faroeste brasileiro em pauta
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Reportagem publicada na quarta edição da Semana Revista, em setembro de 2011TRANSCRIPT
Faroeste brasileiro em pauta
Como a informação circula na região amazônica
Em maio deste ano, o assassinato de quatro ativistas ambientais no norte do país
levou a presidente Dilma Rousseff a convocar uma reunião de emergência. Nela foi
estabelecido o envio ao Pará da Força Nacional de Segurança. No estado localizam-se
as cidades que, junto com municípios de Mato Grosso, Roraima, Rondônia e Amapá,
estão entre as que apresentam as maiores taxas de homicídio do país - entre 29 e 107
casos para cada 100 mil habitantes - de acordo com o Mapa da Violência dos
Municípios Brasileiros de 2011 do governo federal. As altas taxas dos cinco estados
contribuem para a região amazônica ter sido apelidada de “faroeste brasileiro”.
A razão desses crimes é a disputa por terra. Grandes latifundiários, madeireiros,
índios e ambientalistas lutam para defender seus interesses. No meio da batalha está a
população, incluída nas listas de maiores taxas de analfabetismo e de número de casos
de trabalho escravo do Brasil.
Os veículos de circulação nacional – em sua maioria localizados longe das zonas
de conflito – vêm noticiando os casos de homicídios registrados nessa guerra. Mas
como circula a informação na imprensa do “faroeste brasileiro”?
O jornal Correio do Tocantins, distribuído três vezes por semana com tiragem de
dez mil exemplares, é produzido em Marabá, cidade paraense que poderá ser elevada a
capital caso o plebiscito marcado para dezembro aprove a criação do estado de Carajás.
Marabá é, também, a quarta cidade mais violenta do Brasil segundo o Mapa da
Violência. O diretor de redação do Correio, Patrick Roberto, afirma que a questão
agrária é sempre abordada nas matérias. “O tema interessa a toda a sociedade, uma vez
que temos uma pecuária forte e alguns dos maiores fazendeiros do país, além de um dos
maiores números de assentamentos, acampamentos e movimentos sociais.”
Com uma área maior que 5 milhões de km² para cobrir, os profissionais dos 57
jornais diários da região amazônica têm dificuldades durante a reportagem. “O Pará
possui dimensões continentais, o que acaba fazendo com que a notícia chegue às
redações com certo atraso”, explica Evandro Correa, repórter do jornal O Liberal, diário
com tiragem de 40 mil exemplares e circulação em todo o estado. Como exemplo, o
jornalista cita o assassinato da missionária Dorothy Stang, em 12 de fevereiro de 2005
na cidade de Anapu (PA), em que o caso só chegou aos jornais dois dias depois, já que
o local onde a freira foi morta era de difícil acesso.
A internet tem ajudado a informação a chegar ou sair da região de conflitos com
mais rapidez. “Com o advento da internet mexendo com a transparência e a imagem das
empresas, está mais tranquilo e mais evidente. Na dúvida, o leitor vai para o Google e
compara” explica Luciano Vendrame, assessor de imprensa da Associação Comercial
de Sinop, em Mato Grosso.
“Uma matéria regional, que já foi publicada em jornais do estado, com certeza
ganha mais peso e visibilidade quando é aproveitada em grandes veículos”, afirma
Evandro. Contudo, muitas vezes as notícias acabam sendo mal apuradas e distorcidas.
“Isso traz sérios prejuízos para a região. Depois que os crimes são esclarecidos, os
jornais não ‘cortam na carne’, corrigindo o erro.”
O empresário do norte de Mato Grosso Rodolpho Mello acredita que a imprensa
de fora da região nem sempre compreende o que acontece ali. “Quando vem gente pra
cá, vem com o clichê pronto”, garante. “O repórter sai de São Paulo para fazer a matéria
sobre as dificuldades que os índios têm com suas terras invadidas. Ele vem com um
interesse e um objetivo.”
Luciano tem uma posição diferente de Rodolpho nessa questão. Para ele, não há
reações positivas ou negativas da população local em relação à cobertura de jornais de
fora da região. “Somos jornalistas em qualquer lugar do mundo e cobrimos para o
mundo. O que difere é o bom trabalho do trabalho superficial”. Luciano afirma que o
repórter que não é habitante tem algo essencial ao jornalista: o olhar forasteiro. “O que
fica chato é ter uma reportagem que aponte erros ambientais do presente em relação a
nossa região, sem levar em conta os motivos que nos trouxeram para cá. Ninguém veio
para a Amazônia para passar férias. No começo, vieram para cá por necessidade e a
convite do governo”.
O assessor se refere a uma campanha do governo federal lançada na década de 70
com o objetivo de ocupar a porção norte de Mato Grosso e estados da região Norte
como Pará e Amazonas. Sob o slogan “integrar para não entregar”, pretendia-se
proteger as áreas de fronteira do país e impulsionar a economia da região. Para quem
aceitasse a oferta e migrasse até a Amazônia, o governo estabelecia algumas regras.
Entre elas, determinava a obrigação de abrir 50% da propriedade ocupada – ou seja,
derrubar metade da floresta e utilizá-la para cultivo.
Atualmente, a legislação brasileira permite que se abra apenas 20% da área da
propriedade nessa região da Amazônia. De acordo com Rodolpho, essa é uma das
razões para os conflitos gerados entre os produtores da região e ativistas ambientais. “O
governo trata as pessoas que abriram 50% como regularizados e os ambientalistas os
chamam de anistiados, como se fossem bandidos. Isso não é anistia, é garantia. O
governo está regularizando um direito adquirido.”
Como exemplo, o empresário cita Juína, cidade do noroeste mato-grossense com
40 mil habitantes. Da área total do município, 62% é composta por reservas indígenas.
Restam 38% passíveis de exploração – mas é possível abrir apenas 20% desse total, sem
contar as áreas de preservação ambiental. “Que cidade sobrevive com tão pouco, ainda
mais sem incentivos do governo, que não banca essa inatividade do município?”, indaga
Rodolpho.
Imparcialidade no faroeste
Para Paulo César Monteiro, representante da Comissão da Pastoral da Terra (CPT)
de Mato Grosso, a proximidade com os locais de conflito influenciam na imparcialidade
da matéria. “Quanto mais próximo do problema, mais comprometido com os poderes
locais”. Ele destaca as coberturas televisivas dos conflitos agrários, muitas vezes mais
completas que a mídia escrita. “Os jornais locais poucas vezes oferecem coberturas
satisfatórias.”
O repórter do jornal O Liberal Evandro Correa conta que, em 15 anos atuando
como jornalista, deparou-se com tentativa de censura apenas uma vez por parte de
empresas privadas. Foi em 2006, quando o Grupo Móvel do Ministério do Trabalho
resgatou 1,2 mil trabalhadores dentro da Usina de Álcool Pagrisa, com sede em
Ulianópolis, no sudeste do Pará. Os donos da empresa queriam evitar que o material
saísse na imprensa e chegaram a procurar a editora do O Liberal, pedindo que a matéria
não fosse publicada. “Felizmente, os editores nunca acataram esse tipo de argumento e a
matéria foi publicada sem cortes.”
Em relação às fontes, o repórter lembra a importância de se cercar de pessoas
confiáveis – principalmente delegados, peritos criminais e parentes de vítimas. Algumas
delas são inacessíveis, fator que acaba exigindo muito do jornalista. Um exemplo
recente diz respeito ao caso dos extrativistas Cláudio Ribeiro da Silva e sua esposa
Maria do Espírito Santo, assassinados em 24 de maio de 2011. O juiz da 4ª Vara
Criminal de Marabá Murilo Lemos Leão decretou segredo de justiça. De acordo com o
juiz, tal medida foi adotada para não atrapalhar a captura e apreensão dos suspeitos.
Evandro diz que o juiz “não concede entrevistas e está travando uma queda de braço
com o Tribunal de Justiça do Pará. Ele se recusa a atender a Assessoria de Imprensa do
próprio TJE”.