aos pou-quinhos, entendendo do assunto. No digo que foi difcil. Isso seria uma injustia. Como digo no futebol, se o brasileiro extraordinrio, simples-mente saber lev-lo, ns conseguimos um grupo, a j vem um misto de 31 e 32, em que comearam a aparecer homens inteligentes, moos e que se dedicavam ao assunto. Ns tivemos, para se ter uma ideia, ainda outro dia, na distribuio do prmio Sanyo e eles me honraram com um prmio muito bonito, na distribuio do prmio Sanyo havia a lista dos premiados: em 23 premiados, 21 tinham trabalhado na Record, comigo; o que evidente que me encheu de grande prazer.

    impensvel escrevermos sobre a cidade de So Paulo sem nos repor-tarmos ao Dr. Paulo Machado de Carvalho, dada sua insero e importncia na histria da comunicao e na prpria cidade. Advogado e empresrio nasceu em So Paulo, no dia 9 de novembro de 1901. Formado na Faculda-de de Direito da Universidade de So Paulo, tambm estudou dois anos na Sua. Paulo Machado casou-se com Maria Luiza Amaral de Carvalho e teve trs filhos: Paulo Machado de Carvalho Filho, Erasmo Alfredo Amaral de Car-valho e Antonio Augusto Amaral de Carvalho.

    Nos anos 1930 a emissora torna-se A rdio da Revoluo, abrindo seus

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    microfones para os constitucionalistas na Revoluo de 1932. Corajosos ho-mens aqueles, que no faziam concesses e barganhas por interesses meno-res e valorizavam bem mais os companheiros, as ideias e o esprito criativo e democrtico. Parece um chavo, mas, segundo documentos e entrevistas realizadas, era assim que os paulistas se sentiam naquele perodo.

    Durante o processo da Revoluo, ao lado do Dr. Paulo Machado de Carvalho, pessoas do nvel intelectual do escritor Antnio de Alcntara Ma-chado, que trabalhou na rdio gratuitamente durante o perodo, escrevia mensagens inflamadas para a voz do locutor Csar Ladeira, sob o som da marcha Paris Belfort2, que se popularizou por todo o Estado. Tratava-se de um chamamento, tornando-se o hino da Revoluo. A emissora no deixava faltar cobertores e agasalhos e tudo o que os soldados necessitassem. Tudo isso era fornecido por empresas, com boa vontade e cumplicidade com uma rdio que, ento, representava os anseios da sociedade paulista. Sobre o perodo da Revoluo Constitucionalista de 1932, os profissionais do rdio da poca e pesquisadores da rea so unnimes em afirmar que o Dr. Paulo Machado de Carvalho, Joo Batista do Amaral e o engenheiro Dr. Leonardo Jones investiram na Revoluo, arriscando-se tambm a perder tudo. 2 Paris Belfort era a marcha executada como msica de fundo durante a transmisso pela Rdio Record de So Paulo do assassinato dos quatro constitucionalistas que, com sua morte, passam a simbolizar o MMDC (Martins, Miragaia, Drusio e Camargo). O tema musical passou a ser reprisado sempre nas locues de Csar Ladeira, Nicolau Tuma e Renato Macedo, sobre o desenvolvimento da guerra. A voz inflamada de Csar Ladeira movia multides. A marcha apenas musicada, no h letra.

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    A concesso da rdio era do Governo Federal, como at hoje, e eles se jogaram de corpo e alma na guerra, influenciando at mesmo aqueles que estavam do lado das foras legalistas de Getlio Vargas. Esta sempre foi a marca do Dr. Paulo Machado de Carvalho, um apaixonado pelo que fazia. Para alguns um sonhador, mas sem dvida um homem com o olhar no fu-turo. Em entrevista concedida a este autor (2000), Jos Mauro Pires e Pau-linho Machado de Carvalho afirmaram que o Dr. Paulo, como era conheci-do, sempre foi um homem emotivo e um esportista fantico. Em 1944 ele adquiriu a Rdio Panamericana, menina dos olhos de Oduvaldo Vianna e Jlio Cosi, rebatizada em 1965 de Jovem Pan. Mesmo naquela poca, j se pensava em ter uma rdio segmentada, cobrindo esportes o tempo todo. Inovando sempre, seja nas transmisses esportivas, seja na evolu-o da reportagem, a Panamericana colocou pela primeira vez, na histria das transmisses de futebol, um reprter de campo atrs do gol, o que se tornaria moda mundial. Hoje a Rdio Jovem Pan administrada por seu filho Antonio Augusto Amaral de Carvalho (Tuta) e netos, particularmente o Tutinha. Segundo funcionrios, possui um gnio bem diferente do pai Tuta, do tio Paulinho e do av. Sobre o Paulinho, considerando a entre-vista citada, ocasio em que somava 72 anos, o que nos fica que era um homem extremamente gentil e educado, com um conhecimento enorme sobre o rdio e a televiso, que nos contou detalhes surpreendentes sobre

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    contratos de artistas, incndios na TV Record, a emissora no sesquicente-nrio da independncia em 1972, venda da emissora para o Slvio Santos, os festivais de msica popular brasileira, enfim, a prpria histria da comu-nicao deste pas.

    PRB-9 na Revoluo Constitucionalista de 1932

    Afinal, por que Paulo Machado de Carvalho entrou na Guerra Civil? Em nossa anlise, e tentando responder a esta questo, acreditamos que inicial-mente ele foi envolvido na guerra pelo decorrer dos acontecimentos e tam-bm para no ficar margem do processo. Mas, principalmente, porque re-presentava exatamente o pensamento paulista de progresso e prosperidade, mxima que interessava ser difundida por empresrios, latifundirios, entre outros profissionais. O rdio o meio mais popular, assim, ideal para atingir as massas. Neste sentido, a Record realmente cumpriu o papel de aglutina-o e, de certa forma, manipulao. Por outro lado, o Dr. Paulo parecia no ter a noo do terreno em que estava pisando, assim como a grande massa e a classe mdia que abraou a Revoluo. Acreditamos que por um pouco de ingenuidade Paulo Machado penetrou o mais fundo que pode na revolta. Fica claro que em um primeiro momento seu interesse era comercial (opor-tunidade de transformar a Record em uma emissora maior, com mais poder,

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    que teve como espelho a aristocrtica Rdio Educadora Paulista). Mas, pos-teriormente, j envolvido pelo prprio discurso e pela evoluo dos fatos, se mostra ideologicamente comprometido com a Revoluo, acreditando que poderia realmente ter um pas mais justo, sem a tirania ditatorial de Vargas e tambm sem ter que se prostrar aos desgnios incertos dos tenentes.

    Esta leitura se deve, principalmente, aos fatos ps-batalha. Os principais expoentes e lderes combatentes foram mortos no conflito, presos ou exila-dos. Com Paulo Machado, entre outros lderes de classes privilegiadas, nada disso ocorreu. Nossa anlise embasada nas palavras de Paulo Machado, em entrevista de 1979, para o documentrio radiofnico comemorativo aos 45 anos da Rdio Record. Ele contou que o Movimento foi um marco idealis-ta da Rdio Record e a voz da Record estava presente nos coraes do povo paulista, com a locuo de Csar Ladeira, o que a transformaria realmente na rdio da Revoluo e Csar Ladeira na voz da Revoluo.

    Eu outro dia mostrava ao Passos, que naquele tempo era Chefe de Gabinete de Pedro de Toledo, as intimaes dirias que eu recebia para ir ao Largo do Palcio, onde era a Chefatura de Polcia. Todas as vezes que eu chega-va l eles me diziam assim: bom, era pra ser o seu dia hoje (de ser exilado) mas no foi. O senhor vai receber uma outra intimao. Da a trs dias ou-tra intimao, da a trs dias outra intimao. Mas acontece que nesse vai e vem, tomou conta de So Paulo um homem a quem So Paulo deve muito,

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    muito. Naquele tempo era o Coronel Cordeiro de Faria e, esse homem deu calma a todos que precisavam ter calma, no perseguiu a quem ele enten-dia que no tinha culpa no cartrio e, por isso, ele me chamou, teve uma grande entrevista comigo e disse: no! Voc fez isso por um ideal muito bonito, muito defensvel, muito claro, muito honesto e muito decente. En-to, vai para sua casa e sossegue.

    Ainda sobre a insero da Record na Revoluo e o papel que exerceu na articulao e liderana das massas, Paulo Machado conta que a Revoluo trouxe grande prestgio para a Record, de tal forma que, por exemplo, a m-sica que se tornaria smbolo, Paris Belfort, tambm um smbolo muito bem guardado nos arquivos da rdio. De certa forma, quando a banda da Fora Pblica executa este hino, e faz isso nas principais solenidades de So Paulo, tambm uma homenagem rdio que o eternizou. Sobre o perodo, Paulo Machado disse:

    Na revoluo as coisas passavam-se daquele jeito: ns fazamos o que era possvel, tnhamos surpresas extraordinrias porque o alcance da estao que talvez fosse de 100 km, s vezes era ouvida na Bahia, e ns ouvamos notcias da Bahia, que tinha ouvido l um trecho...no sei do que. Nessa ocasio apareceu o seu Csar Ladeira, com uma voz linda, mas que deve tambm muito, muito, o seu sucesso, o que no o desmerece absolutamen-te, aos artigos, aos lembretes, s frases que eram escritas por Antonio de

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    Alcntara Machado, que trabalhava conosco gratuitamente na revoluo, que passava a noite inteira quase que l, fazendo, ajudando, para que aque-le movimento valesse. De Antonio Alcntara Machado eu tenho uma coisa interessante: foi o primeiro, o primeiro homem de rdio que fez um anncio fora do comum, inteligente e que marcou poca, naquele tempo (...).

    Assim como So Paulo, a Rdio Record atravessou todas as mudanas tecnolgicas e culturais desde 1931, marcando uma poca na radiodifuso brasileira, principalmente quando abre seus microfones para os constitucio-nalistas. Interessante observar a fala do Dr. Paulo sobre corajosos homens aqueles, que no faziam concesses e barganhas por interesses menores e pessoais, valorizavam bem mais os companheiros, as ideias e o esprito cria-tivo. Esta fala infelizmente caiu por terra, pois percebemos que prximo ao final, e ao final da guerra, a elite paulista j fazia acordos com o ditador, bei-jando sua mo nas escadarias do Catete.

    Nos anos 1930, concorriam com a Record emissoras como a Rdio Cru-zeiro do Sul, Bandeirantes, Cultura, Amrica e Difusora. Para fixar a marca junto ao ouvinte as emissoras passaram a fixar slogans, tais como: Rdio Bandeirantes a mais popular; Rdio Gazeta a emissora da elite; Rdio So Paulo a voz amiga; Rdio Record a maior ou a voz de So Paulo. Em 1937 entra em cena o poderoso Assis Chateaubriand que, ao seu imprio jornalstico, decide incorporar o rdio, inaugurando em So Paulo a Rdio

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    Tupi em 4 de setembro de 1937, ampliando sua cadeia nacional de comu-nicao. As Emissoras Associadas no mais se limitariam mdia impressa, jornais e revistas.

    No ano anterior havia sido inaugurada no Rio de Janeiro, em 12 de se-tembro de 1936, a influente Rdio Nacional. No incio, propriedade do gru-po jornalstico A Noite e, posteriormente, em 1940, durante a vigncia do Estado Novo, encampada pelo Governo Federal e transformada na ponta de lana da propaganda varguista, no apenas no Brasil, mas irradiando com seus potentes transmissores para os cinco continentes.

    Assim como os demais ditadores, desde os anos 1920 Vargas nutria uma verdadeira paixo pelo rdio, tambm como reflexo dos problemas ocasionados pela Record durante a revolta paulista em 1932. O sucesso da anti-propaganda revolucionria transmitida por rdios do lado da di-tadura e a lio que vinha da Alemanha nazista, de Mussolini, Salazar, fo-ram seus exemplos. Logo aps assumir o poder em 1933, Hitler nomeou para o poderoso Ministrio da Propaganda Joseph Goebbels, que ime-diatamente elenca o rdio como prioridade nacional: todo alemo deve-ria ter um rdio em casa. O lder sovitico Lenin, ao assumir na Rssia em 1917, prioriza o jornal e o cinema. Ainda no havia rdio na Rssia. Por aqui, o rdio serviu para a divulgao ideolgica populista/conservadora para a maior parcela da populao.

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    Naquele perodo, a Record contribuiu, e muito, para a unio em favor de So Paulo e ajudou a formar o ambiente revolucionrio. Sendo a msica uma das matrias-primas do rdio, diversos hinos foram compostos durante a Revoluo Constitucionalista de 1932. A Revoluo visava forar o cum-primento, pelo governo Vargas, dos compromissos da Revoluo de 1930. Assim, algumas canes de 1930 foram atualizadas. Outros hinos, criados mais tarde, enalteciam a epopeia paulista. Porm, nenhum foi to marcante e importante como Paris Belfort.

    Uma atitude paulista que ficou marcada na histria daquele perodo e para as geraes futuras foi a campanha do ouro para o bem de So Pau-lo. Tratou-se de um esforo geral de guerra, pelo qual a populao se uniu e as indstrias se mobilizam para atender s necessidades de armamentos. Pela primeira vez buscaram-se iniciativas no apenas militares para romper o isolamento a que o Estado foi submetido. Faltaram, no entanto, as foras mineiras e gachas. Os governos de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, embora tenham apoiado a luta pela constitucionalizao, decidiram manter-se leais ao Governo Provisrio e, segundo a sociedade paulista, traram So Paulo. Os boletins de Csar Ladeira e a marcha francesa Paris Belfort ecoa-vam pelas rdios de So Paulo da poca, na capital e no interior do Estado. O jornal O Estado de S. Paulo e a famlia Mesquita foram, tambm, essenciais para a Revoluo. Atualmente, na Rdio Eldorado, do grupo Estado, a mar-

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    cha Paris Belfort o prefixo oficial. So de Csar Ladeira as palavras a seguir, com gravao original da Rdio Record, em 1932, com o objetivo de alavan-car a campanha do ouro.

    O paulista no mudou! H trs sculos, quando a epopeia das bandeiras subia brilhando ao delrio da riqueza e Anhanguera, o Diabo Velho, o ciclo de paulistas, surpreendido amava no serto escuro. A tribo Gois danava ao luar, nua, suntuosa, e os cabelos embolados de ouro e arcas abarrota-das abriam-se como estojos e maravilhas despejando-se todas aos ps do monarca portugus, nessa idade do ouro de nossa histria. Conta-se que os caadores, falta de chumbo, carregavam as espingardas com bolotas de ouro puro. O paulista no mudou. A campanha do ouro para a vitria reedita a proeza luxuosa dos ninrods da minerao. Enquanto o paulista faz recuar a ferro e a fogo e cada vez mais afastar-se, fora de bravuras pi-cas, as fronteiras do Brasil Constitucionalista, como antigamente fez retrair seu Meridiano de Tordesilhas, aqui, nas terras firmes da retaguarda, como aqueles caadores do sculo XVII, outros paulistas, velhos, mulheres, crian-as, carregam de ouro a arma certeira, que vai alcanar no seu voo alto e claro, a vitria de asas brancas. O paulista no mudou ! O Senhor deu, O Senhor tirou ! Seja bem-vindo o nome do Senhor! Sem se lamentar, sem maldizer um instante a vontade superior que tudo lhe tirava, J transfor-mava em riqueza a pobreza que a tinha aceitado e bem-dizia. Um divino desgnio exigiu tambm de So Paulo a entrega de seus filhos e seus bens. O paulista, orgulhoso do martrio, abenoou o sacrifcio. Largamente abriu

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    a porta de seus lares e o fecho de suas bolsas. E toda a sua mocidade, a sua inteligncia, a sua beleza, a sua fora, escorre e vo na confuso vidas far-das, purificar-se toda. Pureza inabalvel no herosmo esplndido das trin-cheiras. E o seu ouro se derrama todo, puro e instantneo os guichs dos bancos para formar o tesouro de guerra, o alicerce precioso sobre o qual atentar o monumento eterno da honra paulista. Todo paulista sabe dizer como J: So Paulo me deu, So Paulo me tirou, seja Bendito o nome de So Paulo. Todo paulista sabe ser pobre como J, para com esta pobreza, alcanar a riqueza maior, a riqueza melhor, a riqueza gloriosa, a riqueza su-prema, a nica riqueza que So Paulo quer: a vitria, a vitria, a vitria.

    A mais poderosa mdia da poca era o rdio e a Rdio Record, entre as demais, foi a que chamou para si a tarefa e a cumplicidade com a Revoluo. Quando os manifestantes paulistas enfrentam, em 23 de maio de 1932, os membros da Legio Revolucionria (transformada no Partido Popular Pro-gressista, sob a liderana de Miguel Costa) e so mortos os jovens estudan-tes, a Record acompanhava tudo de perto, muito perto, pois estes aconteci-mentos se do bem em frente ao nmero 17 da Praa da Repblica, onde a Rdio situava-se.

    A partir dos acontecimentos daqueles dias percebemos que a Rdio Record no tinha muita escolha. Os estdios da emissora foram invadidos pelos manifestantes um pouco antes das manifestaes e dos assassinatos dos jovens MMDC. Os estudantes, ento, entraram na sala de Paulo Ma-

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    chado de Carvalho e mandaram que ele abrisse os microfones e lesse ar um abaixo-assinado. Na verdade, a Rdio Record j havia se posicionado e, a partir daquele momento, investiu tudo o que possua na Revoluo. Com a invaso e a tomada da emissora, foi lido ao vivo: Ns, os abaixo-assina-dos, declaramos que invadimos a valentona, os estdios da PRB-9 Rdio Record de So Paulo, e conclamamos o povo para que se mude a situao poltica existente no Brasil.

    Aps a leitura do abaixo-assinado, leem tambm um manifesto e eclode a Revoluo. A Rdio Record no mais responderia ao Governo Federal, que controla todas as emissoras do pas, menos em So Paulo e Mato Grosso. A Record demonstrava, assim, como previu Vargas, o poder do meio para mover as massas como um grande e gil instrumento de comunicao. A Rdio Record de So Paulo assumiu o papel de porta-voz do movimento insurrecional, levando a todo pas o noticirio dos revoltosos paulistas e furando o bloqueio da censura varguista, pelas vozes de trs locutores: C-sar Ladeira, Nicolau Tuma e Renato Macedo, e tendo como fundo musical a marcha Paris Belfort.

    A partir daquele momento, aos poucos as demais rdios e jornais foram se aproximando e se colocaram em favor dos constitucionalistas. No dia 9 de julho, tendo como fundo a Marcha da Revoluo, Csar Ladeira, de forma grandiosa e eloquente, colocou no ar mensagens patriticas, que aclama-

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    ram o esprito paulista contra os varguistas. Guilherme de Almeida escrevia poesias para Csar Ladeira declamar, aumentando mais ainda a fora dos revolucionrios ouvintes da Rdio Record. As rdios de So Paulo tocavam a marcha o dia inteiro. Outro locutor da Record, Joo Neves de Fontoura, transmitia: O espetculo de So Paulo em armas entusiasma mesmo os c-ticos; h uma estranha beleza nesta metamorfose marcial. Um povo de tra-balhadores despe a blusa e veste a farda [...].

    Foi naquele perodo, auge das vibraes dos paulistas contra a posio autoritria e ditatorial de Vargas, que a Rdio Record foi aclamada como A Voz da Revoluo. A PRB-6 Rdio Cruzeiro do Sul tambm estava em favor dos revolucionrios, mas no com a mesma fora da Record. Outros meios de comunicao foram extremamente significativos para o evento, tais como o radioamador e o telgrafo, utilizados pelas tropas em todas as cidades paulistas.

    Intelectuais da poca, como Monteiro Lobato, Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia, Paulo Duarte, Paulo Setbal e Mrio de Andrade, coloca-ram-se disposio do movimento. Menotti Del Picchia, pela Rdio Record, conclamava os paulistas: Paulistas, vs que tendes o corao de ouro, da ouro para So Paulo. Pessoas de todas as classes sociais doaram suas joias, pratarias, alianas e objetos de ouro para financiar a Revoluo. Em troca re-ceberam um anel com a inscrio: Dei ouro para o bem de So Paulo. Uma

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    doao como esforo de guerra que nos chama a ateno em 1932, com grande destaque no rdio e demais meios de comunicao da poca, partiu de Maria Zelinda de Glycrio Torres. Abaixo, a publicao oficial do jornal A Tribuna, de Santos, edio de 28 de setembro de 1932 (documento original):

    Ouro para a Victoria Continuam as offertas Associao Commercial A campanha do ouro para o bem de So Paulo recebeu hontem uma dadiva que se singulariza pelo seu valor material e sobretudo pela sua valia estima-tiva e pelos alevantados e eloquentes motivos que a ditaram. Eis a carta que acompanhou essa expressiva offerta: Corrente que pertenceu ao general Francisco Glycrio, propagandista cam-pineiro da Republica; offerecida por sua filha ao Ouro para a Victoria, em memoria de seu inesquecvel pae e como protesto ao bombardeio areo de Campinas pelos ditatoriais. Santos, 26 de setembro de 1932 - (a.) Maria Zelinda Glycrio Torres. A corrente, acompanhada de artstico medalho com 2 diamantes e um bri-lhante, pesa 56 grammas de ouro e obra de fino lavor. - Vem tendo lisonjeira repercusso o acto de algumas firmas comerciaes de offerecer ouro para a victoria. Ainda hontem os srs. Figueiredo, Lima e Cia. Ltd. offertaram tambm 200 grammas de ouro de 18 quilates. Cada dia se impe mais nossa admira-o o apoio de nosso alto commrcio a todas as iniciativas da campanha constitucionalista em Santos.

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    - Cada dia avulta mais, em variadas modalidades, a cooperao patriti-ca de Santos campanha em que So Paulo se empenhou. Assim, pode-mos noticiar, com justificado desvanecimento, que a venda de objectos offerecidos ao ouro para a Victoria atingiu, nestes poucos dias, a 20 contos de ris. intenso o movimento desse departamento de campanha, que funciona na rua 15, esquina da Frei Gaspar.

    Muitos smbolos foram criados para a Revoluo como esforo de guer-ra. O lbum de figurinhas da Revoluo de 32 organizou todos aqueles smbolos, vendidos para a populao. Todos os objetos esto listados no n-dice da publicao, com os nmeros que os identificam. Trata-se de objetos do esforo de guerra, mas tambm da criao de smbolos da identidade revolucionria. Por ter circulado pouqussimo tempo, apenas alguns meses de 1932, o lbum tornou-se um documento raro. Ao trmino da Revoluo, caiu na ilegalidade. A seguir ilustramos parte do lbum, que inclui o acervo pessoal do engenheiro Jos Paulo Cachei Roxo.

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    Fig. 1 - Capa do lbum de figurinhas produzido para o esforo de guerra da Revoluo de 1932.

    Fonte: acervo pessoal Jos Paulo Cachei Roxo. Acesso ao acervo: outubro de 2008.

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    Fig. 2 - Imagens do lbum de figurinhas de 1932.

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    Fig. 3 ndice indicativo das estampas do lbum de figurinhas de 1932

    (imagem meramente ilustrativa).

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    VOZES NO ESTADO NOVO: MSICA POPULAR BRASILEIRA E O PROGRAMA HORA DO BRASIL

    Genira CHAGAS1

    ResumoComo estratgia miditica para consolidao do Estado Novo (1937-1945), Ge-tlio Vargas fez intenso uso poltico do rdio enquanto instrumento para for-mao da identidade nacional, alm de veculo auxiliar na elaborao do sen-timento de pertencer nao. Durante o perodo, a predominncia da msica popular nas emissoras de rdios revelou-se, conforme aponta Tota (1980), um dos recursos para consolidao da identidade nacional. Assim, este artigo tem por objetivo refletir sobre a utilizao da msica popular brasileira durante o Es-tado Novo e o sentido de sua veiculao obrigatria no programa institucional Hora do Brasil.

    Palavras-chave: Cultura. Msica. Poltica. Estado Novo. Rdio.

    1 Doutora em Cincias Sociais e Mestre em Comunicao e Semitica pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP). Atua como jornalista na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e como pesquisadora do Ncleo de Estudos em Arte, Mdia e Poltica da PUC-SP.

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    Introduo

    No Estado Novo (1937-1945), o trabalho e a fora que o desempenha os trabalhadores eram considerados peas fundamentais para dar conta do processo de transio de uma economia agrria exportadora para uma economia urbana industrial. Esse projeto de unificao nacional pelo de-senvolvimento proposto por Getlio Vargas, no entanto, esbarrava em pro-blemas para a sua consolidao. Alm do enfrentamento velha oligarquia contrria aos projetos nacionalistas e da demanda de administrar os indus-triais emergentes, o Estado varguista confrontava-se, ainda, com a precarie-dade da mo-de-obra oferecida pelos candidatos ao trabalho urbano, em sua maioria oriundos dos meios rurais, portanto sem capacidade para ope-rar na indstria nacional em crescimento.

    No enfrentamento dessas questes surgidas com a conjuntura econmi-ca, Vargas implementou mudanas no plano poltico-institucional, as quais culminaram na outorga da Constituio Federal de 1937, responsvel pela implantao do Estado Novo, de perfil autoritrio. Naquele regime, emergiu a figura de um Vargas ditador, cuja preocupao em dignificar o trabalhador o motor da sociedade industrial refletiu-se no artigo 136 da ento nova Constituio, no captulo Da ordem econmica:

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    Art. 136 - O trabalho um dever social. O trabalho intelectual, tcnico e manual tem direito a proteo e solicitude especiais do Estado. A todos garantido o direito de subsistir mediante o seu trabalho honesto e este, como meio de subsistncia do indivduo, constitui um bem que dever do Estado proteger, assegurando-lhe condies favorveis e meios de defesa.

    Eli Diniz (1999, p.19) destaca:

    Durante esse perodo d-se continuidade produo de extensa legisla-o trabalhista e previdenciria, que regularia o trabalho urbano durante vrias dcadas de desenvolvimento da industrializao por substituio de importaes. Segundo os princpios corporativistas, o status de trabalhador com carteira assinada e reconhecida pelo Ministrio do Trabalho (criado em 1930) permitia o acesso aos benefcios dessa legislao, configurando a cidadania regulada.

    Paralelamente proteo do trabalhador, os idelogos do Estado Novo pensavam tambm as implicaes culturais que permeavam o tecido social do cotidiano do operrio. No entendimento daqueles intelectuais, a emer-gncia da msica de mercado propagandeada pelo rdio, veculo em as-censo, dava preferncia aos instrumentos rsticos, de origem negra, pela melhor adaptao ao veculo, em detrimento de composies elaboradas

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    pela classe burguesa. Assim, o samba tornou-se o ritmo predominante nas emissoras e as composies a exaltar a malandragem a fonte de preocupa-o de um Estado atento fora da msica como catalizadora de impulsos sociais. Squeff e Wisnik (1982; p.139) assinalam:

    O poder da msica confere ao Estado, atravs de suas celebraes, um efeito de imantao sobre o corpo social (...). Introduzindo no mais ntimo da alma o prprio n da questo poltica, isto , na justa afinao do in-dividual para com o social, a msica aparece como elemento agregador/desagregador por excelncia, podendo promover o enlace da totalidade social (quando o n pedagogicamente bem dado) ou preparando sua dissolvncia (quando no). Por isso a educao repousa na msica, ela a imitao do carter (elevado ou inferior) que redunda, por seus matizes ticos de profunda repercusso subjetiva, no s na contemplao do belo, mas tambm nas consequncias prticas da realizao da virtude. A ade-quada dieta msico-ginstica, base da formao do cidado, imprimia nele o carter sensato e bom, enquanto o uso malbaratado da msica genera-lizaria, na concepo platnica, a feia expresso e os maus costumes.

    Os sambas cujas composies refletiam um carter inferior, no entendi-mento de Martins Castelo, em artigo para Revista Cultura Poltica (Ano 2; n. 22, dez. 1942) punha na boca de toda gente, inclusive das crianas, as pe-quenas tragdias domsticas (...). A preocupao da malandragem e o sonho

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    do amor sem despesas conciliam-se no conformismo das Amlias. A heran-a musical dos filhos dos escravos libertos era o som a ecoar nas favelas e bairros operrios. Esse mesmo repertrio passou a compor a programao musical das emissoras de rdio, cujas grias e expresses vulgares incomo-davam o Estado. Para este, o rdio e a msica por ele amplificada deveriam estar a servio do desenvolvimento do pas. E esse desenvolvimento, na vi-so do Estado Novo, passava por uma mudana na linguagem e expresses utilizadas pelos compositores populares.

    Msica popular como instrumento de construo da identidade nacional

    Na consolidao do processo de unificao nacional, Vargas elegeu o rdio como veculo essencial para servir como instrumento do governo na comunicao com as massas. At por circunstncias histricas, foi o primeiro presidente a utilizar o rdio a servio de manifestaes cultu-rais, por meio da msica, do esporte e da informao (HAUSSEN, 2001). A autora lembra a importncia que Vargas atribuiu ao rdio, na mensa-gem enviada ao Congresso Nacional, em 1 de maio de 1937, na ocasio em que anunciava o aumento do nmero de emissora no pas. Segundo aponta Haussen (apud CABRAL, 1975), o presidente aconselhava os esta-dos e municpios a instalarem

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    aparelhos rdio-receptores, providos de alto-falantes, em condies de fa-cilitar a todos os brasileiros, sem distino de sexo nem de idade, momen-tos de educao poltica e social, informes teis aos seus negcios e toda a sorte de notcias tendentes a entrelaar os interesses diversos da nao.

    No primeiro processo de modernizao que ocorreu na Amrica Latina, entre anos 1930 e 1950, as mdias de massa, de acordo com Martn-Barbe-ro (2001), foram imprescindveis para construo e difuso da identidade nacional e do sentimento de nao. No perodo, a ideia que sustentava o projeto de edificao das naes modernas articulava o movimento eco-nmico com uma concepo poltica de afloramento de uma cultura iden-tificada com o nacional, possvel somente com a comunicao entre as massas urbanas e o Estado.

    Martn-Barbero (2001, p. 42) atesta que as mdias de massa tiveram um papel decisivo na constituio do processo de modernidade:

    As mdias, especialmente o rdio, se converteram em porta-vozes da inter-pelao que, a partir do Estado, transformava a massa em povo e o povo em nao. O rdio, em todos, e o cinema, em alguns pases Mxico, Brasil, Argentina -, iro fazer a mediao das culturais rurais tradicionais com a nova cultura urbana da sociedade de massas, introduzindo nesta elemen-tos de oralidade e da expressividade daquelas, e possibilitando que deem

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    o passo da racionalidade expressivo-simblica racionalidade informativa instrumental organizada pela modernidade.

    Com o crescimento da populao urbana no Brasil, a estratgia para ma-nuteno da hegemonia varguista seguiu por um processo de incorporao das camadas populares ao Estado, baseado na ideia de uma cultura nacio-nal, que se transformaria

    Na sntese da particularidade cultural e da generalidade poltica, da qual as diferentes culturas tnicas ou religiosas seriam expresses. A Nao in-corpora o povo, transformando a multiplicidade de desejos das diversas culturas (...) num nico desejo: participar do sentimento nacional. (MARTIN--BARBERO, 1997, p. 229).

    Empenhado em seu projeto, Vargas passou a investir em aes culturais visando aceitao do novo ideal nacional pelos brasileiros. Para reelaborar o conceito de brasilidade de acordo com os interesses polticos, apoiou-se nos estudos de intelectuais como Gilberto Freyre, Srgio Buarque de Holan-da, Caio Prado Jr. e da maneira estigmatizada com que tais autores trataram a miscigenao, onde a preguia e a indolncia eram consideradas inerentes raa mestia e s civilizaes tropicais. O projeto nacionalista do governo buscava o deslocamento do mito da brasilidade para um povo trabalhador, sobrepondo-se noo at ento vigente.

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    No mbito da constituio de uma nova identidade para o pas, Vicen-te (2006) destaca que a preocupao varguista pairava sob trs aspectos: a consolidao de uma cultura nacional capaz de unificar o pas sob a proteo do Estado; a elevao do nvel esttico da cultura popular para que o Brasil atingisse um novo patamar de civilizao e a incorporao dos contedos ideolgicos do Estado cultura popular, em detrimento de produes con-sideradas indesejveis, no entendimento do Estado.

    Entre as medidas adotadas pelo Estado Novo deve-se destacar a censura s msicas que propagavam crticas ao governo, sobretudo as que traziam conte-dos do cotidiano dos morros, sem muita elaborao esttica. Tal prtica, alerta Paranhos (1999), ficou conhecida por silenciar os discursos que destoavam das normas institudas, buscando construir a crena de uma suposta unanimidade.

    Censura

    A dcada de 1930 demarcou um campo abrangente para a divulgao do samba enquanto um gnero musical, em cujas composies costumavam-se exaltar a figura do malandro e da malandragem do povo brasileiro avesso ao trabalho. Evidentemente tais msicas no foram aprovadas pela ideolo-gia trabalhista do Estado Novo e entraram na mira da Diviso de Rdio do

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    Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), o rgo legitimador do Es-tado Novo. Criado em 27 de dezembro de 1939, em substituio ao Depar-tamento Oficial de Propaganda (DOP), segundo o artigo primeiro, item a do decreto n 1.915 que o instituiu, o DIP tinha a finalidade de:

    Centralizar, coordenar, orientar e superintender a propaganda nacional in-terna e externa e servir permanentemente como elemento auxiliar de infor-mao dos ministrios e entidades pblicas e privadas, na parte que inte-ressa propaganda nacional.

    Outros itens destacavam expressamente as funes do rgo como au-xiliar ao projeto de construo de identidade nacional, como segue:

    Item c Fazer a censura do teatro, do cinema, de funes recreativas e esportivas de qualquer natureza, da radiodifuso, da literatura social e po-ltica, e da imprensa.Item o promover, organizar, patrocinar e auxiliar manifestaes cvicas e festas populares com intuito patritico, educativo ou de propaganda turstica, concertos, conferncias, exposies demonstrativas das atividades do gover-no, bem como mostras de arte de individualidades nacionais e estrangeiras. Item p organizar e dirigir o programa de radiodifuso oficial do governo.

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    A ideologia nacionalista direcionada para a msica buscava formas de separar a musica considera boa, resultante da tradio erudita com o fol-clore, da msica avaliada como m, esta oriunda dos terreiros de candom-bl, executadas por cidados precrios os sambistas. Indignado com o que percebia como msica inaceitvel executada pelas emissoras de rdio, por fazer apologia malandragem, Martins Castelo escreveu para a Revista Cul-tura Poltica (Ano 2, n. 13, mar. 1942):

    Os nossos autores tm-se entregue, na verdade, com excesso, ao elogio da vadiagem, exaltao do vagabundo de camisa listrada. Quem no se re-corda daquela crtica de Sinh ao honesto Claudionor, que, para sustentar a famlia, foi fazer fora na estiva, carregando fardos de sessenta quilos? E h muitos outros exemplos, principalmente entre as msicas carnavalescas, sempre to cheias de malcia. (...) Os versos das favelas significam um esta-do de esprito que exprime as razes histrico-sociais dessas coletividades. O capadcio, o capoeira e o malandro, trs geraes de desajustados, so o enquistamento urbano do xodo das senzalas no perodo imediatamente posterior emancipao dos escravos. Torna-se, por isso mesmo lgico, nesses grupos humanos, o repdio ao trabalho erigido em norma moral. Desprezando as realizaes materiais, fugindo labuta de sol a sol, mos-tram-se ainda em oposio ao eito. E, por inercia social, os versos dos netos livres continuaram destilando a amargura das existncias sem liberdade.

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    Observando a msica enquanto lugar estratgico na relao do Estado com as minorias iletradas (SQUEFF e WISNIK; 1982, p.135), lugar a ser ocupado pela cano de qualidade, cujas composies exaltassem o progresso e o trabalho, o DIP recrudesceu a censura ao samba de apologia malandragem.

    Afinado com os princpios do Estado Novo, no campo do rdio o DIP mantinha estreito controle sobre a programao cultural. Tota (1989; p.36) chama a ateno para uma publicao do Departamento, segundo a qual:

    Em 1940, foram submetidos censura prvia da Diviso de Rdio 3.770 programas, 1.615 sketches, 483 peas e 2.416 gravaes, existindo no pas 78 emissoras de rdio. Ainda em 1940 foram proibidos 108 programas con-trrios s determinaes legais (...). Uma estatstica sobre os programas ir-radiados no Distrito Federal: 202 programas infantis; 958 religiosos; 355 cientficos; 1.750 humorsticos; 376 literrios; 289 assuntos de interesse na-cional; 207 assuntos de interesse estrangeiro; 181.807 de msica estrangei-ra; 5.695 de msica nacional escolhida; 224.380 de msica popular nacional.

    Essa estatstica evidencia a importncia da cano popular utilizada como veculo educativo do regime. Em um ano, o nmero de composies popu-lares tocadas no rdio superou em 42.573 o nmero de msicas estrangei-ras. Mas no qualquer msica. A programao musical, sob a tutela do DIP, fez o samba descer o morro para o asfalto da avenida. E a certeza de que o

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    trabalho representa a primeira condio humana chegou tambm ao reduto dos compositores. Os personagens de nosso cancioneiro empregam, hoje, a sua atividade nas fbricas e nos estabelecimentos comerciais, escreveu Martins Castelo na Revista Cultura Poltica (Ano 2, n. 13, mar. 1942).

    Hora do Brasil

    Convertido em canal pedaggico da doutrina do Estado Novo, a partir de 1937 o programa Hora do Brasil passou a ser obrigatrio e irradiado em cadeia de rdio para todo o pas, sempre no horrio noturno. A estra-tgia visava alcanar a maior parte da populao recolhida s suas mo-radias. Em texto publicado na Revista Cultura Poltica, a Diviso de Rdio do DIP informava as razes de sua institucionalizao, alm de detalhar as finalidades do noticirio:

    A Diviso de Rdio do DIP tem a seu cargo no apenas superintender todos os servios de radiodifuso do pas, como tambm orientar o rdio brasilei-ro em suas atividades culturais, sociais e polticas. A cooperao, a coorde-nao das atividades culturais do rdio, a unidade de esprito e de esforos que hoje reina nessa importante esfera da vida nacional, obtida graas orientao impressa nesse setor do DIP, numa atmosfera de perfeita com-

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    preenso e espontnea colaborao de todas as emissoras brasileiras. (Cul-tura Poltica; ano 2, n. 20, out. 1942)

    As intenes do institucional Hora do Brasil, segundo o DIP:

    O Hora do Brasil, irradiado diariamente das 20 s 21 horas, em cadeia com todas a emissoras brasileiras, leva a todos os ponto do Brasil a certeza da nossa unidade social e poltica e, atravs de seu noticirio, pe em conta-to, uma com as outras, as mais longnquas regies brasileiras. Diariamente fornece a Hora do Brasil e seus ouvintes: 1) noticirio da Presidncia da Repblica; 2) noticirio da Capital Federal, versando sobre acontecimentos de interesse imediato, particularmente para o ouvinte do interior; noticirio dos Estado, apresentando dados concretos sobre viao, agricultura, finan-as, indstrias, segurana, etc.; 4) situao poltica na capital e nos Estados; 5) artigos, estudos e noticias sobre o Brasil; 6) a crnica Talvez nem todos saibam que...; 7) noticirio dos municpios, apresentando sua situao eco-nmica, agrcola, industrial, etc.; 8) programa musical, como parte acessria e ilustrativa do noticirio, porem apresentado sempre dentro das normas nitidamente nacionalistas e educativas. (Cultura Poltica; idem)

    No espao dedicado msica do Hora do Brasil, a Diviso de Rdio ir-radiava concertos sinfnicos, orquestras diversas e, principalmente, msica popular brasileira. Os grandes cantores nacionais revelados nas dcadas de

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    1930 e 1940 em muito devem seus sucessos ao programa. Artistas como He-rivelto Martins, as irms Carmem e Aurora Miranda, apelidadas de cantoras do rdio, Francisco Alves, Ataulfo Alves, Ari Barroso, Dalva de Oliveira, entre outros, foram cooptados pelo regime e recompensados por isso. Tota (1980) conta que Herivelto Martins figura entre os artistas que se apresentava em Hora do Brasil por um bom cach.

    O DIP era implacvel com os artistas mais ousados. Tornou-se famoso o episdio envolvendo os censores e os compositores Wilson Batista e Ataul-fo Alves, parceiros no samba O Bonde de So Janurio, gravado por Ciro Monteiro no incio dos anos 1940. Segundo verso original, (PEROSA; 1995, p. 45-56) a msica dizia: O Bonde So Janurio / Leva mais um scio otrio / Sou eu que vou trabalhar... Aps anlise do DIP, a composio foi modifi-cada. As palavras scio otrio foram trocadas por operrio. O Bonde So Janurio / Leva mais um operrio / Sou eu que vou trabalhar....

    Era explicita a preocupao com a linguagem das composies. No somen-te a malandragem era combatida, como os versos reveladores das dificuldades enfrentadas pelos operrios. Martins Castelo justifica as razes da censura:

    O povo, transportando as ideias do mundo abstrato ao mundo concreto, serve-se de uma srie de processos lgicos que fazem a imagem descer at o homem, o animal, a planta, os objetos inanimados. A ideia materializada

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    atravs de comparaes analgicas, que lhe emprestam um signum parti-cular, uma feio de caricatura. E, por fora das aluses e das reticncias, a srdida verba d, no raro s palavras mais nobres um sentido ignbil. A censura precisa enxergar longe, descobrir intenes, proibindo as msicas imorais e dissolventes. (Cultura Poltica, ano 2, n. 11, jan. 1942)

    Mas por vezes a tesoura da censura falhava, ou talvez, se deixasse levar pela astcia de compositores a exaltar o trabalho, ainda que representasse sa-crifcio pessoal, conformismo ou exibisse uma linguagem no refinada. Nesta linha entre trabalho, vida do morro e esperteza est o samba Oh! Seu Oscar de Wilson Batista e Ataulfo Alves. Essa composio foi sucesso no carnaval de 1940, ocasio em que venceu o concurso de msicas carnavalescas do DIP.

    Cheguei cansado em casa do trabalho Logo a vizinha me chamou: Oh! seu Oscar T fazendo meia hora Que a sua mulher foi embora E um bilhete deixou Meu Deus, que horror O bilhete dizia: No posso mais, eu quero viver na orgia!Fiz tudo para ver seu bem-estar

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    At no cais do porto eu fui parar Martirizando o meu corpo noite e dia Mas tudo em vo: ela da orgia.

    Este samba tambm mereceu destaque no texto O samba e o conceito de trabalho, assinado por Martins Castelo para a Revista Cultura Poltica. O inte-lectual ressalta a importncia das polticas sociais e culturais do Estado Novo:

    A figura de seu Oscar s apareceu mais, com as leis que reconhecem e am-param os direitos do operariado, bem como com a derrubada das favelas. Estes dois acontecimentos assinalam, mesmo, uma nova etapa na evoluo do samba, que veio respirar um ar diferente da atmosfera dos barraces do morro. (Cultura Poltica, ano 2, n. 22, dez. 1942)

    Brasil do imaginrio

    farta a literatura sobre a apropriao da cultura pelo Estado Novo como instrumento pedaggico e diversas so suas interpretaes. No estudo da msica popular, especificamente do samba, h trabalhos como os de Tota (1980), no qual o autor foca a estreita vigilncia do DIP sobre composies de letras pobres e com linguajar do cotidiano dos morros, contrrios ao gos-to elitista dos DIP. Por outro lado, h estudos como os de Paranhos (2007), a

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    apontar autnticos artistas da malandragem, especialistas em driblar o em-penho da censura em aparar a linguagem do cancioneiro popular.

    No tpico anterior mostrou-se o esforo do Estado em incentivar o tra-balho sob pena de ver por terra um projeto de Estado. Mas para alm do ba-tente, os idelogos do Estado Novo tambm pretendiam um gnero musical que valorizasse a imagem de Brasil grandioso. Tal expresso do pas veio por meio de novas composies, como Aquarela do Brasil, composta em 1939 pelo pianista Ary Barroso. Aquarela do Brasil viria a tornar-se a marca do pas, em extenso nacional e internacional (SANTANNA e MACEDO, 2009).

    certo que com Aquarela do Brasil Ary Barroso correspondeu aos an-seios do Estado Novo, sobretudo pelo fato de ter proposto outro tema para o cancioneiro, ao exaltar as maravilhas do pas, em detrimento das lamen-taes. Destaca-se, no entanto, os antigos clichs da linguagem do samba presentes na composio. Ao gosto dos intelectuais do Estado Novo, como Martins Castelo, Ari Barroso deu uma roupagem erudita para as expresses que caracterizavam o estilo popular. Em lugar de palavras como briguen-to, fofoqueiro e sonso, o autor utilizou a expresso mulato inzoneiro; a sensualidade da mulher brasileira, que tanto incomodou os censores, foi traduzida por morena sestrosa.

    Com Ari Barroso as redes deixaram de ser o lugar de curtir preguia e fugir do trabalho, passando a ser um ponto de contemplao da noite en-

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    luarada, aura de uma terra de Nosso Senhor. Com a estilizao da lingua-gem, constri-se um Brasil que samba e bate pandeiro de um jeito plausvel, ao gosto do estrangeiro. Furtado Filho (2009) lembra que o samba de Ari Barroso inscreve-se como novo padro por sua musical originalidade e pela inventividade de sua orquestrao.

    Consideraes finais

    A elevao da msica condio de instrumento pedaggico propor-cionou, sem dvida, a criao de espaos de divulgao de novos artistas, colocou o rdio como mediador do cotidiano da populao, sobretudo a urbana, e proporcionou outras formas de relacionamento social por meio de trocas simblicas. A Rdio Nacional, emissora incorporada ao Estado em 1940, muito contribuiu com o entretenimento da populao por meio dos programas musicais, da radionovela, do noticirio. A Nacional era uma refe-rncia cultural para o ouvinte. Ainda que por fora de uma doutrina, o samba exaltao contribuiu para criar a imagem de um Brasil musical e de natureza exuberante, de gente alegre e sensual tudo sob as bnos de nosso Senhor.

    Mas no significava, contudo, a adeso incondicional dos artistas ao pro-jeto do Estado Novo. At por isso o DIP era implacvel no controle da pro-

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    duo cultural cuja linguagem destoasse daquela prevista na legislao. Por fora de sua doutrina, o Estado cooptou artistas populares buscando sua le-gitimao. Mas nem tudo saiu como o planejado. No carnaval de 1946, logo aps o fim Estado Novo, o sambista e compositor mineiro Geraldo Pereira produziu o sucesso Trabalhar, eu no!. Alm de criticar o modo capitalista de produo, a distribuio desigual da renda, a cano tambm aponta a falncia da censura enquanto projeto de educao de uma sociedade.

    Eu trabalho como um louco At fiz calo na mo O meu patro ficou rico E eu pobre sem tosto Foi por isso que agora Eu mudei de opinio Trabalhar, eu no, eu no! Trabalhar, eu no, eu no! Trabalhar, eu no!

    Bem antes do fim do Estado Novo, no texto Radiodifuso, fator social (CULTURA POLTICA; ano 1, n.6, ago. 1941) lvaro Salgado, da Rdio Minis-trio da Educao, j alertava sobre a questo:

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    Dia vir, estamos certos, em que o sensualismo que, agora, busca motivo e disfarce nas fantasias de carnaval, seja a caricatura, o fantoche, o palhao, o alvo ridculo dessa festa pag. Enquanto no dominarmos esse mpeto br-baro, intil e prejudicial combatermos no broadcasting o samba, o maxixe, a marchinha e os demais ritmos selvagens da msica popular. Seria contra-riarmos as tendncias e o gosto do povo. A resoluo est na elevao do nvel artstico e intelectual das massas. Isso s se conseguir paulatinamen-te, porque em arte, como em tudo, o Brasil s muito tarde teve voz ativa.

    O Samba de Pereira e as palavras de Salgado resumem o final de um processo histrico, movido pela fora e pela pressa de fazer acontecer, sem considerar um grande projeto de nao. Pelo fato de ter sido imposto, o Es-tado Novo no obteve os consensos necessrios para avanar e concretizar seus objetivos.

    Referncias

    BRASIL. Constituio Federal de 1937, de 10 de novembro de 1937. Dirio Oficial da Re-pblica Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, DF, 11 nov. 1937. Disponvel em: . Acesso em: 6 jul. 2014.

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    CULTURA POLTICA: A REVISTA DO ESTADO NOVO

    Marcelo Barbosa CMARA1

    ResumoO presente texto desdobramento de tese defendida em outubro de 2010, na Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, e que teve como objeto de pesqui-sa a publicao Cultura Poltica Revista Mensal de Estudos Brasileiros e o Projeto Temtico FAPESP - Lideranas Polticas no Brasil: caractersticas e questes insti-tucionais. Nessa oportunidade ser feita uma reflexo acerca da linha editorial da publicao, suas influncias, defesa do regime autoritrio o Estado Novo e do condutor daquele regime, Getlio Vargas.

    Palavras-chave: Autoritarismo. Estado Novo. Cultura Poltica. Intelectuais. Liderana.

    1 Doutor em Cincias Sociais pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP). Atua como pesquisador Ncleo de Estudos em Arte, Mdia e Poltica da PUC-SP. Participa do Projeto Temtico FAPESP - Lideranas Polticas no Brasil: caractersticas e questes institucionais.

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    Introduo

    Sem um partido poltico que pudesse apontar as aes ou as ideias que embasariam o Estado Novo, nem por isso o projeto estava desprovido de um conjunto de pressupostos que o caracterizasse e lhe desse norte. Na-turalmente, deve-se conduo poltica de Getlio Vargas a proposta de modernizao do Estado e da economia brasileira. Porm, suas aes fo-ram, em boa medida, advindas de um conjunto de concepes que circu-laram no Brasil desde o fim do sculo XIX e consolidaram-se, em especial, nas primeiras dcadas do sculo XX.

    As ideias no agradam aos que presam pela democracia mas que, na-quela conjuntura, foram capazes de dar soluo s questes nacionais, servindo como esprito do regime e de norte a seu condutor. O que circu-lou em Cultura Poltica, para alm de outros temas da revista2, diz respeito a autores que se dispuseram a colaborar com a publicao concebida pelo escritor Almir de Andrade e que, em sua maioria, gravitavam em torno do que ficou conhecido como o pensamento poltico autoritrio.

    2 Salientamos que a revista possua outras temticas relacionadas ao teatro, folclore, literatura, costumes regionais, dentre outras. Entretanto iremos nos ater aqui aos autores que se dedicaram fundamentalmente poltica.

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    Cultura Poltica Revista Mensal de Estudos Brasileiros

    Em 1941, Lourival Fontes, ento diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), rgo do Governo Federal criado em 1939 e responsvel pelo controle das mdias disponveis na poca, alm de formulador da po-ltica cultural do Estado Novo, procura Almir de Andrade e o convida para empreender uma publicao que deveria demonstrar, segundo o diretor do DIP, o que seria os fundamentos do regime de Getlio Vargas.

    Para Almir de Andrade, Vargas no estaria contente com as diretrizes que Francisco Campos havia delineado em seu livro o Estado Nacional. Afora o nome da publicao, utilizado por Vargas e os partidrios quando se refe-riam ao regime, o livro no representava, em absoluto, o que presidente en-tendia como os fundamentos do regime.

    Ao fazer um balano daquele perodo em 19813, Andrade afirma que no considerava a perspectiva de Francisco Campos fascista, porm no seria aquela concepo fortemente direitista a viso de Vargas acerca do Esta-do Novo. Para Andrade, o presidente era um homem de esprito popular e aberto, portanto distante das concepes de Campos.

    Campos teve sua importncia superestimada pelo senso comum, po-

    3 Entrevista concedida em 1981 por Almir de Andrade ao projeto Histria Oral, FGV/CPDOC, 1985.

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    rm, restringir o iderio do Estado Novo a um de seus quadros, mesmo que ele tenha sido fundamental para seu funcionamento, de certo apa-gar outras influncias, que sem dvida, foram mais importantes para es-truturao do Estado Novo.

    Na reedio do livro de Campos pelo Senado federal, em 2001, fica pa-tente a frmula da anlise que reduz o Estado Novo a satlite do fascismo italiano. Segundo o Conselho Editorial do Senado, a estruturao do regime poderia ser concebida por um trinmio Francisco Campos, fascismo e Esta-do Novo, e observa que a:

    (...) coletnea de discursos, entrevistas e conferncias proferidas pelo minis-tro da Justia de Getlio constitui uma espcie de fundamentao doutri-nria e filosfica do Estado Novo, a exemplo do salazarismo e do fascismo de Mussolini. Trata-se, portanto, de um pensamento poltico autoritrio de caracterstica francamente fascista. (CMARA, 2010, p. 13)

    Nas concepes acerca do primeiro perodo de Vargas na Presidncia da Repblica, empobrecedor deixar para traz uma gama de reflexes, no s sobre a Repblica Velha e seus polticos, mas sobre a prpria origem do pensamento poltico que seria a maior influncia da poltica de 1937 a 1945.

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    Almir de Andrade no v em Francisco Campos o pensador do Estado Novo. importante que se observe a diferena entre Francisco Campos aliado e quadro de primeira grandeza do regime do autor de Estado Nacional. A co-mentada insatisfao de Getlio com interpretao dos sentidos da poltica para o Estado Novo no deixa em nenhum momento de descaracteriz-lo como quadro do regime de Vargas. do ponto de vista da autoimagem do regime e daquilo que o regime gostaria de ser e parecer ser que Almir de An-drade desponta como quadro mais apropriado ao regime. Assim, a questo o que Francisco Campos ou outros autores gostaria que fosse o Estado Novo e o que efetivamente o regime foi ou pretendia ser. Porm, face projeo do ministro de Vargas, foram dadas s suas opinies, em termos do que foi a ideologia do regime, uma dimenso alm do que elas efetivamente tomaram no desenvolvimento do regime. (CMARA, 2010, p. 54)

    Para alm da justa preocupao em caracterizar o Estado Novo como de ruptura com o processo democrtico, o mais produtivo para o entendimento do regime que Vargas instaura em 1937 observar as crticas que os partidrios do Estado Nacional lanaram sobre as vicissitudes da democracia da Repblica Velha e nos atermos, sobretudo, s ideias que seriam absorvidas por eles.

    As vicissitudes daquele perodo, iniciado em 1889 e interrompido em 1930, so as bases pelas quais o Estado Nacional no s promove o des-monte do processo democrtico de ento, mas, principalmente, onde o re-gime norteou suas aes.

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    Portanto, ao aceitar o convite de Lourival Fontes, Andrade ir dar o tom da publicao que teria o nome de Cultura Poltica Revista Mensal de Es-tudos Brasileiros. Cultura Poltica4 foi publicada pelo DIP de 1941 a 1945, e aps o fim do DIP, em 1945, Andrade ainda publicaria, por sua conta, mais trs nmeros, completando 53 edies.

    Em Fora, Cultura e Liberdade, publicada por Almir de Andrade em 1940, j se notavam as questes que seriam tratadas na futura publicao do DIP. A busca do que chamou de tradies brasileiras, as causas que entendia como responsveis pela falncia do regime republicano da Constituio de 1891, a realidade na poltica como conflito entre as leis e a natureza das coisas e, principalmente, a incapacidade do regime inspirado no liberalismo so, para Andrade, os principais fatores que apontam para a necessidade de um re-gime centralizador, calcado tambm na presena de um condutor capaz de empreender suas realizaes: Getlio Vargas.

    Compreendemos que era preciso substituir o Estado liberal por alguma coisa de melhor e mais fecundo. Compreendemos que o Estado deveria estar a servio da cultura social, identificar-se com o grande ritmo histrico

    4 A distribuio de CP era feita nas bancas de jornal de todo pas e organizada por Fernando Chinaglia mesmo distribuidor da Revista Selees. Com uma tiragem de trs mil exemplares, CP era uma revista cujo contedo no era de consumo popular, como observa Andrade: Era outro tipo de revista comparando-a a Selees pesada, mauda, mas com a distribuio organizada de tal forma que seu primeiro nmero foi, segundo Andrade, um grande sucesso de venda. (Andrade, Almir de. Almir de Andrade (depoimento, 1981). Rio, FGV/CPDOC- Histria Oral, 1985.)

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    de nossa nacionalidade, refratrio aos mtodos da violncia e ao fanatismo das grandes msticas da guerra.No foi em vo que o nosso passado poltico nos ofereceu um exemplo constante de cordialidade, de moderao, de tolerncia, de solidariedade humana. Esse equilbrio entre tolerncia e a fora, aspirao obscura e in-consciente da nacionalidade, concretizada hoje em sistema consciente de governo pelo esprito de Getlio Vargas e pela cooperao, vigilante e sere-na das Foras Armadas, deita razes duradouras e profundas na intimidade da alma e do corao brasileiros5 (ANDRADE, 1940, p. 207).

    Fora, Cultura e Liberdade foi o ensaio do que seria a linha editorial de Cultura Poltica. Os artigos dos primeiros nmeros foram selecionados pelo diretor da revista, mas, no decorrer do tempo, passaria a ser atribui-o tambm de Graciliano Ramos. De certo que a revista no se constitua em sua totalidade de adeptos incondicionais do regime e de Vargas. Po-rm, a direo dada publicao e o estudo dos artigos permite que seja reconstrudo, do ponto de vista dos colaboradores, o estado de coisas do Brasil pr-1930 e, sobretudo, as razes para deflagrao da poltica do 10 de novembro de 1937. Cultura Poltica nos permite a reconstruo do que - no imaginrio daqueles autores - eram as falhas do poltico e da organi-zao poltica da repblica brasileira.

    5 Optou-se por manter a ortografia da poca em respeito originalidade da obra de Almir de Andrade como um dos autores da revista Cultura Poltica que ser citado neste texto.

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    Assim que, sob a forte influncia do que ficou conhecido como pen-samento poltico autoritrio, autores como Azevedo Amaral, Paulo Augusto de Figueiredo, Ulisses Ramalhete Maia e outros que no necessariamente se alinhavam a esta vertente do pensamento poltico brasileiro, como Nelson Werneck Sodr, por exemplo, construram um cenrio do contexto poltico em que o Estado Novo e a liderana de Vargas afloraram.

    A publicao tratava de questes como a crtica ao liberalismo poltico, oligarquias, comunismo, fascismo, o individualismo e o ralo esprito pblico do poltico brasileiro afeito aos seus negcios e de seus grupos, sistema par-tidrio de antes de 1930 e 1937, dentre outras que deveriam ser superadas para reverter o antigo estado de coisas em que o pas se via enredado. Res-saltava um Estado forte capaz de uma poltica que fosse voltada ao povo era tarefa que clamava por um lder que compreendesse a cultura de seu povo, e ao contrrio dos fazedores de leis e polticos de at ento, baseasse suas aes na realidade do Brasil e no em perspectivas aliengenas.

    O pensamento aliengena

    Quando nos referimos s influncias que o pensamento poltico ou a ao poltica brasileira sofria no perodo compreendido da fundao da re-

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    pblica at o perodo de existncia da revista Cultura Poltica, um embate deve ser levado em considerao. Duas das formas de se compreender as solues nacionais se opunham, no entendimento da publicao de Almir de Andrade: o pensamento com uma perspectiva que sustentava um simu-lacro de democracia, calcada em uma estrutura social oligrquica e baseada na poltica de governadores; e outra perspectiva que entendia que uma elite poltica capaz de compreender a cultura do pas iria construir as instituies necessrias nossa organizao poltica.

    A crtica organizao poltica do Brasil da Repblica Velha advinha do que o pensamento de autores, como Oliveira Vianna, chamavam de pensa-mento aliengena. Eles entendiam que a constituio das instituies da so-ciedade brasileira havia se baseado em modelos polticos incapazes de dar conta da organizao da repblica brasileira, pois - de acordo com aquele pensamento - estavam descolados de nossa cultura.

    Em maio de 1941, na edio nmero 3 de Cultura Poltica, Azevedo Ama-ral reflete esta influncia ao analisar a estrutura da repblica brasileira:

    Para o autor, o republicanismo que desponta entre os membros da incon-fidncia mineira j vem impregnado de ideias advindas de fora do pas, assim O que se poderia chamar de autntica tradio republicana do Brasil era anterior e nada tinha em comum com o pensamento promanado

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    das influncias que se originaram nas ideias de Rousseau e nas tendncias enciclopedismo francs. (CMARA, 2010, p. 92)

    Ainda no mesmo artigo, Amaral faz uso de um exemplo concreto das foras polticas que se enfrentavam no primeiro processo constituinte republicano:

    [...] uma representada por Rui Barbosa e a outra por Jlio de Castilhos. Fruto da observao objetiva da realidade brasileira, do entendimento dos verda-deiros problemas do pas, Castilhos no encontrou eco junto sociedade, pelo menos na medida certa para dar outro encaminhamento aos trabalhos da constituinte que no fosse o que a conjuntura nacional comportava. (CMARA, 2010, p. 92 e 93)

    A crtica quela formao poltica carregava consigo no apenas uma parte do que formava o pensamento poltico autoritrio, mas um embate que permeou no somente a linha editorial de Cultura Poltica, mas o Estado Novo. O liberalismo foi a preocupao dos intelectuais e dos quadros que apoiavam o regime, ainda que outras concepes polticas tenham sido cri-ticadas na revista ou perseguidas pelo regime estabelecido em 1937.

    Amaral reserva elogios aos positivistas, sobretudo os militares, inspirados por Benjamin Constant, que na poca exercia funo de docente nas escolas

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    militares. Para o autor as ideias autoritrias advindas dos positivistas foram as responsveis pela boa ordem poltica estabelecida nos primeiros anos da Repblica, mas que aps a transmisso de poder aos presidentes civis as foras de ao centrifuga comeariam o processo de afrouxamento da unidade nacional. (CMARA, 2010, p. 93)

    Esta preocupao em formular pesadas crticas ao perodo democrtico da Repblica Velha - com seu binmio democracia/liberalismo - melhor com-preendida quando se tem em mente que as crticas diziam respeito forma-tao do simulacro que a democracia do pr-1930 efetivamente se constitua.

    Quanto fragilidade daquela democracia, apontada pelo pensamento poltico autoritrio, e em especial pelos colaboradores de Cultura Poltica, necessrio que se aponte a viso cara a Oliveira Vianna: a fragilidade cultu-ral da populao brasileira como fator impeditivo para constituio de uma democracia representativa.

    Assim, na seo Textos e documentos histricos de Cultura Poltica, Vicente Licnio Cardoso6 condensou parte desta perspectiva quando ob-6 Vicente Licnio Cardoso nasceu no Rio de Janeiro, em 1890. Engenheiro civil, diplomado pela Escola Politcnica do Rio de Janeiro, foi tambm socilogo e professor universitrio. Em 1924, foi lanada margem da histria da Repblica, que teve em Vicente Licnio Cardoso seu organizador e prefaciador. Obra coletiva - que contou com a colaborao, entre outros, de nomes como Oliveira Vianna e Gilberto Amado -, margem da histria da Repblica alcanaria grande repercusso por tratar, de forma objetiva, as principais questes enfrentadas pelo pas na dcada de 1920. Alm dessa obra, tambm foram publicadas, de sua autoria, Arquitetura norte (1916), A filosofia da arte (1918), Pensamentos brasileiros, vultos e ideias (1924), margem da histria do Brasil e, postumamente, Maracs (1934). Faleceu no Rio de Janeiro, em 1931. Disponvel em: . Acesso em: 30 de jun. 2014.

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    serva, em seu texto A Primeira Repblica, que aquele perodo tratava-se de: Um ambiente social sem coeso, constitudo de foras sem compo-nentes definidas, um mundo social em formao, em suma: um caos de insuficincias acionado por um complexo veemente de componentes fl-cidas, sem resultante categrica final. (Cultura Poltica, ano I, n. 1, mar. de 1941, p. 192 e 193)

    Adiante complementa seu pensamento com dados da poca acerca da es-colaridade no Brasil, no sentido de reforar sua opinio de que a populao no estaria preparada para lidar com as reflexes necessrias s escolhas inerentes representao poltica caracterstica da democracia de sufrgio universal:

    [...] a carncia de instruo e de educao das massas populares, documen-tada nesse teor de 75% de analfabetos de letras e de ofcios sobre o mon-tante total da populao do pas (descontados os menores de 7 anos) seria para o autor dado suficiente para inviabilizar a democracia representativa. (Cultura Poltica, ano I, n. 1, mar. de 1941, p. 192 e 193).

    O amalgama que caracterizava a democracia da Primeira Repblica, na concepo daqueles autores, se delineia tambm na opinio que emitiam acerca da poltica, dos polticos e seus partidos.

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    Polticos e polticas no pr-1930 e 1937

    Autoritrio e centralizador, o regime buscou delinear suas justificativas tambm na histria dos polticos anteriores a 1930/37 e seus partidos. Caro aos autoritrios, a afirmao que imputava cultura poltica da Primeira Re-pblica, a pouca preocupao com as questes nacionais foi tida, por eles, como caracterstica fundante na poltica brasileira. A energia e arranjos advin-dos daquela democracia, de seus polticos, estavam voltadas a seus negcios privados, formando, assim, uma poltica incapaz de gerir a repblica.

    Ulisses Ramalhete Maia e Odorico Costa iro discorrer acerca do perfil que caracterizava o poltico que o Estado Novo rechaaria e as aes deles, que alm de se apegarem ao referido pensamento aliengena, j presente na constituio d