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FANZINES Uma faceta da comunicação alternativa na cidade de Campina Grande 16/09/2008 Tiago de Oliveira Lacerda* Resumo Os fanzines são produções alternativas, feitas por fãs de uma determinada arte ou por pessoas que queiram colocar as suas idéias e reflexões em evidência. Surgiram nos Estados Unidos, na década de 1930, mas foi com o movimento punk, e a ideologia do “faça você mesmo”, que essas publicações espalharam-se pelo mundo. No Brasil, exerceram um importante papel na comunicação social dos anos 1980. Nessa primeira década do século XXI, a cidade de Campina Grande, no interior da Paraíba, mostrou-se como uma das mais relevantes na produção dos fanzines brasileiros, demonstrando, com isso, que tais publicações continuam sendo detentoras de inúmeras e interessantes facetas comunicativas. Palavras-chave: Fanzines. Comunicação alternativa. Comunicação social. Considerações iniciais A comunicação é uma necessidade vital para o ser humano. O indivíduo, inserido na Sociedade, é bombardeado, a cada momento, por ciclos constantes de informações, sejam elas táteis, sonoras, visuais, verbais ou não-verbais. Toda mensagem codificada acaba sendo decodificada e isso resulta nas mais variadas experiências comunicativas. Os afamados meios de comunicação de massa, formadores da Indústria Cultural, são os maiores emissores de informações para a Sociedade. Eles são grandes canais comunicativos, capazes de emitir mensagens para milhares de indivíduos receptores, das formas mais eficazes e instantâneas. Tais meios de Comunicação não só apregoam mensagens. Eles também difundem maneiras de se comportar, propõem estilos de vida, modos de organizar a vida social, de arrumar a casa, de se vestir, maneiras de falar e de escrever, de sonhar, de sofrer, de pensar, de lutar, de amar. (SANTOS, 1991, p.69). Apesar da Indústria Cultural ser capaz de criar muitas necessidades na Sociedade, chega-se a um ponto em que alguns indivíduos se mostram insatisfeitos perante este quadro sistematizado e persuasivo da comunicação de massa. Então, na busca por uma identidade comunicativa e uma liberdade de expressão, algumas pessoas, de forma coletiva ou individual, criam os seus próprios meios de comunicação, que ganham a alcunha de alternativos. Foi justamente essa atitude, aliada à vontade de interação com outras pessoas, que originou os fanzines, na década de 1930. Pragmaticamente, podemos definir os zines como sendo produções independentes, que vão de encontro a qualquer censura, pregando a liberdade de expressão, abrindo espaço para todo tipo de comentários e opiniões, sobre as mais variadas temáticas e visões. Uma das mais marcantes características desse tipo de publicação é que qualquer pessoa pode se tornar fanzineira, independentemente de seu nível cultural, social, ou intelectual, o que importa é ter vontade e disposição para criar, produzir, montar, divulgar e distribuir seus fanzines. Afinal, todo faneditor é o faz-tudo de suas publicações.

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FANZINES Uma faceta da comunicação alternativa na cidade de Campina Grande 16/09/2008 Tiago de Oliveira Lacerda* Resumo Os fanzines são produções alternativas, feitas por fãs de uma determinada arte ou por pessoas que queiram colocar as suas idéias e reflexões em evidência. Surgiram nos Estados Unidos, na década de 1930, mas foi com o movimento punk, e a ideologia do “faça você mesmo”, que essas publicações espalharam-se pelo mundo. No Brasil, exerceram um importante papel na comunicação social dos anos 1980. Nessa primeira década do século XXI, a cidade de Campina Grande, no interior da Paraíba, mostrou-se como uma das mais relevantes na produção dos fanzines brasileiros, demonstrando, com isso, que tais publicações continuam sendo detentoras de inúmeras e interessantes facetas comunicativas. Palavras-chave: Fanzines. Comunicação alternativa. Comunicação social. Considerações iniciais A comunicação é uma necessidade vital para o ser humano. O indivíduo, inserido na Sociedade, é bombardeado, a cada momento, por ciclos constantes de informações, sejam elas táteis, sonoras, visuais, verbais ou não-verbais. Toda mensagem codificada acaba sendo decodificada e isso resulta nas mais variadas experiências comunicativas. Os afamados meios de comunicação de massa, formadores da Indústria Cultural, são os maiores emissores de informações para a Sociedade. Eles são grandes canais comunicativos, capazes de emitir mensagens para milhares de indivíduos receptores, das formas mais eficazes e instantâneas.

Tais meios de Comunicação não só apregoam mensagens. Eles também difundem maneiras de se comportar, propõem estilos de vida, modos de organizar a vida social, de arrumar a casa, de se vestir, maneiras de falar e de escrever, de sonhar, de sofrer, de pensar, de lutar, de amar. (SANTOS, 1991, p.69).

Apesar da Indústria Cultural ser capaz de criar muitas necessidades na Sociedade, chega-se a um ponto em que alguns indivíduos se mostram insatisfeitos perante este quadro sistematizado e persuasivo da comunicação de massa. Então, na busca por uma identidade comunicativa e uma liberdade de expressão, algumas pessoas, de forma coletiva ou individual, criam os seus próprios meios de comunicação, que ganham a alcunha de alternativos. Foi justamente essa atitude, aliada à vontade de interação com outras pessoas, que originou os fanzines, na década de 1930. Pragmaticamente, podemos definir os zines como sendo produções independentes, que vão de encontro a qualquer censura, pregando a liberdade de expressão, abrindo espaço para todo tipo de comentários e opiniões, sobre as mais variadas temáticas e visões. Uma das mais marcantes características desse tipo de publicação é que qualquer pessoa pode se tornar fanzineira, independentemente de seu nível cultural, social, ou intelectual, o que importa é ter vontade e disposição para criar, produzir, montar, divulgar e distribuir seus fanzines. Afinal, todo faneditor é o faz-tudo de suas publicações.

Os zines são produções marcadas pelo alto grau de inovações criativas, ora na linguagem, ora na concepção gráfica. Magalhães (1993) acredita que eles são responsáveis por uma grande pluralidade de discursos e que representam uma espécie de arte envolta de idealismo. Não é à toa que nos dias atuais, os fanzines mantêm sua jovialidade, apesar dos seus quase 80 anos de história. Nascendo, crescendo e se expandindo Os Estados Unidos é o país onde começou a história das fanatic magazines (o termo fanzine só começou a ser usado no ano de 1941). As primeiras publicações foram organizadas por clubes de fãs, do gênero ficção-científica.

Em sua origem, a ficção-científica era tratada como subliteratura, sendo renegada pelos circuitos oficiais. A forma que os amantes desse gênero literário encontraram para divulgar os seus trabalhos foi criar suas próprias publicações, editando boletins e magazines para circular entre os outros fãs. Dessa maneira surgiram os Fanzines, cujo primeiro que se tem notícia foi The Comet, criado em maio de 1930, por Ray Palmer, para o Science Correspondence Club. (MAGALHÃES, 2003, p.57).

Depois dos E.U.A, a Inglaterra foi o primeiro país a publicar um zine, em 1936, o Novae Terrae, produzido por Maurice Handon e Dennis Jacques. Na segunda metade dos anos 1970, o movimento Punk tomou de sobressalto o tradicionalista país inglês. Jovens sedentos por mudanças de comportamento, mudanças de atitude e seguindo um lema: faça você mesmo. Foi nesse período, marcante para a Sociedade Ocidental, que surgiu o primeiro fanzine difusor da ideologia Punk, o Sniffing Glue.

Seu editor é Mark Perry, bancário, 19 anos, cabelos longos, entediado com o emprego. Então ele ouve um disco dos Ramones, assiste ao grupo ao vivo, acha ótimo e decide escrever uma crítica a respeito. Escreve oito páginas e tira 200 cópias, em xerox, no escritório da namorada. E passa adiante. Corta o cabelo, compra calças justas e meias fosforescentes, larga o emprego e torna-se Mark P. Com a explosão do Punk, o Fanzine cresce tanto que se torna o porta-voz do movimento. No número 4, a tiragem passa para 1000 cópias e no número 10 já é internacional, com 8000 cópias, impresso em off-set. Depois de alguns números escritos só por ele, Mark P. confessa-se entediado e passa o fanzine a quem quiser escrever. (BIVAR, 1988, p.51).

No Sniffing Glue de número 5, Mark P. sugeriu que os leitores criassem os seus próprios Zines e isso foi um incentivo não só para os Punks ingleses, mas para jovens do mundo inteiro, ocasionando uma explosão de publicações com temáticas variadas, vindas dos mais variados países. De acordo com Magalhães (1993), na Alemanha e na Suécia predominaram a produção de fanzines de ficção-científica, editados por clubes de aficionados. Em outros países europeus, como Holanda, Suíça, Itália, Bélgica, Espanha e Portugal, as histórias em quadrinhos representavam a temática favorita. A França destacou-se pela qualidade

gráfica de seus zines, alguns com aparência de revistas especializadas. Os franceses ainda criaram a Fanzinothèque de Poitiers, organizada por Didier Bourgoin, em setembro de 1989, com o objetivo de catalogar, conservar e promover essas publicações alternativas. Os Fanzines também chegaram ao Oriente, a exemplo de COM, editado por Osamu Tezuka, criador do famoso personagem japonês Astroboy. Magalhães (2003) afirma ainda que, na Europa e nos Estados Unidos, dado as condições econômicas favoráveis e o interesse do público, há a edição simultânea de Fanzines e publicações reflexivas profissionais, fazendo com que os fanzines deixem de ser boletins de fãs ou publicações de amadores para se tornarem semiprofissionais. Essa realidade mostra o quanto essas produções evoluíram ao longo do tempo. “YES, NÓS TEMOS FANZINES”. O Brasil não poderia estar fora da história das fanedições, contribuindo com zines dos mais variados assuntos e estilos. Aconteceu na década de 1960, o surgimento do primeiro fanzine tupiniquim.

O pioneiro foi Ficção, órgão informativo do Intercâmbio Ciência-Ficção Alex Raymond, lançado em outubro de 1965, por Edson Rontani, em Piracicaba, São Paulo. Mesmo sem contar com subvenção ou publicidade, Ficção era distribuído gratuitamente pelo correio, para aficionados do país e para colecionadores de Portugal e Estados Unidos. (MAGALHÃES, 2003, p.67).

Apesar de ser publicado por um clube de Ficção Científica, Ficção dava grande destaque às histórias em quadrinhos e esse foi o assunto principal de, praticamente, todos os fanzines pioneiros no Brasil. Na década de 1980, aconteceu o grande boom dessas publicações em solo brasileiro, graças ao advento das máquinas fotocopiadoras que tornaram a impressão dos zines mais barata, mantendo uma boa qualidade gráfica. Música, cinema, televisão, esporte, ecologia, rádios piratas, religião, contos, esses são alguns dos inúmeros temas presentes na época áurea dos fanzines brasileiros, que começou a decair, entre outros aspectos, por causa da economia instável dos anos 80. As despesas, na produção de um novo exemplar de zine, ficavam cada vez maiores. O modo de pensar e agir da Sociedade também estavam em mutação, muitas pessoas não se agradavam mais da “marginalidade” que os fanzines representavam. Mesmo nesse período conturbado novos horizontes se abriram e os fanzines paraibanos entraram em cena, mais precisamente na capital. Os quadrinhos eram o grande filão dessas publicações, mas outros temas também tiveram espaço, a exemplo dos zines que falavam sobre música.

Na Paraíba, alguns fanzines de Heavy Metal começaram a circular no final dos anos 80. Blood Vomits, de João Pessoa, editado por George Campelo, então um jovem de 17 anos, primava pela apresentação gráfica, com fotos, ilustrações e logotipos de grupos musicais. No número 2, encontra-se uma lista de vários títullos do gênero, como RE-Animator, de João Pessoa, Metal Blood Zine, de Ceilândia, DF, Sacristia Zine, de Porto Alegre, Rootthenness, de São Paulo. Isso demonstra o intenso intercâmbio entre grande parte dos produtores de fanzines, característica comum a todos os gêneros. (MAGALHÃES, 2003, p.40-1).

Foi nesse período que entrou em cena, em João Pessoa, um dos mais importantes produtores, estudiosos e incentivadores de fanzines e revistas alternativas do Brasil, o professor Henrique Magalhães. Magalhães é professor da Universidade Federal da Paraíba. Fez mestrado na Escola de Comunicação e Artes da USP e doutorado na França, pela Universidade Paris VII, ambos com estudos voltados para os fanzines de histórias em quadrinhos. Fundou a Gibiteca Henfil, única na Paraíba, em novembro de 1990, montada no Espaço Cultural José Lins do Rêgo, na capital paraibana. Os fanzines têm espaço cativo na Gibiteca, são centenas de publicações de várias épocas, de vários gêneros, de vários cantos do país e do mundo, que acabam contando um pouco da história de gerações e influências de épocas passadas. O primeiro fanzine paraibano foi lançado em 1985, discutia sobre quadrinhos e era editado por Henrique Magalhães e Sandra Albuquerque.

Marca de Fantasia era impresso em off-set, com quarenta páginas, em formato meio-ofício, teve seis edições e deixou de ser publicado em 1988. Em seu seguimento foi lançado Nhô-Quim, em fotocópias, formato oficio e vinte páginas, de janeiro de 1990 a agosto de 1991, com oito números editados por mim, com a parceria de José Carlos Ribeiro no número 1. (MAGALHÃES, 1993, p.49)

A afinidade dos faneditores do Nhô-Quim foi colocada à frente da distância geográfica, um era da Paraíba e o outro do Rio Grande do Sul. As tarefas de produção eram alternadas entre ambos. Mas a distância, apesar de inicialmente parecer fácil de ser contornada, tornou o planejamento e a dinâmica da produção deficitários. A parceria entre Magalhães e Ribeiro foi desfeita a partir do segundo número, mas o Nhô-Quim chegou ao número oito, comandado apenas pelo paraibano. Uma grande empreitada de Magalhães, tanto como produtor, tanto como incentivador da comunicação alternativa, foi a criação da editora Marca de Fantasia. Uma editora independente, sem fins lucrativos, que utiliza o dinheiro adquirido com as vendas de suas publicações para a produção de outras tantas e despesas com envio postal. Os trabalhos impressos pela editora possuem excelente qualidade gráfica e de acabamento. São publicados livros, álbuns, revistas, coletâneas de tiras e, é claro, fanzines. O professor Henrique Magalhães escreveu vários livros sobre a temática fanzinesca e pode ser considerado um dos grandes, e maiores, estudiosos do assunto no Brasil. Atitudes fanzineiras na “Rainha da Borborema”. Pesquisar a trajetória dos fanzines campinenses não é uma tarefa das mais fáceis. As pessoas, e até mesmo as bibliotecas da cidade, não se importam em guardar, arquivar ou documentar tais meios de comunicação alternativa. A única biblioteca de Campina Grande, onde pôde se encontrar algum Fanzine, foi a da Faculdade de Comunicação Social da UEPB. A publicação encontrada foi o Pium, zine mostrando a produção de quadrinhos na cidade de Fortaleza, Ceará. Mas a cidade de campinense sempre esteve ligada às publicações alternativas, a exemplo das revistas literárias Ranhura e Garatuja e, recentemente, o jornal literário PB Letras. Os fanzines não poderiam estar fora de tal realidade. O Gota Serena, surgido na década de 1980, organizado por Robson Braga, pode ser considerado uma das únicas referências da cidade, na época em que os zines circulavam a todo vapor pelo país. Apresentava vários patrocínios em suas páginas e um grande roteiro de livrarias, lanchonetes, bares e outros badalados points da cidade. Também oferecia assinaturas semestrais, dando direito a dois exemplares para cada assinante do zine. Na década de 1990, a cena fanzinesca parecia estar um pouco paralisada e desmotivada. Os zines, que surgiram nessa época, se mostravam um tanto sérios

demais e pouco interessados em inovações criativas em suas linguagens e concepções estéticas. As portas de uma nova Era estavam se abrindo e os fanzines não poderiam se tornar passado, junto com século que se esvaía. Aquela magia e atitude do “faça você mesmo”, que provocava um certo romantismo na produção dos fanzines artesanais, começou a ser resgatada na cidade de Campina Grande, dentro da Faculdade de Comunicação Social. Um dos motivos para isso acontecer foi a falta de espaço que ocorria dentro do curso, para que os alunos pudessem praticar suas produções textuais e expressar suas idéias. E assim começou as novas facetas da produção fanzinesca no Século XXI. “Depois de um grande período de dormência, despertamos e faremos ecoar o nosso Berro, que mais do que nunca precisa ser ouvido”. Esse foi um dos trechos do editorial do fanzine O BERRO DI NÓIS, abril de 2000. Uma produção artesanal, cheia de colagens, com textos digitados e manuscritos, apresentando uma diagramação de aparência caótica, lembrando os fanzines punks e anarquistas. Em junho, do mesmo ano, surgiu um zine voltado para os rockeiros e skatistas campinenses, o ETNIA SKATE ROCK que, assim como o BERRO DI NÒIS, teve um breve período de existência. Como já sabemos, os fanzines tiveram início em fãs-clubes, sendo um meio comunicativo ideal para interação com outros fãs-clubes e troca de informações e correspondências entre seus membros. Em meados de 2001, o fã-clube campinense GRAFE (Games, Rpg’s, Animes, Fanzines e Etc.), lançou o zine GRAFE NEWS, editado por cinco jovens que usavam pseudônimos de heróis de games e desenhos animados. O clube não durou muito tempo e, ocasionalmente, o zine também chegou ao fim. Mas o ano de 2001 é marcado pelo aparecimento de um dos zines de maior sucesso na cidade de Campina Grande e que marcou pela qualidade gráfica, textual e criativa: o XËPA. Foi criado por quatro estudantes de Jornalismo, da UEPB: Elvis Turíbio (que foi editor do ETNIA SKATE ROCK), Fábio Ronaldo, José Gomes (substituído por Gessiandro Cardoso, estudante de Ciências Sociais da UFCG) e Tiago de Oliveira. O XËPA nasceu com a proposta de ser um espaço crítico para os acontecimentos pitorescos da Sociedade e do mundo do entretenimento. Humor e sarcasmo foi a linha editorial seguida pela publicação, que também trazia verdadeiras crônicas em vários de seus números, mostrando o quanto os integrantes caprichavam na elaboração de seus textos. A concepção gráfica era totalmente artesanal, realizada à base de recortes e colagens e foi marcante pela criatividade e inovação trazidas a cada nova edição mensal, sendo a periodicidade outro fator difícil de ser mantido pelos zines, devido ao caráter efêmero dessas publicações. Mas se esse fanzine conseguia manter sua periodicidade, não se pode dizer o mesmo com relação às tiragens, que sempre apresentavam variações. No início, dependiam muito das cotas de patrocinadores, mas, com a dificuldade de arrumarem patrocínio, resolveram arcar sozinhos com a despesa das fotocópias. Sua menor tiragem foi de 40 exemplares e a maior foi de 500 cópias, edição que se tornou clássica por trazer capa e contra-capa impressas em cor. A realização de três mostras culturais deu ao XËPA um caráter de agente incentivador da cultura e da comunicação alternativa, na cidade de Campina Grande. Nas mostras, o fanzine divulgava suas edições, incentivava a produção de novos zines, realizava sarais poéticos, exibia curtas-metragens, fotografias, apresentava shows musicais e peças teatrais. O zine realmente mostrava tudo aquilo que pulsava como independente, no espaço urbano em que se inseria. Depois de dois anos, contribuindo de forma singular para o meio fanzineiro, o XËPA encerrou as suas atividades, deixando a mensagem do quanto um fanzine pode ser um importante meio de comunicação alternativa, ou mesmo um instrumento de ação cultural. Podemos definir o ano de 2002 como sendo o período do ápice dos fanzines campinenses, nesse novo século. Além dos já citados, ETNIA SKATE ROCK e XËPA, estavam em circulação na cidade seis outros zines: FALA SÉRIO (realidade), LOBOTOMIA (informativo), FOLHA DE CAMPINA (mensagens de otimismo), EPIFENÔMENO PSÍQUICO

(psicologia), GRITO ZINE (punk), além do RAGNAROK, um zine de contos, feito para a Internet, uma tendência dos dias atuais. Chegando em 2003, os fanzines campinenses mostraram-se mais sombrios, a exemplo do NECROFAGIA, feito por quatro garotas, fazendo apologia a pensamentos sinistros e darks. A poética gótica foi apresentada nos fanzines PENUMBRA e REQUIEM, ambos produzidos pelo jovem Lucas Altamar, que, além de praticar a poesia gótica, também desenhava as ilustrações de seus zines. O PENUMBRA inovou por ter uma versão impressa e outra virtual, sendo que Altamar preferia a versão fotocopiada. Já em 2004, Tiago de Oliveira (um dos editores do XËPA) voltou à cena fanzinesca, só que desta vez sozinho, criando o FANZINOSCÓPIO, um zine inovador, totalmente desenhado e pintado à mão, pelo próprio autor. Era uma publicação bimestral, de temática diversificada e formatos diferentes, ao longo de suas cinco edições publicadas. Após esta experiência, Oliveira não se aquietou e no ano seguinte, trouxe uma nova proposta de fanzines para Campina Grande. Criou o personagem Dr. Karma Police, um P.H.D de Harvard que, cansado de sua vida acadêmica monótona, decidiu viajar para o Brasil, lugar onde observou inúmeros fenômenos sociais e decidiu exprimir todas suas novas descobertas em fanzines. Oliveira, sendo o Dr. Karma Police, produziu 45 fanzines, em um curto período de 10 meses. Em sua grande maioria, foram edições informativas, do tema infantil à velhice, do sexo à religião, do novo ao retrô. Os zines continham entre duas e vinte páginas, em formatos variados, algumas edições trazendo brindes, como CD e fita K-7, e outras edições totalmente diferenciadas, como a que foi disposta em um pedaço de barbante, ou sendo apenas composta por uma mensagem de paz dentro de uma garrafa. Em dias atuais, essa efervescência fanzineira esfriou um pouco em solo campinense. Porém, como acabamos de ver, a história dos fanzines é tão rica e criativa, que se torna impossível não imaginarmos que nesse exato momento alguma cabeça pensante esteja tendo atitude, esteja colocando suas idéias no papel, exercendo sua liberdade de expressão e criando seu meio de comunicação alternativo. Se for em forma de fanzine, será uma atitude bem apaixonada. Considerações finais Vimos o quanto Campina Grande, cidade do interior paraibano, é importante para o cenário fanzineiro em geral. Os fanzines que, apesar de serem um importante e influente veículo da comunicação alternativa, não são tão aclamados por estudiosos da cultura independente. A produção fanzineira também representa uma porta de acesso à liberdade, seja ela uma liberdade criativa ou, seja ela, uma liberdade de expressão. Falsos profetas já decretaram a morte do Rádio. Outros disseram que o Jornal, impresso, estava com seus dias contados. Partindo desses preceitos, muitos podem imaginar que os Fanzines não existem mais, são criações de um passado remoto. Enganam-se, pois onde existe a criatividade e a necessidade vital de comunicação, existe o território ideal para o surgimento de um novo zine. Em tempos modernos, não é necessário que a atitude fanzineira seja, necessariamente, expressa em papel. Na Internet, a magia dos fanzines já está presente, com a nomenclatura de e-zine, mostrando o quanto essas publicações são maleáveis a novas tendências. A atitude comunicativa, expressiva e ideológica dos fanzines sempre será a mesma: “uma idéia na cabeça”, não importando o que se tem em mãos. Referências BIVAR, Antonio. O que é Cultura. São Paulo: Brasiliense, 1988.

MAGALHÃES, Henrique. O que é fanzine. São Paulo: Brasiliense, 1993. MAGALHÃES, Henrique. O rebuliço apaixonante dos fanzines. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2003. MAGALHÃES, Henrique. Na onda dos fanzines. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2004. SANTOS, José Luiz dos. O que é Cultura. São Paulo: Brasiliense, 1991. * Tiago de Oliveira Lacerda é Bacharel em Comunicação Social pela Universidade Estadual da Paraíba.

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