fazer poesia - jean-luc nancy

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  • 7/22/2019 Fazer Poesia - Jean-luc Nancy

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    JEAN-LUC NANCY| Fazer, a poesia ALEA| Rio de Janeiro | vol. 15/2| p. 414-422| jul-dez 2013414

    FAZER, APOESIA1

    TOMAKE, POETRY

    Jean-Luc Nancy

    Universidade de EstrasburgoFrana

    Apresentao

    Mauricio Mendona Cardozo (UFPR)

    Nascido em 1940, em Bordeaux (Frana), Jean-Luc Nancy professor emrito da Universidade de Estrasburgo, instituio emque lecionou ao longo de quase quatro dcadas. Autor de uma obrabastante extensa e de ttulos importantes, a exemplo de Labsolulittraire:Torie de la littrature du romantisme allemand(1978),em coautoria com Lacoue-Labarthe, Le partage des voix(1982), LaCommunaut dsuvre(1983), Corpus(1992), Le sens du monde(1993), tre singulier pluriel (1996), La cration du monde ou la

    mondialisation(2002), La dclosion(2005), ombe de sommeil(2007), entre outros, seu trabalho foi fortemente marcado pelodilogo e pela amizade com grandes nomes do pensamento con-temporneo, como Philippe Lacoue-Labarthe e Jacques Derrida.

    Na esteira de uma resistncia a diferentes formas e ordens detotalizao, assumindo o fragmentrio como condio de existnciano mundo, o pensamento de Nancy atravessa questes que dizem res-peito tanto a manifestaes poltico-ideolgicas da noo de corpo,

    quanto prpria existncia humana em seus limites decorpo e docorpo. nesse movimento que se agregam a sua obra temas como oda comunidade, da singularidade e da pluralidade, do cristianismo,da mundializao e da democracia. E ao se afastar de um horizonteque se fecha na investigao do sentido da existncia, privilegiando,antes, um movimento que d lugar a um pensamento sobre a exis-tncia dos sentidos, sua obra se abre tambm a reflexes acerca do

    1

    Traduo para o portugus a partir do original em francs: Faire, la posie.In: NANCY, J.-L. Rsistance de la posie. Bordeaux: ditions William Blake &Co, 2004, p.9-15.

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    toque, da audio, da viso, do sono, do implante, bem como dis-cusso de questes afins no mbito mais amplo das artes, exemplar-mente no cinema, no desenho, na pintura e na dana.

    Passando por tantos lugares diferentes le corps est un lieu, opensamento de Nancy coloca em questo tambm a prpria ques-

    to do lugar da filosofia, do lugar da poltica, do lugar das artes, demodo que, em sua urgncia, seu pensamento se nos apresenta comoum gesto de pura pulso do contemporneo. Este, alis, pode serum dos caminhos para a leitura de Faire, la posie.

    Publicado originalmente em 1996, na coletnea Nous avonsvou notre vie des signes, o texto que apresentamos aqui, em tradu-o brasileira, constitui a primeira das duas partes que integram oopsculo intitulado Rsistance de la posie, publicado em 2004. Napgina de rosto dessa edio, figura o ttulo Faire, la posie, comessa vrgula que abala certa expectativa de transitividade e abre oespao em que se inscreve a reflexo de Nancy. Na pgina seguinte,o ttulo que de fato encabea e nomeia o ensaio Faire la posie,sem vrgula. Optamos, aqui, pelo primeiro ttulo, com vrgula.

    Partindo da problematizao tanto das relaes da poesiacom o sentido quanto de seu fechamento numa noo de gnero,Fazer, a poesia um texto que se abre em um pensamento depoe-sia, da poesia como umfazer: como umfazer tudo falar, que depetodo o falar nas coisas. Assim, tambm neste texto, o pensamentode Nancy coloca em questo o lugar de umfazer, a saber: oprpriolugar da poesia, pensado a partir da impropriedadede seu lugar, mastambm de uma ideia de poesia como lugardessa impropriedade.

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    Fazer, a poesia

    Jean-Luc Nancy

    Se compreendemos, se acessamos, de uma maneira ou de

    outra, um limiar de sentido, isso se d poeticamente. O que noquer dizer que algum tipo de poesia constitua um meio ou um lugarde acesso. Isso quer dizer e quase o contrrio que somenteesse acesso define a poesia, que ela no tem lugar seno quandoele tem lugar.

    por isso que a palavra poesia designa tambm uma esp-cie de discurso, um gnero entre as artes, ou uma qualidade quepode apresentar-se fora dessa espcie ou desse gnero assim como

    tambm pode estar ausente das obras dessa espcie ou desse gnero.Segundo Littr, a palavra, tomada absolutamente, significa: Qua-lidades que caracterizam os bons versos e que podem ser encon-tradas em outros lugares que no nos versos. [...] Brilho e riquezapoticos, mesmo em prosa. Plato est repleto de poesia. A poesia, portanto, a unidade indeterminada de um conjunto de qualida-des que no esto reservadas ao tipo de composio denominadopoesia e que no podem ser designadas, elas mesmas, a no serao afetarem com o epteto potico termos tais como riqueza,brilho, ousadia, cor, profundidade etc.

    Littr ainda declara que, em seu sentido figurado, diz-se poe-sia de tudo o que h de elevado, de tocante, em uma obra de arte,no carter ou na beleza de uma pessoa e at mesmo em uma pro-duo natural. Assim, no que se afasta de seu emprego literrio,essa palavra assume um sentido exclusivamente figurado, mas essesentido no seno uma extenso do sentido absoluto, ou seja, daunidade indeterminada de qualidades, cujas caractersticas genricasso fornecidas pelos termos elevado e tocante. A poesia como tal, portanto, sempre propriamente idntica a ela mesma, da pea emversos at a coisa natural, e, ao mesmo tempo, sempre apenas umafigura dessa propriedade inconsignvel nalgum sentido prprio, pro-priamente prprio. Poesia no tem exatamente um sentido, mas,antes, o sentido do acesso a um sentido a cada vez ausente e adiado.O sentido de poesia um sentido sempre por fazer.

    A poesia , por essncia, mais e outra coisa que a prpria poe-

    sia. Ou ainda: aprpriapoesia pode muito bem ser encontrada alionde sequer h poesia. Ela pode at mesmo ser o contrrio ou a

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    recusa da poesia, e de toda a poesia. A poesia no coincide consigomesma: talvez essa no coincidncia, essa impropriedade substan-cial, seja o que faz propriamente a poesia.

    Assim, a poesia no ser o que ela seno sob a condio de,ao menos, ser capaz de negar-se: de renegar-se, de denegar-se ou

    de suprimir-se. No que se nega, a poesia nega que o acesso ao sen-tido possa ser confundido com um modo qualquer de expressoou de figurao. Ela nega que o que elevado possa ser posto aoalcance das mos e que o que tocante possa ser tirado da reservaa partir da qual, precisamente, ele toca.

    A poesia , portanto, a negatividade na qual o acesso se fazo que ele : aquilo que deve ceder e, por isso, antes de mais nada,furtar-se, recusar-se. O acesso difcil, no uma qualidade aci-dental, o que quer dizer que a dificuldade faz o acesso. O difcil oque no se deixa fazer, e isso o que propriamente a poesia faz. Elafaz o difcil. Porque ela o faz, parece fcil, e por isso, h tempos,que se diz da poesia que coisa ligeira. Ora, no se trata apenasde uma aparncia. A poesia faz a facilidade do difcil, do absoluta-mente difcil. Na facilidade, a dificuldade cede. Mas isso no querdizer que ela seja aplanada. Isso quer dizer que a dificuldade posta,apresentada por aquilo que ela , e que estamos empenhados nela.De repente, de modo to fcil, encontramo-nos no acesso, querdizer, na dificuldade absoluta, elevada e tocante.

    Vemos aqui a diferena entre a negatividade da poesia e a desua gmea, a negatividade do discurso dialtico. Esta coloca emcausa, de forma idntica, a recusa do acesso como verdade do acesso.Mas ela faz disso um problema a ser resolvido e uma tarefa cujocarter infinito engendra tanto uma extrema dificuldade quanto apromessa, sempre presente e sempre reguladora, de uma resoluoe, consequentemente, de uma facilidade extrema. A poesia, por sua

    vez, no est nos problemas: ela faz na dificuldade.(Esta diferena, porm, no pode resolver-se numa distino

    entre a poesia e a filosofia, j que a poesia no admite ser circuns-crita a um gnero do discurso e que Plato pode estar repleto depoesia. Filosofia versuspoesia no constitui uma oposio. Cadauma faz a dificuldade da outra. Juntas, elas so a prpria dificul-dade: de fazer sentido.)

    Disso decorre que a poesia , igualmente, a negatividade, no

    sentido em que ela nega, no acesso ao sentido, aquilo que determi-naria esse acesso como uma passagem, uma via ou um caminho, e

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    que tambm o afirma como uma presena, uma invaso. Mais queum acesso ao sentido, um acesso de sentido. De repente (de modoto fcil), o ser ou a verdade, o corao ou a razo cedem seu sen-tido, e ali est a dificuldade, surpreendente.

    De maneira correlata, a poesia nega que o acesso possa ser

    determinado como um entre outros ou como um em relao aoutros. A filosofia admite que a poesia (e, s vezes, a religio) sejauma outra via. At mesmo Descartes pde escrever: H em nssementes de verdade: os filsofos as extraem pela razo, os poetas asarrancam pela imaginao, e elas brilham, ento, com ainda maisesplendor (citado de memria). A poesia no admite nada de rec-proco. Ela afirma o acesso absoluto e exclusivo, imediatamente pre-sente, concreto e, como tal, no intercambivel. (Como no estna ordem dos problemas, tampouco h diversidade de solues).

    Ela afirma, portanto, o acesso: no no regime da preciso suscetvel de mais e de menos, de aproximao infinita e de nfi-mos deslocamentos , mas naquele da exatido. Est feito, est aca-bado, o infinito atual.

    Assim, a histria da poesia a histria da recusa persistente dedeixar a poesia identificar-se com algum gnero ou modo potico no, porm, para inventar um mais preciso que os outros, tam-pouco para dissolv-los na prosa como em sua verdade, mas, sim,para determinar incessantemente uma outra e nova exatido. Estase faz sempre de novo necessria, pois o infinito um nmero infi-nito de vezes atual. A poesia apraxisdo retorno eterno do mesmo:a mesma dificuldade, a dificuldade mesma.

    Nesse sentido, a poesia infinita dos romnticos uma apre-sentao to determinada quanto a cinzeladura mallarmana, oopusincertumde Pound ou o dio da poesia de Bataille. O que no sig-nifica que todas essas apresentaes sejam indiferentes ou que no

    sejam seno figuraes de uma Poesia idntica infigurvel; e que,por esse mesmo fato, seriam inconsistentes todos os combates degneros, de escolas ou de pensamentos da poesia. Isso significaque no h seno diferenas como estas: o acesso no se faz, a cadavez, seno uma vez, e ele est sempre por ser refeito, no porqueseria imperfeito, mas, ao contrrio, porque ele , quando (quandocede), a cada vez perfeito. Eterno retorno e partilha das vozes.

    A poesia no ensina nada mais que essa perfeio.

    Nessa medida, a negatividade potica , tambm, a posiorigorosamente determinada da unidade e da unicidade exclusiva

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    do acesso, de sua verdade absolutamente simples: o poema, ou overso. (Poderamos tambm nome-lo: a estrofe, a stanza, a frase,a palavra ou o canto.)

    O poema ou o verso, d na mesma: o poema um todo deque cada parte um poema, ou seja, um fazer consumado; e o

    verso uma parte de um todo que ainda um verso, ou seja, umavirada, uma revirada ou um reverso de sentido.O poema, ou o verso, designa a unidade de elocuo de uma

    exatido. Essa elocuo intransitiva: ela no remete ao sentidocomo a um contedo, ela no o comunica, mas ela o faz, sendoexatamente e literalmente a verdade.

    Ela no pronuncia, portanto, nada mais do que aquilo que fazo ofcio da linguagem, a um s tempo sua estrutura e sua responsa-bilidade: articular sentido, entendendo-se que no h sentido senonuma articulao. Mas a poesia articula osentido, exatamente, abso-lutamente (no uma aproximao, uma imagem ou uma evocao).

    Que a articulao no seja unicamente verbal e que a lingua-gem ultrapasse infinitamente a linguagem, esta uma outra ques-to ou ento a mesma: poesia diz-se de tudo o que h de ele-vado e de tocante. Na linguagem ou em outra parte, a poesia noproduz significaes, ela faz, com uma coisa, a identidade objetiva,concreta e exatamente determinada do elevado e do tocante.

    A exatido a realizao integral: ex-actum, o que est feito,o que agiu at o final. A poesia a ao integral da disposio aosentido. Ela , a cada vez que tem lugar, uma exao de sentido. Aexao a ao de exigir uma coisa devida; em seguida, a ao deexigir mais do que o que devido. O que devido pela palavra osentido. Mas o sentido mais do que tudo o que pode ser devido.O sentido no uma dvida, ele no solicitado e pode-se ficar semele. Pode-se viver sem poesia. Pode-se sempre perguntar para que

    poetas? O sentido um acrscimo, um excesso: o excesso do sersobre o prprio ser. Trata-se de acessar esse excesso, de ceder a ele.

    tambm por isso que poesia diz mais do que o que poe-sia quer dizer. E mais precisamente ou melhor, exatamente: poe-sia diz o mais-que-dizer como tal e na medida em que estrutura odizer. Poesia diz o dizer-mais de um mais-que-dizer. E diz tam-bm, consequentemente, o no-mais-diz-lo. Mas dizer isso. Can-tar tambm, consequentemente, timbrar, entoar, bater ou tocar.

    O semantismo particular da palavra poesia sua perptuaexao e exagerao, sua maneira de alm-dizer lhe congnito.

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    JEAN-LUC NANCY| Fazer, a poesia ALEA| Rio de Janeiro | vol. 15/2| p. 414-422| jul-dez 2013420

    Plato (ainda ele, o velho challengerda poesia) ressalta que poie-sis uma palavra em que se fez tomar o todo pela parte: o tododas aes produtoras pela mera produo mtrica de ditos escan-didos. Esta exaure, assim, a essncia e a excelncia daquelas. Todoofazerse concentra no fazer do poema, como se o poema fizesse

    tudo o que pode ser feito. Littr (ainda ele, o poeta da ode Luz)rene esta concentrao: poema... depoiein, fazer: a coisa feita(por excelncia).

    Por que ento a poesia seria a excelncia da coisa feita? Porquenada pode ser mais acabado que o acesso ao sentido. Se ele , ele inteiro, de uma exatido absoluta; ou ento ele no (nem mesmoaproximadamente). Quando , ele perfeito e mais que perfeito.Quando o acesso tem lugar, sabe-se que ele sempre esteve ali e que,da mesma forma, sempre retornar (mesmo que disso, em si, nadase saiba: mas deve-se pensar que a cada instante algum, em algumlugar, tem acesso). O poema obtm o acesso de uma antiguidadeimemorial, que nada deve reminiscncia de uma idealidade, masque a exata existncia atual do infinito, seu retorno eterno.

    A coisa feita finita. Sua finio a perfeita atualidade dosentido infinito. Da a poesia ser representada como sendo maisantiga que toda distino entre prosa e poesia, entre gneros ouentre modos da arte de fazer, ou seja, da arte, absolutamente. Poe-sia quer dizer: o primeiro fazer, ou, ento, o fazer na medida emque sempre primeiro, original a cada vez.

    O que fazer? dispor no ser. O fazer exaure-se tanto na dis-posio como em seu fim. Esse fim que ele estabeleceu como meta,eis que ele tanto seu fim quanto sua negao, pois o fazer se des-faz em sua perfeio. Mas o que desfeito identicamente o que disposto, perfeito e mais que perfeito. O fazer acaba, a cada vez,alguma coisa e a si mesmo. Seu fim sua finio: nisso, ele se dis-

    pe infinito, a cada vez infinitamente mais alm de sua obra.O poema a coisa feita do prprio fazer.Essa mesma coisa que abolida e disposta o acesso ao sen-

    tido. O acesso desfeito como passagem, como processo, comovisada e encaminhamento, como abordagem e aproximao. Ele disposto como exatido e como disposio, como apresentao.

    por isso que o poema, ou o verso, um sentido abolidocomo inteno (como querer-dizer) e disposto como finio: no

    se voltando para sua vontade, mas para seu fraseado. No maisfazendo problema, mas acesso. No para comentar, mas para reci-

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    JEAN-LUC NANCY| Fazer, a poesiaALEA| Rio de Janeiro | vol. 15/2| p. 414-422| jul-dez 2013 421

    tar. A poesia no escrita para ser aprendida de cor: a recitaode cor que faz de toda frase recitada ao menos uma suspeio depoema. a finio mecnica que d acesso infinitude do sentido.Aqui, a legalidade mecnica no faz antinomia com a legislao daliberdade: mas a primeira libera a segunda.

    A apresentao deve ser feita, o sentido deve ser feito, e per-feito. Isso no quer dizer: produzido, nem operado, nem realizado,nem criado, nem agido, nem engendrado. Exatamente, isso noquer dizer nada de tudo isso, pelo menos nada que, em tudo isso,no seja primeiramente o que ofazerquer dizer: o que ofazerfaz linguagem quando a perfaz em seu ser, que o acesso ao sentido.Quando dizer fazer e quando fazer dizer. Como se diz: fazeramor, que no fazer nada, mas fazer ser um acesso. Fazer ou dei-xar: simplesmente dispor, depor exatamente.

    No h fazer (no h arte ou tcnica, nem gesto, nem obra)que no seja mais ou menos silenciosamente trabalhado por essadeposio.

    Poesia fazer tudo falar e, em troca, depor todo o falar nascoisas, ele mesmo como uma coisa feita e mais que perfeita.

    Recitao de infncia:

    Es schlft ein Lied in allen DingenDie da trumen fort und fort,Und die Welt hebt an zu singenTriffst Du nur das Zauberwort.2

    Essa questo da poesia, to velha e to pesada, incmoda epegajosa, resiste ao nosso tdio e ao nosso mais forte asco por todasas mentiras poticas, pelos mimos e pelas sublimidades. Mesmo seela no nos interessa, ela nos detm, necessariamente. Hoje ainda,mas de um modo diferente do que na poca de Horcio ou na deScve, na de Eichendorff, de Eliot ou de Ponge. E se foi dito queaps Auschwitz a poesia era impossvel e, logo depois, ao contr-rio, que aps Auschwitz ela se fez necessria, foi precisamente dapoesia que pareceu necessrio dizer uma coisa e outra. A exign-cia do acesso do sentido sua exao, sua demanda exorbitante no pode cessar de deter o discurso e a histria, o saber e a filoso-fia, o agir e a lei.

    2

    Dorme uma cano em todas as coisas, / Que seguem sonhando a sonhar, / Ese encontras a palavra mgica / O mundo inteiro se pe a cantar (versos do poe-ta romntico alemo Joseph von Eichendorff, em traduo de Jorge de Almeida).

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    PIERRE ALFERI| Rumo prosa ALEA| Rio de Janeiro | vol. 15/2| p. 423-427| jul-dez 2013422

    Que no nos venham falar de tica ou de esttica da poesia. justamente rio acima, no mais que perfeito imemorial delas, quefica o fazer chamado poesia. Ele fica emboscado como um ani-mal, tensionado como uma mola e, assim, em ato, j.

    Traduo de Letcia Della Giacoma de Frana, Janaina Ravagnoni(Mestrandas do Programa de Ps-Graduao em Letras da UFPR)

    e Mauricio Mendona Cardozo (UFPR/CNPq)