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FACULDADES INTEGRADAS DO BRASIL - UNIBRASIL
GUILHERME DE PAULA PIRES
A EDIÇÃO COMO ESTILO: INVESTIGAÇÃO DA ROTINA PRODUT IVA
DA SEÇÃO ESQUINA DA REVISTA PIAUÍ
CURITIBA
2012
FACULDADES INTEGRADAS DO BRASIL - UNIBRASIL
GUILHERME DE PAULA PIRES
A EDIÇÃO COMO ESTILO: INVESTIGAÇÃO DA ROTINA PRODUT IVA
DA SEÇÃO ESQUINA DA REVISTA PIAUÍ
Trabalho de Conclusão apresentado à Banca Examinadora do Curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo das Faculdades Integradas do Brasil.
Professora Orientadora: Maura Oliveira
Martins.
CURITIBA
2012
3
“Quem sabe de tudo não fale,
quem não sabe nada se cale
se for preciso eu repito
porque hoje eu vou fazer,
ao meu jeito eu vou fazer,
“um samba sobre o infinito”
Paulinho da Viola
(Para ver as meninas)
4
RESUMO
A presente monografia visa discutir o processo de produção das notícias da
seção esquina. Para tanto, a pesquisa se deteve em três frentes: valores-
notícias subdivido em valores-notícias de seleção e construção; investigação
da rotina produtiva da seção por meio da metodologia etnográfica; e por fim, a
pesquisa discute o processo de edição das reportagens e como se dá o
relacionamento repórter/editor da seção esquina.
Palavras-chave: esquina, valores-notícias, rotina produtiva, edição.
5
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 8
2. REVISTA PIAUÍ: PRETO NO BRANCO 10
2.1 E como se conta? O new journalism na esquina 13
2.2 Discurso jornalístico. Nada mais que a verdade 15
2.3 O narrador jornalista 16
2.4 O gênero reportagem 18
2.4.1 Reportagem na seção esquina 20
2.5 O humor na esquina 21
3. ESTRATÉGIAS DE EDIÇÃO 23
3.1 Canalha ou herói? A relação entre jornalistas e editores 25
3.2 A edição na seção esquina 28
4. VALORES-NOTÍCIAS NA ESQUINA 30
4.1 Valores-notícias de seleção na esquina 33
4.2 Valores-notícias de construção na esquina 36
5. A ROTINA PRODUTIVA NO JORNALISMO 41
5.1 Etnografia para entender a rotina produtiva na seção esquina 43
6. A REDAÇÃO: PIAUÍ, UMA REVISTA DA RUA 45
6.1 O difícil caminho até a publicação 51
6.2 Um canteiro de obras: não sobra pedra sobre pedra 55
7. CONCLUSÃO 63
REFERÊNCIAS 65
ANEXOS 68
Anexo 01 - Capa da revista piauí 69
Anexo 02 – piauí vem aí 70
Anexo 03 – Texto de apresentação da revista piauí 71
6
Texto de apresentação da Revista Piauí - 1ª edição Outubro-2006 71
Anexo 04 – Revista destinada aos anunciantes. Quem lê piauí 72
Anexo 05. Revista destinada aos anunciantes. Seção Esquina 73
Anexo 06. Revista destinada aos anunciantes. Apresentação 74
Anexo 07. Cartão de visitas do repórter e editor Bernardo Esteves 75
Anexo 08. O que é uma esquina? 76
Anexo 09. Email, colaboradora, Vanessa Bárbara 77
Anexo 10. Email, colaboradora, Vanessa Bárbara 78
Anexo 11. Email, colaboradora, Vanessa Bárbara 79
Anexo 12. Email, colaborador, Rafael Urban 80
Anexo 13. Email, repórter e editor da esquina, Bernardo Esteves 81
Anexo 14. Email, repórter e editor da esquina, Bernardo Esteves 82
Anexo 15. Roteiro de perguntas aos jornalistas de piauí. Carol Pires 83
Anexo 16. Roteiro de perguntas aos colaboradores de piauí. Raquel Freire Zangrandi 88
Anexo 17. Roteiro de perguntas aos colaboradores de piauí. Bruno Cirillo 91
Anexo 18. Roteiro de perguntas aos colaboradores de piauí. Felipe Marra 94
Anexo 19. Roteiro de perguntas aos colaboradores de piauí. Tomás Chiaverini 96
Anexo 20. Roteiro de perguntas aos colaboradores de piauí. Vanessa Barbara 98
Anexo 21. Roteiro de perguntas aos editores de piauí. 100
7
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 – Valores-notícia de seleção na seção esquina 36
Figura 02 – Locais que se passaram as reportagens 36
Figura 03 - Valores-notícia de construção na seção esquina 40
Figura 04 – Cena produtiva: Sala dos jornalistas 46
Figura 05 – Cena produtiva: Sala da secretária de redação e da diretora de arte 47
Figura 06 – Cena produtiva: Sala dos editores 48
Figura 07 – Sala de reunião 48
Figura 08 – Cozinha da revista 49
Figura 09 – Cena produtiva: Redação da revista 50
Figura 10 – Diagrama de circulação das esquina dentro da redação 54
8
1. INTRODUÇÃO
Esta monografia procura investigar de que forma se dá a produção da
notícia na seção esquina, identificar quais são seus valores-notícias, e tem o
propósito de iniciar uma discussão a cerca do processo de edição que as
reportagens dos jornalistas são submetidas na edição a fim de ficarem com o
padrão desejado pelo periódico.
Antes, porém, a pesquisa se deteve em estreitar a discussão a cerca da
revista piauí, e da seção esquina, quando, no capítulo dois, mostramos
semelhanças na narrativa e no discurso da revista piauí, há outras
antecessoras suas.
No capítulo três, a pesquisa trata sobre a relação entre jornalistas e
editores e suas estratégias na tentativa de obterem um produto final.
No capítulo quatro dessa pesquisa, estão presentes os resultados dos
valores-notícias da seção esquina no período de seis meses, de janeiro a julho
de 2011, totalizando assim 42 textos analisados, sete por edição, e
categorizados segundo os valores-notícias de construção, que para Wolf
(1985), agem como uma linha guia para a construção da matéria. E os valores-
notícias de seleção, ainda para Wolf (id), serve como bussola ao jornalista na
hora de escolher que o assunto retratado por ele é mais importante em
detrimento ao outro.
Nessa fase da pesquisa, a monografia optou por se basear em Nelson
Traquina, por ser contemporâneo de Wolf, e deixar bem claro, quais são seus
valores-notícias de construção e de seleção. Essa divisão se mostrou
importante durante o trabalho, uma vez que a peculiaridade da seção em
mostrar o pitoresco, e o possivelmente banal, mostra que o jornalista tem que
voltar os seus olhos a esse tipo de situação para ter a sua matéria publicada na
seção (valor-notícia de seleção).
Por outro lado, a distinção do valor-notícia de construção se mostrou
importante pela forte edição que os textos dos jornalistas são submetidos a fim
de ficarem com o formato exigido pelo periódico.
Como principal objetivo desta monografia, que discorre a partir do
capítulo cinco, a pesquisa ainda se deteve em investigar a rotina produtiva da
9
seção esquina, na tentativa de entender o processo de produção da notícia,
uma vez que a seção trabalha em conjunto com jornalistas da revista, e
colaboradores de fora.
Para isso, a pesquisa se deteve, em demonstrar a possibilidade do uso
da metodologia de pesquisa etnográfica, (Geertz apud Benetti e Lago, 2008)
cuja característica tem como a observação participante, entrevistas em
profundidade e análise documental como foco principal de análise, nos
objetivos propostos pela monografia.
Como pode ser visto ao longo do capítulo seis, para se adequar a
metodologia de pesquisa etnográfica, foi agendada uma visita a revista piauí
com o objetivo de observar o funcionamento da produção de notícia da seção
esquina. Na mesma data foram feitas entrevistas com Bernardo Esteves,
repórter e atual editor da seção esquina, e Roberto Kaz, repórter da revista
semanal de O Globo, e antigo editor da seção.
Também foram enviados questionários por email com perguntas aos
jornalistas e colaboradores do periódico, a fim de entender o processo de
produção e edição das suas reportagens.
Ainda no capítulo seis, a pesquisa demonstra através de ilustrações, a
rotina produtiva da seção e o caminho que as esquina são submetidas até a
publicação final.
Já na última etapa da pesquisa, no capítulo sete, a monografia traz
exemplos de reportagens de jornalistas antes de serem editadas, e depois, já
publicadas com as alterações propostas pelo editor, e traz pontos na tentativa
de contribuir para o debate sobre a relação jornalista/editor.
O desmembramento da pesquisa em três frentes (valor-notícia; rotina
produtiva; processo de edição) se mostrou importante, uma vez que foi
observado que em qualquer etapa desse processo (inicial; intermediário; final),
as reportagens da esquina podem ser excluídas da publicação.
Em todo o caminho traçado, a presente pesquisa tem o objetivo de, a
partir do entendimento das rotinas produtivas da seção, levantar a discussão a
cerca dos possíveis benefícios ou malefícios do processo de edição que as
reportagens da esquina são submetidas.
10
2. REVISTA PIAUÍ1: PRETO NO BRANCO
Anunciada em agosto de 2006 na Festa Literária de Paraty (Flip), pelo
fundador e documentarista, João Moreira Salles, e Luís Schwarz, editor da
Companhia das Letras, a revista piauí chegou às bancas dois meses depois,
em outubro de 2006, com o propósito de ser uma revista que devolvesse aos
leitores o prazer da leitura. De periodicidade mensal, piauí é uma revista que
abriga poesias, quadrinhos, ficção, crítica, ensaio, mas, sobretudo é um
periódico de reportagem. “Ela buscará os temas atuais, embora não tenha
pressa em chegar primeiro às últimas notícias” 2. Além de jornalistas, é
possível encontrar textos assinados por artistas, escritores, desenhistas,
ensaístas e críticos.
Editada pela editora Alvinegra, piauí é impressa em papel pólen bold 90
gramas nas capas, e pólen soft 70 gramas no miolo, pela Companhia Suzano
Papel e Celulose, criada especialmente para a revista. Com um tamanho
peculiar, em formato de tabloide, 27x35 cm, piauí foi criada “para quem gosta
de histórias com começo meio e fim” 3. Na própria capa, na qual não há fotos,
só ilustrações, que “nem sempre (ou quase nunca) têm relação com as
matérias que estão lá dentro” 4, ou pelas manchetes5, já é possível notar um
dos aspectos mais marcantes da revista. O uso do humor: “A revista não será
sisuda nem chata. Sisudez não é sinônimo de seriedade. Uma coisa não tem
nada a ver com a outra. piauí terá humor, graça” 6.
Outra característica do periódico é que na piauí, “jornalistas e escritores
têm o tempo necessário para investigar e escrever, livres das urgências do
jornalismo diário” 7. Ou seja, a revista oferece a oportunidade para os
jornalistas descobrirem histórias novas, ou ângulos novos sobre assuntos já
1 Para o nome da seção e o da revista serão usados as grafias esquina e piauí, seguindo a opção da publicação de escrevê-los em letras minúsculas. 2 piauí vem aí. Ver anexo 02. 3 Texto de apresentação da revista piauí – 1ª edição, outubro de 2006. Ver anexo 03 4 Revista destinada aos anunciantes. 5 Exclusivo, nenhuma manchete sobre a morte de Michael Jackson. (piauí, edição 34, 2011) 6 Texto de apresentação da revista piauí – 1ª edição, outubro de 2006. Ver anexo 03 7 (id)
11
abordados anteriormente pela mídia, mostrando que “não terá pressa em
chegar primeiro às últimas notícias” 8.
Nesse aspecto, piauí lembra duas revistas anteriores a ela: a revista
Senhor, que circulou de 1959 a 1964, e conquistou um espaço de vanguarda
nas publicações culturais do país. E a revista Realidade, produzida por dez
anos e tornou-se observadora participante de uma época de transgressão de
valores culturais nacionais, que teve a perspicácia de entender o momento no
qual o Brasil vivia (Lima, 2004).
As duas revistas, assim como a piauí, contavam com nomes importantes
do jornalismo e da literatura. Senhor abrigava nas suas redações nomes como:
Clarice Lispector, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Nelson Rodrigues, Glauber
Rocha, Zuenir Ventura, Ferreira Gullar, Paulo Francis, Jaguar, Ivan Lessa,
entre outros.
Por outro lado, assinavam as reportagens da revista Realidade,
escritores como José Marão, José Hamilton Ribeiro, Nilson Monteiro, entre
outros.
Outra revista que carrega traços semelhantes a da piauí é a The New
Yorker. O periódico americano começou a circular em 1925 e tem como foco
principal a cultura norte americana. Assim como piauí e Senhor, suas capas
quase nunca contêm fotos. Ela também usa o mesmo recurso gráfico que
Senhor usava e que piauí resgata no jornalismo brasileiro: desenhos ou
ilustrações que dizem pouco sobre o conteúdo da revista.
Rigorosa quanto à apuração e a edição no que diz respeito ao jornalismo
político, a revista The New Yorker também abre espaço para comentário,
ensaio, crítica, ficção, humor, cartuns e poesia. Todos os elementos que
podem ser encontrados na revista piauí.
Apesar de alegarem não ter feito uma pesquisa de mercado antes do
lançamento da revista, em outubro de 2006, para saber qual era o público
preferencial do periódico9, podemos encontrar na revista destinada aos
anunciantes, o que para piauí, é o seu leitor10:
8 (id) 9 Narração e jornalismo. O narrador na “esquina de piauí”. Jaqueline Crestani. 10 Quem lê piauí. Ver anexo 04.
12
universitários – se o universitário pertence à elite do público jovem, o estudante que lê piauí está no topo dessa elite; formadores de opinião – quem define o que estará sendo pensado – e feito – no Brasil daqui um ano está lendo piauí hoje; imprensa – a liberdade editorial, a profundidade de apuração e o tempo para escrever fizeram da leitura da revista um hábito de grande parte da imprensa brasileira; elite brasileira – são pessoas que se interessam por artes, literatura, música, comportamento, arquitetura, e tantos outros assuntos que piauí cobre de maneira particular. Brasília – piauí já entrou na rotina das pessoas que definem a agenda política no país. mercado financeiro – perfis e grandes reportagens sobre o mercado financeiro fazem da revista leitura obrigatória para esse segmento. meio cultural – pela intenção de sempre revelar histórias que ainda não foram contadas, piauí repercute como nenhuma outra publicação no meio artístico.
piauí tem tiragem mensal. Informações contidas na edição 72, de 2012,
mostra que a tiragem da revista é de 54.000 exemplares. Não possui uma
política editorial definida, haja vista que apenas três seções são encontradas
desde o primeiro exemplar da revista: chegada, que “é a abertura da piauí. São
reportagens que ocupam apenas uma página, sobre um acontecimento que
esteja estreando no mês em curso” 11; despedida, “que em oposição à seção
chegada, fecha cada edição da revista com um assunto que se encerrou no
mês anterior” 12; e esquina, objeto de pesquisa dessa monografia, abordado de
forma mais aprofundada no decorrer do trabalho.
Além de abrigarem grandes escritores e jornalistas dentro da redação,
outra característica que aproxima essas publicações é a forma como eram, no
caso de Realidade e Senhor, e como são construídos, piauí e The New Yorker,
os textos jornalísticos. O uso de técnicas da literatura “na captação, redação e
edição dos textos sobre a vida real que pressupõe um mergulho intenso do
narrador no ambiente sobre o qual escreve” (Lima, 2003).
Mesmo que não reconhecido pelo publisher da revista piauí13, fica claro
nas reportagens ali publicadas, que a forma é tão importante quanto o
conteúdo, como afirma Salles:
11 Chegada. Revista destinada aos anunciantes. 12 Despedida. Revista destinada aos anunciantes. 13 Em entrevista ao programa sempre um papo. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=P8V5QnHAlmo&feature=gv
13
Acertamos quando alguém começa a ler uma reportagem sobre um assunto que não lhe diz respeito e sobre o qual nunca pensou e chega ao final pelo simples prazer da leitura. Por essa razão o processo de edição é tão intenso. O conteúdo interessa, claro, mas a estrutura e a prosa também. Não é apenas o que se conta, mas como se conta14.
Portanto, ao expressar a sua apreciação pelo texto bem escrito, Salles
deixa claro que assim como o que acontece na revista norte americana The
New York Times, e aconteceu com as suas antecessoras, Realidade e Senhor,
o modo de contar uma narrativa interessa tanto quanto o fato em si.
2.1 E como se conta? O new journalism na esquina
Outro movimento estilístico que pode ser observado na revista piauí é o
new journalism. Para Lima (2004), o new journalism pensa na forma, na
qualidade literária do texto, sem deixar o conteúdo, um dos preceitos do
jornalismo tradicional. Marcelo Bulhões (2007), ao falar do new journalism, diz
que essa nova tendência em fazer jornalismo, aproximou mais os dois gêneros:
romance e jornalismo passaram a estreitar as relações influenciando tanto um
quanto o outro.
Segundo Wolfe (2005), há pelo menos quatro recursos principais que
podem ser identificados nas obras dos novos jornalistas.
O primeiro recurso citado por Wolfe é a “a construção cena a cena”.
Nela, o autor fugiria do simples relato histórico, e com uma sequência de
cenas, descrita com o maior número possível de detalhes, o jornalista traz o
leitor para próximo do acontecimento.
O segundo aspecto diz respeito ao uso de diálogos. No jornalismo
tradicional o uso dos diálogos é também chamado de fontes. Muitas vezes
servem apenas para a confirmação de algo que o jornalista quer falar, mas não
poderia. No new journalism, o uso de diálogos é usado para criar ambientes,
gerar tensão, e são usadas de forma diluída por toda a narrativa.
14 Narração e jornalismo. O narrador na “esquina de piauí”. Jaqueline Crestani.
14
Os escritores de revista, assim como os primeiros romancistas, aprenderam por tentativa e erro algo que desde então tem sido demonstrado em estudos acadêmicos: especificamente, que o dialogo realista envolve o leitor mais completamente que qualquer outro recurso. Ele também estabelece e define o personagem mais depressa e com mais eficiência do que qualquer outro recurso. (Wolfe, 2005, p. 54).
A terceira característica citada por Wolfe (Id) é o “ponto de vista da
terceira pessoa”. Quando o jornalista usa desse recurso, está querendo levar o
leitor para mais perto do personagem retratado, de modo a compartilhar do
sentimento que a cena retrata. Novos jornalistas faziam isso para fugir do tom
autobiográfico dos textos do jornalismo daquela época.
E por último, o quarto recurso, segundo o autor foi o menos assimilado.
Trata-se da estratégia do registro do status da vida do personagem. Observar
qualquer maneirismo do personagem pode ser essencial para entendê-lo.
Antes de invocar o personagem de forma precipitada ao leitor, ele procura
descrevê-lo em detalhes, inclusive os fatos que o cercam para que o leitor se
habitue do personagem em sua plenitude.
Ao longo de toda a revista piauí, podemos notar a apropriação das
técnicas do jornalismo literário e do new journalism, como por exemplo na
reportagem, O doce mais doce que o doce, da seção esquina de outubro de
2011:
Apertado em carteiras de fórmica bege, os 38 aspirantes a detetive particular silenciaram assim que Zé do Caixão adentrou a sala de aula. Passava um pouco das 10 horas de sábado. O sol entrava pelos janelões e diminuía a aura macabra do cineasta, levemente encurvado aos 75 anos. As unhas longuíssimas, encardidas e retorcidas- seu traço distintivo mais marcante - haviam sido cortadas duas semanas antes. Ele também pouco trajava a característica capa preta sobre a camisa. Mas isso não impediu que, ao lado do quadro negro, José Mojica Marins atraísse total atenção dos alunos do Instituto Universal dos Detetives Particulares, no Centro de São Paulo (Piauí, 61, 2011).
Portanto, apesar das negativas do publisher, é possível observar que o
estilo que tem uma maior expressão na revista é a do jornalismo literário.
15
2.2 Discurso jornalístico. Nada mais que a verdade
Mesmo quando o texto escrito pelo repórter têm as características do
jornalismo literário, o que como vimos, possibilita uma maior abertura durante a
narrativa, o jornalista tem o compromisso com a realidade. Portanto, o
jornalismo é visto como um coparticipante da realidade no sentido de
representar o real, pois o jornalista necessita de acontecimentos externos para
produzir um conhecimento particular sobre os fatos que presenciou.
O objetivo do jornalista é “fazer com que os leitores/ouvintes interpretem
os fatos narrados como verdades, como se os fatos estivessem falando por si
mesmos” (Motta, 2012, p. 16). O discurso jornalístico cria pequenas narrativas
de acontecimentos individuais dentro de uma sociedade e o transforma em
episódios ou acontecimentos. “O jornalismo trabalha com a redução de
complexidades produzidas por outros sistemas, dando forma e produzindo
inteligibilidades naquilo que parece sem nexo” (Fausto Neto, 2006, p. 47).
Como uma busca de comprovar veracidade aos seus textos, Motta
(2012) diz que o jornalista busca referenciais geográficos, lugares para situar o
leitor onde aquilo aconteceu; citações de autoridades para passar a impressão
de que são pessoas reais que falam e não o jornalista; datação de
acontecimentos para situar o leitor espaço temporalmente sobre o acontecido e
o uso de números e estatísticas para conferir precisão aos relatos.
Segundo Klondy (2012), “o autor de textos jornalísticos tem a
responsabilidade de transferir ideias, fatos e pontos de vista a leitores com um
construto cultural muito diversificado” (p. 2).
De importância vital para o jornalismo, a sociedade precisa acreditar na
veracidade do discurso jornalístico. “É por meio do jornalismo que o leitor
espera ler o mundo” (Benetti e Jacks, 2012, p. 6). Como lembra Nelson
Traquina,
Lemos as notícias acreditando que elas são um índice do real; lemos as notícias acreditando que os profissionais do campo jornalístico não irão transgredir a fronteira que separa o real da ficção. E é a existência de um ‘acordo de cavalheiros’ entre jornalistas e leitores pelo respeito dessa fronteira que torna possível a leitura das notícias enquanto índice do real e, igualmente, condena qualquer
16
transgressão como ‘crime’(Traquina apud Benetti e Jacks, 1993, p. 168).
Sendo assim, quando Traquina diz que “lemos as notícias acreditando
que elas são um índice do real”, isso nos leva a crer que o discurso jornalístico
só se dá na sua plenitude quando o sujeito que lê se sensibiliza com o discurso
do jornalista, formando assim um “contrato de leitura” entre jornalista e leitor.
Quando lemos a reportagem da esquina, “Sambódromo no punjab. Jai
Hindustan! Pakistan Zindabad”, que retrata um evento nas fronteiras entre
Paquistão e Índia (piauí, 55, 2011), só acreditamos na veracidade da
reportagem, tendo em vista que o periódico é brasileiro, porque assinamos um
contrato de leitura na qual o discurso jornalístico não se permite mentir.
Nesse contexto, o leitor dá credibilidade ao jornal de sua preferência
para que ele tenha a permissão de opinar, mesmo que ele não concorde com
as opiniões ali presentes, ou fale de fatos que ele não conhece, porque ambos
assinam esse contrato instaurando assim uma relação de cumplicidade.
2.3 O narrador jornalista
Traduzindo conhecimento em relato, a narrativa nos coloca em
perspectiva de um determinado acontecimento em seu desenrolar lógico e
cronologicamente. “Isto é, a qualidade de descrever algo enunciando uma
sucessão de estados de transformação” (Motta, 2009, p. 2).
Segundo Motta (2009), as narrativas podem ser factuais, como o
jornalismo e a história, que buscam estabelecer relações lógicas e cronológicas
das coisas físicas15. Ou narrativas imaginárias, essas sem compromisso com o
real, com sua lógica interna. Os campos de narração imaginária, como o
cinema, a literatura e as telenovelas, não procuram ser fiéis à realidade. Suas
narrativas estão impregnadas de valores éticos, morais e estéticos.
Indiferente se ela é narrativa imaginária ou factual, para Fernando
Resende16:
15 Por exemplo, jornalistas e historiadores procuram preservar a objetividade do relato. 16 O jornalismo e a enunciação: Perspectivas para um narrador-jornalista.
17
Vemos a narrativa como uma forma de representação coletiva, como um elemento que cria e recria sociabilidades, como práticas comunicativas sociais que definitivamente contribuem na sociedade mediatizada para o alargamento dos horizontes de experiência. (Resende, 2012, pg. 3).
Rocha (2007) marca o aparecimento da figura do narrador quando a
tradição dos discursos era a expressão oral. Segundo a autora, na épica, o
narrador se colocava em um nível superior, como representante da voz de
outro ser. Já na modernidade, com o advento do romance, e a difusão da
informação, aquele narrador que “traz o saber que vem de longe” (Benjamin
apud Cavalcanti, 2006) já não existe mais, como explica Benjamin (apud
Resende, 2012).
Perde sua vitalidade – narrador - no momento de exacerbação de uma prática cotidiana, burocratizante e limitadora (...), sendo assim, o ato de narrar, quando burocratizado pelas fundamentações epistemológicas do discurso jornalístico, torna-se limitado e limitador (Resende, 2012, pg. 3).
Ainda segundo Benjamin (apud Cavalcanti, 2006), a dimensão utilitária
do narrador pode aparecer em um ensinamento moral ou uma sugestão
prática. Portanto, o narrador é uma pessoa que se posiciona e por
consequência sabe dar conselhos.
Esse tipo de narrador é decretado como morto por Benjamin, pois para o
pensador alemão, o ser humano perdeu a capacidade de partilhar
experiências, de contar e ouvir, porque esse tipo de argumentação possibilita o
leitor a “interpretar a história como quiser” (Cavalcanti apud Benjamin, 2006, p.
181). Para Cavalcanti (Id), o narrador típico de Benjamin foi substituído pelo
lead17. Marcado pela ausência do narrador, as matérias do hardnews estão
mais preocupadas em dar explicações, “narrar-se sozinhas”, como diz
Cavalcanti (2006, p. 81). Para Lima (2004), a única saída para um resgate do
narrador no campo jornalístico é o gênero reportagem.
17 Expressão inglesa que significa guia. Fornece a informação básica sobre o tema na qual devem ser respondidas seis perguntas: O que? Quem? Quando? Onde? Por quê? Como?
18
2.4 O gênero reportagem
Pode-se entender reportagem como ampliação da notícia. Na
reportagem, o jornalista tem a oportunidade de ir além das respostas do lead.
Ele busca ampliar o espaço característico da notícia: o agora, o já. A
reportagem trabalha com o antes do agora, ou seja, o passado. Ela amplia “os
limites do acontecer, para um estar acontecendo” (Medina e Leandro apud
Lima, 2004, p.20).
Para Lage (2001), a notícia é inédita, atual e mais breve. Já a
reportagem, tem um estilo menos rígido em relação ao tempo e espaço, onde o
levantamento de dados e a interpretação são fundamentais para contextualizar
a reportagem.
Segundo Lima (2004), a reportagem situa-se em um subgênero, o
jornalismo interpretativo que, “busca não deixar a audiência desprovida de
meios para compreender o seu tempo, as causas e origens dos fenômenos que
presencia suas consequências no futuro” (p. 20).
Resultado de uma evolução iniciada nos anos de 1910, na revista norte-
americana Time, que buscava uma conexão entre os acontecimentos, de modo
a oferecer uma compreensão aprofundada da realidade (Lima, 2004), a
reportagem, segundo o autor se distingue em três modelos:
a) a reportagem dos fatos, onde os acontecimentos obedecem a uma
ordem cronológica de importância;
b) a reportagem de ação, que tenta envolver o leitor com a visualização
das cenas que o jornalista viu durante a coleta do material, assim como num
filme;
c) e a reportagem documental, cujo relato é acompanhado de citações
com o objetivo de esclarecer o assunto tratado.
Segundo Sodré e Ferrari (apud Lima, 2004), as características
apresentadas pela reportagem são a predominância da forma narrativa,
humanização dos fatos, texto de natureza impressionista e a objetividade dos
fatos narrados.
Diferentes autores classificam as reportagens, como já vimos. Enquanto
para Lima (2004), ela é dividida em reportagem dos fatos, reportagem de ação
19
e reportagem documental, para Coimbra (1993), o gênero da reportagem está
subdividida em:
a) reportagem dissertativa , quando a dissertação é a estrutura
predominante. É percebida pelo uso corriqueiro de aspas dos entrevistados
comentando aqueles fatos afirmados anteriormente pelo repórter;
b) reportagem narrativa, cuja sua principal característica é de contar
os fatos dentro de uma relação espaço tempo diferentes do que na reportagem
dissertativa. Enquanto a anterior contém um ângulo fixo em relação às
mudanças das pessoas, na reportagem narrativa as mudanças estão
ocorrendo;
c) reportagem dissertativo-narrativa e narrativo-disse rtativa é
evidenciada quando há os dois tipos de texto na mesma reportagem, mas um
ou outro é predominante. Enquanto que no primeiro ocorre o pronunciamento
do autor, em parte explicita e implícita, no segundo tipo de reportagem, os fatos
parecem estar ocorrendo aos olhos do leitor;
d) reportagem descritiva, bloco e fragmento, quando a reportagem
se fixa em único espaço de tempo, sem as mudanças temporais características
da reportagem narrativa. Esse tipo de reportagem simplesmente descreve um
fato sem contextualiza-lo.
Para Lima (2004), a reportagem eleva o jornalista e o leitor a um
“patamar superior” de compreensão da contemporaneidade. “É uma tentativa
de fazer emergir no discurso jornalístico a figura do narrador” (Cavalcanti,
2006). Na reportagem, Lima (2004) defende que a pauta deve ser defendida a
partir da noção da contemporaneidade. Que o jornalista precisa (re) aprender a
ouvir, dar voz ao entrevistado e superar “o anacronismo de sua linguagem
verbal” (Lima, 2004, p. 104). Para ele, a narrativa jornalística deve se aproximar
da literária.
Apesar de possibilitar uma maior liberdade ao jornalista, quando esse,
absorve essas características, Lima (2004) reitera que o jornalista tem a
responsabilidade de traduzir o real. Portanto, a reportagem deve se aproximar
da forma literária, empregar seus recursos, mas não ficcionalizar um relato,
inventar temas ou personagens.
20
2.4.1 Reportagem na seção esquina
Publicada desde o lançamento da revista em outubro de 2006 no mesmo
espaço, logo após a seção chegada, os textos da esquina variam de cinco a
sete mil caracteres. Na esquina, encontramos relatos sobre festas, palestras,
eventos inusitados, políticos, atividades profissionais extravagantes e outros
temas variados. Mas, sobretudo, o foco principal da esquina está nos
personagens, principalmente em pessoas anônimas, desconhecidas e sem
fama. “Nunca temas gerais - a educação no Brasil, a crise da odontologia
nacional, etc. Sempre histórias singulares, com sujeito claro” 18.
As reportagens da seção esquina quase sempre se passam no ambiente
urbano, da grande metrópole, onde uma pluralidade de histórias passa
despercebida do cotidiano dos passantes, e até mesmo de outros repórteres.
Na esquina, os assuntos considerados menos importante pelos grandes
veículos, inclusive a própria revista, ganham visibilidade, como a dificuldade
encontrada pelo sargento de conseguir achar um instrumentista de fole em
Brasília (O novo tom do planalto. Em Brasília escocês não é só uísque. In piauí,
53, 2011); o senhor que montou um tanque de guerra no quintal de casa (O
Bricoleur de parada de Lucas. Um ferro velho para chamar de quartel general.
In piauí, 56, 2011), ou, ainda, o pesquisador que luta para demonstrar a
importância dos gambás (Incompreendido e injustiçado. As pesquisas de
Jared, o caçador, para provar que os gambás são legais. In piauí, 56, 2011).
Podem-se observar, também, em menor ocorrência, reportagens que
tratam de pessoas mais conhecidas, sobretudo políticos, como nesse exemplo
em que o repórter retrata os futuros herdeiros dos numerosos livros de Delfim
Neto (Para a alma Mater. Até a poltrona de Delfim fica com a USP. In piauí, 55,
2011). Há também espaço para reportagens cujo acontecimento se deu pouco
tempo anterior à edição ser publicada. É o caso da reportagem na qual nos é
mostrado como se deu a fuga dos traficantes através dos tubos de esgoto da
favela (E por falar em aceleração. Fuga de traficantes inaugura galerias de
águas pluviais no Complexo do Alemão. In piauí, 52, 2011).
18 O que é uma esquina. Ver anexo 08.
21
Por muito tempo a esquina não foi assinada19. Essa informação só era
encontrada no site da revista. Segundo João Moreira Salles, “a seção não é
assinada para que eu possa tentar dar a todos os textos uma espécie de
espírito comum” 20.
Reunidos, todos os sete textos de cada edição ganham um conjunto de
uniformidade. Tanto na narrativa, pois em todos os textos pode se perceber a
presença do narrador em terceira pessoa, comentando sobre o assunto,
fazendo assim um resgate do narrador de Benjamin, quanto na disposição da
seção nas páginas. Os relatos, dispostos em quatro colunas, aparecem
seguidamente. Além dos títulos, em negrito, e das ilustrações de Andrés
Sandoval, tudo que o leitor vê nas páginas da revista são letras, o que confirma
o discurso de apresentação da revista: “piauí será uma revista para quem gosta
de ler” 21.
Também é possível observar que o humor é o traço mais marcante da
seção esquina, embora exista, em algumas reportagens, principalmente fora da
seção, reportagens mais sisudas. “O jornalismo publicado na seção esquina dá
mostras de um narrador que ironiza o enunciado sério, tomando liberdades
com ele e com os homens que o proferem” (Magela, 2011, p. 36).
Na revista destinada aos anunciantes, piauí é apresentada como “uma
revista mensal de jornalismo, ideias e humor” 22. Portanto, a revista, e por
consequência a seção, dá mostras do seu funcionamento no sentido de querer
informar, fazer pensar e rir.
2.5 O humor na esquina
Não negada à existência de um discurso jornalístico dos moldes que já
definimos anteriormente, a busca pelo humor na seção esquina proporciona
uma maior abertura para assuntos diversos que não aqueles
epistemologicamente conhecidos do jornalismo. Na carta “o que é uma
19 As reportagens começaram a ser assinadas a partir da edição 66. 20 O que é uma esquina. Ver anexo 08 21 Texto de apresentação da revista piauí. Ver anexo 03. 22 Revista destinada aos anunciantes, grifo deles.
22
esquina” (anexa neste trabalho)23, João Moreira Salles evidencia qual será o
tom da seção. “Quando possível, quero humor, mas humor quieto, aquele que
corre por baixo do texto, meio disfarçado. Humor de inglês - quanto mais
ridículo o assunto, mais sério o tratamento” 24.
Segundo Escarpit (apud Magela, 2011), o humor inglês, também
conhecido pela expressão wit, é um gracejo a partir de uma situação ou
pessoa.
O sinônimo wit se desinteressa da palavra, mas se refere à coisa, ao fenômeno e ele encontra uma relação lógica com um fenômeno semelhante, o wit que nós traduzimos aproximadamente por “espírito”. (Escarpit apud Magela, 2011, 38).
Para Magela, o wit tem várias significações: Juízo, capacidade, aptidão,
sabedoria, agilidade intelectual, frieza e o distanciamento. Quando os
narradores da piauí comentam sobre determinado assunto parecendo estar
acima do acontecido, eles estão exercendo o humor inglês, o wit, algo
solicitado desde a carta “o que é uma esquina” e aparentemente assimilado
pelos jornalistas e colaboradores da revista. “Tem esse esqueminha de
terminar com um fator surpreendente ou declaração engraçada, e ter uma
pessoa irônica olhando por cima de tudo”25.
Veja (apud Magela, 2011) afirma que o humor é uma luta para não
chegar aos seus dois limites: tragédia e comicidade. Na tragédia, segundo
Magela, “o ser humano é vítima de uma situação superior às suas forças. Há
uma necessidade maior, algo que deve se cumprir e que o herói trágico e
demais envolvidos desconhecem” (2011, p. 45).
Já na comicidade todos conhecem a necessidade de fazer o correto,
menos o personagem cômico. “Alguém, por exemplo, que não consegue se
vestir de maneira a ser aceito pelos seus contemporâneos ou que repete um
movimento esquisito involuntariamente vai parecer ridículo” (id).
Para Freud, no ensaio O humor (1973), há duas maneiras pelas quais o
processo humorístico pode se realizar. Em relação a uma pessoa isolada,
23 O que é uma esquina. Ver anexo 08 24 (Id). 25
Em conversa com o pesquisador por email em 18/09/2012. Ver anexo 09.
23
quando ela própria adota a atitude humorística, e num segundo passo quando
o espectador é convidado a participar do processo humorístico como objeto de
contemplação. “O humor não é resignado, mas rebelde. Significa não apenas
o triunfo do ego, mas também o do princípio do prazer, que pode aqui afirmar-
se contra a crueldade das circunstâncias reais” (Freud, 1973, p. 191). Sendo
assim, a seção esquina busca o humor para falar de assuntos sérios, ou não,
na tentativa de tornar seus textos mais agradáveis de serem lidos aproximando
assim o seu leitor do assunto retratado.
3. ESTRATÉGIAS DE EDIÇÃO
O processo de definição do que é notícia, ou o que é mais importante
dentre os acontecimentos do dia, e, por consequência, merece ser destaque
nas páginas do dia seguinte nos jornais, rádios ou TVs, é possivelmente uma
das mais complexas atividades da produção jornalística. O manual de redação
do jornal Folha de São Paulo, define a edição como um processo formado pela
“exposição hierárquica e contextualizada das notícias e distribuição espacial
correta e interessante de reportagens, análise, artigos, críticas, fotos, desenhos
e infográficos”. (MFSP, 2002, p. 33). Dessa maneira, entende-se por edição
tanto o trabalho de seleção do que é notícia, tanto o exercício de adequação do
texto as normas pré-estabelecidas pela linha editorial.
Dessa forma, para Marocco e Berger (2006), o trabalho de editor é uma
tarefa complexa “que conjuga o gesto individual, as estratégias empresariais e
as práticas jornalísticas a condições históricas de possibilidades” (p. 17).
Segundo Clóvis Rossi (1980), a tarefa da edição está associada a cinco
filtros: a angulação, que segundo Cremilda Medina (1988), é a primeira força
do processo jornalístico. Divididos em grupal, quando o grupo econômico e
político da empresa influenciam diretamente na produção de um texto.
E a angulação pessoal. Essa quando o jornalista consegue se
estabelecer frente aos aspectos de angulação grupal e de massa o seu estilo
no texto.
24
Outros filtros, segundo Rossi (1980), são: a extensão da matéria,
incluindo aí o número de linhas e caracteres, o sentido do texto e a sua
importância na página.
O editor, segundo essas visões, é compreendido como um sujeito bem
informado, que distribui pautas, definindo assim os assuntos a serem cobertos.
Para Cremilda Medina (1988), o editor precisa ser:
Sensível à demanda, que antevê a oportunidade de determinadas coberturas, que sabe selecionar as informações ‘essenciais’ que o repórter traz, e que sugere perguntas e, acima de tudo, que angula a matéria. Neste momento, editoria e angulação mantêm uma relação estrutural indiscutível. O editor está em perfeita sintonia com a angulação da empresa, com a angulação - massa - ou seja, age como elemento regulador da oferta e da demanda (p. 79).
Com todas as características acima citadas pela autora, pode-se inferir
que nem todos os jornalistas estão adequados para ser um editor. Pensando
nisso, Cláudio Abramo (apud Marocco e Berger, 2006) sugere uma divisão
entre “jornalistas e jornalistas”. Para ele, o fazer jornalístico está imbuído no
conhecimento sobre como produzir um primeiro relato, a coleta de informações,
ou sobre como editar, ou seja, trabalhar em cima do que já feito anteriormente.
Alguns jornalistas são excelentes para produzir, imaginar matérias, reportagens, artigos, bolar ligações entre um fato e outro (...). Outra coisa, diferente e até oposta, é a edição, o trabalho de editar o que o produto oferece (...). Ele deve ter uma noção espacial e visual. Deve trabalhar com a realidade, com as narrativas, os comentários, as análises, as fotos e as charges, isto é, coisas materiais. Deve transformar tudo isso num conjunto inteligível para o leitor, tanto intelectualmente quanto fisicamente. (Abramo apud Marocco e Berger, 2006, p. 20).
Como todo processo de escolha, a rotina de um editor pode ser pautada
pela subjetividade, ou seja, “juízos de valor baseados no conjunto de
experiências carregadas na sua carreira jornalística” (White apud Marocco e
Berger, 2006, p. 24). “Enquanto Gatekeeper, o editor foi construído como uma
conexão entre o jornal e o mundo, desvinculando-se das pressões externas do
seu trabalho” (Hardt apud Marocco e Berger, 2006, p. 18). A edição, centrada
no papel do editor, deve criar uma situação de estabilidade entre as pressões
externas ao jornalismo observando as idiossincrasias da edição, a linha
25
editorial da empresa, as normatizações jornalísticas e o gosto do leitor
(Marocco e Berger, 2006).
Talvez seja por isso que o exercício de edição diz se aprender no dia-a-
dia. Mais do que apenas delegar funções, trabalhar no texto escrito pelo
repórter, diagramar espacialmente imagens, o editor deve ser um sujeito
político e apaziguador e estar atento a tudo o que acontece dentro da redação.
3.1 Canalha ou herói? A relação entre jornalistas e editores
Geralmente ocupando esses dois extremos, a relação entre jornalista e
editor na rotina produtiva de um periódico pode resultar em atritos, quando o
produto final é fundamentalmente alterado sem a aceitação do jornalista que o
produziu. Ou agradecimentos, quando o jornalista que produziu a matéria
aceita de bom grado as alterações impostas pelo editor para se ter um produto
final, que para eles, repórter e editor, se tornou melhor depois da edição.
No posfácio da reportagem “A casa de velhos”, do livro, O olho da rua
(2008), a jornalista Eliane Brum traz um sintoma da típica relação que os
jornalistas mantêm com os editores.
Não acho que seja fácil para um editor compreender essa relação. E concordo que há repórteres bem mais fáceis de trabalhar, que não se importam de ter seus textos reescritos por inteiro. Mas eu não sou um desses repórteres. E pago o preço por isso (Brum, 2008, p. 128).
A citação acima demonstra certa relação conflituosa entre Eliane Brum e
editores. Podemos supor que a premiada jornalista já sofreu inúmeras sanções
dentro dos veículos em que trabalhou por não aceitar a edição nos seus textos,
e por isso, Eliane Brum, pode ser conhecida no meio jornalístico como uma
jornalista de difícil relacionamento. Quando Eliane Brum diz “e pago o preço
por isso”, podemos imaginar que mesmo um jornalista premiado está sujeito a
edição. E quando não aceito, poderá sofrer sanções, como o desprestígio na
redação, matérias menos interessantes repassadas a ela, ou mesmo
demissão. O que fica claro no discurso de Eliane Brum é que todos dentro da
redação estão sujeitos a edição, porém, nem todos a aceitam.
26
Em uma pesquisa, Robert Darnton (apud Marocco e Berger, 2006, p. 27-
28) examinou no final do século passado a estrutura da sala de redação e seu
conjunto de hierarquia no periódico norte-americano The New York Times. Nas
suas observações, Darnton apontou que existe uma relação de interesses
entre editores e repórteres. Trata-se de um sistema de controle de produção
que vai desde o “tapinha nas costas” a almoços e agradecimentos dos editores
aos repórteres. “Para entrar nesse jogo, os repórteres acabam escrevendo
para agradar os editores” (Darnton apud Marocco e Berger, 2006, p. 28).
Enquanto brigam pela aprovação dos editores, os repórteres desenvolvem um sentimento de solidariedade contra os editores. Para eles, um editor é uma pessoa que, mais do que qualquer outra coisa, tenta melhorar a sua posição dentro de sua própria hierarquia à parte, subindo com ideias brilhantes e fazendo com que sua equipe escreva de acordo com elas (p. 28).
Um episódio datado do final do século passado protagonizado pela
revista Veja e o jornalista Mario Sergio Conti, autor do livro Notícias do Planalto
a Imprensa e Fernando Collor (1999), é sintomático no que diz respeito às
relações entre repórter e editor.
Até então chefe de redação da revista Veja, Conti foi demitido poucas
semanas após o lançamento do livro-reportagem em que se debruça sobre a
relação da imprensa na campanha presidencial de Fernando Collor. Na ocasião
do lançamento do livro, Conti foi o entrevistado do programa Roda Viva, da TV
Cultura26, no qual hoje é apresentador. Na entrevista, entre outros assuntos, o
autor deu mais detalhes da rotina produtiva da revista e foi sumariamente
demitido logo após o término do programa. Em uma passagem do livro, Mario
Sergio Conti dá a dimensão do possível atrito entre repórter e editor na
produção da revista.
O ciclo poderia começar com um repórter querendo fazer uma matéria. Ele tinha de convencer o seu editor de que a ideia, a pauta, era boa (...). O encarregado escrevia o texto, seu editor pedia complementos e determinava que fosse reescrito (...). Esse ir-e-vir levava dias, às vezes semanas e, no gargalo final, era extenuante e neurótico (...). Às três horas da madrugada, o chefe poderia decidir que a reportagem fosse reduzida para duas páginas (...). Como de praxe em Veja, a reportagem não era assinada. (Conti, 1999, p. 63).
26 Íntegra da entrevista disponível no link: www.youtube.com/watch?v=1DCZEa2NOEE
27
Até mesmo iniciantes na tribo jornalística já sabem do tenso ambiente
que poderão encontrar dentro da redação. No blog do trainee da Folha de São
Paulo27, espaço destinado a treinar novos jornalistas para o veículo, o jovem
jornalista Trajano Pontes faz uma reflexão sobre o papel da edição no
jornalismo. Para ele, a dificuldade em se desapegar de um texto vale pela
melhoria do produto final.
Entretanto, a menção acima vale exclusivamente para o texto que
aborda notícias factuais. Já em textos voltados às técnicas do jornalismo
literário, conhecido pela imersão do jornalista no assunto e pela ênfase no
estilo do repórter, Pontes é reticente: “Claro que o trabalho de edição é mais
grave e potencialmente perigoso em textos literários que em jornalísticos. Pela
própria natureza das coisas, choca mais a modificação por terceiros”28.
Para Maura Martins29 (2006), os textos literários adquirem um caráter
reflexível sobre os fatos, pois quem os produz trabalha com a experiência
qualitativa e estética da notícia, atributos singulares da personalidade
profissional de cada jornalista. Logo se opõe a produção tipicamente
jornalística, o hardnews, vista como mecanicista, repetitiva e parte de um
pequeno processo mais complexo. Por isso, aos repórteres parece mais
aceitável as interferências nas produções diárias do que às voltadas ao
trabalho artístico, ligado a consolidação de um estilo pessoal.
É o mesmo sentimento que parece refletir na seção esquina. Apesar de
usar recursos do jornalismo literário e do new journalism, as análises dos
valores-notícias nos possibilita identificar uma mecanicidade nas reportagens,
como a busca pela novidade, a simplificação do assunto, a dramatização dos
eventos que sugere a reportagem. Nesse sentido, poderia se argumentar que
não existe a consolidação de um estilo pessoal na seção esquina, mesmo esse
sendo próximo do jornalismo literário. O que existe na seção é o estilo da
revista. Esse, ainda acima do estilo do editor.
27 Prática diária do desapego com o “seu” texto. Disponível em: http://novoemfolha.blogfolha.uol.com.br/2012/0614/a-pratica-diaria-do-desapego-com-o-seu-texto. Acesso em: 20/09/2012 28 (id) 29 Ver artigo “Rotinas jornalísticas em um trabalho autoral: Uma aproximação à crônica de David Coimbra”.
28
3.2 A edição na seção esquina
Como já vimos anteriormente, os textos da seção esquina são
reportagens cujas características se aproximam do chamado jornalismo
literário. Partindo desse pressuposto, poderíamos imaginar que existe um forte
atrito entre repórter e editor durante a edição dos textos da seção. Mas, em
resposta aos questionários enviados por email aos colaboradores e jornalistas
do periódico, pudemos constatar justamente o contrário. Para Rafael Urban30,
“a reportagem teve uma edição bastante pesada, o que ajudou muito a ter um
texto final bastante melhor”.
Na verdade, de todos os colaboradores e jornalistas entrevistados
durante a pesquisa, somente a colaboradora Vanessa Barbara, 30 anos, não
concordou com a edição final dos seus textos. Segundo ela, a relação entre
jornalista e editor “é tensa, como a de qualquer repórter com um editor”. E
continua, expressando a sua contrariedade em relação à edição: “cada vez
pior. Apesar de agora ser assinada, parece que a seção está ficando mais e
mais padronizada”31.
Já outro colaborador, Bruno Cirillo, 22 anos, avalia que a versão final do
seu texto ficou “sem dúvidas melhor”32. Para Raquel Freire Zangrandi, 44 anos,
secretária de redação, que eventualmente escreve reportagens, credita a
melhora dos textos a experiência que Bernardo Esteves, editor da seção
esquina possui no tratamento dos textos. “Tenho a sensação de que ela
sempre fica melhor depois de editada. O editor é bastante experiente com
esquina e faz com que os textos tenham o tom certo”33.
Mais do que fazer parte do jogo, como diz Roberto Kaz, antigo editor da
esquina, ou o discurso autoritário que ambos evidenciaram usar com os
colaboradores, durante a entrevista, mostrando a posição de superioridade que
eles possuem na hierarquia do periódico, “acho que eles aprovam, ou pelo
menos deveriam aprovar. Se não aprovam o problema é deles”34, ou o que diz
30 Em conversa com o pesquisador por email em 12/08/2012. Ver anexo 12. 31 Em resposta ao questionário enviado aos colaboradores por email. Ver anexo 20. 32
Em resposta ao questionário enviado aos colaboradores por email. Ver anexo 17. 33
Em resposta ao questionário enviado aos jornalistas por email. Ver anexo 16 34 Entrevista concedida ao pesquisador na redação do jornal O Globo no dia 9 de outubro de 2012.
29
Bernardo Esteves: “os colaboradores normalmente acatam as alterações
propostas sem criar muito caso”35.Outro possível motivo para a aceitação da
edição nos textos dos colaborares é o sentimento de pertencimento que uma
pessoa externa passa a ter dentro da redação: “é a gratidão em ser editado por
alguém de piauí”36. Mais um elemento observado durante a pesquisa foi a
possível ascenção profissional do jornalista: “pega bem no currículo. Trocar
email com João Moreira Salles é um privilégio”37, como evidencia Tomás
Chiaverini, 31 anos, que já escreveu onze esquina, e tem seu atual emprego
(Roda Viva) atrelado ao seu trabalho como colaborador na seção, formam as
principais características para a aceitação do colaborador em ter seu texto
editado38.
Portanto, o que segundo Warren Breed (apud Marocco e Berger, 2006)
diz sobre a aceitabilidade em o jornalista ver seu texto alterado e mesmo assim
concordar com as mudanças, também foi observado durante a pesquisa.
a) A autoridade institucional e as sanções . Ou seja, como em sua
maioria os jornalistas que escrevem para a seção são colaboradores, o repórter
sente-se receoso em contestar a forte edição, uma vez que tem a aspiração de
voltar a escrever para a esquina;
b) Os sentimentos de dever e estima para com os sup eriores. A
redação da revista piauí, é repleta de jornalistas com décadas de experiência
no fazer jornalismo. O publisher da revista, mentor da carta de recomendações
da esquina, já filmou vários documentários, entre eles Santiago. De sobre
nome de peso no meio cultural e econômico, talvez haja um sentimento de
agradecimento ao ser editado pelo dono da revista ou por jornalistas com mais
experiência no ramo, como Mario Sergio Conti, Dorrit Harazim, Fernando
Barros e Silva, entre outros;
c) As aspirações à mobilidade profissional . Conhecida pela sua
qualidade editorial, ter uma reportagem publicada na revista pode abrir novas
oportunidades na carreira jornalística do colaborador;
35 Entrevista concedida ao pesquisador na redação da revista piauí no dia 08 de outubro de 2012. 36 Entrevista concedida ao pesquisador na redação do jornal O Globo no dia 9 de outubro de 2012. 37 (Id) 38
Em resposta ao questionário enviado aos colaboradores por email. Ver anexo 19.
30
d) A ausência de fidelidades de grupo contrapostas. Uma vez que
os colaboradores não necessariamente frequentam a redação da revista, a
discussão sobre o produto final não ocorre. Sendo assim, perde-se o
sentimento de solidariedade contra o editor, um dos aspectos citado por Robert
Darnton, em sua observação na redação do The New York Times;
e) O caráter agradável do trabalho. Como vimos, a esquina busca
como pauta o pitoresco, o inusitado, algo que não costumamos observar com
frequência no jornalismo diário. Além do fato de que segundo ela mesmo se
intitula ter conquistado
Um espaço imaginário dos jornalistas: O daquele lugar onde ele sonha em trabalhar. A liberdade editorial, a profundidade de apuração e o tempo para escrever fizeram da leitura da revista um hábito de grande parta da imprensa brasileira.39
f) E por último, o fato da notícia ser transformada em valor. Ou seja, o
resultado do trabalho de apuração do jornalista durante o tempo em que
trabalhou em cima da reportagem, publicada em um revisa mensal conhecida
pela sua qualidade editorial.
4. VALORES-NOTÍCIAS NA ESQUINA
Muitos pesquisadores já se dedicaram ao tema da seleção de notícias
com o objetivo de tentar entender como, entre inúmeras situações que ocorre
no dia-a-dia, se escolhe a notícia que será assunto da próxima edição, e com
que destaque ela será dada. Simplesmente compactuar com os velhos ditados
jornalísticos de que as notícias se pautam sobre tudo pelo “inesperado, Um
homem que morde o cão”, e pela “negatividade, Boas notícias e más notícias”,
seria, como já foi observado por inúmeros pesquisadores, minimizar outros
aspectos do que Gislene Silva (2005) chama de critérios de noticiabilidade, ou
seja, um conjunto de elementos que vão agir na definição do que é notícia.
Compreendendo noticiabilidade como todo e qualquer fator potencialmente capaz de agir no processo da produção da notícia,
39 Revista destinada aos anunciantes
31
desde características do fato, julgamentos pessoais do jornalista, cultura profissional da categoria, condições favorecedoras ou limitantes da empresa de mídia, qualidade do material (imagem e texto), relação com as fontes e com o público, fatores éticos e ainda circunstâncias históricas, políticas, econômicas e sociais (Silva, 2005, p. 96).
Para a autora, o estudo dos critérios de noticiabilidade, se dá em três
instâncias: Na origem dos fatos , relacionada à seleção primária das notícias.
Aqui se faz presenta a figura do gatekeeper, selecionando os acontecimentos
que são noticiáveis. Apesar de estar na origem do fato noticiável, para Gislene
Silva (id), após a seleção é preciso hierarquizar o que é mais ou menos
importante. Portanto, a seleção transporta-se para dentro da redação,
resultando no segundo critério de noticiabilidade, chamado de tratamento dos
fatos . Esse segundo critério de noticiabilidade, refere-se à hierarquização da
notícia dentro da redação. Nesse momento a organização da empresa pode
interferir no trabalho do jornalista quando a estrutura, a política editorial, ou o
tempo não são adequados para a produção da matéria. E na visão dos fatos ,
características epistemológicas do jornalismo, como objetividade, interesse
público, imparcialidade.
Para Mauro Wolf (1985), assim como para Gislene Silva, o processo de
seleção do que é notícia está presente ao longo de todo o processo de
produção jornalística. Tanto na seleção dos acontecimentos, isto é, quando o
jornalista escolhe que determinado acontecimento é relevante frente a outro e
começa escrever sobre ele, quanto ao processo de construção das notícias,
esses referentes à apresentação e à delimitação do que é prioritário na
construção da matéria.
Traquina (2005) diz que os valores-notícias são elementos básicos na
construção da realidade do jornalismo e são assimilados pela rotina produtiva
dos jornalistas.
Os jornalistas não podem obviamente, decidir sempre como devem selecionar os fatos que surgiram. Isso tornaria seu trabalho impraticável. A principal exigência é, por conseguinte, rotinizar tal tarefa, de forma a torná-la exequível e gerível. Os valores-notícias servem, exatamente para esse fim (Wolf, 1985, p. 197).
32
Apesar de parecerem rígidos ou já pré-estabelecidos pela linha editorial
do meio, Magistretti (apud Wolf, 1985), levanta a hipótese de que os processos
de produção da informação são negociados entre os jornalistas “em diferentes
graus de importância e de rigidez e em diferentes momentos do processo
produtivo” (1985, p. 193).
No caso da seção esquina, a hipótese de Magistretti, pode se tornar
verdadeira. Bernardo Esteves, atual editor da seção esquina diz que não existe
uma reunião de pauta para dizer aos jornalistas quais assuntos eles devem
prioritariamente abordar40. Logo, o processo de seleção de notícias fica a cargo
exclusivamente do repórter, excluindo o editor dessa parte do processo, o que
geralmente não acontece nos jornais diários.
Nesse tipo de periódico, o editor muitas vezes delega as pautas para os
jornalistas irem à rua coletar dados sobre o assunto já pré-estabelecido
anteriormente, na reunião de pauta. Sendo assim, o jornalista muitas vezes não
escolhe o assunto que irá cobrir.
Embora a seção esquina dê mais liberdade ao jornalista quanto aos
aspectos dos valores-notícias de seleção, o que para Wolf (1985) refere-se à
decisão de escolha do jornalista que aquele fato é candidato a virar notícia no
lugar de outro acontecimento, o processo de “edição pesada” que as
reportagens passam, já mencionado anteriormente por Rafael Urban,
demonstra uma característica de que os valores-notícias de construção, que
Wolf (id) identifica com uma espécie de linha guia para o jornalista seguir,
sugerindo o que deve ser realçado ou tirado do texto, possui uma relevância
maior para a linha editorial da seção, uma vez que, segundo João Moreira
Salles, os textos da seção sofrem fortes intervenções do editor para que
tenham um espirito comum entre eles41.
Embora realce aqui as características dos valores-notícias para a seção,
esse não é o objetivo central da pesquisa. Os valores-notícias aparecem aqui
como um desdobramento de um corpus de uma análise maior, ou seja, uma
etapa da qual a pesquisa precisa passar para demonstrar a frequência dos
assuntos abordados na esquina demonstrando assim quais valores-notícias, 40 Entrevista concedida ao pesquisador na redação da revista piauí no dia 08 de outubro de 2012. 41 O que é uma esquina. Ver anexo 08.
33
tanto de seleção, quanto de construção aparecem com maior assiduidade na
seção, o que revela uma preocupação da revista em seguir a sua linha
editorial. Característica essa que parece estar acima do próprio editor, como se
pode observar nos resultados dos valores-notícia.
Para tanto, a pesquisa se deteve no período de seis meses, entre janeiro
de 2011 a junho do mesmo ano, resultando em um total de 42 textos, e optou
por se basear nas categorias de Nelson Traquina (2005), uma vez que o autor
faz a distinção entre valores-notícias de seleção e valores notícias de
construção. Esse desmembramento em dois campos de análise dos valores-
notícia, proposto incialmente por Mauro Wolf, e depois por Traquina, é
importante para a pesquisa, haja vista que existe uma carta para nortear o
repórter sobre as características dos assuntos abordados da seção (Valores-
notícias de seleção) e de como ele deve escrever (valores-notícias de
construção).
4.1 Valores-notícias de seleção na esquina
Após a leitura dos 42 textos, observando seus valores-notícias de
seleção, é possível verificar alguns aspectos marcantes na esquina, como a
busca pela novidade, o pitoresco, ou o que João Moreira Salles chama de
“temas mais tolos” 42, que provavelmente não ganhariam espaço em outros
periódicos. Nelson Traquina (2005) chama esse valor-notícia de equilíbrio. Está
relacionado com a quantidade de notícias sobre este acontecimento ou assunto
na mídia. Na seção esquina, pudemos quantificar 41 textos com essa
característica. Até mesmo quando o assunto já foi abordado anteriormente,
perdendo a sua característica de novidade, a busca da seção pelo pitoresco se
sobressai, como se pode observar na reportagem, “E por falar em aceleração.
Fuga de traficantes inaugura galerias de águas pluviais no Complexo do
Alemão”, (piauí, 52, 2011). Na reportagem citada, podemos observar o
jornalista retratar a história da fuga dos traficantes do Complexo do Alemão por
outro viés do que aquela que vimos na TV. Sempre de forma irônica, o repórter
42 O que é uma esquina. Ver anexo 08.
34
mostra que a fuga dos traficantes se deu pela rede de esgoto da favela e não
somente pela estrada de chão, como vimos nos telejornais. Ou seja, a
reportagem traz novas informações sobre um assunto de amplo conhecimento
da população.
Traquina (id) também cita o valor-notícia visualidade, que segundo ele é
mais particular no telejornalismo, pois essa usa recursos de imagens. Só que
na esquina, esse também é um aspecto recorrente uma vez que todas as
reportagens são ilustradas por Andrés Sandoval e sempre com os mesmos
traços: Olhos fechados e aspectos físicos arredondados.
Outro valor-notícia de seleção é a disponibilidade, “isto é, a facilidade
com que é possível fazer a cobertura do acontecimento” (Traquina, 2005, p.
88). Como a seção esquina trabalha também com colaboradores, logo existe
uma maior facilidade por parte dos jornalistas em não necessariamente estar
no Rio de Janeiro, sede da revista. Assim como concorrência, haja vista o
caráter singular da seção, e por ser muito abrangente tentar mensurar as
notícias que saem nos outros periódicos, uma vez que esse não é o objetivo
central da pesquisa.
O valor-notícia de seleção tempo também foi observado. Subdivido em
efemeridade, caráter passageiro da notícia e seu posterior esquecimento, e
atualidade, quando um acontecimento foi abordado recentemente e busca-se
um gancho para voltar a falar sobre ele, foi observada em 23 reportagens da
seção. Das 17 reportagens com características de efemeridade, quatro
noticiavam palestras, 12 eventos e uma mostrava a presença de uma
especialista em Monteiro Lobato em um programa de televisão43. As seis
reportagens que apresentaram características do valor-notícia de seleção
tempo, subdividido no grupo atualidade, apesar de falarem algo que já estava
na mídia, foi buscado outro ângulo de abordagem do fato. A reportagem
“Patrimônio ameaçado. A reforma do Mineirão põe em risco o tropeirão” (piauí,
56, 2011), no qual o jornalista usa o gancho da reforma dos estádios da Copa
do Mundo, para falar sobre um prato típico de um dos estádios que serão
reformados, demonstra a apropriação de um assunto maior, Copa do Mundo,
43 “Missão pedagógica. A produção da entrevista de Marisa Lajolo sobre Monteiro Lobato”. Edição, 54, março de 2011.
35
que está na mídia, para falar de algo específico e pitoresco, tropeirão do
Mineirão.
Outra característica da seção é a presença de indivíduos que viabilizam
o discurso do jornalista. Eles são especialistas, ou são o tema da palestra ou
do evento. Para Traquina isso se chama notoriedade. 22 reportagens
apresentaram esse fenômeno. Essa característica aparece para validar a
presença daquela reportagem na revista, uma vez que esse é um dos pedidos
de João Moreira Salles, transmitidos aos jornalistas através da carta. “Sempre
histórias singulares, com sujeitos claros”44.
O valor-notícia de seleção, infração, “violação, ou transgressão das
regras” (Traquina 2005, p. 85) aparece somente duas vezes no período
analisado. Nas reportagens “Sanguinários arriba! De sombrero, bota e pistola,
somos nosostros, mi compa” (piauí, 57, 2011), na qual o jornalista conta como
os cantores de “narcorrido”, atividade considerada ilegal no México,
sobrevivem. E em outra reportagem “Em defesa do esporão. Um
conservacionista a favor da briga de galo” (piauí, 54, 2011), em que o
personagem defende a briga de galo, esporte considerado ilegal no Brasil.
O valor notícia proximidade não deteve atenção da pesquisa, uma vez
que a revista é de circulação nacional. Embora valha ressaltar aqui que mesmo
trabalhando com colaboradores, que acredita-se estar espalhado por várias
cidades, as reportagens em sua maioria se passam nas cidades de São Paulo
e Rio de Janeiro.
Abaixo podemos observar dois gráficos. O primeiro mostra os valores-
notícias de seleção na esquina no período de janeiro a junho de 2011. Já no
segundo gráfico, podemos observar que mesmo trabalhando com
colaboradores, que não necessariamente precisem estar todos os dias na sede
da revista, no rio de Janeiro, foi constatado que a maioria das reportagens se
passou nas duas maiores economias do país, São Paulo e Rio de Janeiro.
44 O que é uma esquina. Ver anexo 08.
36
Figura 01 – Valores-notícia de seleção na seção esquina
02468
1012141618202224262830323436384042
Equilíbrio
Efemeridade
Atualidade
Notoriedade
Infração
Figura 02 – Locais que se passaram as reportagens
0123456789
10111213141516 Brasília
Minas GeraisParaíbaRio de JaneiroPorto AlegreSão PauloNatalÍndiaPaquistãoReino UnidoMéxicoEstados UnidosHimalaia
4.2 Valores-notícias de construção na esquina
37
Após a mensuração dos valores-notícias de seleção na esquina, a
pesquisa se deteve em observar nesse momento os valores-notícias de
construção dos mesmos 42 textos já analisados anteriormente. Entende-se
valor notícia de construção (Wolf 1985) como uma fase seguinte do processo.
Depois do fato já ter chamado a atenção do jornalista em detrimento ao outro,
pelos aspectos já mencionados acima, os valores-notícias de construção agem
com uma linha-guia para a construção da matéria, realçando ou omitindo
aspectos da notícia.
Nelson Traquina (2005) cita cinco características desse valor-notícia. O
primeiro é a simplificação , que é quando o jornalista busca a fácil
compreensão da notícia a fim de reduzir a natureza polissêmica do fato; a
amplificação da notícia, ou seja, quanto mais à notícia é de alcance de um
maior numero de pessoas, mais possibilidades tem a notícia de ser notada;
a relevância , que é a busca do jornalista em demonstrar que a
reportagem é importante para o público;
a dramatização da notícia, ou seja, reforçar a natureza do conflito, o
lado emocional da notícia.
e por último, a personalização . Esse valor-notícia se refere à
singularidade da notícia. Para Besnman e Lilienfield (apud Traquina 2005), a
personalização permite que outras pessoas que não estejam envolvidas no
acontecimento possam entender o que diz a reportagem. “Inúmeros estudos
sobre o discurso jornalístico apontam para a importância da personalização
como estratégia para agarrar o leitor” (Traquina, 2005, p. 92).
Os resultados das análises dos valores-notícias de construção atestam
a hipótese de que a seção é muito editada uma vez que todos os 42 textos
apresentaram simplificação como característica mais marcante.
Quando Traquina diz que o jornalista busca a simplificação da notícia
para ser compreendido mais facilmente pelo público, podemos notar que em
todas as reportagens da esquina existe pelo menos um paragrafo, que aqui
chamamos de parágrafo enciclopédico sobre o fato. Na reportagem, “Movidos a
vapor. Eles são gente como a gente, mas pendem para o século XIX” (piauí,
52, 2011), a reportagem, que até então não era assinada na versão impressa,
retrata um encontro de pessoas que se vestem como se vivessem no século
38
XIX. Nos dois primeiros parágrafos da reportagem o repórter detalha onde foi o
encontro, como os participantes estavam vestidos e desde quando eles se
reúnem. São narizes de cera45, ou seja, é uma forma mais leve, e personalista
do jornalista introduzir o fato ao leitor. Se excluíssemos essa parte, ainda sim o
leitor saberia do que se tratava o assunto. Em outro momento da reportagem,
podemos identificar o parágrafo enciclopédico, que para Traquina é chamado
de simplificação.
O termo steampunk surgiu na década de 1980, quando os escritores americanos Bruce Sterling e William Gibson lançaram livros de ficção científica ambientados no século XIX. Durante uma entrevista, quando lhe perguntaram se havia criado um novo subgênero literário, Streling concordou e, de brincadeira, juntou as palavras steam (“vapor”) e punk (referência, no caso, cyberpunk, uma vertente nostálgica da ficção científica) – era assim que definia sua escrita. (Revista piauí, 52, p. 10)
Nesse paragrafo podemos notar que o repórter traz o conceito de origem
do termo steampunk para situar o leitor do que ele está falando. E continua, no
parágrafo seguinte explicando como o steampunk surgiu no Brasil:
A coisa pegou rápido nos Estados Unidos e na Europa. Já no Brasil, a estética Steampunk só chegou em 2007, quando o carioca Bruno Accioly, de 39 anos, criou o steampunk.com.br. o primeiro site em português sobre o tema. ‘Steampunk é, acima de tudo, literatura’ (id).
Esse recurso, usado pelo jornalista, é para deixar claro o assunto e
eliminar qualquer tipo de ambiguidade sobre o termo Steampunk e quando ele
surgiu.
Na reportagem “Posteridade. Futuro da nação começa mal, mas acaba
entrando nos trilhos” (piauí, 52, 2011), assinada pelo repórter Ricardo Cabral,
podemos notar a apropriação dos mesmo recursos utilizados pelo jornalista
Bruno Moreschi, autor da reportagem anterior.
Na reportagem de Cabral, primeiro há uma apresentação do que é o
fato: Uma foto de formatura, no Aterro do Flamengo. Nos dois parágrafos
seguintes o repórter tenta situar o leitor da bagunça que os formandos fazem
45 Parágrafo introdutório em um texto que retarda a abordagem do assunto enfocado. É o oposto do lead.
39
para serem fotografados e as artimanhas que o fotografo, Olivan Barros,
utilizava para prender a atenção dos fotografados. Depois de trazer o
personagem da reportagem à tona, o repórter trata de traçar um histórico da
vida do fotografo e da sua empresa.
Olivan barros está no ramo há quase três décadas. Aos quinze anos, conseguiu um emprego como assistente de laboratório e hoje, aos 41, dirige a Olivan fotografias. De notória excelência em assuntos de formatura (bailes, colações, festas e cerimônias em geral), ocasionalmente a empresa faz também casamentos e aniversários. O pacote acadêmico, incluindo revelação e álbum, pode chegar a 500 reais por formando (Revista piauí, 52, p. 11).
Trazemos a tona esses dois exemplos distintos, porém semelhantes,
para demonstrar que a seção, por abranger assuntos pitorescos que
provavelmente não sejam de conhecimento de uma maioria dos leitores do
periódico, como é tirada a foto de uma formatura, ou a reunião de Steampunk,
o jornalista procura a simplificação da notícia no sentido de elucidar o
acontecido ao leitor. Ou seja, eliminar o caráter polissêmico que o fato poderia
sugerir em parágrafos aqui chamados de parágrafos enciclopédicos. Apesar
de serem dois textos assinados por repórteres diferentes, podemos notar que
ambos utilizam desse recurso, o que nos leva a supor que essa é uma
característica trabalhada durante a edição.
O valor-notícia seguinte, chamado de personalização foi observado em
mais da metade dos 42 textos da seção. Ao todo, 26 textos apresentaram
personagens que validaram a notícia estar ali. Como nessa reportagem “As
Esganadas vem aí. Jô Soares fala de seu novo livro na Academia” (piauí, 57,
2011), em que o repórter nos mostra um jantar em homenagem ao humorista,
apresentador e escritor, Jô Soares.
Ou em outra reportagem “The voices. Peripécias do avatar vocal de Tom
Cruise, Al Pacino e Richard Gere” (piauí, 57, 2011), em que nos é mostrado a
como é feita uma dublagem de filme.
Ambas as reportagens mostram um acontecimento maior, o jantar na
Academia Brasileira de Letras e como é a dublagem de filmes, mas se
apropriam de personagens para validar a sua reportagem. Observando esse
valor-notícia, podemos constatar que alguns repórteres se apropriam da carta
40
de João Moreira Salles, uma vez que ele é taxativo em dizer como é o
funcionamento de uma esquina. “Nunca temas gerais – a educação no Brasil, a
crise odontológica nacional. Sempre histórias singulares com sujeito claro. Um
provador de café, um entregador de cartas”46.
Dramatização é outro valor-notícia de construção para Traquina. Esse
valor-notícia foi encontrado em 10 dos 42 textos analisados. “E o chiquê, que
fim levou. No Jockey Club do Rio, agora vale até barriga de fora” (piauí, 52,
2011), no qual ex-presidentes do clube discutem com o atual sobre a política
de gestão do Jockey. E “Missão pedagógica. A produção da entrevista de
Marisa Lajolo sobre Monteiro Lobato” (piauí, 54, 2011), no qual o repórter narra
a tensão entre entrevistado e produtora do programa acerca de uma entrevista
sobre Monteiro Lobato.
O valor-notícia amplificação foi descartado na análise uma vez que não
é o objetivo da seção falar sobre grandes acontecimentos, e na leitura não foi
observado nenhum grande tema de abrangência nacional. Quanto à relevância,
por ser um valor-notícia muito subjetivo, porque o que pode ser relevante para
um grupo particular de leitores, pode não ser para outro, também foi
descartado na análise.
Figura 03 - Valores-notícia de construção na seção esquina
02468
1012141618202224262830323436384042 Simplificação
Dramatização
Personalização
46 O que é uma esquina. Ver anexo 08.
41
Após a leitura dos 42 textos desse primeiro semestre de 2011 da revista,
podemos observar alguns aspectos que permeiam todo o campo de trabalho
do jornalista que escreve para seção. Desde a escolha dos temas, como ficou
comprovado no período analisado, a busca pela novidade, o pitoresco, parece
demonstrar um dos caráteres de aceitabilidade perante o editor para ter sua
matéria publicada na seção. E uma vez aceita, o jornalista parece se
condicionar a construir a matéria de uma forma sempre muito parecida. Um
narrador que a todo instante está comentando sobre o acontecimento, o uso do
humor para eventualmente contextualizar a dramaticidade do fato, e por preferir
falar de algo novo para muitos que leem a revista, partes do texto reservados a
explicar, por muitas vezes trazendo fatos históricos, para situar o leitor a cerca
do assunto.
Como são vários os jornalistas que escrevem para a seção, cada um
com os seus “óculos especiais a partir dos quais veem certas coisas e não
outras, e veem de certa maneira as coisas que veem. Eles operam uma
seleção e uma construção do que é selecionado" (Bordieu, 1996, p. 25), a
seção esquina, parece contradizer Bourdieu já que, uma vez bem treinados e
as condições para se escrever na seção encontradas na carta de João Moreira
Salles assimiladas, os óculos singulares, de cada jornalista, passam a ser os
óculos do coletivo, da revista piauí, representado na figura do editor da seção
esquina.
5. A ROTINA PRODUTIVA NO JORNALISMO
No processo de produção das notícias, o estabelecimento de uma rotina
produtiva é buscado no meio jornalístico como uma forma de o jornalista se
adequar às características do veículo para o qual trabalha. Para Gritti, (apud
Medina, 1988), inconscientemente o jornalista aplica determinados padrões
que não são a priori procurados quando ele está escrevendo uma reportagem a
fim de se adequar às pressões que os jornalistas muitas vezes se submetem,
como a questão dos fatos e os prazos.
Para Traquina (2005), o jornalista vê isso como algo normal. Segundo o
autor, a adequação do jornalista a rotina é visto como profissionalismo. “O
42
conhecimento de formas rotineiras de processar diferentes tipos de ‘estórias’
noticiosas permite aos repórteres trabalhar com maior eficácia” (Traquina,
2005, p.193).
Portanto, além dos valores notícias e a linha editorial, o que também
pode interferir na produção dos jornalistas é o tipo de rotina produtiva que o
veículo ou a seção pela qual ele atualmente trabalha o submetem, como
evidencia Stella Martini (apud Martins, 2003).
Cada meio e cada seção tem uma maneira de ordenar o trabalho e um acordo sobre o que supostamente o jornalista deve fazer e se espera que ele faça, assim como critérios que indicam o que é publicável, noticiável, e que formam parta de qualquer organização dos meios de comunicação (Martini apud Martins, 2003, pg. 6).
Para se adequar às linhas editorias do veículo ao qual trabalha, o
jornalista passa a ser socializado dentro da redação. Ele entende as
especificidades do veículo e passa a trabalhar de acordo com elas, como o
caso do antigo editor da seção esquina, Roberto Kaz. O repórter, que assim
como o atual editor, Bernardo Esteves, editava a seção esquina, trabalhou
durante três anos na revista. Após sair da piauí, trabalhou na Folha de S.Paulo
e atualmente é repórter da revista semanal do jornal O Globo. Para ele, o
jornalista tem que se adequar as características de cada veículo.47
Para Warren Breed (apud Traquina, 2005), o repórter deixa a
experiência rotineira que passou em outros veículos e passa a assimilar a
rotina para qual está atualmente trabalhando.
Basicamente, a aprendizagem da política editorial é um processo através do qual o novato descobre e interioriza os direitos e as obrigações do seu estatuto, bem como as suas normas e valores. Aprende a antever aquilo que se espera dele, a fim de obter recompensas e evitar penalidades. (Traquina, apud Breed, 2005, p. 153).
Com um deadline mais curto em relação à revista piauí, Roberto Kaz,
mesmo em horário de almoço, realizou uma entrevista com o sambista Arlindo
47 Entrevista concedida ao pesquisador na redação do jornal O Globo no dia 9 de outubro de 2012.
43
Cruz enquanto conversava com o pesquisador48. Com uma semana para
entregar pronta suas matérias, diferentemente da rotina produtiva da piauí,
que, de acordo com Bernardo Esteves, as grandes reportagens levam em
média de dois a quatro meses para ficarem prontas, pode se perceber que o
frenesi do ritmo da redação de um grande jornal de circulação diária foi
assimilado pelo antigo editor da esquina, apagando assim a antiga rotina, mais
“ociosa”, segundo Kaz, e interiorizando uma nova, comprovando assim a
socialização do repórter em uma nova rotina produtiva.
5.1 Etnografia para entender a rotina produtiva na seção esquina
As percepções iniciais de assimilação de uma nova rotina produtiva por
Roberto Kaz foram evidenciadas durante as entrevistas realizadas no dia 9 de
outubro de 2012, na redação do jornal O Globo, local onde o antigo editor da
seção esquina trabalha atualmente.
A partir dessas considerações, o objetivo proposto pela pesquisa se
encaixou mais adequadamente nos métodos da vertente etnográfica, ou estudo
de povos e cultura49. Para Geertz (apud Benneti e Lago, 2008), a etnografia é
uma descrição densa de uma determinada cultura, feito a partir de um trabalho
de campo, cuja observação participante tem como principal característica.
Já Bronosky (2010), usa uma definição de etnografia que se adequa
mais ao problema proposto pela pesquisa. Segundo ele, “a etnografia trata-se
de um processo/método de captura, descrição e análise de dados provenientes
de observações qualitativas realizadas em agrupamentos específicos” (p. 125).
Apesar de se tratar de uma disciplina dos estudos antropológicos, a
sociologia também se utiliza dos procedimentos etnográficos. “Muitos
sociólogos utilizam a observação participante, entrevistas em profundidade ou
não estruturadas e análise documental no decurso das suas pesquisas”
(Burgess apud Bronosky, 2010, p. 125).
48 (Id) 49 Dicionário Eletrônico Houaiss: Registro descritivo da cultura material de um determinado povo
44
Na verdade, além da sociologia, o jornalismo desde o início do século
XX, quando a Escola de Chicago analisou o meio urbano e o relacionou com os
estudos da mídia, tem se apropriado dessa linha de pesquisa em seus estudos,
especialmente pelo sociólogo e jornalista Robert Park. Para se ter uma ideia,
estudos de newsmaking são fundamentadas pela linha de pesquisa
etnográfica, como foi identificado por Schlesinger:
A abordagem etnográfica, ao contrário de outras abordagens centradas no produto de mass media, permite a observação, teoricamente orientada, das práticas sociais efetivas que dão lugar à produção cultural. (apud Wolf, 1995, p. 167).
Portanto, a etnografia é uma linha de pesquisa ou método de captura de
análise de dados derivadas de observações participantes e qualitativas em
determinados grupos. Segundo Bronosky (2010), “no âmbito do jornalismo,
essa perspectiva tem contribuído significativamente nos debates sobre os
processos de produção noticiosa, no sentido de compreender o que é notícia e
como elas são elaboradas” (p. 125).
Em um ensaio sobre sociologia e jornalismo, Gaye Tuchman (apud
Bronosky, 2010), discute a objetividade na produção jornalística na tentativa
dos jornalistas se manterem neutros durante o processo a fim de evitarem
represálias. Em sua pesquisa, a autora também se utiliza de técnicas
etnográficas.
Outra pesquisa que se apropria da etnografia para falar do ambiente de
trabalho dos jornalistas é a de Travancas (2011). No trabalho, a autora reflete
sobre a formação do jornalista no ambiente de redação para a construção de
sua identidade.
E por fim, outra pesquisa, bem próxima a que se realiza aqui, é de Vizeu
(apud Bronosky, 2010). O pesquisador dedicou-se a pensar sobre as rotinas
produtivas internas de um telejornal como fatores decisivos do que é ou não
notícia.
Esse tipo de abordagem – etnográfica – é importante, pois segundo
Felipe Pena (2005), “a ‘tribo’ dos jornalistas tem efetivamente seus próprios
costumes e ritos” (p. 152).
45
Assim, os estudos propostos pela pesquisa, que intenta investigar a
rotina produtiva da seção esquina, que engloba tanto a função do editor,
quanto a do repórter, se apropriam não da sua totalidade dos conceitos
etnográficos, mas sim de alguns aspectos, como a observação participante na
redação da revista, a entrevista semiestruturada em profundidade com os
editores Bernardo Esteves e Roberto Kaz, e a entrevista por email com alguns
dos autores das reportagens da seção esquina.
6. A REDAÇÃO: PIAUÍ, UMA REVISTA DA RUA 50
O acesso à redação da revista foi relativamente tranquilo. Bernardo
Esteves, editor da seção esquina, foi o interlocutor do pesquisador na tentativa
de convencer João Moreira Salles, publisher, e Fernando Barros e Silva, diretor
de redação, a permitirem meu acesso, se mostrou bastante atencioso em
atender os meu pedidos. No geral, apenas uma solicitação foi negada durante
a pesquisa: quando, na tentativa de obter os textos escritos pelos
colaboradores, antes de passarem pelo processo de edição, Bernardo Esteves
disse que teria de perguntar a Fernando Barros e Silva para que ele
autorizasse ou não a divulgação dessas versões. Como previsto, a resposta foi
negativa. “Como eu tinha antecipado, ele não aceitou que te mandássemos
versões das esquina anteriores à publicação ou que autorizássemos os
colaboradores a fazê-los”. 51
Após mais algumas conversas por email a fim de que fosse autorizado o
acesso à redação, algo que se fosse negado teria alterado significativamente a
pesquisa, a visita foi aprovada desde que não coincidisse com o fechamento da
revista que acontece sempre na última semana de cada mês. Segundo ele, “o
fechamento da revista é um período muito atribulado para todos na redação”52.
Portanto, a visita ficou agendada para o dia 8 de outubro às 10h, no Rio
de Janeiro, sede do departamento de jornalismo do periódico53. Como
50 Tendo em vista a questão dos métodos etnográficos e a participação do pesquisador no entorno da pesquisa, optou-se pelo uso da primeira pessoa nessa seção do trabalho. 51 Em conversa com o pesquisador por email em 22/08/2012. Ver anexo 13. 52 Em conversa com o pesquisador por email em 23/08/2012. Ver anexo 14. 53 O departamento comercial da revista fica localizado em São Paulo.
46
mencionado anteriormente pelo editor, durante a presença do pesquisador na
revista não seria autorizado fotos, e apenas o jornalista Renato Terra, e a
secretária de redação Raquel Freire Zangrandi estavam presente no dia. O
restante, segundo Esteves, estava em campo fazendo reportagens, ou
trabalhando em casa, de acordo com ele, algo típico dos repórteres do
periódico.
A redação da piauí ocupa o quarto andar de um prédio comercial,
localizado na Rua do Russel. A estrutura física da redação é pequena e escura.
Logo ao sair do elevador, à esquerda, fica a recepcionista em uma pequena
sala. Passando, fica a sala dos jornalistas. A redação conta com seis
repórteres fixos que ficam dispostos de acordo com a figura abaixo:
Figura 04 – Cena produtiva: Sala dos jornalistas
47
À direita de quem entra na sala dos jornalistas, em uma pequena sala
que parece ter sido adaptada a acomodar os profissionais, trabalham a diretora
de arte, que frequenta a redação somente nos dias próximos a data de
fechamento da revista; e a secretária de redação, Raquel Freire Zangrandi, que
diferentemente dos jornalistas, cumpre horário diário das 10h às 19h. Raquel
cuida do trânsito das matérias, dos prazos e do cronograma de trabalho, além
de entrar em contato com autores, tradutores e editoras para que autorizem a
publicação dos textos. Além disso, eventualmente escreve reportagens para a
revista.
Figura 05 – Cena produtiva: Sala da secretária de r edação e da diretora de
arte
Ao passar por essa espécie de antessala, chegamos à sala dos editores.
Dispostos um de frente para o outro, formando um triângulo entre as mesas, o
que nos supõem uma forte comunicação entre eles, estão João Moreira Salles,
publisher da revista, Cláudia Antunes, editora da Companhia das Letras, e
Fernando Barros e Silva, diretor de redação da piauí.
48
Figura 06 – Cena produtiva: Sala dos editores
No espaço físico da redação há também uma sala de reunião onde foi
realizada a entrevista com Bernardo Esteves, e uma ampla cozinha industrial,
maior até que a sala dos editores e a da secretária de redação, onde são feitas
as receitas publicadas no blog Questões de Forno e Fogão.
Figura 07 – Sala de reunião
49
Figura 08 – Cozinha da revista
Diferentemente do ambiente de redação dos jornais, como evidenciou
Bronosky (2010), em que a competividade pelo furo jornalístico e o clima de
tensão imperam, segundo Roberto Kaz, a redação da revista “é um lugar muito
saudável e silencioso”54. Carol Pires, 26 anos, repórter de piauí, menciona
alguns aspectos do agradável ambiente de redação da revista55:
A equipe é pequena, é quase impossível não ter um clima de amizade entre todos. Acho que éramos nada mais que sete repórteres e, como cada um tem sua história, não tem a competição por furo e coberturas especiais que costuma haver nas redações de jornal. É comum que cada um tenha uma área de interesse também – o Bernardo com ciência, o Renato Terra com humor, por exemplo.
Durante o período visitado na redação, pode-se observar o ambiente
silencioso (o telefone tocou duas vezes) e a entrevista não foi interrompida em
nenhum momento, diferentemente do que aconteceu com Roberto Kaz, quando
por diversas vezes a entrevista foi interrompida para o repórter da revista
semanal de O Globo, conversar por telefone com fontes.
54 Entrevista concedida ao pesquisador na redação do jornal O Globo, no dia 9 de outubro de 2012. 55 Em resposta ao questionário enviado aos repórteres de piauí por email. Ver anexo 15.
50
Há de se levar em conta também as datas escolhidas pelo editor da
piauí, logo após o fechamento da revista, que presume-se sejam os mais
calmos de todo o mês. Mesmo assim, foi possível observar pelas entrevistas
feitas com os jornalistas do periódico, e a observação do ambiente de redação,
que o clima da piauí, até por ser de periodicidade mensal, é lenta, silenciosa e
vazia.
Figura 09 – Cena produtiva: Redação da revista
51
6.1 O difícil caminho até a publicação
Um assunto que possa render uma esquina geralmente é pensado de
fora da redação. Portanto, não há uma reunião de pauta para definir os
assuntos que serão escritos pelos repórteres da seção. Nesse aspecto, como
evidenciado anteriormente, quando foram analisados os valores-notícias de
seleção, o autor fica livre para escolher qualquer tema que ele ache que renda
uma esquina e depois a envia para o editor, desde que se enquadre ao perfil
da seção, resumido por Bernardo Esteves, sendo:
histórias corriqueiras, banais, e que aparentemente, em um primeiro momento, você possa não enxergar notícia, mas há um jeito de chegar nela, tem um jeito de contar ela que você pode mostrar a língua pequena, uma estranheza.
O contato de um colaborador, de fora da redação, é sempre por email.
Quando o neófito tenta um primeiro contato com o editor da seção, ele
geralmente fala que foi indicado por outra pessoa que já escreveu para a
seção, pois acha que a pauta que tem em mãos pode vir a ser uma esquina.
Para a pauta, ou os textos já prontos, enviados para Bernardo Esteves,
afim de serem selecionados para a publicação seguinte, é preciso passar pelo
crivo da reunião de pauta que acontece na primeira semana de cada mês.
Nela, Esteves leva de oito a nove textos ou pautas, que para ele são as
melhores, e a equipe de piauí conversa sobre elas, entre outras coisas da
revista durante a reunião. Nessa fase, já foi possível notar o primeiro filtro para
a publicação de uma esquina. Segundo ele, depois da reunião de pauta,
já saio dali com uma lista de esquina reprovadas ou aprovadas, que ao longo do mês, em conversas paralelas com o Fernando, são levadas outras sugestões, e a aprovação final é dele. E obviamente, as que me mais parecem interessantes eu vendo de uma maneira mais palpitante para ele. As ideias que eu não acredito muito já aviso para o Fernando. Essas são as que eu não fico mais à vontade para descartar logo de cara.
Portanto, logo na primeira fase, que é uma pré-seleção das esquina que
serão publicadas, já é possível notar a figura do editor como um gatekeeper,
quando ele apresenta as esquina que mais lhe agradam “de uma maneira mais
52
palpitante” ao chefe de redação Fernando Barros e Silva. Apesar da palavra
final ser do chefe de redação, Bernardo Esteves, na posição de editor da seção
esquina, obviamente tem sua palavra levada em conta na decisão do que é ou
não publicado na próxima edição. Se ele apresenta as esquina que mais lhe
agradam de um jeito mais palpitante, o chefe de redação irá levar em conta
quando acontecer a decisão final sobre as esquina que serão publicadas, o que
ocorre no decorrer do mês.
A segunda semana na redação de piauí é para conversas entre
Bernardo Esteves e Fernando Barros e Silva para definir, entre oito ou nove
textos pré-selecionados na reunião de pauta quais serão publicadas na
próxima edição. Nessa segunda semana, os textos da esquina passam por
mais um filtro no qual é buscado um equilíbrio temático, geográfico e uma
equiparidade entre repórteres e colaboradores. Logo, um texto da esquina
pode cair porque na mesma edição há muitos textos de colaboradores ou a
cidade já está presente em outra matéria, ou mesmo o tema é parecido com
outra esquina e há então uma escolha entre elas. Nessa segunda semana as
sete reportagens que serão publicadas já estão praticamente definidas.
Durante esse tempo, enquanto são pensadas as esquina, Bernardo
Esteves, que também é repórter de piauí56, realiza outras tarefas paralelas,
como postagens em seu blog, Questões de Ciência, no site da revista, e outras
reportagens que segundo ele “demandam meses de apuração”.
Normalmente o repórter tem vinte dias entre a reunião de pauta e o
deadline para enviar seu texto pronto para o editor. E esse, por sua vez, leva
de cinco a sete dias para editar os sete textos que serão publicados na próxima
edição.
As atividades paralelas de Bernardo só são interrompidas na terceira
semana do mês, período que ocorre a edição dos textos que os colaboradores
e repórteres enviam para ele. Nessa fase, todas as atenções do editor se
voltam ao processo de edição dos textos da seção.
Como já foi dito anteriormente, as edições são feitas geralmente na
terceira semana de cada mês e eventualmente sobra alguma esquina para ser
editada na quarta semana. Durante esse período, onde ele diz parar tudo e se 56 Cartão de visitas do repórter Bernardo Esteves. Ver anexo 07.
53
concentra em editar esquina, geralmente são trocados cinco email entre autor e
editor. Isso ocorre porque segundo Roberto Kaz “os textos já vem prontos e é
só organizá-los e enquadrá-los ao espirito da seção”, o que para Vanessa
Barbara “são sempre temas prosaicos escritos com pompa e garbo”57.
Bernardo Esteves credita a pouca troca de email entre autor e editor ao
“olho treinado para a esquina (por parte dos colaboradores). Nós os chamamos
aqui dentro da redação de esquineiros”. Quando o repórter absorve essas
características do olhar treinado, ou seja, ficar atento aos detalhes, os trejeitos
do personagem, ao pitoresco, descrever o assunto relatado com certo tom
humorístico, o editor diz que o texto “já vem esquinizado”.
Portanto, o editor sugere que quem participa da esquina já tem
interiorizado a lógica produtiva da seção que, como consequência, o repórter
teria menos alterações no seu texto e teria mais pautas escolhidas para serem
publicadas. Segundo Roberto Kaz, além do talento do jornalista para o estilo de
texto narrativo, o repórter com o passar do tempo “domina o produto e passa a
entender para onde está escrevendo”.
Ainda na terceira semana, e eventualmente até a terça-feira da quarta
semana, que é o deadline final para as esquina serem editadas, começa o
processo de pós-edição. Nessa fase, na quarta semana do mês, as esquina
passam por várias etapas que chamamos aqui de filtros de redação.
Depois do texto do autor ser editado por Bernardo Esteves, ele é
encaminhado para o chefe de redação, Fernando Barros e Silva, que
encaminha para a secretária de redação, Raquel Freire Zangrandi com as
alterações no texto que ele acha necessário. Ela, por sua vez, repassa para a
revisora, uma profissional de fora da redação, que deverá encontrar eventuais
erros de português. Depois de o texto ser revisado, ela devolve para Raquel
que encaminha até a checadora que verifica grafias de nomes próprios, de
instituição, números, fatos, e se há pontos de discordância com a informação
do repórter, ela entra em contato com o jornalista para eventuais
considerações.
Passada essa etapa, chamada de check the fact, a reportagem é
devolvida para Raquel que faz uma pré-impressão para o editor da esquina 57 Em resposta ao questionário enviado aos colaboradores por email. Ver anexo 20.
54
realizar a última leitura e depois, paralelamente editor e chefe de redação,
conversam sobre ordenamentos de reportagens. Qual reportagem inicia e qual
fecha. Nessa fase, também são pensadas as chamadas para o índice e a
última leitura é feito pelo chefe de redação e eventualmente pelo publisher. A
decisão final sobre a publicação ou não da reportagem cabe a eles.
Após ter passado por todo esse processo, que, para Roberto Kaz é “um
caminho saudável, pois é algo raro na imprensa brasileira”, Bernardo Esteves
envia os textos para o ilustrador Andrés Sandoval. Por fim, Sandoval ilustra as
sete esquina, publicadas naquela edição, e que são devolvidas para Bernardo
Esteves, que finalmente repassa para Raquel enviar para a gráfica.
Figura 10 – Diagrama de circulação das esquina dentro da redação
55
Segundo Bernardo Esteves, “esquina caem. Elas podem ser derrubadas
desde a pauta até a checagem final”. Portanto, apesar de ser uma seção com
textos curtos que abordam assuntos que aparentam ter certa inutilidade, ou
baixo valor-notícia para quem está lendo, o rigoroso caminho que os textos dos
repórteres são submetidos demonstra que a forma é tão importante quanto o
conteúdo.
6.2 Um canteiro de obras: não sobra pedra sobre ped ra
A primeira leitura de um texto de esquina por Bernardo Esteves é feito
no papel. É o processo que ele chama de “canteiro de obras”. Nessa fase,
ocorrem as maiores intervenções no texto. É comum os parágrafos serem
tirados da ordem, conforme o original, de acordo com o entendimento do editor.
O processo, para alguns jornalistas, tenciona com a questão da autoria
em um texto compreendido como esteticamente trabalhado e de cunho autoral.
A colaboradora Vanessa Barbara atribui isso ao “estado de espírito do editor”58.
Segundo ela, “quando o João Moreira Salles era o editor as esquina eram mais
preservadas”.
Na reportagem Onde os fracos não tem vez (piauí, 67, 2012), de Paulo
Henrique Martins, podemos observar a forte edição que os textos dos autores
são submetidos a fim de ficarem com o formato característico da seção. Na
versão original encontramos o seguinte parágrafo de abertura:
Era um domingo de inverno em Perton, Staffordshire, uma localidade a 20 minutos de Wolverhampton, na Inglaterra. Uma fina camada de gelo cobria alguns pontos dos lagos que faziam parte do trajeto da Tolha Guy Rache (corrida dos durões), considerada por muitos (e autoproclamada) a corrida mais difícil do mundo. O termômetro marcava perto de 1ºC naquela manhã de janeiro quando o canhão disparou a tiro de largada, liberando uma turba de 3,4 mil pessoas de várias idades, vindas de todos os lugares do mundo, algumas fantasiadas. Havia uma boa porcentagem de mulheres e talvez uma dezena de homens usando saias de balé. Desse total presente na largada – pelo menos um terço não consegue terminar o percurso de cerca de 13 km.
58 Em conversa com o pesquisador por email em 01/10/2012.Ver anexo 11.
56
Já na versão editada, o primeiro parágrafo é localizado somente no
sétimo parágrafo da versão original. O texto publicado na edição de abril de
2012 começa assim:
“Aceito que, caso eu morra durante a prova, a culpa terá sido única e exclusivamente minha”. Com essas palavras de estímulo, concluía se o termo de compromisso assinado por cada participante da Tough Guy Challenge, a Corrida dos Durões, realizada numa fazenda do município de Perton, no Centro Oeste da Inglaterra. Os atletas receberam um folheto que listava as possíveis consequências da competição: hipotermia, hipertemia, desidratação, cortes profundos, sangramentos e ossos quebrados. A vacina contra tétano era um pré-requisito para a inscrição. A contratação de um seguro saúde não compulsória era veemente recomendada.
Nesse primeiro exemplo exposto pela pesquisa, podemos notar que a
alteração proposta pelo editor da esquina acentuou a tensão narrativa da
reportagem. A ironia (“Com essas palavras de estímulo”), uma das
características da seção, também é presente na versão impressa desde a
abertura, o que não acontece na versão original. Também é possível notar que
as várias cidades que o autor cita na abertura do seu texto (“Perton,
Staffordshire, uma localidade a 20 minutos de Wolverhampton”), foram
substituídas por “município de Perton, no Centro Oeste da Inglaterra”.
Portanto, a edição de Bernardo Esteves nesse parágrafo inicial da
reportagem, procura evidenciar as características da seção, não acrescentando
nada do que não está no texto original, inclusive com a alteração do título da
reportagem.
Na versão original, encontramos o seguinte título: “Só para machões.
Lama, hipotermia e choque elétrico na corrida mais difícil do mundo”. Enquanto
na versão impressa lemos: “Onde os fracos não tem vez. Lama, hipotermia e
choque elétrico na corrida mais difícil do mundo”. Essa analogia com o título do
filme dos irmãos Cohen, - e tangencialmente com a obra que origina o filme,
“onde os velhos não tem vez”, de Cormac McCarthy -, evidencia um sentimento
bem característico do periódico e citado por Roberto Kaz durante a entrevista.
“Esse é o grande ponto da piauí, a diferença para qualquer outro produto
jornalístico. piauí tem fé no seu leitor”. O seja, o texto é previsto de uma forma
57
a conter referências sutis que serão captadas pelo leitor, fazendo-a para dar
fruição ao texto.
Portanto, essa analogia com o filme só é possível porque o editor
acredita que a maioria das pessoas que lê a revista tem apreço por cultura e
logo assimilarão a referência.
Outro texto que se pode observar a “fé no leitor” é a reportagem “O
verdadeiro rei dos animais. Melancolia e ginástica na academia dos galos-de-
briga baianos” (piauí, 02, 2006), do jornalista Roberto Kaz, e antigo editor da
seção. Em um determinado momento da versão do repórter, o “Clube do Galo”,
vira “Madison Square Garden, a Meca do boxe americano”. Na versão
publicada encontramos somente a expressão “Madison Square Garden”, o
editor dessa reportagem, João Moreira Salles, retira essa informação “a Meca
do boxe americano” possivelmente por acreditar que o seu leitor sabe que o
local é a sede dos maiores encontros do esporte. De alguma forma, pode se
inferir que a edição entende que conservar o oposto seria menosprezar o leitor.
Em outra reportagem, “Tudo pela monga própria. Um cineasta itinerante
quer um circo para chamar de seu”, (piauí, 66, 2012), da colaboradora Vanessa
Bárbara, encontramos mais duas alterações características do periódico: a
adequação da ordem de tamanho de caracteres e o uso das expressões em
língua estrangeira.
Quanto ao uso de estrangeirismos nos textos, esse é um recurso
utilizado em todos os textos lidos pela pesquisa. Mas a alteração mais incisiva
ocorre no texto citado acima. Enquanto a versão escrita pela autora, antes de
passar pela edição, elencava algumas características que a personagem
central, Cris Siqueira, possuía (“não era exatamente uma moça delicada, loira e
magra”), fora substituída pela expressão francesa “physique du rôle”, segundo
roberto Kaz, a pedido do então chefe de redação Mario Sergio Conti, conhecido
por ter apreço pela cultura francesa.
Para a jornalista, os editores usam esses termos para sofisticar a
reportagem. “Acho que eles colocam o texto para parecer mais sério, irônico,
58
mas às vezes sacrificam o original só pra meter uma piada que nem é tão legal
assim”59.
O outro exemplo que buscamos desse texto é em relação ao número de
caracteres. No texto original da colaboradora a história era contada em 11.715
caracteres, enquanto as reportagens da seção só comportam até sete mil
caracteres. Portanto, algumas informações que para Vanessa Barbara eram
importantes para o contexto da reportagem tiveram que ser cortadas.
Ao todo, foram cortados cinco parágrafos da versão original e toda a
história do sonho da personagem rodar um documentário sobre a história do
circo no Brasil. Dos parágrafos cortados, três referiam-se ao documentário. O
que mais uma vez trouxe insatisfação à colaboradora, que ainda tentou
negociar uma nova versão com o editor para que comportasse as informações
sobre a rodagem do documentário. Segundo ela, a negociação foi sem
sucesso.
Não há muito que se possa fazer a não ser recusar a publicação. E como a gente não recebe nada se não publicam, e como já escreve pensando em formato esquina, acaba dando de ombros e deixando que publiquem60.
A recusa do editor em considerar uma nova versão, (discurso de
autoridade) e a aceitação da edição mediante pagamento (sentimento de
conformidade do repórter) evidenciam que ambos assumem o seu papel na
hierarquia de produção. Segundo Bourdieu (2010), isso acontece graças ao
“poder simbólico” que ambos assumem. Que é aquele “poder invisível o qual só
é aceito se exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que
lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (Bourdieu, 1989, p. 8).
Portanto, mesmo quando contesta a versão do editor, o repórter aceita a
edição porque sabe que aquela é a sua função, e que se provavelmente
estivesse no papel do editor, faria o mesmo com o texto de outra pessoa. Ao
mesmo tempo em que reclama da versão e aceita a publicação, mesmo que
seja mediante pagamento, o colaborador se torna uma espécie de cúmplice do
59 Em conversa com o pesquisador por email em 25/09/2012. Ver anexo 10. 60 Em conversa com o pesquisador por email em 01/10/2012. Ver anexo 11.
59
editor. Porque, como disse Roberto Kaz, “o repórter não pode reclamar da
edição porque ele sabe (que será editado). Faz parte do pacote”61.
O ultimo aspecto de edição, e que parece ter ocorrido a maior
intervenção por parte do editor, porque esse muda o sentido do texto, é a
reportagem “O mistério das cascudas. Fluxo de tartarugas intriga moradores de
prédio carioca” (piauí, 67, 2012).
Na reportagem assinada pela colaboradora Vanessa Barbara e a
jornalista Clara Becker, o mistério gira em torno do aumento do número de
tartarugas em um prédio do Rio de Janeiro. As autoras, durante o texto, dão
várias pistas no sentido de tentar desvendar o mistério. Elas citam o segurança
do prédio, os donos dos apartamentos em férias, um médico que passou pelo
local, o porteiro e um menino que frequentava o lago todos os dias.
Embora existam vários suspeitos, as autoras não são taxativas em
acusar ninguém, pois o tema central da reportagem ronda na tentativa de
desvendar o mistério. O que não necessariamente ocorre na versão impressa
da reportagem.
Na referida versão, além da alteração de ordem dos parágrafos, (o
segundo parágrafo da versão publicada encontra-se no quarto parágrafo da
versão original), há uma mudança no foco narrativo da reportagem. Enquanto
para as autoras todos eram suspeitos e nenhum culpado, para o editor, todos
ainda continuavam suspeitos, mas um aparecia como o principal, ou até
colocado como culpado, tamanho o tom inquisitório do texto. Na versão original
o menino aparece no nono parágrafo como:
Outro elemento supostamente envolvido no esquema é um menino que frequentava o lago todos os dias. Passava para dar tchau, chamava a bichinha pelo nome – nitidamente era dele. A mãe deve ter pedido pra se livrar dela, então levou pro prédio vizinho, supõe a subsíndica.
De repente, na versão impressa, o menino, que passa a ser chamado de
menor, ganha ares de culpado:
61 Entrevista concedida ao pesquisador na redação do jornal O Globo no dia 9 de outubro de 2012.
60
Subitamente, um inocente menino que frequentava o lago todos os dias ganhou ares de suspeito. “Ele passava para dar tchau, chamava a bichinha pelo nome, nitidamente era dele”, contou Eliane. “A mãe deve ter pedido para se livrar do bicho e ele o levou para o prédio vizinho” supôs a subsíndica. Estaria aí a resposta para o mistério? O menor não foi localizado pela reportagem para esclarecer o caso.
Como podemos perceber pela transcrição desse parágrafo, a versão
editada nos faz pensar que o menino apareceu durante o trabalho de
reportagem. O que, a considerar a versão original, não é verdade.
Portanto, além do tempo da narrativa ser alterada, a reportagem passa a
remontar a um tipo de discurso policial, o que não ocorre na versão original,
com o uso expressões do tipo “o menor”, quando se refere ao menino, ou a
readequação de aspas ao longo do texto para a mesma finalidade, “o lago do
condomínio Parque Guinle, em Laranjeiras, é um conhecido lugar de desova".
E até mesmo a presença de um veterinário, Rafael Torres, que não se encontra
na versão original, e que segundo Bernardo Esteves foi uma exigência dele
para com as repórteres, aparece na tentativa de elucidar o caso como uma
espécie de autoridade, invalidando assim a principal característica do texto
original: o mistério da procriação das tartarugas no prédio, e readequando
assim o texto às regras convencionais do discurso jornalístico com a presença
de fontes especializadas.
Ao analisar a reportagem em questão, podemos identificar uma
desconstrução da versão original a partir do entendimento do editor, que por
sua vez, supostamente o faz pensando nas características da seção, a revelia
das autoras.
Acho meio triste e desonesta essa reescrita das esquina à luz do que o editor acha que deveriam ser. É claro que ele pode sugerir outras abordagens, mas ninguém melhor para dar a palavra final do que os repórteres que estavam lá, e nesse caso ele simplesmente achou graça num trocadilho do “menor”, que originalmente é só um detalhe engraçado, e refez a esquina a partir dessa ideia que ele achou mais divertida. É tão perigoso isso62.
Quando a colaboradora diz que “é tão perigoso isso”, ou seja, a reescrita
do texto conforme entende ser o gosto pessoal do editor, ou para se adequar
62 Em conversa com o pesquisador por email em 01/10/2012. Ver anexo 11.
61
as características da seção, surgem situações como a relatada por uma fonte,
Edmilson Caminha, que fora entrevistado pelo colaborador Bruno Moreschi
para a reportagem “Anonimato público: os ghost writers da Câmara: (piauí, 26,
2008).
No artigo, “Clodovil e eu, vítimas da piauí”, publicado pelo Observatório
da Imprensa, Edmilson relata a preocupação ao repórter em não expor nenhum
nome de parlamentar para não causar nenhum constrangimento. Segundo ele,
quando recebe um pedido de qualquer pessoa que queira saber do seu
trabalho ele sempre esclarece dessa forma:
Além do perfil ideológico, da filiação partidária e das metas a que visa com o pronunciamento, importa saber o grau de instrução do orador. Quando me chegam solicitações de parlamentares menos conhecidos, consulto o Repertório biográfico da legislatura para ter ideia dos limites a que me sujeitar. Em um universo de 513 brasileiros, o estudo varia da pré-escola ao pós-doutorado – nem poderia ser diferente, pois esse é o país em que vivemos. Deve-se, portanto, adequar o texto, quanto ao fundo e à forma, aos conhecimentos daquele a quem se destina, até para não levá-lo a discorrer sobre o que não sabe. Suponhamos Guimarães Rosa e Garrincha – para cogitar apenas dos que já se foram – eleitos para a Câmara: se referências literárias e citações históricas ficariam bem na boca do primeiro, as falas do segundo teriam de ser despojadas e diretas, compatíveis com as poucas letras do jogador63
Como podemos notar em nenhum momento desse discurso o
profissional cita nome de parlamentares. Mas, quando lemos a versão
publicada em novembro de 2008, observamos a seguinte narrativa:
Outra preocupação é saber para quem se escreve. No computador de Caminha, o currículo de Clodovil Hernandes, do PTC paulista, por exemplo, define-o como professor, comunicador, estilista, apresentador e cantor. Apesar do perfil multimídia, o redator conclui sem nenhuma maldade aparente: ‘Fica evidente que não dá para construir um discurso rebuscado para ele.
Revoltado, Edmilson Caminha entrou em contato com o jornalista Bruno
Moreschi, que alegou que a sua reportagem tinha sido reescrita e que não
pudera ver a ultima versão, pois morava distante da redação. Segundo o
63 Clodovil e eu, vítimas da piauí. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed702_clodovil_e_eu_vitimas_da_piaui. Acesso em: 20/09/2012.
62
repórter, a abordagem que ele faz do Clodovil era muito diferente do que fora
publicado.
Entendo suas críticas. Isso não me isenta de nenhuma culpa, mas editaram meu texto original, que não menciona Clodovil exatamente dessa forma. Contava que você navegava na internet diante do currículo do deputado e então comentou de forma genérica: ‘Para deputados com menos conhecimento acadêmico, fica evidente que não dá para construir um discurso rebuscado’. Lembro-me de que tive o cuidado de não ligar sua frase a nenhum deputado específico.
Infelizmente a pesquisa não teve acesso à versão original desse texto
para a comprovação da veracidade da abordagem do repórter. Mas, levando
em conta a alteração ocorrida na reportagem, “O mistério das cascudas. Fluxo
de tartarugas intriga moradores de prédio carioca”, (piauí, 67, 2012), citada
acima, acreditamos ser possível que essa mudança tenha sido ocorrido
durante o processo de edição, uma vez que essa é uma das características das
reportagens da esquina: “Sempre histórias singulares, com sujeito claro”64.
Quando perguntado sobre o assunto durante a observação do ambiente
da redação, o editor Bernardo Esteves disse que “não se sentiria à vontade
para responder tal pergunta, pois quem editou esse texto foi o Mario Sérgio
Conti”.
Nessa breve discussão que a pesquisa aborda sobre a edição na seção
esquina, fica demonstrado que as reportagens são realmente muito editadas,
mas que na maioria das vezes a edição busca ressaltar aspectos da própria
seção, presentes na carta “o que é uma esquina”, de João Moreira Salles.
Portanto, Bernardo Esteves, ou qualquer outro editor que tenha passado pelo
periódico, edita conforme as regras da instituição que estão acima do gosto
pessoal do editor.
64 O que é uma esquina. Ver anexo 08.
63
7. CONCLUSÃO
Para alcançar o objetivo deste trabalho monográfico de investigar as
rotinas produtivas da seção esquina, percorremos uma considerável trajetória
teórica a fim de subsidiar a posterior investigação no período visitado na
redação. Iniciamos com uma discussão sobre a revista e sobre o jornalismo,
que como pudemos verificar ele pode ser analisado como discurso e, sendo
como linguagem ele é dialógico. Portanto, o jornalismo não é feito somente por
quem produz, mas também pelo sujeito leitor, haja vista que assinamos um
“contrato de leitura” com o jornalista que nos comunica.
Porém, para chegarmos a essa relação com o sujeito que lê, o jornalista
pode lançar mão de inúmeras estratégias textuais, como pudemos verificar
nessa pesquisa, uma delas o humor.
A seguir, através de uma breve discussão sobre reportagem,
percebemos que a reportagem, texto característico da seção, é o gênero que
mais possibilita a fruição de ideias do repórter. E que a revista, por ser de
periodicidade mensal, possibilita ainda mais o profissional trabalhar em seu
texto.
A partir daí, a presente pesquisa começou a analisar os valores-notícias
e seus critérios de noticiabilidade e constatamos que o que estava presente na
carta de João Moreira Salles, publisher da revista, alguns critérios são
necessários para que o repórter tenha sua reportagem publicada na seção.
Como, por exemplo, o pitoresco, a novidade. Embora como pudemos observar
ao longo da pesquisa, os repórteres muitas vezes não conhecem o conteúdo
da carta e que as percepções do funcionamento da seção são absorvidas
durante as leituras que eles fazem do periódico.
Após catalogarmos os valores-notícias para a esquina, a pesquisa se
voltou para entender a rotina produtiva da seção e entender o difícil caminho
que um texto curto, para os padrões da revista, são submetidos a fim de
ficarem com as características do periódico. Nessa fase, também observamos
que os repórteres, na sua maioria jovens entre 20 e 30 anos, ao verem seus
nomes nas páginas da revista piauí, vislumbram uma possibilidade de sucesso
profissional em outros periódicos. Assim, podemos afirmar que escrever uma
64
esquina, mesmo que tenha muita alteração no seu texto é um ganho
profissional para o jovem repórter.
Também pudemos notar que o rigoroso processo de edição, chamados
pela pesquisa de filtros de redação, podem derrubar uma esquina há qualquer
momento, e que os editores acham esse caminho saudável, demonstrando
assim que realmente a forma importa tanto quanto o conteúdo para a revista.
No ultimo capítulo, quando a pesquisa se detêm a falar sobre a edição
nos textos dos repórteres, observamos que realmente os textos sofrem fortes
edições, mas que aos olhos da pesquisa, essas alterações veem ressaltar
aspectos da seção. E que, como foi observado durante a visita a redação, e em
resposta ao questionário enviado aos repórteres e colaboradores da seção,
mesmo que seja por meios muitas vezes arbitrários e ou econômicos, os
repórteres aceitam de bom grato às alterações solicitadas pelo editor nos seus
textos.
Portanto, a relação demonstrada entre colaboradores e jornalistas,
entrevistados para essa pesquisa, se mostrou cordial, com eventuais
discussões sobre pontos específicos do texto.
65
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67
PIAUÍ. Rio de Janeiro: Edição 56. Maio de 2011. PIAUÍ. Rio de Janeiro: Edição 57. Junho de 2011. PIAUÍ. Rio de Janeiro: Edição 61. Outubro de 2011. PIAUÍ. Rio de Janeiro: Edição 66. Março de 2012. PIAUÍ. Rio de Janeiro: Edição 67. Abril de 2012. RESENDE, Fernando. O jornalismo e a enunciação. Perspectivas para um narrador jornalista. Disponível em www.ufrgs.br/gtjornalismocompos/.../fernandoresende2005.doc. Rio Grande do Sul: 2005. ROCHA, Patrícia. Jornalismo em primeira pessoa : a construção de sentidos das narradoras da revista TPM. Dissertação. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), 2007. ROSSI, Clóvis. O que é jornalismo. São Paulo: Brasiliense, 2000. SIGMUND, Freud. O humor . Disponível em: http://www.meuucci.com.br/wp-content/uploads/2010/08/freud-o-humor.pdf. Acesso em: 22/09/2012. SILVA, Bianca Magela Melo. Jornalismo e humor : narrativas atrevidas na esquina. Dissertação. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 2011. SILVA, Gislene. Para Pensar critérios de noticiabilidade . (In) Estudos em jornalismo e mídia. Vol 2 nº 1. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), 2005. TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo volume 1 : Porque as notícias são como são. Santa Catarina: Insular, 2005. ________________. Teorias do jornalismo volume 2 . A tribo jornalística – uma comunidade interpretativa transnacional. Santa Catarina: Insular, 2005. TRAVANCAS, Isabel Siqueira. O mundo dos jornalistas. São Paulo: Summus, 1993. WOLF, Mauro. Teoria da comunicação . Portugal: Editorial Presença, 1985. WOLFE, Tom. Radical chique e o novo jornalismo . São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
68
ANEXOS
Anexo 01 - Capa da revista piauí 69
Anexo 02 – piauí vem aí 70
Anexo 03 – Texto de apresentação da revista piauí 71
Anexo 04 – Revista destinada aos anunciantes. Quem lê piauí 72
Anexo 05. Revista destinada aos anunciantes. Seção esquina 73
Anexo 06. Revista destinada aos anunciantes. Apresentação 74
Anexo 07. Cartão de visitas do repórter e editor Bernardo Esteves 75
Anexo 08. O que é uma esquina? 76
Anexo 09. Email, colaboradora, Vanessa Bárbara 77
Anexo 10. Email, colaboradora, Vanessa Bárbara 78
Anexo 11. Email, colaboradora, Vanessa Bárbara 79
Anexo 12. Email, colaborador, Rafael Urban 80
Anexo 13. Email, repórter e editor da esquina, Bernardo Esteves 81
Anexo 14. Email, repórter e editor da esquina, Bernardo Esteves 82
Anexo 15. Roteiro de perguntas aos jornalistas de piauí. Carol Pires 83
Anexo 16. Roteiro de perguntas aos colaboradores de piauí. Raquel Freire Zangrandi 88
Anexo 17. Roteiro de perguntas aos colaboradores de piauí. Bruno Cirillo 91
Anexo 18. Roteiro de perguntas aos colaboradores de piauí. Felipe Marra 94
Anexo 19. Roteiro de perguntas aos colaboradores de piauí. Tomás Chiaverini 96
Anexo 20. Roteiro de perguntas aos colaboradores de piauí. Vanessa Barbara 98
Anexo 21. Roteiro de perguntas aos editores de piauí. 100
69
Anexo 01 - Capa da revista piauí
70
Anexo 02 – piauí vem aí
71
Anexo 03 – Texto de apresentação da revista piauí
Texto de apresentação da Revista Piauí - 1ª edição Outubro-2006 piauí será uma revista para quem gosta de ler. Para quem gosta de histórias com começo, meio e fim. Como ainda não se inventou nada melhor do que gente (apesar de inúmeras exceções vide...deixa pra lá) a revista contará histórias de pessoas. De mulheres e homens de verdade. Ela pretende relatar como pessoas vivem, amam e trabalham, sofrem ou se divertem, como enfrentam problemas e como sonham. piauí partirá sempre da vida concreta.
A revista será mensal e terá um tamanho maior que o habitual. A periodicidade de quatro semanas permitirá que ela aprofunde os assuntos, em vez de resumi-los. E também que o acabamento, tanto na escrita como na apresentação gráfica , seja caprichado. O formato grande fará com que se encontre bastante coisa para ler e ver em piauí. Para que ele dure um mês na mão dos leitores. Para que as reportagens e narrativas terminem quando o assunto terminar, em vez de serem exprimidas porque o espaço acabou. O tamanho maior favorecerá a inventividade, possibilitará a publicação de imagens reveladoras sem perda de nuances e detalhes.
piauí não perderá de vista os temas atuais, mas não terá pressa em chegar primeiro às últimas notícias. Levará em conta, sempre, que a informação vem antes do comentário, que os fatos são mais importantes que as opiniões. Apurará com rigor e escreverá com clareza. Fugirá dos clichês e envidará todos os esforços para evitar expressões como “envidar todos os esforços”. Não terá restrições temáticas, políticas ou ideológicas. Preferirá a serenidade ao histrionismo. Cobrirá qualquer assunto que uma reportagem tornar interessante. Vale tudo, esporte,medicina, política, cultura, religião, urbanismo, televisão, turismo etc. Só não valem reportagens sobre celebridades instantâneas e déficit público.
Tentará explicar o que teima em ser obscuro (com uma exceção, a razão de piauí se chamar piauí, até porque não sabemos direito).Mostrará o enredo do que parecia ser desconexo e fragmentário. Fugirá do academicismo, da vulgaridade e do beletrismo. Tanto que, desde já, está proibido o uso das expressões “governança corporativa”. "Tá ligado”, “home-theater”, “recursos não contabilizados”, “Roberto Justus” e “galera” a não ser como sobrenome. Ela dará importância ao que, por ignorado, é tido como insignificante. Tratará de achar novidades no que, por esquecido, parece velho ou ultrapassado. A revista não será sisuda nem chata. Sisudez não é sinônimo de seriedade. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. piauí terá humor, graça.
Para dar conta das situações que estão além do poder da narrativa jornalística piauí publicará ficção. Na forma de contos, trechos de romances e histórias em quadrinhos. E também poemas.
Jornalistas, escritores, artistas gráficos, ensaístas, críticos e humoristas de todas as idades buscarão expressar em piauí diferentes aspectos da vida nacional. A matéria prima será a bagunça brasileira. Ela terá como pano de fundo um período histórico de perplexidade geral. Numa situação como esta é melhor ser curioso e ir atrás do real, do que prescrever receitas infalíveis de salvação. Um pouco de dúvida e ceticismo não faz mal a ninguém – e a nenhuma revista. piauí não tem resposta para nada. Nem para quem pergunta por que ela se chama piauí.
piauí veio para ficar. Esta é a aposta.
72
Anexo 04 – Revista destinada aos anunciantes. Quem lê piauí
73
Anexo 05. Revista destinada aos anunciantes. Seção Esquina
74
Anexo 06. Revista destinada aos anunciantes. Aprese ntação
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Anexo 07. Cartão de visitas do repórter e editor Be rnardo Esteves
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Anexo 08. O que é uma esquina ?
O que é uma esquina?
JMS
Não existem muitas regras. Eu diria que os textos são serenos, não opinativos, nunca
militantes. Quando possível, quero humor, mas humor quieto, aquele que corre por
baixo do texto, meio disfarçado. Humor de inglês -- quanto mais ridículo o assunto,
mais sério o tratamento. Nunca temas gerais -- a educação no Brasil, a crise da
odontologia nacional, etc. Sempre histórias singulares, com sujeito claro: um provador
de café, um entregador de cartas, um lançamento imobiliário, um político, e assim por
diante. Tensão narrativa é essencial. Esquinas nunca têm lead e sub-lead. Se fosse
possível chegar lá, eu diria que cada esquina deveria ser um continho. A seção é
muito editada (geralmente por mim), ou seja, reescrita para acolher todas essas
idiossincrasias. É claro que a edição é feita em colaboração com o autor. Os toques
variam entre 5 mil e 7 mil. De um modo geral, busca-se um certo equilíbrio entre temas
mais tolos (um festival de rock na Coréia do Norte) e temas mas sérios (uma visita ao
Palácio dos Bandeirantes para uma conversa com o Serra). Tento evitar a tentação do
exótico (mendigos sábios, convenção de ufólogos), e do Brasil profundo (o poeta
popular do Sertão, os violeiros dos pampas). A seção não é assinada para que eu
possa tentar dar a todos os textos (em geral, 8 esquinas por edição) uma espécie de
espírito comum.
77
Anexo 09. Email, colaboradora, Vanessa Bárbara
78
Anexo 10. Email, colaboradora, Vanessa Bárbara
79
Anexo 11. Email, colaboradora, Vanessa Bárbara
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Anexo 12. Email, colaborador, Rafael Urban
81
Anexo 13. Email, repórter e editor da esquina, Bernardo Esteves
82
Anexo 14. Email, repórter e editor da esquina, Bernardo Esteves
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Anexo 15. Roteiro de perguntas aos jornalistas de piauí. Carol Pires
A EDIÇÃO COMO ESTILO: INVESTIGAÇÃO DA ROTINA PRODUT IVA
DA SEÇÃO ESQUINA DA REVISTA PIAUÍ
1 - Há quanto tempo trabalha na revista?
A primeira reportagem que publiquei foi em 2009, ainda como freelance,
se chamava “Suplicy: Sensual”, uma esquina. Depois segui colaborando até
janeiro deste ano, quando fui contratada para a equipe.
2 - Como você descreve seu trabalho. Você gosta?
A Piauí é o trabalho dos sonhos: você tem tempo de pensar nas
histórias, tempo de apurar e, depois, tempo para escrever, editar, discutir com
seu editor. Você sente que o trabalho sempre sairá bem feito porque é pensado
em equipe.
3 - O que você acha do ambiente da redação?
Eu ficava em Brasília e não no Rio (desde final de agosto estou em Nova
York fazendo um mestrado, portanto meu contrato lá acabou no final do mês).
No entanto, volta e meia precisava ir ao Rio discutir as pautas e o ambiente é
tranquilo, divertido. A equipe é pequena, é quase impossível não ter um clima
de amizade entre todos. Tem que checar, mas acho que éramos nada mais
que sete repórteres e, como cada um tem sua história, não tem a competição
por furo e coberturas especiais que costuma haver nas redações de jornal. É
comum que cada um tenha uma área de interesse também – o Bernardo com
ciência, o Renato Terra com humor, por exemplo.
4 - Quais são suas rotinas, seus passos, aqui na re dação?
Cada reportagem demanda um tempo, uma dedicação e uma viagem
diferente, então não tem muita rotina. Cada nova reportagem é aprender de
novo como apurar e escrever.
5- Vários “esquineiros” dizem que é preciso treinar os olhos para
escrever uma esquina . Você poderia explicar melhor o que é isso?
Treinar os olhos para ser “esquineiro” é entender o espírito do que são
as esquinas. Acho – só acho, o Bernardo Esteves quem pode te falar sobre
isso - que tem muita gente que oferece pauta que claramente não serve de
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esquina, que seria uma nota no jornal e nada mais. Fica a impressão de que a
pessoa nunca leu de verdade a revista. Eu fiquei anos lendo esquinas antes de
ter confiança de oferecer alguma. E ainda hoje ofereço algumas que não são
aceitas. Primeiro de tudo tem que ser um assunto novo. Por exemplo, um
personagem de quem ninguém nunca ouviu falar ou um lado de um
personagem conhecido que ninguém nunca viu (As cartas de amor que recebe
o senador Suplicy, que eu escrevi uma ida à prisão com o Suplicy para visitar o
Césare Battisti, como fez o Mario Sérgio Conti). Acho que dá pra falar de temas
sérios, mas que tenha uma dose de humor, de ironia (O partido pirata na
Alemanha, como o João Moreira Salles fez, ou os perfis do Russomano e do
Alexandre Schneider, que saíram não como grandes-perfis, mas sim como
esquinas). Se for um assunto muito absurdo, que seja tratado como sério (fiz o
sommelier de águas, por exemplo, e tem uma ótima antiga que não me lembro
de quem fez chamada Paquiderme que se preze ouve Bob Dylan, que é
também um bom exemplo de levar à sério um tema aparentemente ridículo).
Acho que as esquinas são minha seção favorita da revista porque você
pode trabalhar o texto pelo texto em si, pelo prazer de escrever bem ou ler algo
bem escrito. O tema pode ser informativamente inútil, mas você sai da leitura
animado ou inspirado.
6 - Quanto tempo leva para escrever uma reportagem da esquina ?
Depende do tema. A esquina do Alexandre Schneider me tomou duas
semanas – uma acompanhando ele na campanha do Serra e outra decupando
e escrevendo. A das cartas de amor do Suplicy fiz em 2 ou 3 dias - um para ler
as cartas e falar com ele e outros dois pra escrever. A do Sommelier de Águas,
por exemplo, o entrevistei em duas horas, mas demorei para escrever porque
era confuso explicar do que se tratava. O do cara que desenha as toalhas do
Mcdonalds também só me custou uma entrevista e uns dias de escritura. Teve
outra, Deputado não resiste à oncinha, que fiquei dois ou três dias
acompanhando ela no trabalho e depois outros tantos apurando se era verdade
o que ela me disse, sobre os projetos, dados sobre o deputados que ela me
apontava. Normalmente você tem quase 20 dias, entre a reunião de pauta e o
dead-line, e dentro disso organiza seu tempo.
85
7 - Você já teve que escrever uma reportagem mais e xtensa e uma
esquina na mesma edição? Como foi?
Já, mas eram esquinas não muito complicadas. No mês que publiquei o
perfil da amizade do Cachoeira e do Demóstenes não fiz esquina, apesar de ter
pauta aprovada, porque não daria tempo.
8 - Como você lida com a edição que as reportagens das esquina s
são submetidas?
Eu gosto de ter a figura do editor para me ajudar a ver mais claramente
onde o texto pode ser melhorado. O texto sempre sai melhor da edição, mesmo
que a princípio seja assustador que alguém vá cortar seu trabalho de dias fora.
Já escrevi para meia dezena de revistas do Brasil e de outros países da
América Latina e o processo de edição da Piauí é o mais rigoroso – tem
edição, checagem de informação e de gramática. Muitas vezes é editada por
mais de um editor. Como as esquinas tem um quase “padrão” na narrativa,
essa edição é essencial para que todas tenha mais ou menos o mesmo tom
divertido ou irônico.
9 - Como é a sua relação com o editor da seção esquina , Bernardo
Esteves?
Como assim? Quantas vezes no mês tenho que lidar com ele ou minha
relação pessoal? Bernardo é ótimo editor e amigo, faz um ótimo trabalho com
as esquinas.
10 - Você tem conhecimento da carta “o que é uma esquina ” de
João Moreira Salles? Se sim, você já a consultou al guma vez? Com que
frequência você consulta?
Fui saber da existência dessa carta há poucos meses, mas quando eu
comecei a escrever as primeiras esquinas, no começo de 2009, o João era
diretamente responsável pela edição delas, então entendi o espírito durante o
processo de edição das primeiras.
11 - Por favor, detalhe como é fazer uma reportagem da seção
esquina . (se quiser escolher uma e detalhar como foi) Como ficou
sabendo do assunto da reportagem? A apuração, a hor a de escrever, a
troca de email, ou o diálogo com o editor e a leitu ra do produto final.
86
Vou falar da esquina do “Suplicy: Sensual”. A escrevi para a Piauí sendo
freelance. Na época eu era setorista de Congresso Nacional pelo jornal
Estadão. O Suplicy era uma fonte ali na cobertura e um dia, conversando sobre
assuntos alheios à política ele comentou que as secretárias do gabinete
guardavam todas as cartas de amor que ele recebia numa pasta vermelha.
Achei curioso que um senador – ainda mais o Suplicy – recebesse cartas de
amor. Perguntei para outros senadores se isso acontecia com eles e não, não
acontecia. Pedi para ver a pasta e ele me deu acesso, contando que não desse
nomes. O Suplicy, como você sabe, é um personagem; é muito fácil para um
repórter ter boas cenas e frases deles. As cartas eram especialmente
engraçadas e tudo fez com que a confecção da reportagem fosse mais fácil e
divertida. Lembro que uma mulher dizia que tinha se apaixonado porque o viu
sorrir para ela num aeroporto. E quando perguntei para o Suplicy se ele andava
por aí sorrindo para mulheres ele respondeu como se fosse uma pergunta
verdadeiramente séria. Disse algo como: tenho certeza que foi um
cumprimento inocente. Casei as cartas com os comentários dele sobre ela e fiz
a esquina. Como eu me diverti muito lendo as cartas e falando com o senador,
foi fácil na hora de escrever. Acho que se você escreve rindo, alguém também
vai rir ao ler.
Passo 1: ler as cartas. Achei salvo aqui o arquivo da minha apuração
salvo em 16/02 de 2009.
2. Fiz entrevistas com as 3 secretárias do senador no dia seguinte.
3. Falei com o senador no gabinete dele no mesmo dia que falei com as
secretárias.
4. Mandei a primeira versão do texto para o Roberto Kaz, que na época
era o editor das esquinas no lugar do Bernardo no dia 18, ou seja, dois dias
depois de ler as cartas.
Não achei minha troca de emails sobre a edição, mas lembro que
primeiro foi o Roberto Kaz quem “limpou o texto” porque eu colocava
informações que, apesar de interessantes, quebravam o ritmo do texto. Eu
dizia, por exemplo, sobre a rotina de exercícios do senador e terminava falando
sobre uma apresentação de piano que ele faria nos dias seguintes. Pensava
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que assim ajudava a compor a imagem de “conquistador” do Suplicy. Mas,
concordo com a edição: acabava tirando o ritmo da leitura das cartas, que são
divertidas e sustentam o texto sozinho. Por fim o João deu um último retoque e
incluiu o que eu considero a melhor frase do texto. Eu explicava usando quase
todo um parágrafo como eram as feições e reações do Suplicy, e o João trocou
por “com um misto de placidez e marketing que o torna inimitável”. Acho que
resume à perfeição o senador.
Conforme fui fazendo outras esquinas o texto foi sendo cada vez menos
mexido, já que fui entendendo o tom e a forma.
12 - Como você avalia versão final da reportagem de pois da
edição?
. Acho que de todas as muitas esquinas que já escrevi, essa é ainda a
que eu mais gosto porque representa esse espírito de “assunto inútil” que ainda
assim vale a pena ler porque ficou bem escrita e divertida.
Nome e idade: Carol Pires, 26 anos.
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Anexo 16. Roteiro de perguntas aos colaboradores de piauí. Raquel Freire Zangrandi
A EDIÇÃO COMO ESTILO: INVESTIGAÇÃO DA ROTINA PRODUT IVA
DA SEÇÃO ESQUINA DA REVISTA PIAUÍ
1 - Há quanto tempo trabalha na revista?
Trabalho desde julho de 2006.
2 - Como você descreve seu trabalho. Você gosta?
Gosto muito, é um trabalho dinâmico e me proporciona a oportunidade de falar
diariamente com pessoas do mundo inteiro.
3 - O que você acha do ambiente da redação?
O convívio na redação da Piauí é muito harmonioso, somos poucos e todos se
dão muito bem. Além disso, estão todos sempre muito bem informados a
respeito dos mais variados assuntos, então a troca de informação é sempre
interessante.
4 - Quais são suas rotinas, seus passos, aqui na re dação?
Trabalho como secretária de redação. Venho à redação todos os dias, e
diferente dos jornalistas, geralmente cumpro horário diário das 10 às 19. Na
semana de fechamento, não tenho hora pra sair, enquanto as matérias não
estiverem prontas. Cuido do trânsito das matérias, dos prazos e do cronograma
de trabalho, faço o contato com autores estrangeiros, agentes literários e
editoras. Trato diretamente com os tradutores, editores, revisores e a
checadora. Supervisiono tudo o que vai para a gráfica antes de cada matéria
ser impressa. E, eventualmente, escrevo reportagens.
5- Vários “esquineiros” dizem que é preciso treinar os olhos para
escrever uma esquina . Você poderia explicar melhor o que é isso?
Escrever uma esquina talvez seja mais difícil do que parece. Os textos são
curtos, têm de ter um certo estilo (que varia de acordo com a natureza do
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assunto), tensão narrativa, uma dose suave de humor (quando o tema permite)
e se aproximam muito da prosa ficcional, apesar de serem 100% reportagem. A
forma importa tanto quanto o conteúdo. Eu diria que a precisão factual pesa
tanto quanto a precisão estilística num texto de Esquina.
6 - Quanto tempo leva para escrever uma reportagem da esquina ?
Varia muito de acordo com o tema, mas entre a apuração e o tempo de
escrever, dá em média uma semana, podendo chegar a dez dias.
7 - Você já teve que escrever uma reportagem mais e xtensa e uma
esquina na mesma edição? Como foi?
Não, mas algumas vezes já tive que escrever uma matéria grande e fazer o
trabalho de secretária de redação ao mesmo tempo. No momento de escrever
a matéria, trabalhei nos meus horários de folga, fora da redação, virei noites e
fins de semana pra não deixar que a concentração de escrever o texto
interferisse no meu trabalho rotineiro do fechamento.
8 - Como você lida com a edição que as reportagens das esquina s
são submetidas?
É muito comum que o texto volte da edição bem diferente do que foi escrito, e
isso pode ser um pouco desconcertante para quem escreveu, mas acho que
faz parte do espírito de equipe aceitar a palavra final do editor.
9 - Como é a sua relação com o editor da seção esquina , Bernardo
Esteves?
É ótima, ele já editou algumas esquinas que escrevi. Temos liberdade de
negociar trechos da reportagem que consideramos importantes, e tudo acaba
se resolvendo bem.
10 - Você tem conhecimento da carta “o que é uma esquina ” de
João Moreira Salles? Se sim, você já a consultou al guma vez? Com que
frequência você consulta?
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Sim, acho que todos na redação já leram esse texto do João. Ele resume muito
bem o espírito de uma Esquina. Tenho ele sempre em mente ao escrever uma
esquina, ele é muito esclarecedor e serve de bússola para escolher a forma de
abordar um tema.
11 - Por favor, detalhe como é fazer uma reportagem da seção
esquina . (se quiser escolher uma e detalhar como foi) Como ficou
sabendo do assunto da reportagem? A apuração, a hor a de escrever, a
troca de email, ou o diálogo com o editor e a leitu ra do produto final.
Geralmente aprovo uma pauta com o diretor de redação ou com o Bernardo,
eles dão sugestões de como tratar o tema, dizem os tópicos que consideram
cruciais, e vou para a apuração. Se tenho alguma dúvida, volto ao editor antes
de começar a escrever, depois envio uma primeira versão do texto. Ele pode
devolver com cortes, alterações e pedidos de reapuração de dados; eu
reescrevo alguns trechos, refaço algumas passagens de parágrafo, e entrego
uma versão quase pronta. O editor faz a edição final e os cortes para que fique
no tamanho certo. Ele me devolve para uma última leitura e, caso haja algum
impasse, conversamos e tudo se acerta.
12 - Como você avalia versão final da reportagem de pois da
edição?
Tenho a sensação de que ela sempre fica melhor depois de editada. O editor é
bastante experiente com Esquinas e faz com que os textos tenham o tom certo,
às vezes difícil de alcançar pelo repórter sozinho.
Nome e idade: Raquel Freire Zangrandi – 44 anos
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Anexo 17. Roteiro de perguntas aos colaboradores de piauí. Bruno Cirillo
A EDIÇÃO COMO ESTILO: INVESTIGAÇÃO DA ROTINA PRODUT IVA DA SEÇÃO ESQUINA DA REVISTA PIAUÍ
1 - Você trabalha em algum outro lugar? Qual? Sim, no Diário de Comércio, Indústria e Serviços (DCI), um jornal de
economia e negócios sediado no Centro de São Paulo. 2 - Há quanto tempo colabora com a revista? Colaborei duas vezes com a Piauí, ambas em 2011. 3 - Quantas esquina já escreveu? Uma dupla de esquinas. 4 - Você acha que publicar uma reportagem na revist a piauí lhe
ajuda profissionalmente? Penso que enriquece o meu currículo, como uma espécie de
reconhecimento da minha aptidão para a escrita. 5 - Vários “esquineiros” dizem que é preciso treina r os olhos para
escrever uma esquina. Você poderia explicar melhor o que é isso? Acho que eles se referem ao olhar sutil inerente à proposta não só das
esquinas, mas da revista inteira. Ignora-se, em tal publicação, os padrões editoriais e estilos de reportagem convencionais, impostos pelo modelo norte-americano e o senso comum. Sempre me identifiquei com a busca da Piauí pelos fatos curiosos, a riqueza de linguagem, as maneiras incomuns de abordar um assunto e ornar a narrativa a respeito desse objeto.
6 - Quanto tempo leva para escrever uma reportagem da esquina ? Em apenas um dia inspirado, seria possível apurar e contar a história –
claro que, neste caso, seria prudente dar um tempo e revisar a matéria dias depois, antes de enviá-la. Levei entre três e cinco dias de trabalho concentrado, incluindo apuração e redação, para realizar as minhas duas.
7 - Como você lida com a edição que a esquina é submetida? Excelente. Sempre tive, pessoalmente, certo rancor contra os editores –
medíocres, em geral – que, na pretensão de encaixar meu texto num padrão, destruíram seu estilo. No caso da Piauí, a edição é ideal: realça o estilo, garimpa o minério das pedras e acrescenta frases, tiradas e informações que só fazem melhorar a reportagem.
8 - Como é a sua relação com o editor da seção esquina , Bernardo
Esteves? Meramente virtual. Pessoalmente, tive a honra de conhecer Dorrit
Harazim e o prazer de conversar com Raquel Zangrandi.
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9 - Você tem conhecimento da carta “o que é uma esquina ” de João Moreira Salles? Se sim, você já a consultou alguma vez? Com que frequência consulta?
Desconhecia, até então, a existência dessa carta. 10 - Já deixou de publicar alguma reportagem por nã o concordar
com a edição do editor? Jamais. As ocasiões em que não pude publicar foram, na verdade,
propostas recusadas pelos editores. 11 – Qual a sua rotina, seus passos ao escrever uma reportagem
para a seção esquina? Por favor, detalhe como é faz er uma reportagem da seção esquina. (se quiser escolher uma e detalhar c omo foi) Como ficou sabendo do assunto da reportagem? A apuração, a hor a de escrever, a troca de email com o editor e a leitura do produto final.
Pois bem... tive chance de escrever à revista por meio de um concurso que venci (a proposta era escrever contos de seis palavras; fiquei em segundo lugar numa das rodadas), e após o qual escrevi à Redação pedindo para participar do conteúdo. Para minha surpresa, Dorrit respondeu-me o e-mail com muita atenção, convidando-me a tentar uma pauta. Propus-lhe, então, o assunto do momento: eu seria mesário na mesma semana e gostaria de relatar como esse tipo de empregado temporário passa o domingo das Eleições. Ela aceitou de cara.
A apuração foi confortável: passei o dia de mesário anotando em um discreto bloco de notas as características e ações dos meus colegas e de eventuais eleitores que se destacavam entre os outros. O apego à caneta foi tanto que me apelidaram de Chico Xavier. Esforçava-me para criar, em mente, possibilidades de lide e parágrafos interessantes. A escrita já se fazia in loco – algumas frases eram anotadas, junto às anotações, para o uso posterior.
Lembro-me que redigi a reportagem na mesma noite e durante a tarde do dia seguinte, pois havia conseguido um dia de folga do lugar monótono em que trabalhava à época – usei de justificativa o fato real, “escreverei para a Piauí, e isso é importante, porra”, e o diretor da empresa concordou. Texto criativo, frases bem construídas, ironia, percepções apuradas sobre as situações, isto é, interpretações de falas e gestos que levam a sentidos universais. Na matéria, também procurei intercalar momentos da Seção 46 (este é o título) com o contexto político daquelas Eleições, a situação dos candidatos e como os eleitores encaram “a festa da democracia” no Brasil.
Entrementes, a assessoria de imprensa da Justiça Eleitoral respondeu a um e-mail, em que eu pedia informações numéricas e técnicas a respeito dos mesários, com tal prontidão e presteza que jamais obtive escrevendo em nome de outros veículos de comunicação.
Depois de entregue, a reportagem voltou revisada após uma semana, das mãos da própria Dorrit. Aceitei-a de bom grado, devolvendo uma ou outra correção, após o que a grande jornalista me disse: “gostamos dos escribas que brigam por suas esquinas”. Ou seja, preza-se, naquela Redação, pela autonomia dos repórteres – coisa que vejo rara nos lugares-comuns.
No final do processo, foi-me dito que o diretor de conteúdo da época derrubou o texto, pois este envelheceria demais até a publicação, em troca de
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uma reportagem escrita por ele mesmo. Todavia, a matéria saiu no site. Senti-me frustrado, mas logo propus outra pauta, que saiu no papel de duas ou três edições posteriores.
12 - Como você avalia a versão final da reportagem depois da edição?
Sem dúvidas, melhor. Nome e idade: Bruno Cirillo, 22.
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Anexo 18. Roteiro de perguntas aos colaboradores de piauí. Felipe Marra
A EDIÇÃO COMO ESTILO: INVESTIGAÇÃO DA ROTINA PRODUT IVA DA SEÇÃO ESQUINA DA REVISTA PIAUÍ
1 - Você trabalha em algum outro lugar? Qual? Sim. Sou editor de um site de notícias chamado Evening Edition
(evening-edition.com) e também colunista de tecnologia da revista Carta Capital.
2 - Há quanto tempo colabora com a revista? Há dois anos, mais ou menos. 3 - Quantas esquina já escreveu? Duas, com uma terceira para a próxima edição. 4 - Você acha que publicar uma reportagem na revist a piauí lhe
ajuda profissionalmente? Não, e nem era essa minha intenção. Faço pelo prazer de poder
colaborar com a revista, que é a melhor coisa surgida no mercado editorial brasileiro em muito tempo.
5 - Vários “esquineiros” dizem que é preciso treina r os olhos para
escrever uma esquina . Você poderia explicar melhor o que é isso? Eu não sei se concordo com isso. Acho importante ficar sempre atento
aos detalhes, gestos, tentar não perder o que pode deixar a esquina mais interessante. Isso vai desde um trejeito de um personagem até algo escrito na faixa de uma torcida de futebol. Mas acho que não dá pra treinar os olhos - é algo que acontece naturalmente.
6 - Quanto tempo leva para escrever uma reportagem da esquina ? Depende, mas leva uma ou duas semanas. Para ser sincero, leva
algumas horas de desespero pouco antes do prazo. 7 - Como você lida com a edição que a esquina é submetida? Eu sempre concordo com todas as edições que são feitas, elas
costumam melhorar muito o texto. 8 - Como é a sua relação com o editor da seção esquina , Bernardo
Esteves? É muito boa. A gente se "fala" muito por e-mail para discutir eventuais
pautas e acertar detalhes. 9 - Você tem conhecimento da carta “o que é uma esquina ” de João
Moreira Salles? Se sim, você já a consultou alguma vez? Com que frequência consulta?
Não sabia da existência dessa carta! Vou pedir uma cópia ao Bernardo.
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10 - Já deixou de publicar alguma reportagem por nã o concordar
com a edição do editor? Não. 11 – Qual a sua rotina, seus passos ao escrever uma reportagem
para a seção esquina ? Por favor, detalhe como é fazer uma reportagem da seção esquina . Como ficou sabendo do assunto da reportagem? A apuração, a hora de escrever, a troca de email com o editor e a leitura do produto final.
Eu não posso te afirmar que existe uma rotina, visto que minhas duas esquinas tiveram assuntos muito diferentes. Uma foi sobre uma viagem até a fronteira entre o Paquistão e a índia, outra foi sobre a falência de um dos grandes times de futebol da Escócia. Por exemplo, para essa última, da Escócia, eu fui até Glasgow para ir a um jogo dos Rangers. Fui ao estádio com um simples bloco e caneta e passei a anotar tudo o que eu achava interessante, detalhes, gritos de torcida e eventuais conversas com torcedores. Não tinha uma estrutura muito bem definida. Depois ao voltar para Londres e sentar para escrever o texto, achei um fio que pudesse unir aquilo à história central, da questão financeira complicada do clube. E partir daí escrevi o texto. Não sei se isso te ajuda a entender uma rotina… é mais um exercício de observação para depois tentar descrever com o máximo de fidelidade o que eu vi.
12 - Como você avalia a versão final da reportagem depois da
edição? A versão final é sempre melhor do que o texto inicial que tinha entregue.
Sem dúvida.
Felipe Marra Mendonça, 32 anos.
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Anexo 19. Roteiro de perguntas aos colaboradores de piauí. Tomás Chiaverini
A EDIÇÃO COMO ESTILO: INVESTIGAÇÃO DA ROTINA PRODUT IVA
DA SEÇÃO ESQUINA DA REVISTA PIAUÍ
1 - Você trabalha em algum outro lugar? Qual?
Sim. No programa Roda Viva, da TV Cultura.
2 - Há quanto tempo colabora com a revista?
Há cerca de dois anos.
3 - Quantas esquina já escreveu?
Consegui lembrar de onze.
4 - Você acha que publicar uma reportagem na revist a piauí lhe
ajuda profissionalmente?
Sim. Meu emprego atual está diretamente relacionado com meu trabalho
na revista Piauí.
5 - Vários “esquineiros” dizem que é preciso treina r os olhos para
escrever uma esquina . Você poderia explicar melhor o que é isso?
A esquina tem uma abordagem e principalmente uma estética própria. O
primeiro passo para isso é, obviamente, a escolha da pauta. Mas a forma como
os fatos são narrados também deve se adequar a essa estética que, de certa
forma, faz uma releitura dos acontecimentos. Quem vai escrever uma esquina
tem de voltar a atenção às ironias, ao discretamente bizarro, ao pitoresco, ao
divertido das situações. Acho que é isso que um olho treinando busca.
6 - Quanto tempo leva para escrever uma reportagem da esquina ?
Varia. Já levei mais de uma semana, já levei uma tarde.
7 - Como você lida com a edição que a esquina é submetida?
Eu acato, a não ser quando há erros de informação, o que é raro.
8 - Como é a sua relação com o editor da seção esquina , Bernardo
Esteves?
O Bernardo editou apenas duas esquinas minhas. As demais foram
editadas pelo Mario Sergio Conti e pelo João Moreira Sales. Sempre
conversamos por email, e ainda não pude conhecê-lo pessoalmente.
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9 - Você tem conhecimento da carta “o que é uma esquina ” de João
Moreira Salles? Se sim, você já a consultou alguma vez? Com que
frequência consulta?
Não.
10 - Já deixou de publicar alguma reportagem por nã o concordar
com a edição do editor?
Não.
11 – Qual a sua rotina, seus passos ao escrever uma reportagem
para a seção esquina ? Por favor, detalhe como é fazer uma reportagem da
seção esquina . (se quiser escolher uma e detalhar como foi) Como ficou
sabendo do assunto da reportagem? A apuração, a hor a de escrever, a
troca de email com o editor e a leitura do produto final.
São rotinas muito variadas, porque os assuntos são diversos. Já viajei
algumas vezes para fazer esquinas. Por outro lado, escrevi uma em que não
houve nenhum trabalho de campo (sobre um perfil falso no Facebook). Mas,
geralmente, envio uma sugestão de pauta aos editores que aprovam ou não a
ideia. Como a esquina é muito pautada em acontecimentos curiosos, em
ambientações e narrativas, gosto de acompanhar os personagens em campo.
Depois sento e escrevo. Em geral deixo ela um ou dois dias parada, depois
releio antes de entregar. A edição, na maior parte das vezes, foi bem discreta e
pontual.
12 - Como você avalia a versão final da reportagem depois da
edição?
Em geral acho os textos excelentes.
Nome e idade: Tomás Chiaverini, 31.
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Anexo 20. Roteiro de perguntas aos colaboradores de piauí. Vanessa Barbara
A EDIÇÃO COMO ESTILO: INVESTIGAÇÃO DA ROTINA PRODUT IVA DA SEÇÃO ESQUINA DA REVISTA PIAUÍ
1 - Você trabalha em algum outro lugar? Qual? Sim, para a Folha de S.Paulo. 2 - Há quanto tempo colabora com a revista? Desde o primeiro número. 3 - Quantas esquina já escreveu? 24 4 - Você acha que publicar uma reportagem na revist a piauí lhe
ajuda profissionalmente? Sim, claro. 5 - Vários “esquineiros” dizem que é preciso treina r os olhos para
escrever uma esquina . Você poderia explicar melhor o que é isso? As esquinas em geral falam de um tema prosaico com pompa e garbo,
então é só encarar o mundo desse jeito. 6 - Quanto tempo leva para escrever uma reportagem da esquina ? Depende da apuração, mas a fase da escrita demora poucos dias. 7 - Como você lida com a edição que a esquina é submetida? Cada vez pior. Apesar de agora ser assinada, parece que a seção está
ficando mais e mais padronizada. 8 - Como é a sua relação com o editor da seção esquina , Bernardo
Esteves? Tensa, como a de qualquer repórter com um editor. Mas não é nada
pessoal com o Bernardo, sempre foi assim com os outros editores de esquina, como o Roberto Kaz e o João.
9 - Você tem conhecimento da carta “o que é uma esquina ” de João
Moreira Salles? Se sim, você já a consultou alguma vez? Com que frequência consulta?
Não. 10 - Já deixou de publicar alguma reportagem por nã o concordar
com a edição do editor? Não. Quando se é colaborador, você recebe mediante publicação, aí fica
difícil não publicar. O máximo que faço é publicar em outro veículo.
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11 – Qual a sua rotina, seus passos ao escrever uma reportagem para a seção esquina ? Por favor, detalhe como é fazer uma reportagem da seção esquina . Como ficou sabendo do assunto da reportagem? A apuração, a hora de escrever, a troca de email com o editor e a leitura do produto final.
Acho que já respondi nos emails. 12 - Como você avalia a versão final da reportagem depois da
edição? Às vezes você tem sorte e fica bem fiel ao original, mas muitas vezes ela
é cortada ou reelaborada, e aí é uma tristeza. Nome e idade: Vanessa M. Barbara, 30 anos
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Anexo 21. Roteiro de perguntas aos editores de piauí.
A EDIÇÃO COMO ESTILO: INVESTIGAÇÃO DA ROTINA PRODUT IVA
DA SEÇÃO ESQUINA DA REVISTA PIAUÍ
1 - Há quanto tempo trabalha na revista? Quanto tempo é o editor
responsável pela seção?
2 - Como você avalia a função do editor?
3 - O que você acha do ambiente da redação?
4 - Como é a sua rotina, seus passos, aqui na redação?
5 - Vários “esquineiros” dizem que é preciso treinar os olhos para
escrever uma esquina. Isso também ocorre com a edição?
6 - Quanto tempo leva para editar uma reportagem da esquina?
7 – Há alguns jornalistas que se adequam mais ao formato da seção?
Eles já assimilaram as características da esquina e por isso seus textos são
menos alterados?
8 - Como é a sua relação com os jornalistas que escrevem para a
esquina? Já houve algum tipo de negociação sobre a edição nos textos?
9 - Já deixou de publicar uma esquina por que o jornalista que escreveu
não concordou com a sua edição?
10 - Na hora da edição você já escreveu, ou foi procurar mais dados,
especialistas, que não constavam na versão original?
11 - Quais são seus hábitos, seus passos ao editar uma reportagem
para a seção esquina? Por favor, detalhe como é editar uma reportagem da
seção esquina.
12 - Você acha que os jornalistas que escrevem para a seção, de um modo geral, aprovam ou desaprovam suas versões finais impressas?